Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DOCÊNCIA EM SAÚDE ENFERMAGEM EM DOAÇÃO E TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS 1 Copyright © Portal Educação 2012 – Portal Educação Todos os direitos reservados R: Sete de setembro, 1686 – Centro – CEP: 79002-130 Telematrículas e Teleatendimento: 0800 707 4520 Internacional: +55 (67) 3303-4520 atendimento@portaleducacao.com.br – Campo Grande-MS Endereço Internet: http://www.portaleducacao.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - Brasil Triagem Organização LTDA ME Bibliotecário responsável: Rodrigo Pereira CRB 1/2167 Portal Educação P842e Enfermagem em doação e transplante de órgãos / Portal Educação. - Campo Grande: Portal Educação, 2012. 122p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8241-265-7 1. Enfermagem - Transplante. 2. Doação de órgãos. I. Portal Educação. II. Título. CDD 610.736 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 4 2 HISTÓRIA DOS TRANSPLANTES ............................................................................................ 5 3 ASPECTOS LEGAIS DOS TRANSPLANTES NO BRASIL ...................................................... 9 4 POLÍTICAS PÚBLICAS EM TRANSPLANTES ........................................................................ 21 5 O DOADOR DE ÓRGÃOS - ASPECTOS GERAIS DOS TRANSPLANTES ........................... 28 5.1 O Doador de Órgãos ................................................................................................................ 28 5.2 A Família do Doador de Órgãos ............................................................................................. 41 5.3 Imunologia em transplante ..................................................................................................... 43 5.4 Imunossupressão .................................................................................................................... 47 5.5 Infecções no Paciente Transplantado ................................................................................... 50 6 AS DIFERENTES MODALIDADES DE TRANSPLANTE ......................................................... 54 6.1 Transplante Hepático ................................................................................................................. 54 6.2 Transplante Renal ...................................................................................................................... 56 6.3 Transplante Cardíaco ................................................................................................................ 58 6.4 Transplante de Pâncreas ........................................................................................................... 60 3 6.5 Transplante de Pulmão .............................................................................................................. 62 6.6 Transplante de Intestino ............................................................................................................ 64 6.7 Transplante de Pele ................................................................................................................... 67 6.8 Transplante de Ossos ................................................................................................................ 71 6.9 Transplante de Córnea .............................................................................................................. 73 6.10 Xenotransplantes ....................................................................................................................... 75 7 ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM EM DIFERENTES MODALIDADES DE TRANSPLANTES ................................................................................................................................ 79 7.1 Assistência de Enfermagem em Transplantes ...................................................................... 79 7.2 Transplante Hepático .............................................................................................................. 80 7.3 Transplante Renal................................................................................................................... 101 7.4 Transplante Cardíaco ............................................................................................................. 111 8 A EXPERIÊNCIA DO PACIENTE E DA FAMÍLIA DIANTE DO TRANSPLANTE ................... 116 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 119 4 1 INTRODUÇÃO O transplante de órgãos há tempos já não é mais considerado como um procedimento experimental, mas sim como uma intervenção cirúrgica amplamente aceita e recomendada para o tratamento de doenças degenerativas de órgãos vitais. Graças ao advento de técnicas cirúrgicas e de medicações cada vez mais eficazes no combate à rejeição, os avanços na Medicina dos transplantes têm crescido paulatinamente e aumentado de modo significativo a sobrevida dos pacientes transplantados. Os transplantes podem ser realizados a partir de doadores vivos (denominados transplantes intervivos) ou doadores falecidos. Dentre os transplantes intervivos podem-se realizar transplantes de fígado, rim, pulmão e também os de medula óssea, mais ligados ao ramo da oncologia. Já os transplantes oriundos de doadores falecidos – os mais comumente realizados – se subdividem em duas categorias: transplantes de doadores falecidos e com coração parado, em que se doam os tecidos; e de doadores em morte encefálica, conceito que discutiremos no decorrer do curso, a partir do qual se podem transplantar os órgãos vitais, como coração, intestino, fígado, rins, etc. A carência de doadores de órgãos é ainda um grande obstáculo para a efetivação de transplantes no Brasil. Mesmo nos casos em que o órgão pode ser obtido de um doador vivo, a quantidade de transplantes é pequena diante da demanda de pacientes que esperam pela cirurgia. A falta de informação e o preconceito também acabam limitando o número de doações obtidas de pacientes com morte encefálica. Com a conscientização efetiva da população, o número de doações pode aumentar de forma significativa. A seguir, veremos um pouco da história dos transplantes, como começaram e quais avanços foram os alicerces para o desenvolvimento desta área da Medicina. 5 2 HISTÓRIA DOS TRANSPLANTES Desde o início dos tempos, várias lendas e relatos sensacionalistas povoam o imaginário da população em geral a respeito do transplante. Na Ilíada, de Homero, é descrito o primeiro transplante de tecidos geneticamente diferentes, uma quimera criada pelos deuses. A lenda de São Cosme e Damião diz que, após a amputação da perna de um velho, transplantaram nele a perna de um soldado que havia falecido naquele mesmo dia. O termo transplante foi utilizado pela primeira vez por John Hunter, em 1778, ao descrever seus experimentos com enxertos ovarianos e testiculares em animais não relacionados. Em 1902, Ullmann, da Escola de Medicina de Viena, realizou o primeiro autotransplante de rim nos vasos do pescoço de um cão. Em 1906, Jaboulay, na França, fez dois xenotransplantes (transplantes entre espécies diferentes), a partir de rins de porco e de cabra, nos vasos do braço e da coxa de seres humanos, os quais funcionaram por uma hora. Em 1909, Unger, em Berlim, transplantou um rim de macaco para uma criançaque sofria de insuficiência renal aguda. Até este momento, embora demonstrassem que os transplantes de órgãos sólidos eram possíveis, os diversos pesquisadores observavam que os órgãos muitas vezes morriam. Tal questionamento ficou aparentemente sem solução até que Guthrier inferiu, algum tempo mais tarde, que talvez estes fracassos pudessem estar relacionados com algum tipo de resposta imunológica. O primeiro alotransplante (transplante entre indivíduos da mesma espécie) renal no homem foi realizado em 1933 por um cirurgião ucraniano, para tratar uma insuficiência renal aguda causada por envenenamento por mercúrio. Infelizmente, o rim não funcionou, já que foi retirado do doador seis horas após a parada cardíaca, e o receptor morreu 48 horas depois. No início da década de 50, várias séries de transplantes renais em humanos foram realizadas em Paris e Boston, mas nenhuma droga imunossupressora era utilizada para prevenir a rejeição, e somente um paciente sobreviveu, por aproximadamente seis meses. Em 1952, em Paris, Dausset descobriu os antígenos de histocompatibilidade, e em 1954, uma equipe em Boston iniciou o programa de transplante renal com gêmeos HLA (complexo de histocompatibilidade) idênticos, com bastante sucesso. A partir daí, os avanços na 6 terapia imunossupressora começaram, culminando com a descoberta da azatioprina como medicamento imunossupressor importante. Com a azatioprina o transplante renal tornou-se gradualmente uma opção terapêutica aceitável para casos cuidadosamente selecionados. Com a adição de esteroides à azatioprina em 1963, foi estabelecido um protocolo padrão de imunossupressão, que permaneceu assim por quase 20 anos. Durante este tempo, o aumento crescente da sobrevida dos pacientes transplantados deveu-se principalmente aos seguintes fatores: aprimoramento da técnica cirúrgica; a constatação de que baixas doses de esteroides são eficazes e mais seguras do que as administradas anteriormente; e a descoberta de que a transfusão de sangue pré-transplante reduz as possibilidades de rejeição. A partir daí, os avanços aceleraram gradativamente. Em 1967, Barnard realizou o primeiro transplante cardíaco ortotópico (em que o enxerto é colocado no mesmo lugar do órgão que é retirado) no homem, levando a um grande número de transplantes, realizados geralmente em centros mal equipados para lidar com os fenômenos da rejeição e cuidados pós-transplante. Consequentemente, os baixos índices de sobrevida serviram para justificar os argumentos daqueles que se opunham a todos os transplantes de órgãos. Os resultados iniciais com os transplantes de fígado também foram desencorajadores. Starzl e sua equipe, em 1960, desenvolveram técnicas para o transplante de fígado em cães, mas o primeiro só foi realizado em 1963. Os índices de sobrevivência foram baixos nos primeiros casos até que, em 1967, uma criança de 18 meses de idade viveu por mais 13 meses antes de falecer por metástases de seu hepatoma original. No entanto, os resultados eram tão precários que apenas dois centros persistiram com o transplante de fígado, e tais centros observavam que os resultados com a imunossupressão utilizada ainda eram inferiores aos de transplantes renais e cardíacos. No Brasil, o primeiro transplante foi feito em 1985, no Hospital das Clínicas, em São Paulo, por Raia e sua equipe, que também realizaram o primeiro transplante intervivos, em 1988. O transplante de partes do pâncreas para o tratamento de pacientes diabéticos foi sugerido no início de 1924, mas somente após o uso de uma imunossupressão efetiva é que se investiram grandes esforços no sentido de tratar o diabetes mellitus por meio do transplante total de pâncreas. Em 1966, Kelly e equipe fizeram um alotransplante de rim e pâncreas em um paciente 7 portador de uma nefropatia diabética em fase terminal. Desde então, centenas de transplantes têm sido realizados com o pâncreas total, parcial ou com ilhotas pancreáticas. Os problemas relacionados com a rejeição e as dificuldades cirúrgicas, particularmente em assegurar uma drenagem efetiva das secreções exócrinas, têm desestimulado muitas equipes em perseverar com o transplante pancreático, após uma má experiência inicial. Ultimamente, o interesse tem aumentado em função dos melhores resultados obtidos e com o advento de técnicas promissoras de transplante de ilhotas. Os primeiros experimentos sobre transplante de pulmão foram relatados por Carrel em 1907, mas somente em 1950 foi publicado um trabalho, por Métras, descrevendo uma técnica cirúrgica desenvolvida com cães. Apesar de vários grupos terem realizado alotransplantes pulmonares, o sucesso era limitado pela imunossupressão inadequada. O primeiro quadro clínico foi descrito por Hardy e equipe, em 1963, mas o paciente morreu 18 dias após. Antes de 1980, somente 38 pacientes receberam transplantes de pulmão, e a sobrevivência mais longa foi de 10 meses. Além da rejeição, os principais problemas em transplantes de pulmão são principalmente a seleção de doador adequado e a conservação do órgão. Até 1978, o transplante renal tinha progredido para um estágio em que era evidente a sua contribuição para o tratamento da insuficiência renal, mas havia dúvidas consideráveis sobre o futuro dos transplantes de outros órgãos. Felizmente, naquele ano, surge uma nova droga imunossupressora, a ciclosporina, que se revelou um agente imunossupressor tão potente no homem quanto já havia sido demonstrado em animais. A ciclosporina revolucionou os transplantes clínicos em todo o mundo, não somente em termos de aumentar o número de transplantes e o índice de sobrevida, mas também ao encorajar a comunidade em relação aos transplantes. Na década de 80, as retiradas de múltiplos órgãos foram padronizadas, surgiram novos imunossupressores, tais como os anticorpos monoclonais e o FK-506, e foi desenvolvida, por Belzer, uma nova solução de conservação de órgãos, levando os resultados de rim, coração, pulmão e fígado a atingirem uma sobrevida de 80% em dois anos. Esses resultados, já excepcionais em se tratando de pacientes na maioria das vezes sem outra opção terapêutica, tendem a melhorar na medida em que os fenômenos imunológicos forem desvendados e controlados. 8 Atualmente, no entanto, já podemos dizer que o transplante de órgãos é considerado uma terapêutica amplamente aceita e recomendada para o tratamento de doenças degenerativas de órgãos vitais, graças aos avanços anteriormente descritos e aos contínuos esforços de aprimorar a técnica cirúrgica e a terapia medicamentosa de controle. 9 3 ASPECTOS LEGAIS DOS TRANSPLANTES NO BRASIL O primeiro transplante de coração no Brasil, realizado pelo professor Zerbini, resultou na elaboração de um suporte legal para a realização dos futuros transplantes de órgãos no país. Os objetivos básicos dessa legislação eram de resguardar os direitos das pessoas envolvidas, principalmente do doador, tanto falecido quanto vivo, bem como de garantir a gratuidade da doação, procurando evitar que órgãos e tecidos fossem vendidos ou que populações vulneráveis ficassem expostas ao risco de serem coagidas a optar pela decisão de doar, baseadas em algum benefício financeiro ou material. Longas análises e reflexões discorreram sobre doadores, receptores e, principalmente, quanto à definição do diagnóstico da realidade da morte, tendo como pilares resguardar os direitos do doador e garantir a gratuidade do ato. Considerando que os múltiplos transplantes de órgãos exigem a vitalidade dos tecidos transplantados, o primeiro grande desafio ético e legal, apresentado na terapêutica dos transplantes de doadores falecidos, foi a definição do diagnóstico de morte, uma vez que não mais se poderia firmar unicamente no critério de parada irreversíveldos batimentos cardíacos. Um novo conceito firmou-se: o de morte encefálica, do qual trataremos em maiores detalhes adiante. Em 1992, surge a Lei 8.489, de 18 de novembro de 1992, legislação vigente até 04 de fevereiro de 1997 que, quando revogada, foi substituída pela lei 9.434, posteriormente atualizada no ano de 2001, resultando na LEI N° 10.211, de 23 de março de 2001, em vigor atualmente. A principal modificação foi referente à doação, que passou de presumida para consentida. As alterações estão destacadas no decorrer do texto. Apresentaremos ambas a seguir. A leitura da legislação em transplantes é de suma importância para compreensão de todo o processo que envolve a doação de órgãos e tecidos no Brasil. 10 LEI 9.434, DE 04 DE FEVEREIRO DE 1997 Remoção de Órgãos, Tecidos e Partes do Corpo Humano para fins de Transplante e Tratamento O PRESIDENTE DA REPÚBLICA faz saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I - DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Artigo 1 - A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei. Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo. Artigo 2 - A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde. Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos para a triagem de sangue para doação, segundo dispõem a Lei n° 7.649, de 25 de janeiro de 1988, e regulamentos do Poder Executivo. CAPÍTULO II - DA DISPOSIÇÃO POST MORTEM DE TECIDOS, ÓRGÃOS E PARTES DO CORPO HUMANO PARA FINS DE TRANSPLANTE Artigo 3 - A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina. 11 1. Os prontuários médicos, contendo os resultados ou os laudos dos exames referentes aos diagnósticos de morte encefálica e cópias dos documentos de que tratam os artigos 2, parágrafo único; 4 e seus parágrafos; 5; 7; 9, 2, 4, 6 e 8; e 10, quando couber, e detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes e enxertos, serão mantidos nos arquivos das instituições referidas no artigo 2 por um período de, no mínimo, cinco (5) anos. 2. As instituições referidas no artigo 2 enviarão anualmente um relatório contendo os nomes dos pacientes receptores ao órgão gestor estadual do SUS. 3. Será admitida a presença de médico de confiança da família do falecido no ato da comprovação e atestação da morte encefálica. Artigo 4 - Salvo manifestação de vontade em contrário, nos termos desta Lei, presume-se autorizada a doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, para finalidade de transplantes ou terapêutica post mortem -DOAÇÃO PRESUMIDA 1. A expressão “não-doador de órgãos e tecidos” deverá ser gravada, de forma indelével e inviolável, na Carteira de Identidade Civil e na Carteira Nacional de Habilitação da pessoa que optar por essa condição. 2. A gravação de que trata este artigo será obrigatória em todo o território nacional a todos os órgãos de identificação civil e departamentos de trânsito, decorridos trinta dias da publicação desta Lei. 3. O portador de Carteira de Identidade Civil ou de Carteira Nacional de Habilitação emitidas até a data a que se refere o parágrafo anterior poderá manifestar sua vontade de não doar tecidos, órgãos ou partes do corpo após a morte, comparecendo ao órgão oficial de identificação civil ou departamento de trânsito e procedendo à gravação da expressão “não-doador de órgãos e tecidos”. 4. A manifestação de vontade feita na Carteira de Identidade Civil ou na Carteira Nacional de Habilitação poderá ser reformulada a qualquer momento, registrando-se, no documento, a nova declaração de vontade. 12 5. No caso de dois ou mais documentos legalmente válidos com opções diferentes, quanto à condição de doador ou não, do morto, prevalecerá aquele cuja emissão for mais recente. 6. Na ausência de manifestação de vontade do potencial doador, o pai, a mãe, o filho ou o cônjuge poderá manifestar-se contrariamente à doação, o que será obrigatoriamente acatado pelas equipes de transplante e remoção. (incluído pela Medida Provisória 1.718, de 06 de outubro de 1998) Artigo 5 - A remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa juridicamente incapaz poderá ser feita desde que permitida expressamente por ambos os pais ou por seus responsáveis legais. Artigo 6 - É vedada a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas não identificadas. Artigo 7 – Vetado Parágrafo único - No caso de morte sem assistência médica, de óbito em decorrência de causa mal definida ou de outras situações nas quais houver indicação de verificação da causa médica da morte, a remoção de tecidos, órgão ou partes de cadáver para fins de transplante ou terapêutica somente poderá ser realizada após a autorização do patologista do serviço de verificação de óbito responsável pela investigação e citada em relatório de necrópsia. Artigo 8 - Após a retirada de partes do corpo, o cadáver será condignamente recomposto e entregue aos parentes do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento. CAPÍTULO III - DA DISPOSIÇÃO DE TECIDOS, ÓRGÃOS E PARTES DO CORPO HUMANO VIVO PARA FINS DE TRANSPLANTE OU TRATAMENTO Artigo 9 - É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos ou partes do próprio corpo vivo para fins de transplante ou terapêuticos. 1. (VETADO) 13 2. (VETADO) 3. Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora. 4. O doador deverá autorizar, preferencialmente por escrito e diante de testemunhas, especificamente o tecido, órgão ou parte do corpo objeto da retirada. 5. A doação poderá ser revogada pelo doador ou pelos responsáveis legais a qualquer momento antes de sua concretização. 6. O indivíduo juridicamente incapaz, com compatibilidade imunológica comprovada, poderá fazer doação nos casos de transplante de medula óssea, desde que haja consentimento de ambos os pais ou seus responsáveis legais e autorização judicial e o ato não oferecer risco para a sua saúde. 7. É vedado à gestante dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo, exceto quando se tratar de doação de tecidos para ser utilizado em transplante de medula óssea e o ato não oferecer risco à saúde ou ao feto. 8. O autotransplante depende apenas do consentimento do próprio indivíduo, registrado em seu prontuário médico ou, se ele for juridicamente incapaz, de um de seus pais ou responsáveis legais. CAPÍTULO IV - DAS DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES Artigo 10 - O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, após aconselhamentosobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento. 14 Parágrafo único - Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida de sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais. Artigo 11 - É proibida a veiculação, através de qualquer meio de comunicação social, de anúncio que configure: a) publicidade de estabelecimentos autorizados a realizar transplantes e enxertos, relativa a estas atividades; b) apelo público no sentido da doação de tecido, órgão ou parte do corpo humano para pessoa determinada, identificada ou não, ressalvado o disposto no parágrafo único; c) apelo público para a arrecadação de fundos para o financiamento de transplante ou enxerto em benefício de particulares. Parágrafo único - os órgãos de gestão nacional, regional e local do Sistema Único de Saúde realizarão periodicamente, através dos meios adequados de comunicação social, campanhas de esclarecimento público dos benefícios esperados a partir da vigência desta Lei e de estímulo à doação de órgãos. Artigo 12 - (VETADO) Artigo 13 - É obrigatório, para todos os estabelecimentos de saúde, notificar, às centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos da unidade federada onde ocorrer, o diagnóstico de morte encefálica feito em pacientes por eles atendidos. CAPÍTULO V - DAS SANÇÕES PENAIS E ADMINISTRATIVAS Seção I - Dos Crimes Artigo 14 - Remover tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa ou cadáver, em desacordo com as disposições desta Lei: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, de 100 a 360 dias-multa. 15 1. Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa, de 100 a 150 dias-multa. 2. Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido: I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II - perigo de vida; III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de três a dez anos, e multa, de 100 a 200 dias-multa. 3. Se o crime é praticado em pessoa viva, e resulta para o ofendido: I - incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável; III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V – aborto; Pena - reclusão, de quatro a doze anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa. 4. Se o crime é praticado em pessoa viva e resulta morte: Pena - reclusão, de oito a vinte anos, e multa de 200 a 360 dias-multa. Artigo 15 - Comprar ou vender tecidos, órgãos ou partes do corpo humano: 16 Pena - reclusão de três a oito anos, e multa, de 200 a 360 dias-multa. Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem promove, intermedeia, facilita ou aufere qualquer vantagem com a transação. Artigo 16 - Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgãos ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei: Pena - reclusão, de um a seis anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa. Artigo 17 - Recolher, transportar, guardar ou distribuir partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei: Pena - reclusão, de seis meses a dois anos, e multa de 100 a 250 dias-multa. Artigo 18 - Realizar transplante ou enxerto em desacordo com o disposto no art. 10 desta Lei e seu parágrafo único: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Artigo 19 - Deixar de recompor cadáver, devolvendo-lhe aspecto condigno, para sepultamento ou deixar de entregar ou retardar sua entrega aos familiares ou interessados: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Artigo 20 - Publicar anúncio ou apelo público em desacordo com o disposto no artigo 11: Pena - multa, de 100 a 200 dias-multa. Seção II - Das Sanções Administrativas 17 Artigo 21 - No caso dos crimes previstos nos artigos 14, 15, 16 e 17, o estabelecimento de saúde e as equipes médico-cirúrgicas envolvidas poderão ser desautorizadas temporária ou permanentemente pelas autoridades competentes. 1. Se a instituição é particular, a autoridade competente poderá multá-la em 200 a 360 dias- multa e, em caso de reincidência, poderá ter suas atividades suspensas temporária ou definitivamente, sem direito a qualquer indenização ou compensação por investimentos realizados. 2. Se a instituição é particular, é proibida de estabelecer contratos ou convênios com entidades públicas, bem como se beneficiar de créditos oriundos de instituições governamentais ou daquelas em que o Estado é acionista, pelo prazo de cinco anos. Artigo 22 - As instituições que deixarem de manter em arquivo relatórios dos transplantes realizados, conforme o disposto no artigo 3, 1., ou que não enviarem os relatórios mencionados no artigo 3, 2., ao órgão de gestão estadual do Sistema Único de Saúde, estão sujeitas a multa, de 100 a 200 dias-multa. 1. Incorre na mesma pena o estabelecimento de saúde que deixar de fazer as notificações previstas no art. 13. 2. Em caso de reincidência, além de multa, o órgão de gestão estadual do Sistema Único de Saúde poderá determinar a desautorização temporária ou permanente da instituição. Artigo 23 - Sujeita-se às penas do artigo 59 da Lei n° 4.117, de 27 de agosto de 1962, a empresa de comunicação social que veicular anúncio em desacordo com o disposto no artigo 11. CAPÍTULO VI - DAS DISPOSIÇÕES FINAIS Artigo 24 - (VETADO) Artigo 25 - Revogam-se as disposições em contrário, particularmente a Lei n° 8.489, de 18 de novembro de 1992, e o Decreto n° 879, de 22 de julho de 1993. 18 Brasília, 4 de fevereiro de 1997; 176° da Independência e 109° da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Nelson A. Jobim Carlos César de Albuquerque LEI N° 10.211, DE 23 de março de 2001 Altera dispositivos da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que "dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento". O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS "Art. 1º Os dispositivos adiante indicados, da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 2º ...................................................................... "Parágrafo único. A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e partes do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos em normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Saúde." (NR) "Art. 4º A retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoas falecidas para transplantes ou outra finalidade terapêutica, dependerá da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo 19 grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte”. (NR) - DOAÇÃO CONSENTIDA "Parágrafo único. (VETADO)" "Art. 8º Após a retirada de tecidos, órgãos e partes, o cadáver será imediatamente necropsiado, se verificada a hipótese do parágrafo único do art. 7º, e, em qualquer caso, condignamente recomposto para ser entregue, em seguida, aos parentes do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento." (NR) "Art. 9º É permitida à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consanguíneos até o quarto grau, inclusive, na forma do §4º deste artigo, ou em qualquer outrapessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea. ........................................................................." (NR) "Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento." (NR) "§ 1º Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida da sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais." (NR) "§ 2º A inscrição em lista única de espera não confere ao pretenso receptor ou à sua família direito subjetivo a indenização, se o transplante não se realizar em decorrência de alteração do estado de órgãos, tecidos e partes, que lhe seriam destinados, provocado por acidente ou incidente em seu transporte." (NR) Art. 2º As manifestações de vontade relativas à retirada "post mortem" de tecidos, órgãos e partes, constantes da Carteira de Identidade Civil e da Carteira Nacional de Habilitação, perdem sua validade a partir de 22 de dezembro de 2000. 20 Art. 3º Ficam convalidados os atos praticados com base na Medida Provisória nº 2.083-32, de 22 de fevereiro de 2001. Art. 4º Ficam revogados os §§ 1º a 5º do art. 4º da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 23 de março de 2001; 180º da Independência e 113º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO José Gregori José Serra 21 4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRANSPLANTES Para o desenvolvimento da Medicina de Transplantes no Brasil foi criado o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), que tem como objetivos organizar o processo de captação e distribuição de tecidos, órgãos e partes retiradas do corpo humano para finalidades terapêuticas. Seu funcionamento foi estabelecido por meio do Decreto Nº 2.268, de 30 de junho de 1997 - DOU 123, de 01.07.97, que regulamenta a Lei n° 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, já vista anteriormente. Integram o SNT o Ministério da Saúde, as Secretarias de Saúde dos Estados e do Distrito Federal ou órgãos equivalentes, as Secretarias de Saúde dos Municípios ou órgãos equivalentes, os estabelecimentos hospitalares autorizados, e a rede de serviços auxiliares necessários à realização de transplantes. Quanto às atribuições do SNT, são elas: Coordenar as atividades previstas pelo decreto anteriormente mencionado; Expedir normas e regulamentos técnicos para disciplinar os procedimentos estabelecidos e para assegurar o funcionamento ordenado e harmônico do SNT e o controle, inclusive social, das atividades que desenvolve; Gerenciar a lista única nacional de receptores, com todas as indicações necessárias à busca, em todo o território nacional, de tecidos, órgãos e partes compatíveis com as suas condições orgânicas; Autorizar estabelecimentos de saúde e equipes especializadas a promover retiradas, transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e partes; Avaliar o desempenho do SNT, mediante análise de relatórios recebidos dos órgãos estaduais e municipais que o integram; Articular-se com todos os integrantes do SNT para a identificação e correção de falhas verificadas no seu funcionamento; 22 Difundir informações e iniciativas bem sucedidas, no âmbito do SNT, e promover intercâmbio com o exterior sobre atividades de transplantes; Credenciar centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos nos diferentes Estados do país. As Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios ou órgãos equivalentes, para que se integrem ao SNT, devem instituir, na respectiva estrutura organizacional, as chamadas Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDOs). As CNCDOs são as unidades executivas das atividades do SNT. Suas incumbências são: Coordenar as atividades de transplantes no âmbito estadual; Promover a inscrição de potenciais receptores, com todas as indicações necessárias à sua rápida localização e à verificação de compatibilidade do respectivo organismo para o transplante ou enxerto de tecidos, órgãos e partes disponíveis, de que necessite; Classificar os receptores e agrupá-los, em ordem estabelecida pela data de inscrição, fornecendo-lhes o necessário comprovante; Comunicar ao órgão central do SNT as inscrições que efetuar para a organização da lista nacional de receptores; Receber notificações de morte encefálica ou outra que enseje a retirada de tecidos, órgãos e partes para transplante, ocorrida em sua área de atuação; Determinar o encaminhamento e providenciar o transporte de tecidos, órgãos e partes retirados ao estabelecimento de saúde autorizado, em que se encontrar o receptor ideal; Notificar o órgão central do SNT de tecidos, órgãos e partes não aproveitáveis entre os receptores inscritos em seus registros, para utilização dentre os relacionados na lista nacional; Encaminhar relatórios anuais ao órgão central do SNT sobre o desenvolvimento das atividades de transplante em sua área de atuação; Exercer controle e fiscalização sobre as atividades de transplantes em sua área de atuação. 23 A política de transplante no Brasil defende que a retirada de tecidos, órgãos e partes e o seu transplante ou enxerto só podem ser realizados por equipes especializadas e em estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, prévia e expressamente autorizados pelo Ministério da Saúde. Para isso, os estabelecimentos de saúde devem contar com serviços e instalações adequados à execução de retirada, transplante ou enxerto de tecidos, órgãos ou partes, atendidas, no mínimo, as seguintes exigências, comprovadas no requerimento de autorização: Atos constitutivos, com indicação da representação da instituição, em juízo ou fora dele; Ato de designação e posse da diretoria; Equipes especializadas de retirada, transplante ou enxerto, com vínculo sob qualquer modalidade contratual ou funcional, autorizadas conforme disposições apresentadas no Decreto; Disponibilidade de pessoal qualificado e em número suficiente para desempenho de outras atividades indispensáveis à realização dos procedimentos; Condições necessárias de ambientação e de infraestrutura operacional; Capacidade para a realização de exames e análises laboratoriais necessários aos procedimentos de transplantes; Instrumental e equipamento indispensáveis ao desenvolvimento da atividade a que se proponha. A composição das equipes especializadas deve ser determinada em função do procedimento, mediante integração de profissionais autorizados; é exigido, no caso de transplante, a definição, em número e habilitação, de profissionais necessários à realização do procedimento, não podendo a equipe funcionar na falta de algum deles. Além da necessária habilitação profissional, os médicos devem instruir o pedido de autorização com certificado de pós-graduação, em nível, no mínimo, de residência médica ou título de especialista reconhecido no País, e certidão negativa de infração ética, passada pelo órgão de classe em que forem inscritos. Como funcionam as Centrais de Transplantes: 24 1. O receptor preenche uma ficha e faz exames para determinar suas características sanguíneas, da estatura física e antigênicas (no caso dos rins); 2. Os dados são organizados em um programa de computador. A ordem cronológica é usada principalmente como critério de desempate; 3. Quando aparece um órgão, ele é submetido a exames e os resultados são enviados para o computador; 4. O programa faz o cruzamento entre os dados de doadore receptor e apresenta dez opções mais compatíveis com o órgão; 5. Os dez pacientes não são identificados pelo nome para evitar favorecimento. Só suas iniciais e números são mostrados. Nesta etapa, todos os profissionais da central têm acesso ao cadastro; 6. O laboratório refaz vários exames e realiza outros novos com material armazenado desse receptor. Nesse momento, o receptor ainda não é comunicado; 7. A nova bateria de exames aponta o receptor mais compatível. Nessa etapa, o acesso ao cadastro fica restrito à chefia da central; 8. O médico do receptor é contatado para responder sobre o estado de saúde do receptor. Se não estiver apto para receber o transplante, o processo recomeça; 9. O receptor é contatado e decide se deseja o transplante e em que hospital fará a cirurgia. Como funciona o sistema de captação de órgãos 1) Identificação do potencial doador: Um doador em potencial é um paciente com morte encefálica, internado em hospital sob cuidados intensivos. Nesse período, é informada à família a possibilidade de doação dos órgãos. Caso a família concorde com a doação, viabiliza-se a remoção dos órgãos depois que o diagnóstico de morte encefálica se confirmar. A notificação deste diagnóstico é OBRIGATÓRIA POR LEI. O diagnóstico de morte encefálica passa por algumas etapas, que serão descritas em 25 detalhe no próximo módulo. Cabe ressaltar que nenhum dos médicos responsáveis pelo diagnóstico de morte encefálica pode fazer parte de equipe transplantadora. 2) Notificação O hospital notifica a Central de Transplantes sobre um paciente com suspeita de morte encefálica (potencial doador). No Estado de São Paulo, a captação se faz de forma regionalizada – a Central de Transplantes repassa a notificação para uma OPO (Organização de Procura de Órgão) que cobre a região do hospital notificador. Nos demais Estados, tal função cabe à CNCDO correspondente. 3) Avaliação A OPO ou a Central de Transplantes se dirige ao Hospital e avalia o doador com base na sua história clínica, antecedentes médicos e exames laboratoriais. Avalia-se a viabilidade dos órgãos, bem como a sorologia para afastar doenças infecciosas e teste de compatibilidade com prováveis receptores. A família é abordada sobre a doação e também pode autorizar a remoção do paciente para o hospital da OPO, que muitas vezes tem mais condições para uma melhor manutenção. 4) Informação do doador efetivo A OPO informa a Central de Transplantes quando o doador já tem toda a sua avaliação completa e o mesmo é viável. São passadas todas as informações colhidas, resultados de exames, peso, altura, medicações em uso, condições hemodinâmicas atuais, bem como local e hora marcada para a extração dos órgãos. 5) Seleção dos receptores Todo paciente que precisa de transplante é inscrito na Lista Única de Receptores do Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde (cuja ordem é seguida com rigor, sob supervisão do Ministério Público), por uma equipe responsável pelo procedimento do transplante. A partir desse cadastro, a Central de Transplantes emite uma lista de receptores inscritos, compatíveis para o doador; no caso dos rins deve-se fazer ainda uma nova seleção por compatibilidade imunológica ou histológica. 26 6) Identificação das equipes transplantadoras A Central de Transplantes informa a equipe de transplante sobre a existência do doador e qual paciente receptor foi nomeado. Cabe à equipe decidir sobre a utilização ou não deste órgão, uma vez que é o médico o conhecedor do estado atual e condições clínicas de seu paciente. 7) Os órgãos As equipes fazem a extração no hospital onde se encontra o doador, em centro cirúrgico, respeitando todas as técnicas de assepsia e preservação dos órgãos. Terminado o procedimento, as equipes se dirigem para seus hospitais de origem para procederem ao transplante. 8) Liberação do corpo O corpo é entregue à família condignamente recomposto, sendo fornecida toda orientação necessária. 27 DESCRIÇÃO DAS ETAPAS: 1- Hospital notifica a Central de Transplantes sobre um paciente com morte encefálica (doador); 2 - Central de Transplantes repassa a notificação para a OPO (Organização de Procura de Órgão); 3 - OPO contata o Hospital e viabiliza o doador; 4 - OPO informa a Central de Transplantes se o doador é viável; 5 - Central de Transplantes emite a lista de receptores e encaminha para o Laboratório de Imunogenética (apenas para o Rim); 6 - Laboratório de Imunogenética realiza "crossmatch" e informa para a Central de Transplantes; 7 - Central de Transplantes com a lista definitiva dos receptores para cada órgão, informa as Equipes de Transplante; 8 - Equipes de Transplante realizam os transplantes. 28 5 O DOADOR DE ÓRGÃOS - ASPECTOS GERAIS DOS TRANSPLANTES 5.1 O Doador de Órgãos O doador Os doadores de órgãos podem pertencer a uma das seguintes categorias: Doadores com coração “batendo”: doador com morte encefálica, doador vivo relacionado, doador vivo não-relacionado, doador anencefálico. Doadores com coração “parado”. Animais. Atualmente, como vemos constantemente divulgado nos meios de comunicação, o mais importante doador de órgãos para transplante tem sido o portador de morte encefálica. A falha no reconhecimento ou o reconhecimento tardio do portador de morte encefálica pode levar à perda de órgãos devido à parada cardiorrespiratória inesperada, instabilidade hemodinâmica ou infecção. A grande maioria dos portadores de morte encefálica é constituída por pacientes vítimas de problemas cerebrais: traumatismo cranioencefálico, hemorragia subaracnoide, neoplasias cerebrais não-metastatizantes ou isquemia cerebral. A decisão de interromper o tratamento do paciente portador de lesão cerebral grave e iniciar o suporte para doador potencial de órgãos é difícil, tanto do ponto de vista conceitual quanto do ponto de vista ético. Apesar dessas dificuldades, deve ser considerado doador potencial de órgãos todo paciente cuja terapêutica orientada para o cérebro foi avaliada como ineficaz ou a morte encefálica já ocorreu. 29 Critérios Gerais e Específicos para a Doação de Órgãos A seguir, apresento dois quadros com os critérios de exclusão de doador de órgãos e critérios para doação de órgãos específicos. Critérios de exclusão do doador Exemplos Infecção Sepse bacteriana ou fúngica Hepatite ou encefalite viróticas AIDS Infecção ativa por citomegalovírus ou infecção hepática sistêmica Tuberculose ativa Sífilis Doença de Chagas Uso habitual de drogas endovenosas Malignidade Exceto tumores primários do SNC ou carcinomas de pele ou cervical localizados, sem metástase Traumatismo direto do órgão Órgão a ser doado Critérios Córneas Idade: 1-65 anos História pregressa negativa para cirurgia ou doença 30 intraocular Retirada ideal até seis horas após parada circulatória Rins Idade: 1 mês a 75 anos História negativa para doença renal Perfusão renal adequada Débito urinário adequado Fígado Idade: menor ou igual a 75 anos Peso e altura do doador satisfatórios Provas de função hepática normais Ausência de etilismo Coração Idade: menor ou igual a 60 anos Altura e peso do doador satisfatórios RX de tórax e ECG normais Parada cardíaca não prolongada Doses baixas de agentes inotrópicos positivos Coração/Pulmão Mesmos critérios para o coração, somando: Trauma ou infecção pulmonar ausentes Ventilação artificial menor do que 24 horas, se possível Diâmetro torácico do receptor adequado Ausência de tabagismo Pâncreas Idade menor ou igual a 65 anos Amilase plasmática normal 31 História familiar negativa para diabetes mellitus Os prováveis doadores de órgãos devem ser submetidos a uma avaliação laboratorial,resumida a seguir: Sorologias: VDRL, HBsAG, Anti-HCV, citomegalovírus, doença de Chagas, HLA. Bioquímica: Sódio, cloro, potássio, cálcio, fósforo, glicose, creatinina, provas de função hepática. Hematologia: hemograma, tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial, contagem de plaquetas, grupo sanguíneo ABO. Bacteriologia: Gram e cultura de escarro, urocultura, hemoculturas. Morte Encefálica Durante as últimas três décadas, os avanços tecnológicos, como equipamentos sofisticados mantenedores da atividade respiratória, ressuscitadores cardíacos e a alimentação parenteral em UTI, possibilitaram o prolongamento da vida por tempo indeterminado, criando-se, assim, possibilidades de uma nova situação, antes completamente impensada: “Um encéfalo morto e um coração vivo.” O crescente sucesso dos programas de transplantes de órgãos e tecidos levou a Comunidade Científica Mundial a discutir e adotar o princípio de que a morte da pessoa ocorre quando o encéfalo falha irreversivelmente em suas funções, e atualmente o conceito de morte encefálica é aceito no Brasil e na maioria dos países como sendo a morte do indivíduo, visto que a função de todo encéfalo representa mais exatamente a vida do que a função cardiovascular persistente sem nenhuma função encefálica. Conceituação 32 De acordo com a Comissão para os Estudos dos Problemas Éticos na Pesquisa Comportamental Médica e Biomédica, Morte Encefálica (ME) é um quadro clínico num paciente portador de doença estrutural ou metabólica conhecida, de caráter completa e indubitavelmente irreversível, expressando falência total de todas as funções de todo o encéfalo, inclusive do tronco encefálico, quadro clínico este que persiste de maneira invariável por um período mínimo de seis horas. Portanto, a morte encefálica consiste na parada total e irreversível das atividades do encéfalo. É importante diferenciar a morte encefálica da morte cerebral; nesta, partes ou todo o tronco encefálico (mesencéfalo, ponte e bulbo) e ainda o cerebelo podem funcionar, sendo chamada esta condição de estado vegetativo persistente, ou morte neocortical. Diagnóstico É necessário que se comunique à família o início do procedimento de diagnóstico, e deve-se permitir a presença do médico da família na realização do procedimento. 1. Critérios Clínicos O diagnóstico de morte encefálica (ME) é baseado em dados obtidos através da anamnese, exame clínico e exames laboratoriais: Paciente com doença estrutural ou metabólica conhecida e irreversível, na ausência de intoxicação exógena recente, uso de depressores do SNC, bloqueio neuromuscular e/ou hipotermia primária, na certeza de que todas as medidas de proteção encefálica já tenham sido realizadas (metabólicas, hemodinâmicas, etc). 33 A causa do coma deve ser estabelecida desde o início. A ME ocorre quando o encéfalo se lesa por intermédio de agentes físicos ou químicos, porém os resultados finais de agressão são os mesmos: anoxia tecidual bloqueando a produção de energia cerebral nas mitocôndrias. Perda da função de todo o encéfalo, inclusive do tronco encefálico, levando a um estado permanente de inconsciência. O paciente em ME apresenta-se em coma profundo, aperceptivo, com arreatividade comportamental e/ou reflexa a estímulos nociceptivos aplicados em níveis acima do forame magno. A Escala de Coma de Glasgow-Liege = 3, ou seja: não abre os olhos nem apresenta resposta verbal, mesmo aos estímulos dolorosos intensos, nem apresenta resposta motora, a não ser através dos reflexos medulares; não apresenta nenhuma resposta integrada no tronco encefálico. O paciente não apresenta reflexo corneano, de vômito, faríngeo, ou de resposta reflexa à estimulação brônquica por cateter de aspiração introduzido até a traqueia; a função do nervo vago também pode ser testada mediante observação de frequência cardíaca após a aplicação de uma injeção endovenosa de 0,04 mg/kg de sulfato de atropina; a inatividade do núcleo dorsal do vago é inferida, caso não se observe alteração alguma da frequência que, no indivíduo sadio, causaria uma bradicardia. Positividade ao teste da apneia: o teste da apneia deve ser efetuado após todos os reflexos dos nervos cranianos terem sido verificados e estavam ausentes, pois os valores elevados de PaCO2 podem aumentar a pressão intracraniana, comprometendo uma função encefálica residual. Quando o paciente é desconectado do respirador por tempo suficiente para que a tensão arterial de dióxido de carbono se eleve acima do limiar de estimulação respiratória, não devem ocorrer movimentos respiratórios; uma oxigenação adequada deve ser mantida durante o teste se o paciente for ventilado em 100% de 02 por cinco minutos, antes da realização do mesmo, e um fluxo de 2 de 4 a 6 l/mm for distribuído através do tubo endotraqueal, enquanto o ventilador estiver desligado. Isto é particularmente importante nos doadores de órgãos. 2. Exames Laboratoriais 34 Embora na opinião da maioria dos autores a ME possa ser diagnosticada unicamente através de critérios clínicos, recomenda-se a confirmação dos achados clínicos por um exame complementar que evidencie a ausência de fluxo sanguíneo e/ou de eletrogênese encefálicos. Tais exames podem ser: Angiografia cerebral; Mapeamento cerebral por radionuclídeo, que consiste na injeção endovenosa de 99mTc, que passa através da circulação cervical para dentro do crânio; a ausência de circulação intracraniana é confirmatória de ME; Eletroencefalograma (EEG), que é o exame mais prático e o mais difundido; Estudo dos potenciais evocados do tronco encefálico. Princípios a Serem Observados no Diagnóstico de Morte Encefálica Quanto à realização dos testes devem estar presentes 2 médicos no mínimo, sendo um deles necessariamente especialista em Neurologia. É proibida a participação dos médicos integrantes da equipe especializada em captação de órgãos e transplante em qualquer etapa do diagnóstico de ME. Período de observação Se no final da avaliação há evidências de ME, deve-se aguardar um período mínimo de observação para uma segunda avaliação (exame clínico e, se necessário, complementar) para se fazer o atestado, de acordo com as seguintes faixas etárias: 35 De 7 dias a 2 meses incompletos - 48 horas; De 2 meses a 1 ano incompleto - 24 horas; De 1 ano a 2 anos incompletos - 12 horas; Acima de 2 anos - 06 horas. Os exames complementares a serem observados para constatação de ME deverão demonstrar, de forma inequívoca: Ausência de atividade elétrica cerebral ou, Ausência de atividade metabólica cerebral ou Ausência de perfusão sanguínea cerebral. O atestado também deve ser feito por dois médicos capacitados e que não estejam envolvidos em equipes de transplantes. A terapia contínua após a expedição de um atestado de ME só se justifica na preservação de órgãos para transplantes ou quando se tratar de uma paciente grávida com um feto viável. O atestado de ME equivale a um atestado de óbito e a data documentada por esse atestado é considerada a data do óbito a ser usada para todos os procedimentos médicos e legais. Assistência de Enfermagem ao Potencial Doador Falecido O reconhecimento e a manutenção dos potenciais doadores estão entre os grandes desafios enfrentados pelas equipes que atuam em terapia intensiva. Neles estão implicadas questões de cunho ético e legal, questões afetivas que envolvem a família e a equipe numa situação extremamente delicada e desgastante e ainda questões técnicas relativas à adequada condução desses potenciais doadores, vivos ou falecidos. Em caso de doadores em morte encefálica, os doadores chamados falecidos, o objetivo da assistência de enfermagem é minimizar a perda de órgãos transplantáveisdecorrente 36 da parada cardíaca e morte, da instabilidade hemodinâmica, de infecções nosocomiais ou complicações relacionadas com a terapia intensiva. Inicialmente o potencial doador é extensivamente avaliado do ponto de vista clínico e laboratorial bem como em relação à determinação do grupo sanguíneo, peso, altura, idade, doença de base e história clínica pregressa, informações indispensáveis inclusive para as equipes de captação de órgãos. Após a constatação da morte encefálica (através de exames clínicos e complementares, já anteriormente discutidos) e obtido consentimento para doação, o objetivo do tratamento passa a ser direcionado para a preservação da função dos órgãos e a otimização da oferta de oxigênio para os tecidos. Nesta fase, novos exames possibilitarão a detecção de condições que eventualmente possam contraindicar a doação. A manutenção da estabilidade hemodinâmica do doador na UTI é fundamental, uma vez que o sucesso do transplante é também baseado primariamente na recuperação segura de enxertos de alta qualidade. Rigorosas medidas de suporte ao doador devem ser instituídas com a finalidade de favorecer adequada perfusão dos tecidos até a retirada dos órgãos. As alterações fisiopatológicas que acompanham o quadro de morte encefálica isoladamente ou em associação a lesões induzidas pelo fator etiológico deste evento são expressas nas inúmeras complicações detectadas no doador. Assim, na abordagem deste paciente, avaliações e intervenções dinâmicas da enfermagem devem estar direcionadas para estas manifestações. As principais medidas de avaliação e intervenção de enfermagem dirigidas ao doador falecido são apresentadas no quadro a seguir. 37 INTERVENÇÃO DE ENFERMAGEM JUSTIFICATIVA Realizar mudanças de decúbito a intervalos regulares Prevenção de úlceras de pressão e atelectasias. * A restrição relativa a este cuidado se aplica às situações de extrema labilidade hemodinâmica do doador. Instalar sonda gástrica Favorecer a descompressão gástrica e prevenir aspirações. Instalar cateter vesical de demora A mensuração e a monitoração do débito urinário horário permitem a avaliação da função renal. Um débito urinário entre 1-2 ml/kg/h refletem adequada perfusão renal. Obtenção de acesso venoso central Possibilita a monitorização da PVC, indispensável como um guia para a adequada reposição volêmica. Os valores da PVC devem ser mantidos entre 8 a 10 mmHg. Obtenção de acesso arterial Permite a monitorização da Pressão Arterial Média (PAM) e coleta de amostras sanguíneas. Obtenção de outros acessos venosos Além do acesso venoso central, é desejável a presença de pelo menos um acesso venoso periférico, para reposição volêmica, administração de drogas vasoativas, hemoderivadas e medicamentos, evitando inclusive a administração simultânea de soluções incompatíveis. Monitorização eletrocardiográfica Indispensável na detecção e no diagnóstico de arritmias cardíacas. As alterações do ritmo cardíaco na ME podem ser atribuídas a 38 múltiplos fatores: distúrbios eletrolíticos, hipovolemia, hipotensão, hipotermia e hipoxemia entre outros. * Na parada cardíaca, ocorrência presente em aproximadamente 25% dos doadores em ME, estão indicadas as manobras avançadas de reanimacão. Deve ser reforçada para toda a equipe a importância do diagnóstico precoce da condição de parada cardíaca e a instituição imediata da ventilação e das compressões torácicas, com o intuito de manter os órgãos perfundidos e prevenir os efeitos adversos da acidose. Monitorização e avaliação de parâmetros vitais e hemodinâmicos a intervalos regulares. Pulso, saturação de oxigênio, PA, PVC, PAP e PCP. A manutenção de uma PA sistólica entre 100-120 mmHg é considerado suficiente para manter a adequada perfusão dos tecidos. Reposição rigorosa das perdas volêmicas. Manter a PVC no nível considerado ideal. Na persistência da hipotensão, drogas vasoativas estão indicadas e sua administração deverá ser rigorosamente controlada, seus efeitos detectados e comunicados. Detecção de alterações sugestivas de diabetes insipidus Esta condição patológica, presente em aproximadamente 80% dos pacientes em ME, exibe sinais clínicos que devem ser prontamente detectados e comunicados: poliúria, baixa densidade urinária. A reposição do débito urinário horário e a correção dos distúrbios metabólicos e eletrolíticos são habitualmente necessárias. Pesquisa da glicosúria e da glicemia capilar a Auxilia na detecção rápida da hiperglicemia e 39 intervalos regulares seu controle é fundamental na prevenção da cetoacidose e diurese osmótica, situações que podem dificultar o manuseio dos doadores. Manutenção da oxigenação e da ventilação Promover adequada oxigenação de todos os órgãos. A intubação traqueal e a ventilação mecânica favorecem adequada ventilação alveolar e facilitam a higiene broncopulmonar, possibilitando uma efetiva troca gasosa. Os cuidados respiratórios devem estar cercados das medidas usuais de assepsia. A Pressão Positiva Expiratória (PEEP) é útil para promover a re-expansão de unidades alveolares colapsadas e na prevenção de microatelectasias. Outros parâmetros ventilatórios devem ser objeto de avaliação e vigilância constante pela equipe de Enfermagem. Manutenção da temperatura corporal A mensuração a intervalos regulares da temperatura corporal (axilar, via sensores de temperatura esofágicos, retais ou através do cateter de Swan-Ganz) deve ser realizada como cuidado de enfermagem de rotina nos potenciais doadores. É desejável a manutenção da temperatura corporal acima de 35 graus, sendo inclusive este limite inferior de temperatura uma das condições exigidas para realização dos exames neurológicos para o diagnóstico de morte encefálica. * Os efeitos deletérios da hipotermia como exacerbação da acidose metabólica, depressão miocárdica, aumento do consumo de oxigênio, disfunção renal, indução de 40 arritmias, coagulopatias, devem ser evitados pelas consequências indesejáveis na preservação dos órgãos do doador. Medidas de aquecimento artificiais devem ser empregadas: colchão térmico, aquecimento dos gases inspirados e aquecimento das soluções parenterais. Detecção precoce de distúrbios de coagulação e sangramento Reposição imediata de hemoderivados, quando necessário. Manutenção de medidas de assepsia Evita a exposição do doador a infecções nosocomiais. Procedimentos invasivos devem ser realizados sob condições de rigorosa assepsia. Vigilância e cuidados meticulosos em relação aos cateteres vasculares e arteriais, sonda vesical de demora e linhas de monitorização devem ser reforçados. Cateteres e sondas inseridos em situações de emergência devem ser substituídos em condições adequadas e eletivas. Aplicar colírio em região ocular regularmente e ocluir olhos com gaze Evitar ressecamento das córneas e formação de úlceras. Para a cirurgia de extração dos órgãos, o doador é transportado e recebido no Centro Cirúrgico pela equipe de Enfermagem, encaminhado para a sala de operações e transferido da maca para a mesa cirúrgica. É então colocado em decúbito dorsal, evitando movimentos bruscos, pois podem comprometer os órgãos a serem doados. O anestesista verifica as vias de acesso venoso do paciente, instala a monitorização eletrocardiográfica do paciente, bem como a de determinação da saturação de oxigênio no sangue. É importante que o paciente esteja com sonda vesical de demora instalada, para coleta de material para urocultura, avaliação do débito urinário e verificação da função renal. 41 Na sala de operações, uma grande mesa é montada com os instrumentos cirúrgicos. Em seguida, é realizada a antissepsia das regiões torácica, abdominal e inguinais direita e esquerda, utilizandosoluções de PVPI degermante e logo após PVPI tópico ou clorexidina. Inicia-se o ato cirúrgico com incisão longitudinal, que vai do manúbrio esternal à sínfise pubiana, e faz-se primeiro a retirada do coração, seguido por fígado, rins e córneas. Efetuada a remoção, o corpo do doador deverá ser condignamente recomposto, de modo a recuperar, tanto quanto possível, sua aparência anterior, com cobertura das regiões com ausência de pele e enchimento, com material adequado, das cavidades resultantes da ablação. 5.2 A família do doador de órgãos O panorama da captação de órgãos para transplantes, apesar das grandes diferenças culturais e econômicas pelo mundo, mostra aspectos semelhantes nas mais diversas regiões. Existem algumas questões que se mostram “universais” nos estudos a respeito, em relação ao comportamento das populações à doação de órgãos: a negativa da família em consentir na doação de órgão é citada como o principal entrave na efetivação de transplantes de órgãos; os comportamentos dos familiares estão condicionados a questões culturais e psicológicas; há a tendência de os familiares consentirem na doação desde que estejam orientados a respeito do conceito de morte encefálica e da finalidade humanística de doar; o sucesso na captação de órgãos depende das habilidades comunicativas dos profissionais de saúde ao relacionarem-se com os familiares de doadores. Estudos mostram que os familiares certamente desempenham um papel de suma importância no processo de doação. A família emerge como um elemento central nesse processo; de um lado, ela é vista como o principal obstáculo à efetivação de transplantes, mas, de outro, ela é percebida também como vítima em todo o processo, se considerarmos a dor da perda brusca e traumática e, somando-se a isso, o grande estresse que representa a decisão de doar os órgãos em meio a esta turbulência. 42 Diante disso, é importante conhecermos a experiência do familiar do doador de órgãos, para que se possa identificar eventuais falhas da nossa assistência, para então pensarmos em novas formas de abordar os familiares diante dessa difícil decisão. É preciso que haja comunicação e interação com esses familiares, como parte integrante da assistência de Enfermagem. Muito mais do que apenas informar sobre o estado do doador, ou sobre o processo de doação de órgãos, é essencial que os profissionais de saúde, especialmente os da enfermagem, estejam disponíveis e abertos para perceber as necessidades dos familiares. Não apenas informá-los sobre a condição real do doador, mas ajudá-los a compreender a realidade como ela se apresenta. Esse processo tem algumas etapas: perceber os momentos que a família vivencia, as ansiedades e inseguranças, e atuar passo a passo, ajudando a inteirar-se do que acontece. Muitas famílias se queixam do abandono que sentem logo após consentirem a doação, como se todo o suporte e atenção de que dispunham antes da doação não fossem mais vistos como necessários pela equipe de saúde. É preciso que estejamos atentos a isso a fim de fornecer toda a assistência indispensável, em todas as etapas do processo. Algumas orientações, encontradas em estudos de renomados autores da área, são importantes: não forçar nada, dar tempo para que os familiares percebam e aceitem a morte do seu familiar. Apenas depois lidar com a questão do diagnóstico de morte encefálica. O pedido de doação deverá ser posterior, e desvinculado das informações a respeito do estado do doador. E então é o momento de estabelecer diálogo com a família para que esta tenha espaço e tempo, mesmo diante da urgência do tempo no processo da captação de órgãos, para que possa decidir-se por si e conscientemente se aceita ou não a doação. Nesse processo, cabe ao profissional informar, apoiar, esclarecer, acompanhar, estar próximo e, principalmente, disponível, não apenas antes, mas também depois da doação, e pelo tempo que se fizer necessário. Não se pode esquecer que, diante da morte traumática e inesperada de um ente querido, a família terá que passar pela angústia, negação da realidade, dor da perda, por conflitos pessoais e pela insegurança para decidir-se, e após a decisão. É possível, porém, estimulá-la, em todo este processo, a expressar-se permitindo-se ser ajudada; e estimulá-la a escolher livremente, como uma possibilidade para transcender o sofrimento e acreditar em 43 perspectivas para além daquele momento. É importantíssimo que a família não se sinta de forma alguma coagida ou pressionada a optar pela doação. Aspectos Gerais dos Transplantes Antes de prosseguirmos no curso, falando sobre as diversas modalidades de transplantes e suas indicações, vamos abordar os aspectos gerais do tema. Independente da modalidade realizada, o paciente transplantado é especialmente exposto a dois riscos: o de rejeição e o da infecção. A rejeição é combatida pelo uso contínuo dos chamados medicamentos imunossupressores, que podem, por sua vez, desencadear o surgimento de infecções, devido à queda de resistência do organismo a fatores patogênicos. Por serem características gerais das diversas modalidades, trataremos sobre elas de forma geral, para que depois possamos prosseguir abordando cada modalidade separadamente. O objetivo desta parte do módulo é apresentar os aspectos principais da imunologia e rejeição no paciente transplantado, bem como os cuidados com os medicamentos imunossupressores e as infecções no paciente transplantado. 5.3 Imunologia em Transplantes A imunologia de transplantes estuda a compatibilidade imunogenética entre doadores- receptores ao transplante de órgãos ou de tecidos. O complexo maior de histocompatibilidade (MHC), denominado no homem de Sistema HLA (Human Leukocyte Antigen) está envolvido nos mecanismos de reconhecimento celular, visando proteger o organismo de agressões externas e da regulação da resposta imunológica. A rejeição é a expressão de complicados mecanismos da 44 resposta imunológica envolvendo, na maioria das vezes, os antígenos HLA do órgão transplantado. A resposta imunológica acontece pela intervenção dos elementos de defesa, com o envolvimento de anticorpos, de numerosos mecanismos de regulação e de fatores amplificadores celulares. A semelhança genética entre doador e receptor contribuirá para o sucesso e a sobrevida do órgão transplantado. Pode-se dizer que os transplantes de órgãos ou tecidos são classificados em: A: autotransplante: transplante de órgãos, tecidos ou células do mesmo indivíduo; B: isotransplante: transplante entre indivíduos de mesma constituição genética (gemelares); C: alotransplante: transplantes feitos com órgãos de indivíduos da mesma espécie (são os mais comuns); D: xenotransplante: entre indivíduos de espécies diferentes (ainda em caráter experimental). PORCO IRMÃO GÊMEO IRMÃO MACACO IRMÃO GÊMEO D D A C B A rejeição de transplantes contribuiu enormemente para a imunologia, pois através de seus estudos foi possível a identificação dos antígenos de histocompatibilidade e uma melhor compreensão da fisiologia das células T, as principais responsáveis pela rejeição. O transplante de órgãos é atualmente aceito como uma opção terapêutica efetiva para doenças crônicas terminais e seu objetivo principal é o sucesso sem a ocorrência de rejeição. A prevenção da 45 rejeição pode ser feita através de testes prévios comparando os antígenos de histocompatibilidade do doador com os do receptor (“provas de reação cruzada”), através da terapia imunossupressora ou ambos. A rejeição do órgão transplantado (enxerto) ocorre quando o receptor reconhece o tecido enxertado como estranho. Esse reconhecimento se faz através dos antígenos pertencentes ao sistema de histocompatibilidade principal, designados no homem como antígenos leucocitários humanos(HLA), presentes nas células do enxerto. A reação é muito complexa e envolve a imunidade celular e anticorpos circulantes. A participação desses dois mecanismos varia entre os enxertos, podendo participar um ou outro mecanismo, às vezes os dois. Estudos em humanos e em animais de experimentação demonstraram que as células T são as grandes responsáveis pelas reações de rejeição de transplantes. Tipos de rejeição Segundo os aspectos morfológicos e os mecanismos envolvidos, as rejeições são classificadas em: hiperaguda, aguda e crônica. TIPO TEMPO MECANISMO Hiperaguda Minutos a algumas horas Anticorpos pré-formados Aguda celular Dias a semanas Ativação de células T Aguda humoral Dias a semanas Anticorpos Crônica Meses a anos Ativação de células T e anticorpos Rejeição Hiperaguda 46 Mediada por anticorpos, ocorre minutos a poucas horas após o transplante em pessoas previamente sensibilizadas. A sensibilização prévia ocorre após transfusões sanguíneas, gestações múltiplas ou transplantes anteriores. Um dos exemplos mais dramáticos é verificado quando órgãos, geralmente rins ou coração, de doadores de grupos sanguíneos A e B são transplantados para receptores do grupo O, que normalmente possuem isoemaglutininas pré-formadas contra os antígenos A e B. As lesões básicas na rejeição hiperaguda são arterite e arteriolite agudas disseminadas, trombose vascular e necrose isquêmica. Com a prática das provas de reação cruzada, que detectam a presença de anticorpos do receptor contra os linfócitos do doador, a rejeição hiperaguda pode ser evitada. Rejeição aguda Ocorre dentro de alguns dias em receptores não tratados com imunossupressores ou, então, meses a anos após a interrupção da imunoterapia. Nesse tipo de rejeição, pode haver participação tanto da imunidade celular (rejeição aguda celular), como da humoral (rejeição aguda humoral), predominando um ou outro mecanismo. A rejeição aguda celular ocorre nos primeiros meses pós-transplante, com início súbito e é detectada pela deterioração clínica das funções do órgão. É muito importante o diagnóstico de rejeição celular, pois ela responde prontamente à terapia imunossupressora. A rejeição aguda humoral ou vascular (vasculite) ocorre geralmente nos primeiros meses pós-transplante ou tardiamente, quando a terapia imunossupressora é descontinuada. Em quase todos os pacientes há também evidências de rejeição aguda celular. Rejeição crônica 47 Usualmente evolui de forma insidiosa e não é passível de reversão com a terapêutica instituída. Esse tipo “crônico” pode surgir dentro de poucas semanas após o transplante, e é mais bem observado nos transplantes renais. Por se tratar de um processo inespecífico, é difícil identificar os mecanismos patogenéticos que levam a ela. 5.4 Imunossupressão Concomitantemente aos transplantes, e servindo de base para seu desenvolvimento, conforme vimos anteriormente, surgiu a moderna imunossupressão. Com a introdução da ciclosporina, inaugurou-se um novo e moderno estágio da terapia imunossupressora, caracterizado por maior seletividade e menor incidência de efeitos colaterais. Os benefícios das drogas imunossupressoras são: diminuição das chances de rejeição aguda do transplante, bem como das chances de rejeição crônica, e aumento da sobrevida do órgão (enxerto) transplantado. A imunossupressão tem evoluído da estratégia de citotoxicidade, com alta morbidade, para estratégias que procuram alterar a regulação da resposta imune, a fim de reduzir seletivamente as respostas contrárias ao órgão transplantado, almejando o estado ideal, que é a tolerância imunológica. Nos últimos anos várias drogas imunossupressoras, com função imunomoduladora conhecida, têm sido introduzidas na clínica ou nas pesquisas experimentais, e este fato tem permitido uma ampla variação nos esquemas de imunossupressão. A seguir, apresentamos os principais medicamentos imunossupressores utilizados atualmente. - Prednisona: corticosteroide usado como imunossupressor e também como reversor de rejeição estabelecida. Diminui a produção de anticorpos e inibe a formação do complexo 48 antígeno-anticorpo; deprime a maturação das células T. A principal vantagem deste em relação aos outros imunossupressores consiste no fato de que este não é tóxico ao órgão. Efeitos colaterais: aumento de peso, aumento do apetite, retenção de líquidos (edema), hipertensão arterial, acne, alteração de humor, insônia, alterações do nível de açúcar no sangue. - Ciclosporina: é um importante imunossupressor, inibe a produção e a liberação das linfocinas (fator de crescimento das células T); a dose é calculada por peso; nível da droga é dosado no sangue (coleta em jejum); efeitos colaterais: tremores, hipertensão, hirsutismo, cansaço, hipercalemia, náuseas e vômitos, desconforto gástrico, nefrotoxicidade. - Micofenolato Mofetil: imunossupressor que atua inibindo a proliferação de linfócitos; a dosagem varia de acordo com o órgão transplantado. Efeitos colaterais: diarreia, náuseas e vômitos, anemia, leucopenia, neutropenia, dor abdominal, gastrites, hipertensão, tonturas e vertigens, distúrbios do sono. - FK506: age na inativação das células T; dose calculada de acordo com o peso; nível da droga é dosado no sangue, em jejum e 1h antes da próxima dose; quando usado, substitui a ciclosporina. Efeitos colaterais: diarreia, náuseas e vômitos. - Azatioprina: age interferindo na multiplicação de células T; usado em combinação com outros imunossupressores. Efeitos colaterais: dores articulares, alopecia, etc. Cuidados de Enfermagem na Imunossupressão: Cuidados durante a administração: Administrar os imunossupressores sempre no mesmo horário, de acordo com a prescrição médica; Verificar a necessidade de coleta de exames antes da administração dos medicamentos ou duas horas após a administração, conforme protocolo hospitalar (Ex: coleta de dosagem de imunossupressor sérica); 49 Verificar se existe a necessidade de material especial para a administração do imunossupressor. (Ex: ciclosporina líquida em copo de vidro); Verificar aprendizagem e aderência do paciente e/ou cuidador em relação às medicações. Monitorização dos efeitos colaterais: Avaliar volume de diurese, devido ao efeito nefrotóxico; Observar episódios de convulsão/ tonturas e vertigens, associado frequentemente à dose de imunossupressor; Observar e avaliar alterações no padrão de sono, pois o paciente pode apresentar insônia; Observar alterações de comportamento do paciente; Observar episódios de cefaleia; Observar queda de cabelo, hipertricose, hipertrofia gengival, tremores de extremidades; Avaliar hábito intestinal, pois podem ocorrer episódios de diarreia; Observar episódios de náuseas, vômitos, flatulência; Investigar aceitação alimentar; Observar queixa de dor abdominal, que pode estar relacionado com a ocorrência de gastrite; Observar episódios de hipertensão ou hipotensão: dependendo do imunossupressor utilizado – principalmente OKT3 e ATG; Observar episódios de taquicardia; Observar episódios de febre: principalmente durante imunossupressão com OKT3 e ATG, além poder indicar presença de infecção (decorrente da imunossupressão); Observar presença de flebite em local de administração de ATG; Avaliar glicemia capilar, devido ao efeito hiperglicemiante das drogas imunossupressoras; Observar sinais e sintomas de hiperglicemia. 50 5.5 Infecções no Paciente Transplantado Apesar de todos os avanços na prática médica na ciência dos transplantes, a rejeição do enxerto e as infecções persistem como problemas críticos entre os transplantados. A grande maioria dos receptores de transplantes (70 a 80%) apresenta pelo menos um episódio de infecção no pós-transplante.
Compartilhar