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PENAL ESPECIAL E LEGISLAÇÃO PENAL EXTRAVAGANTE 1 Sumário 1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................... 5 2 – LEI DE CRIMES HEDIONDOS .............................................................. 6 3 – CRIMES DE TRÂNSITO ...................................................................... 13 3.1 - Artigo 306- crime de embriaguez ao volante ...................................... 13 3.2 - A antinomia real no código de trânsito brasileiro ............................... 15 4 – CRIMES AMBIENTAIS......................................................................... 17 4.1 - Crime contra a Fauna ........................................................................ 18 4.2 - Crime contra a Flora .......................................................................... 19 4.3 -Poluição e outros Crimes Ambientais ................................................. 20 4.4 -Crimes contra Ordenamento Urbano e Patrimônio Cultural ................ 21 4.5- Crimes contra a Administração Ambiental .......................................... 22 4.6 - principais leis ambientais brasileiras .................................................. 22 4.6.1-Política Nacional do Meio Ambiente: Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 ..................................................................................................................... 22 4.6.2- Lei dos Recursos Hídricos: Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997 ... 23 4.6.3 - Lei dos Crimes Ambientais: Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 .............................................................................................................................. 23 4.6.4 - Política Nacional de Resíduos Sólidos: Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010 ................................................................................................................. 23 4.6.5 - Novo Código Florestal Brasileiro: Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 ...................................................................................................................... 24 4.6.6 - Lei da Exploração Mineral: Lei nº 7.805, de 18 de julho de 1989 ... 24 4.6.7 - Política Nacional de Saneamento Básico: Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 ..................................................................................................... 24 4.6.7 - Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza: Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 .......................................................................... 24 5 - ESTATUTO DO DESARMAMENTO ..................................................... 25 5.1 – Fundamentos .................................................................................... 26 5.2 - Posicionamento do Supremo Tribunal Federal .................................. 27 5.3 - Outros pontos controversos ............................................................... 29 2 5.4 - Vigilância privada ............................................................................... 30 6 - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES .......................................... 31 6.1 - Diferença na prática - o papel da polícia na caracterização de tráfico de drogas .............................................................................................................. 35 7 – LEI MARIA DA PENHA ........................................................................ 38 7.1 - Lei Maria da Penha e Violência de gênero contra mulher ................. 39 7.3 - Lei Maria da Penha e Proteção à mulher ........................................... 46 7.4 - Lei Maria da Penha – Lei 11340/2006 ............................................... 46 7.4.1 - Violência doméstica e familiar contra a mulher ............................... 47 7.4.2 - Formas de violência ........................................................................ 47 7.4.3 - Assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar .............................................................................................................................. 48 7.4.4 - Outras informações sobre a Lei Maria da Penha ............................ 50 BIBLIOGRAFIA .......................................................................................... 52 3 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós- Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 4 1 – INTRODUÇÃO Na Legislação Penal Extravagante, ou Legislação Penal Especial, se estudam as leis que possuem conteúdo materialmente penal, ou seja, leis que penalizam condutas, que se encontram dispersas do Código Penal. Algumas leis podem ter conteúdo penal juntamente com outro ramo do Direito, por exemplo, conteúdo penal e processual penal. Analisaremos seus aspectos. Bom estudo! 5 2 – LEI DE CRIMES HEDIONDOS Como adotamos o critério legal, são hediondos somente os crimes elencados no art. 1º da Lei 8.072/90. Por essa razão, não se fala, por exemplo, em hediondez na hipótese de homicídio do Presidente da República, pois o art. 29 da Lei 7.170/83 não integra o rol. São hediondos os seguintes delitos: homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2o, incisos I, II, III, IV, V, VI e VII) lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 1422 e1444 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição; latrocínio (art. 157, § 3º, in fine) extorsão qualificada pela morte (art. 158, § 2º) extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lº, 2º e 3º) estupro (art. 213, caput e §§ 1º e 2º) estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2º, 3º e 4º) epidemia com resultado morte (art. 267, § 1º) falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B) favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º) genocídio (Lei 2.889/56). 6 Infelizmente, o rol dos crimes hediondos está entre aqueles assuntos que devem ser memorizados. Em prova, dificilmente será questionado se um crime X é o não hediondo. Entretanto, é possível que a banca pergunte a respeito de prazos de prisãotemporária ou de progressão de regime na hipótese de determinado delito, diferenciados em crimes hediondos. DICA: a tentativa não afasta a hediondez! Portanto, na hipótese de tentativa de estupro ou de homicídio qualificado, por exemplo, o crime permanecerá hediondo, devendo ser aplicada a Lei 8.072/90. As “pegadinhas” em relação ao homicídio na Lei de Crimes Hediondos são sempre as mesmas. Questionarão se é possível a existência de um grupo de extermínio composto por uma única pessoa – a redação do art. 1º, inciso I, pode fazer com que o leitor chegue a tal conclusão. A resposta é não. O que o dispositivo quis dizer: não é preciso que todos os integrantes do grupo de extermínio participem da execução do homicídio para o reconhecimento de sua existência ou de sua hediondez. Há divergência quanto ao número mínimo de integrantes de um grupo de extermínio. A Lei 8.072/90 não diz, mas boa parte da doutrina entende que a formação é a mesma da associação criminosa (CP, art. 288): três ou mais pessoas. Não confunda grupo de extermínio com concurso de pessoas. Se Caio, Tício e Mélvio decidem matar João, a hipótese será de homicídio em concurso de pessoas, e não de grupo de extermínio. Por outro lado, se o trio decide matar torcedores de determinado time, estará caracterizado o grupo de extermínio. A principal característica do homicídio em atividade típica de grupo de extermínio é a impessoalidade. A vítima é assassinada em razão de alguma característica especial (ex.: ser mendigo), e não por ser A ou B. A sua identidade é irrelevante para o homicida. No Direito, há exceção para tudo. No entanto, em relação às qualificadoras do homicídio, fique esperto: todas elas tornam o crime hediondo. 7 No § 1º do art. 121 do CP está previsto o intitulado homicídio privilegiado – na verdade, não é privilégio, mas causa de diminuição de pena, hipótese em que o agente mata “impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”. Não é crime hediondo, pois não está no rol do art. 1º da Lei 8.072/90. Contudo, há uma situação que pode causar confusão: a do homicídio qualificadoprivilegiado. O § 2º do art. 121 do CP possui qualificadoras de natureza objetiva (incisos III e IV) e subjetiva (I, II, V e VI). O homicídio privilegiado é compatível com as qualificadoras de natureza objetiva (ex.: o pai que mata o estuprador da filha com o emprego de veneno). Neste caso, o homicídio será considerado, ao mesmo tempo, qualificado e privilegiado. Surge, então, a dúvida: ele será hediondo? A resposta é não. A razão: em primeiro lugar, não há previsão no art. 1º da Lei 8.072/90. Ademais, não seria coerente, em um mesmo contexto, diminuir a pena e impor os malefícios da Lei dos Crimes Hediondos. 8 Vamos imaginar outra situação: Tício, agindo com vontade de matar por motivo torpe, logo, qualificado, dispara tiros contra Mélvio. No entanto, por erro na execução, atinge Caio, que vem a falecer. Pergunto: o fato de Tício atingir pessoa diversa da pretendida afasta a hediondez do crime? E se Tício confundisse as vítimas, e, ao invés de atirar em seu inimigo, matasse o seu irmão gêmeo? Nas duas hipóteses, o homicídio será hediondo. Isso porque, tanto na hipótese de “aberratio ictus” (CP, art. 73) quanto na de “erro sobre a pessoa” (CP, art. 20, § 3º), leva-se em consideração a vítima pretendida, e não a efetivamente atingida. Logo, se o homicídio foi praticado por motivo torpe (ou presente outra qualificadora), ele será hediondo, ainda que o agente não mate a vítima desejada, mas pessoa diversa. Em 2009, o CP passou a contar com o § 3º em seu art. 158 (extorsão), com a seguinte redação: “Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente.” Trata-se do intitulado “sequestro relâmpago”, que, por razões inexplicáveis, não foi incluído ao rol de crimes hediondos, ainda que ocorra a morte da vítima. Alguns autores entendem que o delito seria hediondo em razão da remissão que o dispositivo faz ao art. 159, §§ 2º e 3º, mas o raciocínio não deve prevalecer, pois, como já dito, o critério adotado para que um crime seja considerado hediondo é o legal. Ou seja, se um delito estiver no rol do art. 1º da Lei 8.072/90, é hediondo. Senão, não é. São equiparados aos crimes hediondos o tráfico de drogas, o terrorismo e a tortura. Significa dizer que a Lei 8.072/90 é aplicável a eles, exceto quanto ao que lei própria dispuser de outra forma. Por isso, as disposições da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas) e da Lei 9.455/97 (Lei de Tortura) devem prevalecer quando em conflito com a Lei de 9 Crimes Hediondos (princípio da especialidade), que deve funcionar como norma geral. Os crimes hediondos e equiparados são insuscetíveis de anistia, graça, indulto e fiança. Perceba que o que a Lei 8.072/90 veda, em seu art. 2º, II, é a fiança, e não a liberdade provisória. Portanto, é possível que o acusado por um crime hediondo aguarde o desfecho da ação penal solto. O que não é possível, no entanto, é que a liberdade seja condicionada ao pagamento de fiança, por expressa vedação legal, mas o juiz não está impedido de impor outra das medidas cautelares do art. 319 do CPP. No art. 2º, § 1º, a Lei 8.072/90 afirma que o condenado por crime hediondo iniciará o cumprimento da pena necessariamente em regime fechado, pouco importando o “quantum” de pena fixado. Todavia, o STF, ao julgar o HC 111.840/ES, declarou, em controle difuso, a inconstitucionalidade do dispositivo, e entendeu que o condenado por crime hediondo pode iniciar o cumprimento da pena em regime diverso (aberto ou semiaberto). Significa dizer que o dispositivo permanece em pleno vigor, mas tem sido afastado pelos Tribunais Superiores. O STJ tem seguido o entendimento, como é possível constatar no HC 306.352/SP, publicado no dia 24 de fevereiro de 2015. A progressão de regime em crimes hediondos se dá com 2/5 (dois quintos), se primário o condenado, ou 3/5 (três quintos), se reincidente. É importante que o leitor memorize as frações, pois são cobradas em provas. Em relação à prisão temporária, os prazos na Lei 8.072/90 são diferenciados. Em regra, a prisão temporária pode ser decretada por 5 (cinco) dias, prorrogáveis por mais 5 (cinco) dias. Tratando-se, no entanto, de crime hediondo, o prazo é de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. 10 ATENÇÃO: alguns crimes hediondos não estão no rol da Lei 7.960/89, que prevê, em seu art. 1º, III, quais delitos estão sujeitos à medida. Como o rol é taxativo, é possível afirmar que alguns crimes hediondos não são passíveis de prisão temporária do agente que os pratica (ex.: a hipótese do inciso I-A, a lesão corporal contra determinados agentes públicos, incluído pela Lei 13.142/15). A Lei 8.072/90, em seu art. 2º, § 3º, transmite a ideia de que, proferida a sentença condenatória, ainda que não tenha ocorrido o trânsito em julgado, o acusado deverá, em regra, ser preso, ainda que recorra da decisão – “Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade.” Entretanto, o fato de estar sendo acusado por um crime de maior gravidade não retira do réu garantias constitucionais a todos garantidas, como a presunção de inocência ou de não culpabilidade. Portanto, se o acusado permaneceu solto até a sentença condenatória, só será possível a decretação da prisão preventiva se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, senão, ele deverápermanecer solto, não podendo o juiz vincular o conhecimento do recurso ao recolhimento à prisão. 11 3 – CRIMES DE TRÂNSITO 12 O trânsito de todas as vias brasileiras abertas à circulação é regido pelo Código de Transito Brasileiro, mais conhecido como “CTB” (Lei nº 9.503/97); tal código prevê, dentro de suas limitações jurídicas, infrações de transito e crimes de transito cujas infrações são de natureza administrativa e penal, respectivamente. Dentro da esfera contextual previsto no CTB, infrações de transito são definidas como um desrespeito aos preceitos administrativos da regulação de transito previsto no código, em resoluções adicionais do CONTRAN e na legislação complementar, onde o sujeito infrator poderá sofrer certas penalidades administrativas. Adicionalmente, e possível que uma infração de transito também seja uma infração penal, resultando nas consequências descritas na seara penal. O objetivo deste estudo é do ato de conduzir um veículo automotor com sua capacidade psicomotora alterada em consequência do uso de drogas lícitas e/ou ilícitas que sejam causadoras de dependência física e psicológica. Tal ação é crime, cuja pena é detenção pelo período de seis meses a três anos, pagamento de multa e proibição da permissão de dirigir um veículo automotor (art. 306 do CTB). Em 19 de junho de 2008, o crime de embriaguez ao volante foi alterado pela Lei Federal no. 11.708 com objetivo de aumentar o rigor penal ao eliminar a tolerância de álcool no sangue, existente antes da mudança, de forma a desconsiderar a necessidade de perigo concreto para determinar a prática delitiva. Alguns anos mais tarde, o artigo 306 sofreu uma serie de críticas devido a possíveis falhas na construção legislativa do mesmo, sendo alterado pela Lei Federal Nº 12.760, de 20 de dezembro de 2012. 13 3.1 - Artigo 306- crime de embriaguez ao volante A primeira alteração foi mudar a característica de contravenção penal (art. 34, do D.L. 3.688/41), em crime. A segunda mudança teve o objetivo de corrigir a omissão do Art. 306 § 2, uma vez que não estava previsto de forma clara que haveria possibilidade de realizar um exame toxicológico no condutor do veiculo automotor. Por causa disso, se houvesse suspeita de embriaguez estar dirigindo sob efeito de álcool, era previsto o teste para checar se o condutor estava apto para dirigir, porém caso houvesse suspeita de um consumo de alguma droga considerada perante o código penal, ilícita, não haveria previsão para aplicar o teste toxicológico no condutor. Com a mudança hoje é possível que o sujeito, suspeito de dirigir sob efeitos de drogas ilícitas seja submetido a exames toxicológicos mesmo sem ter ingerido álcool. Desta forma e possível garantir a segurança viária e dos cidadãos que nela circulam, fato que o CTB determina definindo que a condição segura do trânsito é direito inerente a todos, também protegido pela Constituição Federal. 14 Logo, o funcionamento eficiente do transito este diretamente relacionado ao interesse do Estado de garantir segurança em suas vias e transformando-o como responsável pela tutela do mesmo. Dentro do contexto dos delitos de transito, a objetividade jurídica referente ao assunto pertence unicamente à segurança no transito, levando a norma penal a tutelar o interesse social da segurança nas vias. Portanto apesar da segurança das vias serem um assunto jurídico tutelado pelas normas penais de transito, elas na realidade estão a serviço de outros fatores jurídicos, onde protege o coletivo resulta na proteção do bem particular. O Anexo I do CTB define como veiculo automotor todo veiculo a motor de propulsão que circule por meios próprios. Outros veículos que não sejam automotores, como bicicletas e/ou lanchas, por exemplo, pode caracterizar subsidiariamente uma contravenção penal, se o condutor estiver embriagado e colocar a segurança de terceiros em risco, conforme prevê o artigo 34, do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (“Lei das Contravenções Penais”) ou, ainda, quando se tratar de aeronave ou embarcação e o agente tiver ingerido drogas ilícitas, como descreve o artigo 39, da Lei Federal nº 11.343/2006 (“Lei Antidrogas”). 3.2 - A antinomia real no código de trânsito brasileiro Nas palavras do professor e doutrinador Flavio Tartuce, “Antinomia é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sem que se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto (lacunas de colisão)”. Conforme a redação do §2º do artigo 302, do Código Penal, verbis: “§ 2º Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição 15 ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente: Penas - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.” Nota-se que a qualificadora apresenta um problema de antinomia no âmbito do direito penal, pelo fato de a redação não mencionar o resultado “morte”. Nesse sentido, a antinomia ocorre ao dizer que o agente que pratica homicídio culposo ao dirigir um veículo automotor durante um “racha”, deveria ser punido na forma do §2º do artigo 308, do Código de Trânsito Brasileiro, no qual é prevista pena de 5 a 10 anos. Entretanto, o artigo 302, §2º, expressamente descreve que aquele que participar de “racha” e ocasionar morte de forma culposa responde pela pena de 2 a 4 anos. Assim, a contradição contida nos dispositivos mencionados acima faz com que seja incorreta a aplicação das normas. Para solucionar esse problema, encontram-se algumas interpretações possíveis, sendo elas: (a) Aplicação da interpretação mais favorável ao réu: no caso de homicídio culposo derivado de direção de veículo automotor participando de “racha”, será o condutor, punido na forma do §2º do art. 302 do CTB. (b) Considerando o § 2º do art. 308 do CTB e tendo em vista que a interpretação entre os dispositivos de uma mesma lei deve ser sistêmica, será possível construir a seguinte distinção: 1. Se o condutor, durante o “racha”, causou a morte de outrem agindo com culpa inconsciente: aplica-se o § 2º do art. 302 do CTB; 2. Se o condutor, durante o “racha”, causou a morte de outrem agindo com culpa consciente: aplica-se o § 2º do art. 308 do CTB. 16 Percebe-se que possíveis erros técnicos cometidos pelo Legislador dificultam a aplicação da norma penal de maneira correta. Sendo assim, as atualizações penais se fazem necessárias a fim de sanar possíveis problemas decorrentes de contradições apresentadas pelo Direito Penal. 17 4 – CRIMES AMBIENTAIS A forma como o meio ambiente é utilizado pelo ser humano e a preservação da natureza são consideradas uma extensão do direito à vida. Com base nesse conceito, a Constituição de 1998 tem uma área para estabelecer regras ambientais e garantir que o Meio Ambiente seja preservado adequadamente e que ações prejudiciais sejam devidamente penalizadas. Sendo assim, ficou estabelecido que crime ambiental é qualquer ação que prejudica os elementos que formam o ambiente de modo que ultrapassem limites estabelecidos pela lei, sejam eles na fauna, na flora, recursos naturais ou patrimônio cultural. Além disso, condutas e comportamentos que ignoram normas ambientais legalmente estabelecidas, mas que não prejudicam diretamente o meio, também são consideradas crimes ambientais. Popularmente conhecida como Lei de Crimes Ambientais, a lei 9.605/98, é responsável por determinar quais condutase ações devem ser criminalizadas pela justiça. 18 Portanto, é ela que define as atitudes criminosas ocorridas contra o meio ambiente e quais procedimentos são necessários para que haja devida penalização. A Lei de Crimes Ambientais tem vertentes para facilitar formas de julgamento e as consequências destinadas àqueles que cometem dos crimes ambientais. Vejamos: 4.1 - Crime contra a Fauna Ações prejudiciais cometidas contra animais silvestres, nativos ou em rota migratória, como caçar, pescar, matar, perseguir, apanhar, utilizar, vender, expor, exportar, adquirir, impedir a procriação, maltratar, Realizar experiências dolorosas ou cruéis com animais quando existe outra forma de trabalho, mesmo que para fim didático ou científico, Transportar, manter em cativeiro ou depósito espécimes, ovos ou larvas sem autorização ambiental ou em desacordo com a lei, Modificação ou destruição de ninho, abrigo ou criadouro natural, A introdução de espécies animais estrangeiras em solo brasileiro sem devida autorização, 19 Extermínio de espécies devido à poluição. 4.2 - Crime contra a Flora Destruir ou danificar floresta permanente, mesmo que ela esteja em formação, utilizá-la em desacordo com as normas de proteção, assim como usar as vegetações fixadoras de dunas ou protetoras de mangues, Causar danos diretos ou indiretos às unidades de conservação, Provocar incêndio em mata ou floresta ou fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocá-lo em qualquer área, Extração, corte, aquisição, venda, exposição para fins comerciais de madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal sem a devida autorização ou em desacordo com a Lei 9.605 de 1998, 20 Extrair de florestas de domínio público ou de preservação permanente pedra, areia, cal ou qualquer espécie de mineral, Impedir ou dificultar a regeneração natural de qualquer forma de vegetação, Destruir, danificar, lesar ou maltratar plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia, Comercializar ou utilizar motosserras sem a devida autorização. Neste caso, se a degradação da flora provocar mudanças climáticas ou alteração de corpos hídricos e erosão a pena é aumentada de um sexto a um terço. 21 4.3 -Poluição e outros Crimes Ambientais Poluição acima dos limites estabelecidos por lei, Poluição que provoque ou possa provocar danos à saúde humana, morte de animais e destruição significativa da flora, Poluição que torne os locais inapropriados para ocupação humana, Poluição hídrica que torne necessária a interrupção de abastecimento público, Falta de adoção de medidas preventivas em caso de risco ambiental grave ou irreversível, Pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem autorização ou em desacordo com a Lei de Crimes Ambientais e a não-recuperação da área explorada, A produção, processamento, embalagem, importação, exportação, comercialização, fornecimento, transporte, armazenamento, guarda, abandono ou uso de substâncias tóxicas, perigosas ou nocivas à saúde humana ou em desacordo com as leis, 22 Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar empreendimentos de potencial poluidor sem licença ambiental ou em desacordo com as normas, Disseminação de doenças, pragas ou espécies que possam causar dano à agricultura, à pecuária, à fauna, à flora e aos ecossistemas. 4.4 -Crimes contra Ordenamento Urbano e Patrimônio Cultural Destruir, inutilizar, deteriorar, alterar o aspecto ou estrutura sem devida autorização, Pichar ou grafitar bem, edificação ou local especialmente protegido por lei, Danificar registros, documentos, museus, bibliotecas e qualquer outra estrutura, edificação ou local protegidos quer por seu valor paisagístico, histórico, cultural, religioso e arqueológico, Construção em solo não edificável (por exemplo áreas de preservação), ou no seu entorno, sem autorização ou em desacordo com a autorização concedida. 23 4.5- Crimes contra a Administração Ambiental As penas previstas pela Lei de Crimes Ambientais são aplicadas conforme a gravidade da infração: quanto mais reprovável a conduta, mais severa a punição. Se destacam entre as punições, o regime penitenciário, multas, suspensão de atividades, prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos, recolhimento domiciliar, entre outros. Dessa forma, ao contrário do que ocorria no passado, a criação e aplicação da lei, definem, entre muitas coisas, a responsabilidade das pessoas jurídicas, permitindo que grandes empresas sejam responsabilizadas criminalmente pelos danos que seus empreendimentos possam causar à natureza. Além do fato, de que agora as penas têm uniformização e gradação adequadas e as infrações são claramente definidas. 4.6 - principais leis ambientais brasileiras 4.6.1-Política Nacional do Meio Ambiente: Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 24 Tem como objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental, definindo que em qualquer ação poluidora, o responsável deve indenizar e/ou recuperar os danos causados. 4.6.2- Lei dos Recursos Hídricos: Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997 Cria as diretrizes que tratam a água com bem público, ilimitado e de valor econômico. Trata sobre as atividades dos recursos hídricos como extração, captação, coleta e lançamento de água, determinando regras para seu uso e os procedimentos sujeitos a outorga. 4.6.3 - Lei dos Crimes Ambientais: Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 Trata das questões penais e administrativas no que diz respeito as ações nocivas ao meio ambiente, com as punições e penalizações adequadas para os casos de crime ambiental, como é o estudo em comento. 4.6.4 - Política Nacional de Resíduos Sólidos: Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010 Estabelece as diretrizes da gestão dos resíduos sólidos, perigosos ou não. Tem como objetivo a busca da proteção da saúde pública e da qualidade ambiental, a redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos e, além disso, a adoção de tecnologias limpas como forma de minimizar impactos ambientais. 25 4.6.5 - Novo Código Florestal Brasileiro: Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 Em busca do desenvolvimento sustentável, a lei estabelece normas gerais sobre a proteção da vegetação, áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal. Trata da exploração florestal, o suprimento de matéria-prima florestal, o controle da origem dos produtos florestais e o controle e prevenção dos incêndios florestais. 4.6.6 - Lei da Exploração Mineral: Lei nº 7.805, de 18 de julho de 1989 Regulamenta as atividades garimpeiras e institui o regime de permissão de lavra garimpeira. 4.6.7 - Política Nacional de Saneamento Básico: Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007 Trata sobre todos os setores do saneamento básico, sendo eles abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. A lei busca a gestão correta e a universalização do acesso ao saneamento. 4.6.7 - Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza: Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000 Trata sobre as unidades de conservação. Busca a preservação da biodiversidade de ecossistemas, o desenvolvimento sustentável dos recursos naturais, a proteção das recursos hídricos e espécies ameaçadas de extinção e recuperação de recursos e ecossistemas degradados. 26 Além dessas leis, existem inúmeras outras que são de extrema importância paraa legislação ambiental brasileira. Por meio dessas políticas, a gestão ambiental se torna regulamentada e o controle sobre práticas ilícitas pode ser feito de maneira que haja a preservação dos ecossistemas e dos recursos naturais. 5 - ESTATUTO DO DESARMAMENTO A Lei nº 10.826 de 22 dezembro de 2003, conhecida como o Estatuto do Desarmamento, dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição e sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, além de criar novos tipos penais relacionados a armas de fogo. Fazendo um breve histórico de sua concepção, remota à 1997 os primeiros movimentos pró-desarmamento no Brasil, quando o controle de armas de fogo começou a entrar na pauta de preocupações nacionais. Neste mesmo ano, foram registradas algumas mudanças legislativas pertinentes ao tema, bem como a estatística de que mais de 80% dos crimes cometidos, o eram por armas de fogo. 27 5.1 – Fundamentos Segundo os defensores do desarmamento, essa política atende aos mandamentos da Constituição, especialmente ao art. 144, o qual prevê como responsabilidade do Estado a segurança pública, exercida através das polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal, civis, militares e corpos de bombeiros militares. Contudo, a Constituição não afirma se os cidadãos poderão ou não portar armas de fogo. Logo, a constitucionalidade da liberação ou não da venda de armas de fogo passa por acirrada discussão teleológica: a possibilidade de os cidadãos terem armas de fogo melhora ou piora a segurança pública? Para aqueles que defendem o desarmamento, o rastreamento de armas de fogo seria condição fundamental para a tutela do sistema de segurança pública e de persecução penal. Apesar de se falar somente em rastreamento, a verdade é que poucas são as possibilidades de se ter porte de arma hoje no Brasil, de acordo com o Estatuto atualmente em vigor. Já quem defende a posição contrária, baseia-se na premissa de que o desarmamento atinge somente os cidadãos, sendo a maioria dos crimes cometidos com armas contrabandeadas e roubadas (das polícias, das forças armadas, etc.). Ademais, utilizam-se de dados estatísticos, como por exemplo, no Brasil temos 26 homícidos por 1.000 habitantes, contra as seis mortes por 1.000 nos EUA, onde a posse de armas de fogo tanto é liberada como faz parte da cultura. Em junho de 2003, ano em que foi organizada uma Marcha Silenciosa, com sapatos de vítimas de armas de fogo em frente ao congresso nacional, os legisladores criaram uma comissão mista de deputados federais e senadores para formular uma nova lei, analisando todos os projetos que falavam sobre o tema nas duas casas e reescrevendo uma lei conjunta, a qual culminou na Lei nº 10.826/03. No mesmo ano o Estatuto foi aprovado no Senado, tendo sido aprovado na Câmara dos Deputados em outubro. Voltou para o Senado novamente, onde outra vez foi aprovado rapidamente. No dia 23 de dezembro o Estatuto do Desarmamento foi sancionado pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, tendo sido vetado somente o § 4º do art. 25. Em 2005, seguindo o disposto no art. 35, § 1º, da Lei, foi realizado plebiscito a fim de determinar se o comércio de armar de fogo e munição seria suspenso, o que foi descartado pela população, continuando o comércio a ser realizado, porém somente dentro dos parâmetros fixados na Lei. O Estatuto foi modificado pelas Leis: 10.884/04, 10.867/04, 11.501/07 e 11.706/08. 28 Nesse sentido, o deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB) apresentou este ano, projeto de lei que visa revogar o Estatuto de Desarmamento, instituindo novas normas de compra e cadastramento de armas, tornando-as mais acessíveis à população. Assim, vemos que a essência da Lei nº 10.826/03, qual seja, a possibilidade de o cidadão portar ou não armas de fogo não passa por uma análise constitucional, e sim sociológica e ética. Entretanto, analisando-se os demais aspectos da Lei, podemos destacar alguns pontos controversos quanto à constitucionalidade, os quais analisaremos posteriormente. 5.2 - Posicionamento do Supremo Tribunal Federal Contra a nova Lei foram intentadas várias ações declaratórias de insconstitucionalidade (3112, 3137, 3198, 3263, 3518, 3535, 3586, 3600, 3788, 3814), tendo sido as mesmas julgadas pelo STF em maio de 2007. Na ocasião, três dispositivos da Lei foram considerados inconstitucionais: os arts. 14, 15 e 21. O parágrafo único do art. 14 e o parágrafo único do art. 15, que previam a inafiançabilidade para os tipos penais porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e disparo de arma de fogo, respectivamente, foram julgados inconstitucionais por constituírem “crimes de mera conduta que, embora reduzam o nível de segurança coletiva, não se equiparam aos crimes que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade”, acolhendo entendimento exarado pelo Ministério Público. Perceba-se que a CF/88 define alguns crimes como inafiançáveis, devendo tal rol ser considerado taxativo em razão do princípio da presunção de inocência. Assim, a única legislação infraconstitucional que define crimes inafiançáveis é a Lei nº 8.072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos, conforme expressa previsão constitucional. Também foi considerado inconstitucional o art. 21 da Lei, o qual negava liberdade provisória aos acusados dos crimes de posse ou porte ilegal de arma de uso restrito, 29 comércio ilegal de arma e tráfico internacional de arma. A maioria do Tribunal considerou que o dispositivo vai de encontro aos princípios da presunção de inocência e do devido processo legal. Quanto ao art. 35, também questionado, foi este declarado prejudicado, isto por ter perdido o objeto em 2005, quando foi realizado plebiscito sobre o qual já se comentou. A ADI 3112 ainda tratava de aspectos formais. Alegou-se que o Congresso não poderia dispor sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos ou criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, sendo tal iniciativa privativa do Presidente da República (art. 61, § 1º, II, a e e). Tal argumento foi rejeitado, entendendo-se que a Lei não trata desses pontos. A controvérsia pairava sobre o Capítulo 1 da Lei, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, definindo suas competências. Entretanto, tal Sistema já existia desde 1997, não tendo a Lei criado nenhum órgão, cargo, função ou emprego público, mas somente definindo competências e procedimentos para dar efetividade à Lei. 5.3 - Outros pontos controversos Segundo o Estatuto, em seu Capítulo I, as armas de fogo de uso civil devem ser registradas perante a Polícia Federal, no Sistema Nacional de Armas – Sinarm. Já o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas – Sigma, tem o objetivo de cadastrar armas institucionais das Forças Armadas, Polícias Militares Estaduais, Corpo de Bombeiros Militares, Agência Brasileira de Inteligência, armas de representação de outros órgãos públicos, além das armas de uso individual de seus integrantes. As armas cadastradas no Sigma também deveria ser fiscalizadas pela Polícia Federal, “mas, para haver o controle, é preciso que o Exército efetive a integração do Sigma ao Sinarm, o que, após seis anos de vigência da lei, não aconteceu. 30 Assim, as armas militares estão fora do alcance do controle da Polícia Federal, em violação ao espírito do Estatuto [...] o que dificulta inclusive investigações e persecução criminal nos casos de comércio irregular de armas militares, extravio de armas militares e uso dessas armas em crimes tipificados no Código Penal, entre outros. Esse é, portanto, um ponto que, embora não seja inconstitucional, torna a Lei falha, devendo ser corrigido paraque esta possa atingir seus objetivos. 31 5.4 - Vigilância privada Várias foram as críticas feitas ao Estatuto pelo setor da vigilância privada. Isto porque tal ramo é regido por legislação própria, tendo necessidade de compra a manuseio de armas de fogo para atingir sua finalidade. Assim, um ponto da Lei que entrou claramente em conflito com o que estava estabelecido na legislação regente dessa atividade foi o art. 28, o qual prevê que “É vedado ao menor de 25 (vinte e cinco) anos adquirir arma de fogo, ressalvados os integrantes das entidades constantes dos incisos I, II, III, V, VI, VII e X do caput do art.6º desta Lei”. Entretanto, “A legislação que trata da vigilância privada, permite o exercício da profissão de vigilante, armado ou desarmado, a partir dos 21 (vinte e um) anos de idade”. Ademais, a justificativa da limitação de idade seria a suposta imaturidade das pessoas abaixo da idade limite, embora a maioridade civil e penal seja obtida aos 18 anos. Contudo, tal artigo seria inclusive inconstitucional, ao prever diferenciação entre membros da segurança pública e as demais pessoas, em razão da idade, quando tal diferenciação não está prevista constitucionalmente. 32 No artigo 33 da Lei 11.343/06 existe grande número de verbos que representa cada uma das possíveis condutas que podem ser incriminadas pelo crime de tráfico. Lei 11.343/06 6 - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES 33 Art. 33- Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Falando-se de classificação doutrinária de crimes, existe o crime de ação única que “é aquele que contém somente uma modalidade de conduta, expressa pelo verbo núcleo do tipo (matar, subtrair)” (BITENCOURT, 2012, p. 277); de ação múltipla ou conteúdo variado ocorre quando o tipo descreve várias modalidades de realização do crime, e, se pratica mais de uma conduta, responde pelo crime apenas uma única vez; enquanto que o misto cumulativo é o fato de se praticar de mais de um comportamento importando em reconhecimento de concurso material de crimes, respondendo por mais de um crime. O crime de tráfico é de ação múltipla ou de conteúdo variado. Imaginemos o seguinte exemplo. O agente é flagrado vendendo droga na esquina de sua residência. Enquanto lavram o BO, policiais recebem uma denúncia anônima de que há mais drogas em sua residência. De posse de um mandado de busca e apreensão, os policiais se dirigem à residência e encontram mais drogas enterradas na horta de sua residência, e outra certa quantidade em seu quarto. Nesse caso responderá por um delito de tráfico, tendo em vista se tratar de um delito de conteúdo variado. TJMG - 1.0105.14.004859-3/001 - [...] TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. - A definição típica do artigo 33 da Lei nº. 11.343/06 é de conteúdo variado, prevendo diversas condutas como forma de um 34 mesmo crime. – [...] . Relator(a): Des.(a) Júlio Cezar Guttierrez - Data da publicação da súmula: 18/03/2015. Na denúncia do Ministério Público deve constar de forma expressa qual a conduta praticada pelo agente, ou seja, qual o verbo que o agente praticou. Veja que são 18 verbos: Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente. Este último relativo ao fornecimento gratuito há a observação do tipo penal do parágrafo terceiro, onde há possibilidade de uma desclassificação. Seguem os verbos e seus significados: Importar - Trazer para o território nacional. Exportar – Levar para fora do território brasileiro. Remeter - Enviar de um local para outro, sem estar com a mercadoria e dentro do território nacional. Preparar - Aprontar para a venda ou para consumo. Produzir – Ato de fabricar ou elaborar. Fabricar - Ato de produção em maior escala. Adquirir – Ato de aquisição seja gratuita ou de forma onerosa. Vender – Ato de alienar por um valor. 35 Expor à venda – Ato de exibição. Oferecer – Ato de oferta, ou de mostrar a título oneroso ou gratuito. Ter em depósito – Possuir droga armazenada ou conservada em algum lugar. Transportar – Ato de transporte de um lugar para outro. Aqui há o acompanhamento, diferente do ato do verbo remeter. Trazer consigo – Ato de condução da droga nas próprias vestes, no corpo, ou em algum acessório (bolsa). Guardar – Ato de vigilância da droga de outra pessoa. Prescrever - Ato de receitar. Ministrar – Ato de injetar, aplicar ou servir. Entregar a consumo – Ato de passar para a pessoa que consuma Fornecer – Ato de abastecimento, ainda que de forma gratuita. (O agente pode abastecer de forma gratuita para que o comércio não pare, ou para erguer a condição monetária de seu vendedor). Há ainda o elemento normativo do tipo traduzido na expressão “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Necessita de raciocínio valorativo e leva em conta normas jurídicas ou ético-sociais. Estão descritos em palavras como “indevidamente”, “indevida”, “sem as formalidades legais”, “sem justa causa”, “sem prévia autorização”, “imperícia”, “imprudência”, etc. Existem outros termos jurídicos que necessitam de valoração normativa como “cheque”, “saúde”, “moléstia”, “dignidade”, “documento”, etc. 36 “(...) seu significado não se extrai da mera observação, sendo imprescindível um juízo de valoração jurídica, social, cultural, histórica, política (...)”. (CAPEZ, 2008, p. 195). Nesse caso o elemento normativo é o trecho “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. 6.1 - Diferença na prática - o papel da polícia na caracterização de tráfico de drogas A grande problemática começa quando saímos do universo ideal da lei e temos que lidar com o caso concreto, no qual não há clareza sobre a existência de tráfico ou não. Vamos analisar uma situação hipotética: Uma ligação anônima é recebida pela polícia, denunciando um rapaz que os policiais dizem já ter ouvido falar que é traficante. A denúncia narra que ele vende drogas em sua residência. Chegando no endereço informado, os policiais abordam o indivíduo exatamente no momento em que a denúncia aponta ser o horário de pico do tráfico, entram em sua casa e encontram uma significativa quantidade de drogas, dentro de seu guarda-roupas, em seu quarto, que fica nos fundos do imóvel. Na cozinha, encontram papel alumínio. Questionado sobre o fato, o rapaz afirma que usa drogas e que, por esse motivo, possui estas substâncias em seu quarto. Alega que possui uma quantidade maior das substâncias porque é viciado. Encerrada a investigação policial, onde foi constatado que o indivíduo tinha muitos inimigos e sem comprovação da existência de ligação anônima, o investigado é denunciado por tráfico de drogas em um processo criminal. 37 Diante de tal contexto, a polícia pode argumentar que o indivíduo claramente é um traficante de drogas, pois foi encontrado com uma quantidade grande das substâncias, o que não seria destinado ao consumo pessoal. Por que fala-se da polícia e não do Ministério Público? Porque, no final das contas,o que forma o convencimento do juiz é o que o policial disse. O Ministério Público só reproduz a fala das testemunhas e argumenta a respeito disso. E, diga-se de passagem, a fala de um policial tem muito mais peso, na prática, do que a fala do acusado. Também poderia dizer que ele possuía papel alumínio em sua residência, comumente utilizado para embalar substâncias entorpecentes. Além disso, iria alegar que a denúncia anônima descrevia claramente o indivíduo e o modo como vendia as drogas ilícitas. Aqui entra o papel da polícia na caracterização do tráfico de drogas. De fato, a lei da "brechas" para interpretarmos a situação exemplificada como tráfico. No entanto, essas mesmas "brechas" poderiam ser usadas para buscar outras possibilidades sobre o que realmente aconteceu. 38 Pelas circunstâncias do crime, podemos bem considerar que o indivíduo realmente era usuário de drogas (e não traficante). Isso, pois as substâncias entorpecentes foram encontradas em seu quarto e longe da entrada da residência (onde deveriam estar para facilitar o comércio). Ainda, a ligação anônima pode nem ter acontecido, já que não há provas de que realmente existiu (sequer um extrato da ligação no 181) o que sinaliza a possibilidade de "armação" para incriminar o acusado. Por outro lado, o fato de ter muitos inimigos pode indicar que, se houve, a ligação anônima teria sido feita com o objetivo de prejudicar injustamente o acusado, por vingança. Além disso, papel alumínio todo mundo tem em casa. Finalmente, a fala de alguns policiais de que "já ouvi dizer que Fulano era traficante" é muito genérica e, não sendo descrita com detalhes ou com razoabilidade, é de se suspeitar. Esse exemplo é hipotético, mas, coincide com situações diárias em nosso país e, infelizmente, grande parte de tais situações são caracterizadas como tráfico de drogas quando bem poderiam ser apenas posse de drogas para uso pessoal. 39 A resposta para a pergunta do título é clara: sim, a polícia pode transformar o usuário em um traficante. Pode "transformar" no sentido de mudar uma condenação de posse de drogas por uma de tráfico - muito mais grave. Ora, advogados também não podem "transformar" traficantes em usuários? Também podem e é justamente por isso que é tão importante a busca pela verdade real e a condenação tão somente com base em provas fortes. Um mesmo fato, visto de vários ângulos, pode ter interpretações muito variadas. Mas independentemente disso, o que importa é a verdade e esta deve ser o único guia de cada cidadão e de cada profissional que lida com o direito. Não poderíamos deixar de ressaltar que, da mesma forma que situações como a exemplificada acontecem diariamente, outros casos de evidente traficância são identificados pelos policias. A luta desses servidores públicos é diária e a luta de muitos cidadãos de bem, também. De certa forma, diante desse contexto, no qual a absolvição e condenação andam muito próximas, conclui-se que é importante a contratação de bons profissionais do direito para que a defesa seja estratégica e caminhe para a justiça. 7.1 - Lei Maria da Penha e Violência de gênero contra mulher 7 – LEI MARIA DA PENHA 40 A Lei Maria da Penha decorre da exigência constitucional contida no art. 226, §8º, da CF, que prevê que o ”Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Não obstante esse dispositivo viger desde 1988, somente após sanções perante a OEA, o Brasil editou, em 2006, a Lei 11.340/2006. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Maria da Penha Fernandes após mais de 15 anos sendo vítima de violência por parte de seu cônjuge e não mais suportando a omissão do Estado brasileiro, não obstante as denúncias e ações propostas, viu-se obrigada a buscar proteção internacional perante a Organização dos Estados Americanos (a OEA). Entre as sanções impostas ao Brasil, esteve a obrigatoriedade de nosso Poder Legislativo editar ato normativo a fim de coibir e prevenir a violência doméstica a família. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a violência de gênero contra a mulher um problema de saúde pública. Nos últimos anos, a sociedade brasileira teve muitos avanços para conter a violência, mas ainda tem a quinta maior taxa de feminicídios do mundo. 41 Conforme se observa no Gráfico 1, enquanto alguns estados, como Santa Catarina (3,2) e, São Paulo (2,7) apresentaram, em 2014, taxas mais do que 30% inferiores do que a taxa média nacional - de 4,6 homicídios por 100 mil mulheres – outros estados registraram taxas superiores a 1,5 vezes essa média, tais como Alagoas (7,4), Goiás (8,4), Mato Grosso (7,0) e Roraima (9,5). Com exceção do Paraná, os estados registraram uma taxa maior de violência letal contra mulheres pretas e pardas do que contra mulheres brancas. Alguns estados chegam a apresentar taxa de homicídio de mulheres pretas e pardas mais de três vezes superior à de mulheres brancas, como é o caso de Amapá, Pará, Roraima, Pernambuco, Piauí e 42 Espírito Santo. Roraima e Ceará merecem atenção por uma peculiaridade: em 2014, a taxa de homicídios de mulheres de todas as raças foi superior tanto à taxa de homicídios de mulheres brancas quanto de homicídios de mulheres pretas e pardas. Isso porque, nesse ano, registrou-se um número de homicídios de mulheres indígenas superior à soma de registros de homicídios de mulheres brancas, pretas e pardas. Já no Ceará, em 2014, a taxa de homicídio de mulheres de todas as raças foi superior às taxas referentes às mulheres brancas e às pretas e pardas, porque em cerca de 40% dos registros de homicídio de mulheres ocorridos no estado não há informação referente à raça da vítima. No Gráfico 2, apresentamos a variação percentual observada ao se comparar as taxas de homicídio de mulheres no ano de 2014 com as taxas referentes ao ano de 2006. Na grande maioria dos estados, é possível observar a redução, no período, da taxa de homicídios de mulheres brancas, em contrapartida ao incremento da violência letal contra as mulheres pretas e pardas. Principalmente nos estados da Região Norte, acompanhando a tendência nacional, enquanto a taxa de homicídio de mulheres brancas diminuiu, houve considerável incremento da taxa de homicídio de mulheres pretas e pardas. Nos estados de Tocantins, Bahia e Maranhão, as taxas de homicídio de mulheres brancas apresentaram, entre os anos de 2006 e 2014, incrementos superiores aos das taxas de homicídio de mulheres pretas e pardas, merecendo um estudo mais aprofundado por serem exceção ao padrão nacional. Os estados de Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo, por sua vez, registraram, entre os anos de 2006 e 2014, redução tanto das taxas de homicídio de mulheres brancas quanto de mulheres pretas e pardas. Ainda acerca das diferenças de acordo com a raça, é importante destacar as disparidades encontradas quando se considera o local de ocorrência do homicídio registrado no SIM/MS. 43 Como se observa no Gráfico 3, enquanto 33% dos registros de homicídios de mulheres brancas no Brasil informam o domicílio como local de sua ocorrência, o mesmo local é indicado em 24% dos registros de homicídios de mulheres pretas e pardas, diferença que também merece ser melhor estudada. Outros estados apresentam grande divergência entre os percentuais de homicídios de mulheres,quando comparamos os registros referentes às mulheres brancas com aqueles referentes às mulheres pretas e pardas, considerando o domicílio como local de óbito. Tal disparidade se verifica, por exemplo, no Mato Grosso do Sul, onde 67% dos registros de homicídios de mulheres brancas trazem como informação do local de ocorrência o domicílio, frente a 40% dos registros de homicídios de mulheres pretas e pardas. Essa diferença é ainda maior nos estados do Amazonas, Sergipe e Tocantins. Uma hipótese para essa discrepância acentuada 44 pode ser a deficiência de qualidade dos registros de óbitos nessas localidades. O Gráfico 4 apresenta o número de relatos de violência registrados pelo serviço do Ligue 180, da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), por 100 mil mulheres. De acordo com o Balanço 2014 – Ligue 180, dos 485.105 atendimentos realizados em 2014, apenas 11% (52.597) se referiram a relatos de violência contra as mulheres. Do restante, 40% dos atendimentos resultaram em encaminhamentos para outros serviços de teleatendimento, como o Disque 190 – Polícia Militar, o Disque 197 – Polícia Civil, e o Disque 100 – Secretaria de Direitos Humanos; 32% dos atendimentos corresponderam à prestação de informações; e 16% resultaram em encaminhamentos a serviços especializados. 45 O Gráfico 5 traz o número de ocorrências de estupro por grupo de 100 mil mulheres registrado em cada Unidade da Federação, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Verifica-se que as regiões Norte e Sul do país foram as que apresentaram os maiores índices de registro de ocorrência de estupro em todo o país. Individualmente, é possível destacar Acre, Mato Grosso do Sul e Roraima, cujas taxas de registro de ocorrências de estupro por 100 mil mulheres são superiores ao dobro da taxa de outros estados. Espírito Santo, Goiás, Paraíba e Rio Grande do Norte apresentaram, em 2014, taxas de estupro inferiores à metade da taxa média nacional. Esse dado isolado, entretanto, não permite que se afirme de forma segura 46 que nesses estados ocorrem, relativamente, menos casos de estupro, tendo em vista que algumas variáveis podem influenciar nos níveis de registro dessas ocorrências. Aspectos culturais devem ser considerados, como a tolerância social à violência contra as mulheres, objeto de avaliação realizada, em 2014, pelo IPEA, e índices de subnotificação da violência e da prevalência entre seus tipos, realizada, em 2015, pelo Instituto DataSenado. E o que é violência de gênero contra mulher? É toda a e qualquer ação ou omissão, baseada no gênero, capaz de causar morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico ou que possa ocasionar dano moral ou patrimonial, quando praticado: no âmbito doméstico; no âmbito familiar; em decorrência de relação de afeto. Uma pesquisa realizada pelo instituto DataSenado em 2017 mostrou que quase uma em cada três mulheres já foi vítima de algum tipo de violência doméstica. E o que mais impressiona nessa pesquisa é que a violência contra a mulher é praticada principalmente por pessoas que mantêm ou mantiveram uma relação de intimidade com a vítima. 47 7.3 - Lei Maria da Penha e Proteção à mulher Ao longo de toda história, a mulher sofre graves violações em seus direitos mais elementares, como direito à vida e à liberdade em razão da sua vulnerabilidade. No âmbito internacional, a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher foi a primeira a exaltar o papel da mulher na sociedade. No ano de 1994, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica (Convenção de Belém do Pará, 1994) define violência contra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada” (Capítulo I, Artigo 1º). Essa Convenção foi ratificada pelo Brasil em 1995 e é mencionada na ementa da Lei Maria da Penha. A Constituição Federal destaca no inciso I do artigo 5º que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. No art. 226, § 5º, a Constituição estabelece que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. No entanto, foi com o advento da lei Maria da Penha em 2006 que a violência de gênero começou ser combatida com mais efetividade, ainda que esteja muito longe do ideal. 7.4 - Lei Maria da Penha – Lei 11340/2006 A Lei Maria da Penha criou mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos de Convenções e tratados internacionais e do § 8º do art. 226 da Constituição Federal: “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. 7.4.1 - Violência doméstica e familiar contra a mulher 48 Segundo a Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar contra a mulher é qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (art. 5º): No âmbito da unidade doméstica: espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; No âmbito da família: comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; Em qualquer relação íntima de afeto: onde o agressor conviva ou tenha convivido com a mulher, independentemente de coabitação. 7.4.2 - Formas de violência A Convenção de Belém do Pará definiu como violência contra a mulher à física, sexual e psicológica. A Lei Maria da Penha somou a essas a violência moral e patrimonial (art. 7º): Violência física: qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; Violência psicológica: qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; Violência sexual: qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a 49 impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; Violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; Violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. 7.4.3 - Assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar A Lei Maria da Penha traz os direitos da mulher em situação de violência doméstica e familiar e as providências que o poder público deve adotar mediante qualquer tipo de violência. Em 2019, foram feitas algumas modificações na Lei da Maria da Penha pela Lei 50 13.827/19. Essas modificações possibilitaram maior agilidade na tomada de decisão por autoridades daJustiça e da Polícia. De acordo com a nova lei, verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da vítima, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a pessoa mulher. Como regra geral, a medida de afastamento caberá à autoridade judicial. Entretanto, também é possível que a medida de afastamento não seja determinada por juiz. a) Nos municípios que não forem sede de comarca, a medida de afastamento caberá ao Delegado de Polícia. b) Quando o município não for sede de comarca e não houver Delegado disponível no momento da denúncia, a medida de afastamento caberá ao policial. Quando as medidas forem determinadas por delegado ou policial, o juiz precisa ser comunicado no prazo máximo de 24 horas e ele decidirá, no mesmo prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a mulher; Proibição de aproximação da mulher, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; Prestação de alimentos provisionais ou provisórios. 51 Quando necessário, o juiz ainda poderá: encaminhar a mulher e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; determinar a recondução da mulher e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; determinar o afastamento da mulher do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; determinar a separação de corpos. 7.4.4 - Outras informações sobre a Lei Maria da Penha A Lei Maria da Penha é reconhecida pela ONU como uma das três melhores legislações do mundo no enfrentamento à violência contra as mulheres; A aplicação da Lei Maria da Penha garante o mesmo atendimento para mulheres que estejam em relacionamento homossexuais. Além disso, o Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu a aplicação da lei para transexuais que se identificam como mulheres em sua identidade de gênero; A Lei Maria da Penha também tem aplicação para casos que independem do parentesco, desde que a vítima seja mulher; A Lei Maria da Penha determina que não será concedida liberdade provisória ao preso nos casos de risco à integridade física da mulher ou à efetividade da medida protetiva de urgência. A Lei Maria da Penha impede que a pena seja substituída por doação de cesta básica ou multas; É assegurada assistência econômica no caso da vítima ser dependente do agressor. Haverá Patrulha Maria da Penha Rural para aumentar a segurança das mulheres do campo. Essas patrulhas, formadas por policiais mulheres, serão diárias e passarão nos lugares onde há indício de violência; 52 Em 2015, a Lei 13.104 alterou o Código Penal para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o incluiu no rol dos crimes hediondos. 53 BIBLIOGRAFIA BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. Disponível em Acesso em 16 de dez. 2019. BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências. Disponível em:.Acesso em: 16 dez. 2019. De olho no Estatuto do Desarmamento. Histórico: o que aconteceu? Disponível em: Acesso em: 16 dez. 2019. De olho no Estatuto do Desarmamento. Filtragem constitucional do Estatuto do Desarmamento. Disponível em: Acesso em: 17 dez. 2019. MAGALHÃES, Luiz Carlos. A prevenção, o controle, o combate e a erradicação do tráfico ilícito de armas pequenas e leves no Brasil e o Programa de Ação da Organização das Nações Unidas. Celso Ferro (Orientador), George Felipe de Lima Dantas (Co-orientador), Cláudio Medeiros Leopoldino (Co-orientador). Brasília: União Pioneira de União Social – UPIS, 2006. PEREIRA, Rodrigo. Projeto pretende regularizar porte de armas de fogo no Brasil. Disponível em: Acesso em: 17 dez. 2019. Revista Segurança Privada. Disponível em: . Acesso em: 24 mai. 2012. Págs. 15/17. Supremo Tribunal Federal. Supremo declara inconstitucionalidade de três dispositivos do Estatuto do Desarmamento. Disponível em: Acesso em: 17 dez. 2019. VARGAS, André. Demétrio Magnoli: "Mudar Estatuto do Desarmamento por massacre em Realengo é oportunismo". Disponível em:. Acesso em: 31 mai. 2012. 54 VIEIRA, Walderês Martins. Breves apontamentos sobre o Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Disponível em: Acesso em: 19 dez. 2019. BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. São Paulo: Saraiva, 2008. _____ . Tratado de direito penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL. TJMG - 1.0105.14.004859-3/001 - Relator(a): Des.(a) Júlio Cezar Guttierrez - Data da publicação: 18/03/2015. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. De acordo com as leis n. 10.741/2003. 8. ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. _____ . _____ Curso de processo penal, São Paulo: Saraiva, 2008. _____ . _____ Curso de processo penal, 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. SOUZA, Sérgio Ricardo de. Nova lei antidrogas, 2. Ed. Impetus, 2007. ALMEIDA, Tânia Mara Campos de; BANDEIRA, Lourdes. A violência contra as mulheres: um problema coletivo e persistente. In: LEOCÁDIO, Elcylene; LIBARDONI, Marlene (Org.).O desafio de construir redes de atenção às mulheres em situação de violência. Brasília: AGENDE, 2006. p.19-43. JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Legislação penal especial. 1. 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