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Antropologia Forense l e ll Núcleo de Educação a Distância www.unigranrio.com.br Rua Prof. José de Souza Herdy, 1.160 25 de Agosto – Duque de Caxias - RJ Reitor Arody Cordeiro Herdy Pró-Reitoria de Programas de Pós-Graduação Nara Pires Pró-Reitoria de Programas de Graduação Lívia Maria Figueiredo Lacerda Produção: Gerência de Desenho Educacional - NEAD 1ª Edição Copyright © 2019, Unigranrio Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Unigranrio. Pró-Reitoria Administrativa e Comunitária Carlos de Oliveira Varella Núcleo de Educação a Distância (NEAD) Márcia Loch Sumário Antropologia Forense l e ll Para início de conversa… .................................................................. 04 1. Bases Antropológicas na Odontologia Legal ............................. 06 Considerações Finais .......................................................................... 20 Referências ....................................................................................... 22 Para início de conversa… Na nossa cultura ocidental, e esse fato é singularmente notório nas ciências biológicas, aprendemos a pensar em forma descontínua: classificamos, organizamos, arquivamos e, assim, observamos a realidade sob essa percepção. Nosso cérebro nunca vê um filme completo e contínuo, antes apenas slides ou diapositivos da realidade. É dessa forma, própria do pensamento grego, notadamente aristotélico, que se originou toda a nossa cosmovisão ocidental, que nasceu toda a nossa ciência, sempre classificando, organizando, arquivando. Isso ensejou fantásticas controvérsias históricas, especialmente fecundas nos séculos XVIII e XIX, uma vez que o fragmento de realidade que cada um percebia podia ser diferente daquele que um outro captava, e, sobretudo, os intervalos que separavam as percepções podiam dar azo à formação de outra imagem da continuidade com a qual pretendiam explicar os fenômenos. O notável crescimento da violência nas grandes metrópoles, tanto em países desenvolvidos como em vias de desenvolvimento, acabou por inseri-la como uma das principais preocupações no campo da saúde coletiva em todo o mundo há quase duas décadas. Nos Estados Unidos, a violência interpessoal já é a principal causa de mortes prematuras entre adultos jovens, sendo considerada uma epidemia e um problema prioritário de saúde em todo o mundo. Esta situação levou a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) a criar o Plano de Ação Regional para prevenção e atuação contra o crescimento 4 Odontologia Legal da violência. No Brasil, a análise dos dados de mortalidade da década de oitenta lhe garantiu o posto de segunda causa de óbito no país a partir de 1989, contribuindo com 15,3% da mortalidade geral, atrás apenas das doenças cardiovasculares. Embora esta situação de crescimento das taxas de morbimortalidade associadas à violência seja mais crítica nos países em desenvolvimento, este fenômeno alcançou proporções mundiais, inclusive entre os países desenvolvidos. É fato, portanto, que a redução da mortalidade causada pelo fenômeno da violência constitui-se um dos grandes desafios da atualidade em quase todas as regiões do mundo. Seu caráter multifacetado, ao qual se pode associar fatores econômicos, culturais, ideológicos e individuais, determina o envolvimento dos vários setores da sociedade de forma integrada e complementar. Por um lado, pesquisadores das áreas da saúde e das ciências sociais procuram identificar suas causas no plano regional e sob uma perspectiva histórica, e compreender seu impacto na população, visando orientar ações sociais e serviços de saúde. Por outro lado, as autoridades responsáveis pela segurança pública desenvolvem ações policiais de repressão aos principais atores do cenário de violência que assola o país. 5Odontologia Legal 1. Bases Antropológicas na Odontologia Legal Os estudos da genética clássica souberam reconhecer o complexo caminho da especiação quando ainda era desconhecido o código genético. Em todas as espécies com reprodução sexual e fertilização cruzada, existe um fluxo permanente de mutações, geradas por agentes físicos, químicos e mesmo erros na duplicação do DNA. A própria recombinação meiótica é a fonte mais importante de reordenamento gênico e variabilidade, uma vez que se produz, de forma impositiva e irretorquível, em pelo menos um ponto ou local para cada um dos cromossomas de cada gameta, isto é, das únicas células de um indivíduo que darão origem a um novo ser (com a exceção, óbvia, da reprodução vegetativa em plantas). Os mecanismos de reparo do DNA constituem um dos mecanismos permanentes do balanço entre a organização a que tende o programa informático que constitui o genoma de uma espécie e a tendência natural à desorganização, ao aumento de entropia, ao caos. A deterioração progressiva da eficiência desses mecanismos é uma das razões mais conspícuas do envelhecimento. A ação permanente da seleção natural sobre os indivíduos de uma espécie, e um conjunto de razões, leva a um balanço relativo das populações que sói produzir diferenciações que, finalmente, podem levar a um isolamento reprodutivo e à geração de uma nova espécie. Ao longo desses processos, intervêm razões geográficas, ecológicas, sazonais, etológicas, morfológicas, fisiológicas etc., sempre partindo do princípio de que: Fenótipo = Genótipo + Influências do meio As populações carregadas de polimorfismos dão origem a grupos diferenciáveis que, classicamente, têm se denominado raças e, potencialmente, a subespécies, segundo o grau de diferenciação - de acordo com diferentes critérios que podem ser adotados - e segundo o progressivo isolamento reprodutivo. 6 Odontologia Legal As populações humanas distinguem-se entre si, desde épocas remotas, por uma série de traços - morfológicos, funcionais e/ou psicológicos -, que, embora variados, se distribuem com uma tendência central- a média - e frequências menores que se afastam da primeira. Foi assim que nossa espécie - Homo sapiens - foi dividida e subdividida em subespécies ou raças, sempre com a finalidade de sistematizar os dados de que se dispunha, com o escopo de conseguir facilitar o seu estudo. Considerando a importância e a significação da globalização paulatina a que assistimos nos últimos séculos, o processo de fluxo gênico ou migração gênica converteu-se no cerne da transformação da estrutura genética das populações contemporâneas. É por isso que, do ponto de vista evolutivo, uma raça não é uma concepção pétrea, antes é uma categoria transitória, dinâmica, que muda de forma e de freqüência, ao sabor das condições históricas, geográficas, morfológicas e etológicas. Com o fito de elidir as dificuldades inerentes ao estudo da variabilidade das populações humanas, estas são agrupadas - seguindo o critério organizador antes mencionado - em grandes troncos geográficos raciais, cognominados caucasóide, mongolóide e negróide. Esses grandes troncos, afinal, mais do que uma real origem geográfica, agrupam tendências no conjunto de traços anatômicos: a cor da pele, os caracteres prosopográficos, a forma do crânio ou a forma do cabelo. Os caucasóides encontram-se dispersos por todo o mundo, desde a Europa até a América, na África, na região tropical norte (Saara) e no extremo sul, na Austrália e na Ásia (região da Sibéria). Os mongoloides encontram-se originalmente na Mongólia, no nordeste da Ásia, mas também são achados nas Américas aborígines. Por derradeiro, os negróides, por sua vez, são encontrados na África central ou tropical, no sul da Índia (vedas), na Austrália selvagem, e formando os grupos afro-americanos, a partir da difusão da escravidão. Os pesquisadores, cada vez mais - notadamente no século XX, como enfatiza Le Gros Clark, 1976 -, preocuparam-se em caracterizar e fixar os principaistraços que constituem o padrão morfológico integral de uma 7Odontologia Legal população. Por outras palavras, determinar o conjunto de traços morfológicos que permitirão identificar seus membros. Nessa linha de raciocínio, vários elementos são considerados, em face de sua função adaptativa, como: ▪ as características morfológicas diagnóstico-diferenciadoras, ▪ a distribuição geográfica compacta, isto é, com elevada densidade populacional em uma determinada área territorial, ▪ a profundidade temporal, isto é, até onde podem se fazer retroagir os registros pré-históricos (que na prática remontam ao Período Paleolítico Superior, em torno de 35.000 anos atrás). Nessa linha de raciocínio, vários elementos são considerados, em face de sua função adaptativa, como: Esses são, pois, os elementos que constituem traços seguros e consistentes para se poder diferenciar os chamados troncos raciais: caucasóide, mongolóide e negróide. Estudos populacionais, realizados por antropólogos no estrangeiro, põem em evidência que os principais traços raciais diferenciadores são as medições craniométricas e faciais de projeção, cujos valores podem ser obtidos de uma maneira bastante fácil com o auxílio do compasso de abertura (compasso de coordenação ou sismômetro) e o goniômetro. 8 Odontologia Legal Os resultados dessas medidas permitem quantificar o tipo do crânio, bem como o grau de saliência ou projeção do esqueleto facial, dos ossos nasais, dos zigomas, do maciço alveolar superior ou maxilar e do complexo mandibular. Esses parâmetros mencionados podem ser utilizados, com facilidade, para delimitar os grandes grupos geográfico-raciais. Inobstante, esse procedimento pode ver-se dificultado em um país como o Brasil, onde o processo de miscigenação dos conquistadores europeus, notadamente portugueses mas, ao depois, espanhóis, holandeses e outros, com os indígenas e com os negros africanos trazidos como escravos entre os séculos XVII a XIX acabou por produzir um país com uma alta taxa de mestiçagem. Poucas pesquisas no Brasil põem em evidência que o país como um todo tem uma composição genética tri étnica. Os diferentes genes caucasóides, mongoloides e negróides têm uma distribuição diferencial pelas distintas regiões brasileiras, mais em virtude de processos históricos, o que tem levado pesquisadores alienígenas ao conceito de que a cultura contribui para a segregação dos genes, contrariando o que os geneticistas do século XIX aceitavam como verdades incontestes, desprezando, entre outros, os elementos socioculturais, econômicos etc. como capazes de influenciar os resultados da miscigenação preferencial. Apesar de a população brasileira, em geral, compartilhar a grande maioria dos genes, o que faz a diferença entre regiões ou entre populações é a maior ou menor freqüência com que aparecem distribuídos esses genes. Certos estados, inquestionavelmente, são mais caucasóides (e.g., Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná), outros são mais mongoloides (e.g., os estados da região Norte ou amazônica), e por último a costa atlântica do Nordeste, desde a Bahia até a Paraíba, concentra o maior contingente negróide. Pelo exposto, pode-se verificar que a definição de raças ou grupos raciais, pelo menos até o século passado, estava embasada apenas em características fenotípicas e não em características genotípicas, seguindo os mesmos critérios com que se definiam outras raças animais: dos caninos, dos bovinos, dos equinos, dos suínos etc. 9Odontologia Legal Nas primeiras fases, as separações foram feitas tomando como base critérios morfológicos. Posteriormente, incorporaram-se caracteres metabólicos, bioquímicos etc., sempre caracterizados pela freqüência ou predominância de determinados alelos. Dessa maneira, o número e as características das “raças” de uma espécie, animal ou vegetal, podem diferir bastante, segundo os critérios que se empreguem para efetuar a separação. No caso concreto da espécie humana, esta tem sido catalogada como uma espécie “politípica”, isto é, bem diferenciada geograficamente. Toda a triste história do uso do conceito de raças aplicado à espécie humana (afora o uso da palavra como termo operativo empregado pelos geneticistas no estudo da evolução) é que tem sido utilizada para justificar exploração, eugenia, exclusão, no marco de uma exploração do homem pelo homem que não temos sabido, nem conseguido, superar. Não se pode nem justificar, nem embasar, esse tipo de comportamentos em diferenças que formam parte da biodiversidade em nossa própria espécie, e que constituem parte da riqueza que, como espécie biológica, nos caracteriza e nos tem diferenciado na evolução da vida na Terra. Nesta análise podemos encontrar alguns conjuntos de problemas diferentes, a saber: Biologicamente verificamos pelo menos dois fatos interessantes: ▪ a definição fenotípica de raça, que antecede a noção genômica; ▪ a dificuldade para encontrar “marcas” genômicas no pacote fenotípico que define uma raça. 10 Odontologia Legal É importante confirmar que o estudo do genoma humano completo, baseado em amostras de DNA provenientes de 10 pessoas, oriundas de grupos de origem étnica diferente, demonstrou que é significativamente maior a variabilidade gênica, isto é, as diferenças entre indivíduos de um mesmo grupo, que a existente entre indivíduos provenientes de grupos étnicos diferentes. É importante esclarecer que, no estado atual do conhecimento da genética molecular, não é possível separar, nas suas bases de informação, um caráter fenotípico de sua origem genotípica. Com efeito, qualquer caráter fenotípico usado é consequência da expressão de um ou mais genes que codificam as moléculas efetoras desse caráter. Outro dos grandes aportes dessa etapa da “década da genômica’’, especialmente da análise do genoma humano, é a confirmação de que somos não somente um “saco” de várias dezenas de milhares de genes, mas que convivemos com uma enorme diversidade em nossos próprios genes, e que o grau de polimorfismos (muitos dos quais inócuos) é extremamente alto. As condições que podem ter gerado esses grupamentos populacionais podem ser reversíveis: pensemos na espécie humana, nos grupos étnicos, provenientes de um tronco ancestral comum, diferenciados por razões geográficas, migratórias etc., e que, modificadas atualmente as condições, pela mobilidade presente de nossa espécie, as novas correntes migratórias e a globalização cultural demonstram a capacidade de reintegração dos citados grupamentos, tendo como fatores importantes de separação ou segregação fatores culturais, religiosos ou simplesmente de costumes locais (e não um verdadeiro isolamento reprodutivo). Os estudos de genômica comparada já nos fizeram compreender que pouco nos separa dos grandes macacos (1,5 %) e ainda de outros mamíferos cujo genoma estamos apenas conhecendo (como os do camundongo e do rato, com os quais compartimos um percentual muito importante de nosso genoma). Também nos permitirá rastrear com alta eficiência a trajetória das migrações dos hominídeos e a origem atual dos grupos étnicos de nossa espécie. Em um futuro próximo, em termos genéticos, cada vez teremos mais claro que mutações e que alelos predominam nas populações de diferentes partes do planeta, com os consequentes benefícios para a medicina preventiva. 11Odontologia Legal Também poderemos ter clara a quantificação da variabilidade interindividual em diferentes populações caso finalmente algumas sociedades aceitem a confecção de bancos de dados de DNA de populações completas, tema este em plena discussão, por suas implicações éticas e pelos riscos que para o indivíduo tem o acesso a essa informação, como vem sendo discutido na Islândia, Letônia e algumas cidades dos Estados Unidos. Socialmente, surge um outro problema: Faz sentido falar em raças humanas? Observa-se que, do ponto de vista social e político, a resposta é negativa, mormente porque se utilizam asdiferenças fenotípicas como critérios de valor. Os argumentos genotípicos evidenciam que a variabilidade genômica entre grupos de características fenotípicas homogêneas é tão grande quanto naquele de características fenotípicas diferentes, o que põe por terra a noção de diferença dentro dos critérios genotípicos. As diferenças fenotípicas, quiçá, não deveriam ser chamadas “diferenças” mas qualidades ou expressões diferenciais dos mesmos genes, isso sem contarmos que talvez o problema nem esteja no genoma mas na sua regulação, que ainda está muito longe de ser compreendida. Por outras palavras, qual o significado, do ponto de vista genômico, do crescimento de um dado osso, do depósito preferencial de gorduras em determinadas regiões ou do aparecimento de uma certa pigmentação cutânea? Como isso se relaciona e engrena com as demais variáveis no entorno das complexas regulações da tradução, da expressão, do transporte ou das mais complexas regulações provocadas por estímulos externos e pelas mudanças contínuas de adaptação? Epistemologicamente em terceiro termo, uma vez que com grande probabilidade o problema tampouco esteja apenas nesses fatos, mas na “arbitrariedade” com que esses conceitos foram estabelecidos, associados aos conhecimentos disponíveis e à necessidade de uma classificação descontínua, própria do pensamento aristotélico que rege a nossa cosmovisão ocidental. A história das raças, certamente, não escapa a essa “necessidade” particular do pensamento ocidental, donde sua explicação por meio de fenótipos que não estão perfeitamente correlacionados com a leitura genotípica. 12 Odontologia Legal O passo seguinte, que consistiu em outorgar valores a essas classificações fenotípicas, hipotéticas e arbitrárias, é um mérito exclusivo da imbecilidade humana, em um grau superior àquele que gerou o caminho da visão cósmica ocidental, dentro das linhas do pensamento grego, do qual ainda somos incapazes de nos libertarmos. Antropologia Forense II Nos países onde a antropologia forense está institucionalizada, como Estados Unidos, Argentina, Colômbia, Guatemala e Peru, ela é situada como um ramo especializado da antropologia biológica. Seu surgimento partiu da necessidade de se construir um corpo teórico-metodológico com base em conhecimentos científicos específicos, e ao mesmo tempo multidisciplinares, que fosse capaz de lidar com restos humanos esqueletizados associados às cenas de crimes, ou, em situações menos comuns, com corpos mumificados ou cujas marcas dactilares tenham sido extirpadas. Suas atribuições são exumar, analisar e identificar ossadas provenientes de fossas clandestinas individuais ou múltiplas, produzidas em casos criminais de narcotráfico, políticos, civis, de guerra, etc., além de descobrir em que circunstâncias ocorreu a morte do indivíduo e reconstituir a cena do crime. Apesar da antropologia forense ser considerada um ramo especializado da antropologia biológica, ela na realidade agrega uma série de conhecimentos que extrapolam os limites desta última disciplina. Nos Estados Unidos, país pioneiro na sua prática, às ciências sociais ocupam um lugar importante na formação dos profissionais, além de ser enfatizado não apenas o estudo dos tecidos duros (ossos e dentes), mas também as técnicas da arqueologia para a escavação, documentação e coleta dos vestígios. As análises macroscópicas, dependendo da contextualização e do grau de preservação do material, podem fornecer estimativas acuradas de sexo, idade, altura, lateralidade, ancestralidade, causa de morte (arma de fogo, instrumento perfurocortante, estrangulamento, etc.), forma de morte (natural, homicídio, suicídio, acidente), além de características individualizadoras como doenças 13Odontologia Legal ou alterações biológicas ocorridas ao longo da vida do indivíduo e marcas de estresse ocupacional. Os dados obtidos através desta análise osteobiográfica são a chave para a identificação positiva de pessoas desaparecidas, além de alimentarem de forma mais precisa e completa bancos de dados utilizados em pesquisas epidemiológicas, como o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) representa para os cofres públicos. No caso do Brasil, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), 3,3% do PIB é gasto com os custos diretos da violência, o que representa um valor três vezes maior do que os custos que o país investe em ciência e tecnologia. Este é um assunto de especial interesse para a Senasp desde a implementação de laboratórios de DNA em todo o país. Embora tenha representado um grande avanço nas atividades periciais, os exames de DNA são bastante dispendiosos. Ainda assim, cada vez mais eles vêm tomando o lugar de exames mais simples e baratos, como o da antropologia forense. Finalmente, vale lembrar que a manifestação da violência é reconhecidamente um fenômeno que acompanha as sociedades humanas desde o alvorecer da espécie, caracterizando-se como um elemento inerente à vida em sociedade. A perspectiva histórica nos mostra que, apesar de sua persistência ao longo do tempo, as motivações, a aplicação, o impacto e o entendimento da violência mudaram muito ao longo da trajetória humana, estando sempre intimamente relacionados ao contexto sociocultural onde está inserida. Mas revela também que diferentes mecanismos têm sido utilizados na busca por um maior equilíbrio da homeostase social. Esta busca, sem dúvida, deve percorrer todos os caminhos possíveis nos variados setores da sociedade comprometidos com o bem-estar da população. 14 Odontologia Legal A Utilização de Imagens na Identificação Humana em Odontologia Legal A identificação corresponde ao conjunto de procedimentos diversos para individualizar uma pessoa ou objeto. A identificação pessoal é de suma importância em medicina forense, tanto por razões legais como humanitárias, sendo muito frequentemente iniciada antes mesmo de se determinar a causa da morte. Por intermédio da identificação, as pessoas podem preservar seus direitos, bem como terem cobrados os seus deveres, quer cíveis, quer penais. A identificação humana post-mortem é uma das grandes áreas de estudo e pesquisa da odontologia legal e da medicina legal, pois as duas ciências trabalham com o mesmo material, o corpo humano, em vários estágios: espostejados, dilacerados, carbonizados, macerados, putrefeitos, em esqueletização e esqueletizados, sempre com o mesmo objetivo, ou seja, estabelecer a identidade humana. A identificação é caracterizada pelo uso de técnicas e meios propícios para se chegar à identidade e pode ser realizada por técnicos treinados (judiciária ou policial) ou por profissionais com conhecimentos diferenciados e específicos na área biológica (medicolegal ou odontolegal), tendo uma sucessão praticamente ilimitada de técnicas e meios adequados para se chegar à identidade humana. A antropologia forense e a utilização de imagens: Histórico Historicamente, a aplicação da radiologia nas ciências forenses foi introduzida em 1896, apenas um ano após a descoberta dos raios X por Roentgen, para demonstrar a presença de balas de chumbo na cabeça de uma vítima. Schüller propôs a possibilidade de se utilizar imagens radiológicas dos seios faciais para fins de identificação. Após essa publicação, muitas outras surgiram e, finalmente, Culbert e Law relataram a primeira identificação radiológica completa. Singleton empregou essa técnica num trabalho de identificação de corpos de um desastre em massa. Petersen reportou o incêndio do Hotel Hafnia, ocorrido em Copenhague, Dinamarca, em 1973, que causou 35 mortes. 15Odontologia Legal Colaboraram com a equipe de identificação oito cirurgiões-dentistas, que realizaram em todas as vítimas exames visuais, fotográficos e de raios X e fizeram anotação detalhada do odontograma postmortem, finalizando seus trabalhos com uma comparação e avaliação das informações ante-mortem com os dados preliminares obtidos. Como resultado dotrabalho em cooperação da equipe odontológica, chegou-se à identificação de 74% das vítimas. Kessler e Pemble demonstraram a atuação da odontologia legal na identificação das vítimas americanas na Operação Tempestade no Deserto. Dos 251 exames de reconhecimento dentário realizados, 244 possibilitaram a individualização e positiva identidade das pessoas. Tais exames foram facilitados pela existência de um arquivo com radiografias panorâmicas da maioria dos envolvidos com a operação; os casos não identificados foram justamente os que não apresentavam registros dentários prévios. Austin-Smith e Maples descreveram um estudo de verificação da acurácia dos métodos de superposição de imagens na identificação de crânios humanos desconhecidos. Nesse trabalho, os autores procuraram verificar a exatidão do método sem fazer uso dos registros da dentição e puderam concluir que, mesmo sem utilizar os dados odontológicos, é possível realizar a superposição de imagens, identificando o indivíduo, se houver ao menos duas radiografias (frontal e lateral) anteriores ao óbito. Oliveira et al. realizaram um estudo com o objetivo de avaliar a possibilidade de o exame radiológico da coluna lombar determinar a identificação correta dos indivíduos, apesar das alterações evolutivas do envelhecimento. A amostra, constituída de 60 pares de radiografias, foi misturada para que dois radiologistas reconstituíssem esses pares, pela comparação das vértebras de cada par, observando semelhanças e diferenças de detalhes anatômicos. Foi alcançado um correto pareamento de todas as radiografias, sendo que a análise estatística mostrou concordância de boa a perfeita entre os dois observadores, concluindo que a comparação radiográfica da coluna lombar é capaz de determinar a correta identificação dos indivíduos, apesar das alterações evolutivas do envelhecimento. 16 Odontologia Legal A utilização de imagens em odontologia legal Quando corpos precisam ser identificados, radiografias do falecido podem ser realizadas e comparadas com qualquer radiografia do presumido indivíduo quando vivo. Os seguintes detalhes anatômicos podem ser usados como parâmetros: forma dos dentes e raízes, dentes perdidos e presentes, raízes residuais, dentes supranumerários, atrito ou abrasão, fraturas coronárias, degrau de reabsorção de osso decorrente de doença periodontal, lesões ósseas, diastemas, formas e linhas das cavidades, cáries dentárias, tratamento endodôntico, pinos intrarradiculares e intracoronários e próteses dentárias. Muitos escritos também denotam a importância da radiografia para a identificação humana pelo método comparativo utilizando padrões de osso trabeculares, seios frontais e maxilares, radiografias dentais e cefalometria e crescimento em comprimento dos dedos. Radiografia comum A técnica de identificação utilizando radiografias comuns baseia-se na comparação entre radiografias ante-mortem, arquivadas em consultórios ou em centros de estudos odontológicos, e as radiografias obtidas post-mortem. Essas radiografias oferecem um grande número de informações do indivíduo. Assim, podem ser observadas características anatômicas, como tamanho e forma das coroas, anatomia pulpar, posição e forma da crista do osso alveolar, além das características únicas e individuais resultantes de tratamentos dentários. Radiografia Utilizada Existem inúmeras variações das técnicas radiológicas digitalizadas descritas na literatura, entretanto, essencialmente, o método consiste nas seguintes etapas: ▪ Digitalização de imagens radiográficas com o emprego de um scanner ou câmera de vídeo ou, ainda, pela aquisição da imagem diretamente de um sistema de raios X acoplado a um computador com monitor, impressora e gravador de CD-ROM; 17Odontologia Legal ▪ Manipulação das imagens por um software adequado, permitindo comparações, seja por superposição, interposição ou subtração de imagens. O emprego dessas técnicas modernas permite comparar com precisão relações espaciais das raízes e das estruturas de suporte dos dentes em imagens ante-mortem e post-mortem. Há softwares que apresentam recursos de rotação, translação e ajuste de tamanho das imagens, facilitando a correção do posicionamento da radiografia post-mortem em relação à radiografia antemortem, sem que haja a necessidade de novas exposições. É importante ressaltar que a questão da diferença de geometria entre as radiografias é o principal fator de erro neste tipo de técnica, e a correção acima mencionada é fundamental para reduzir o ruído obtido após o processo de subtração de imagens. Tomografia Computadorizada Também como um método radiológico de aquisição de imagens, útil na identificação humana, pode-se citar a tomografia computadorizada (TC), que pode ser obtida na forma tradicional, em imagem bidimensional e em imagem tridimensional. A TC apresenta inúmeras vantagens em relação à projeção radiográfica tradicional. Primeiramente, pelo fato de estar livre do problema de superposição de estruturas além do plano de interesse e também por permitir a visualização de pequenas diferenças de densidade. A TC apresenta, ainda, outras vantagens, como a imagem segmentada, importante quando pontos internos devem ser observados, facilidade na manipulação da imagem, qualidade da imagem, com excelente escala de cores e transparência, obtenção de volume, área e medidas angulares e lineares. Uma TC ante-mortem proporciona informações que podem ser utilizadas na produção de uma réplica post-mortem, considerando que os pontos craniométricos podem ser localizados com precisão e as 18 Odontologia Legal mensurações, obtidas com acurácia. Antropologicamente, a TC tem sido aplicada no estudo de crânios e também, no contexto forense, como um adicional nos processos de identificação. Além disso, estudos demonstraram a aplicabilidade da reconstrução facial por meio da TC tridimensional para a identificação individual. 19Odontologia Legal Considerações Finais Os estudos da genética clássica souberam reconhecer o complexo caminho da especiação quando ainda era desconhecido o código genético. Em todas as espécies com reprodução sexual e fertilização cruzada, existe um fluxo permanente de mutações, geradas por agentes físicos, químicos e mesmo erros na duplicação do DNA. As populações carregadas de polimorfismos dão origem a grupos diferenciáveis que, classicamente, têm se denominado raças e, potencialmente, a subespécies, segundo o grau de diferenciação - de acordo com diferentes critérios que podem ser adotados - e segundo o progressivo isolamento reprodutivo. Uma raça não é uma concepção pétrea, antes é uma categoria transitória, dinâmica, que muda de forma e de freqüência, ao sabor das condições históricas, geográficas, morfológicas e etológicas. Com o fito de elidir as dificuldades inerentes ao estudo da variabilidade das populações humanas, estas são agrupadas - seguindo o critério organizador antes mencionado - em grandes troncos geográfico-raciais, cognominados caucasóide, mongolóide e negróide. Poucas pesquisas no Brasil põem em evidência que o país como um todo tem uma composição genética tri étnica. Os diferentes genes caucasóides, mongoloides e negróides têm uma distribuição diferencial pelas distintas regiões brasileiras, mais em virtude de processos históricos, o que tem levado pesquisadores alienígenas ao conceito de que a cultura contribui para a segregação dos genes, contrariando o que os geneticistas do século XIX aceitavam como verdades incontestes, desprezando, entre outros, os elementos socioculturais, econômicos etc. como capazes de influenciar os resultados da miscigenação preferencial. 20 Odontologia Legal A antropologia forense tem desempenhado um importante papel no combate à violência e à impunidade em muitos países do mundo. Nos Estados Unidos, a violência interpessoal já é a principal causa de mortes prematuras entre adultos jovens, sendo considerada uma epidemia e umproblema prioritário de saúde em todo o mundo. Esta situação levou a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) a criar o Plano de Ação Regional para prevenção e atuação contra o crescimento da violência. Há inúmeras técnicas radiológicas que podem ser utilizadas para auxiliar na identificação humana, incluindo a determinação do gênero, do grupo étnico e, principalmente, da idade. Todavia, a aplicação de qualquer técnica citada depende da existência de um arquivo anterior que permita a comparação. Portanto, deve-se enfatizar a importância da manutenção de imagens radiológicas, por parte dos profissionais de saúde, obtidas durante o tratamento. A análise de radiografias e tomografias ante-mortem e post-mortem tornou-se uma ferramenta fundamental nos processos de identificação humana em odontologia legal, principalmente com o refinamento das técnicas e a incorporação de novas tecnologias. Diante da variedade de métodos disponíveis, o profissional em odontologia legal pode optar pelo método que melhor preencha as características necessárias para o sucesso da identificação que estiver realizando, tomando o cuidado na aplicação correta da técnica e na interpretação precisa das informações obtidas. 21Odontologia Legal Referências VANRELL, Jorge Paulete. Odontologia legal & antropologia forense. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. Carvalho SPM, Silva RHA, Lopes Jr C, Sales-Peres A. A utilização de imagens na identificação humana em odontologia legal. Radiol Bras. 2009;42(2):125–130. Lessa A. Violência e impunidade em pauta: problemas e perspectivas sob a ótica da antropologia forense no Brasil. Ciênc saúde coletiva. 200914(5):1855-1863. 22 Odontologia Legal Título da Unidade Objetivos Introdução Histórico e Desenvolvimento da Odontologia Legal e Documentos Odontolegais 1. Histórico e Desenvolvimento da Odontologia Legal 1.1 A Especialidade Odontologia Legal: Competências e Organização 1.2 Recomendações e Perfil para Atuação em Odontologia Legal 2. Documentos Odontolegais Referências A resposabilidade profissional e seus impactos nas perícias odontolegais Para início de conversa… 1. A responsabilidade civil na odontologia 2. Conselho Federal de Odontologia e os Conselhos Regionais 3. Cuidados legais na prestação de serviços 4. Regulação da prática de Perícias Odontolegais 5. Definição do trabalho do perito 6. Áreas de atuação da perícia odontolegal Sintese Referências _GoBack Traumatologia Forense I e II Para início de conversa… 1. Energias Lesivas Considerações Finais Referências Traumatologia Forense III e IV Para início de conversa… 1. Lesões por Arma Branca Considerações Finais Referências Identidade e Identificação Odontolegal Para início de conversa… 1. Identificação Referências Antropologia Forense l e ll Para início de conversa… 1. Bases Antropológicas na Odontologia Legal Considerações Finais Referências
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