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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA FACULDADE DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO E SAÚDE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM MORTE ENCEFÁLICA E TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS Alunos: Amanda Fernandes, Beatriz Pereira, Igor dos Santos e Marianne Lins. BRASÍLIA 2020 SUMÁRIO INTRODUÇÃO…………………………………………………………………….......3 DESENVOLVIMENTO…………………………………………………………..……. 5 1.1 MORTE ENCEFÁLICA……………………………………………………... 5 1.2 Diagnóstico de ME …………………………………………………………….. 6 1.2.1 Autorização familiar ………………………………………………………..13 1.3 Alterações fisiológicas no potencial doador……………………………...14 1.4 Manutenção do potencial doador …………………………………………..19 1.5 Logística para captação e distribuição…………………………………….22 1.6 Extração e manutenção dos órgãos……………………………………….23 1.7 Alocação ………………………………………………………………………...34 1.8 Transplantes de órgãos ……………………………………………………....34 1.9 Acompanhamento ……………………………………………………………..41 2. Aspectos éticos e legais ……………………………………………………….41 3. Caso clínico …………………………………………………………………….. 45 CONCLUSÃO………………………………………………………………………...50 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS……..…………......................................... 51 2 1. INTRODUÇÃO A morte encefálica (ME) se define como a perda completa e irreversível de todas as funções do encéfalo incluindo o tronco encefálico, ou seja, representa a morte clínica do paciente. Devido a uma severa lesão cerebral a circulação corporal que supre o cérebro é bloqueada e o tecido cerebral morre. O cliente apresenta sinais vitais como frequência cardíaca e pressão arterial, no entanto, esses são mantidos de forma mecânica e não de forma fisiológica, pois, a função cerebral cessou (BRUNNER, STUDDARTH, 2015). Algumas condições como o acidente vascular encefálico (AVE), o trauma cranioencefálico, os tumores e infecções do sistema nervoso central e a encefalopatia anóxica pós parada cardíaca, podem causar a cessação da circulação cerebral, logo, a morte encefálica (SOUZA et al, 2015). No coma, ou estado vegetativo persistente há recuperação neurológica em menor ou maior grau. Sendo assim, é de extrema importância a diferenciação desses quadros para a morte encefálica pois no coma o indivíduo está vivo e pode respirar quando o ventilador é removido e/ou ter atividade cerebral e fluxo sanguíneo no cérebro, já na ME não (GARCIA, et al, 2017). Para se ter certeza da irreversibilidade da doença, a causa de ME precisa ser conhecida e bem documentada por exame de imagem ou exames laboratoriais pois caso não tenha uma gravidade compatível com os achados clínicos ou o quadro neurológico for de origem desconhecida, não se deve seguir o protocolo de diagnóstico de ME (GARCIA, et al, 2017). Os três principais sinais de morte encefálica no exame clínico são o coma, a ausência de reflexos do tronco encefálico e a apneia persistente, e para a obtenção do diagnóstico conclusivo é necessário um exame clínico, juntamente com exames complementares de imagens. Somente após a realização do protocolo de ME completo é que a equipe responsável poderá fornecer informações adequadas às famílias sobre o óbito e assinar o atestado de óbito. (BRUNNER, STUDDARTH, 2015; GOMES et al, 2020). Se o paciente for um potencial doador de órgãos, os cuidados de manutenção devem permanecer até a entrevista familiar, e se for doador efetivo, até a retirada dos órgãos, caso o paciente tenha sido avaliado pela 3 Central Estadual de Transplantes e haja alguma contraindicação para doação, o suporte avançado de vida é suspenso (GOMES et al, 2020). Logo após o diagnóstico da morte encefálica, deve-se notificar a Central de Transplantes, porém a decisão da doação de órgãos é da família, sendo cônjuge, parentes de primeiro ou segundo grau na presença de duas testemunhas. É de fundamental importância oferecer as informações necessárias e o devido suporte para que a família possa colaborar com o processo de doação e transplante se essa for a sua vontade (GARCIA, et al, 2017). O transplante e a doação de órgãos são medidas que visam manter a vida de um grande número de pessoas. Trata-se de uma modalidade terapêutica para aqueles que são portadores de doenças com prognóstico de falência de um determinado órgão e possivelmente virão à óbito. No entanto, aos que sofrerem morte encefálica podem evoluir para o status de possível doador de órgão (DE FARIA LIMA, 2012). No Brasil, para que ocorra o processo de doação de órgãos de um indivíduo diagnosticado com ME, é preciso da autorização da família, além disso, é de extrema importância o treinamento da equipe quanto ao esclarecimento e o acompanhamento dos familiares. Estudos mostram que a falta de esclarecimento à família contribui para o número alto de recusas para doação de um potencial doador (MORAES, 2014). Dessa forma, vê-se que os enfermeiros da unidade de terapia intensiva apresentam um papel importante na manutenção das funções vitais do potencial doador, nas relações com a família de pacientes em morte encefálica e em todo o processo de doação e transplante. Logo, para que isso ocorra de maneira efetiva, é preciso um conhecimento científico e técnico a respeito de todos os aspectos da morte encefálica e da doação de órgãos, a fim de obter melhor qualidade no atendimento (COSTA, COSTA, 2016). 4 1. MORTE ENCEFÁLICA A morte encefálica (ME) é definida como a completa e irreversível perda das funções cerebrais e do tronco encefálico. Trata-se da morte do indivíduo, e, em função disso, torna-se de extrema importância diferenciá-la do coma, ou estado vegetativo persistente, no qual pode haver recuperação neurológica em menor ou maior grau, o que definitivamente não ocorre na ME (GARCIA, et al, 2017). Ao contrário da morte encefálica, no estado vegetativo persistente pode haver um estado mínimo de consciência. Além disso, há atividade completa ou parcial do tronco cerebral, manutenção da respiração e circulação de forma, atividade completa ou parcial das funções do hipotálamo e ciclos de sono-vigília (GARCIA, et al, 2017). Dessa forma, a morte encefálica é caracterizada pela inconsciência, ausência de atividade do tronco cerebral, não há manutenção da respiração e circulação de forma autônoma, há perda parcial das funções do hipotálamo e não há ciclos de sono-vigília (GARCIA, et al, 2017). As principais causas da morte encefálica são: traumatismo crânio encefálico (TCE), acidente vascular encefálico (AVE), encefalopatia anóxica pós-parada cardíaca, tumores e infecções do SNC. Essas doenças podem atuar de várias formas na gênese da ME, seja através do aumento da pressão intracraniana, da perda significativa de massa encefálica e/ou da interrupção do fluxo sanguíneo encefálico (GARCIA, et al, 2017). Contudo, vê-se que é imprescindível que a causa da ME seja conhecida e bem documentada por exame de imagem ou exames laboratoriais, pois somente desse modo é possível garantir a irreversibilidade da doença. Ao tratar-se de um quadro neurológico de origem não identificada, ou de gravidade não compatível com os achados clínicos, o protocolo paradiagnóstico de ME não deve ser iniciado (GARCIA, et al, 2017). 5 1.2 Diagnóstico de morte encefálica A resolução 2.173 de 2017 do Conselho Federal de Medicina explana a metodologia de diagnóstico de ME, que será descrita abaixo. Muitos exames e um tempo adequado de observação do paciente são necessários, pois, o diagnóstico da ME precisa ter 100% especificidade e jamais pode haver um falso diagnóstico. Inicialmente, na suspeita de ME a família é comunicada e a equipe de saúde capacita e explica os processos de determinação e constatação da ME. Enquanto o processo acontece, os familiares são atualizados com novas informações a cada nova etapa. Além disso, a Central Estadual de Transplantes precisa ser notificada que a determinação de ME foi iniciada (WESTPHAL et al, 2019). O processo de determinação da ME iniciará quando houver coma não perceptivo (profundo), a ausência de reflexos do tronco encefálico/supraespinhal e apneia persistente. A escala de Glasgow deve marcar 3 pontos. O paciente considerado em ME deve apresentar alguns pré-requisitos clínicos: primeiramente, a presença definida de uma lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar morte encefálica; além disso, ausência de fatores tratáveis; deve estar em tratamento e observação em hospital pelo período mínimo de seis horas, exceto quando a causa da lesão for encefalopatia hipóxico-isquêmica, assim o período de tratamento e observação deverá ser de, no mínimo, 24 horas; sinais vitais apresentando temperatura corporal, avaliada pelas vias esofagiana, vesical ou retal, superior a 35°C, saturação arterial de oxigênio acima de 94% e pressão arterial sistólica (PAS) maior ou igual a 100 mmHg ou pressão arterial média (PAM) maior ou igual a 65 mmHg para adultos. Para crianças, há uma variação na pressão arterial quanto a idade, sendo, até 5 meses incompletos PAS 60 e PAM 43, de 5 meses a 2 anos incompletos PAS 80 e PAM 60, se 2 anos a 7 anos incompletos PAS 85 e PAM 62, de 7 a 15 anos PAS 90 e PAM 65 (CFM, 2017). A avaliação clínica deve revelar, sem dúvidas, a existência do coma profundo e ausência total de reatividade supraespinhal manifestada pela 6 ausência dos reflexos fotomotor, córneo-palpebral, oculocefálico, vestíbulo-calórico e de tosse. Se houver alterações morfológicas ou orgânicas, congênitas ou adquiridas, que impossibilitam a avaliação bilateral dos reflexos, será possível realizar o exame em um dos lados, e, assim que constatada ausência de reflexos do lado sem alterações morfológicas, orgânicas, congênitas ou adquiridas, continuará o processo das demais etapas para determinação de morte encefálica. Dois exames clínicos precisam ser feitos no processo de diagnóstico de ME, feitos por médicos diferentes capacitado para realizá-lo, não necessariamente sendo especialista em neurologia, porém, um dos profissionais preferencialmente deve ser especialista em medicina intensiva, medicina intensiva pediátrica, neurologia, neurologia pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência. O exame clínico estabelece o diagnóstico de ME e exames complementares de neuroimagem confirmam a condição. O segundo exame clínico, feito por outro médico, deve ter intervalo de uma hora nos pacientes com idade igual ou maior a dois anos de idade (CFM, 2017). Ainda na avaliação clínica, deve-se observar atentamente o paciente, na unidade de tratamento intensivo, a fim de que algumas condições não agravarem ou causem o estado comatoso e enviesar a determinação da ME. Analisar a presença de distúrbio hidroeletrolítico, ácido-básico/endócrino e intoxicação exógena grave e se essas situações são capazes de causar ou agravar o quadro clínico, a consequência da ME ou somática. A temperatura corporal também precisa ser mensurada e avaliada, pois a hipotermia é fator que pode confundir a determinação de ME, pois reflexos de tronco encefálico podem desaparecer quando a temperatura corporal central é menor ou igual a 32 °C. Para tanto, é necessário que a hipotermia seja corrigida até alcançar 35° (por vias esofagiana, vesical ou retal) antes do diagnóstico e ME. A última circunstância que deve ser analisada antes de determinar ME é o uso contínuo de fármacos com ação depressora do Sistema Nervoso Central (FDSNC) e bloqueadores neuromusculares (BNM), especialmente nos pacientes com função renal e hepática normais e que não foram submetidos à hipotermia terapêutica, é necessário esperar intervalo mínimo de quatro a cinco meias-vidas após a suspensão dos fármacos para começar a avaliação de ME (CFM, 2017). 7 Obrigatoriamente, para diagnosticar a ME, realiza-se alguns procedimentos para confirmar a lesão cerebral e a cessação do fluxo sanguíneo cerebral (CFM, 2017). Na realização dos dois exames clínicos procura estimular alguns reflexos do tronco encefálico a fim de confirmar ausência da função (CFM, 2017). a) Ao exame clínico, observa-se o coma não perceptivo, ou seja, o estado de inconsciência permanente com ausência de qualquer resposta motora supraespinhal a qualquer estimulação, particularmente dolorosa intensa em região supraorbitária, trapézio e leito ungueal dos quatro membros. Se houver reflexos tendinosos profundos, movimentos de membros, atitude em opistótono ou flexão do tronco, adução/elevação de ombros, sudorese, rubor ou taquicardia, de forma espontânea ou durante a estimulação não invalida a determinação de ME, pois, indicam apenas a persistência de atividade medular. Além disso, é necessário avaliar a ausência de reflexos do tronco cerebral. b) No reflexo fotomotor, as pupilas deverão estar fixas e sem resposta à estimulação luminosa intensa (lanterna), podendo ter contorno irregular, diâmetros variáveis ou assimétricos para confirmar ausência de estímulo. c) Ao reflexo córneo-palpebral é confirmado a ausência de resposta de piscamento à estimulação direta do canto lateral inferior da córnea com gotejamento de soro fisiológico gelado ou algodão embebido em soro fisiológico ou água destilada. A ausência de desvio do(s) olho(s) durante a movimentação rápida da cabeça no sentido lateral e vertical confirma a ausência do reflexo oculocefálico. Não é recomendada a realização em pacientes com lesão de coluna cervical suspeitada ou confirmada. 8 d) Para analisar o reflexo vestíbulo-calórico posiciona a cabeça do cliente em posição supina e a 30°, irriga o conduto auditivo externo com 50 a 100 ml de água fria (± 5 °C) e observa durante um minuto. A ausência do reflexo é confirmada pela ausência de desvio do(s) olho(s) durante esse um minuto de observação. O intervalo mínimo do exame entre ambos os lados deve ser de três minutos. e) No reflexo de tosse há uma estimulação traqueal com uma cânula de aspiração e a ausência é confirmada quando não há tosse ou bradicardia reflexa. Um teste de apneia é feito para confirmar a ausência de movimentos respiratórios após estimulação máxima dos centros respiratórios. Deverá ser apenasuma vez por um dos médicos responsáveis pelo exame clínico e deverá comprovar ausência de movimentos respiratórios na presença de hipercapnia (PaCO2 superior a 55 mmHg), ou seja, a situação de apneia (CFM, 2017). Altos níveis de gás carbônico estimulam o centro respiratório que está no bulbo, portanto, é verificado o estímulo do centro respiratório à situação de hipercapnia (BRASIL, 2016). O teste é obrigatório no diagnóstico de ME e o método precisa ser seguro para permitir a obtenção dessa estimulação máxima, prevenindo a ocorrência de hipóxia concomitante e minimizando o risco de intercorrências. Lembrando que, o paciente necessita de SSVS clinicamente estáveis como temperatura corporal (esofagiana, vesical ou retal) superior a 35°C, saturação arterial de oxigênio acima de 94% e pressão arterial sistólica maior ou igual a 100 mmHg ou pressão arterial média maior ou igual a 65 mmHg para adultos. A técnica consiste em, primeiramente, ventilar o cliente com FiO2 de 100% por, no mínimo, 10 minutos para atingir idealmente PaO2 igual ou maior a 200 mmHg e PaCO2 entre 35 e 45 mmHg. Em seguida, instalar oxímetro digital e colher gasometria arterial inicial recomendação por cateterismo arterial. Logo após, desconectar ventilação mecânica, e, estabelecer fluxo contínuo de O2 por um cateter intratraqueal ao nível da carina (6 L/min), ou tubo T (12 L/min) ou CPAP (até 12 L/min + até 9 10 cm H2O). Após cessar ventilação, observar a presença de qualquer movimento respiratório por oito a dez minutos. Nesse meio tempo, prever a elevação da PaCO2 de 3 mmHg/min em adultos e de 5 mmHg/min em crianças para estimar o tempo de desconexão necessário. Na finalização do teste, deve ser colhido gasometria arterial final e em seguida reconectar ventilação mecânica (CFM, 2017). O resultado do teste pode ser positivo, inconclusivo ou negativo. É positivo quando há PaCO2 final superior a 55 mmHg, sem movimentos respiratórios, mesmo que o teste tenha sido interrompido antes dos dez minutos previstos. É considerado inconclusivo se PaCO2 final menor que 55 mmHg e ausência de movimentos respiratórios. O resultado é negativo se houver presença de movimentos respiratórios, mesmo débeis, com qualquer valor de PaCO2. O profissional precisa estar atento para o fato de que em pacientes magros ou crianças os batimentos cardíacos podem mimetizar movimentos respiratórios débeis (CFM, 2017). Os pacientes que não suportam a desconexão do ventilador por alguma condição respiratória que não permite obter uma persistente elevação da PaCO2, sem hipóxia concomitante precisam ser introduzidos a outra metodologia. Nesse caso, é necessário conectar ao tubo orotraqueal uma “peça em T” acoplada a uma válvula de pressão positiva contínua em vias aéreas (Continuous Positive Airway Pressure - CPAP) com 10cmH2O e fluxo de oxigênio a 12 L/minuto. Então, o teste de apneia é realizado em equipamento específico para ventilação não invasiva, que permita conexão com fluxo de oxigênio suplementar. O teste de apneia não deve ser realizado em ventiladores que não garantam fluxo de oxigênio no modo CPAP, o que resulta em hipoxemia (CFM, 2017). Os critérios para interrupção do teste são: hipotensão (PA sistólica < 100 mmHg ou PA média < que 65 mmHg), hipoxemia significativa ou arritmia cardíaca, e, portanto, deverá ser colhida uma gasometria arterial e reconectado o respirador, interrompendo-se o teste. Se o PaCO2 final for inferior a 56 mmHg, após a melhora da instabilidade hemodinâmica, deve-se refazer o teste (CFM, 2017). 10 Alguns exames complementares, tais como estudos de fluxo sanguíneo cerebral, eletroencefalograma (EEG), doppler transcraniano e potencial evocado auditivo do tronco encefálico, são frequentemente usados para confirmar a ausência de atividade encefálica. Deve comprovar de forma inequívoca uma das condições de ausência de perfusão sanguínea encefálica, ausência de atividade metabólica encefálica ou ausência de atividade elétrica encefálica. A escolha de qual exame levará em consideração a disponibilidade do local e a situação clínica do paciente. E, o laudo do exame complementar deverá ser elaborado e assinado por médico especialista no método em situações de morte encefálica (CFM, 2017). Os exames que serão realizados, de forma obrigatória, para complementar o diagnóstico são: 1. a angiografia cerebral usada para mostrar a ausência de fluxo intracraniano. Injeta-se um contraste nas artérias carótidas e vertebrais. É desvantajoso, pois, há necessidade de transporte do paciente para a sala cirúrgica e o uso de contraste, que pode interferir na função renal do paciente; 2. uma outra opção, é o eletroencefalograma que constata inatividade elétrica, ou, o silêncio elétrico do cérebro, definido pela Sociedade Brasileira de de Neurofisiologia Clínica como ausência de atividade elétrica cerebral com potencial superior a 2 μV. É vantajoso pois pode ser feito a beira do leito, porém, o resultado pode ser alterado devido a interferência com outros dispositivos eletrônicos; 3. o Doppler Transcraniano é um método não invasivo para avaliar o fluxo sanguíneo cerebral através das janelas ósseas. Na ME revela a ausência de fluxo sanguíneo intracraniano pela presença de fluxo diastólico reverberante e pequenos picos sistólicos na fase inicial da sístole. É vantajoso, pois, é um exame portátil, feito ao lado do leito do paciente. No entanto, pode apresentar falsos negativos, revelando fluxo sanguíneo cerebral mesmo em casos de ME, nos pacientes submetidos à craniectomia descompressiva ou válvula de derivação 11 ventricular, neonatos com fontanela aberta e uso de balão intra-aórtico; 4. e, a última indicação de exame complementar é a cintilografia (SPECT Cerebral), na qual, injeta-se um radioisótopo tecnécio 99m para avaliar a circulação. É desvantajoso porque também requer a remoção do paciente até o local adequado para realização do exame. O exame positivo confirma a ausência de perfusão ou metabolismo encefálico. (BRASIL, 2016; CFM, 2017). Alguns exames, como a angiografia cerebral e o doppler transcraniano, não são afetados pelo uso de drogas depressoras do sistema nervoso central ou distúrbios metabólicos, e, por isso, são os mais indicados quando nessas situações. Se houver, pequena, presença de perfusão sanguínea cerebral e pequena atividade elétrica significa a existência de atividade cerebral focal residual, se o exame for repetido em alguns dias revelará, de forma implacável, o desaparecimento dessa atividade (CFM, 2017). A determinação do diagnóstico de ME é concluída quando todas as etapas e exames foram realizados. Dessa forma, o paciente é considerado morto. O termo de declaração de morte encefálica (TDME) deve ser preenchido, com todas as assinaturas, exames e laudos por médico especialista e enviado para a central estadual de transplantes (CET) (BRASIL, 2016). O diagnóstico de ME é obrigatório e a notificação compulsória para a Central de Notificação,Captação e Distribuição de órgãos (CNCDO), independente da possibilidade de doação ou não de órgãos e/ou tecidos segundo a Lei 9434/1997 (BRASIL, 1997). 1.2.1 Autorização familiar Após notificação à Central de Transplantes, a declaração de óbito é preenchida, em seguida, os familiares são comunicados quanto ao óbito. É válido ressaltar, que de forma ética, a menção de doação de órgãos somente deverá ser mencionada após a comunicação da morte. Caso, a doação seja inviável, pela condição do paciente, o suporte vital deverá ser desligado após 12 comunicação com familiares. Todo o processo de determinação de ME é um ato legal e deve ser obrigatoriamente documentado pelo médico no Termo de Declaração de ME (TDME), no prontuário e na Declaração de Óbito (DO) e deve ser preenchido pela equipe médica responsável pela determinação do diagnóstico (WESTPHAL et al, 2019). Na entrevista familiar, o profissional de saúde deve comunicar-se de forma eficiente e fazer com que a família entenda completamente do diagnóstico de ME, e que a família precisa receber a oportunidade de tornar-se uma família doadora. Os profissionais de saúde precisam ser treinados para promover escuta ativa e qualificada, prestar amparo à família em óbito e promover influência no processo de doação de órgãos. A entrevista precisa acontecer em local tranquilo e protegido, e, o profissional precisa usar linguagem simples e ter sensibilidade e empatia (BRASIL, 2019). Comunicar a família do doador elegível é um processo muito complicado que exige muita sensibilidade, clareza e habilidade do profissional para que a família compreenda que a morte encefálica é morte e que o processo de aceitação do óbito precisa iniciar-se. Após o diagnóstico de ME, é necessário realizar a entrevista familiar do potencial doador, esclarecer as dúvidas e dar autonomia da escolha do processo aos familiares, a fim de possibilitar o consentimento da família do doador falecido. No Brasil, a autorização da doação de órgãos e tecidos é responsabilidade da família. O falecido, de acordo com o decreto 9.175/2017, consente, em vida, de forma livre e esclarecida a manifestação a doação. O cônjuge, companheiro ou algum familiar de parente sanguíneo maior de idade e juridicamente capaz, na linha reta ou colateral, até o segundo grau, formaliza em documento subscrito por duas testemunhas a verificação da morte. A conversa deve ser realizada em local privativo e apropriado longe da presença do doador e com todo o conforto possível, onde a família sinta-se segura e acolhida (VELASCO et al, 2020). Após a comunicação de óbito, pela equipe médica, a família do paciente potencial doador, será entrevistada por uma equipe diferente, composta pelos membros da CIHDOTT (Comissão Intra Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes), quanto à possibilidade de doação. Se for aprovada, o suporte ao potencial doador de órgãos deve ser mantido até o momento da 13 captação e extração dos órgãos. O CET gera a seleção dos receptores e agenda a retirada. Depois da extração, o corpo é devolvido à família ou encaminhado ao IML, em casos de morte violenta, junto com documentação necessária, ou seja, autorização familiar, relatório de retirada e TDME (BRASIL, 2016). 1.3 ALTERAÇÕES FISIOLÓGICAS NO POTENCIAL DOADOR A morte encefálica é um processo complexo que altera de forma dramática a fisiologia e a bioquímica celulares de todos os sistemas orgânicos. A síndrome clínica da morte encefálica produz mudanças bruscas na pressão arterial, hipoxemia, hipotermia, coagulopatia, distúrbios eletrolítico e hormonal. É um estado inflamatório que leva a perturbações celulares e moleculares, capazes de afetar a função dos órgãos potencialmente disponíveis para transplante (TUTTLE N et al, 2003). Tendo em vista que a ME ocasiona efeitos deletérios sobre os Potenciais Doadores (PDs), vê-se que as principais alterações fisiológicas decorrentes desse evento são a hipotensão arterial, prevalente em 81% dos casos, seguida do diabetes insipidus (DI), que surge em 78%, e coagulação intravascular disseminada, presente em 28% dos PDs ( RECH E FILHO, 2007). Essas alterações, quando não tratadas adequadamente, são as principais causas da não efetivação do transplante de órgãos e tecidos. Para evitar esse problema, torna-se necessário o conhecimento dos profissionais intensivistas quanto ao reconhecimento precoce e à consequente manutenção deste organismo a fim de preservar os órgãos antes que ocorra a parada cardíaca (GUIMARÃES et al, 2009). A morte encefálica representa o processo final de progressão da isquemia cerebral que evolui no sentido rostrocaudal até envolver regiões do mesencéfalo, ponte e medula, culminando com a herniação cerebral através do forâmen magno (RECH E FILHO, 2007). O momento que precede a herniação cerebral é marcado por extremas elevações da pressão intracraniana, acompanhada da tríade de Cushing (hipertensão arterial, bradicardia e bradipnéia), que representa o esforço final do organismo na tentativa de manter a perfusão cerebral (RECH E FILHO, 2007) 14 A falência desse mecanismo promove a progressão da isquemia que, ao atingir a medula, interrompe a atividade vagal, levando a resposta autonômica simpática maciça, chamada de “tempestade autonômica”. Essa estimulação simpática desenfreada tem curta duração e caracteriza-se por taquicardia, hipertensão, hipertermia e aumento acentuado do débito cardíaco (HEVESI ZG et al, 2006). A gravidade dessas alterações está associada com a velocidade de instalação da hipertensão intracraniana e da herniação cerebral. Subseqüentemente, a tempestade autonômica cessa e o resultado é a perda do tônus simpático, com profunda vasodilatação e depressão da função cardíaca, que, se não tratadas, devem progredir para assistolia em torno de 72 horas (JIANG E DOWNING, 2008). ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES Várias alterações eletrocardiográficas podem ser vistas: depressão ou elevação do segmento ST, ondas T invertidas, alargamento dos complexos QRS e prolongamento do intervalo QT (RECH E FILHO, 2007). Isso acontece devido à intensa liberação de catecolaminas durante a descarga autonômica a qual produz grande vasoconstrição, que acarreta hipertensão arterial, taquicardia e aumento da demanda de oxigênio do miocárdio, podendo causar isquemia e necrose miocárdica, além de disritmias cardíacas. A morte encefálica associa-se às disfunções sistólica e diastólica do coração. A maciça liberação de catecolaminas na circulação periférica, após uma catástrofe neurológica, ocasiona uma resposta hiperdinâmica que mimetiza as crises hipertensivas do feocromocitoma. Lesão subendocárdica é muito freqüente. Ao exame ecocardiográfico, até 43% dos corações de doadores com morte encefálica revelam algum grau de disfunção (RECH E FILHO, 2007) Após cessar a tempestade autonômica, o resultado é a perda do tônus simpático, com profunda vasodilatação e hipotensão arterial grave, sendo esta a alteração fisiológica mais grave da ME, gerando disfunçãocardíaca e instabilidade hemodinâmica, que, se não tratadas, devem progredir para assistolia em torno de 72 horas (FREIRE et al, 2012) 15 Szabó (2004) sugeriu que as alterações cardíacas do doador são reflexos das condições da pré e pós-carga ventricular e da perfusão coronariana, não de lesão cardíaca irreversível em virtude da reação de Cushing inicial e depleção hormonal. A morte encefálica leva a profundas alterações de pós-carga em decorrência da vasodilatação extrema, que repercute na pré-carga, diminuída de formas relativa e absoluta; causando hipoperfusão coronariana. A hipotensão arterial é a alteração fisiológica mais freqüente da morte encefálica. A vasodilatação produz grande aumento da capacitância do sistema vascular, produzindo hipovolemia relativa. A hipovolemia absoluta é conseqüência das perdas sangüíneas pelo trauma, da reanimação inadequada do doador, do uso de tratamento osmótico para hipertensão intracraniana, da diabete insipidus, além da diurese osmótica causada pela hiperglicemia e dos efeitos da hipotermia sobre a diurese (RECH E FILHO, 2007). No entanto, o colapso circulatório resultante desse mecanismo é reversível, e a otimização da pré e pós-carga no doador resulta na melhora da contratilidade miocárdica, tornando viáveis para transplante, corações inicialmente considerados marginais (RECH E FILHO, 2007). ALTERAÇÕES PULMONARES Durante o período de intensa descarga adrenérgica o sangue é redistribuído e ocorre um aumento do retorno venoso ao ventrículo direito o qual aumenta rapidamente seu débito, aumentando o fluxo pulmonar. Simultaneamente a pressão de átrio esquerdo está elevada devido a vasoconstrição periférica intensa de tal forma que a pressão hidrostática capilar é muito aumentada promovendo ruptura de capilares com edema intersticial e hemorragia alveolar. Tais alterações manifestam-se com o desequilíbrio ventilação perfusão e hipoxemia (GUETTI e MARQUES, 2008). O aumento da permeabilidade vascular ocorre também no território pulmonar, como resposta às alterações inflamatórias que cursam com a morte encefálica. Pacientes em coma podem ter lesão pulmonar por trauma, pneumonite de aspiração e embolia gordurosa (RECH E FILHO, 2007). ALTERAÇÕES ENDÓCRINAS 16 A morte encefálica evolui para uma falência progressiva do eixo hipotalâmico-hipofisário. Com isso, há um declínio gradual e inexorável das concentrações hormonais, principalmente do hormônio antidiurético (ADH) (RECH E FILHO, 2007). O principal efeito fisiológico do ADH consiste na conservação de água no organismo, através da formação de urina hipertônica. Logo, a falta desse hormônio, que ocorre em 80% dos casos, leva ao quadro de Diabetes insipidus, a qual caracteriza-se por grandes volumes de diurese hiposmolar, com hipovolemia secundária, hipernatremia e hiperosmolaridade sérica (RECH E FILHO, 2007 ; WESTPHAL et al, 2011). Quando o diabetes insipidus resulta de uma deficiência de vasopressina, nesse caso, o ADH, recebe o nome de diabetes insipidus central; e ainda, pode ser parcial (quantidade insuficiente de vasopressina) ou total (ausência da vasopressina); primário (decorre de anormalidades genéticas do gene da vasopressina) ou secundário (adquirido) (CHAPMAN, 2019). Logo, na morte encefálica, a DI acaba sendo uma importante causa de hipotensão e hipoperfusão tecidual, produzindo inúmeros distúrbios eletrolíticos além da hipernatremia, que contribuem para o desenvolvimento de disritmias cardíacas e depressão miocárdica (RECH E FILHO, 2007). Além dessa alteração, vê-se que logo após a morte encefálica, são constatadas diminuições bruscas nos níveis de tri-iodotironina (T3) e tiroxina (T4); sendo estes, os melhores indicadores de disfunção do eixo tireoidiano-hipofisário. Quando isso acontece, há uma implicação direta na redução da contratilidade cardíaca, com depleção de fosfatos de alta energia e mudança do metabolismo aeróbico para anaeróbico, contribuindo para a piora da acidose metabólica e da perfusão tecidual dos órgãos do doador (RECH E FILHO, 2007). Todas essas alterações acontecem pois os hormônios tireoidianos exercem diversos efeitos por todo o corpo, como: aumento da taxa metabólica basal, efeito calorigênico, estimulação da síntese de proteínas e aumentam o uso de glicose e ácidos graxos para produção de ATP; intensificam ações de algumas catecolaminas, como noepinefrina e epinefrina; e junto com o hormônio de crescimento e insulina, aceleram o crescimento corporal (TORTORA, 2014). 17 A secreção de insulina também está comprometida, podendo produzir hiperglicemia. ALTERAÇÕES HEPÁTICAS E DA COAGULAÇÃO No fígado ocorre depleção dos estoques de glicogênio e redução da perfusão sinusoidal hepática. Alterações das transaminases e das bilirrubinas são incomuns (RECH E FILHO, 2007). A coagulopatia é bastante freqüente. A lesão do tecido cerebral libera tromboplastina tecidual e outros substratos ricos em plasminogênio. Esses fatores, somados à hemorragia, transfusões, diluição dos fatores de coagulação, acidose e hipotermia, favorecem o desenvolvimento de coagulação intravascular disseminada (POWNER et al, 2000). ALTERAÇÕES DA TEMPERATURA A regulação hipotalâmica da temperatura é perdida com a morte encefálica. A vasodilatação extrema típica da síndrome, associada à inabilidade de tremer para produzir calor, além da infusão de grandes volumes de fluidos não aquecidos, resulta em diminuição da temperatura de forma muito rápida. A hipotermia induz a diversos efeitos deletérios, como disfunção cardíaca, disritmias, coagulopatia, desvio da curva de dissociação da hemoglobina para a esquerda e diurese induzida pelo frio (POWNER et al, 2000). ALTERAÇÕES IMUNOLÓGICAS A síndrome da morte encefálica é um estado inflamatório. A ativação de mediadores inflamatórios como complemento, tromboxanos e fatores leucocitários têm papel central nos eventos que permeiam a morte encefálica. À medida que o tempo passa, ocorre contínua infiltração inflamatória nos tecidos, o que aumenta a imunogenicidade dos enxertos (RECH E FILHO, 2007) Detectam-se altos níveis de citocinas pró-inflamatórias em diversos órgãos, que desencadeiam e amplificam a resposta imunológica aguda no receptor. Watss et al (2013), faz uma comparação entre resultados de órgãos transplantados que mostram que os episódios de rejeição aguda são mais 18 comuns e mais graves em órgãos captados de doadores com morte encefálica do que naqueles de doadores vivos. RECH e FILHO (2007), apresentam em seu estudo uma tabela referente a incidência de alterações fisiológicas após a Morte Encefálica. Com ela, vê-se que há maior prevalência de Hipotensão arterial (81%), seguido de Diabetes insipidus (78%), Coagulação intravascular disseminada (28%), Disritmias cardíacas (25%), Edema pulmonar (18%) e Acidose metabólica (11%). 1.4. MANUTENÇÃO DO POTENCIAL DOADOR MANUTENÇÃO VOLÊMICA E VASCULAR Tendo em vista a hipotensão grave, que ocorre após tempestade autonômica (ou sináptica) pela perda do tônus vascular, juntamente ao relevante perda de volume pela ausência de ADH,faz-se necessário o uso de desmopressina (escolha primária), fármaco análogo a vasopressina (escolha secundária), de 0,25 – 1,0 mcg EV 6/6 h OU 0,5 mcg/h EV contínuo até diurese < 4 ml/kg/h, que é capaz de reduzir a produção de urina. Pode ser utilizado também, vasoconstritores, como adrenalina, para melhorar tônus vascular. Onde, juntamente a reposição hídrica (20 ml/kg de cristalóide aquecido), mantém o volume adequado para a manutenção do organismo (TANNOUS et al, 2018). A reposição por transfusão sanguínea (hemoglobinas ou plaquetas) também podem ser realizada. Porém, deve ser realizada se Hb < 10 g/dl em potenciais doadores quando houver instabilidade hemodinâmica associada à não obtenção das metas de ressuscitação; ou transfusão de plaquetas se houver 19 sangramento ativo significativo associado à plaquetopenia (WESTPHAL et al, 2011). MANUTENÇÃO DA VENTILAÇÃO Sabendo que, os prejuízos respiratórios na situação de morte encefálica interfere na ventilação espontânea e oxigenação corporal, utiliza-se então, o ventilador mecânico no modo volume ou pressão controlada, volume corrente 6 a 8ml/kg de peso ideal, ajustar FiO2 para obter PaO2 ≥ 90 mm Hg, PEEP 5 a 10, Pplatô < 30 cmH2O, para manter o organismo. Porém, quando há lesão pulmonar aguda ou síndrome do desconforto respiratório agudo, gerando uma dificuldade de oxigenação, VC 5 a 8 ml/kg de peso ideal, ajustar FiO2 para obter PaO2 ≥ 60 mm Hg e/ou SatO2 na gasometria arterial > 90, Pplatô < 30 cmH2O (TANNOUS et al, 2018; WESTPHAL et al, 2011). MANUTENÇÃO ENDÓCRINA E METABÓLICA Após a tempestade sináptica, há uma drástica diminuição do gasto energético total, fazendo com que o indivíduo gaste em torno de 15% a 30% menos calorias de seu gasto energético basal. Essa queda é provocada devido a ausência da contratilidade espontânea da musculatura, juntamente a inatividade de todo encéfalo, que é responsável por uma grande demanda de energia. Portanto, a dieta enteral ou parenteral deve ser administrada, ofertando de 70 a 85% do gasto energético basal do paciente, para suprir suas necessidades nessa situação. Todavia, a dieta deverá ser suspensa caso haja grandes infusões de drogas vasoativas (WESTPHAL et al, 2011). A glicemia desse indivíduo também deve ser monitorada, pois após a tempestade sináptica, há uma maior resistência à insulina nos tecidos periféricos e a diminuição da liberação de insulina secretada pelo pâncreas. Resultando assim, em um estado de hiperglicemia, que deve ser monitorado com o objetivo de manter glicemia menor que 180 mg/dl. A infusão de insulina pode ser uma escolha para esse controle, caso o nível glicêmico apresenta-se maior que 180 mg/dl (TANNOUS et al, 2018). 20 MANUTENÇÃO ELETROLÍTICA E DO PH Em decorrência da Diabetes Insipidus, o aumento da concentração de sódio sérico pode levar a hipernatremia, apontada como pior prognóstico para função do enxerto no estudo de Westphal et al (2011). Portanto, recomenda-se nesses casos, a correção da hipernatremia administrando água livre IV na forma de solução glicosada a 5% ou com solução salina a 0,45%, mantendo infusão de cristalóide (caso haja instabilidade hemodinâmica). Mantendo assim, sódio sérico entre 130-150 mEq/L e o débito urinário entre 0,5-4ml/kg/h (WESTPHAL et al, 2011). Os níveis de Mg++, PO4-, Ca++, e K+ podem se apresentar em taxas reduzidas a níveis séricos pelo mesmo motivo de fatores hemodinâmicos. Portando pode ser necessário corrigir níveis de magnésio, fósforo, cálcio e potássio caso o indivíduo apresente descompensação dos mesmos (WESTPHAL et al, 2011). O pH pode encontrar-se alterado nessas condições pela hipoperfusão (aumentando a respiração anaeróbicas e suas consequências), pela poliúria, ou hiper ou hipoventilação do ventilador mecânico (VM). Assim, torna-se necessário monitorar e controlar o pH, de preferência por meio do VM (pois o uso de bicarbonato de sódio pode ser deletério), mantendo-o entre 7,35 e 7,45 (WESTPHAL et al, 2011). ‘ CONTROLE DA INFLAMAÇÃO De acordo com Westphal et al (2011), a terapia de reposição hormonal, por meio de corticosteróides, pode resultar em maior número de órgãos obtidos e uma maior qualidade na função pós-transplantes de alguns desses órgãos. Pois os corticoides possuem ação anti inflamatória e pode reduzir disfunção do enxerto pós transplante. Por isso, pode ser utilizado metilprednisolona na dose de 15 mg/kg a cada 24 horas para controle de inflamação (WESTPHAL et al, 2011). MANUTENÇÃO DA TEMPERATURA Tendo em vista o quadro de hipotermia, advinda da perda da regulação hipotalâmica da temperatura, são necessárias medidas de cuidado para reverter 21 esse quadro. Portanto, o ambiente deve se manter aquecido, sem uso de arcondicionados que possam fazer com que, o corpo, perca ainda mais calor para o ambiente. Utiliza-se também, manta térmica e líquidos infundidos aquecidos, para realizar esse controle. Objetiva-se por esses meios, manter a temperatura entre 36 e 37°C para evitar agravos. (CARUSO, FRANKE, 2017) 1.5 LOGÍSTICA PARA CAPTAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO Após protocolo de Morte Encefálica concluído e a doação de órgãos e/ou tecidos para transplantes autorizada pela família, é realizada a organização da logística para proceder à captação dos órgãos e tecidos. Esta etapa exige agilidade e organização para que o mais rápido possível, possa ser iniciada a cirurgia de remoção dos órgãos e a posterior entrega do corpo à família ou liberação para o Instituto Médico-Legal (IML) (MANUAL E O MANUAL VERDE). A CET organiza junto às Organizações de Procura de Órgãos, Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (OPOs/CIHDOTTs) e às equipes de captação/transplantadoras toda logística de extração dos órgãos e tecidos. Os potenciais receptores têm seus dados de identificação, clínicos e imunológicos registrados no sistema informatizado do Sistema Nacional de Transplantes (SNT) no momento da inscrição. As informações dos doadores também são inseridas no sistema informatizado do Sistema Nacional de Transplantes. Os dados do doador são “cruzados” com os dados dos receptores, e o sistema informatizado do Sistema Nacional de Transplantes emite a lista dos receptores compatíveis, baseada em critérios previamente estabelecidos, e seguindo rigorosamente a listagem dos receptores é realizada a distribuição dos órgãos. Após emitir a lista de receptores para cada órgão doado, a equipe do plantão 24 horas da CET entra em contato com as equipes de transplante responsáveis pela inscrição do paciente no sistema informatizado do Sistema Nacional de Transplantes, transmitindo detalhadamente, por e-mail, as informações referente ao doador, as quais foram repassadas pela OPO/CIHDOTT. A equipe de transplante tem um prazo máximo de 01 hora estabelecido de acordo com a Portaria 2600/2009, para responder o aceite ou a recusa do 22 órgão. Nos casos de recusa, a equipe deve informar o motivo pelo qual nãohouve aceite do órgão. Na sequência, o plantão técnico passa a consultar a equipe de transplante subsequente, e, assim, sucessivamente, até que uma determinada equipe aceite o órgão ofertado. A cirurgia de extração de órgãos e tecidos é feita no hospital notificante. Este deve ser informado quanto ao horário de início da cirurgia, órgãos e tecidos que serão retirados e as equipes cirúrgicas que participarão do procedimento. A organização da logística para locomoção da equipe de captação é complexa, envolve várias pessoas, principalmente quando ocorre a necessidade de utilização de logística aérea. Em geral, a distância de até 200 km, utiliza-se transporte terrestre; e distâncias de mais de 200 km, utiliza-se vias aéreas. Muitas vezes não há disponibilidade imediata de aeronave, vôos comerciais com horários não compatíveis de ida e volta ou indisponibilidade de vôo para a cidade onde encontra-se o doador, condições meteorológicas não favoráveis, dentre outros fatores que interferem na logística aérea. Nos casos de doação por Coração Parado, no qual é realizada a captação apenas de tecidos, a logística é simplificada, pois são acionados os bancos de tecidos locais, os quais devido ao tempo limite para captação se deslocam de imediato ao hospital onde encontra-se o doador. 1.6 EXTRAÇÃO E MANUTENÇÃO DOS ÓRGÃOS Esse processo inicia-se com a identificação do potencial doador até a sua conversão em doador efetivo, sendo de responsabilidade das coordenações hospitalares ou das Organizações de Procura de Órgãos (OPOs). E quanto as regras seguidas pelas equipes em relação ao tempo de resposta de aceitação dos órgãos, sua retirada e o horário de início do procedimento, já é de responsabilidade da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDOs) (BRASIL, 2009). Depois de serem informados quais os órgãos serão retirados e o horário de início do procedimento, as equipes devem se atentar à pontualidade pois o retardo no início da cirurgia do doador está diretamente relacionado com a 23 piora no resultado do transplante. Além disso, os membros das equipes devem checar alguns documentos para dar procedência à retirada, sendo eles, as provas documentais de morte encefálica, o termo de doação assinado pela família, o tipo sanguíneo, os parâmetros clínicos e os exames mínimos necessários para avaliação de potencial doador (ABTO, 2009). Após o paciente ser encaminhado para o centro cirúrgico, as equipes específicas que ficam responsável pela retirada de cada órgão, vão seguir uma ordem, que é determinada pelo tempo de isquemia dos órgãos, ou seja, tempo em que o órgão é conservado em solução de preservação (ABTO, 2009). A sequência de retirada dos órgãos é iniciada pelo coração e pulmões, depois segue para o fígado, pâncreas, intestino delgado, rins, enxertos vasculares (artérias e veias), córnea, pele e outros tecidos. Esta ordem é determinada pelo tempo de isquemia dos órgãos, ou seja, o tempo necessário entre a retirada do órgão e o transplante do mesmo ao receptor, representado pelo máximo de tempo que o órgão pode ser preservado fora do corpo ficando conservado em solução de preservação (LACERDA et al, 2020). O tempo de isquemia consiste no tempo entre a parada circulatória do doador até a reperfusão do enxerto no receptor, sendo o esfriamento de um órgão ou tecido durante a diminuição ou ausência de perfusão sanguínea. O tempo de isquemia inicial, inicia-se no clampeamento e vai até a retirada do enxerto do gelo, já o tempo de isquemia fria vai do início da infusão da solução de preservação até a retirada do órgão da embalagem, e o tempo de isquemia quente final inicia-se na retirada do enxerto do gelo até a reperfusão do órgão (ABTO, 2009; GARCIA, et al , 2017). TEMPO DE ISQUEMIA FRIA IDEAL RELATIVO A CADA ÓRGÃO 24 Fonte: Diretrizes Básicas para Captação e Retirada de Múltiplos Órgão e Tecidos (2009). Existem alguns tipos de soluções de preservação e elas estão de acordo com cada órgão, sendo preciso manter essas soluções resfriadas a 4°C e também precisam ser infundidas nesta temperatura (ABTO, 2009). O trabalho sincronizado das equipes de retirada de órgãos é muito importante. Sendo assim, a primeira equipe a atuar é a de anestesia, que fica responsável pelo controle das condições clínicas hemodinâmicas e relaxamento muscular do doador, em seguida, a equipe de cirurgia cardíaca e pulmonar entra em ação, fazendo esternotomia e inspeção dos órgãos intratorácicos, posteriormente a equipe de fígado, pâncreas, intestino e rim faz a abertura da parede abdominal e inspeção dos órgãos intra-abdominais, depois as equipes de coração e pulmão iniciam a dissecção dos órgãos intratorácicos, as equipes de fígado e pâncreas completam as respectivas dissecções e as equipe de rim atuam após a retirada dos outros órgãos intra-abdominais (ABTO, 2009). Existe um procedimento padrão de retirada de múltiplos órgãos, onde o doador é preparado desde o mento até a região do joelho, com assepsia da face anterior e lateral do tronco, pescoço e abdome e membros inferiores e depois são colocados campos operatórios fixados à pele (ABTO, 2009). RETIRADA DO CORAÇÃO O tempo de isquemia do coração não pode ultrapassar as 4 horas, pelo maior risco de disfunção do enxerto e óbito, portanto, as equipes devem ter 25 conhecimento sobre as diferentes etapas para que possam realizar um trabalho sincronizado e efetivo (ABTO, 2009). É recomendado o uso de bisturi elétrico levando em consideração a extensão das dissecções e o agravamento da instabilidade hemodinâmica. Por isso, é importante os cuidados com os sangramentos (ABTO, 2009). Para realizar a retirada do órgão é feito um procedimento de proteção do miocárdio que permite um tempo seguro de 4h de isquemia, sendo realizada em quatro etapas: parada cardíaca induzida; preservação durante o transporte e o transplante; tempo total de isquemia e reperfusão. O tempo de isquemia do coração é curto pois ele precisa readquirir as suas funções imediatamente após o término do procedimento e além disso ele tem pouca tolerância a depleção de adenosina trifosfato (ATP), o que pode resultar em disfunção ventricular (ABTO, 2009). Para a preservação do miocárdio são utilizadas estratégias como, a hipotermia tópica que age fazendo a redução do metabolismo e as soluções cardioplégicas gelada a 4°C que induzem a parada eletromecânica, que, associada à hipotermia tópica, confere proteção até 4 horas (ABTO, 2009). As soluções cardioplégicas mais utilizadas são: solução com composição semelhante ao extracelular, como: Saint Thomas 1, Saint Thomas 2 (Plegisol) e Solução de Wisconsin e Celsior® e solução com composição semelhante ao intracelular, como: solução de Bretschneider – Custodiol®HTK (Histamina,Triptofano e Cetoglutarato) (ABTO, 2009). Após a retirada do coração, o órgão é colocado em um recipiente com soro fisiológico a 4°C e transportado para a sala operatória do receptor quando o transplante acontece lado a lado. Para o acondicionamentoe armazenamento do coração em situações de transplante à distância, o coração é colocado em um saco plástico estéril com soro fisiológico a 4°C até ficar totalmente imerso, amarrando com fita cardíaca a abertura do mesmo, depois ele é colocado em um segundo saco plástico, da mesma forma. Todo o conjunto é colocado num terceiro saco plástico e lacrado, colocando um cartão com o horário da cardioplegia. O transporte deste órgão é feito em recipientes térmicos de tamanho adequado, e precisam conter gelo em blocos de forma que cubra-o por completo (ABTO, 2009). 26 RETIRADA DO PULMÃO Na retirada do pulmão, faz-se uma abertura ampla das cavidades pleurais possibilitando uma inspeção visual e manual dos pulmões, e essa inspeção manual tem um papel importante na decisão final para utilizar os pulmões. Essa técnica possibilita a retirada conjunta do coração e dos pulmões ligados a uma porção de átrio esquerdo para ambos os enxertos, o que torna viável a utilização de cada órgão em receptores diferentes ou os dois em um mesmo receptor (ABTO, 2009). É feito uma seletividade para a retirada do órgão quanto algumas particularidades em relação ao doador, como idade inferior a 60 anos, ausência de doença pulmonar significativa, tempo de ventilação mecânica recomendável menor que uma semana, radiografia de tórax normal, gasometria arterial com PaO2 > 300 mmHg colhida com FiO2 de 100%, PEEP de 5cmH2O e volume corrente de 10 ml/kg e broncoscopia sem sinal de infecção (ABTO, 2009). O tempo de isquemia dos pulmões não pode ultrapassar das 6h, sendo o tempo de preservação máxima de 4h a 6h. Sendo assim, após a retirada dos pulmões, eles são colocados em um saco plástico estéril contendo 3 litros de soro fisiológico gelado a 4°C que é completamente fechado e envolvido em outros dois sacos estéreis. É mantido em geladeira térmica e encaminhado ao centro de transplante (ABTO, 2009). RETIRADA DO FÍGADO Durante o procedimento de retirada do fígado, faz-se além da manutenção da hemodinâmica, a curarização do doador para evitar maior dificuldade durante a operação pois os músculos abdominais podem estar tensionados devido aos reflexos medulares.Também é administrado antibiótico, como cefazolina e um corticoide como metilprednisolona (ABTO, 2009). Existem alguns critérios para não realizar a retirada do fígado, caso o doador apresente sepse não controlada, neoplasia maligna intra ou extra abdominal e sorologia positiva para HIV, HTLV I e HTLV II (ABTO, 2009). 27 Depois da retirada, o fígado é colocado sobre saco plástico estéril em um recipiente contendo gelo, evitando o contato do órgão com o gelo, e pode ser perfundido conforme tabela abaixo (ABTO, 2009). Fonte: Diretrizes Básicas para Captação e Retirada de Múltiplos Órgão e Tecidos (2009). O acondicionamento do fígado é realizado da seguinte forma, o fígado é colocado no saco plástico estéril, imerso na solução de conservação a 4°C, e um segundo saco estéril adicional contendo gelo estéril picado, sendo ambos os sacos vedados com fita cardíaca, e é o mesmo procedimento dor outros órgãos para ser feito o transporte (ABTO, 2009). RETIRADA DO PÂNCREAS O transplante de pâncreas (TP) consolidou-se como procedimento terapêutico eficaz no manejo do paciente diabético tipo 1 de alto risco, especialmente aqueles com insuficiência renal crônica. A maior parte desses transplantes são em associação ao renal (transplantes de pâncreas e rim simultâneos) (ABTO, 2009). Para realização desse tipo de transplante, é feito uma seleção dos doadores. Com isso, algumas particularidades são destacadas, como: limite de idade, idealmente até os 50 anos; estabilidade hemodinâmica e manutenção de níveis adequados de glicemia durante o período de manutenção do doador. Além disso, o potencial doador deve possuir histórico ausente de alcoolismo crônico, antecedentes pessoais de DM e sem histórico de pancreatite (ABTO, 2009). Quando o pâncreas for aproveitado, deve ser feito reposição volêmica, preferencialmente com colóides, visando minimizar o edema pancreático que, 28 por vezes, e se em grau importante, representa critério de contraindicação ao aproveitamento do órgão. Deve-se também monitorizar a glicemia capilar desses doadores ao menos a cada duas horas e corrigir os níveis com insulina intravenosa para valores entre 70 e 150 mg/dl (ABTO, 2009). O aproveitamento do pâncreas é atualmente factível em praticamente todos os doadores de órgãos, independentemente de variações anatômicas. O enxerto pancreático é removido com dois pedículos arteriais, a artéria mesentérica superior e a artéria esplênica, que são posteriormente reconstruídas em cirurgia de mesa (ABTO, 2009). Habitualmente, a técnica de retirada do pâncreas é feita em associação ao fígado, e seu acondicionamento e armazenamento é realizado da seguinte maneira, é colocado separadamente no interior de um saco plástico estéril contendo 1 litro de solução de UW (4°C) e lacrado com fita cardíaca. Este saco será mantido no interior de outro saco plástico estéril contendo gelo moído e novamente lacrado com fita cardíaca. É deixado na geladeira térmica, coberto com gelo não estéril até a utilização do enxerto (ABTO, 2009). RETIRADA DO INTESTINO DELGADO É considerado os mesmos critérios do doador de fígado para a seleção do doador de intestino delgado, porém deve-se dar uma atenção às alterações hemodinâmicas e à sorologia para citomegalovírus, sendo assim, o doador recebendo altas doses de fármaco vasoativas e/ou um doador com sorologia positiva para citomegalovírus quando o receptor for negativo, deve ser descartado (ABTO, 2009). A retirada do órgão deve ser dividida em três fases: preparação do doador, cirurgia “in situ” com dissecção pré e pós-perfusão, dissecção “ex situ”. Na preparação do doador, deverá ser feito a antibioticoterapia profilática com cefotaxima e ampicilina nas doses habituais. A cirurgia “in situ” tem o objetivo de minimizar a dissecção pré-perfusão, diminuindo o período de lesão do intestino antes da infusão da solução de preservação e a dissecção “ex situ” tem o objetivo de garantir que os enxertos vasculares estarão disponíveis para a reconstrução na cirurgia no receptor (ABTO, 2009). 29 O seu acondicionamento e armazenamento deve ser realizado da mesma maneira que o do fígado, obtendo uma atenção especial ao resfriamento apropriado do intestino, pois este é um órgão oco e o seu conteúdo pode dificultar o resfriamento adequado. Também é preciso mobilizar o intestino para garantir uma perfusão homogênea durante a infusão da solução de preservação (ABTO, 2009). RETIRADA DOS RINS A contraindicação para a doação dos rins é semelhante aos outros órgãos, sendo considerado a idade ideal entre 5 e 55 anos, doença prévia (arteriosclerose, hipertensão arterial, diabetes mellitus e doença renal), a. instabilidade hemodinâmica grave (choque, anúria e creatinina terminal elevada: > 3 mg/%), doadores sem batimentos cardíacos e o tempo de isquemia fria prolongado(> 36 horas). Também deve ser levado em consideração o risco elevado de transmissão de infecção e a transmissão de neoplasias (ABTO, 2009). A retirada dos rins é feita em monobloco junto com a aorta e a cava inferior, sempre que possível, depois da extração dos rins, realiza-se a “cirurgia de banco” para separação dos rins e identificação dos pedículos. O limite de peso do doador aceito para o transplante de rim separado é acima de 15 Kg, doadores com menos de 3 anos de idade ou rins menores do que 6 cm têm indicação de transplante em bloco (ABTO, 2009). Os rins, previamente separados deverão ser acondicionados e mantidos a 4°C, dentro de sacos plásticos estéreis, contendo 500 ml de solução de UW ou 500 ml da solução de Euro-Collins a 4°C. O primeiro saco deve ser lacrado com fita cardíaca e um novo saco plástico estéril deverá envolvê-lo contendo gelo moído no interior. A seguir, devem ser armazenados no interior de geladeira térmica com gelo não estéril a 4°C (ABTO, 2009). RETIRADA DE ÓRGÃOS COM O CORAÇÃO PARADO A utilização de órgãos de doadores sem batimento cardíaco representa ainda, uma pequena parcela no total de doadores, sendo assim, as instituições 30 que possuem esse tipo de procedimento aumenta a oferta de rim em 12-20% (ABTO, 2009). O doador em coração parado é definido como aquele indivíduo em parada cardiorrespiratória irreversível, associado à parada irreversível da atividade cerebral. Sendo a parada cardiorrespiratória, a ausência de atividade elétrica cardíaca efetiva há pelo menos 30 minutos de manobras efetivas de reanimação cardiorrespiratória, na ausência de drogas depressoras ou hipotermia induzida (AMERICAN ASSOCIATION OF TISSUE BANKS, 2002; ABTO, 2009). Só deve dar início aos procedimentos de preservação dos órgãos e suspender as manobras de ressuscitação quando tiver a declaração de morte do doador, e além disso, as equipes precisam ser distintas e independentes (ABTO, 2009). Obedecendo aos princípios éticos e da legislação vigente, para utilização de órgãos e tecidos de pacientes com coração parado deve-se seguir critérios rígidos na seleção do doador como ter idade entre 18-55 anos, e os mesmos critérios de um doador em morte encefálica (ABTO, 2009). O procedimento de retirada de órgãos com coração parado inicia-se após o diagnóstico de morte encefálica por parte da equipe responsável pelo paciente, e em cujo caso o cadáver é considerado um potencial doador, e para que isso ocorra de modo efetivo, é preciso avaliar o tempo de isquemia quente, devendo ser inferior a 30 minutos (a contar do início das manobras de ressuscitação efetivas) e até 6 horas para doador de tecidos, e o tempo transcorrido desde o início das manobras até o início da perfusão fria (ABTO, 2009). Os métodos utilizados para resfriamento são divididos em perfusão in situ (cateter femoral, cateter duplo balonete, tripla luz). Com ou sem resfriamento peritoneal e resfriamento corporal total (“bypass” cardiopulmonar), ainda, para a preservação dos órgãos, alguns estudos recentes têm introduzido a utilização de máquinas de perfusão pulsátil (ABTO, 2009). RETIRADA DE TECIDOS 31 Os tecidos humanos utilizados para transplante são córnea, esclera, osso, cartilagem, tendão, menisco, fáscia, valva, pele, vasos e membrana amniótica. Para obtenção de qualidade no aproveitamento desses tecidos é preciso excelência na técnica de retirada, no processamento, na distribuição e no rastreamento dos tecidos, sendo de extrema importância seguir os critérios estabelecidos. Ademais, é possível a estocagem em bancos, diferentemente do transplante de órgãos (ABTO, 2009). Os bancos são responsáveis por aceitar ou recusar os tecidos do potencial doador e pela decisão final na disponibilização de seus tecidos para transplante, então é feito uma avaliação de parâmetros gerais dos dados constantes contidos no prontuário do doador demonstrado na tabela a seguir (ABTO, 2009). Fonte: Diretrizes Básicas para Captação e Retirada de Múltiplos Órgão e Tecidos (2009). Existem contraindicações absolutas como infecções sistêmicas, tatuagens, sinais de uso de adereços corporais e/ou maquilagem definitiva, cuja data de execução ou retoque não possam ser determinados, ou que ocorreram 32 num prazo inferior a 12 meses, cicatrizes traumáticas ou cirúrgicas de origem desconhecida anteriores à retirada, lesões e secreções sugestivas de doenças sexualmente transmissíveis na genitália ou região perianal, lesões puntiformes causadas por agulhas sugestivas ao uso de produtos químicos ilícitos, icterícia, hepatomegalia, linfadenopatia difusa, lesões cutâneas violáceas sugestivas de sarcoma de Kaposi, transfusão de sangue ou hemocomponentes para tecidos musculoesqueléticos e pele (ABTO, 2009). Também existem outras contraindicações, que são relativas e devem ser decisão do banco de tecidos. Na pele, infecção cutânea disseminada, queimaduras e abrasões em áreas extensas, nos ossos, presença de fratura exposta, traumatismos abertos, na valva cardíaca, cicatriz de toracotomia, ferimento cardíaco perfurante e na córnea, opacidade ou perda de transparência corneana por má oclusão (ABTO, 2009). O ambiente de retirada deve ocorrer preferencialmente em ambientes cirúrgicos, exceto as córneas. A técnica utilizada é asséptica e a equipe sendo composta por técnicos na área da saúde e a priori deverá contar com a presença de profissional médico como responsável. A ordem de retirada de tecidos deve obedecer a fatores técnicos relacionados à qualidade e tempo máximo para o início do processamento. Primeiramente os tecidos intratorácicos (valvas, pericárdio, cartilagem e arco costal), depois pele e tecidos musculoesqueléticos (vasos, tecido osteofasciocondral). Já a córnea pode ser retirada concomitante ou não aos outros tecidos (ABTO, 2009). ACONDICIONAMENTO E ARMAZENAMENTO DOS TECIDOS Os enxertos vasculares (artérias e veias) devem ser armazenados em frascos estéreis com solução de preservação à 4°C. A córnea, após enucleação, deve ser colocado em câmara úmida, em frasco forrado com gaze umedecida em solução salina. O globo ocular é irrigado com solução salina e antibiótico (cloranfenicol) e conservado em geladeira a 4°C. Já os demais tecidos devem ser acondicionados em embalagens estéreis, duplas ou triplas (osso), que previnam contaminação dos conteúdos durante o transporte até o banco, sendo mantidos em caixas térmicas que assegurem a temperatura de 4°C. Deve-se 33 levar em consideração que é proibido adicionar gelo moído estéril ao saco contendo solução de conservação e enxerto (ABTO, 2009). FECHAMENTO DO DOADOR Após a realização da cirurgia de retirada dos órgãos e tecidos e a reconstituição apropriada do corpo, é feita a liberação do corpo de acordo com o protocolo da instituição. No caso de morte por causas externas, o corpo deve ser encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML), que emitirá o atestado de óbito e nos casos de morte natural, a declaração de óbito é emitida pela equipemédica do hospital onde ocorreu o diagnóstico de morte encefálica e entregue aos familiares conforme a rotina do hospital (MOURA, 2014). A família é informada quanto a possibilidade de atrasos, sobre o tempo de cirurgia necessário para a extração dos órgãos e sobre o encaminhamento do corpo ao Instituto Médico Legal (IML), nos casos de morte traumática. A sensação de impotência, diante da única perspectiva “esperar” pela liberação do corpo, causa estresse na família, por isso é preciso que alguém acompanhe a família prestando todas as informações em relação às etapas da doação e além do apoio familiar (SANTOS, MASSAROLLO, 2005). 1.7 ALOCAÇÃO A alocação dos órgãos e tecidos é de responsabilidade da Central de Transplantes do Estado, onde estão armazenadas as listas de espera. Os critérios para a alocação são determinados pelo Sistema Nacional de Transplante, através de portarias ministeriais. Os critérios para a alocação são específicos para cada órgão ou tecidos, e baseiam-se principalmente na gravidade, na compatibilidade imunológica e no tempo de espera. São também importantes as compatibilidades de peso (alocação de coração) e de diâmetro da caixa torácica (alocação de coração) (GARCIA, et al, 2017) 1.8 TRANSPLANTE DE ÓRGÃOS O Brasil é referência mundial na área de transplantes e possui o maior sistema público de transplantes do mundo. Atualmente, cerca de 96% dos procedimentos de todo o País são financiados pelo Sistema Único de Saúde 34 (SUS). Em números absolutos, o Brasil é o 2º maior transplantador do mundo, atrás apenas dos EUA. Os pacientes recebem assistência integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante, pela rede pública de saúde (BRASIL, 2019) Dados mostram que desde 2012, no Brasil, há um crescimento da evolução anual dos doadores efetivos por milhão de população (pmp). Vê-se que em 2019 essa taxa de doadores efetivos cresceu 6,5% no ano, atingindo 18,1 pmp. Esse acréscimo foi decorrente do aumento de 5,2% na taxa de potenciais doadores em morte encefálica. Um fato positivo foi o aumento de 7,1% na taxa de autorização familiar, que, pela primeira vez, atingiu 60%. Outro aspecto interessante de ser salientado, é que nos últimos cinco anos, a taxa de doadores falecidos com idade > 65 anos passou de 8% para 13% (aumento de 62,5%) e a de doadores pediátricos passou de 8% para 6% (diminuição de 25%) (ABTO, 2019). Em contrapartida, 2020, por conta da pandemia, tem sido um ano difícil, mas de janeiro a setembro vem apresentando uma recuperação gradual. Dados mostram que a taxa de doadores efetivos, que foi de 18,4 pmp no primeiro trimestre, caiu para 13,3 pmp no segundo trimestre, fechando o semestre com 15,8 pmp e, até setembro, havia sido de 14,6 pmp, obtendo, nesses três trimestres, 15,5 pmp o que nos leva a prever uma taxa, neste ano, um pouco abaixo de 16,5 pmp, em torno de 10% abaixo da taxa de 2019. A taxa de notificação de potenciais doadores (49,1 pmp) diminuiu 10%, enquanto que houve melhora de 8% na taxa de não autorização familiar, que passou de 40% para 37% (ABTO,2020). O transplante é um procedimento cirúrgico que consiste na reposição de um órgão (coração, pulmão, rim, pâncreas, fígado) ou tecido (medula óssea, ossos, córneas) de uma pessoa doente (receptor), por outro órgão ou tecido normal de um doador vivo ou morto (GARCIA, et al, 2017) O doador vivo pode ser qualquer pessoa que concorde com a doação, desde que não prejudique sua própria saúde. De acordo com a Lei 9.434/97, qualquer pessoa é juridicamente capaz de dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consangüíneos até o quarto grau. Não parentes podem 35 fazer a doação, porém, mediante autorização judicial. Dessa forma, o doador vivo pode doar um dos rins, parte do fígado, parte da medula óssea ou parte do pulmão (GARCIA, et al, 2017) Por sua vez, há dois tipos de doadores falecidos. Há aqueles que faleceram após morte cerebral constatada raramente, tecidos de uma espécie diferente, como um de porcos segundo critérios da legislação e que não tenha sofrido parada cardiorrespiratória. Nessa condição, o doador pode doar coração, pulmões, fígado, rins, pâncreas, intestino, córnea, vasos, pele, ossos e tendões. No entanto, quando se tem um doador falecido por parada cardiorrespiratória, ele pode doar apenas tecidos para transplante (córneas, vasos, pele, ossos e tendões) (BRASIL, 2019) Além disso, os transplantes podem consistir de serem tecidos da própria pessoa (autotransplante); tecidos de um gêmeo idêntico cujos genes são extremamentes iguais aos da pessoa (isotransplante); tecidos de alguém cujos genes não são exatamentes iguais aos da pessoa (alotransplante) e, (xenotransplante) (HERTL, 2018). Em relação ao doador morto, vê-se que o processo doação-transplante é um procedimento médico composto por uma série de passos ordenados de forma precisa, que transforma os órgãos de uma pessoa falecida em órgãos suscetíveis de serem transplantados. Inicia-se com a identificação de um potencial doador e finaliza com o transplante ou armazenamento dos diferentes órgãos ou tecidos removidos (GARCIA, et al, 2017). Dessa forma, quando a família autoriza a doação, a Organização de Procura de Órgãos e Tecidos (OPO) informa a viabilidade do doador à Central de Notificação Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos (CNCDO), que realiza a distribuição dos órgãos, indicando a equipe transplantadora responsável pela retirada e implante do órgão ou tecido. A OPO tem o papel de coordenação supra-hospitalar, responsável por organizar e apoiar, no âmbito de sua atuação, as atividades relacionadas ao processo de doação de órgãos e tecidos, a manutenção de possível doador, a identificação e a busca de soluções para as fragilidades do processo, a construção de parcerias, o desenvolvimento de atividades de trabalho e a capacitação para identificação e efetivação da doação de órgãos ou tecidos (BRASIL, 2019) 36 A OPO tem como objetivo exercer atividades de identificação, manutenção e captação de potenciais doadores para fins de transplantes de órgãos e tecidos no âmbito de sua atuação. O profissional da OPO realiza avaliação das condições clínicas do possível doador, da viabilidade dos órgãos a serem extraídos e faz entrevista para solicitar o consentimento familiar da doação dos órgãos e tecidos (BRASIL, 2019). O hospital notifica a Central de Transplantes sobre um indivíduo em morte encefálica (potencial doador). A central pede a confirmação do diagnóstico da morte encefálica. Uma vez confirmada, é feita avaliação clínica e laboratorial do potencial doador. A avaliação clínica refere-se a realização do exame físico. E este deve contar com medidas antropométricas, como peso e altura, para todos os potenciais doadores, assim como a medida da circunferência torácica a nível do mamilo, especialmente
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