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66 Unidade II Unidade II 5 CIÊNCIAS ÔMICAS: EXOMA E METABOLOMA Uma maneira de entender o funcionamento de nossas células é avaliar as moléculas presentes em seu interior. É disso que tratam as ciências ômicas, assunto deste tópico. Elas visam a identificação e a quantificação do conjunto de moléculas biológicas (DNA, RNA, proteínas ou produtos do metabolismo) de um organismo. As principais são: • A genômica, que visa ao sequenciamento dos genes. • A exômica, que visa à caracterização dos éxons que constituem esses genes. • A transcriptômica e a proteômica, que visam, respectivamente, à identificação dos transcritos de RNA e das proteínas expressas em determinada célula ou organismo. • A metabolômica, que mapeia os produtos do metabolismo. Você percebeu que existe uma relação de causa e consequência quando analisamos o conjunto de “omas” de um organismo? O exoma, que mapeia as regiões codificadoras do DNA (éxons), é consequência de como se organiza o genoma; o transcriptoma é resultado dos mecanismos que regulam a transcrição do genoma e a edição do transcrito primário; o proteoma é resultante da tradução dos transcritos pelos ribossomos; e o metaboloma é decorrente das proteínas expressas na célula. Portanto, ao analisar esses aspectos, temos uma visão clara de como os conjuntos de células se comportam em diferentes microambientes, ou, ainda, uma ideia dos fatores que determinam o fenótipo do organismo. Genômica Transcriptômica Exômica Proteômica Metabolômica DNA RNA Proteínas Bioquímica Fenótipo Figura 27 – Integração entre as ciências ômicas Adaptada de: https://bit.ly/3CF4t1C. Acesso em: 18 nov. 2021. 67 BIOMEDICINA INTEGRADA Vamos abordar o exoma e o metaboloma, que são as ciências ômicas mais recentemente desenvolvidas. Você vai aprender como elas são realizadas, experimentalmente, quais suas aplicações na pesquisa e no diagnóstico e quais os resultados da sua integração com as demais ciências ômicas. • Tópico 5.1: estudo do exoma e suas aplicações. • Tópico 5.2: estudo do metaboloma e suas aplicações. 5.1 Exoma O exoma é o ensaio que analisa todas as regiões codificadoras do genoma humano. Seu principal objetivo é identificar mutações que possam estar relacionadas com o desenvolvimento de doenças. Antes de iniciarmos, vamos relembrar a estrutura básica do gene? 5.1.1 Estrutura básica do gene Os genes são as unidades funcionais dos cromossomos. Eles guardam as informações para que as proteínas sejam produzidas, no citoplasma. A maioria dos genes é constituída de um conjunto particular de sequências reguladoras, seguido de regiões codificadoras (éxons) entremeadas por regiões não codificadoras (íntrons). Observação As sequências de nucleotídeos que codificam a proteína estão nos éxons. A região promotora constitui a principal sequência reguladora e está presente em virtualmente todos os genes. Os fatores de transcrição e a RNA polimerase ligam-se ao promotor para iniciar sua transcrição. A transcrição do gene origina um transcrito primário, que contém a leitura integral de todos os íntrons e éxons que o constituem. Esse transcrito primário é processado pelo mecanismo de splicing do RNA, para a remoção das sequências intrônicas e a subsequente ligação das extremidades dos éxons. O resultado é a molécula de RNA mensageiro (mRNA) maduro, contendo as informações necessárias para que o ribossomo produza a proteína correspondente. A maquinaria de splicing, ou spliceossomo, é constituída de um grande complexo proteico que envolve cinco moléculas de snRNA (small nuclear RNA; U1, U2, U4, U5 e U6) e cerca de 150 proteínas regulatórias. Cada um dos snRNAs se complexa às proteínas regulatórias e forma os chamados snRNPs (small nuclear ribonucleoprotein complex). A ligação dos cinco snRNPs com os sítios de splice, que são sequências de nucleotídeos específicas presentes nas junções éxon-íntron do transcrito primário, resulta na remoção de cada íntron e na subsequente ligação dos éxons. Os éxons ligados entre si constituem o 68 Unidade II mRNA, que migra para o citoplasma e é lido pelos ribossomos, o que gera a produção de uma proteína pelo processo de tradução. Modificações pós-traducionais RNA Cadeia de aminoácidos mRNA Tradução Transcrição Promotor Gene (DNA) Exon Exon Exon Exon Intron Intron Intron Splicing Proteína Figura 28 – Estrutura básica do gene e mecanismos de transcrição, splicing e tradução Adaptada de: https://bit.ly/3pklx8q. Acesso em: 18 nov. 2021. Frequentemente, o spliceossomo pode processar de forma diferencial os éxons de um mesmo transcrito primário por meio do mecanismo de splicing alternativo, responsável por gerar diferentes transcritos a partir de um mesmo gene. As formas principais de splicing alternativo são: • a omissão de um ou mais éxons (exon skipping); • a existência, no gene, de sítios alternativos de splice a 5´ e/ou a 3´ da junção íntron/éxon que gera o sítio “original”; • a retenção de sequências intrônicas no mRNA formado (intron retention); • outros processos que incluem, por exemplo, sítios alternativos de transcrição e múltiplos sítios de poliadenilação. 69 BIOMEDICINA INTEGRADA Em resumo, após o splicing alternativo, nem todos os éxons são incorporados ao mRNA. Observe a estrutura de um gene hipotético, representado a seguir. Ele é constituído por 7 éxons (caixas), separadas por regiões intrônicas (linhas) e seu transcrito primário está sujeito ao mecanismo de splicing alternativo. 1 2 3 5 6 7 4 Transcritos Gene 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Figura 29 – Modelo esquemático da estrutura genômica e das variantes de splice de um gene hipotético. Os éxons estão indicados por caixas e os íntrons por linhas. A região codificadora de cada variante está em vermelho Da figura anterior, podemos notar que, embora o éxon 1 esteja presente em todos os transcritos, aqueles de 2 a 7 podem ou não estar presentes, total ou parcialmente, nos diferentes transcritos de mRNA. Ao serem traduzidas, essas moléculas de mRNA serão responsáveis pela geração de 10 proteínas diferentes a partir do mesmo gene. Acredita-se que até 65% dos transcritos de genes humanos sejam formados pelo mecanismo de splicing alternativo, o que contribui de forma significativa para a complexidade do proteoma humano e explica a alta discrepância entre o número de genes e o de proteínas estimadas. As diferentes proteínas que participam da estrutura do spliceossomo são responsáveis pela regulação positiva e negativa dos mecanismos de splicing constitutivo e alternativo dos genes. Embora a maioria das variantes de splice não esteja relacionada com o desenvolvimento de patologias, algumas podem resultar em síndromes e quadros clínicos patológicos, que incluem o câncer. Essas variantes, geradas a partir de mutações gênicas, podem originar a expressão de proteínas que, em condições normais, não estariam presentes no microambiente celular. O conjunto de éxons representa cerca de 1,5% do genoma humano, apenas. No entanto, a maioria das doenças genéticas está relacionada com mutações nos éxons, que podem tanto resultar em alterações pontuais nos aminoácidos que constituem a proteína final, como na expressão de variantes de splice associadas ao desenvolvimento de processos patológicos. 5.1.2 Métodos de investigação do exoma e indicações do exame O exoma é o conjunto completo dos éxons que integram o genoma de um indivíduo, determinado a partir do sequenciamento de seus nucleotídeos. 70 Unidade II O sequenciamento shotgun é a técnica classicamente realizada para a determinação da sequência de nucleotídeos em um fragmento de DNA. Ela é realizada a partir da fragmentação inicial do DNA-alvo, de maneira randômica, seguida da inserção desses fragmentos em plasmídeos e do seu sequenciamento. Após essas etapas, a fita de DNA íntegra é reconstruída com o uso de softwares específicos a partir da sobreposição dos produtos do sequenciamento. Realizar o sequenciamento de todo o genoma, ou até mesmo detodo o exoma, por meio da técnica de sequenciamento shotgun é um processo muito demorado e trabalhoso. Recentemente, o sequenciamento de próxima geração (Next Generation Sequencing, ou NGS) tem permitido o sequenciamento de bilhões de fragmentos gênicos em paralelo, o que possibilita que a análise do genoma e do exoma seja realizada de maneira mais rápida e barata. Essa técnica possibilita o sequenciamento e a avaliação de grande volume de dados por ferramentas de bioinformática. Saiba mais Para revisar os detalhes das diferentes técnicas de sequenciamento, acesse: FIETTO, J. L. R.; MACIEL, T. E. F. Sequenciando genomas. In: MOREIRA, L. M. (org.). Ciências genômicas: fundamentos e aplicações. Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Genética, 2013. O exoma, portanto, identifica as mutações nucleotídicas presentes nas sequências dos éxons. Suas principais aplicações são destacadas a seguir. • Determinação de doenças multigênicas. • Investigação dos aspectos moleculares envolvidos na patogênese e na resposta a fármacos de diferentes tipos de câncer. • Verificação de risco em casais consanguíneos. • Identificação de doenças genéticas cuja hipótese diagnóstica não está clara ou cujos resultados de outros exames foram inconclusivos. A análise dos dados obtidos é realizada por uma equipe multidisciplinar, composta de profissionais da área da saúde com diferentes formações para determinar quais mutações são importantes no desenvolvimento da patologia e quais são inócuas. 71 BIOMEDICINA INTEGRADA Observação O cariótipo identifica alterações cromossômicas extensas. Os microarranjos de DNA, as inserções e as deleções de pequenos trechos do cromossomo. O exoma, por sua vez, é capaz de reconhecer mutações de um único nucleotídeo. A principal limitação do exoma é sua incapacidade de determinar se os éxons alterados por mutações serão ou não incorporados ao mRNA pelo mecanismo de splicing alternativo. Para isso, o ideal é realizar o transcriptoma, ensaio que prevê a determinação indireta da sequência dos mRNAs presentes no citoplasma da célula a partir da sua transcrição reversa, seguida do sequenciamento dos cDNAs obtidos. Lembrete A molécula de mRNA é instável, por isso é necessário sintetizar a molécula de DNA complementar (cDNA), que é, então, sequenciada. 5.2 Metaboloma O metaboloma é o conjunto de todas as pequenas moléculas oriundas do metabolismo, presentes em um organismo. A análise do metaboloma, ou metabolômica, permite a determinação do perfil metabólico do indivíduo, que é consequência dos aspectos elucidados pelas outras ciências ômicas. É importante ressaltar que as análises do metaboloma são realizadas a partir da comparação entre grupos de amostras. Por exemplo, pode-se comparar o metaboloma de um grupo exposto a um determinado fator ambiental (grupo teste) com outro não exposto (controle). Assim, é possível concluir como o fator ambiental é capaz de modular as diferentes vias metabólicas. Vamos, agora, relembrar quais são as principais vias metabólicas do nosso organismo? 5.2.1 Vias metabólicas O metabolismo é o conjunto de reações químicas, mediadas por enzimas, que ocorrem em nosso organismo e são responsáveis pela manutenção do seu equilíbrio energético e funcional. São muitas as vias metabólicas presentes no organismo humano. As principais delas são glicólise, ciclo de Krebs, fosforilação oxidativa, via das pentoses-fosfato, ciclo da ureia, betaoxidação dos ácidos graxos, gliconeogênese, metabolismo da bilirrubina, síntese de neurotransmissores e de hormônios, entre muitas outras. Elas trabalham de maneira integrada, a fim de garantir a homeostase. 72 Unidade II A homeostase celular é mantida a partir do perfeito equilíbrio entre as vias catabólicas, que se baseiam na obtenção de energia das moléculas presentes nos nutrientes; e o anabolismo, que visa a produção de novos componentes celulares da utilização da energia liberada pelas reações catabólicas. As enzimas são proteínas responsáveis por catalisar as reações químicas que ocorrem nos seres vivos. Elas se ligam de maneira específica (no esquema chave-fechadura) a certos substratos, e converte-os em produtos que podem ser considerados intermediários ou, ainda, metabólitos. Energia necessária para que a conversão do substrato em produto ocorra na ausência da enzima Energia necessária para que a conversão do substrato em produto ocorra na presença da enzima Complexo enzima-substrato En er gi a Tempo Enzima + substrato Enzima + produto ∆G Figura 30 – Representação esquemática de uma reação mediada por enzima. Note que a energia de ativação necessária para que a conversão do substrato em produto ocorra é menor na presença da enzima Adaptada de: https://bit.ly/3Du6XAZ. Acesso em: 18 nov. 2021. Muitas doenças são decorrentes de mutações nos genes que codificam enzimas envolvidas em diferentes vias metabólicas. Um exemplo é a fenilcetonúria, causada por um defeito na enzima fenilalanina hidroxilase. Outras são causadas pelo acúmulo de determinado metabólito no organismo. Na insuficiência renal, por exemplo, ocorre aumento dos níveis plasmáticos de ureia, secundário à incapacidade dos rins de realizar a excreção dessa substância. Além disso, diversos fatores ambientais, como a alimentação, a prática de esportes, a exposição a poluentes ambientais e a substâncias tóxicas de diferentes naturezas são capazes de alterar o metabolismo. Consequentemente, a metabolômica constitui uma importante evolução não somente no campo das análises clínicas, mas em outras áreas do conhecimento, como, por exemplo, a nutrição, a fisiologia do esporte e a toxicologia. 73 BIOMEDICINA INTEGRADA 5.2.2 Métodos de investigação do metaboloma A metabolômica pode ser direcionada para algumas moléculas-alvo pertencentes a uma determinada via metabólica (metabolômica-alvo ou targeted metabolomics), ou para o perfil total dos metabólitos do organismo ou do sistema estudado (metabolômica global ou untargeted metabolomics). Além disso, é possível quantificar os metabólitos, aspecto importante na investigação de diversas desordens funcionais. Metabolômica alvo (Targeted metabolomics) Seleção de metabólisto Coleta e preparo de anostra Análise instrumental Processamento dos dados Análise estatística Interpretação biológica Metabolômica global (Untargeted metabolomics) Coleta e preparo de amostra Análise instrumental Processamento dos dados Análise estatística Identificação dos metabólitos Interpretação biológica Figura 31 – Esquema resumido do fluxograma de trabalho envolvido nas análises metabolômicas Fonte: Canuto et al. (2018, p. 76). A natureza química dos metabólitos é muito diversa. O metaboloma é composto tanto de moléculas orgânicas de baixo peso molecular, como a ureia, quanto de moléculas maiores e mais complexas, como os lipídeos e os carboidratos. Por conta dessa diversidade, não existe uma única técnica para a detecção do metaboloma, mas um conjunto delas. O planejamento experimental envolve a escolha do tipo de amostra biológica mais adequada para realização da análise (tipo de fluido biológico, células, tecido etc.), com base na suspeita clínica ou experimental e a definição dos grupos de controle e teste. Além disso, é necessário providenciar o armazenamento correto das amostras que visa à interrupção da atividade enzimática, e determinar qual a técnica experimental mais adequada para a execução das análises. As amostras devem ser preparadas de acordo com o tipo de análise a ser realizada e os metabólitos que se deseja avaliar. Nessa etapa, é executada a concentração dos analitos e a remoção dos interferentes. As principais técnicas experimentais que possibilitam a identificação dos analitos são a espectrometria de massas e a ressonância magnética nuclear. Ademais, podem ser praticados protocolos que utilizam infravermelho por transformada de Fourier. 74 Unidade II A espectrometria de massas, como vimos anteriormentenos ensaios de Maldi-Tof, é uma técnica que permite a caracterização de uma amostra a partir da determinação da relação massa/carga de suas moléculas versus a intensidade do sinal detectado pelo equipamento. O espectrômetro de massas, muitas vezes, está acoplado a outras tecnologias, que realizam a separação dos componentes antes da determinação do referido espectro. As principais delas são cromatografia gasosa, cromatografia líquida de alta performance (HPLC) e eletroforese capilar. A cromatografia gasosa é bastante empregada nas análises metabolômicas. Ela é eficiente para a detecção de compostos voláteis. Nessa técnica, a amostra é submetida à vaporização e conduzida por um gás de arraste em direção a uma fase estacionária líquida, posicionada em uma coluna. Quanto maior a afinidade química entre os analitos vaporizados e o líquido que constitui a fase estacionária, mais tempo eles ficam retidos no líquido. Assim, é possível realizar a separação dos analitos presentes na amostra de acordo com o tempo de retenção. À medida que os analitos se desprendem da fase estacionária, eles são direcionados ao espectrômetro de massas para que sejam identificados. Fase estacionária Espectro de massas Detector Controlador do fluxo do gás de arraste Gás de arraste Injeção da amostra e vaporização Figura 32 – Representação do cromatógrafo a gás acoplado ao espectrômetro de massas Adaptada de: https://bit.ly/3x6hBM4. Acesso em: 18 nov. 2021. A cromatografia líquida de alta performance é eficaz na determinação de diferentes classes de compostos. Nela, a amostra, líquida, passa por uma fase estacionária sólida. A interação entre os analitos presentes na amostra e a fase sólida ocorre por diferentes mecanismos, e a separação é possível a partir da eluição dos analitos em solventes específicos. Após a eluição, obtém-se o espectro de massas. A eletroforese capilar é complementar às técnicas cromatográficas, pois promove a separação de compostos iônicos polares. Ela é baseada na separação dos analitos a partir da submissão a um campo elétrico. 75 BIOMEDICINA INTEGRADA A ressonância nuclear magnética por sua vez é uma técnica que se baseia na submissão da amostra a um campo magnético, seguida da determinação da configuração dos átomos de hidrogênio presentes nas moléculas que constituem a amostra. Trata-se de uma técnica relativamente simples e bastante abrangente, que pode ser realizada mesmo em amostras sólidas. 5.2.3 Aplicações da metabolômica As principais aplicações das análises do metaboloma são as indicadas a seguir: • Análises ambientais: avaliação da resposta dos organismos (plantas e animais) a fatores bióticos e abióticos, incluindo pesticidas e outros poluentes. • Análises clínicas: determinação do metaboloma de diferentes tipos de câncer; avaliação de biomarcadores de diversa doenças, de origem genética ou não. • Fisiologia do esporte: avaliação da performance durante o exercício físico e das alterações metabólicas decorrentes do doping. • Nutrição: relação entre dieta, estilo de vida e metabolismo. • Microbiologia e parasitologia: elucidação do metabolismo de bactérias, fungos, protozoários e helmintos. • Toxicologia: avaliação do uso de drogas e dos mecanismos de dependência. Observação O biomédico é o profissional que tem uma visão integrativa dos aspectos moleculares e clínicos envolvidos no estabelecimento de diferentes patologias. As ciências ômicas, em conjunto, são ferramentas que facilitam a análise desses aspectos. Nesse aspecto, o tratamento e a análise dos dados obtidos experimentalmente são fundamentais. Ela é feita por softwares específicos, acompanhados ou não de análises estatísticas. O biomédico habilitado em informática da saúde pode se especializar na avaliação desse tipo de dado e, assim, dar apoio às equipes multidisciplinares que conduzem as etapas experimentais e clínicas. 76 Unidade II 6 MICROBIOMA Você sabia que muitas doenças são originadas de alterações no nosso microbioma? O microbioma é o conjunto de todos os genes presentes em determinada microbiota. A microbiota humana, antigamente conhecida como flora humana, é o conjunto de todos os microrganismos que residem no nosso corpo. Ela é constituída principalmente de bactérias, mas também de algumas espécies de fungos, arqueas, vírus e protozoários. Vários tecidos e fluidos têm sua própria microbiota que, se equilibrada, convive em simbiose com nosso organismo. Observação Simbiose refere-se à interação entre duas espécies, que resulta em vantagens mútuas. Somados, os microrganismos que compõem nossa microbiota constituem cerca de 1 a 2% de nosso organismo. São trilhões de células que pertencem a milhares de espécies diferentes. Dizemos que nossa microbiota está em eubiose quando ela encontra-se em equilíbrio, com as diferentes espécies de microrganismos atuando em conjunto para a promoção da saúde do indivíduo. O estado de desequilíbrio é denominado disbiose, que pode ocorrer tanto pela diminuição da quantidade quanto da qualidade dos microrganismos que a compõem. A disbiose pode ser resultado de vários fatores como, por exemplo, o uso de medicamentos, principalmente os antibióticos; o estilo de vida do indivíduo, que inclui a prática de exercícios físicos e os hábitos de alimentação; além de fatores genéticos. Entre todos os microbiomas, o mais estudado – e complexo – é, sem dúvidas, o intestinal. Ele tem papel não somente na manutenção da saúde do tubo digestório, mas de outros sistemas orgânicos. É sobre o estudo do microbioma intestinal que vamos nos debruçar a partir de agora. Mas, afinal, qual a sua relevância e como estudá-lo? Qual a sua real importância na promoção da saúde humana? Para responder a essas perguntas, o texto será dividido em três partes: • Tópico 6.1: principais espécies de bactérias presentes no microbioma intestinal, assim como suas principais funções. • Tópico 6.2: relação entre o microbioma e as doenças, assim como as perspectivas de tratamento. • Tópico 6.3: conhecimento das principais técnicas utilizadas no estudo do microbioma. 77 BIOMEDICINA INTEGRADA 6.1 Principais espécies de bactérias que colonizam o intestino humano e suas funções A microbiota que habita o trato gastrointestinal humano é constituída principalmente de bactérias cuja população absoluta (aproximadamente 3,8 x 1013 células) é maior do que o total de células que temos em nosso organismo. O genoma dessas bactérias excede em cerca de 100 vezes o número de genes que temos em nossas células, ou seja, para cada gene humano, temos 100 genes provenientes das bactérias da microbiota intestinal. Portanto, não é de se estranhar que as bactérias intestinais participem de virtualmente todos os processos fisiológicos no corpo humano. A seguir, vamos identificar as principais funções da microbiota intestinal humana: • Promove proteção contra microrganismos patogênicos a partir da secreção de substâncias que inibem seu crescimento. • Proporciona o desenvolvimento e a maturação do sistema imunológico a partir do fortalecimento do mecanismo de tolerância imunológica e do tecido linfoide associado ao intestino. • Fortalece as mucosas intestinais a partir do estímulo da produção de muco protetor e de moléculas antibacterianas. • Metaboliza os nutrientes que não podem ser digeridos, como as fibras alimentares, e produz moléculas importantes para a saúde, principalmente, os ácidos graxos de cadeia curta. • Produz substâncias químicas que interagem com o tubo digestório. • Participa do eixo microbiota-intestino-cérebro a partir da secreção de inúmeras substâncias que incluem os neurotransmissores. • Atua na produção de vitaminas, como a B e a K. • Biotransforma medicamentos a partir do chamado metabolismo de primeira passagem. Lembrete O metabolismo de primeira passagem é a biotransformação do fármaco pelo fígado e/ou pela microbiota intestinal, antes de ele atingir a circulação sistêmica. 78 Unidade II 6.1.1 Desenvolvimentoda microbiota humana Embora alguns autores considerem que a placenta, o cordão umbilical e o líquido amniótico apresentem espécies de bactérias responsáveis por colonizar o intestino do feto, a maioria dos estudos indica que a colonização do intestino é iniciada ao nascimento pelo contato do neonato com as bactérias da mãe durante o parto vaginal. De fato, alterações na microbiota foram observadas em crianças nascidas por cesariana, uma vez que elas não entram em contato com a microbiota vaginal no momento do parto, mas com as bactérias presentes na pele da mãe. A amamentação também é importante para o desenvolvimento da microbiota no neonato. Os lactobacilos e as bifidobactérias predominam no intestino de crianças alimentadas exclusivamente com o leite materno. A proporção relativa daquelas alimentadas com leites formulados é menor e ocorre aumento concomitante da população de Clostridium spp., Bacteroides spp. e de membros da família Enterobacteriaceae. A partir dessa etapa da vida, o maior determinante da microbiota intestinal passa a ser a dieta. Quando os cereais, as frutas e os vegetais são introduzidos na dieta, aumenta a população de outras espécies do filo Bacteroidetes, Firmicutes e Actinobacteria, de modo que, ao completar um ano de idade, a criança já apresenta uma microbiota diferenciada e diversa, semelhante à dos adultos. O genoma dessas bactérias contém genes cujos produtos participam do metabolismo dos oligossacarídeos e das glicanas, o que resulta na produção de ácidos graxos de cadeia curta. Ademais, as bactérias da microbiota sintetizam vitaminas e outros metabólitos que participam da homeostase. Além da dieta, algumas evidências sugerem que fatores genéticos contribuem para a composição da microbiota, uma vez que sua similaridade foi maior entre gêmeos monozigóticos quando comparados com gêmeos dizigóticos. 6.1.2 Principais espécies de bactérias presentes na microbiota intestinal Os principais filos de bactérias presentes na microbiota intestinal são Proteobactérias, Actinobacterias, Bacteroidetes e Firmicutes. Mais de 90% delas pertencem aos dois últimos. O filo Bacteroidetes é composto de bactérias Gram-negativas com alto conteúdo GC. A maioria dos representantes que coloniza a mucosa intestinal pertencem aos gêneros Bacteroides e Prevotella. Observação O conteúdo GC é um parâmetro que se refere à porcentagem de resíduos de guanina-citosina no DNA. Constitui uma espécie de “impressão digital” dos organismos. As bactérias do filo Bacteroidetes são encontradas, em grande número, no intestino de pessoas veganas/vegetarianas ou de indivíduos que consomem grande quantidade de alimentos de origem vegetal. 79 BIOMEDICINA INTEGRADA Elas utilizam, como combustível energético, as glicanas e os oligossacarídeos presentes em frutas e legumes (fibras insolúveis e solúveis, respectivamente) e produzem, a partir da fermentação dessas moléculas, os ácidos graxos de cadeia curta (acetato, propionato e butirato, entre outros). O butirato, em particular, tem ação anti-inflamatória e está associado à manutenção do estado de homeostase. O O- Figura 33 – Fórmula estrutural do butirato Disponível em: https://bit.ly/3kNOLeg. Acesso em: 18 nov. 2021. A maioria das bactérias do filo Firmicutes, por sua vez, são cocos e bacilos Gram-positivos que apresentam baixo conteúdo GC. Alguns de seus exemplos são Lactobacillus spp. e Clostridium spp. Essas bactérias são mais encontradas no intestino daqueles que consomem carboidratos simples e gorduras de origem animal. Indivíduos que mantêm dietas carnívoras possuem microbiota intestinal menos diversa. Isso ocorre porque o consumo de gordura animal aumenta a produção de ácidos biliares que impedem a sobrevivência de várias espécies de bactérias, em especial, as do gênero Bacteroidetes. Além disso, vários estudos demonstraram que indivíduos magros apresentam maior proporção de Bacteroidetes do que de Firmicutes, o que indica que a microbiota também tem papel importante na reeducação alimentar a partir da metabolização de nutrientes presentes nos alimentos. Os produtos do metabolismo bacteriano, em especial, os ácidos graxos de cadeia curta, participam não somente da fisiologia do trato gastrointestinal, mas de outras funções em todo o organismo. Vamos, agora, explorar o papel dessas moléculas na manutenção da homeostase? 6.1.3 Ácidos graxos de cadeia curta As bactérias do filo Bacteroidetes são as principais produtoras de ácidos graxos de cadeia curta, principalmente o butirato, a partir da fermentação de oligossacarídeos e de glicanas presentes em alimentos de origem vegetal. Essas moléculas desempenham diferentes papéis no organismo humano, conforme segue: • Modulação do sistema imunológico: os ácidos graxos de cadeia curta causam aumento do número de linfócitos T regulatórios, regulam as atividades dos granulócitos e dos linfócitos, inibem a ativação do fator de transcrição NF-kappa B, que é pró-inflamatório, e reduzem a incidência de reações alérgicas. • Inibição da proliferação de bactérias patogênicas: o acetato e o lactato, em particular, são tóxicos para as espécies de bactérias causadoras de patologias intestinais. 80 Unidade II • Secreção de muco pelos enterócitos: o butirato aumenta a produção de mucina pelas células caliciformes do intestino, o que contribui para a proteção da mucosa intestinal. • Síntese das proteínas que participam das junções estreitas (tight junctions): as junções entre os enterócitos garantem uma barreira eficaz entre os microrganismos e as substâncias presentes na luz intestinal e a circulação sistêmica. Ao elevar a expressão das proteínas que participam dessas junções, o butirato garante que a integridade da barreira intestinal seja mantida. • Redução do estresse oxidativo: o butirato inibe a NADPH-oxidase e a produção de espécies reativas de oxigênio nas células endoteliais. • Diminuição do pH do intestino: pHs mais baixos estão relacionados com o aumento da absorção de minerais e da solubilidade dos sais biliares. • Aceleração do peristaltismo: os ácidos graxos de cadeia curta estimulam a musculatura lisa do tubo gastrointestinal, o que aumenta sua mobilidade. Observação Alterações na quantidade de bactérias produtoras de butirato podem desencadear o quadro de leaky gut, ou intestino permeável. Ele ocorre quando as junções estreitas entre os enterócitos são perdidas, o que faz com que uma série de substâncias e microrganismos atinjam a circulação sistêmica. A partir do exposto, entendemos o porquê de a disbiose poder resultar em doenças e em estados inflamatórios em todo o organismo, uma vez que os ácidos graxos de cadeia curta produzidos no intestino são absorvidos e, portanto, exercem seu papel benéfico nos diferentes sistemas orgânicos. 6.2 A disbiose e o desenvolvimento de doenças Alterações quali e quantitativas na microbiota intestinal, como resultado do uso de antimicrobianos e de outros medicamentos, de dietas pobres em fibras vegetais e ricas em gorduras animais, dos nascimentos por cesariana, da falta de amamentação e do uso de agentes antissépticos, entre outros, estão relacionadas com o desenvolvimento de doenças. Existem diversos estudos que associam o microbioma intestinal não apenas com o desenvolvimento de doenças no tubo digestório, como, por exemplo, a colite pseudomembranosa e as doenças intestinais inflamatórias crônicas, mas com o estabelecimento de processos alérgicos; com o desenvolvimento de câncer, de diabetes dos tipos 1 e 2 e de insuficiência renal; e com uma série de condições do sistema nervoso central, que incluem o autismo, o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, a depressão, o transtorno bipolar, a ansiedade e até mesmo a doença de Parkinson. 81 BIOMEDICINA INTEGRADA Vamos, agora, entender como isso acontece e o que pode ser feito como tratamento de algumas dessas afecções a partir da intervenção na microbiota. 6.2.1 A microbiota e as doenças intestinais A disbiosepode favorecer o crescimento de espécies de bactérias que, mesmo pertencendo à microbiota normal, são potencialmente patogênicas. Uma das principais é a Clostridium difficile, que causa quadro de colite pseudomembranosa e cuja proliferação é prevenida pelas bactérias das famílias Ruminococcaceae, Lachnospiraceae e Porphyromonadaceae, e ao gênero Bacteroides. Essas bactérias competem com a C. difficile pelo ambiente intestinal e são capazes de secretar substâncias que controlam a população no intestino. A importância da diversidade da microbiota intestinal para a prevenção da colite pseudomembranosa por C. difficile é evidenciada pelo fato de que uma das principais causas dessa condição é o uso de antibióticos de amplo espectro. Outros medicamentos, como os inibidores da bomba de prótons, também predispõem ao quadro de diarreia por C. difficile, pois diminuem a população de Bacteroidetes e aumentam a de Firmicutes. Alterações da microbiota intestinal ainda foram observadas em outras doenças inflamatórias do intestino, como, por exemplo, a doença de Crohn, – embora não se saiba ainda se a disbiose, nesse caso, seja causa ou consequência da doença – e a colite ulcerativa – provavelmente relacionada com aumento de população de Fusobacterium no intestino. No caso da dispepsia, há indícios de que os principais causadores do quadro – que inclui gases, sensação de empachamento, queimação e náuseas após uma refeição – seriam os ácidos graxos de cadeia curta produzidos pelas bactérias da microbiota, que, em excesso, causam alteração da secreção de bicarbonato e nas populações de bactérias presentes na luz do trato gastrointestinal superior. Alterações na microbiota foram, também, observadas em casos de flatulência, constipação e cólica. 6.2.2 A microbiota e as alergias A inter-relação entre a microbiota e o sistema imunológico resulta não somente na aquisição de tolerância a bactérias comensais e a antígenos presentes em alimentos, como permite que o sistema imunológico reconheça e ataque bactérias patogênicas. Além de influenciar a resposta imune localmente, a microbiota influencia a imunidade inata e adaptativa em nível sistêmico. Essas evidências foram colhidas a partir de estudos realizados em camundongos sem microbiota, que desenvolveram alterações significativas na imunidade e nos níveis de imunoglobulinas IgA, ausência de muco protetor e alteração no sistema linfático associado à mucosa do intestino. 82 Unidade II Lembrete As imunoglobulinas IgA atuam a partir da inibição da aderência dos microrganismos à mucosa e da aglutinação e depuração deles. As alergias alimentares, por exemplo, surgem da quebra do mecanismo de imunotolerância a antígenos presentes nos alimentos em um processo altamente dependente da microbiota intestinal. O mecanismo de imunotolerância envolve a ativação de linfócitos T reguladores (Treg) por antígenos presentes nos alimentos. Ele sofre influência de vários elementos, que incluem fatores genéticos e epigenéticos, amamentação, uso de antibióticos e de inibidores da bomba de prótons, utilização de agentes antissépticos, dieta, convívio com animais de estimação etc. Vários deles, como você pode notar, são capazes de alterar a microbiota. Embora não se compreenda, até o momento, quais bactérias da microbiota são responsáveis pelo desenvolvimento das alergias alimentares, sabe-se que a disbiose precede o estabelecimento da alergia e que afeta não apenas a ocorrência, mas o curso da alergia. Assim, a microbiota intestinal nos seis primeiros meses de vida é a mais relevante para o desenvolvimento de alergias alimentares. A hipótese da higiene diz que a incidência de alergias e de doenças autoimunes é maior em indivíduos que não foram expostos aos patógenos nos primeiros anos de vida. Neles, o sistema imunológico não é estimulado de maneira adequada, o que compromete o estabelecimento do mecanismo de tolerância. Mais tarde, observou-se que os microrganismos presentes na microbiota, se alterados durante a infância, podem modular, intensificar ou inibir os mecanismos de resposta do sistema imunológico, de modo a causar doenças autoimunes e/ou alergias. Saiba mais Para entender a sustentação científica da hipótese da higiene, leia a dissertação a seguir: PEIXOTO, R. P. L. S. A hipótese da higiene: sustentação científica. 2010/2011. Dissertação (Mestrado Integrado em Medicina) – Universidade do Porto, Porto, 2010/2011. Disponível em: https://bit.ly/2Zi9Ztl. Acesso em: 18 nov. 2021. Em crianças que foram tratadas com antibióticos, notou-se redução do número de linfócitos Treg, que têm como papel principal a regulação da resposta imune e a manutenção da autotolerância. Como resultado, antígenos que, antes, não eram capazes de desencadear resposta imune, passam a fazê-lo. 83 BIOMEDICINA INTEGRADA Observação Autotolerância é a capacidade do sistema imunológico distinguir o que é próprio (self) daquilo que não é próprio (non-self). Além disso, animais sem microbiota intestinal não apresentam linfócitos Th17, o que mostra a importância dos microrganismos intestinais no estabelecimento da imunidade adaptativa. Portanto, a microbiota eubiótica modula positivamente os linfócitos Treg e estabelece a resposta Th17. Essa relação foi comprovada pela administração de ácidos graxos de cadeia curta a camundongos sem microbiota intestinal. Esses importantes metabólitos bacterianos induziram ao aumento do número de células Treg e diminuíram as respostas alérgicas dos animais. A administração a animais de experimentação de bactérias do gênero Clostridium, que são produtoras de ácidos graxos de cadeia curta, teve efeito semelhante: observou-se aumento dos linfócitos Treg, de imunoglobulinas IgA e manutenção da permeabilidade do intestino. Em camundongos humanizados, aos quais foi administrada a microbiota intestinal humana eubiótica, também foi constatado aumento das células Treg e diminuição dos processos alérgicos. 6.2.3 A microbiota e a diabetes mellitus tipo 2 Hábitos alimentares inadequados e sedentarismo são dois fatores relacionados ao estabelecimento do quadro de diabetes do tipo 2. Como os hábitos alimentares são o principal fator responsável pelas alterações na microbiota, é de se esperar que a disbiose esteja relacionada com o estabelecimento dessa doença metabólica. De fato, alterações na microbiota de indivíduos com diabetes do tipo 2 foram observadas em comparação com aqueles sem a doença. Essas modificações parecem ser independentes do índice de massa corporal (IMC) do indivíduo que, como já vimos, também pode ser resultado de sua microbiota. A principal mudança ocorreu em relação à diminuição das bactérias produtoras de butirato. O uso da metformina, que constitui a primeira escolha no tratamento da diabetes, está relacionado com aumento da população de bactérias produtoras de butirato, o que pode contribuir para sua ação. Além disso, foi observado crescimento da população de Escherichia coli, que refere-se ao efeito adverso de diarreia. Observação A metformina reduz a gliconeogênese e a glicogenólise, eleva a sensibilidade do músculo à insulina e retarda a absorção de glicose no intestino. 84 Unidade II Além disso, o perfil metabólico de indivíduos com resistência à insulina mostrou aumento da biossíntese de aminoácidos de cadeia ramificadas. Esses aminoácidos são produzidos por algumas poucas espécies de bactérias, entre elas a Prevotella copri e a Bacteroides vulgatus, o que sugere que a microbiota é um importante fornecedor desses aminoácidos no quadro de resistência à insulina. Outra bactéria importante é a Akkermansia muciniphila. Ela coloniza o muco e está diminuída nos indivíduos com pré-diabetes, o que indica que ela pode ser usada como um biomarcador da condição. Sua abundância está relacionada com o metabolismo saudável, mesmo em indivíduos obesos, por modular o metabolismo da glicose e as vias metabólicas ativadas nos estados de restrição calórica. 6.2.4 A microbiotae o câncer A disbiose está relacionada, indiretamente, com o desenvolvimento de vários tipos de câncer. Alterações na microbiota intestinal foram observadas não somente em indivíduos com neoplasias gastrointestinais, mas pulmonares, de mama e melanomas. O principal fator envolvido parece ser as alterações do sistema imunológico causados pela microbiota. Os ácidos graxos de cadeia curta, por exemplo, são capazes de inibir mecanismos pró-tumorais e, portanto, a diminuição na sua síntese aumenta a predisposição ao câncer. Além disso, a microbiota deficiente altera a capacidade do sistema imunológico de reconhecer as células tumorais, o que influencia não apenas no estabelecimento da doença, como no sucesso da imunoterapia para seu tratamento. Saiba mais A relação entre a microbiota e o câncer é explorada no texto a seguir: HARTT, V. Microbioma e câncer, limites e oportunidades. Onconews, 2019. Disponível em: https://cutt.ly/GTVzFb5. Acesso em: 18 nov. 2021. 6.2.5 A microbiota e os transtornos do sistema nervoso central O eixo intestino-cérebro compreende o conjunto das vias neurais que integram o sistema nervoso entérico aos sistemas límbico, nervoso autônomo, endócrino e imunológico. Veremos a seguir como ocorrem as divisões: • O sistema nervoso entérico é constituído pelos nervos e por células da glia que inervam o tubo gastrointestinal, a vesícula biliar e o pâncreas. Sua função é controlar o peristaltismo, a secreção de suco gástrico e a permeabilidade do epitélio, entre outros. 85 BIOMEDICINA INTEGRADA • O sistema límbico é a unidade do sistema nervoso central responsável pelas emoções e pelos comportamentos sociais. O hipocampo e a amídala são estruturas do sistema límbico que participam do eixo intestino-cérebro. • O sistema nervoso autônomo é dividido em simpático e parassimpático, cujas respostas atuam, de maneira integrada, na manutenção da homeostase e na resposta ao estresse. • O sistema endócrino é representado pelo eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal, cujo principal hormônio efetor, o cortisol, medeia respostas ao estresse e regula negativamente o sistema imunológico, entre outras funções. • O sistema imunológico inclui o tecido linfoide associado à mucosa intestinal e a outros compartimentos, necessários para que haja uma resposta sistêmica e integrada. Hipersecreção de CRF Aumento de resposta ao CRF Alteração da motilidade Hipersecreção de CRF Hipotálamo Córtex Hipertrofia CRF Aumento da atividade dos macrófagos e liberação da citocinas pró-inflamatórias Excesso de Excesso de cortisolcortisol Rompimento Rompimento da barreira da barreira epitelialepitelial Hipocampo e amídala Nervo vago Cortisol Hipófise Imuno- mediadores Sistema imuneSuprarrenal Cortisol Cortisol ACTH Neurotransmissores (5-HT, NE, DA) Figura 34 – Ativação do eixo intestino-cérebro. CRF: corticotropin releasing factor (fator liberador de corticotrofina); ACTH: adrenocorticotropic hormone (hormônio adrenocorticotrófico); 5-HT: serotonina; NE: norepinefrina; DA: dopamina Adaptada de: Zorzo (2017). 86 Unidade II O objetivo desse eixo é integrar as respostas cognitivas e emocionais geradas no sistema nervoso central com os gânglios do sistema nervoso entérico. Isso explica por que diferentes transtornos psiquiátricos têm efeitos gastrointestinais, como, por exemplo, vômitos, diarreia e aumento da motilidade, ou ainda alteram a secreção hormonal e a ativação do sistema imunológico. Por exemplo, as alterações de apetite são classicamente relacionadas a quadros de depressão; as crises de ansiedade frequentemente cursam com diarreia e náuseas; e diferentes desordens gastrointestinais coexistem com o autismo, a esquizofrenia e a doença de Parkinson. O inverso também pode ser observado: a síndrome do intestino irritável, por exemplo, causa alterações do humor, como ansiedade e estresse. A microbiota intestinal também participa do eixo intestino cérebro. Por esse motivo, muitos autores se referem a esse complexo conjunto como eixo intestino-microbiota-cérebro. As bactérias que colonizam o intestino regulam as respostas de natureza central, neuroimune e neuroendócrina que caracterizam o eixo intestino-cérebro. A seguir, são apresentados os principais mecanismos envolvidos nessa regulação. • No tubo digestório, os ácidos graxos de cadeia curta promovem o aumento do peristaltismo, regulam a produção de muco e aumentam a expressão de proteínas que participam das junções estreitas entre as células da mucosa. • Diversos metabólitos bacterianos, em conjunto com as citocinas produzidas pelo sistema imunológico e os neurotransmissores produzidos em diferentes subdivisões do sistema nervoso, atingem o sistema nervoso central, em que promovem a maturação da microglia. • Esses produtos bacterianos também participam da regulação do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal, de modo a aumentar a síntese de cortisol, que, por sua vez, regula a ativação da microglia e das células do sistema imunológico, além de induzir as respostas relacionadas ao estresse crônico. • Algumas espécies de bactérias são capazes de sintetizar neurotransmissores, como, por exemplo, a serotonina, a dopamina e o ácido gama-aminobutírico (GABA), que participam das respostas do sistema nervoso central relacionadas ao humor, ao processamento de emoções e ao estado de ansiedade. Observação A microglia é um grupo de células do sistema neuroimune que participa da vigilância imunológica, do estabelecimento de sinapses e da fagocitose de restos celulares. Esse eixo pode estar alterado nos transtornos psiquiátricos. Vamos entender como? 87 BIOMEDICINA INTEGRADA A microbiota intestinal de pacientes com depressão maior tem diferenças significativas em relação àquela de pessoas sem o transtorno. E mais: quando a microbiota de indivíduos com depressão foi transferida para animais de experimentação, eles passaram a apresentar comportamentos depressivos. Diversas espécies de bactérias que habitam o intestino são capazes de produzir norepinefrina, dopamina e serotonina, neurotransmissores cuja diminuição está relacionada com o estabelecimento da depressão maior. No entanto, não se sabe ainda em que extensão os neurotransmissores de origem bacteriana são importantes na manutenção do estado de humor do indivíduo. As bactérias também são responsáveis por direcionar o metabolismo do triptofano, aminoácido a partir do qual a serotonina é produzida. Existe uma hipótese que diz que, em indivíduos deprimidos, as bactérias intestinais poderiam ser as responsáveis por uma menor disponibilidade desse aminoácido para a produção da serotonina. Com relação aos gêneros de bactérias, Coprococcus e Dialister parecem não estar presentes na microbiota intestinal de alguns pacientes com depressão, independentemente de eles estarem ou não sob tratamento medicamentoso. Ademais, a presença das bactérias produtoras de butirato dos gêneros Faecalibacterium e Coprococcus foi associada com melhor prognóstico. Lembrete O butirato é um ácido graxo de cadeia curta produzido por diversas espécies de bactérias que habitam a microbiota intestinal. Além do efeito antidepressivo, o butirato possui o neuroprotetor. O aumento na produção dessa substância pela microbiota intestinal está relacionado com a melhora de pacientes portadores de doenças neurodegenerativas, como a coreia de Huntington, o mal de Alzheimer e o mal de Parkinson. O mal de Parkinson é uma condição, crônica e progressiva, de etiologia não completamente conhecida, que afeta a via nigroestriatal do sistema nervoso central. A progressão da doença leva aos distúrbios do movimento, devido à perda seletiva de neurônios dopaminérgicos na substância negra, com consequente depleção de dopamina no estriado. Sintomas gastrointestinais precedem os motores. Por esse motivo, o papel da microbiota no desenvolvimento do quadro tem sido extensivamente estudado. Vários estudos mostraram que a microbiota intestinal de pacientes com malde Parkinson apresenta altos níveis de Lactobacillus spp., Bifidobacterium spp., Akkermansia spp. e de bactérias do filo Verrucomicrobiaceae. Os níveis de Faecalibacterium spp., Coprococcus spp., Blautia spp. e Prevotella spp., por outro lado, encontram-se diminuídos. 88 Unidade II De maneira interessante, as Bifidobacterium spp., que são abundantes na microbiota de pacientes com mal de Parkinson, estão diminuídas naqueles com mal de Alzheimer. A relação da dieta com os distúrbios neurocomportamentais representados pelos transtornos do espectro do autismo e do déficit de atenção e da hiperatividade já foi alvo de muita pesquisa. Sabe-se que os aditivos alimentares, o açúcar refinado e alguns tipos de gorduras têm papel no estabelecimento dessas condições, o que sugeriu, desde o início dos estudos, que a microbiota influencia o estabelecimento desses quadros. O estudo da microbiota de pessoas com autismo mostrou aumento na proporção relativa de bactérias dos gêneros Clostridium e Suterella no intestino e de bactérias relacionadas com o metabolismo da lisina na saliva. De maneira semelhante ao observado em casos de depressão, o transplante da microbiota intestinal de pessoas com autismo para animais de experimentação fez com que eles desenvolvessem comportamentos típicos do autista. Uma das principais causas do aumento da população de Clostridium spp. na microbiota intestinal dos indivíduos com autismo é o uso de antibióticos de amplo espectro. De fato, existem estudos que correlacionam a ingestão frequente de antibióticos por crianças que desenvolveram o espectro autista. 6.2.6 A microbiota e a Covid-19 Desde 2020, vários estudos têm explorado a relação entre a microbiota intestinal e o desenvolvimento de quadros graves de Covid-19. A Covid-19 acomete, primariamente, o sistema respiratório, uma vez que ele é a porta de entrada do vírus Sars-Cov-2 no organismo. No entanto, outros sistemas também podem ser afetados, como, por exemplo, o gastrointestinal, o que está relacionado com o desenvolvimento de vômitos, diarreia e/ou dor abdominal, principalmente no início da infecção. Nesses casos, a disfunção intestinal causada pelo vírus induz à alteração da microbiota e ao aumento das citocinas inflamatórias. De maneira interessante, as comorbidades que estão relacionadas à maior probabilidade de desenvolvimento da forma grave da Covid-19 (hipertensão, diabetes e obesidade, por exemplo) também estão associadas com alterações na microbiota. A abundância de Coprobacillus, Clostridium ramosum e Clostridium hathewayi foi associada com maior severidade da Covid-19. Por outro lado, a presença de altos níveis de Faecalibacterium prausnitzii, uma bactéria anti-inflamatória, conferiu proteção contra as manifestações gastrointestinais da doença. Além disso, quanto maior a produção de ácidos graxos de cadeia curta pela microbiota, menor a quantidade de Sars-Cov-2 nas fezes, o que mostra o papel protetor desses metabólitos na infecção (DHAR; MOHANTY, 2020). Várias espécies do gênero Bacteroides regulam negativamente os níveis de ECA2 (enzima conversora da angiotensina 2) no intestino. Como essa proteína está relacionada com a entrada do vírus no organismo, 89 BIOMEDICINA INTEGRADA levanta-se a hipótese de que o aumento da proporção relativa delas no intestino dos infectados seria uma estratégia interessante para diminuir a severidade da doença (DHAR; MOHANTY, 2020). Além disso, alguns estudos mostram que a microbiota do trato respiratório pode estar alterada nos casos graves de Covid-19. Susceptibilidade elevada à infecção e aos quadros graves da doença estaria relacionada com maior número, porém menor diversidade, de microrganismos na microbiota das vias aéreas (KHATIWADA; SUBEDI, 2020). 6.2.7 Estratégias para correção da microbiota Anteriormente, aprendemos que a disfunção da microbiota intestinal está relacionada com o desenvolvimento de várias doenças. Mas, então, a correção dela seria uma estratégia terapêutica válida? A redução da diversidade microbiana, os baixos níveis relativos de bactérias produtoras de butirato e de outros ácidos graxos de cadeia curta, a infecção por Clostridium difficile e os altos níveis de lactato, de metano e de ácidos graxos de cadeia ramificada (valerato, isovalerato, isobutirato e caproato) são indicativos de que a microbiota deve ser corrigida. Existem vários procedimentos que visam à correção da microbiota intestinal. As principais estão listadas a seguir. • mudança dos hábitos alimentares; • uso de prebióticos, probióticos, simbióticos e/ou posbióticos; • transplante de material fecal. Com relação à mudança dos hábitos alimentares, vários estudos têm mostrado os benefícios sobre a microbiota de adotar a dieta mediterrânea, que é baseada no consumo de vegetais, frutas, cereais, sementes, ovos e peixes. Esse tipo de dieta fornece substratos para o crescimento de populações de bactérias capazes de produzir ácidos graxos de cadeia curta, em especial o butirato. Observação Os legumes e as frutas apresentam oligossacarídeos e glicanas, que são substratos para a síntese de ácidos graxos de cadeia curta pelas bactérias da microbiota. Os carboidratos não digeríveis presentes nos alimentos de origem vegetal são considerados prebióticos, pois são substratos para o crescimento de determinadas populações de bactérias. 90 Unidade II Os probióticos, por sua vez, são preparados contendo bactérias vivas que visam ao restabelecimento da microbiota normal. Quando eles são ingeridos com prebióticos, temos um simbiótico. Entre esses produtos, os probióticos são os mais utilizados. Existe uma diversidade de probióticos disponíveis na atualidade, e o uso do representante mais adequado é possível após a realização de exames específicos. A maioria dos suplementos contendo probióticos contém bactérias dos gêneros Lactobacillus, Bifidobacterium e Bacillus. A comercialização de probióticos não é uma área extensivamente regulada e a maioria dos produtos disponíveis para compra não é rigorosamente testada. Portanto, ao adquirir um probiótico, é necessário prestar atenção se a espécie e a cepa das bactérias são indicadas na embalagem. Isso é muito importante porque, por exemplo, uma espécie em particular de Bifidobacterium ou de Lactobacillus pode ser efetiva para melhorar os sintomas da depressão e da ansiedade, enquanto outra, não. Também importante é o número de bactérias vivas presentes na preparação, em unidades formadoras de colônia (CFU, colony forming unit). A maioria dos estudos recomenda o consumo de, pelo menos, um bilhão de CFU por dia. Além disso, é essencial se perguntar: qual o nível de evidência de que as espécies de bactérias que estou consumindo são úteis no tratamento da doença que eu apresento? Esse probiótico foi testado em humanos? Quais os resultados? Uma alternativa ao uso dos suplementos alimentares contendo probióticos é a ingestão de preparações fermentadas, como o kombucha e o kefir. Elas contêm bactérias vivas que são benéficas para a manutenção da microbiota saudável. No entanto, esses produtos não sofrem um controle de qualidade, e os hábitos de higiene do manipulador, entre outros fatores, podem alterar a composição das bactérias presentes nas matrizes. Os posbióticos são itens do metabolismo bacteriano. O mais usado no tratamento de várias doenças é o butirato. Como vimos, esse ácido graxo de cadeia curta exerce diferentes ações e pode ser usado no tratamento da colite ulcerativa, doença renal crônica, diabetes e doença de Alzheimer, entre outras. O transplante de material fecal é estratégia capaz de restaurar completamente a microbiota intestinal que se mostrou muito eficaz no tratamento da diarreia crônica, especialmente por C. difficile. Como nem todos os microrganismos da microbiota podem ser isolados e cultivados em laboratório para a produção de probióticos, essa alternativa mostrou ser a mais adequada nesses casos. Essa técnica consiste no processamento e na administraçãodo material derivado das fezes por colonoscopia ou sonda nasogástrica. 91 BIOMEDICINA INTEGRADA Uma saúde em simbiose O trato digestivo humano é um complexo ecossistema deformado por bilhões de bactérias que auxiliam na digestão Uma nova população se estabiliza no cólon e recoloniza o cólon Antibiótico Transplante fecal Introdução da comunidade bacteriana de um doador restaura o balanço do ecossistema Sistema em colapso Tubo nasogástrico Morte indiscriminada Antibióticos matam bactérias capazes de causar infecção e a microbiota “nativa“ Os esporos do C. difficile resistem e assumem o cólon, causando danos e diarreia 5 4 3 2 1 Figura 35 – Transplante de material fecal Disponível em: https://bit.ly/3olsarT. Acesso em: 18 nov. 2021. 6.3 Métodos de estudo do microbioma humano A presença de microbiota nos diferentes tecidos (boca, vagina, intestino, pele etc.) já é reconhecida há muito tempo. Porém, seu estudo, antes do advento das técnicas de biologia molecular, era muito limitado. Antigamente, para identificar as diferentes espécies que constituem a microbiota, era necessário cultivar cada microrganismo individualmente em meios de cultura específicos, o que, na prática, era impossível, já que vários deles não crescem facilmente in vitro. Na atualidade, diferentes técnicas de sequenciamento de DNA permitem que os microrganismos sejam identificados a partir da sequência de seus genes, o que permite que a variedade de microrganismos que constituem a microbiota seja conhecida em detalhes. A partir desses estudos, cunhou-se o termo microbioma, que se refere ao conjunto de genes que compõe determinada microbiota. Vamos, agora, conhecer as técnicas de biologia molecular aplicadas ao estudo do microbioma? 92 Unidade II 6.3.1 Metagenoma Metagenômica é a técnica que permite estudar genomas de microrganismos sem a necessidade de realizar culturas individuais. A principal forma utilizada, para tal, é o sequenciamento, total ou parcial, do DNA desses microrganismos. O sequenciamento do material genético bacteriano permite não somente a classificação dessas bactérias nos diferentes táxons, mas a identificação de genes-chave para a manutenção da homeostase do hospedeiro e da própria microbiota. Observação Táxon é a unidade taxonômica pela qual indivíduos ou conjuntos de espécies são identificados. Exemplo: Escherichia coli, Clostridium difficile etc. Nos estudos de metagenômica, o material fecal é coletado e processado para a extração de DNA e RNA. Esse material genético pode, então, ser analisado a partir de duas técnicas diferentes: o sequenciamento do RNA ribossômico 16S ou o sequenciamento completo do DNA genômico. O sequenciamento do RNA ribossômico 16S (rRNA 16S) é a técnica mais utilizada. Ele está presente em praticamente todas as bactérias e é altamente conservado entre as espécies. A determinação das sequências de rRNA 16S presentes na amostra permite identificar quais as espécies constantes na microbiota, assim como sua abundância. Trata-se da metodologia de referência para a análise taxonômica das bactérias. Nela, o DNA que codifica o rRNA 16S é amplificado pela reação em cadeia da polimerase (PCR), com o uso de oligonucleotídeos iniciadores (primers) complementares às sequências que codificam esse RNA. Os amplicons são então sequenciados, e as sequências obtidas submetidas a banco de dados para a identificação das espécies contidas na amostra. O sequenciamento do genoma bacteriano completo, por sua vez, permite a avaliação funcional dos genes expressos nas diferentes espécies de bactérias. Para isso, são utilizadas as técnicas de sequenciamento shotgun e, mais recentemente, o sequenciamento NGS. 93 BIOMEDICINA INTEGRADA Identificação das espécies de bactérias e análises funcionais Identificação das espécies de bactérias Interpretação dos resultados Interpretação dos resultados Sequenciamento do DNA genômico Análise do rRNA 16S Extração do DNA/RNA Amostra de fezes Figura 36 – Ferramentas de análise metagenômica Fonte: Butler et al. (2019, p. 750). Observação O biomédico pode tanto atuar na pesquisa básica da metagenômica das bactérias da microbiota como no diagnóstico. Vários laboratórios já oferecem o exame de determinação do microbioma, o que tem se mostrado útil no diagnóstico complementar e no tratamento das doenças cuja etiologia ou progressão envolve alterações no microambiente intestinal. Saiba mais Leia sobre a determinação do microbioma intestinal como técnica diagnóstica e entenda mais a respeito em: SILVEIRA, A. C. O. Microbioma intestinal: o que é, qual a sua função e por que fazer o exame? GeneOne, 2020. Disponível em: https://cutt.ly/ITVz5Zw. Acesso em: 18 nov. 2021. 6.3.2 Metatranscriptoma, metaproteoma e metaboloma A presença de um gene não significa que ele será transcrito em um fragmento de RNA e traduzido em uma proteína. Para determinar quais genes do microbioma estão ativos, lança-se mão das técnicas de metatranscriptoma e metaproteoma. 94 Unidade II Do ponto de vista experimental, o metatranscriptoma é semelhante ao metagenoma. A principal diferença é que o material genético analisado é o RNA mensageiro (mRNA), e não o DNA genômico. Afinal, o objetivo é avaliar o conjunto de transcritos de genes da microbiota. Ao determinar o conjunto de transcritos da microbiota, é possível avaliar quais genes são induzidos ou reprimidos em diferentes condições e também diferenciar as espécies de bactérias ativas daquelas que estão inertes ou mortas. O metaproteoma, por sua vez, avalia quais proteínas são efetivamente expressas pela célula bacteriana, visto que nem todo mRNA será traduzido em proteína. Lembre-se de que as proteínas são as unidades funcionais da célula, afinal, elas medeiam a maioria dos processos biológicos. Essa análise é realizada pela técnica de espectrometria de massa e permite a avaliação da funcionalidade da microbiota em diferentes condições. É importante ressaltar que a metaproteômica permite a identificação e a quantificação de todos os organismos que compõem o microbioma, independentemente da sua origem filogenética. Além disso, ela possibilita a avaliação das proteínas do hospedeiro, o que é importante quando se deseja avaliar a interação entre o microbioma e o organismo que o hospeda. Por último, temos o metaboloma, que lança mão de diferentes técnicas – como, por exemplo, a cromatografia, a eletroforese e a espectrometria de massas – para identificar e quantificar os produtos do metabolismo das espécies que compõem a microbiota em diferentes fluidos, como as fezes, a urina, o plasma, o soro e a saliva. As amostras de fezes são as mais utilizadas na análise do metaboloma. Com essa abordagem, é possível determinar: • a presença dos produtos do metabolismo microbiano, como, por exemplo, os ácidos graxos de cadeia curta; • as moléculas secretadas pelas células do hospedeiro, como, por exemplo, peptídeos antimicrobianos; • os metabólitos que são produto do cometabolismo do hospedeiro e de seu microbioma; e • o perfil metabólico da microbiota durante o tratamento medicamentoso. Os resultados dos estudos de metagenômica, metatranscriptômica, metaproteômica e metabolômica podem ser integrados a fim de se obter um amplo painel de todos os processos envolvidos no equilíbrio e no desequilíbrio da microbiota em diferentes condições. 95 BIOMEDICINA INTEGRADA Saiba mais O artigo a seguir mostra a integração entre o metagenoma, o metatranscriptoma e o metaproteoma na avaliação de indivíduos com diabetes tipo 1. Acesse-o em: HEINTZ-BUSCHART, A. et al. Integrated multi-omics of the human gut microbiome in a case study of familial type 1 diabetes. Nature Microbiology, v. 2, n. 16180, 2016. Disponível em: https://cutt.ly/hTVxkqN. Acesso em: 18 nov. 2021. Lembrete A seguir apresentaremos novamente o significado de alguns termos: Metagenoma: sequência dos genes da microbiota. Metatranscriptoma: avalia quais genes são transcritosem mRNA. Metaproteoma: avalia quais transcritos são traduzidos em proteínas. Metaboloma: avalia os produtos do metabolismo da microbiota. 7 NANOBIOTECNOLOGIA Você certamente já ouviu o termo “nano” em diferentes contextos. Nanocosméticos, nanocápsulas, nanocompostos etc. Eles têm, em comum, o fato de serem produzidos com materiais de dimensões nanométricas a partir dos conhecimentos obtidos em uma área do conhecimento denominada nanobiotecnologia. A nanobiotecnologia é, portanto, a ciência que integra a biologia e a nanotecnologia para o desenvolvimento de nanomateriais com potencial uso na medicina, na física médica, na cosmecêutica e no desenvolvimento de fármacos. Os nanomateriais apresentam dimensão externa na ordem do nanômetro (nm) – geralmente entre 1 e 100 nm. Sua ocorrência pode ser natural (algumas partículas minerais), acidental (material particulado resultante das reações de combustão incompleta) ou artificial (nanotubos de carbono produzidos em laboratório). 96 Unidade II Um nanômetro corresponde a 10-9 metros ou a um bilionésimo do metro. É como comparar o tamanho de uma bola de futebol ao planeta Terra! Por conta das suas dimensões diminutas, as propriedades dos nanomateriais são únicas. São muitas as aplicações, reais e potenciais, dos nanomateriais na área da saúde. Alguns exemplos estão listados a seguir. • As nanoenzimas são enzimas artificiais usadas no diagnóstico e no tratamento de doenças. • Nos nanofármacos, os princípios ativos podem ser encapsulados em estruturas nanométricas ou associados a nanopartículas metálicas que os direcionam diretamente para o sítio de ação. • De maneira semelhante, os pesticidas podem ser encapsulados em nanopartículas, o que diminui a quantidade necessária para o efeito desejado. • Os filtros nanoestruturados são capazes de reter partículas nanométricas, o que melhora a qualidade da água e do ar. • Sensores nanométricos permitem a detecção de tumores em estágio inicial, e nanorrobôs podem realizar cirurgias minimamente invasivas. • As nanobolhas possibilitam a descontaminação da água de maneira rápida e efetiva ao atrair os vírus, as bactérias e as pequenas partículas para seu interior. • Os nanocosméticos promovem a melhor penetração dos princípios ativos na pele. Observação As vacinas contra a Covid-19 produzidas pela Moderna e Pfizer são consideradas nanofármacos, pois, nelas, o mRNA viral encontra-se encapsulado em nanopartículas lipídicas. Algumas das tecnologias citadas ainda estão sendo testadas em caráter experimental. Outras já estão disponíveis para uso – sendo os principais exemplos os nanofármacos e os nanocosméticos. Em alguns casos, o alto custo e o desconhecimento dos efeitos, em longo prazo, da liberação dos nanocompostos na biosfera representam obstáculos para sua disseminação. O potencial tóxico de alguns nanomateriais sobre os organismos vivos e o meio ambiente é um aspecto importante a ser considerado. De qualquer maneira, não podemos negar que a nanobiotecnologia veio incrementar os campos da saúde, agricultura, indústria etc. Tanto é que alguns estudiosos consideram que estamos diante de uma nova revolução tecnológica. 97 BIOMEDICINA INTEGRADA Vamos, agora, conhecer melhor o mundo da nanobiotecnologia? • Tópico 7.1: tipos de nanomateriais e como eles são produzidos. • Tópico 7.2: aplicações da nanotecnologia na medicina, indústria farmacêutica e cosmetologia. • Tópico 7.3: efeitos tóxicos dessas partículas sobre os organismos e o meio ambiente. 7.1 Processos de produção e tipos de nanomateriais Nanotubos de carbono, nanopartículas metálicas, nanoemulsões e nanocompósitos. Estes são os principais tipos de nanomateriais usados no desenvolvimento de uma série de produtos já disponíveis comercialmente. Cada tipo de nanomaterial é adequado para um determinado conjunto de aplicações, como veremos posteriormente. No entanto, independentemente do tipo, eles podem ser produzidos a partir de dois processos, descritos a seguir: • Top-down: baseado na fragmentação de estruturas maiores, por ablação, corte e/ou moagem, até atingir a dimensão nanométrica. • Bottom-up: parte de moléculas ou átomos individuais que, ao interagirem, formam estruturas de dimensão nanométrica. Material mássico Pó (micropartículas) Top-down Nanopartículas Bo tto n- up Átomos Aglomerados antônicos Figura 37 – Abordagens top-down e bottom-up para a produção de nanopartículas Fonte: Oliveira et al. (2020, p. 102). Vamos agora conhecer detalhes de cada tipo de nanomaterial, para que, então, possamos entender seus usos. 98 Unidade II Nas áreas industrial e laboratorial, alguns dos principais nanocompostos são os nanotubos de carbono. Eles podem ser usados em uma série de produtos devido a suas características únicas. Apresentam alta resistência e baixa densidade, e, além disso, têm características metálicas, semicondutoras ou supercondutoras, dependendo de sua configuração. Observação O tamanho reduzido dos nanomateriais faz com que eles apresentem propriedades únicas, diferentes das observadas nos materiais de dimensões normais. Alguns exemplos são atividade elétrica, magnetismo, resistência à deformação (reologia) etc. Podemos citar como exemplos de itens já produzidos com nanotubos de carbono: emissores de elétrons para televisores; sensores de gases e sensores biológicos; sondas dos microscópios de força atômica; compósitos com alta resistência mecânica, utilizados para diferentes finalidades; baterias de lítio; memórias de computador; entre outros. Um nanotubo de carbono caracteriza-se pelo enrolamento de uma ou várias folhas de grafeno de maneira a formar um tubo de dimensões nanométricas. Esse tubo pode ter uma única camada (nanotubo de parede simples) ou várias camadas concêntricas (nanotubo de paredes múltiplas). Observação Folha de grafeno é um arranjo bidimensional de átomos de carbono sp2, arranjados em hexágonos. O empilhamento dessas folhas origina o grafite. Átomos de carbono sp2 estabelecem uma ligação dupla e duas ligações simples, ou uma ligação pi e três ligações sigma. B)A) Figura 38 – Representação esquemática da estrutura de nanotubos de carbono: (A) nanotubo de parede simples e (B) nanotubo de parede múltipla Fonte: Zarbin (2007, p. 1473). 99 BIOMEDICINA INTEGRADA As nanopartículas metálicas são produzidas a partir de metais e usadas como sensores, catalisadores, carreadores de fármacos etc. Elas apresentam propriedades únicas quando comparadas com os metais que as originaram. Têm a tendência de se organizarem de maneira estruturada, o que resulta na automontagem de estruturas mais complexas. Nanopartículas de ouro automontadas, por exemplo, são utilizadas na fabricação de sensores, tratamentos fototérmicos e processos catalíticos. E) A) F) B) G) C) H) D) 200 nm 500 nm 100 nm 100 nm 100 nm 100 nm 50 nm 20 nm Figura 39 – Diferentes formatos das nanopartículas de prata: (A) nanoesferas, (B) nanoprismas, (C) nanobarras, (D) nanofios, (E) nanocubos, (F) nanopirâmides, (G) nanoarrozes e (H) nanoflores Fonte: Loiseau et al. (2019, p. 6). Nanoemulsões são dispersões nas quais o tamanho das partículas apresenta escala nanométrica, entre 10 e 100 nm. Elas vêm sendo muito utilizadas na formulação de cosméticos e medicamentos. Observação Uma emulsão se forma quando é feita a mistura de dois líquidos imiscíveis, ou seja, líquidos que não se misturam (exemplo: água e óleo). Nela, o líquido que está disperso origina partículas nanométricas. Na produção de nanoemulsões, são usados homogeneizadores de alta pressão ou geradores de ultrassom, que fornecem a energia necessária para que haja quebra (cisalhamento) das partículas até a escala nanométrica. Sua estabilidade é garantida pela adição de tensoativos que impedem que as partículas nanométricas agreguem por diferentes mecanismos. 100 Unidade II Nanoemulsão estável Cremeação Sedimentação Floculação Coalescência ou maturação de Ostwald Figura 40 –Fenômenos físico-químicos que podem afetar a estabilidade das nanoemulsões Disponível em: Borrin (2015, p. 19). Nanocompósitos são materiais que apresentam pelo menos um componente com dimensões nanométricas. Neles, as partículas nanométricas (nanocargas) estão dispersas em uma matriz amorfa, de natureza metálica, cerâmica e/ou polimérica, constituindo diferentes arranjos. Esse tipo de material é produzido a partir de diferentes reações de polimerização, sendo utilizado principalmente nas indústrias automobilística e de embalagens. Estrutura esfoliada Estrutura intercalada Argila Estrutura aglomerada Polímero Figura 41 – Tipos de nanocompósitos poliméricos de argila Fonte: Tedesco (2007, p. 10). 101 BIOMEDICINA INTEGRADA 7.2 Aplicações da nanobiotecnologia 7.2.1 Nanocosméticos Os primeiros produtos produzidos com nanopartículas foram os cosméticos. No Brasil, a O Boticário foi a primeira empresa a desenvolver e comercializar um creme antissinais para o rosto, chamado Nanoserum, em 2005. Nele, as vitaminas A, C e K, além dos demais ativos, são carreadas por nanoestruturas para as camadas mais profundas da epiderme. É exatamente essa a principal vantagem dos nanocosméticos sobre as fórmulas tradicionais. Por apresentarem diâmetro diminuto, de até 100 nm, sua capacidade de permear a pele é maior, o que resulta no direcionamento dos princípios ativos diretamente para o local de ação. Observação A epiderme, camada mais externa da pele, é constituída de epitélio pavimentoso estratificado queratinizado, o que dificulta a permeação de uma série de substâncias. Outras vantagens dos nanocosméticos são proteção contra a degradação dos princípios ativos, controle da sua liberação, prolongamento de ação na camada córnea etc. Alguns exemplos de cosméticos que contêm nanomateriais constam a seguir: • Filtros solares que usam nanopartículas de óxido de zinco para bloquear os raios ultravioleta, sem deixar a pele demasiadamente esbranquiçada pela aplicação do cosmético. • Filtros solares que usam nanopartículas presentes na seiva de uma planta popularmente conhecida como hera. Elas mostraram ser mais efetivas do que as nanopartículas de óxido de zinco. • Cremes que contêm proteínas, derivadas de células-tronco, capazes de retardar o envelhecimento da pele. Elas são encapsuladas em lipossomos que se fundem à membrana das células da pele, o que permite que as proteínas atuem internamente. • Loções que contêm nutrientes encapsulados em nanopartículas suspensas em nanoemulsão. O tamanho diminuto das nanopartículas, quando comparadas às emulsões convencionais, possibilita que elas penetrem mais profundamente na pele. • Loções que usam nanopartículas chamadas etossomas, elas são capazes de carrear nutrientes que promovem o crescimento capilar. 102 Unidade II Observação Etossomas são sistemas vesiculares produzidos por combinações de fosfolipídios, etanol e água. Elas permitem que substâncias de difícil permeação (como, por exemplo, o Minoxidil, usado no tratamento da calvície) atinjam seu local de ação. 7.2.2 Nanomedicina A nanomedicina trata da aplicação da nanotecnologia no diagnóstico, na prevenção e no tratamento das enfermidades. Os nanotubos de carbono, por exemplo, apresentam alteração na sua resistência elétrica quando uma proteína encosta neles. Essa é a base dos nanossensores biológicos, que podem ser arranjados em estruturas mais complexas, denominadas biochips. Uma vez que a amplitude da alteração da resistência elétrica depende da proteína que encosta nos nanotubos, é possível detectar e monitorar, com grande sensibilidade, aquelas que são biomarcadores de doenças. Já existem biochips que, quando introduzidos próximos ao tumor, avaliam sua evolução e a efetividade do tratamento quimioterápico e radioterápico praticamente em tempo real. Outro exemplo de biochip em desenvolvimento é aquele que, quando implantado em diabéticos, possibilita dosar a glicose dos pacientes de maneira rápida e eficaz, sem a necessidade de retirar uma amostra de sangue. Os resultados da aferição são transferidos diretamente para o aparelho celular do paciente! Tudo leva a crer que esse biochip estará disponível comercialmente em alguns anos. Observação Biomarcadores são moléculas, principalmente proteínas, cujas alterações na concentração indicam a ocorrência de uma determinada patologia. Outra área de aplicação da nanotecnologia é a produção de biomateriais. Eles são compostos de estruturas moleculares em nanoescala de forma a manter a estrutura e a função idênticas, ou muito próximas, àquelas encontradas em nosso corpo. Alguns exemplos em estudo são vasos sanguíneos; pele e órgãos artificiais; e dispositivos para corrigir a visão e a audição. 7.2.3 Nanofármacos Os nanofármacos são sistemas terapêuticos nanoestruturados que visam a aumentar o alcance terapêutico e a eficácia dos princípios ativos contra diferentes patologias. Isso é possível graças ao 103 BIOMEDICINA INTEGRADA direcionamento celular e à liberação controlada que esses nanossistemas proporcionam. Algumas de suas vantagens são: • aumento da biodisponibilidade; • maior tempo de meia-vida plasmática; • redução das doses e/ou elevação do intervalo entre doses; • diminuição dos efeitos adversos. Observação Biodisponibilidade é a fração do fármaco inalterado que atinge a circulação sistêmica. Tempo de meia-vida plasmática é o período que demora para a concentração plasmática do fármaco cair pela metade. Nanofármacos já estão sendo utilizados no tratamento de diversos tipos de câncer, o que proporciona o direcionamento do quimioterápico para seu local de ação; de doenças oftalmológicas, o que resulta em melhor permeação pelas barreiras oculares; e de transtornos do sistema nervoso central, devido à facilidade em atravessar a barreira hematoencefálica. Alguns exemplos de nanofármacos em desenvolvimento são nanopartículas carreadoras que direcionam o fármaco para seu local de ação; moléculas de fármacos encapsuladas em nanopartículas lipídicas, chamadas de lipossomas; curativos com nanogeradores que aplicam pulsos elétricos diretamente na ferida, o que acelera a cicatrização; nanopartículas poliméricas que atuam como plaquetas sintéticas, para interromper hemorragias internas; nanorrobôs capazes de reparar células doentes etc. 7.2.4 Nanotecnologia aplicada à microscopia Na área da pesquisa básica, a nanotecnologia permite explorar a estrutura de diferentes materiais. Os microscópios de força atômica, por exemplo, permitem a observação dos objetos em três dimensões. Nesse tipo de microscópio, uma sonda, que pode conter nanotubos de carbono, varre a amostra a ser analisada. A interação entre os nanotubos e os átomos da superfície da amostra possibilita a reconstrução tridimensional. A resolução da imagem chega a 1 angstrom, o que é realmente impressionante! Observação Um angstrom corresponde a 10-10 m, ou seja, a 01, nm. Trata-se de uma unidade de medida utilizada para lidar com grandezas da ordem do átomo. 104 Unidade II Figura 42 – Imagem de uma superfície varrida por sonda de microscópio de força atômica Disponível em: https://bit.ly/3oNWIBz. Acesso em: 18 nov. 2021. 7.2.5 Nanopartículas de prata As nanopartículas de prata apresentam propriedades desinfetantes e antissépticas e, por serem capazes de eliminar bactérias, podem ser impregnadas em próteses ósseas e tecidos, além de outros materiais hospitalares. Os demais usos incluem a fabricação de cosméticos, produtos eletrônicos etc. Essas nanopartículas, quando em contato com microrganismos, são capazes de inibir seu crescimento e sua infectividade. O mecanismo proposto é a interação entre a carga positiva presente nos íons Ag+, positivos e a membrana plasmática dos patógenos, que apresenta carga negativa. Como consequência, a permeabilidade da membrana aumenta, o que resulta em morte celular. Uma vez na célula bacteriana, as nanopartículas de prata desestabilizam ligações dissulfeto presentes
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