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Miaille_Introducao_Critica_ao_Direit_pdf

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Prévia do material em texto

... -
I 
N enhum cientista vai ao encontro da rea-lidade que quer explicar sem "informa-
ção", sem formação: é, como veremos, uma 
ideia falsa a de acreditar que a observação é 
a fonte da descoberta. Não se descobre senão 
aquilo que se está intelectualmente pronto 
para descobrir. セM ョッウL@ pois necessário preci-
sar que questões vamos colocar ao direito para 
que ele nos "diga" o que é. Estas questões não 
podem ser deixãOas ao acaso: elas têm neces-
sariamente de formar as bases de um sistema 
de ・ク セ ゥ・。￧ ̄ッ[ェjッイ@ outras palavras, elas têm de 
ter uma.-Goerência teórica, a coerência ae uma 
teoria Esse será o objecto da nossa primeira 
tarefa. Com o espírito e o "olhar" informados, 
iremos, então, ao encontro desse mundo jurí-
dico que nos rodeia de maneira mais ou menos 
solene, mais ou menos repressiva, mais ou me-
nos eficaz. No nosso encontro com esse mundo 
do direito combateremos ao lado daqueles que, 
para além das aparências, querem conhecer a 
última palavra das realidades: descobriremos, 
então, muitas coisas que uma observação ino-
cente nos teria ocultado, de tal modo é verda-
de não haver ciência senão ciência do oculto. 
Essa será a nossa segunda tarefa. 
Será possível, nesse momento, analisar 
de maneira crítica as diferentes teorias que 
se apresentaram como outras explicações do 
direito. Algumas delas confessaram a sua 
natureza propriamente fi !osófica, outras pre-
tenderam, mais recentemente, contribuir para 
a fundação de uma verdadeira ciência do di-
reito, quando não de uma ciência pura. Es-
taremos em situação de poder apreciar essas 
afirmações à luz do que já soubermos desse 
mundo jurídico, das suas técnicas e da sua ló-
gica de funcionamento. Será essa a nossa ter-
ceira e última tarefa nesta Introdução Critica 
ao Direito. 
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_ Michel mゥ。ゥャャ・ セ@ __ 
INTRODUÇÃO CRíTICA 
AO DIREliO 
---- ------'-
Michel Miaille 
INTRODUÇÃO CRíTICA 
AO DIREITO 
3. :1 edição 
2005 
EDITDRIAlE ESTAMPA 
FICHA TÉCNICA 
Título original: UI/e II/Iroductioll Critique (llI Droil 
Tradução: Ana Prata 
Capa: José Antunes 
Ilu stração da capa: JI/stiça , fresco de Rafael Sanzio no teclo 
da Stanza dcl la Segnatura, c. 15 10 
1.'1 edição: Mames Editores, 1979 
2.a edição: Editorial Estampa, 1988 
3.° edição: Editorial Estampa, Setembro de 2005 
Impressão e acabamento: Rolo & Filhos II , S. A. 
Depósi.o Legal n.O 232972/05 
ISBN: 972-33-2 175-0 
Copyri ght: © Editioll s La Découverte, Paris, 1976 
© Editorial Estampa, Lda., Lisboa, 1988 
para a I íngua portuguesa 
A MEUS PAIS, 
A LINE E A BERNARD 
AoS assistentes e estudantes da faculdade 
de direito de Argel, como lembrança de 
um curso de introdução à ciência jurídica 
sem o qual este trabalho jamais teria sido 
realizado. 
PREFÁCIO .. 
INTRODUÇÃO 
ÍNDICE 
I. Uma introdução . . 
II. Uma introdução crítica . 
1I1. Uma introdução crítica ao direito. 
PRIMEIRA PARTE 
EPISTEMOLOGIA E DIREITO 
I - OS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS À CONSTITUIÇÃO 
13 
15 
16 
20 
25 
DE UMA CIENCIA JURÍDICA. . . . . . . 37 
1. A falsa transparência do direito .. 
1.1 O Empir ismo na descoberta do Direito. 
1.2 O Positivismo na expli cação do Direito . ..... . . . .... . ... .. . . . 
2. O idealismo jurfdico ........ ... ............. . ... .. . .... . 
2.1 
2.2 
Abstracção e abstracção . .............................•.. 
o idealismo dos juristas como representação do mundo . ... 
2.3 Os resultados epistemológicos do idealismo dos juristas . ... 
3. A independência da ciência jurfdica .. 
II - A CONSTRUÇÃO DO OBJECTO DA CIÊNCIA JURÍDICA: A 
INSTÃNCIA JURÍDICA....... ........... . ......... . 
1. O lugar do direito como instância de um «todo complexo com 
dominante», . . . . . ................................ . 
38 
39 
42 
46 
48 
50 
53 
57 
63 
68 
1.1 O modo de produção da vida social. . 
1.2 As instâncias sociais: Base e superstrutura 
1.3 O determinismo social: Uma causalidade estrutural .. 
2. As características da instância jurídica (na sociedade capitalista) 
2.1 
2.2 
2.3 
Os impasses de uma defin ição do «Direito» 
Para uma caracterização da instância jurídica: Um sistema «norma-
tivo)) da troca generalizada entre sujeitos de direito. O Fetichismo 
Jurídico ....................... . 
Rumo a uma definição da instância jurídica 
SEGUNDA PARTE 
A ARTE JURÍDICA E AS CONTRADIÇÕES SOCIAIS 
(NUM MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA) 
1- OS FALSOS «DADOS»DO SISTEMA JURÍDICO . 
I. Os «fundamentos» do direito ............ . 
1.1 O sujeito de direito . 
1.2 O Estado .. 
1.3 A sociedade internacional . ...... . .. . 
2. As classificações jurídicas . ... 
2.1 
2.2 
2.3 
Direito objectivo - direitos subjectivos. 
Direito público - direito privado .. 
Coisas e pessoas .. 
II - O MAL «CONSTRUÍDO» DO SISTEMA JURÍDICO. 
1. Lógica e «alógicQ» juridica .... .. ..... . 
1.1 A lógica jurídica como lógica formal 
1.2 Um exemplo de contraditoriedade na lógica formal: A «alógica)) ju-
rídica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ....... . 
1.3 Raciocínio ou argumentação? .. .. ........ . 
2. O quadro geral da criação de direito: As fontes do direito 
2.1 Sistema das fontes do direito e formação social ... 
2.2 Sistema das fontes do direito na França contemporânea ... 
3. As instituições jurídicas, quadros da actividade social . ... . 
10 
69 
72 
75 
84 
85 
86 
96 
III 
112 
114 
121 
135 
140 
141 
151 
160 
173 
176 
177 
186 
195 
197 
198 
207 
224 
3.1 
3.2 
Da instituição jurisdicional. 
Algumas outras instituições 
TERCEIRA PARTE 
CIIlNCIA E IDEOLOGIAS JURÍDICAS 
I _ O FETICHISMO DO CONTEÚDO DO DIREITO: DA TEOLO-
GIA À SOCIOLOGIA . . . 
A - CRITICA DAS DOUTRINAS IDEALISTAS. 
1. As afirmações do ideaJismojurídico . .. 
I . t O direito é um dado ... 
1.2 O direito é racional .. 
2. Os impasses do idealismo. 
2.1 A variabilidade do conteúdo do direito natural. 
2.2 A função do direito natural, uma função prático-social: à conquista 
do ュセNio、ッ@ antigo ... . . 
B _ CRíTICA DAS DOUTRINAS IDEAUSTAS OU POSITIVI STAS .. 
1. A orientação do jurista realista positivista. 
1.1 A atitude positivista .... 
1.2 A escola sociológica do direito 
1.3 Um novo positivismo: a escola fenomenológica .. 
2. A insuficiência das análises positivistas e realistas .. 
II _ O FETlCHISMO DA FORMA DO DIREITO: O UNI VERSO RÍ-
GIDO DAS NORMAS . . . 
A _ O FORMALI SMO JURíDICO: PARA UMA TEORIA PURA DO 
D IR EITO . .. 
1. Ciências da natureza e ciências morais: ser e dever ser .. 
1.1 Ciências da natureza e ciências morais ...... . 
1.2 Principio de causalidade e princípio de imputabilidade. 
2. A pirâmide jurídica: estática e dinâmica jurídicas .. 
II 
225 
233 
247 
247 
248 
249 
259 
266 
267 
271 
275 
276 
276 
279 
286 
290 
295 
299 
299 
300 
302 
303 
2.1 A pirâmide jurídica no seu aspecto estático: Normas e norma fun-
damentai ..................... . 
A pirâmide jurídica no seu aspecto 、ゥョセセゥセセZG@ セN@ ヲセセセセᅦセセG、セ@ セゥGイセゥGM
lO por graus . , . 
2.2 
.. ' ............. . 
B - O ESTRUTURA LI SMO NOS JURISTAS OU O CÓDIGO DO CÓDIGO . . 
1. A via estruturalista e a dênciajurfdica . .... 
2. Tentativas estruturalistas no direito . . ..... , ... . . .. ... . 
304 
306 
308 
309 
311 
c - Os LIMITES DO FETiCHISMO FORMALISTA.. ........• • • . 
317 
À MANEIRA DE CONCLUSÃO ............... ... . ....... .. .. . 325 
12 
PREFAcIO 
Esta introdução ao direito foi escrita, acima de tudo, a pensar 
nos estudantes que, ao entrar no primeiro ano de direito, descobrem 
o universo jurídico. Esta preocupação explica o estilo, a argumen-
tação e as referências que se encontrarão no texto. 
Não me preocupei com a existência de obras clássicas, ditas de 
(tintrodução ao direito}) (como a Introdução Geral ao estudo do direito
 
de BRETHE DE LA GRESSAYE e de LABORDE-LACOSTE; e, aind
a 
com o mesmo titulo, a obra de BONNECASE ou a de COULOMBEL)
. 
A experiência mostra-me que esses livros nunca são conhecidose 
lidos pelo públiCO ·estudantil. Empenhei-me, portanto, em retom
ar, 
de forma crítica, esta introdução ao direito, tal como ela surge 
nos 
manuais do primeiro ano. E aí, tomei como amostragem os qua
tro 
manuais mais utilizados: os de H ., L. e J. MAZEAUD (Leçons 
de 
droit civil, t. I , Montchrestien, Paris, 1972); A. WEILL (Droit civ
il, 
introduction générale, Dalloz, Paris, 1973); J. CARBONNIER (Dr
oit 
civil, t. I, introduction, les personnes, coll. Thémis, P. U. F., Paris,
 
1974); e B. STARCK (Oroit civil, introduction, Libraires techniqu
es, 
Paris, 1972). 
É evidente que poderiam citar-se outros trabalhos, mas a abun-
dância aqui não adianta: qualquer um pode fazer a seu gosto uma 
longa lista bibliográfica de pura erudição. E quem o quiser, enc
on-
trará muito por onde escolher a partir do s manuais e obras a que 
faço referência. De igual modo, as introduções marxistas ao dire
ito 
são des conhecidas pela razão muito simples de que não existe pr
ati-
camente nenhuma obra ao alcance de um prinCipiante. Claro qu
e é 
preciso citar M. e R. WEYL (La Part du droit dans la réalité et da
ns 
I'action, Éditions sociales, Paris, 1972; Révolution et Perspectives
 du 
droit, Editions sociales, Paris, 1974). Mas estes autores chegam a si
m-
13 
plificaçóes teóricas e a interpretações que me parecem criticáveis. 
Se exceptuarmos as obras escritas por não marxistas sobre a teoria 
marxista do direito (como K. STOYANOVITCH, La pensée marxiste 
et le Droit, coll. Sup., P. U. F., Paris, 1975) não restam senão inves· 
tigações críticas dificilmente acessíveis a um neófito, tais como 
B. EDELMAN, Le Droit saisi par la photographie, Eléments pour une 
théorie marxiste du droit, Maspero, Paris, 1973. 
Como em muitas outras ocasiões, o melhor é regressar aos pró-
prios clássicos. O texto mais claro e mais interessante continua a ser 
o de E. B. PASUKANIS, Théorie générale du droit et Marxisme, E. D. I., 
Paris, 1970, e, claro, alguns textos de Marx, de Engels ou de Lénine 
que se encontrarão ao longo deste meu trabalho. 
Nestas condições, mesmo os não estudantes poderão ser interes-
sados pela descoberta do que é o mundo dos juristas: foi também 
em todos estes que pensei ao escrever este trabalho, pais temos de 
convir que as obras de vulgarização sobre o direito são, ou muito 
eclécticas (como J. FREUND, Le Droit d'aujourd'hui, coU. Dossiers 
Logos, P. U. F., Paris, 1972) ou então claramente inconsistentes 
(R. LEGEAIS, Cle!s pour le droit, Seghers, Paris, 1973) . 
O texto que vão ler deve ser tomado por aquilo que é: uma 
investigação que inicia o pór em causa de uma praça fort e ainda 
sólida. As críticas que este trabalho suscitar são benvindas para pros-
seguir este objectivo. 
Dezembro, 1975 
INTRODUÇÃO 
Uma introdução crítica ao direito: este titulo, sob a sua aparente 
f acilidad e, exige algumas observações. Conv ém, com efeito, não nos 
enganarmos no objectivo. 
Tal objectivo é, em primeiro lugar , pedagógico: trata-se de con-
vi dar aquele que inicia o estudo do direito a uma reflexão sobre 
aquilo que vai fazer. Neste sentido, este projecto não foi ainda reali-
zado em numerosas universidades em França. 
Vocês acabam de chegar à universidade e escolheram a unidade 
de ensino e investigação rU. E. R.) * jurídica. De momento, não têm 
senão uma ideia bastante confusa do que pode ser o direito. Eis 
que chega a tempo um curso de «introdução ao direito»: ele vai 
certamente responder à expectativa de uma definição do vosso estudo. 
Desenganem-se: não haverá, realmente, introdução ao direito. 
Ass im é feita a universidade nos seus departamentos jurídicos! 
É certo que há uma parte de uma cadeira, a de direito civil, 
qu e se intitula: «Introdução ao direito». Mas como mostrarei adiante, 
ess a introdução não funciona verdadeiramente como introdução. 
Ser-vos-á dada tão-somente - e é já um grande trabalho - uma amos-
tra dos conhecimentos que vão constituir o conteúdo das cadeiras 
que hão -de vir no primeiro ano e também em todo o curso de licen-
cia tura. Por outras palavras, esta «introdução" surge como uma 
apresentação, não como uma reflexão. Há, aparentemente, alguma 
lógica nesta posição: como poderia um neófito reflectir sobre aquilo 
que não conhece ainda? Primeiro, é preciso aprender; poder-se-á, em 
'" u セ@ E, R .. , U.nité d'enseignement ct de recherche. - N.. T. 
15 
UlIta Introdut;ão Crítica ao Direito 
seguida reflectir 1. Encontra-se, então, justificado o desvio que, de uma 
reflexão sobre O direito, leva a uma apresentação das regras de direito. 
Pode começar-se imediatamente: «o direito é um conjunto de regras 
que ... », etc. 
Esta apresentação, no entanto, não é neutra, t o que vou tentar 
demonstrar. 
O que seria, pois, uma introdução crítica ao direito? 
L Uma introdução 
comecemos por um relembrar de vocabulário que fará compreen-
der melhor o alcance da tarefa. Introduzir é um termo composto de 
duas palavras latinas: um advérbio (intra) e um verbo (ducere) 2. 
Introduzir é conduzir de um lugar para outro, fazer penetrar num 
lugar novo. 
ora, ao contrário do que se poderia facilmente pensar, esta deslo-
cação de um lugar para outro, este movimento, não pode ser neutro. 
Não há introdução que se imponha por si mesma, pela lógica das 
coisas. Tomemos um exemplo para nos convencermos desta afirmação. 
A visita a uma casa desconhecida, sob a orientação de um guia, 
é sempre uma 'estranha experiência: o guia introduz-vos na casa, 
faz-vo-la visitar, faz-vos, de facto, descobrir as suas diferentes divisões. 
Mas há sempre portas que permanecem fechadas, zonas que se não 
visitam, e, muitas vezes, uma ordem de visita que não corresponde 
à lógica do edifício. Em suma, vocês descobriram essa casa ((de uma 
certa maneira»: essa intrOdução foi condicionada por imperativos 
práticos e não necessariamente pela ambição de dar um verdadeiro 
conhecimento do edifício. É, aliás, admissível que, se vocês conheces-
sem bem o guarda, tivessem podido passear sem restrições na casa, 
abrir as portas proibidas e visitar as zonas fechadas ao público. Em 
resumo, teriam tido um outro conhecimento dessa casa, porque 
teriam aí sido introduzidos de forma diferente. Que dizer, então, se 
vocês fossem um dos habitantes dessa casa? Conhecê-la-iam ((do inte-
rioT» - conheceriam os seus recantos familiares, as escadas ocultas, 
o desgaste produzido pelo tempo e a atmosfera íntima. Tudo se passa 
com se, nas três hipóteses que acabamos de imaginar, não houvesse 
uma casa, mas três edifícios, no fundo muito diferentes pelo conhe-
cimento que temos deles. 
Este exemplo não é mais do que uma comparação, e veremos 
os seUS limites, mas permite compreender no início deste trabalho 
1 Daqui surgem muitas vezes as propostas que tendem a instaurar uma 
r.eflexão sobre o direito, chamada impropriamente filosofia do direito, nos 
anos superiores do curso de licenc'atura ou no de pós.graduação. DepoiS 
de quatro anos de aprendizagem, um pouco de reflexão poderia ser interes. 
sante ... 
2 Conduzir ,para dentro de, levar para dentro. 
16 
que não há introdução em si, lógica em si mesma, irrefutável. 
Há introduções possíveis, cada uma com a sua racionalidade, algumas 
vezes com o seu interesse, e, em qualquer caso, com as suas conse-
quências. E isto vale, por maioria de razão, quando se trata de intro-
duzir alguém num universo social como O universo Jurídico: o direito 
não tem a consistência material de uma casa, não é delimitado no 
espaço por paredes e portas. Quando eu tomo a iniciativa de vos 
introduzir no direito, tomo a responsabilidade de abrir certas portas, 
de conduzir os vossos passos num determinado sentido, de chamar 
a vossa atenção para este elemento e não para um outro s. Ora, quem 
saberá dizer se as portas que eu abri eram as boas? Se o sentido 
da visita era instrutivo para o visitante? 
Estas questões afiguram-se-me fundamentais quando se aborda 
a descoberta de um lugar , novo: é exactamente nas respostas que 
lhes dermos que podereis provar-meo interesse e o valor do que 
pretenda fazer-vos conhecer. É, pois, extremamente importante pre-
cisar o que é uma introdução. 
Com efeito, para retomar a imagem da visita guiada, o conheci-
mento que tiverdes da casa dependerá, como é evidente, do que o 
guia vos tiver mostrado: podereis muito bem não ter visto senão as 
dependências de serviço, as salas de visitas ou somente os jardins. 
Arriscais-vos a concluir pela importância da vida doméstica nessa 
casa ou, pelo contrário, pela predominância das relações sociais 
muito mundanas. E essa imagem que vos tiverem dado poderá mar-
car-vos {LO ponto de não voltardes a falar dessa casa senão em termos 
de cozinha ou em termos de salão. Todas as discussões que tiverdes, 
doravante, sobre essa casa, poderão ressentir-se desse conhecimento 
inicial. 
Finalmente, a tarefa do guia é cheia de responsabilidades, já que 
ela compromete um futuro imenso. E ainda, até aqui, a comparação 
fez-nos assimilar o guia a qualquer pessoa temível que, voluntaria-
mente, poderia recusar-vos o acesso a certas partes da casa. Mas 
poderíamos peqar noutras comparações em que esta curiosa perso-
nagem desaparecesse e em que ninquém fosse responsável pelos erros 
da visita: quero falar, por exemplo, da descoberta que faríeis sozi-
nhos de uma cidade desconhecida. Ninguém vos impõe ir para esta 
rua em vez de qualQuer outra, de ir ver este monumento em vez 
de um outro. Por outras palavras, segundo os vossos gostos, os vossos 
interesses ou vossos hábitos, vocês poderiam muito bem «escolheT», 
visitar igre1as em luaar de fábricas, bairros comerciais em vez de 
bairros residenciais. E teriam, efectivamente, descoberto a cidade, ou 
melhor, um certo rosto da cidade. 
É preciso, pois, não atribuir à nossa primeira imagem mais impor-
tância do aue a que ela ?Jode ter: a introdução num lugar novo não 
é o efeito de um «complot» sabiamente preparado por alguns guias 
3 Tal ê a minha tarefa de guia que não é mais do que a tradução de 
pedagogo. 
17 
todo-poderosos de que vocês seriam as vítimas mudas e inocentes. 
Se raramente constitui um mecanismo maquiavélico para fechar 
deliberadamente certas portas, qualquer introdução pode ser 」ッュセ@
parada a um itinerário cujo sentido e desenvolvimento nunca são 
deixados ao acaso e condenam guias e visitantes a nunca abrir certas 
portas interditas. 
Este risco é real e tanto mais insidioso quanto a nossa オョゥカ・イセ@
sidade liberal não afirma nenhuma ortodoxia precisa a respeitar: 
tudo é aparentemente possivel, tudo pode ser dito. Não /ui introdução 
oficial. Assim, todos os estudantes e a maioria dos professores podem 
pensar que abriram todas as portas, em desmascarar guias desonestos; 
trata-se de saber porque é que a visita se faz sempre no mesmo 
sentido, porque é que são sempre as mesmas portas que são abertas 
e outras fechadas. 
Convenha-se que estas questões não são desprovidas de ゥューッイセ@
tância, já que, em definitivo, é o problema do conteúdo da introdução 
que se encontra colocado, justamente quando nenhuma directiva 
impõe esta ou aquela direcção. 
E, no entanto, nada de tudo isso se deixa adivinhar na prática. 
A introdução ao direito tem todas as aparências de uma simples 
familiarização com a terminologia jurídica: tudo se passa como se, 
a partir de definições dadas a priori, se entregassem ao estudante 
os materiais que ele ia ter para manejar: a pessoa jurídica, o direito 
público e o direito privado, o contrato, a lei, as decisões judiciais 
e os actos dos poderes públicos e toda a tecnologia jurídica. Acaba 
por se ter a ideia de que, no fundo, a introdução é uma coisa simples. 
A quem tenha o espírito esclarecido e um pouco de boa vontade é 
dado, sem mais, um conhecimento imediato do mundo jurídico. Não 
há diversas maneiras de conhecer o direito: bastaria mergulharem, 
sem hesitações, nesse universo e, dominando o vocabulário e as 
técnicas, vocês poderiam, em breve, tornar-se juristas conhecedores. 
Vejamos.' Se nenhuma introdução é neutra, se todo o itinerário 」ッュセ@
porta a sua lógica e as suas consequências, esta impressão de um 
acesso imediato ao direito corre todos os riscos de ser uma falsa 
impressão. Vale, pois, a pena parar um pouco no limiar desse mundo 
novo se está em jogo a própria qualidade de todo o conhecimento 
que daí tiraremos. 
Uma última palavra. Na sequência de acontecimentos que nada 
têm de ocasionais - e cuja história faremos mais tarde - a ゥョエイッセ@
dução ao direito é objecto nos programas actuais 4 de um ensino 
integrado na cadeira de direito civil do ano respectivo. Esta situação 
acarreta duas consequências importantes. Em primeiro lugar, à intro-
dução ao direito é atribuído, excepto em algumas universidades, um 
'i O D. E. Uo' G. * foi instituido pelos decretos de 27 de Fevereiro e 
1 de セ。イ ￧ ッ@ de 1973. 
* D. E . U. G., Dip16me d'études Unlversltalre.s g←ョ←イ。ャ・ウ セ MnN@ T. 
18 
lugar menor. Ela não tem o estatuto de uma cadeira autónoma, com 
sessões de trabalhos orientadas e conduzindo, pois, a uma reflexão 
aprofundada. Bastaria para nos convencermos entrevistar os ・ウエオ、。ョセ@
tes do primeiro ano, para nos apercebermos que a introdução, a seus 
olhos, reveste, no máximo, ° carácter de uma passagem obrigatória 
antes de abordar. em profundidade as disciplinas jurídicas. O impor-
tante, é o que se estudará em seguida: em direito civil, em direito 
constitucional ou em direito internacional. Nenhuma verdadeira inter-
rogação é formulada no início dos estudos juridicos; nenhuma dúvida 
sobre a validade das noções utilizadas, sobre o rigor dos raciocínios 
da lógica jurídica. A introdução ao direito é um certo número de 
páginas a saber. Não é, pois, de espantar que a presença da ゥョエイッセ@
dução nos programas funcione como uma ausência. Cruel ausência 
que só alguns filósofos do direito lamentam, de forma isolada, em 
revistas especializadas セ A@ Ao fim e ao cabo, o conhecimento juridico 
poderia dispensar uma reflexão sobre O direito. 
Mas há uma segunda consequência, de igual gravidade. Sendo 
a introdução ao direito ensinada pelo professor de direito civil, 
aparece como uma parte do direito civil e não verdadeiramente como 
uma introdução a «(todo)) o direito. É interessante a este respeito 
consultar os manuais e as sebentas. Apesar de certos esforços, a 
lógica do direito privado predomina, O que obriga, a maior parte do 
tempo, os outros professores do primeiro ano a darem, cada um 
por sua vez, uma introdução.. ao seu ramo do direito. O estudante 
tem a impressão de ouvir três ou quatro vezes desenvolvimentos idên-
ticos e, nesta abundância, se perde a intrOdução ao direito. Esta 
constatação é tão verdadeira que raras são as tentativas de 」ッッイ、・セ@
nação que tenham tido êxito. Frutos da interdisciplinaridade de 1968, 
as experiências regressaram pouco a pouco às tradições, e a ゥョエイッセ@
dução ao direito perde o seu lugar de reflexão comum no conjunto 
dos problemas jurídicos. 
Mas há ainda mais grave do que isto: a introdução ao direito 
não é de todo sentida como uma necessidade. Cada um pode realizá-la 
numa cadeira ou mesmo não falar dela: afinal, isso não tem ゥューッイセ@
tância nenhuma. É preciso saber, como pertinentemente nota um 
professor 6 que «todos os professores podem contentar-se com a intro-
dução do professor de direito civil, sem examinar sequer se partilham 
a sua opinião. Contentam-se com ela tanto melhor quanto tais 
セ@ O melhor exemplo é, sem dúvida, o combate solitário de Mo' VILLEY. 
Ver a sua última obra: Philosophie du droit, précis DaUoz, 1975. «Perguntem 
sobre o que é que assenta a nossa pretensa ciência do direito, como é que 
se justificam os nossos métodos, quais são as fontes dos nossos coolbecl-
mentos quem saberá responder? ( .. . ) O jurista omite a justificação, a funda.-
mentação do seu método de trabalho ou a explicação de porque é que as 
soluções se deixam ir buscar a esta ou àquela fonte» (p. 9). 
:m exactamente o nosso ponto de partida. セ。ウ@ não tiraremos dai as mes. 
mas conclusões.· 
6 G. WIEDERKEHR. «Eléments de philosophie dudroit dans les manuels 
contemporains de droit civib, Archives de philosophie du 、イッ■エセ@ 1965, p .. 244. 
19 
introduções deixam, todas elas, uma impressão de neutralismo». Que 
haja ou não introdução, nada se modificará por isso nos estudos 
feitos nas cadeiras. 
Na realidade, não há verdadeirall:ente introdução ao direito no 
sentido em que se revela necessária uma reflexão sobre a maneira 
de conhecer o direito. Pode-se ficar surpreendido com esta ausência, 
quando é certo que, tradicionalmente, os ensinamentos ditos literá-
rios, quer se trate de literatura propriamente dita ou de sociologia, 
de história, a fortiori de filosofia, não se concebem sem esta inter-
rogação sobre o seu próprio objectivo. Veremos que esta situação 
não existe por acaso: basta-nos, de momento, tomar consciência dela. 
É-nos, pois, necessária uma introdução ao direito que seja o des-
vendar do itinerário que vamos seguir. 
Em rigor, não é qualquer introdução que serve para nos fornecer 
esta clarificação: é por essa razão que eu qualifico esta de critica. 
II, Uma introdução crítica 
Para compreender o alcance deste adjectivo, é preciso, em pri-
meiro lugar, relembrar a ambição do projecto: introduzir o direito, 
claro, mas segundo um método científico. Esta precisão é plena de 
consequências. 
Com efeito, a introdução ao direito que ouvis não é desenvolvida 
em qualquer instituição: ela é o objecto de um ensino ministrado 
numa unidade de ensino e investigação integrada numa universidade. 
Estas instituições, são, por definição, aquelas onde se elabora e trans-
mite o saber. Mas é preciso ver de que saber se trata: aquele que 
tem o nome de ciência. De facto, toda a gente sabe, mais ou menos, 
o que é o direito - teremos ocasião de voltar a este ponto funda-
mental- mas um estudante de direito pode ter o desejo legítimo de 
conhecer o direito melhor do que pelas instituições sociais ou fami-
liares que o conduziram até lá: ele pode exigir que se produza diante 
de si a ciência jurídica. Introduzir O direito é, implicitamente, intro-
duzir cientificamente o direito ou introduzir a ciência jurídica. 
Se é este o desejo do recém-chegado e, ao mesmo tempo, a ambi-
ção do professor, será, pois, necessário que nos interroguemos seria-
mente sobre o que é um pensamento científico. Não se trata de um 
luxo inútil, uma observacão filosófica sem importância, uma perda 
de tempo: se eu não estiver à altura de ser introduzido cientifica-
mente no direito, é então de duvidar de todos os conhecimentos que 
me poderão ser ensinados. Qual é o valor de uma instituição que 
não conseque realizar o que ela inscreve nos seus frontões? E, se a 
universidade já não é o lugar onde a ciência é produzida, então para 
que serve ela e onde é que se poderia encontrar um conhecimento 
científico? Volto, pois, ao próprio qualificativo desta introdução: 
crítica. Primeiramente, afastemos uma interpretação que, embora cor-
20 
rente, não é por isso menos errada. O termo crítico não tem o signi-
ficado da linguagem habitual: tomamo-lo no seu sentido teórico. 
Dirigir críticas é, no sentido comum, exercer sobre as coisas ou as 
pessoas que nos rodeiam um certo número de juízos tendentes a 
corrigir tal erro, a colmatar esta lacuna, a denunciar aquela insufi-
ciência. Criticar, apesar do sentido geral da palavra, não é, no entanto, 
sinónimo de pôr em causa. A maior parte das vezes, as críticas não 
têm nada em comum com uma crítica. 
Com efeito, no conjunto bastante homogéneo dos professores que 
apresentam uma introdução ao direito, não deixam de encontrar-se 
tomadas de posição, juízos, em suma, críticas. Estas dizem respeito 
ou às opiniões de um. autor - critica-se esta ou aquela explicação-
ou às disposições das regras de direito - critica-se esta lei, aquela 
decisão judicial, aqueloutro decreto. O liberalismo universitário favo-
rece unw situação destas: se as críticas são possíveis, o espírita 
crítico está salvo, garantia da liberdade de pensamento 7. E, no entanto, 
o conjunto do edifício não é verdadeiramente posto em questão; 
embora possamos distinguir diferentes correntes filosóficas e poli-
ticas nas cadeiras e nos manuais que tratam da introdução ao 
direito ii, estas surgem como variantes de uma melodia única: a filo-
sofia idea.lista dos países ocidentais, industrializados. 
As críticas feitas, aqui e além, não chegam para disfarçar a pro-
funda afinidade dessas correntes. Assim pois, uma introdução crítica 
não será uma introdução com críticas. 
E preciso t01nar o termo em todo o seu sentido: o da possi-
bilidade de fazer aparecer o <dnvisível». Expliquem.os esta formulação 
algo esotérica \J. AquilO que é próprio de um pensamento abstracto 
consiste precisamente em poder evocar «coisas» ou realidades na sua 
própria ausência. A abstracção intelectual permite-me falar de mesa 
ou de cavalo, mesmo que não tenha uma mesa ou um cavalo sob 
os olhos no momento em que falo deles. 
Esta faculdade. ·que parece evidente de tal modo nos é habitual, 
é, afinal, '0 que constitui o essencial do pensamento abstracto. Mas 
o pensamento crítico é mais do que o pensamento abstracto: é preciso 
(!acrescentar-lhe!> a dialéctica. Que quer isto dizer? O pensamento 
dialéctico parte da experiência de que o mundo é comple.To: o real 
não mantém as condições da sua existência senão numa luta, quer 
7 Um exemplo particularmente nítido desta vontade expres:óa de 
«cng-agemcnb é dado pelo tratado dc H .. L. e J. MAZEAUD, Leçons de droH 
civiL },1:ontehrestlen, Paris, 1972, 5.a cõição, pp. 43A4: «Este ensino do direito 
permanece droIn.'lsiado cxclU',üvamente centrildo no estudo do direito positivo 
(legislação e jurisprudência). ( ... ) O ens'no do d'reito deve propor-se um outro 
objectivo: f8/:cr um juízo de valor sobre a regra d-c direito, estudar essa 
regra de lege fcrcnda. (. )j • 
. セ@ G. WIEDERKEHR, «Elémcnls de philosophie ... », artigo citado pp. 243-
-2G6. 
\! H. MARCUSE. Raison et révolut-ion, 1!".:ditions de Minuit, Paris, 196B. 
O prefác;o. «Kote :mr la dialectiquc:>, pp. 41-50 é de leitura fácil e extremamente 
intcre.'Jsante. 
21 
ela seja consciente quer inconsciente. A realidade que me surge num 
dado momento não é, pois, senão um momento, uma fase da sua 
realização : esta é, de facto , um processo constante. 
Um pensamento dialéctico é precisamente um pensamento que 
«compreende» esta exis tência contraditória. Ao contrário, designarei 
por positivista um pensamento que se limite a descrever o que é 
vistvel, a mostrar que uma dada coisa que existe se apresenta desta 
ou daquela maneira, com estas ou aquelas características. A abunddn-
cia dos detalhes que eu poderei p r oduzir sobre esta realidade, tal 
como ela se me apresenta, poderá dar-me dela um certo conheci-
mento. E, no entanto, esse conhecimento será de algum modo unila-
t eral, porque ficará l imitado à própria i magem do que vejo. Completa-
mente diferente é, face ao mesmo objecto, o pensamento dialéctico 
ou critico: este encara-o não só no seu estado actual, mas na totali-
clade da sua exis tência, quer diz·er, tanto naquilo que o procluziu como 
no seu futuro. Este pensamento pode, pois, fazer (wparecen) O que 
a realidade p resente me esconde act.ualmente e que, no entanto, é 
i gualmen te importante. «(A realidade é coisa diversa e 1nuito mais 
do que o que está. codificado ( .. . ) na l inguagem dos factos 10». Tome-
mos um exem.plo. 
F ren te a um eui/ido, posso ultH1.paSSar a estrita descrição, ou a 
unálise dos ma teriais que o constituem, para mostrar de que é que 
esse edifício nasceu, ao tra:nsformações que podem afectá-lo na sua 
materialiclade ou no seu destino. Darei então dessa construção um 
conhecimento que, nco se limitando ao visível que se me impõe, 
permite apiedá-lo de uma forma completamente diferente: qual o 
projecto que esse m onumento representa, qual o trabalho que fOi 
ncessário para a sua construção, ョセ。 ウ@ também qual a função アオセ@
ele 、・ ウ・ュー ・ョ ャャセ@ hoje, quais as rr:odificações que são possíveis ou 
ll esejdve"i.spara hoje oz! amanhã. Em suma, eu reinteg;-'o este objecto 
num 1m.i1Jcrso mais vasto, mais completo, que é o dos outros objectos 
e sob retudo de outras rel'.lçõ es com acontecimentos aparentemente 
independen tes desse monumento e sem os quais, no entanto, não se 
pode realm.ente compreendê-lo_ 
Assim funciona o que eu chamo o pensmnento crítico: ele merece 
este qualificativo neste sentido em que, suscitando o que não e 
visível, para explicar o v isível, ele se recusa a crer e a d izer que a 
realidade se linzita ao v·isfve l. Ele sabe que a r ealidade está em movi-
mento, quer dizer, que qualquer coisa para ser apreendida e anali-
sada tem de o ser no seu movimento interno; não se pode, pois, 
abusivamente reduzir o real a uma das suas manifestações, a uma 
das suas fases. Vê·s e que campo se abre assim à análise a partir 
cio momento em que ela tome este caminho. E, especialmente, nas 
cWncias que se propõem lazer o esturlo dos homens que vivem em 
sociedade. Com efeito, o pensamento crítico t01"1w-se então a lógica 
de uma t eona cientifica. Diversa.mente das tem'ias cientifi cas hahi-
I') lbjd .. p . ·!5. 
22 
tuai s que se reduzem a uma técnica de inves t igação das coisas-
aplicar a intel igência ao melhor recenseamento possível dos fenóme-
nos - a teoria crítica nas ciências sociais traz uma reflexão de um 
género completamente diferente: ela rejl ect.e, aO mesmo tempo, sobre 
as condições da sua exis tência, sobre a sua situação no seio da vida 
social. Funciona, pois, não só por si mesma, m as definindo as suas 
)'clcções com o con texto em que surge 11 . 
Um pensamento crítico já não pode contentar-se em descrever 
dado acontecimento social, tal e qual ele se oferece à observação: 
ele não pode deixar de o reinseri.r na totalidade do passado c do 
futuro da sociedade que o produziu. D e[;envolvido assim , cm todas 
as sua" d·imensões, esse acontecimento 'perde o caracle)' chão, unidi-
mensinnal, que a mera descriçao lhe conferia: torna·se prenhe de torlas 
as deterrninações que o prodn;;:ira.rn e ele todas as trcms/ormações pos-
síveis que podem a/ectd-lo. A teoria c1'Uica permite não só descobrir 
os diferentes aspectos escondidos de uma realidade em movimento, 
-mas sobretudo abre, então, as porias de uma nova dimensú,o: a ria 
«emandpaçãw), se!J1tndo O termo de G. Raulet Qセ N@ Refl'Jct i ndo sobre 
as condições e os efeitos da sua. existenC"ia na vida social, a t eoí'ia 
reencontTa a sua lig-ação com a prâtica, quer dizer, com o m.undo 
social existente. 
Es ta olJ8crvação é capita.l para o nosso objecto. Um estudo do 
direi to no sentido que acabam os ele indicar ultrapassa, então, ° recen-
seamento, a classificação e () conhecimento do funci onamento elas 
diversas noções jurídicas, das insti tuicões e dos ュ ・・。ョNZゥL\[ZャNGセッウ@ do 
direito. O mundo juridico não pode, então, ser verdadeiramente conhe-
cido, isto é, 」ッュGーイ・ ・ョセAゥ、 ッL@ senão cm relação a tudo o que permiti.u 
a sua existência e no seu f u tu ro passiveI. E ste tipo d e análise clc.<:;ólo-
queia o est.udo do di.reito do seu isolamento, proi ecta-o no mundo 
Tea l onde ele encontra o seu lugar e a sua ra,'?ão de ser, e, lirJando-o 
(I. todos os outros f enómenos da sociedade, t orna-o solidário da 
mesma história social. 
Porque, em definitivo, trata-se de saber porque é que dada regra 
:iurícli.ca, e não dada outra, Tege dada sociedade, em daelo momento. 
Se a ciência. jurídica apenas nos pode dizer como essa 1'egra fun-
ciona, ela encontra-se reduzida C!. uma t ecnologia juridica perfeita-
mente insatis! atôria. Temos direito de exigir mais dessa ciência, ou 
melhor, de exigir coisa diversa de uma simples descrição de meca-
nismos. 
Existe uma outra significação para este qualificativo. Critica, 
a análise que elevemos ten tar é-o em relação às análises que nos 
.<Jão propostas actualment3. Sou obrigado aqui a lembrar uma evi-
dência : (! reflexão cientifica não parte nunca do nada; não existe 
11 J. H ABERM AS, T 1I6orie ct Pratiq !MI, Payot, p aris , lU75, tomo I. 
efr. p i'dácio d e G. RAULE'l', pp. 20 l' seguintes: o marxismo ê esta. <':teoria 
ct'lti c.."1. por oposição à teoria エ ャB セ 、 ゥ」ゥッ ョ 。 ャ@ que nào refl ecte sohr ê rl sua s lt u<l.i,:ão 
no セ G ・ゥッ@ do ー イoc Zセヲ[s o@ de trabalhO sociah. 
Qセ@ lbid.., p. 11. 
23 
ponto zero do conhecimento, teremos oportunidade de voltar a esta 
afirmação. O sab er científico pode ser rep res entado como um tra-
balho nunca termi nado para formular em termos mais exactos o 
Objecto e os métodos da sua investigação. O conhecimento de hoje 
é o ultrapassar do de ontem, isso é bem sabido, mas a maior parte 
das vezes ignorado e mal conhecido. Com efeito, uma representação 
・セーッョZエ¬ョ・。@ da obra científica tende a deixar imaginar o avanço da 
」セ↑ ョ」コ。@ como uma trajectória unida e única em que cada autor teria 
vzndo aumentar e tornar mais complexo um pensamento que, desde 
o principio dos tempos, se desenrolaria at ravés da história dos 
homens. E sta história da cii]ncia é pura e simplesmente fa lsa 13. 
Os. ー イッ ァイセウ ウッ ウ@ cient íficos são sem pre, segundo o termo consagrado 
cUJo sentzdo real se esquece, ((conquistas»: há um que ataca e outro 
que é vencido. O conhecimento de hoje é recortado sobre o conheci-
mento de ontem, d e tal modo é verdade que descobrir em ciência 
não signif ica melhorar o pensamento anterior, mas 'tropor um outro 
modo de colocar o prob lema. Para u t ilizar apen as um exemplo, Copér-
n ico não m elhora o sistema de Ptolomeu.' transforma-o radicalmente, 
quer dizer, destrói-o enquanto pretensão científica e substitui-lhe todo 
um outro universo H . É preciso absolutamente lemb rar que, se Galileu 
enco'}:tra u ma feroz oposição, é e.Tactamente porque afirma uma con-
cepçao do mundo que, longe de ser a conti.nuação melhorada da 
p r ecedente, al)?-Csenta-se como to lalmente n ova. Hoje fi cais certa-
m ente espantados perante o obscurantism o da l qr eja of i cial que f orça 
Galileu a abjurar as suas descobertas; no entanto. não esqueçamos 
que a I greja e a Universidade dessa época são as instit u ições em 
que é ensinada e estudada a vet'dade, a ve rda de do conhecimento. 
Salvas as devidas proporções, Pasteur. alguns séculos depois, terá 
de enf rentar a host ilidade dos «me10S cient íficos}) pouco convencidos 
do carácter científico das suas descobertas. Por outras palavras, 
o conhecimento científico é sempre obtido violen tamente contra um 
outro .conhecimf!n to que se afirma ciência: é neste movimento, que 
n ecesszta, por vezes, para se li bertar , de ((qolp es de forçw>, como 
veremos, que se constrói e desenvolve a inteligência das coisas e d os 
homens. Ora, este ensino da introdução ao direito é precisament e 
イ セ。ャゥセ 。セッ@ numa ins tituição, a universieZade. que é o l ugar da (me rda de» 
c1entzltca. Estamos todos acostumados à ideia ele que o que é dito 
nesse 11LQar é l ógico, explicativo, portanto (Iverdadeiro)) . Esta é a razão 
pela qual vocês pOdem dar algum crédito ao que os p rofessores dizem: 
senâo, a universidade não t eria mais razão de ser. N o entanto, deixai-
. 13 M. fic hセnG NイL@ M. PF.lCHEUX, Sur l'histoire des SG"Úl ll-C8S, coI. Théo-
rl e. Maspero. Paris. 1969, p. 51: «Le Prohlême de i Gィセウエッ ゥイ ・@ d es ウ」 ゥ ・ ョ 」・セZ[I N@
J. ... A L1'!I l!SSER , P hilosophíe ct P hilosophie spontanée des sat,'ant s ( 1967), 
coI. Theone, Maspero, P arIs. 1974, pp 79 e seguintes. 
H Uma exposição muito simples desta mutação, encontra_se I?ffi A o 
K OYRf: , Du 111..?'lde elos à l'unit;er8 'lnfil/i, P. U. F., Paris, 1962. L er desig na _ 
da mente o capItulo 2 : «A Astronomia nova f' a Nova Metaf iSico':", pp. 30 セ@
seguintes. 
24 
-vos por um ins tante, como D escw-tes n o seu destacamento militar 
durante w n inverno alcm.ão. assa ltar por u ma duvida: e se existisse 
uma ouira ((verdade» poss"Í'/;el no conhecimento elo direito? E se o que 
c afi.rmado como (!Verdade» evidente pUdesse ser objecto de um ata-
que radi cal? Talvez seja possível i r m ais longe, ou melhor , por outro 
caminho, em. re lação às viasjá t r açadas. Talv ez haja portas que 
possamos abrir que as doutrinas precedentes e as afirmações de hoje 
mantém f echadas. É esse ult rapassar a que vos convida toda a r eflexão 
cientijica: e, conw qualquer ?·cflexão científica, ela reveste de algum 
modo o carácter ele uma aventura. Ninguém sabe o que afinal de con-
tas será clescolJet·to, ninguém sabe que dificuldades nos esperam nessa 
e:rploração. Mas vale bem, a pena t entar a experiência, m esmo se ela 
nos conduzir por cam.inhos sclitârios, mesmo se ela nos opuser a tu.do 
o que se encont ra ((Jwrmal771cnt eJ> dito e explicado hoje. Uma intro-
dução crít ica, é, portanto, bem a iniciação a um esforço de refl exão 
C0112. todos os seus riscos e todas as suas aberturas. 
Esta introdução cr ít i ca r ef ere·se a um o bjecto particular: o direito.. 
Convem ainda precisar o sentido deste. 
III. Uma int rodução crítica ao di reito 
o termo direito conhece as metamorjoses de inúmeros ou l r os 
ter mos do nosso vocabulár io: tem vários sentidos. Não é, em geral, 
uma (lificuldade int1·ansponivel, mas para o nosso trabalho pode ser 
u m obstáculo impor tante. 
Partamos de uma evidência para most rar a complexidade da 
situação. Quando vos perguntam qual () objecto dos vossos estudos 
e vocês respondem (diro direito» (je fa is du droit ) - nas familias bur -
guesas, ([ir-se·ia ({ele está {J, tirar o curso de d i reito» (il jait san droU) -
vocês não querem de modo nenhum dizer que jazem regra!:i de direito, 
que süo autores do d ireito! O vosso interlocutor compreelideu nesse 
jogo de palavras que vocês estudam direito . 
Este lembrar da linguagem corrente mostr a suficientemente a 
ambivalência do t erm() direi,to. E le significa simultaneamente o con-
junto das r egras (ditas juríd icas) que regem o comportamento dos 
homens em sociedade e o conhecimento que se pode ter dessas regras. 
O francês n ão tem senão u ma pa lavra para designar essas duas reali-
dades. Es ta dualidade de sentidos é apresentada habitualmente nos 
m anuais e cadeiras sob a distinção elegante dos vocábulos: dircito-
-arte, direito-ciência. 
O direito é, em primeiro lugar, u m con junto de técnicas para 
reduzir os antagonismos sociais, para pe1"mitir uma vida tão pacifica 
quanto possível entre homens p ropensos às paixões. セ@ dar conta do 
carácter flutuante e p ragmático dessa arte, uma arte de homens sen-
satos, como lembra sem humor a vellw.. palavra jur isprudência. Assim, 
o conhecimento que se pOde t er dessa arte reflectirá as i ncertezas 
25 
dessa técnica de pacificação social. O direito é uma ciência? Claro. 
lIias não à maneira das ciências exactas. Uma ciência aproximativa, 
de algum modo, mas Ul1W ciência, apesar de tudo. Não é unicamente 
para honrar as inscrições f eitas nos frontispídos dos nossos edijícios 
que dizemos que ensinamos a ciência jurídica: é porque o estatuto 
oficial desse ensino é t ido como científico. {}ue quer isto ãizer? A ima· 
fiem que 1·apidamente se impõe a um estudante de direit.o é a divisão 
entre práticos e teóricos do di /cito. Não fa lo aqui da separação, 
muitas ve;zes denunciada, entre conhecimentos teóricos e realidades 
práticas, entre a universidade e o mundo que a envolve: ela vale 
para t odas as espécies de ensino. Quero designar o ejeito particular 
que ela reveste nas universidades em que se ensina o direito. 
As cadeiras, os manuais ou os tratados apresentam-se expressa-
mente como um re tomar da matéria bruta dada p ela prática jurídica 
ou p elas d·iversas práticas do direi to: legislativas, administrativas, 
judiciárias, etc. O professor em direito eleva-se ao nivel da teoria 
jurídica, juntando os fios dispersos de U1n nODelo em que os prútico1> 
f requentcmen.te se pcrdem: com que autoridad[J a ({doutrina", designa-
ctamente os professores de direito, propõe esta uu aquela solução ao 
logislador ou ao ju iz a fim de tornar maís coerente este ou aquele 
sistema. O estudanle de direito pas.'w, aparentemente, a maior parte 
do tempo a c1islmZc2rtT-Se em Tdação às contingêncúls da prática: 
repetiu-se frequentemente que, saído da universida.de, saído desse 
m.undo artijicial, pCl·/eitamente estruturado, lógico e racional, lhe era 
preciso reaprender tudo. Há mais do qu.e um passo entre a teoria 
jurídica c a prática elo direito : há muitas ve;.; cs um fosso . Tal pro-
cesso qu e constitui o objecto ele um longo desenvolvimento em. âada 
caelcira cncontra-se prat icamente inutiliza.do pelos julgadores; t(il meca-
nismo sábio, objecto de capítuLos inteligenles, enconlTa·se a nwior pa.rte 
das -z.;ezes alterado no dominio dos jac tos pai processos menos l·cgula-
Tes mas mais efícazes. eQWセ@ smna, a ciência do áireiio ganharia em Tigor 
o que perderia em actualidade. E com que cu.idado, aliás, o fo nnalismo 
de e.r posição e de raciocínio é tam lJém salvaguardado. O pla.no em duas 
pa.rtes, sobre qualquer t ema, dá a aparência de um domínio perfeito 
da questão, finamente articularla nos seus desenvolvimentos internos 
ao ponto ele, para parafrasear H egel, utudo o que é real se tornar 
racional». Ê verdade que t.ais práticas são pTóprias do mundo univer-
sitário, como talen"losamente refere L évi-Stmuss, lembrando a ウエセ。@ licen-
ciatura em filosofia jセN@ Claro, o estudante é pago na m esma m oeda pela 
clareza, a minúcia no radocfnio e a perjeição lógica neste tipo dc exer-
cício intelectual. Para além, de toda a escolástica estéril e ele toda a 
caricatura universitária, é verdade que é dado um certo conhecimento 
1Jzetódico, aprofundado e racional dos 7necanismcs juridicos. Neste seno 
tido, será inútil querer negar os esforços daqueles que praticam. esta 
((ci énciw! e alguns dos Tesultados a que chegaram. E, com o com-
plexo de un'iversitário a ajudar, ser íamos fortcmente tentados a pen-
l::i C. Lf'.:Vr·STRAUSS, Tristes tイHIZーゥアQセ ・Xャ@ Plon, Parls, ] 955, I.ntrodução. 
26 
sarmo-nOs como dete'ntores da rcverdaden teórica/ deixando para os 
práticos a má compreensão ou a errada utilização das técnicas jw'í-
à"icas. O direiLo : uma arte, m as dominada implicitamente pela ciência, 
ocupandO esta sempre o lugar de destaque. Esta concepção, que é afi-
nal bastante tecnocraiica, convencer-nas-ia de que existe realmente uma 
ciência jurídica. 
Esta afirmação oculta, no entanto, uma realidade bastante impor-
tante: a r elação que existe entre ciência jurídica e arte do diieito, 
eu diria, a relação de dependência da primeira em relação à ウセァオョ、ZZ [@
pois em deJinitivQ é isso mesmo que nos é ocultado na 。ヲセイュ。￧。o@
oficial da ウ・ー。イ。￧ ̄セ@ ciência-arte e da supremacia implícita da ciência 
sobre a arte. 
Retomemos as coisas na sua raiz: produzir di1·eito, quero dize?" 
regras de direito, é um dos f enómenos da nOssa sociedade. Es.ta 
produção de regras l egislativas, administratiúas, etc., está n ecessarw-
mente ligada - é talvez dependente, como veremos. mais エ。イ セ 、・@ セ@ a 
todas as outras produções que a sociedade faz surgIr: produçao l1.te-
raria, artística, cultural, mas também produção de laços e de insti· 
tuições polí ticas, e ainda p rOdução de bens económicos ._ 
Assim sem aprof1mdar mais de momento, a produçao de r egras 
de direitO' apresenta-se tal como é: produçã.o de instrum:entos ョ・」セウ ᆳ
sários ao funcionamento e à reprodução de um certo tlpo de ウッセコ・ ᆳ
dade. Consequent emente, as instituições jurídicas, tanto na sue: ャVァャNセ。@
como nO seu vocabulário, pretendem coisa diversa do que dar a soc:e. 
dade meios de se manter? Nem mais nem menos. Podemos, entao, 
in terrogarmo-nos sol)re o conteúdo exacto da rejlexão de que a 
ciência vai investir eSse campo de actividade social. poderíamos 
esperar que, como nos outros dominios, a ciência, não se jicando 
pelas aparências e não tomando as coisas ao pé da letra, desvendasse 
as r ealidades explicativas do real, do 1nesmO modo que o át0J?l.0 
invisível explica a 11/.atéria visível na sua estrutura e na sua ・vo セ Q A￧。_@
Ora, esta não é a concepção, ou pelo menos a ーセ£エゥ N」。 L@ da czencza 
jurídica na universidade . E sse não é, portanto, o dZTeztono アオ。セ@ o 
estudante habitualmente é introduzido. De facto, ele é ゥョエ イッ、オコセセ ッ@
nas técnicas jurídicas, tais como a sociedade as apresenta e as ーイッーセ・@
e não numa rejlexão sobre essas técnicas. Não é, portanto, senao 
aparentemente, qlle direito-arte e direito-ciência se Nセョ」セョエイ。 Aョ@ sepa-
rados: t.udo SI? passa, na r ealidade, como se a Clencza naO ヲッウセ・@
aqui mais da que a auxiliar, a serviclora, 、セ@ 。セᄋエ・N@ E ,:ta 」 ッョウセ 。エ。￧ オ ッ@
acarreta duas consequências cuja importancza e preclso medzr. 
Em primeiro lugar, a pretensão dos teóricos do áireito 、セ@ cons-
truir uma ciência é, a maior parte das vezes, m!t.ito impróp.na para 
dar conta do que é realmente ーイッ、Q AGセゥ、ッ N@ Pcr l·azoes que teret oportu.-
nidade de explicitar mais tarde, a ciência ェオイ■ 、ゥ」。セ@ tal_ como é prat?,-
cada habitualmente, não é mais do que uma jormalzzaçao, uma espécze 
de r acionalização de t extos jurídicos mais ou menos homogéneos e 
compatí-z.;eis entre si. A ciên.cia juridica limita-se a ser uma セーイ・ウ・ョᆳ
tação, exaustiva em alguns casos, por amostragem representatwa nau-
27 
tros, das regras e das instit uições. Aliás, não é por acaso que a 
evocação dos estudos de direito no espírito do comum dos mortais 
traz logo a imagem de enormes compilações e de uma boa memória 
necessária. De jacto) a licenciatura em direito pôde ser esse monu-
mento de conhecimentos armazenados em códigos e recolhas, sendo 
t odo esse conjunto aprendido nos cursos magistrais. A dificuldade 
surg.e de a produção cien tifica ser hoje tal, em quantidade e em com-
plexzdadc) que. o jurista científico fica exausto a querer in tegrar tudo 
no seu conheClmento. É banal constatar e denunciar o empolamento 
exagerado dos programas de ensino. Que dizer dos da licenciatura em 
direito! 
Cada ano traz novos problemas para analisar cada reforma 
acrescenta ou um capítulo ou um objecto novo. A; sim) os p rogra· 
mas apresentam doravan te um aspecto, não somente sobrecarregado, 
mas sセ「 イ ・ エオ、ッ@ díspar. N esta acumulação, p erde-se o fio director e 
os ensznamentos jurídicos são af litivos de tecnicismo e de detalhes. 
セ@ que se chama investigação em ciência jurídica sofre o mesmo 
destmo: as teses tornam-se enormes compilações sem nenhuma 
demonstração; mesmo as antigas disser tações dos diplomas de estu-
dos superiores tendiam a igualar, pelo seu volume, a medida de uma 
tese de doutoramento.' Pouca reflexão no total , nada mais do que 
um esf orço de ordenação, de clarificação numa selva cada vez mais 
ゥョ・クセイゥAAB」£カ・ ャN@ !'1!do se passa como se os teór-icos t ivessem por única 
ambzçao classzflcar as sentenças do Tribunal de Cassação ou anotar 
os .últimos decretos surgidos no Journal officiel. E sta visão, quase 
cancatural, do que é a ((ciência jurídica» actualmente não é desmen-
tida pelo esforço tentado por uns quantos para desenvolver estudos 
ェオイ■、ゥ」 ッセ@ mais aprofundados: em geral, a vaga tecnicista irrompeu 
nas anltgas faculdades de direito C01n a palavra de ordem bastante 
ambígua de um (regresso às realidades e às necessidades sent i das 
pela sociedade". Para evitar que se aprofunde o fosso existente entre 
universidade e sociedade, pôs-se a universidade na escola da socie-
dade: ・ ョセ。 イイ・ァ。、 。@ de lhe fornecer os seus quadros e os seus técnícos, 
ela estana doravante votada a não encarar a sua obra senão na 
セウエZ・ゥエ。@ óptica de uma estrita formação profissio nal. Longe de mim a 
ldeta de conservar a universidade numa junção aristocrática inútil: 
o problema niío é esse e é, em qualquer caso, muito mais complexo lU . 
Tudo. o que quero mostrar é que a teoria dos juristas não é nunca, 
a mator parte das vezes, mais do que o decalque das instituições dos 
me·ios e. das técr:i.cas do mundo dos práticos. Ora, se é normal que 
estes crzem e utzlzzem certas noções e certos instrumentos é curioso 
que essas mesmas noções e esses instrumentos se to;nem sem 
ョ ・ョセオZョ 。⦅@ alteração, os elementos da (liearia jurídica». Se, por ・クセューャッL@
a dzstznçao entre direito público e direito p rivado é simultaneamente 
1(: Trata-se. na realidade, de todo o problem a da função da universidade. 
A Il tcratura é abunda nte sobre este tema, sobretudo depois de 1968. Notcmo.'il 
um precursor: G. GUSDORF, L'Université en questiO'n. 
28 
cómoda e ú ti l na nossa sociedade, é, em contrapart ida) discutível que 
ela seja considerada como uma classif icação fundamental da ciência 
juridica_ Ora, poderemos observar numerosos deslizes q.ue, do mun_do 
da prát ica para o que é suposto ser o na ciência, transflguram n.oçoes 
ou instituições que não t inham qualquer pretensão científica. fGャ」。Mウ セL@
portanto) com dü-eito a ver entre direito-arte e direito-ciên.cia n:azs 
do que uma simples relação mas sim um laço de dependéncza. Exzste 
uma outra consequência, menos apar ent e mas muito importante, em 
relação à qual não podemos agora fazer mais do アセ・@ t raçar . os con-
tornos. O jurista teórico, embora creia que é per/eztamente ャョセ ・ ーセョᆳ
dente na sua investigação e no seu ensino, é o joguete de uma zlusao: 
ele não faz mais do que (reflectin> o sistema jurídico que ェuャセセ@ estar 
a analisar, participa na sua r eprOdução. Afastemos) desde jセL@ u,"!:a 
peTniciosa querela: a boa fé ou a sinceridade do ョセ ウウッ@ t eón.co nao 
está em causa. Apenas conta o m ovimento que efectmamente se rea-
liza. Qualquer que seja o argum ento de boa カセョエ。 、・L@ se ° discurso セ ッ@
nosso jurista retoma, sem as criticar, as noçoes, <:s. mOdOS. de racw-
cinio e as instituições que são correntes ,:a pratzca ウセ」セ。ャ@ que. o 
rodeia, ele coloca-se objectivamente ao servzço dessa pratzca sOelal . 
Fazendo i sto não só ele ai molda todo o seu pensamento, mas tam-
bém ai ゥョエ・ァセ。@ todos os que venham a escutá-lo e a lê-lo. M ais ァイ。セ・@
ainda ele deixa crer que certas técnicas ou certas instituições sao 
オョゥカ・セウ 。ゥウ@ e naturais: julgando f alar r acionalidade e lógica, ele fala 
contingência e lógica específica de um daelo tipo social. O anel aperta-se, 
então, sem que os que jalam nem os que escutam disso t enham. cons-
ciência: o discurso da ciência é um pavilhão que cobre, na realzdade, 
mercadorias completamente di ferentes e às vezes pouco 」ッョャ・セ ウ セカ ・ゥウ⦅@
É verdade como veremos mais adiante, que esta cumpltczdade 
Objectiva / hoje denunciada em diversos lugares: será ーイ・」ゥウセ@ que as 
classes trabalhadoras denunciem a mistificação da pretensa lzberdade 
para que novas regras de direito sejam elaboradas em matéria de 
contrato de trabalho · será precisa a descolonização e o surto de 
r evoluções no エ・イ」 ・ ゥイセ@ mundo para que o direito i nternacional clás-
sico seja posto em causa nos seus fundamentos. Por outras palavras, 
os termos e as instituições que eles recobriam, por t er em 、オイセョエ ・@
muito tempo parecido (maturais" e lógicos, deixam perceber hOJe a 
sua profunda solidariedade - querida ou involuntária, pouco in;-P?rta 
_ com situações económicas, políticas ou sociais apenas ヲ。カッイ。 カセャ ウ@ a 
uma parte daqueles que os utilizavam ou lhes estavam ウオ「ュ・N エ Z 、ッセN@
Um trabalho científico, por um lado, exige ter tomado consczencza 
dessa realidade e) por outro lado, leva por caminhos nOVOS o ? : os-
seguimento da investigação. Já não é possível 」ッョ エゥ ョ オセイ@ ,a. utzlzzar 
os mesmos termos, as mesmas teorias, os mesmos raClQcznzos para 
explicar as regras jurídicas na sua r ealidade. Já não é uma ウゥセーャ・ウ@
questão de coerência do pensamento, nem mesmo uma questao de 
honestiàade intelectual: a que obrigaria a consçiência a não p erpetuar 
um discurso que se sabe ser errado. Ê pura e simplesmente uma 
necessidade do p ensamento teórico, criti co, tal como o defini. Pura 
29 
e simplesmente - e, no entanto, não chegámos ao fim das nossas difi· 
cu ldades. Que importa, desde que entremos neste movimento. 
Uma int r odução crítica ao direito: um programa ambicioso e, 
no entanto, possível. Tra ta-se, de algum modo, de fixar as condições 
nas quais um estudo cientijico do direito é hoj e possível. Esta inves-
tigação levanta, como a continuação o demonstrará amplamente, enor-
mes dijiculdades:este é o preço que toda a ciência paga para começar 
a existir. 
Assim, antes mesmo de lançar um olha?" sobre o mundo jurídiCO 
que nos rodeia, é necessário fixar claramente os pontos de refe rência, 
a orientação que vamos adoptar. 
Nenhum cient ista vai ao encontro da realidade que quer explicar 
sem «informação», sem jormação: é, como veremos, uma ideia jalsa 
a de acr editar que a observação é a jonte da descoberta 1 7. Não se 
descobre senão aquilo que se estava pronto intelectualmente para 
descobrir. É·nos, pois, necessário precisar que (( questões» vamos 
colocw' ao direito para que ele nos udigwJ o que é. E st as questões 
não podem ser deixadas ao acaso: elas têm necessariamente de jor-
mar as bases de um sistema de explicação; por outras palavras, elas 
t êm de ter uma coerência teórica, a coerência de uma t eoria. E sse 
será o objecto da nossa primeira l areja. Com o espírito e o (wlhan, 
informados, iremos, então, ao encontro desse mundo jurídico que nos 
rodeia de maneira mais ou menos solene, mais ou menos r epressiva, 
mais ou m enos ejicaz. No nosso encontro com esse 1rlUndo do direito 
combateremos ao lado daqueles que, para além das aparências, que· 
Tem conhecer a última palavra das r ealidades: descobriremos, então. 
muitas «coi sas» que uma observação inocente nos teria ocultado, de 
tal m odo é verdade não haver ciência senão ciência do oculto. E ssa 
será a nossa segunda tareja. 
Será possível, nesse momento, analisar de maneir a crítica as dije-
r entes t eorias que se apresentaram como outras tantas explicações 
do dÜ·eito. Algumas delas confessaram a sua natureza propriamente 
filosójica, outras pretenderam, mais r ecentemente, contribuir para a 
fundação de uma verdadeira ciência do direito quando não de uma 
ciência p ura. Estaremos em situação de poder apreciar essas afir-
mações à luz do que já soubermos desse mundo j uridico, das suas 
técnicas e da sua lógica de funcionamento. Será essa a nossa terceira 
e última tarefa n esta introdução crítica ao direito. 
Assim se explica o plano que vou seguir: 
1.:. parte: 
2.a parte: 
3.a parte: 
EpistemOlogia e Dh·eito. 
A Arte Jurídica e as Contradições Sociais. 
Ciência e Ideologias Jurídicas. 
11 G, BACH ELARD, L e Nouvcl E.sp1'i t scient i f ique (1934), P. U. F., 
Paris, 1968, p. 5. F a lando do espírito reali sta cic·n.t1fico, ° autor cscr-eve: 
«Trata-se de um r eali smo de segunda posição, de um r ealismo em reacção 
contra a realidade usual, em polémica contra o imediato, de um r ealismo feito 
de razão realizada, de razão experimentada». 
30 
PRIMEIRA PARTE 
EPISTEMOLOGIA E DIREITO 
o termo epistemologia aparecerá a muitos como extremamente 
insólit o pela novidade que introduz num texto que se dirige a juristas: 
para quê compilúr as coisas e misturar não sei que reflexão filo-
sófica a um trabalho de direito? Antes de recusar a palavra, pode 
ser intel'essante saber O que ela abrange e o interesse que pode apre-
sentar para a nossa investigação. 
Para compreender a necessidade de uma reflexão epü,temo16gica 
será útil descer à raiz do problema: esta raiz é a constatação de uma 
produção teórica múltipla. O que é que isto quer dizer? Para com-
preenderem os fenómenos que 05 envolvem e os assaltam, mas igual-
mente para permitir a existência de uma comunicação social, os 
homens produzem «discursos». Chamarei discurso a um corpo coe-
i'ente de proposições abstractas implicando uma lógica, uma ordem 
e a pOSSibilidade não 86 de existir mas, sobretudo, de se reproduzir, 
de se desenvolver, segundo leis internas à sua lógica. Este discurso 
diz-se abst.racto neste sentjdo em que é formulado com noções ou 
eonceitos e graças a métodos de raciocínio, todos eles marcados pela 
abstracção. Em suma, o pensamento abstracto escapa assim à carga 
do concreto e eleva-se a um nível donde os homens podem dominar, 
intelectualmente pelo menos, os acontecimentos e os fenómenos nos 
quais se encontram mergulhados. Esta produção abstracta é, num 
Z セ ・ョエゥ¢ッL@ aquilo que é próprio dos homens que vivem em sociedade. 
i!; preciso, em seguida, assinalar a sua multiplicidade, Não é um dis-
o::urso mas vários que vemos coexistirem, sobrepor-se, responder-se, 
l:ompetir no seio da sociedade. Citarei assim o discurso religioso, 
/) discurso filosófico, mas também os discursos técnico, económico, 
:mofa,lista, li terário, poético, político, ideológico, cientffico ou teórico. 
セ セ ・イ ゥ 。@ falso acreditar que cada um destes discursos produzidos pela 
33 
vida social é afecto a um sector determinado, a um objecto espe-
cifico. Reconhecer-se-ia assim o d iscurso reli gioso pelo seu objecto, 
a relação entre Deus e os homens, e o discurso politico pelo facto 
de ele falar do poder. Mas esta a firmação é demasiadamente simpli-
ficadora : na realidp.de, estes discursos articulam-se uns com os outros, 
de m odo que nenhuma f ronteira pode ser t raçada, O discurso reli-
gioso fala também do poder de César e o politico não é indiferente 
aos problemas de 」 ッ ョ ウ セゥ・ョ」ゥ。@ religiosa. É pois preciso procurar 
noutro lado, já que afinal cada um destes discursos tem uma vocação 
hegemónica, quer dizeT, tem vocação para «falar de tudQ»), para dar 
uma interpretação global da vida social. Esta conclusào reveste uma 
consequência imensa para o que nos preocupa: onde e como pode-
remos nós descobrir no emaranhado complicadO destes discursos 
aquele que ambicionamos escutar ou produzi r, quer dizer, o discurso 
científico? Como reconhecer que se trata do discurso científico? 
A questão só aparentemente é ingénua ou simples. Claro que, 
[l priori, a Ciência é diferente de tudo o que é dito sobre as coisas 
e o munrl0 que nos rodei2:m, Mas constatemos somcate que aqui 
confiamos no que é dito, no que é afirmado, no que é escrito: temoS 
como científico a produção declarada científica. ou proveniente de 
instituições ditas científicas, Ora, do que se t rata agora., é de saber 
se, na ausência de qualquer (üabeln oficiaJ, conseguimos determinar 
as car acterísticas científicas deste ou daquele discurso, As coisas são 
menos si!:lples do que parece: são numeroscs os exemp los que 
mostram que, セ・@ nos vüarmos para a história, verdades científicas 
de hoje foram condenadas no seu tempo como erros, Temos sempre 
uma situaç;ão confortável «dCPOjS)l: tudo parece de tal maneira evi-
dente! Mas estamos assim tão certos que t eríamos estado do lado 
de Copérnico no século XV ou de Pasteur no século XIX? É mesmo 
bastante incómodo e sintomático, aliás, por ra.zões que ・セセー Qゥ」ゥエ。イ・ュッウ@
mais à frente, que a nniversic1ade enquanto corpo, tenha, na maior 
parte dos casos, constituído o travão senão o tribunal dirigido contra 
a produção de nOvas t.eorias científicas ou contra o reconhecimento 
do cnrácter erróneo dos seus próprios ensinamentos. lf: pois preciSO 
pensar madurf.Lmcnte antes de ter certezas neste domínio, De facto, 
se só tivéssernos o desejo de conhecer direito como um amador pode 
fazer da pintura ao domingo de manhã, ou a ambição de falar 
sobre direito para alimentar umas tantas conversas ou alimentar 
umas tantf!.S polêmicas, ser-nas-ia indiferente que o nosso propósito 
fosse perfeitamente sólido; mas trata-se de uma coisa completamente 
d iferente! Pretendemos ter acesso a um conhecimento cientifico do 
direito: dizemos que apresentamos, qu.e introduzimos a ciência jurí-
dica, A afirm ação não é ambígua, é clara, mas a prudência, como a 
honestidade, exigem que verif iquemos bem o conteúdo desta afir-
mação, Não é pois supérfluo nem 、・ウョ ・ 」 ・ウウセエイ ゥッ@ perguntar-se que 
condições deve cumprir uma produção teó!'ica para merecer a sua 
qualificação de cientifica., Dito de outra maneira, é capital para a 
nossa tarefa ウ。 ャjH セ イ@ porque é que o conhecimento que tivermos do 
34 
direito justifica a denominação de conhecil1!ento jurídico, A resposta 
tem precisamente a ver com o termo não habitual que abria esta 
parte: epistemologia, Pode ela de facto ser definida como o conhe-
dmento das condições da produção científica " Contrari31nenteao 
flue certos autor es afirmam 2, este objecto não é o único capitulo 
lla f.ilosofia que mereça interesse: é uma disciplina. auténoma ele 
refl exão, não sobre as ciências já constituídas - nesse caso s8Th o 
nome moderno da fil osofia das ciências - , mas sobre as cO!1dicões nns 
quais aparecem e se desenvolvem as disciplinas cientiiicas.' E por-
tanto para uma epistemologia do direito - entenda·se da ciênçia 
jurídica - que somos remetidos. 
Não abordamos aqui uma terra incognita: trabalhos de epl::te-
moI agia podem servir de pontos de r eferência., sobretudo dGsde há 
alguns anos, nas Ciências ditas s08iais . If; aliás c:urioso - イ セQRs@ cXDli-
cável - que a ciência tenha p:-aticamente passado ao bdo de tôdo 
este movimento e que, contrariamente a Dutras di.o::ciplinns, r..2D tenha 
reproduzido reflexão séria sobre as condições da sua própria vali-
dade, Se t irarmos as investigações muito partjculares e conhecidê.s 
de alguns especialistas セ L@ é p'eciso reconhecer a extraordini:>:ia segu-
rança de uma ciência que n§.o produz qualquer duvida. sobre o seu 
valor, como se tudo fosse evidente. É certamente desta auto-suficWncia 
e da crítica de todos os a priori do conhecimento j urídico que é 
preciso partir para chegar às condições de uma. verdadeira ciência 
do direito, Indicámos 。セウ ゥ ュ@ os obstáculos epistenlológicos cuja enun-
ciação e análise constituem as condições ーイ←Bゥセウ@ necessárias à con.s-
trução do objecto da nossa reflexão: o direito. 
t c, G HEMPEL, Eléments d 'é-pistétno lfJ[!ie) COl ln, Pari", 19Tt. Para uma 
t:! rí ti ca muit o interessant e ler: D. LECOURT, pour ttne ッイuエア Lセ ・@ de l'épis!érno · 
ャ ッァゥ・セ@ col. T héor ie, Maspero, Paris, 1972. 
') M. V rJ..,LEY, Pllilosophie du droi t , Dall oz, 1H75, p , 21: セ o@ q ue é que 
resta a.o fil ósofo? Aos cienUstas não se de ixará セ・tャ ̄ ッ@ quase a CTli stcmol0gia, 
quer dizer, uma teOria das ciências e construída a pa rtir das ciências_ ( ... ) Mas 
a s ciênc!n.s de t ipo moderno jama is p oderiam ウ。u セヲ。 WN ・ イ@ a nossa necessidade 
de conhecimento. ( ... ) Ora cada um d e nós pode Cl:contl'ar em si t! n ecessi-
dnde de filosofi a». 
:I A revista Archives de philoso-phte du d roit é ccr tar.1cntc o m elhor 
exemplo de publicação que 1cvanta estes p;f oblemas: epistem ológicos. Ver, por 
üxemplo, os I"'. úmeros d e 1958 ( << O pA.pCl d a vontade n o direit o»), 1%9 ᆱL d ゥ イセゥエッ@
e História) , 1960 ( .u\. T eologia cri stã e o Direi to»), HJ61 (<< A Reforma dos 
H セウ エ オ」ゥッウ@ de direito»), 1962 ( << O que é a filosofi a do direito?»), 1963 ( e:A Ultra-
passa.gem do direito :!» , etc. 
35 
I - OS OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS 
À CONSTITUIÇÃO DE UMA ciセncia@ JURíDICA 
o conceito de obstáculo epistemológico deve-se aos trabalhos de 
G. Bachelard que o define como um impedimento à produção de 
conhecimentos científicos 1. Não se trata de modo nenhum de um 
obstáculo visível e consciente: bem pelo contrário, funciona a maior 
parte das vezes sem que os próprios investigadores tenham cons-
ciência dele. Não lhe encontraríamos tão-pouco exoli cação psicológica, 
com fisco de desnaturar completamente este fenómeno. Com efeito. 
não se trata de modo nenhum de umas quantas dificuldades de 
ordem ーセゥ」ッQVァゥ」。L@ mas sim de obstáculos objectivos, reais, ligados 
à3 condições históricas nas quais a investigação científica se efectua. 
Assim, estes obstáculos são diferentes segundo as disciplinas e as 
épocas. pois testemunham, em cada uma das hipóteses, condições 
específicas do desenvolvimento da investigação cientifica. 
Convém, p2!.'a o nosso ob,iectivo, definir a especificidade dos ッ「ウセ@
táculos que encontramos imediatamente no momento de precisar a 
possibilidade de uma ciência jurídica. Tais obstáculos dependem pois, 
em França. hoje em dia, de toda uma história, que é ao mesmO 
tempo a das instituições nas quais ° direito é ensinado, a das insti-
tuições políticas que produzem este direito, numa palavra, a história 
das características da sociedade francesa. São estas que, em última 
análi se. podem explicar as modalidades particulares destas institui-
ções politicas ou universitárias. 
Proponho a título de hipótese de trabalho resumir a análise destes 
obstáculos sob os três seguintes títulos: a falsa transparência do 
d ireito ligada a uma domjnação do espírito positivista em França 
desde há mais de um século; o idealismo profundo das explicações 
1 G. BACHELARD, La Formation de l'esprit scientífique (1938). 
37 
jurídicas, consequência de uma f orma de pensamento que é em muito 
m aior escala a das sociedades submetidas a um regime capitalista; 
fi nalmente, uma certa imagem do saber onde a especiali zação teria 
progressivamente autorizado as compartimentações que constatamos 
actualmente. 
I. A falsa transparência do direito 
As obras j uríd icas e mais especialmente as «introduções ao 
direi to» raramente se preocupam com o problem a antes de tudo 
cient.ifico: a defi nição d o objecto de estudo cuja difi culd:1Cle veremoS 
mais tarde. Pelo contrário, com uma simpli cidade desconcertante, 
os autore.':: contentam'se em deitar um a olhadela sobre as instituições 
jurídicas da nossa sociedade para dela extra.ir o conhecimento, a 
ciência do direito. 
Eis como geralmente começa a in t rodução ao direito clássico: 
«<O homem é obrigado a v1ver em sociedade e não pode viver 
senão em sociedade C .. ). Por definição, o homem enquanto membro 
da socieda.de est.á envolvido por relações sociais. E stas relações não 
podem ser deixadas ao livre arbítrio ( .. .), assim li vida dos indi-
víduos pressupõe neces!iari amente a exis téncia de regras de conduta 
às Quais eles se submetem C .. ). A regra do direito apresenta-se 
como uma regra de conduta humana que a sociedade fará observar, 
se necessário, pela coacção social 2». 
«Parrr compn'ender o Q I1 p. 0 a イc セt[I N@ de dirp it.o. é ョ ー|G・セセウ £イ ゥッ@ COJlD 8Cer 
o fim Que ela prossegue. Este fi m é permiti r a vida em sociedade. 
A DnrtÍ r do momento em que vivemos uns ao lado dos outros, temos 
ョ・」・ウウゥ、セN、・@ de reg.r?s de conduta ( ... ). Não há sociedade possível 
sem haver urn:{. ordem. A regra de direito pretende assegur2.r esta 
ordem necessária Sj} . 
«Do mesmo lTIodo Que o direito se incarna para o povo no 
legislador e 110 .iu iz (Moisés e Salomão, Sólon e Minas), ns.sim ele 
se manifesta. aos olhos do jurista, em dois fenómenos: a reg:ra. de 
、 ェ イ ・ セエッ@ e o juJgamento C .. ). A regra de direito é uma regra de con-
duta huma.na a cuja observância a sociedade nos pode obrigar por 
uma ョイ・ ウセ ̄ッ@ exterior mais ou menos in tensa セスI N@
Excento a última formulu"ão orüdnal e diferenciada (na conti· 
nuacão do texto, espAcialmente nágs. 22 e segs.). todas as introduções, 
se assemelham às duas primeiras dtações. Não as citamos toda>; 
para não tornar pesado este trabalho セ N@
A WE-ILL, Droit cil>il, Dall oz. P ari s . 1973, pp. T ᄋ セN@
:l H. L. e J. M A ZEAUD, LeqMls de dr oH civil , op. cit., t. I. p. 18. 
,1 J. CARBONNIER, Droit civil, P. U . F., P aris, 1974, t. I . P 13. 
" vi セ イ@ i セGオョャ ュ・ ョ エ・@ as obras de M arty e RaynCiud; de Planiol e Ripert; 
e B. STARCK, Droft civil. int rodução. Libralrle T echn'Que, Pn.r l(; , H.I72 : uma 
Int rodw:;ão ( p . 6 a parti r do D." 5) extrema m ente in teressante. mas que não 
conduz cm segUida a nenhuma renovação do estudo do direito ... 
Estes poucos exemplos ilustram bem o «pal'ti·pris» dos juristas, 
Il ue constitui a primeira dificuldade para quem quer abo:dar ° ・ウエ⦅エ[エ、セ@
do direito de um modo científico. De facto revela·se aqm um a pll.On 
do pensamento teórico tão pernicioso quanto subtil, porque parece 
エ セ カゥ 、・ョエ・L@ m elhor ainda: porque parece conforme ao セ・ョ セ。ュ・ ョ エッ@
d entífi co. Pelo menos à. imagem que nós fazemos da ClenCIa .. eウエセ@
atitude consiste na afirmação de que o conhecimento do 、ゥセ ・ャエ ッ@ e 
()xtraido da experiência que dele podemos ter na ョッZセ 。@ Nウ ッセャ・セ 。 _・N@
E:sta valorização da experiência impli ca um a forma de ClenCIa Jundlca 
chamada positivismo. 
1.1 O Empirismo na descaberia do DireitoA aventura d.a ciência jurídica não é muito diferente da. das 
I !utras ciências qualific8tlas de humanas como a sociolog·ia ou a 
psicologia, sobretudo: o ponto de partida desta ciência encontra-se 
historicamente numa reflexão de tipo teológico ou metafisico. O que 
I ·' que isto quer dizer? 
O direito, enquanto conhecimento das regras ェセイ■、ゥ 」 。ウ@ que os 
homens devem respeitar no seio da sociedade não tmha, há 。 ャ ァ オ セウ@
:;(Sculos ainda, existência autónorna : esta\·::;. integrado numa reflexa o 
que parecia muito mais fund.amental e muito m ais important.e, a 
teologia, quer dizer, o conhecimento d a existéncia e das vontades セ・@
1)(:1.1S face aos homens. As regras de direito (como estudaremos malS 
I:ll·de) 8uarocem como prolongamentos desta vontade divina. O estudo 
、 セ@ -düctto não era senão pois um capítulo da teologia, ᆱ 」ゥ↑ョ」 ゥ 。セI@
Ilue t endi;.., r:1:i's, a integrar todas as outras investigações ou pelo 
IlI enos a ウオ「ッ [ZH QゥNA MQセャ M ャ 。 ウN@ Na medida em que, por razões part iculares 
:1. sociedade feudal, }J0l' exemplo 0, a teologia ocupava este lugar ーイゥ セ ェᄋ@
tp.riado e desenvolvia t:.r.1 r];.scurso soberano, a ciência jurídica n aO 
p(7dia existi r e desenvo!ve.r-;·;2 ["('não sob a sua tutela. Daí resulta 
:Iquilo a que chamaremos a prob1::miÍt ica inicial da ciência j urídica: 
:l problemática teológica. O estudo elo direito não _encontra r:em o 
;:(!u fundamento nem o' seu objectivo na preocupaçao de expllcal'. o 
'p le são realrnenle as regras jurídicas, a sua função no seio da sOCIe-
dade, o seu modo de transformação. A referência do jurista não é 
IHlis a sociedade, o que é um ponto de vista relativamente mode:-no: 
: 1 referência é Deus. É pois, em relação ao ensino teológico, アオ セイ@ セャセ・ イ L@
"In relação às suas definições, às suas categorias, aos seus イ。cャ ッ セ ュャoウL@
que o jurista vai , ele próprio, definir e raciocinar. Quer seja. em 
direito públiCO quandO se trata de 。ョ。 ャゥ ウセ イ@ as ヲ ッイセ。ウ@ do セッ、・イ@ poli. 
I ieo, quer seja a propósito das insti tuiçoes do dneito p nvado refe· 
n'nte às pessoas e aos bens, em todo o lado se セョ」ッョエ イ 。@ o peso da 
II 'ulogia: o poder do príncipe é um cargo confmdo por Deus, em 
" Cfr. adiante, parte III , cap . 1. 
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função do qual se ordena o seu exercício; a explicação das relações 
entre as pessoas é igualmente marcada por toda uma concepção da 
Criação e da sua ordem. A laicização do direito a partir da Renas-
cença não transformará verdadeiramente as coisas: a Deus suce-
der-se-á a Razão ou a Natureza, a metafísica substituirá a teologia. 
Da mesma maneira, as instituições jurídicas serão analisadas a partir 
de um certo número de noções, tanto a da natureza das coisas como 
a de vontade ou de equilíbrio. Por conseguinte, a ciência jurídica é 
governada por {(conceitos) e modos de raciocinio que lhe vêm de 
outro lado, de um sítio que é suposto ser o centro de todo o pensa-
mento: a abstracção metafísica. 
Eis rapidamente esboçn.do o quadro do conhecimento da ciência 
jurídica 7: isso explica de certo modo O obstáculo com que deparamos 
hoje em dia. De facto, longos períodos foram precisos para que 
o conhecimento do direito pouco a pouco se Ilberte desta metafísico.. 
É preciso, aliás, acrescentar desde já que esta ャゥ「・イエ。 セM\QNッ@ é parcial 
e que encontramos ainda. vestígios elestes a priori abstractos no estudo 
jurídico contemporâneo. Mas é verdade que aparentemente, pelo 
menos, tanto a investigação como o ensino do direito revestem o 
」N_セイ ̄」Zエ ・イ@ de um estudo (:objectivQ)). Já não é necessário acreditar em 
Deus ou ser partidário desta ou c1aqu01a filo sofia pura encetar ou 
prosseguir estudos de direito: as Facu1dades ele direito já não vivem 
à sombra das eatedrais. 
Compreende-se que a partir de Rgora, o empirismo tenha não só 
ganho terreno, mas se tenha afirmado como a via normal do estudo 
científico. 
O significado mais sirrtples do empirismo consiste em que todo 
o conhecimento é tido como resultado da experiência. Qualquer outro 
meio seria reputado de fazer apelo a noções ou a teorjas estranhas, 
suspeitas de filo sofia. O que há de mais neutro, de facto, de mais 
objectivo, de mais evident.e mesmo, do que a constatação das coisas 
e dcs instituições que nos l'odeiam? O Estado, os contratos, a insti-
tuiÇ8.0 do casamento, os trihunais 1:.80 são simples invenções do espí· 
rito: ャQセ L o@ são «ideias» no sentido em que alguns analisariam o sentido 
estótieo. o incOl1scíente ou os nt.";mcros ゥ ョエ・セ イッウN@ O Estaco, um contrato, 
um tribunal aparecem em primeiro lugar como objectos reais, se pode-
mos dizê-lo, materialmente constatáveis. Fazem parte de um meio 
concreto, preciso, fora de discusEão quanto à realidade da sua exis-
tência. Um estudo científico dest2s instituições ou regras do direito 
deveria pois encontrar a sua génese na observação ou reconheci-
mento da experiência que delas se pOEsa fazer. Como conhecer o 
Estado? Evidentemente que não, dirá a maior parte dos autores, 
fazendo apelo a uma teoria do Estado, admit ida a priori, mas sim 
observando o que é o Estado, tal cama ele funciona hoje em dia. 
Da mesma maneira, uma explicação do contrato em direito' privado 
Trata·se aqui de uma slmplifi caçã.o evidente: terei oeasiào ele lhe expli· 
citar o Conteúdo em de,'}envolvi mentos poster:ores. 
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U8..0 poderia ser senão a teorização de um conjunto de fenómenos 
({ue se impõem à oh::ervação: um contrato ê um acordo entre duas 
pessoas que tem por efeito cri ar obrigações jurídicas. Muitos, e não 
dos menos impor tantes, acrescentariam que a vida social e portanto 
a vida juridica são extremamente ricas em fenómenos que velhas 
i.corias tenderiam abusivamente a simplific ar: ao rejeitar estas ideias 
feitas sobre o Estado, sobre os contratos ou 1:1. acção adminü:trativa, 
aquilo que se não descobre! Numerosos factos que os autores ante-
l·iores não conheciam vieram hoje trazer novidades e complexidade 
ú.s regras jurídicas. A experiência e a observação seriam pois as pala-
vras·chave não Só do conhecimento do direito en1. geral, mas do 
conhecimento actualizado. a jortíori , de uma pesquisa fundamental. 
E no entanto estas afirmações têm o enorme inconveniente de assen-
tar num equívoco respeitante à pnitica cientifica, especialmente ao 
papel da experiência no conhecimento científico. Com risco de 
chocar, é preciso afirmar de imediato que um cientista não funda-
menta o セ・ オ@ conhecimento na experiência. 
É truísmo recordar o Que é a. experiência no sentido científico: 
ô sempre uma {(experiência 」ッョ ウエ イオ■、。ᄏIセN@ O sábio não aborda o 
objecto da sua jnvestigação com um olhar inexperiente ou inocente: 
セ「 ッ イ、。Mッ@ j ustamente com uma ュZZエ セ[ウ。@ de conhec:imcntos e informações 
que diferencia. a obserVação cient.ífica da observação vulgar. Onde 
o observador vulgar não vê ヲGZ・ョ セャッ@ formas, cores ou pesos, «verá» 
o sábi.o outra coisa: a aplicaç.ã.o ele um certo número de teorias 
respeitantes à mat.éria. Tem-se, muitas vezes, tendência a esquecer 
esta realidade do trabalho do cientis ta: alguns mesmo, de entre os 
dentü:tas, afirmam com insistência, que tudo se encontra na expe-
riência. Não vamos, por agora, procurar as razões pelas quais os 
próprios cientistas contam uma história da ciência diferente das suaS 
práticas reais!). Fixemos só o que é a prática cientifica efectiva: 
a experiência vem confirmar a reflexão, ela nunca é o ponto de par-
t.lcl.a., Assim, a abordar:cm dos fenómenos é seIDlJr€ rr.ediata, nunca 
hnediata. Esta mediatização é muitas vezes apresentada como sendo 
a intervenção dos «fI.parelhos» de observação que deformariam de 
algum modo a obEervação: do microscópio às técnicas da sondagem 
I'm sociologia. encont.ramos セ・ョQーイ・@ a dificuldade de um écran, de 
um intermediário entre o observador e o objecto observado. Esta 
nbservuGão é insuficiente; na realidade, o microscópio, da. mesma 
maneira que a técnica da sondagem, são cristalizações de teorias 
、・ョ エ■ヲゥ」。ウセ@ teoria da propagação da l uz, teoria da amostra socioló-
8 o texto mais clássico e mais claro

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