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... - I N enhum cientista vai ao encontro da rea-lidade que quer explicar sem "informa- ção", sem formação: é, como veremos, uma ideia falsa a de acreditar que a observação é a fonte da descoberta. Não se descobre senão aquilo que se está intelectualmente pronto para descobrir. セM ョッウL@ pois necessário preci- sar que questões vamos colocar ao direito para que ele nos "diga" o que é. Estas questões não podem ser deixãOas ao acaso: elas têm neces- sariamente de formar as bases de um sistema de ・ク セ ゥ・。 ̄ッ[ェjッイ@ outras palavras, elas têm de ter uma.-Goerência teórica, a coerência ae uma teoria Esse será o objecto da nossa primeira tarefa. Com o espírito e o "olhar" informados, iremos, então, ao encontro desse mundo jurí- dico que nos rodeia de maneira mais ou menos solene, mais ou menos repressiva, mais ou me- nos eficaz. No nosso encontro com esse mundo do direito combateremos ao lado daqueles que, para além das aparências, querem conhecer a última palavra das realidades: descobriremos, então, muitas coisas que uma observação ino- cente nos teria ocultado, de tal modo é verda- de não haver ciência senão ciência do oculto. Essa será a nossa segunda tarefa. Será possível, nesse momento, analisar de maneira crítica as diferentes teorias que se apresentaram como outras explicações do direito. Algumas delas confessaram a sua natureza propriamente fi !osófica, outras pre- tenderam, mais recentemente, contribuir para a fundação de uma verdadeira ciência do di- reito, quando não de uma ciência pura. Es- taremos em situação de poder apreciar essas afirmações à luz do que já soubermos desse mundo jurídico, das suas técnicas e da sua ló- gica de funcionamento. Será essa a nossa ter- ceira e última tarefa nesta Introdução Critica ao Direito. 9 <C u I---cc: u O .<c O VI- ::::1- 」 セ@ 0-cc: C 1-0 セ\c@ Q/ .r::: u _ Michel mゥ。ゥャャ・ セ@ __ INTRODUÇÃO CRíTICA AO DIREliO ---- ------'- Michel Miaille INTRODUÇÃO CRíTICA AO DIREITO 3. :1 edição 2005 EDITDRIAlE ESTAMPA FICHA TÉCNICA Título original: UI/e II/Iroductioll Critique (llI Droil Tradução: Ana Prata Capa: José Antunes Ilu stração da capa: JI/stiça , fresco de Rafael Sanzio no teclo da Stanza dcl la Segnatura, c. 15 10 1.'1 edição: Mames Editores, 1979 2.a edição: Editorial Estampa, 1988 3.° edição: Editorial Estampa, Setembro de 2005 Impressão e acabamento: Rolo & Filhos II , S. A. Depósi.o Legal n.O 232972/05 ISBN: 972-33-2 175-0 Copyri ght: © Editioll s La Découverte, Paris, 1976 © Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 1988 para a I íngua portuguesa A MEUS PAIS, A LINE E A BERNARD AoS assistentes e estudantes da faculdade de direito de Argel, como lembrança de um curso de introdução à ciência jurídica sem o qual este trabalho jamais teria sido realizado. PREFÁCIO .. INTRODUÇÃO ÍNDICE I. Uma introdução . . II. Uma introdução crítica . 1I1. Uma introdução crítica ao direito. PRIMEIRA PARTE EPISTEMOLOGIA E DIREITO I - OS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS À CONSTITUIÇÃO 13 15 16 20 25 DE UMA CIENCIA JURÍDICA. . . . . . . 37 1. A falsa transparência do direito .. 1.1 O Empir ismo na descoberta do Direito. 1.2 O Positivismo na expli cação do Direito . ..... . . . .... . ... .. . . . 2. O idealismo jurfdico ........ ... ............. . ... .. . .... . 2.1 2.2 Abstracção e abstracção . .............................•.. o idealismo dos juristas como representação do mundo . ... 2.3 Os resultados epistemológicos do idealismo dos juristas . ... 3. A independência da ciência jurfdica .. II - A CONSTRUÇÃO DO OBJECTO DA CIÊNCIA JURÍDICA: A INSTÃNCIA JURÍDICA....... ........... . ......... . 1. O lugar do direito como instância de um «todo complexo com dominante», . . . . . ................................ . 38 39 42 46 48 50 53 57 63 68 1.1 O modo de produção da vida social. . 1.2 As instâncias sociais: Base e superstrutura 1.3 O determinismo social: Uma causalidade estrutural .. 2. As características da instância jurídica (na sociedade capitalista) 2.1 2.2 2.3 Os impasses de uma defin ição do «Direito» Para uma caracterização da instância jurídica: Um sistema «norma- tivo)) da troca generalizada entre sujeitos de direito. O Fetichismo Jurídico ....................... . Rumo a uma definição da instância jurídica SEGUNDA PARTE A ARTE JURÍDICA E AS CONTRADIÇÕES SOCIAIS (NUM MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA) 1- OS FALSOS «DADOS»DO SISTEMA JURÍDICO . I. Os «fundamentos» do direito ............ . 1.1 O sujeito de direito . 1.2 O Estado .. 1.3 A sociedade internacional . ...... . .. . 2. As classificações jurídicas . ... 2.1 2.2 2.3 Direito objectivo - direitos subjectivos. Direito público - direito privado .. Coisas e pessoas .. II - O MAL «CONSTRUÍDO» DO SISTEMA JURÍDICO. 1. Lógica e «alógicQ» juridica .... .. ..... . 1.1 A lógica jurídica como lógica formal 1.2 Um exemplo de contraditoriedade na lógica formal: A «alógica)) ju- rídica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....... . 1.3 Raciocínio ou argumentação? .. .. ........ . 2. O quadro geral da criação de direito: As fontes do direito 2.1 Sistema das fontes do direito e formação social ... 2.2 Sistema das fontes do direito na França contemporânea ... 3. As instituições jurídicas, quadros da actividade social . ... . 10 69 72 75 84 85 86 96 III 112 114 121 135 140 141 151 160 173 176 177 186 195 197 198 207 224 3.1 3.2 Da instituição jurisdicional. Algumas outras instituições TERCEIRA PARTE CIIlNCIA E IDEOLOGIAS JURÍDICAS I _ O FETICHISMO DO CONTEÚDO DO DIREITO: DA TEOLO- GIA À SOCIOLOGIA . . . A - CRITICA DAS DOUTRINAS IDEALISTAS. 1. As afirmações do ideaJismojurídico . .. I . t O direito é um dado ... 1.2 O direito é racional .. 2. Os impasses do idealismo. 2.1 A variabilidade do conteúdo do direito natural. 2.2 A função do direito natural, uma função prático-social: à conquista do ュセNio、ッ@ antigo ... . . B _ CRíTICA DAS DOUTRINAS IDEAUSTAS OU POSITIVI STAS .. 1. A orientação do jurista realista positivista. 1.1 A atitude positivista .... 1.2 A escola sociológica do direito 1.3 Um novo positivismo: a escola fenomenológica .. 2. A insuficiência das análises positivistas e realistas .. II _ O FETlCHISMO DA FORMA DO DIREITO: O UNI VERSO RÍ- GIDO DAS NORMAS . . . A _ O FORMALI SMO JURíDICO: PARA UMA TEORIA PURA DO D IR EITO . .. 1. Ciências da natureza e ciências morais: ser e dever ser .. 1.1 Ciências da natureza e ciências morais ...... . 1.2 Principio de causalidade e princípio de imputabilidade. 2. A pirâmide jurídica: estática e dinâmica jurídicas .. II 225 233 247 247 248 249 259 266 267 271 275 276 276 279 286 290 295 299 299 300 302 303 2.1 A pirâmide jurídica no seu aspecto estático: Normas e norma fun- damentai ..................... . A pirâmide jurídica no seu aspecto 、ゥョセセゥセセZG@ セN@ ヲセセセセᅦセセG、セ@ セゥGイセゥGM lO por graus . , . 2.2 .. ' ............. . B - O ESTRUTURA LI SMO NOS JURISTAS OU O CÓDIGO DO CÓDIGO . . 1. A via estruturalista e a dênciajurfdica . .... 2. Tentativas estruturalistas no direito . . ..... , ... . . .. ... . 304 306 308 309 311 c - Os LIMITES DO FETiCHISMO FORMALISTA.. ........• • • . 317 À MANEIRA DE CONCLUSÃO ............... ... . ....... .. .. . 325 12 PREFAcIO Esta introdução ao direito foi escrita, acima de tudo, a pensar nos estudantes que, ao entrar no primeiro ano de direito, descobrem o universo jurídico. Esta preocupação explica o estilo, a argumen- tação e as referências que se encontrarão no texto. Não me preocupei com a existência de obras clássicas, ditas de (tintrodução ao direito}) (como a Introdução Geral ao estudo do direito de BRETHE DE LA GRESSAYE e de LABORDE-LACOSTE; e, aind a com o mesmo titulo, a obra de BONNECASE ou a de COULOMBEL) . A experiência mostra-me que esses livros nunca são conhecidose lidos pelo públiCO ·estudantil. Empenhei-me, portanto, em retom ar, de forma crítica, esta introdução ao direito, tal como ela surge nos manuais do primeiro ano. E aí, tomei como amostragem os qua tro manuais mais utilizados: os de H ., L. e J. MAZEAUD (Leçons de droit civil, t. I , Montchrestien, Paris, 1972); A. WEILL (Droit civ il, introduction générale, Dalloz, Paris, 1973); J. CARBONNIER (Dr oit civil, t. I, introduction, les personnes, coll. Thémis, P. U. F., Paris, 1974); e B. STARCK (Oroit civil, introduction, Libraires techniqu es, Paris, 1972). É evidente que poderiam citar-se outros trabalhos, mas a abun- dância aqui não adianta: qualquer um pode fazer a seu gosto uma longa lista bibliográfica de pura erudição. E quem o quiser, enc on- trará muito por onde escolher a partir do s manuais e obras a que faço referência. De igual modo, as introduções marxistas ao dire ito são des conhecidas pela razão muito simples de que não existe pr ati- camente nenhuma obra ao alcance de um prinCipiante. Claro qu e é preciso citar M. e R. WEYL (La Part du droit dans la réalité et da ns I'action, Éditions sociales, Paris, 1972; Révolution et Perspectives du droit, Editions sociales, Paris, 1974). Mas estes autores chegam a si m- 13 plificaçóes teóricas e a interpretações que me parecem criticáveis. Se exceptuarmos as obras escritas por não marxistas sobre a teoria marxista do direito (como K. STOYANOVITCH, La pensée marxiste et le Droit, coll. Sup., P. U. F., Paris, 1975) não restam senão inves· tigações críticas dificilmente acessíveis a um neófito, tais como B. EDELMAN, Le Droit saisi par la photographie, Eléments pour une théorie marxiste du droit, Maspero, Paris, 1973. Como em muitas outras ocasiões, o melhor é regressar aos pró- prios clássicos. O texto mais claro e mais interessante continua a ser o de E. B. PASUKANIS, Théorie générale du droit et Marxisme, E. D. I., Paris, 1970, e, claro, alguns textos de Marx, de Engels ou de Lénine que se encontrarão ao longo deste meu trabalho. Nestas condições, mesmo os não estudantes poderão ser interes- sados pela descoberta do que é o mundo dos juristas: foi também em todos estes que pensei ao escrever este trabalho, pais temos de convir que as obras de vulgarização sobre o direito são, ou muito eclécticas (como J. FREUND, Le Droit d'aujourd'hui, coU. Dossiers Logos, P. U. F., Paris, 1972) ou então claramente inconsistentes (R. LEGEAIS, Cle!s pour le droit, Seghers, Paris, 1973) . O texto que vão ler deve ser tomado por aquilo que é: uma investigação que inicia o pór em causa de uma praça fort e ainda sólida. As críticas que este trabalho suscitar são benvindas para pros- seguir este objectivo. Dezembro, 1975 INTRODUÇÃO Uma introdução crítica ao direito: este titulo, sob a sua aparente f acilidad e, exige algumas observações. Conv ém, com efeito, não nos enganarmos no objectivo. Tal objectivo é, em primeiro lugar , pedagógico: trata-se de con- vi dar aquele que inicia o estudo do direito a uma reflexão sobre aquilo que vai fazer. Neste sentido, este projecto não foi ainda reali- zado em numerosas universidades em França. Vocês acabam de chegar à universidade e escolheram a unidade de ensino e investigação rU. E. R.) * jurídica. De momento, não têm senão uma ideia bastante confusa do que pode ser o direito. Eis que chega a tempo um curso de «introdução ao direito»: ele vai certamente responder à expectativa de uma definição do vosso estudo. Desenganem-se: não haverá, realmente, introdução ao direito. Ass im é feita a universidade nos seus departamentos jurídicos! É certo que há uma parte de uma cadeira, a de direito civil, qu e se intitula: «Introdução ao direito». Mas como mostrarei adiante, ess a introdução não funciona verdadeiramente como introdução. Ser-vos-á dada tão-somente - e é já um grande trabalho - uma amos- tra dos conhecimentos que vão constituir o conteúdo das cadeiras que hão -de vir no primeiro ano e também em todo o curso de licen- cia tura. Por outras palavras, esta «introdução" surge como uma apresentação, não como uma reflexão. Há, aparentemente, alguma lógica nesta posição: como poderia um neófito reflectir sobre aquilo que não conhece ainda? Primeiro, é preciso aprender; poder-se-á, em '" u セ@ E, R .. , U.nité d'enseignement ct de recherche. - N.. T. 15 UlIta Introdut;ão Crítica ao Direito seguida reflectir 1. Encontra-se, então, justificado o desvio que, de uma reflexão sobre O direito, leva a uma apresentação das regras de direito. Pode começar-se imediatamente: «o direito é um conjunto de regras que ... », etc. Esta apresentação, no entanto, não é neutra, t o que vou tentar demonstrar. O que seria, pois, uma introdução crítica ao direito? L Uma introdução comecemos por um relembrar de vocabulário que fará compreen- der melhor o alcance da tarefa. Introduzir é um termo composto de duas palavras latinas: um advérbio (intra) e um verbo (ducere) 2. Introduzir é conduzir de um lugar para outro, fazer penetrar num lugar novo. ora, ao contrário do que se poderia facilmente pensar, esta deslo- cação de um lugar para outro, este movimento, não pode ser neutro. Não há introdução que se imponha por si mesma, pela lógica das coisas. Tomemos um exemplo para nos convencermos desta afirmação. A visita a uma casa desconhecida, sob a orientação de um guia, é sempre uma 'estranha experiência: o guia introduz-vos na casa, faz-vo-la visitar, faz-vos, de facto, descobrir as suas diferentes divisões. Mas há sempre portas que permanecem fechadas, zonas que se não visitam, e, muitas vezes, uma ordem de visita que não corresponde à lógica do edifício. Em suma, vocês descobriram essa casa ((de uma certa maneira»: essa intrOdução foi condicionada por imperativos práticos e não necessariamente pela ambição de dar um verdadeiro conhecimento do edifício. É, aliás, admissível que, se vocês conheces- sem bem o guarda, tivessem podido passear sem restrições na casa, abrir as portas proibidas e visitar as zonas fechadas ao público. Em resumo, teriam tido um outro conhecimento dessa casa, porque teriam aí sido introduzidos de forma diferente. Que dizer, então, se vocês fossem um dos habitantes dessa casa? Conhecê-la-iam ((do inte- rioT» - conheceriam os seus recantos familiares, as escadas ocultas, o desgaste produzido pelo tempo e a atmosfera íntima. Tudo se passa com se, nas três hipóteses que acabamos de imaginar, não houvesse uma casa, mas três edifícios, no fundo muito diferentes pelo conhe- cimento que temos deles. Este exemplo não é mais do que uma comparação, e veremos os seUS limites, mas permite compreender no início deste trabalho 1 Daqui surgem muitas vezes as propostas que tendem a instaurar uma r.eflexão sobre o direito, chamada impropriamente filosofia do direito, nos anos superiores do curso de licenc'atura ou no de pós.graduação. DepoiS de quatro anos de aprendizagem, um pouco de reflexão poderia ser interes. sante ... 2 Conduzir ,para dentro de, levar para dentro. 16 que não há introdução em si, lógica em si mesma, irrefutável. Há introduções possíveis, cada uma com a sua racionalidade, algumas vezes com o seu interesse, e, em qualquer caso, com as suas conse- quências. E isto vale, por maioria de razão, quando se trata de intro- duzir alguém num universo social como O universo Jurídico: o direito não tem a consistência material de uma casa, não é delimitado no espaço por paredes e portas. Quando eu tomo a iniciativa de vos introduzir no direito, tomo a responsabilidade de abrir certas portas, de conduzir os vossos passos num determinado sentido, de chamar a vossa atenção para este elemento e não para um outro s. Ora, quem saberá dizer se as portas que eu abri eram as boas? Se o sentido da visita era instrutivo para o visitante? Estas questões afiguram-se-me fundamentais quando se aborda a descoberta de um lugar , novo: é exactamente nas respostas que lhes dermos que podereis provar-meo interesse e o valor do que pretenda fazer-vos conhecer. É, pois, extremamente importante pre- cisar o que é uma introdução. Com efeito, para retomar a imagem da visita guiada, o conheci- mento que tiverdes da casa dependerá, como é evidente, do que o guia vos tiver mostrado: podereis muito bem não ter visto senão as dependências de serviço, as salas de visitas ou somente os jardins. Arriscais-vos a concluir pela importância da vida doméstica nessa casa ou, pelo contrário, pela predominância das relações sociais muito mundanas. E essa imagem que vos tiverem dado poderá mar- car-vos {LO ponto de não voltardes a falar dessa casa senão em termos de cozinha ou em termos de salão. Todas as discussões que tiverdes, doravante, sobre essa casa, poderão ressentir-se desse conhecimento inicial. Finalmente, a tarefa do guia é cheia de responsabilidades, já que ela compromete um futuro imenso. E ainda, até aqui, a comparação fez-nos assimilar o guia a qualquer pessoa temível que, voluntaria- mente, poderia recusar-vos o acesso a certas partes da casa. Mas poderíamos peqar noutras comparações em que esta curiosa perso- nagem desaparecesse e em que ninquém fosse responsável pelos erros da visita: quero falar, por exemplo, da descoberta que faríeis sozi- nhos de uma cidade desconhecida. Ninguém vos impõe ir para esta rua em vez de qualQuer outra, de ir ver este monumento em vez de um outro. Por outras palavras, segundo os vossos gostos, os vossos interesses ou vossos hábitos, vocês poderiam muito bem «escolheT», visitar igre1as em luaar de fábricas, bairros comerciais em vez de bairros residenciais. E teriam, efectivamente, descoberto a cidade, ou melhor, um certo rosto da cidade. É preciso, pois, não atribuir à nossa primeira imagem mais impor- tância do aue a que ela ?Jode ter: a introdução num lugar novo não é o efeito de um «complot» sabiamente preparado por alguns guias 3 Tal ê a minha tarefa de guia que não é mais do que a tradução de pedagogo. 17 todo-poderosos de que vocês seriam as vítimas mudas e inocentes. Se raramente constitui um mecanismo maquiavélico para fechar deliberadamente certas portas, qualquer introdução pode ser 」ッュセ@ parada a um itinerário cujo sentido e desenvolvimento nunca são deixados ao acaso e condenam guias e visitantes a nunca abrir certas portas interditas. Este risco é real e tanto mais insidioso quanto a nossa オョゥカ・イセ@ sidade liberal não afirma nenhuma ortodoxia precisa a respeitar: tudo é aparentemente possivel, tudo pode ser dito. Não /ui introdução oficial. Assim, todos os estudantes e a maioria dos professores podem pensar que abriram todas as portas, em desmascarar guias desonestos; trata-se de saber porque é que a visita se faz sempre no mesmo sentido, porque é que são sempre as mesmas portas que são abertas e outras fechadas. Convenha-se que estas questões não são desprovidas de ゥューッイセ@ tância, já que, em definitivo, é o problema do conteúdo da introdução que se encontra colocado, justamente quando nenhuma directiva impõe esta ou aquela direcção. E, no entanto, nada de tudo isso se deixa adivinhar na prática. A introdução ao direito tem todas as aparências de uma simples familiarização com a terminologia jurídica: tudo se passa como se, a partir de definições dadas a priori, se entregassem ao estudante os materiais que ele ia ter para manejar: a pessoa jurídica, o direito público e o direito privado, o contrato, a lei, as decisões judiciais e os actos dos poderes públicos e toda a tecnologia jurídica. Acaba por se ter a ideia de que, no fundo, a introdução é uma coisa simples. A quem tenha o espírito esclarecido e um pouco de boa vontade é dado, sem mais, um conhecimento imediato do mundo jurídico. Não há diversas maneiras de conhecer o direito: bastaria mergulharem, sem hesitações, nesse universo e, dominando o vocabulário e as técnicas, vocês poderiam, em breve, tornar-se juristas conhecedores. Vejamos.' Se nenhuma introdução é neutra, se todo o itinerário 」ッュセ@ porta a sua lógica e as suas consequências, esta impressão de um acesso imediato ao direito corre todos os riscos de ser uma falsa impressão. Vale, pois, a pena parar um pouco no limiar desse mundo novo se está em jogo a própria qualidade de todo o conhecimento que daí tiraremos. Uma última palavra. Na sequência de acontecimentos que nada têm de ocasionais - e cuja história faremos mais tarde - a ゥョエイッセ@ dução ao direito é objecto nos programas actuais 4 de um ensino integrado na cadeira de direito civil do ano respectivo. Esta situação acarreta duas consequências importantes. Em primeiro lugar, à intro- dução ao direito é atribuído, excepto em algumas universidades, um 'i O D. E. Uo' G. * foi instituido pelos decretos de 27 de Fevereiro e 1 de セ。イ ッ@ de 1973. * D. E . U. G., Dip16me d'études Unlversltalre.s g←ョ←イ。ャ・ウ セ MnN@ T. 18 lugar menor. Ela não tem o estatuto de uma cadeira autónoma, com sessões de trabalhos orientadas e conduzindo, pois, a uma reflexão aprofundada. Bastaria para nos convencermos entrevistar os ・ウエオ、。ョセ@ tes do primeiro ano, para nos apercebermos que a introdução, a seus olhos, reveste, no máximo, ° carácter de uma passagem obrigatória antes de abordar. em profundidade as disciplinas jurídicas. O impor- tante, é o que se estudará em seguida: em direito civil, em direito constitucional ou em direito internacional. Nenhuma verdadeira inter- rogação é formulada no início dos estudos juridicos; nenhuma dúvida sobre a validade das noções utilizadas, sobre o rigor dos raciocínios da lógica jurídica. A introdução ao direito é um certo número de páginas a saber. Não é, pois, de espantar que a presença da ゥョエイッセ@ dução nos programas funcione como uma ausência. Cruel ausência que só alguns filósofos do direito lamentam, de forma isolada, em revistas especializadas セ A@ Ao fim e ao cabo, o conhecimento juridico poderia dispensar uma reflexão sobre O direito. Mas há uma segunda consequência, de igual gravidade. Sendo a introdução ao direito ensinada pelo professor de direito civil, aparece como uma parte do direito civil e não verdadeiramente como uma introdução a «(todo)) o direito. É interessante a este respeito consultar os manuais e as sebentas. Apesar de certos esforços, a lógica do direito privado predomina, O que obriga, a maior parte do tempo, os outros professores do primeiro ano a darem, cada um por sua vez, uma introdução.. ao seu ramo do direito. O estudante tem a impressão de ouvir três ou quatro vezes desenvolvimentos idên- ticos e, nesta abundância, se perde a intrOdução ao direito. Esta constatação é tão verdadeira que raras são as tentativas de 」ッッイ、・セ@ nação que tenham tido êxito. Frutos da interdisciplinaridade de 1968, as experiências regressaram pouco a pouco às tradições, e a ゥョエイッセ@ dução ao direito perde o seu lugar de reflexão comum no conjunto dos problemas jurídicos. Mas há ainda mais grave do que isto: a introdução ao direito não é de todo sentida como uma necessidade. Cada um pode realizá-la numa cadeira ou mesmo não falar dela: afinal, isso não tem ゥューッイセ@ tância nenhuma. É preciso saber, como pertinentemente nota um professor 6 que «todos os professores podem contentar-se com a intro- dução do professor de direito civil, sem examinar sequer se partilham a sua opinião. Contentam-se com ela tanto melhor quanto tais セ@ O melhor exemplo é, sem dúvida, o combate solitário de Mo' VILLEY. Ver a sua última obra: Philosophie du droit, précis DaUoz, 1975. «Perguntem sobre o que é que assenta a nossa pretensa ciência do direito, como é que se justificam os nossos métodos, quais são as fontes dos nossos coolbecl- mentos quem saberá responder? ( .. . ) O jurista omite a justificação, a funda.- mentação do seu método de trabalho ou a explicação de porque é que as soluções se deixam ir buscar a esta ou àquela fonte» (p. 9). :m exactamente o nosso ponto de partida. セ。ウ@ não tiraremos dai as mes. mas conclusões.· 6 G. WIEDERKEHR. «Eléments de philosophie dudroit dans les manuels contemporains de droit civib, Archives de philosophie du 、イッ■エセ@ 1965, p .. 244. 19 introduções deixam, todas elas, uma impressão de neutralismo». Que haja ou não introdução, nada se modificará por isso nos estudos feitos nas cadeiras. Na realidade, não há verdadeirall:ente introdução ao direito no sentido em que se revela necessária uma reflexão sobre a maneira de conhecer o direito. Pode-se ficar surpreendido com esta ausência, quando é certo que, tradicionalmente, os ensinamentos ditos literá- rios, quer se trate de literatura propriamente dita ou de sociologia, de história, a fortiori de filosofia, não se concebem sem esta inter- rogação sobre o seu próprio objectivo. Veremos que esta situação não existe por acaso: basta-nos, de momento, tomar consciência dela. É-nos, pois, necessária uma introdução ao direito que seja o des- vendar do itinerário que vamos seguir. Em rigor, não é qualquer introdução que serve para nos fornecer esta clarificação: é por essa razão que eu qualifico esta de critica. II, Uma introdução crítica Para compreender o alcance deste adjectivo, é preciso, em pri- meiro lugar, relembrar a ambição do projecto: introduzir o direito, claro, mas segundo um método científico. Esta precisão é plena de consequências. Com efeito, a introdução ao direito que ouvis não é desenvolvida em qualquer instituição: ela é o objecto de um ensino ministrado numa unidade de ensino e investigação integrada numa universidade. Estas instituições, são, por definição, aquelas onde se elabora e trans- mite o saber. Mas é preciso ver de que saber se trata: aquele que tem o nome de ciência. De facto, toda a gente sabe, mais ou menos, o que é o direito - teremos ocasião de voltar a este ponto funda- mental- mas um estudante de direito pode ter o desejo legítimo de conhecer o direito melhor do que pelas instituições sociais ou fami- liares que o conduziram até lá: ele pode exigir que se produza diante de si a ciência jurídica. Introduzir O direito é, implicitamente, intro- duzir cientificamente o direito ou introduzir a ciência jurídica. Se é este o desejo do recém-chegado e, ao mesmo tempo, a ambi- ção do professor, será, pois, necessário que nos interroguemos seria- mente sobre o que é um pensamento científico. Não se trata de um luxo inútil, uma observacão filosófica sem importância, uma perda de tempo: se eu não estiver à altura de ser introduzido cientifica- mente no direito, é então de duvidar de todos os conhecimentos que me poderão ser ensinados. Qual é o valor de uma instituição que não conseque realizar o que ela inscreve nos seus frontões? E, se a universidade já não é o lugar onde a ciência é produzida, então para que serve ela e onde é que se poderia encontrar um conhecimento científico? Volto, pois, ao próprio qualificativo desta introdução: crítica. Primeiramente, afastemos uma interpretação que, embora cor- 20 rente, não é por isso menos errada. O termo crítico não tem o signi- ficado da linguagem habitual: tomamo-lo no seu sentido teórico. Dirigir críticas é, no sentido comum, exercer sobre as coisas ou as pessoas que nos rodeiam um certo número de juízos tendentes a corrigir tal erro, a colmatar esta lacuna, a denunciar aquela insufi- ciência. Criticar, apesar do sentido geral da palavra, não é, no entanto, sinónimo de pôr em causa. A maior parte das vezes, as críticas não têm nada em comum com uma crítica. Com efeito, no conjunto bastante homogéneo dos professores que apresentam uma introdução ao direito, não deixam de encontrar-se tomadas de posição, juízos, em suma, críticas. Estas dizem respeito ou às opiniões de um. autor - critica-se esta ou aquela explicação- ou às disposições das regras de direito - critica-se esta lei, aquela decisão judicial, aqueloutro decreto. O liberalismo universitário favo- rece unw situação destas: se as críticas são possíveis, o espírita crítico está salvo, garantia da liberdade de pensamento 7. E, no entanto, o conjunto do edifício não é verdadeiramente posto em questão; embora possamos distinguir diferentes correntes filosóficas e poli- ticas nas cadeiras e nos manuais que tratam da introdução ao direito ii, estas surgem como variantes de uma melodia única: a filo- sofia idea.lista dos países ocidentais, industrializados. As críticas feitas, aqui e além, não chegam para disfarçar a pro- funda afinidade dessas correntes. Assim pois, uma introdução crítica não será uma introdução com críticas. E preciso t01nar o termo em todo o seu sentido: o da possi- bilidade de fazer aparecer o <dnvisível». Expliquem.os esta formulação algo esotérica \J. AquilO que é próprio de um pensamento abstracto consiste precisamente em poder evocar «coisas» ou realidades na sua própria ausência. A abstracção intelectual permite-me falar de mesa ou de cavalo, mesmo que não tenha uma mesa ou um cavalo sob os olhos no momento em que falo deles. Esta faculdade. ·que parece evidente de tal modo nos é habitual, é, afinal, '0 que constitui o essencial do pensamento abstracto. Mas o pensamento crítico é mais do que o pensamento abstracto: é preciso (!acrescentar-lhe!> a dialéctica. Que quer isto dizer? O pensamento dialéctico parte da experiência de que o mundo é comple.To: o real não mantém as condições da sua existência senão numa luta, quer 7 Um exemplo particularmente nítido desta vontade expres:óa de «cng-agemcnb é dado pelo tratado dc H .. L. e J. MAZEAUD, Leçons de droH civiL },1:ontehrestlen, Paris, 1972, 5.a cõição, pp. 43A4: «Este ensino do direito permanece droIn.'lsiado cxclU',üvamente centrildo no estudo do direito positivo (legislação e jurisprudência). ( ... ) O ens'no do d'reito deve propor-se um outro objectivo: f8/:cr um juízo de valor sobre a regra d-c direito, estudar essa regra de lege fcrcnda. (. )j • . セ@ G. WIEDERKEHR, «Elémcnls de philosophie ... », artigo citado pp. 243- -2G6. \! H. MARCUSE. Raison et révolut-ion, 1!".:ditions de Minuit, Paris, 196B. O prefác;o. «Kote :mr la dialectiquc:>, pp. 41-50 é de leitura fácil e extremamente intcre.'Jsante. 21 ela seja consciente quer inconsciente. A realidade que me surge num dado momento não é, pois, senão um momento, uma fase da sua realização : esta é, de facto , um processo constante. Um pensamento dialéctico é precisamente um pensamento que «compreende» esta exis tência contraditória. Ao contrário, designarei por positivista um pensamento que se limite a descrever o que é vistvel, a mostrar que uma dada coisa que existe se apresenta desta ou daquela maneira, com estas ou aquelas características. A abunddn- cia dos detalhes que eu poderei p r oduzir sobre esta realidade, tal como ela se me apresenta, poderá dar-me dela um certo conheci- mento. E, no entanto, esse conhecimento será de algum modo unila- t eral, porque ficará l imitado à própria i magem do que vejo. Completa- mente diferente é, face ao mesmo objecto, o pensamento dialéctico ou critico: este encara-o não só no seu estado actual, mas na totali- clade da sua exis tência, quer diz·er, tanto naquilo que o procluziu como no seu futuro. Este pensamento pode, pois, fazer (wparecen) O que a realidade p resente me esconde act.ualmente e que, no entanto, é i gualmen te importante. «(A realidade é coisa diversa e 1nuito mais do que o que está. codificado ( .. . ) na l inguagem dos factos 10». Tome- mos um exem.plo. F ren te a um eui/ido, posso ultH1.paSSar a estrita descrição, ou a unálise dos ma teriais que o constituem, para mostrar de que é que esse edifício nasceu, ao tra:nsformações que podem afectá-lo na sua materialiclade ou no seu destino. Darei então dessa construção um conhecimento que, nco se limitando ao visível que se me impõe, permite apiedá-lo de uma forma completamente diferente: qual o projecto que esse m onumento representa, qual o trabalho que fOi ncessário para a sua construção, ョセ。 ウ@ também qual a função アオセ@ ele 、・ ウ・ュー ・ョ ャャセ@ hoje, quais as rr:odificações que são possíveis ou ll esejdve"i.spara hoje oz! amanhã. Em suma, eu reinteg;-'o este objecto num 1m.i1Jcrso mais vasto, mais completo, que é o dos outros objectos e sob retudo de outras rel'.lçõ es com acontecimentos aparentemente independen tes desse monumento e sem os quais, no entanto, não se pode realm.ente compreendê-lo_ Assim funciona o que eu chamo o pensmnento crítico: ele merece este qualificativo neste sentido em que, suscitando o que não e visível, para explicar o v isível, ele se recusa a crer e a d izer que a realidade se linzita ao v·isfve l. Ele sabe que a r ealidade está em movi- mento, quer dizer, que qualquer coisa para ser apreendida e anali- sada tem de o ser no seu movimento interno; não se pode, pois, abusivamente reduzir o real a uma das suas manifestações, a uma das suas fases. Vê·s e que campo se abre assim à análise a partir cio momento em que ela tome este caminho. E, especialmente, nas cWncias que se propõem lazer o esturlo dos homens que vivem em sociedade. Com efeito, o pensamento crítico t01"1w-se então a lógica de uma t eona cientifica. Diversa.mente das tem'ias cientifi cas hahi- I') lbjd .. p . ·!5. 22 tuai s que se reduzem a uma técnica de inves t igação das coisas- aplicar a intel igência ao melhor recenseamento possível dos fenóme- nos - a teoria crítica nas ciências sociais traz uma reflexão de um género completamente diferente: ela rejl ect.e, aO mesmo tempo, sobre as condições da sua exis tência, sobre a sua situação no seio da vida social. Funciona, pois, não só por si mesma, m as definindo as suas )'clcções com o con texto em que surge 11 . Um pensamento crítico já não pode contentar-se em descrever dado acontecimento social, tal e qual ele se oferece à observação: ele não pode deixar de o reinseri.r na totalidade do passado c do futuro da sociedade que o produziu. D e[;envolvido assim , cm todas as sua" d·imensões, esse acontecimento 'perde o caracle)' chão, unidi- mensinnal, que a mera descriçao lhe conferia: torna·se prenhe de torlas as deterrninações que o prodn;;:ira.rn e ele todas as trcms/ormações pos- síveis que podem a/ectd-lo. A teoria c1'Uica permite não só descobrir os diferentes aspectos escondidos de uma realidade em movimento, -mas sobretudo abre, então, as porias de uma nova dimensú,o: a ria «emandpaçãw), se!J1tndo O termo de G. Raulet Qセ N@ Refl'Jct i ndo sobre as condições e os efeitos da sua. existenC"ia na vida social, a t eoí'ia reencontTa a sua lig-ação com a prâtica, quer dizer, com o m.undo social existente. Es ta olJ8crvação é capita.l para o nosso objecto. Um estudo do direi to no sentido que acabam os ele indicar ultrapassa, então, ° recen- seamento, a classificação e () conhecimento do funci onamento elas diversas noções jurídicas, das insti tuicões e dos ュ ・・。ョNZゥL\[ZャNGセッウ@ do direito. O mundo juridico não pode, então, ser verdadeiramente conhe- cido, isto é, 」ッュGーイ・ ・ョセAゥ、 ッL@ senão cm relação a tudo o que permiti.u a sua existência e no seu f u tu ro passiveI. E ste tipo d e análise clc.<:;ólo- queia o est.udo do di.reito do seu isolamento, proi ecta-o no mundo Tea l onde ele encontra o seu lugar e a sua ra,'?ão de ser, e, lirJando-o (I. todos os outros f enómenos da sociedade, t orna-o solidário da mesma história social. Porque, em definitivo, trata-se de saber porque é que dada regra :iurícli.ca, e não dada outra, Tege dada sociedade, em daelo momento. Se a ciência. jurídica apenas nos pode dizer como essa 1'egra fun- ciona, ela encontra-se reduzida C!. uma t ecnologia juridica perfeita- mente insatis! atôria. Temos direito de exigir mais dessa ciência, ou melhor, de exigir coisa diversa de uma simples descrição de meca- nismos. Existe uma outra significação para este qualificativo. Critica, a análise que elevemos ten tar é-o em relação às análises que nos .<Jão propostas actualment3. Sou obrigado aqui a lembrar uma evi- dência : (! reflexão cientifica não parte nunca do nada; não existe 11 J. H ABERM AS, T 1I6orie ct Pratiq !MI, Payot, p aris , lU75, tomo I. efr. p i'dácio d e G. RAULE'l', pp. 20 l' seguintes: o marxismo ê esta. <':teoria ct'lti c.."1. por oposição à teoria エ ャB セ 、 ゥ」ゥッ ョ 。 ャ@ que nào refl ecte sohr ê rl sua s lt u<l.i,:ão no セ G ・ゥッ@ do ー イoc Zセヲ[s o@ de trabalhO sociah. Qセ@ lbid.., p. 11. 23 ponto zero do conhecimento, teremos oportunidade de voltar a esta afirmação. O sab er científico pode ser rep res entado como um tra- balho nunca termi nado para formular em termos mais exactos o Objecto e os métodos da sua investigação. O conhecimento de hoje é o ultrapassar do de ontem, isso é bem sabido, mas a maior parte das vezes ignorado e mal conhecido. Com efeito, uma representação ・セーッョZエ¬ョ・。@ da obra científica tende a deixar imaginar o avanço da 」セ↑ ョ」コ。@ como uma trajectória unida e única em que cada autor teria vzndo aumentar e tornar mais complexo um pensamento que, desde o principio dos tempos, se desenrolaria at ravés da história dos homens. E sta história da cii]ncia é pura e simplesmente fa lsa 13. Os. ー イッ ァイセウ ウッ ウ@ cient íficos são sem pre, segundo o termo consagrado cUJo sentzdo real se esquece, ((conquistas»: há um que ataca e outro que é vencido. O conhecimento de hoje é recortado sobre o conheci- mento de ontem, d e tal modo é verdade que descobrir em ciência não signif ica melhorar o pensamento anterior, mas 'tropor um outro modo de colocar o prob lema. Para u t ilizar apen as um exemplo, Copér- n ico não m elhora o sistema de Ptolomeu.' transforma-o radicalmente, quer dizer, destrói-o enquanto pretensão científica e substitui-lhe todo um outro universo H . É preciso absolutamente lemb rar que, se Galileu enco'}:tra u ma feroz oposição, é e.Tactamente porque afirma uma con- cepçao do mundo que, longe de ser a conti.nuação melhorada da p r ecedente, al)?-Csenta-se como to lalmente n ova. Hoje fi cais certa- m ente espantados perante o obscurantism o da l qr eja of i cial que f orça Galileu a abjurar as suas descobertas; no entanto. não esqueçamos que a I greja e a Universidade dessa época são as instit u ições em que é ensinada e estudada a vet'dade, a ve rda de do conhecimento. Salvas as devidas proporções, Pasteur. alguns séculos depois, terá de enf rentar a host ilidade dos «me10S cient íficos}) pouco convencidos do carácter científico das suas descobertas. Por outras palavras, o conhecimento científico é sempre obtido violen tamente contra um outro .conhecimf!n to que se afirma ciência: é neste movimento, que n ecesszta, por vezes, para se li bertar , de ((qolp es de forçw>, como veremos, que se constrói e desenvolve a inteligência das coisas e d os homens. Ora, este ensino da introdução ao direito é precisament e イ セ。ャゥセ 。セッ@ numa ins tituição, a universieZade. que é o l ugar da (me rda de» c1entzltca. Estamos todos acostumados à ideia ele que o que é dito nesse 11LQar é l ógico, explicativo, portanto (Iverdadeiro)) . Esta é a razão pela qual vocês pOdem dar algum crédito ao que os p rofessores dizem: senâo, a universidade não t eria mais razão de ser. N o entanto, deixai- . 13 M. fic hセnG NイL@ M. PF.lCHEUX, Sur l'histoire des SG"Úl ll-C8S, coI. Théo- rl e. Maspero. Paris. 1969, p. 51: «Le Prohlême de i Gィセウエッ ゥイ ・@ d es ウ」 ゥ ・ ョ 」・セZ[I N@ J. ... A L1'!I l!SSER , P hilosophíe ct P hilosophie spontanée des sat,'ant s ( 1967), coI. Theone, Maspero, P arIs. 1974, pp 79 e seguintes. H Uma exposição muito simples desta mutação, encontra_se I?ffi A o K OYRf: , Du 111..?'lde elos à l'unit;er8 'lnfil/i, P. U. F., Paris, 1962. L er desig na _ da mente o capItulo 2 : «A Astronomia nova f' a Nova Metaf iSico':", pp. 30 セ@ seguintes. 24 -vos por um ins tante, como D escw-tes n o seu destacamento militar durante w n inverno alcm.ão. assa ltar por u ma duvida: e se existisse uma ouira ((verdade» poss"Í'/;el no conhecimento elo direito? E se o que c afi.rmado como (!Verdade» evidente pUdesse ser objecto de um ata- que radi cal? Talvez seja possível i r m ais longe, ou melhor , por outro caminho, em. re lação às viasjá t r açadas. Talv ez haja portas que possamos abrir que as doutrinas precedentes e as afirmações de hoje mantém f echadas. É esse ult rapassar a que vos convida toda a r eflexão cientijica: e, conw qualquer ?·cflexão científica, ela reveste de algum modo o carácter ele uma aventura. Ninguém sabe o que afinal de con- tas será clescolJet·to, ninguém sabe que dificuldades nos esperam nessa e:rploração. Mas vale bem, a pena t entar a experiência, m esmo se ela nos conduzir por cam.inhos sclitârios, mesmo se ela nos opuser a tu.do o que se encont ra ((Jwrmal771cnt eJ> dito e explicado hoje. Uma intro- dução crít ica, é, portanto, bem a iniciação a um esforço de refl exão C0112. todos os seus riscos e todas as suas aberturas. Esta introdução cr ít i ca r ef ere·se a um o bjecto particular: o direito.. Convem ainda precisar o sentido deste. III. Uma int rodução crítica ao di reito o termo direito conhece as metamorjoses de inúmeros ou l r os ter mos do nosso vocabulár io: tem vários sentidos. Não é, em geral, uma (lificuldade int1·ansponivel, mas para o nosso trabalho pode ser u m obstáculo impor tante. Partamos de uma evidência para most rar a complexidade da situação. Quando vos perguntam qual () objecto dos vossos estudos e vocês respondem (diro direito» (je fa is du droit ) - nas familias bur - guesas, ([ir-se·ia ({ele está {J, tirar o curso de d i reito» (il jait san droU) - vocês não querem de modo nenhum dizer que jazem regra!:i de direito, que süo autores do d ireito! O vosso interlocutor compreelideu nesse jogo de palavras que vocês estudam direito . Este lembrar da linguagem corrente mostr a suficientemente a ambivalência do t erm() direi,to. E le significa simultaneamente o con- junto das r egras (ditas juríd icas) que regem o comportamento dos homens em sociedade e o conhecimento que se pode ter dessas regras. O francês n ão tem senão u ma pa lavra para designar essas duas reali- dades. Es ta dualidade de sentidos é apresentada habitualmente nos m anuais e cadeiras sob a distinção elegante dos vocábulos: dircito- -arte, direito-ciência. O direito é, em primeiro lugar, u m con junto de técnicas para reduzir os antagonismos sociais, para pe1"mitir uma vida tão pacifica quanto possível entre homens p ropensos às paixões. セ@ dar conta do carácter flutuante e p ragmático dessa arte, uma arte de homens sen- satos, como lembra sem humor a vellw.. palavra jur isprudência. Assim, o conhecimento que se pOde t er dessa arte reflectirá as i ncertezas 25 dessa técnica de pacificação social. O direito é uma ciência? Claro. lIias não à maneira das ciências exactas. Uma ciência aproximativa, de algum modo, mas Ul1W ciência, apesar de tudo. Não é unicamente para honrar as inscrições f eitas nos frontispídos dos nossos edijícios que dizemos que ensinamos a ciência jurídica: é porque o estatuto oficial desse ensino é t ido como científico. {}ue quer isto ãizer? A ima· fiem que 1·apidamente se impõe a um estudante de direit.o é a divisão entre práticos e teóricos do di /cito. Não fa lo aqui da separação, muitas ve;zes denunciada, entre conhecimentos teóricos e realidades práticas, entre a universidade e o mundo que a envolve: ela vale para t odas as espécies de ensino. Quero designar o ejeito particular que ela reveste nas universidades em que se ensina o direito. As cadeiras, os manuais ou os tratados apresentam-se expressa- mente como um re tomar da matéria bruta dada p ela prática jurídica ou p elas d·iversas práticas do direi to: legislativas, administrativas, judiciárias, etc. O professor em direito eleva-se ao nivel da teoria jurídica, juntando os fios dispersos de U1n nODelo em que os prútico1> f requentcmen.te se pcrdem: com que autoridad[J a ({doutrina", designa- ctamente os professores de direito, propõe esta uu aquela solução ao logislador ou ao ju iz a fim de tornar maís coerente este ou aquele sistema. O estudanle de direito pas.'w, aparentemente, a maior parte do tempo a c1islmZc2rtT-Se em Tdação às contingêncúls da prática: repetiu-se frequentemente que, saído da universida.de, saído desse m.undo artijicial, pCl·/eitamente estruturado, lógico e racional, lhe era preciso reaprender tudo. Há mais do qu.e um passo entre a teoria jurídica c a prática elo direito : há muitas ve;.; cs um fosso . Tal pro- cesso qu e constitui o objecto ele um longo desenvolvimento em. âada caelcira cncontra-se prat icamente inutiliza.do pelos julgadores; t(il meca- nismo sábio, objecto de capítuLos inteligenles, enconlTa·se a nwior pa.rte das -z.;ezes alterado no dominio dos jac tos pai processos menos l·cgula- Tes mas mais efícazes. eQWセ@ smna, a ciência do áireiio ganharia em Tigor o que perderia em actualidade. E com que cu.idado, aliás, o fo nnalismo de e.r posição e de raciocínio é tam lJém salvaguardado. O pla.no em duas pa.rtes, sobre qualquer t ema, dá a aparência de um domínio perfeito da questão, finamente articularla nos seus desenvolvimentos internos ao ponto ele, para parafrasear H egel, utudo o que é real se tornar racional». Ê verdade que t.ais práticas são pTóprias do mundo univer- sitário, como talen"losamente refere L évi-Stmuss, lembrando a ウエセ。@ licen- ciatura em filosofia jセN@ Claro, o estudante é pago na m esma m oeda pela clareza, a minúcia no radocfnio e a perjeição lógica neste tipo dc exer- cício intelectual. Para além, de toda a escolástica estéril e ele toda a caricatura universitária, é verdade que é dado um certo conhecimento 1Jzetódico, aprofundado e racional dos 7necanismcs juridicos. Neste seno tido, será inútil querer negar os esforços daqueles que praticam. esta ((ci énciw! e alguns dos Tesultados a que chegaram. E, com o com- plexo de un'iversitário a ajudar, ser íamos fortcmente tentados a pen- l::i C. Lf'.:Vr·STRAUSS, Tristes tイHIZーゥアQセ ・Xャ@ Plon, Parls, ] 955, I.ntrodução. 26 sarmo-nOs como dete'ntores da rcverdaden teórica/ deixando para os práticos a má compreensão ou a errada utilização das técnicas jw'í- à"icas. O direiLo : uma arte, m as dominada implicitamente pela ciência, ocupandO esta sempre o lugar de destaque. Esta concepção, que é afi- nal bastante tecnocraiica, convencer-nas-ia de que existe realmente uma ciência jurídica. Esta afirmação oculta, no entanto, uma realidade bastante impor- tante: a r elação que existe entre ciência jurídica e arte do diieito, eu diria, a relação de dependência da primeira em relação à ウセァオョ、ZZ [@ pois em deJinitivQ é isso mesmo que nos é ocultado na 。ヲセイュ。。o@ oficial da ウ・ー。イ。 ̄セ@ ciência-arte e da supremacia implícita da ciência sobre a arte. Retomemos as coisas na sua raiz: produzir di1·eito, quero dize?" regras de direito, é um dos f enómenos da nOssa sociedade. Es.ta produção de regras l egislativas, administratiúas, etc., está n ecessarw- mente ligada - é talvez dependente, como veremos. mais エ。イ セ 、・@ セ@ a todas as outras produções que a sociedade faz surgIr: produçao l1.te- raria, artística, cultural, mas também produção de laços e de insti· tuições polí ticas, e ainda p rOdução de bens económicos ._ Assim sem aprof1mdar mais de momento, a produçao de r egras de direitO' apresenta-se tal como é: produçã.o de instrum:entos ョ・」セウ ᆳ sários ao funcionamento e à reprodução de um certo tlpo de ウッセコ・ ᆳ dade. Consequent emente, as instituições jurídicas, tanto na sue: ャVァャNセ。@ como nO seu vocabulário, pretendem coisa diversa do que dar a soc:e. dade meios de se manter? Nem mais nem menos. Podemos, entao, in terrogarmo-nos sol)re o conteúdo exacto da rejlexão de que a ciência vai investir eSse campo de actividade social. poderíamos esperar que, como nos outros dominios, a ciência, não se jicando pelas aparências e não tomando as coisas ao pé da letra, desvendasse as r ealidades explicativas do real, do 1nesmO modo que o át0J?l.0 invisível explica a 11/.atéria visível na sua estrutura e na sua ・vo セ Q A。_@ Ora, esta não é a concepção, ou pelo menos a ーセ£エゥ N」。 L@ da czencza jurídica na universidade . E sse não é, portanto, o dZTeztono アオ。セ@ o estudante habitualmente é introduzido. De facto, ele é ゥョエ イッ、オコセセ ッ@ nas técnicas jurídicas, tais como a sociedade as apresenta e as ーイッーセ・@ e não numa rejlexão sobre essas técnicas. Não é, portanto, senao aparentemente, qlle direito-arte e direito-ciência se Nセョ」セョエイ。 Aョ@ sepa- rados: t.udo SI? passa, na r ealidade, como se a Clencza naO ヲッウセ・@ aqui mais da que a auxiliar, a serviclora, 、セ@ 。セᄋエ・N@ E ,:ta 」 ッョウセ 。エ。 オ ッ@ acarreta duas consequências cuja importancza e preclso medzr. Em primeiro lugar, a pretensão dos teóricos do áireito 、セ@ cons- truir uma ciência é, a maior parte das vezes, m!t.ito impróp.na para dar conta do que é realmente ーイッ、Q AGセゥ、ッ N@ Pcr l·azoes que teret oportu.- nidade de explicitar mais tarde, a ciência ェオイ■ 、ゥ」。セ@ tal_ como é prat?,- cada habitualmente, não é mais do que uma jormalzzaçao, uma espécze de r acionalização de t extos jurídicos mais ou menos homogéneos e compatí-z.;eis entre si. A ciên.cia juridica limita-se a ser uma セーイ・ウ・ョᆳ tação, exaustiva em alguns casos, por amostragem representatwa nau- 27 tros, das regras e das instit uições. Aliás, não é por acaso que a evocação dos estudos de direito no espírito do comum dos mortais traz logo a imagem de enormes compilações e de uma boa memória necessária. De jacto) a licenciatura em direito pôde ser esse monu- mento de conhecimentos armazenados em códigos e recolhas, sendo t odo esse conjunto aprendido nos cursos magistrais. A dificuldade surg.e de a produção cien tifica ser hoje tal, em quantidade e em com- plexzdadc) que. o jurista científico fica exausto a querer in tegrar tudo no seu conheClmento. É banal constatar e denunciar o empolamento exagerado dos programas de ensino. Que dizer dos da licenciatura em direito! Cada ano traz novos problemas para analisar cada reforma acrescenta ou um capítulo ou um objecto novo. A; sim) os p rogra· mas apresentam doravan te um aspecto, não somente sobrecarregado, mas sセ「 イ ・ エオ、ッ@ díspar. N esta acumulação, p erde-se o fio director e os ensznamentos jurídicos são af litivos de tecnicismo e de detalhes. セ@ que se chama investigação em ciência jurídica sofre o mesmo destmo: as teses tornam-se enormes compilações sem nenhuma demonstração; mesmo as antigas disser tações dos diplomas de estu- dos superiores tendiam a igualar, pelo seu volume, a medida de uma tese de doutoramento.' Pouca reflexão no total , nada mais do que um esf orço de ordenação, de clarificação numa selva cada vez mais ゥョ・クセイゥAAB」£カ・ ャN@ !'1!do se passa como se os teór-icos t ivessem por única ambzçao classzflcar as sentenças do Tribunal de Cassação ou anotar os .últimos decretos surgidos no Journal officiel. E sta visão, quase cancatural, do que é a ((ciência jurídica» actualmente não é desmen- tida pelo esforço tentado por uns quantos para desenvolver estudos ェオイ■、ゥ」 ッセ@ mais aprofundados: em geral, a vaga tecnicista irrompeu nas anltgas faculdades de direito C01n a palavra de ordem bastante ambígua de um (regresso às realidades e às necessidades sent i das pela sociedade". Para evitar que se aprofunde o fosso existente entre universidade e sociedade, pôs-se a universidade na escola da socie- dade: ・ ョセ。 イイ・ァ。、 。@ de lhe fornecer os seus quadros e os seus técnícos, ela estana doravante votada a não encarar a sua obra senão na セウエZ・ゥエ。@ óptica de uma estrita formação profissio nal. Longe de mim a ldeta de conservar a universidade numa junção aristocrática inútil: o problema niío é esse e é, em qualquer caso, muito mais complexo lU . Tudo. o que quero mostrar é que a teoria dos juristas não é nunca, a mator parte das vezes, mais do que o decalque das instituições dos me·ios e. das técr:i.cas do mundo dos práticos. Ora, se é normal que estes crzem e utzlzzem certas noções e certos instrumentos é curioso que essas mesmas noções e esses instrumentos se to;nem sem ョ ・ョセオZョ 。⦅@ alteração, os elementos da (liearia jurídica». Se, por ・クセューャッL@ a dzstznçao entre direito público e direito p rivado é simultaneamente 1(: Trata-se. na realidade, de todo o problem a da função da universidade. A Il tcratura é abunda nte sobre este tema, sobretudo depois de 1968. Notcmo.'il um precursor: G. GUSDORF, L'Université en questiO'n. 28 cómoda e ú ti l na nossa sociedade, é, em contrapart ida) discutível que ela seja considerada como uma classif icação fundamental da ciência juridica_ Ora, poderemos observar numerosos deslizes q.ue, do mun_do da prát ica para o que é suposto ser o na ciência, transflguram n.oçoes ou instituições que não t inham qualquer pretensão científica. fGャ」。Mウ セL@ portanto) com dü-eito a ver entre direito-arte e direito-ciên.cia n:azs do que uma simples relação mas sim um laço de dependéncza. Exzste uma outra consequência, menos apar ent e mas muito importante, em relação à qual não podemos agora fazer mais do アセ・@ t raçar . os con- tornos. O jurista teórico, embora creia que é per/eztamente ャョセ ・ ーセョᆳ dente na sua investigação e no seu ensino, é o joguete de uma zlusao: ele não faz mais do que (reflectin> o sistema jurídico que ェuャセセ@ estar a analisar, participa na sua r eprOdução. Afastemos) desde jセL@ u,"!:a peTniciosa querela: a boa fé ou a sinceridade do ョセ ウウッ@ t eón.co nao está em causa. Apenas conta o m ovimento que efectmamente se rea- liza. Qualquer que seja o argum ento de boa カセョエ。 、・L@ se ° discurso セ ッ@ nosso jurista retoma, sem as criticar, as noçoes, <:s. mOdOS. de racw- cinio e as instituições que são correntes ,:a pratzca ウセ」セ。ャ@ que. o rodeia, ele coloca-se objectivamente ao servzço dessa pratzca sOelal . Fazendo i sto não só ele ai molda todo o seu pensamento, mas tam- bém ai ゥョエ・ァセ。@ todos os que venham a escutá-lo e a lê-lo. M ais ァイ。セ・@ ainda ele deixa crer que certas técnicas ou certas instituições sao オョゥカ・セウ 。ゥウ@ e naturais: julgando f alar r acionalidade e lógica, ele fala contingência e lógica específica de um daelo tipo social. O anel aperta-se, então, sem que os que jalam nem os que escutam disso t enham. cons- ciência: o discurso da ciência é um pavilhão que cobre, na realzdade, mercadorias completamente di ferentes e às vezes pouco 」ッョャ・セ ウ セカ ・ゥウ⦅@ É verdade como veremos mais adiante, que esta cumpltczdade Objectiva / hoje denunciada em diversos lugares: será ーイ・」ゥウセ@ que as classes trabalhadoras denunciem a mistificação da pretensa lzberdade para que novas regras de direito sejam elaboradas em matéria de contrato de trabalho · será precisa a descolonização e o surto de r evoluções no エ・イ」 ・ ゥイセ@ mundo para que o direito i nternacional clás- sico seja posto em causa nos seus fundamentos. Por outras palavras, os termos e as instituições que eles recobriam, por t er em 、オイセョエ ・@ muito tempo parecido (maturais" e lógicos, deixam perceber hOJe a sua profunda solidariedade - querida ou involuntária, pouco in;-P?rta _ com situações económicas, políticas ou sociais apenas ヲ。カッイ。 カセャ ウ@ a uma parte daqueles que os utilizavam ou lhes estavam ウオ「ュ・N エ Z 、ッセN@ Um trabalho científico, por um lado, exige ter tomado consczencza dessa realidade e) por outro lado, leva por caminhos nOVOS o ? : os- seguimento da investigação. Já não é possível 」ッョ エゥ ョ オセイ@ ,a. utzlzzar os mesmos termos, as mesmas teorias, os mesmos raClQcznzos para explicar as regras jurídicas na sua r ealidade. Já não é uma ウゥセーャ・ウ@ questão de coerência do pensamento, nem mesmo uma questao de honestiàade intelectual: a que obrigaria a consçiência a não p erpetuar um discurso que se sabe ser errado. Ê pura e simplesmente uma necessidade do p ensamento teórico, criti co, tal como o defini. Pura 29 e simplesmente - e, no entanto, não chegámos ao fim das nossas difi· cu ldades. Que importa, desde que entremos neste movimento. Uma int r odução crítica ao direito: um programa ambicioso e, no entanto, possível. Tra ta-se, de algum modo, de fixar as condições nas quais um estudo cientijico do direito é hoj e possível. Esta inves- tigação levanta, como a continuação o demonstrará amplamente, enor- mes dijiculdades:este é o preço que toda a ciência paga para começar a existir. Assim, antes mesmo de lançar um olha?" sobre o mundo jurídiCO que nos rodeia, é necessário fixar claramente os pontos de refe rência, a orientação que vamos adoptar. Nenhum cient ista vai ao encontro da realidade que quer explicar sem «informação», sem jormação: é, como veremos, uma ideia jalsa a de acr editar que a observação é a jonte da descoberta 1 7. Não se descobre senão aquilo que se estava pronto intelectualmente para descobrir. É·nos, pois, necessário precisar que (( questões» vamos colocw' ao direito para que ele nos udigwJ o que é. E st as questões não podem ser deixadas ao acaso: elas têm necessariamente de jor- mar as bases de um sistema de explicação; por outras palavras, elas t êm de ter uma coerência teórica, a coerência de uma t eoria. E sse será o objecto da nossa primeira l areja. Com o espírito e o (wlhan, informados, iremos, então, ao encontro desse mundo jurídico que nos rodeia de maneira mais ou menos solene, mais ou menos r epressiva, mais ou m enos ejicaz. No nosso encontro com esse 1rlUndo do direito combateremos ao lado daqueles que, para além das aparências, que· Tem conhecer a última palavra das r ealidades: descobriremos, então. muitas «coi sas» que uma observação inocente nos teria ocultado, de tal m odo é verdade não haver ciência senão ciência do oculto. E ssa será a nossa segunda tareja. Será possível, nesse momento, analisar de maneir a crítica as dije- r entes t eorias que se apresentaram como outras tantas explicações do dÜ·eito. Algumas delas confessaram a sua natureza propriamente filosójica, outras pretenderam, mais r ecentemente, contribuir para a fundação de uma verdadeira ciência do direito quando não de uma ciência p ura. Estaremos em situação de poder apreciar essas afir- mações à luz do que já soubermos desse mundo j uridico, das suas técnicas e da sua lógica de funcionamento. Será essa a nossa terceira e última tarefa n esta introdução crítica ao direito. Assim se explica o plano que vou seguir: 1.:. parte: 2.a parte: 3.a parte: EpistemOlogia e Dh·eito. A Arte Jurídica e as Contradições Sociais. Ciência e Ideologias Jurídicas. 11 G, BACH ELARD, L e Nouvcl E.sp1'i t scient i f ique (1934), P. U. F., Paris, 1968, p. 5. F a lando do espírito reali sta cic·n.t1fico, ° autor cscr-eve: «Trata-se de um r eali smo de segunda posição, de um r ealismo em reacção contra a realidade usual, em polémica contra o imediato, de um r ealismo feito de razão realizada, de razão experimentada». 30 PRIMEIRA PARTE EPISTEMOLOGIA E DIREITO o termo epistemologia aparecerá a muitos como extremamente insólit o pela novidade que introduz num texto que se dirige a juristas: para quê compilúr as coisas e misturar não sei que reflexão filo- sófica a um trabalho de direito? Antes de recusar a palavra, pode ser intel'essante saber O que ela abrange e o interesse que pode apre- sentar para a nossa investigação. Para compreender a necessidade de uma reflexão epü,temo16gica será útil descer à raiz do problema: esta raiz é a constatação de uma produção teórica múltipla. O que é que isto quer dizer? Para com- preenderem os fenómenos que 05 envolvem e os assaltam, mas igual- mente para permitir a existência de uma comunicação social, os homens produzem «discursos». Chamarei discurso a um corpo coe- i'ente de proposições abstractas implicando uma lógica, uma ordem e a pOSSibilidade não 86 de existir mas, sobretudo, de se reproduzir, de se desenvolver, segundo leis internas à sua lógica. Este discurso diz-se abst.racto neste sentjdo em que é formulado com noções ou eonceitos e graças a métodos de raciocínio, todos eles marcados pela abstracção. Em suma, o pensamento abstracto escapa assim à carga do concreto e eleva-se a um nível donde os homens podem dominar, intelectualmente pelo menos, os acontecimentos e os fenómenos nos quais se encontram mergulhados. Esta produção abstracta é, num Z セ ・ョエゥ¢ッL@ aquilo que é próprio dos homens que vivem em sociedade. i!; preciso, em seguida, assinalar a sua multiplicidade, Não é um dis- o::urso mas vários que vemos coexistirem, sobrepor-se, responder-se, l:ompetir no seio da sociedade. Citarei assim o discurso religioso, /) discurso filosófico, mas também os discursos técnico, económico, :mofa,lista, li terário, poético, político, ideológico, cientffico ou teórico. セ セ ・イ ゥ 。@ falso acreditar que cada um destes discursos produzidos pela 33 vida social é afecto a um sector determinado, a um objecto espe- cifico. Reconhecer-se-ia assim o d iscurso reli gioso pelo seu objecto, a relação entre Deus e os homens, e o discurso politico pelo facto de ele falar do poder. Mas esta a firmação é demasiadamente simpli- ficadora : na realidp.de, estes discursos articulam-se uns com os outros, de m odo que nenhuma f ronteira pode ser t raçada, O discurso reli- gioso fala também do poder de César e o politico não é indiferente aos problemas de 」 ッ ョ ウ セゥ・ョ」ゥ。@ religiosa. É pois preciso procurar noutro lado, já que afinal cada um destes discursos tem uma vocação hegemónica, quer dizeT, tem vocação para «falar de tudQ»), para dar uma interpretação global da vida social. Esta conclusào reveste uma consequência imensa para o que nos preocupa: onde e como pode- remos nós descobrir no emaranhado complicadO destes discursos aquele que ambicionamos escutar ou produzi r, quer dizer, o discurso científico? Como reconhecer que se trata do discurso científico? A questão só aparentemente é ingénua ou simples. Claro que, [l priori, a Ciência é diferente de tudo o que é dito sobre as coisas e o munrl0 que nos rodei2:m, Mas constatemos somcate que aqui confiamos no que é dito, no que é afirmado, no que é escrito: temoS como científico a produção declarada científica. ou proveniente de instituições ditas científicas, Ora, do que se t rata agora., é de saber se, na ausência de qualquer (üabeln oficiaJ, conseguimos determinar as car acterísticas científicas deste ou daquele discurso, As coisas são menos si!:lples do que parece: são numeroscs os exemp los que mostram que, セ・@ nos vüarmos para a história, verdades científicas de hoje foram condenadas no seu tempo como erros, Temos sempre uma situaç;ão confortável «dCPOjS)l: tudo parece de tal maneira evi- dente! Mas estamos assim tão certos que t eríamos estado do lado de Copérnico no século XV ou de Pasteur no século XIX? É mesmo bastante incómodo e sintomático, aliás, por ra.zões que ・セセー Qゥ」ゥエ。イ・ュッウ@ mais à frente, que a nniversic1ade enquanto corpo, tenha, na maior parte dos casos, constituído o travão senão o tribunal dirigido contra a produção de nOvas t.eorias científicas ou contra o reconhecimento do cnrácter erróneo dos seus próprios ensinamentos. lf: pois preciSO pensar madurf.Lmcnte antes de ter certezas neste domínio, De facto, se só tivéssernos o desejo de conhecer direito como um amador pode fazer da pintura ao domingo de manhã, ou a ambição de falar sobre direito para alimentar umas tantas conversas ou alimentar umas tantf!.S polêmicas, ser-nas-ia indiferente que o nosso propósito fosse perfeitamente sólido; mas trata-se de uma coisa completamente d iferente! Pretendemos ter acesso a um conhecimento cientifico do direito: dizemos que apresentamos, qu.e introduzimos a ciência jurí- dica, A afirm ação não é ambígua, é clara, mas a prudência, como a honestidade, exigem que verif iquemos bem o conteúdo desta afir- mação, Não é pois supérfluo nem 、・ウョ ・ 」 ・ウウセエイ ゥッ@ perguntar-se que condições deve cumprir uma produção teó!'ica para merecer a sua qualificação de cientifica., Dito de outra maneira, é capital para a nossa tarefa ウ。 ャjH セ イ@ porque é que o conhecimento que tivermos do 34 direito justifica a denominação de conhecil1!ento jurídico, A resposta tem precisamente a ver com o termo não habitual que abria esta parte: epistemologia, Pode ela de facto ser definida como o conhe- dmento das condições da produção científica " Contrari31nenteao flue certos autor es afirmam 2, este objecto não é o único capitulo lla f.ilosofia que mereça interesse: é uma disciplina. auténoma ele refl exão, não sobre as ciências já constituídas - nesse caso s8Th o nome moderno da fil osofia das ciências - , mas sobre as cO!1dicões nns quais aparecem e se desenvolvem as disciplinas cientiiicas.' E por- tanto para uma epistemologia do direito - entenda·se da ciênçia jurídica - que somos remetidos. Não abordamos aqui uma terra incognita: trabalhos de epl::te- moI agia podem servir de pontos de r eferência., sobretudo dGsde há alguns anos, nas Ciências ditas s08iais . If; aliás c:urioso - イ セQRs@ cXDli- cável - que a ciência tenha p:-aticamente passado ao bdo de tôdo este movimento e que, contrariamente a Dutras di.o::ciplinns, r..2D tenha reproduzido reflexão séria sobre as condições da sua própria vali- dade, Se t irarmos as investigações muito partjculares e conhecidê.s de alguns especialistas セ L@ é p'eciso reconhecer a extraordini:>:ia segu- rança de uma ciência que n§.o produz qualquer duvida. sobre o seu valor, como se tudo fosse evidente. É certamente desta auto-suficWncia e da crítica de todos os a priori do conhecimento j urídico que é preciso partir para chegar às condições de uma. verdadeira ciência do direito, Indicámos 。セウ ゥ ュ@ os obstáculos epistenlológicos cuja enun- ciação e análise constituem as condições ーイ←Bゥセウ@ necessárias à con.s- trução do objecto da nossa reflexão: o direito. t c, G HEMPEL, Eléments d 'é-pistétno lfJ[!ie) COl ln, Pari", 19Tt. Para uma t:! rí ti ca muit o interessant e ler: D. LECOURT, pour ttne ッイuエア Lセ ・@ de l'épis!érno · ャ ッァゥ・セ@ col. T héor ie, Maspero, Paris, 1972. ') M. V rJ..,LEY, Pllilosophie du droi t , Dall oz, 1H75, p , 21: セ o@ q ue é que resta a.o fil ósofo? Aos cienUstas não se de ixará セ・tャ ̄ ッ@ quase a CTli stcmol0gia, quer dizer, uma teOria das ciências e construída a pa rtir das ciências_ ( ... ) Mas a s ciênc!n.s de t ipo moderno jama is p oderiam ウ。u セヲ。 WN ・ イ@ a nossa necessidade de conhecimento. ( ... ) Ora cada um d e nós pode Cl:contl'ar em si t! n ecessi- dnde de filosofi a». :I A revista Archives de philoso-phte du d roit é ccr tar.1cntc o m elhor exemplo de publicação que 1cvanta estes p;f oblemas: epistem ológicos. Ver, por üxemplo, os I"'. úmeros d e 1958 ( << O pA.pCl d a vontade n o direit o»), 1%9 ᆱL d ゥ イセゥエッ@ e História) , 1960 ( .u\. T eologia cri stã e o Direi to»), HJ61 (<< A Reforma dos H セウ エ オ」ゥッウ@ de direito»), 1962 ( << O que é a filosofi a do direito?»), 1963 ( e:A Ultra- passa.gem do direito :!» , etc. 35 I - OS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS À CONSTITUIÇÃO DE UMA ciセncia@ JURíDICA o conceito de obstáculo epistemológico deve-se aos trabalhos de G. Bachelard que o define como um impedimento à produção de conhecimentos científicos 1. Não se trata de modo nenhum de um obstáculo visível e consciente: bem pelo contrário, funciona a maior parte das vezes sem que os próprios investigadores tenham cons- ciência dele. Não lhe encontraríamos tão-pouco exoli cação psicológica, com fisco de desnaturar completamente este fenómeno. Com efeito. não se trata de modo nenhum de umas quantas dificuldades de ordem ーセゥ」ッQVァゥ」。L@ mas sim de obstáculos objectivos, reais, ligados à3 condições históricas nas quais a investigação científica se efectua. Assim, estes obstáculos são diferentes segundo as disciplinas e as épocas. pois testemunham, em cada uma das hipóteses, condições específicas do desenvolvimento da investigação cientifica. Convém, p2!.'a o nosso ob,iectivo, definir a especificidade dos ッ「ウセ@ táculos que encontramos imediatamente no momento de precisar a possibilidade de uma ciência jurídica. Tais obstáculos dependem pois, em França. hoje em dia, de toda uma história, que é ao mesmO tempo a das instituições nas quais ° direito é ensinado, a das insti- tuições políticas que produzem este direito, numa palavra, a história das características da sociedade francesa. São estas que, em última análi se. podem explicar as modalidades particulares destas institui- ções politicas ou universitárias. Proponho a título de hipótese de trabalho resumir a análise destes obstáculos sob os três seguintes títulos: a falsa transparência do d ireito ligada a uma domjnação do espírito positivista em França desde há mais de um século; o idealismo profundo das explicações 1 G. BACHELARD, La Formation de l'esprit scientífique (1938). 37 jurídicas, consequência de uma f orma de pensamento que é em muito m aior escala a das sociedades submetidas a um regime capitalista; fi nalmente, uma certa imagem do saber onde a especiali zação teria progressivamente autorizado as compartimentações que constatamos actualmente. I. A falsa transparência do direito As obras j uríd icas e mais especialmente as «introduções ao direi to» raramente se preocupam com o problem a antes de tudo cient.ifico: a defi nição d o objecto de estudo cuja difi culd:1Cle veremoS mais tarde. Pelo contrário, com uma simpli cidade desconcertante, os autore.':: contentam'se em deitar um a olhadela sobre as instituições jurídicas da nossa sociedade para dela extra.ir o conhecimento, a ciência do direito. Eis como geralmente começa a in t rodução ao direito clássico: «<O homem é obrigado a v1ver em sociedade e não pode viver senão em sociedade C .. ). Por definição, o homem enquanto membro da socieda.de est.á envolvido por relações sociais. E stas relações não podem ser deixadas ao livre arbítrio ( .. .), assim li vida dos indi- víduos pressupõe neces!iari amente a exis téncia de regras de conduta às Quais eles se submetem C .. ). A regra do direito apresenta-se como uma regra de conduta humana que a sociedade fará observar, se necessário, pela coacção social 2». «Parrr compn'ender o Q I1 p. 0 a イc セt[I N@ de dirp it.o. é ョ ー|G・セセウ £イ ゥッ@ COJlD 8Cer o fim Que ela prossegue. Este fi m é permiti r a vida em sociedade. A DnrtÍ r do momento em que vivemos uns ao lado dos outros, temos ョ・」・ウウゥ、セN、・@ de reg.r?s de conduta ( ... ). Não há sociedade possível sem haver urn:{. ordem. A regra de direito pretende assegur2.r esta ordem necessária Sj} . «Do mesmo lTIodo Que o direito se incarna para o povo no legislador e 110 .iu iz (Moisés e Salomão, Sólon e Minas), ns.sim ele se manifesta. aos olhos do jurista, em dois fenómenos: a reg:ra. de 、 ェ イ ・ セエッ@ e o juJgamento C .. ). A regra de direito é uma regra de con- duta huma.na a cuja observância a sociedade nos pode obrigar por uma ョイ・ ウセ ̄ッ@ exterior mais ou menos in tensa セスI N@ Excento a última formulu"ão orüdnal e diferenciada (na conti· nuacão do texto, espAcialmente nágs. 22 e segs.). todas as introduções, se assemelham às duas primeiras dtações. Não as citamos toda>; para não tornar pesado este trabalho セ N@ A WE-ILL, Droit cil>il, Dall oz. P ari s . 1973, pp. T ᄋ セN@ :l H. L. e J. M A ZEAUD, LeqMls de dr oH civil , op. cit., t. I. p. 18. ,1 J. CARBONNIER, Droit civil, P. U . F., P aris, 1974, t. I . P 13. " vi セ イ@ i セGオョャ ュ・ ョ エ・@ as obras de M arty e RaynCiud; de Planiol e Ripert; e B. STARCK, Droft civil. int rodução. Libralrle T echn'Que, Pn.r l(; , H.I72 : uma Int rodw:;ão ( p . 6 a parti r do D." 5) extrema m ente in teressante. mas que não conduz cm segUida a nenhuma renovação do estudo do direito ... Estes poucos exemplos ilustram bem o «pal'ti·pris» dos juristas, Il ue constitui a primeira dificuldade para quem quer abo:dar ° ・ウエ⦅エ[エ、セ@ do direito de um modo científico. De facto revela·se aqm um a pll.On do pensamento teórico tão pernicioso quanto subtil, porque parece エ セ カゥ 、・ョエ・L@ m elhor ainda: porque parece conforme ao セ・ョ セ。ュ・ ョ エッ@ d entífi co. Pelo menos à. imagem que nós fazemos da ClenCIa .. eウエセ@ atitude consiste na afirmação de que o conhecimento do 、ゥセ ・ャエ ッ@ e ()xtraido da experiência que dele podemos ter na ョッZセ 。@ Nウ ッセャ・セ 。 _・N@ E:sta valorização da experiência impli ca um a forma de ClenCIa Jundlca chamada positivismo. 1.1 O Empirismo na descaberia do DireitoA aventura d.a ciência jurídica não é muito diferente da. das I !utras ciências qualific8tlas de humanas como a sociolog·ia ou a psicologia, sobretudo: o ponto de partida desta ciência encontra-se historicamente numa reflexão de tipo teológico ou metafisico. O que I ·' que isto quer dizer? O direito, enquanto conhecimento das regras ェセイ■、ゥ 」 。ウ@ que os homens devem respeitar no seio da sociedade não tmha, há 。 ャ ァ オ セウ@ :;(Sculos ainda, existência autónorna : esta\·::;. integrado numa reflexa o que parecia muito mais fund.amental e muito m ais important.e, a teologia, quer dizer, o conhecimento d a existéncia e das vontades セ・@ 1)(:1.1S face aos homens. As regras de direito (como estudaremos malS I:ll·de) 8uarocem como prolongamentos desta vontade divina. O estudo 、 セ@ -düctto não era senão pois um capítulo da teologia, ᆱ 」ゥ↑ョ」 ゥ 。セI@ Ilue t endi;.., r:1:i's, a integrar todas as outras investigações ou pelo IlI enos a ウオ「ッ [ZH QゥNA MQセャ M ャ 。 ウN@ Na medida em que, por razões part iculares :1. sociedade feudal, }J0l' exemplo 0, a teologia ocupava este lugar ーイゥ セ ェᄋ@ tp.riado e desenvolvia t:.r.1 r];.scurso soberano, a ciência jurídica n aO p(7dia existi r e desenvo!ve.r-;·;2 ["('não sob a sua tutela. Daí resulta :Iquilo a que chamaremos a prob1::miÍt ica inicial da ciência j urídica: :l problemática teológica. O estudo elo direito não _encontra r:em o ;:(!u fundamento nem o' seu objectivo na preocupaçao de expllcal'. o 'p le são realrnenle as regras jurídicas, a sua função no seio da sOCIe- dade, o seu modo de transformação. A referência do jurista não é IHlis a sociedade, o que é um ponto de vista relativamente mode:-no: : 1 referência é Deus. É pois, em relação ao ensino teológico, アオ セイ@ セャセ・ イ L@ "In relação às suas definições, às suas categorias, aos seus イ。cャ ッ セ ュャoウL@ que o jurista vai , ele próprio, definir e raciocinar. Quer seja. em direito públiCO quandO se trata de 。ョ。 ャゥ ウセ イ@ as ヲ ッイセ。ウ@ do セッ、・イ@ poli. I ieo, quer seja a propósito das insti tuiçoes do dneito p nvado refe· n'nte às pessoas e aos bens, em todo o lado se セョ」ッョエ イ 。@ o peso da II 'ulogia: o poder do príncipe é um cargo confmdo por Deus, em " Cfr. adiante, parte III , cap . 1. 39 função do qual se ordena o seu exercício; a explicação das relações entre as pessoas é igualmente marcada por toda uma concepção da Criação e da sua ordem. A laicização do direito a partir da Renas- cença não transformará verdadeiramente as coisas: a Deus suce- der-se-á a Razão ou a Natureza, a metafísica substituirá a teologia. Da mesma maneira, as instituições jurídicas serão analisadas a partir de um certo número de noções, tanto a da natureza das coisas como a de vontade ou de equilíbrio. Por conseguinte, a ciência jurídica é governada por {(conceitos) e modos de raciocinio que lhe vêm de outro lado, de um sítio que é suposto ser o centro de todo o pensa- mento: a abstracção metafísica. Eis rapidamente esboçn.do o quadro do conhecimento da ciência jurídica 7: isso explica de certo modo O obstáculo com que deparamos hoje em dia. De facto, longos períodos foram precisos para que o conhecimento do direito pouco a pouco se Ilberte desta metafísico.. É preciso, aliás, acrescentar desde já que esta ャゥ「・イエ。 セM\QNッ@ é parcial e que encontramos ainda. vestígios elestes a priori abstractos no estudo jurídico contemporâneo. Mas é verdade que aparentemente, pelo menos, tanto a investigação como o ensino do direito revestem o 」N_セイ ̄」Zエ ・イ@ de um estudo (:objectivQ)). Já não é necessário acreditar em Deus ou ser partidário desta ou c1aqu01a filo sofia pura encetar ou prosseguir estudos de direito: as Facu1dades ele direito já não vivem à sombra das eatedrais. Compreende-se que a partir de Rgora, o empirismo tenha não só ganho terreno, mas se tenha afirmado como a via normal do estudo científico. O significado mais sirrtples do empirismo consiste em que todo o conhecimento é tido como resultado da experiência. Qualquer outro meio seria reputado de fazer apelo a noções ou a teorjas estranhas, suspeitas de filo sofia. O que há de mais neutro, de facto, de mais objectivo, de mais evident.e mesmo, do que a constatação das coisas e dcs instituições que nos l'odeiam? O Estado, os contratos, a insti- tuiÇ8.0 do casamento, os trihunais 1:.80 são simples invenções do espí· rito: ャQセ L o@ são «ideias» no sentido em que alguns analisariam o sentido estótieo. o incOl1scíente ou os nt.";mcros ゥ ョエ・セ イッウN@ O Estaco, um contrato, um tribunal aparecem em primeiro lugar como objectos reais, se pode- mos dizê-lo, materialmente constatáveis. Fazem parte de um meio concreto, preciso, fora de discusEão quanto à realidade da sua exis- tência. Um estudo científico dest2s instituições ou regras do direito deveria pois encontrar a sua génese na observação ou reconheci- mento da experiência que delas se pOEsa fazer. Como conhecer o Estado? Evidentemente que não, dirá a maior parte dos autores, fazendo apelo a uma teoria do Estado, admit ida a priori, mas sim observando o que é o Estado, tal cama ele funciona hoje em dia. Da mesma maneira, uma explicação do contrato em direito' privado Trata·se aqui de uma slmplifi caçã.o evidente: terei oeasiào ele lhe expli· citar o Conteúdo em de,'}envolvi mentos poster:ores. 40 U8..0 poderia ser senão a teorização de um conjunto de fenómenos ({ue se impõem à oh::ervação: um contrato ê um acordo entre duas pessoas que tem por efeito cri ar obrigações jurídicas. Muitos, e não dos menos impor tantes, acrescentariam que a vida social e portanto a vida juridica são extremamente ricas em fenómenos que velhas i.corias tenderiam abusivamente a simplific ar: ao rejeitar estas ideias feitas sobre o Estado, sobre os contratos ou 1:1. acção adminü:trativa, aquilo que se não descobre! Numerosos factos que os autores ante- l·iores não conheciam vieram hoje trazer novidades e complexidade ú.s regras jurídicas. A experiência e a observação seriam pois as pala- vras·chave não Só do conhecimento do direito en1. geral, mas do conhecimento actualizado. a jortíori , de uma pesquisa fundamental. E no entanto estas afirmações têm o enorme inconveniente de assen- tar num equívoco respeitante à pnitica cientifica, especialmente ao papel da experiência no conhecimento científico. Com risco de chocar, é preciso afirmar de imediato que um cientista não funda- menta o セ・ オ@ conhecimento na experiência. É truísmo recordar o Que é a. experiência no sentido científico: ô sempre uma {(experiência 」ッョ ウエ イオ■、。ᄏIセN@ O sábio não aborda o objecto da sua jnvestigação com um olhar inexperiente ou inocente: セ「 ッ イ、。Mッ@ j ustamente com uma ュZZエ セ[ウ。@ de conhec:imcntos e informações que diferencia. a obserVação cient.ífica da observação vulgar. Onde o observador vulgar não vê ヲGZ・ョ セャッ@ formas, cores ou pesos, «verá» o sábi.o outra coisa: a aplicaç.ã.o ele um certo número de teorias respeitantes à mat.éria. Tem-se, muitas vezes, tendência a esquecer esta realidade do trabalho do cientis ta: alguns mesmo, de entre os dentü:tas, afirmam com insistência, que tudo se encontra na expe- riência. Não vamos, por agora, procurar as razões pelas quais os próprios cientistas contam uma história da ciência diferente das suaS práticas reais!). Fixemos só o que é a prática cientifica efectiva: a experiência vem confirmar a reflexão, ela nunca é o ponto de par- t.lcl.a., Assim, a abordar:cm dos fenómenos é seIDlJr€ rr.ediata, nunca hnediata. Esta mediatização é muitas vezes apresentada como sendo a intervenção dos «fI.parelhos» de observação que deformariam de algum modo a obEervação: do microscópio às técnicas da sondagem I'm sociologia. encont.ramos セ・ョQーイ・@ a dificuldade de um écran, de um intermediário entre o observador e o objecto observado. Esta nbservuGão é insuficiente; na realidade, o microscópio, da. mesma maneira que a técnica da sondagem, são cristalizações de teorias 、・ョ エ■ヲゥ」。ウセ@ teoria da propagação da l uz, teoria da amostra socioló- 8 o texto mais clássico e mais claro
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