Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE (IFRS) NO BRASIL O processo de convergência do Brasil às Normas Internacionais de Contabilidade, mais conhecidas pela sigla inglesa IFRS (International Financial Reporting Standards), tem se desenvolvido a passos largos. O primeiro estágio, de implementação propriamente dita, ocorrido entre 2008 e 2010, foi bastante agitado, ainda havia muito desconhecimento das normas e uma dificuldade exagerada de implementação prática de novos (e alguns “velhos”, porém renomeados) conceitos. Passada essa fase conturbada, estamos agora tendo a oportunidade de entender melhor, sedimentar, amadurecer essa nova realidade contábil, e até de contribuir para discussões e aperfeiçoamentos do modelo contábil internacional, afinal, é cada vez maior a participação do Brasil, tanto com profissionais inseridos na estrutura do IASB, quanto com o envolvimento de entidades e órgãos normatizadores no processo de discussão de padrões contábeis. É importante destacar que, muitas vezes, não há uma única ou melhor resposta para os casos, afinal, uma característica fundamental muito marcante das IFRS é o fato de que elas são baseadas em princípios, o que requer exercício de julgamento e torna a aplicação prática muito desafiadora e longe de ser binária, isso ou aquilo, preto ou branco, certo ou errado. Considerações iniciais O ano de 2010 foi considerado um verdadeiro divisor de águas da contabilidade brasileira. O processo de convergência para as Normas Internacionais de Contabilidade, as IFRS, foi, sem dúvida, a maior mudança ocorrida na contabilidade nacional desde a publicação da Lei no 6.404 no ano de 1976. A First Time Adoption of IFRS pelas companhias abertas no Brasil concluiu um processo iniciado com a publicação da Lei no 11.638/07, que determinou as primeiras alterações no sentido da harmonização da contabilidade brasileira. O caminho da convergência para as normas internacionais de contabilidade no Brasil passou pela importante criação de um órgão único para a emissão de normas de con- tabilidade: o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). Foi também fundamental, nesse processo, o papel do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários – CVM e da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, que decidiram, entre 2006 e 2007, que as empresas por eles reguladas teriam que adotar as IFRS tais como emitidas pelo IASB nas demonstrações consolidadas a partir do ano de 2010. De suma importância igualmente foi o papel da nossa Autoridade Tributária, a Secretaria da Receita Federal do Brasil, no sentido de atuar rumo a uma convergência sem impactos tributários para as empresas, bem como o apoio institucional e operacional do Conselho Federal de Contabilidade - CFC. A adoção inicial das IFRS em 2010 representou, portanto, o fim desse ciclo inicial de mudanças rumo à harmonização da contabilidade brasileira. Entretanto, é fato que este foi apenas o início de toda uma mudança de filosofia na forma como as companhias elaboram e divulgam suas informações financeiras ao mercado. A mudança de uma contabilidade baseada em regras (rules based) para uma contabilidade baseada em princípios (principles based) aumentou o nível de julgamento exigido pelos responsáveis pela elaboração e pela auditoria das demonstrações contábeis. Esse novo ordenamento contábil, onde a essência econômica dos eventos econômicos prevalece sobre a forma jurídica (substance over form), gera, portanto, uma série de desafios conceituais e práticos para contadores, auditores, gestores e analistas de mercado. De acordo com Martins, Diniz e Miranda (2012), todo esse processo normativo novo tem uma filosofia completamente diferente da que nós, latinos, estávamos acostumados. É fato, portanto, que precisaremos deixar a zona de conforto das “regras contábeis” e aprender a emitir julgamentos e opiniões visando refletir a visão verdadeira e apropriada (true and fair view) das demonstrações contábeis. Cabe registrar que em alguma extensão já vínhamos respeitando muitos desses princípios na nossa contabilidade societária no Brasil até então. Aprovação da Lei no 11.638 em dezembro de 2007: o arcabouço legal para a adoção das normas internacionais O cenário contábil alterou-se drasticamente com a aprovação da Lei no 11.638/2007, resultando uma profunda alteração da legislação societária brasileira, com o objetivo principal de viabilizar a adoção das IFRS no Brasil para um conjunto bem mais amplo de sociedades – todas as sociedades por ações e também as empresas limitadas (“Limited Liability Companies”) consideradas de grande porte. A citada lei representou o fundamento jurídico antes inexistente para viabilizar a convergência rumo às IFRS. Conforme Martins et al. (2013), o texto legal não só determinou a convergência, como também produziu alterações na lei de dispositivos que antes impediam a adoção de várias dessas normas internacionais, além de determinar a expressa segregação entre a contabilidade fiscal e societária. A nova lei trouxe, a partir de 2008, algumas mudanças importantes, como a alteração da estrutura das Demonstrações Contábeis, a inclusão da DFC – Demonstração dos Fluxos de Caixa – como demonstração obrigatória, a criação de uma conta no Patrimônio Líquido para viabilizar a contabilização dos Outros Resultados Abrangentes, entre outras profundas alterações. Outro aspecto importante trazido pela nova lei – e do qual o Brasil foi praticante quase isolado no mundo, com pouquíssimas jurisdições seguindo esse caminho – foi a necessidade de adoção de novos padrões contábeis no nível da contabilidade individual TAMBÉM, e não somente nas demonstrações consolidadas, como tem sido a adoção das IFRS ao redor do mundo. Esse fato poderia ter sérias consequências para as companhias brasileiras, já que poderia provocar alterações na distribuição de dividendos e também na tributação. Para evitar efeitos indesejados, especialmente por conta das possíveis consequências tributárias, a nova lei de 2007 também trouxe o conceito de neutralidade fiscal, para tentar não provocar efeitos no recolhimento dos impostos decorrentes das mudanças contábeis. Em 2008, foi emitida a Medida Provisória no 449/08 (posteriormente convertida na Lei no 11.941/09), instituindo o RTT – Regime Tributário de Transição –, que aprimorou e de fato viabilizou o conceito de neutralidade tributária (GUZMAN; BARRETO, 2013). Essa legislação fez com que a contabilidade financeira adotada no Brasil pudesse se separar da contabilidade tributária, algo que não havia acontecido até então; pelo contrário, como já dito, o tratamento tributário costumava orientar, se não condicionar, as práticas contábeis no Brasil. A nova lei promulgada em dezembro de 2007 e que trouxe modificações funda- mentais para propiciar a adoção das IFRS no Brasil foi adotada progressivamente, com a adoção completa de fato ocorrendo apenas em 2010, e com a participação fundamen- tal do CPC, que, a partir da nova lei, passou a emitir os Pronunciamentos Contábeis baseados fundamentalmente nas IFRS. Desafios conceituais De acordo com Martins et al. (2013), as normas internacionais de contabilidade possuem algumas características básicas: i) são baseadas muito mais em princípios do que em regras; ii) são baseadas na prevalência da essência sobre a forma; iii) os conceitos de controle, obtenção de benefícios e suporte de riscos pre- valecem sobre a propriedade jurídica para o registro de ativos, passivos, receitas e despesas; e iv) necessitam, para sua implementação prática, de vários agentes da empresa e não apenas do contador. Obviamente, esse novo ordenamento contábil tem gerado diversos desafios conceituais, em decorrência de nossa cultura, sistemalegal, influência tributária, dentre outros, que discutimos a seguir. Desafios culturais e jurídicos: aplicar normas baseadas no direito anglo-saxão (common law) em um país de direito romano (civil law) As normas internacionais de contabilidade, nascidas e gestadas com base na filosofia do direito consuetudinário, baseado em princípios, se tornam de difícil aplicação prática no Brasil, pois a cultura e os princípios aqui praticados são tipicamente originados do direito codificado, baseado em regras. Não é incomum haver discussões práticas em que os auditores ou mesmo reguladores se prendem ao texto das normas e resistem a interpretá-lo no contexto de cada caso específico. De acordo com Lage e Weffort (2009), experiências anteriores têm mostrado que nem sempre a convergência de direito (normas) conduz à convergência de fato (prática). Um exemplo típico dessa dificuldade reside na leitura de requerimentos de divul- gação existentes nas IFRS. Em geral, os preparadores e auditores leem tais exigências com a típica prática de check-list, pouco ou nada interpretando tais exigências no cenário real. Não é por outra razão que o tamanho das demonstrações financeiras das empresas divulgadas no Brasil tem sido considerado exagerado, com muitas informações eventualmente desnecessárias ou irrelevantes (problema ao qual se adicionam eventuais omissões de informações relevantes). Verifica-se em determinados casos que as Notas Explicativas acabam por “explicar” muito pouco. Algumas ainda são meras reproduções de partes dos pronunciamentos contábeis. Apesar do conflito common law × code law, cabe registrar que, desde a edição da Lei das Sociedades por Ações, em 1976, e respectiva criação, nesse ano, da Comissão de Valores Mobiliários, já havia grande entendimento no mundo empresarial brasileiro dos conceitos de common law derivados das normas contábeis norte-americanas, os “US GAAP”, largamente utilizados em alguma extensão no Brasil, inclusive com o apoio da CVM. O mundo das normas contábeis baseadas em princípios não nos era totalmente desconhecido, embora somente com a convergência às IFRS as respectivas práticas passaram a ter amplo respaldo legal. Abandono de um modelo contábil com “foco tributário” e migração para um modelo contábil “informacional” No cenário anterior à adoção das IFRS, como já dito, grande parte das demonstrações contábeis no cenário nacional não era preparada para informar os investidores e credores, e sim para atender às exigências legais e fiscais; quando existem conflitos entre as exigências, os aspectos legais ou tributários (a “forma”) geralmente prevaleciam (sobre a “essência econômica”). Obviamente, a adoção de critérios fiscais na contabilidade societária prejudicava a qualidade da informação e acaba por reduzir sua utilidade para os usuários do mercado de capitais. Consequentemente, a utilização de normas tributárias prejudica a eficiência desse mercado, haja vista que recursos eram alocados com base em números contábeis pouco fidedignos e enviesados. Conforme mencionado anteriormente, a edição da Lei no 11.638/07 permitiu a separação entre a contabilidade financeira e a tributária; afinal, conceitual e praticamente, elas têm objetivos distintos. Enquanto a contabilidade financeira atende às necessidades informacionais dos investidores e credores e segue os GAAPs (atualmente definidos pelo IASB), a contabilidade tributária possui características próprias para atender às necessidades dos governos e segue a legislação tributária. Logo, como tem objetivos e arcabouços conceituais distintos, é necessário que haja essa separação. Apesar disso, ainda percebe-se, na prática, uma “herança” perversa do modelo anterior de influência da legislação tributária na prática contábil brasileira. Um típico exemplo dessa influência remanescente reside na determinação de taxas de depreciação. Muito embora essa determinação devesse seguir, na contabilidade financeira, os princípios estabelecidos pelas IFRS, percebemos que uma quantidade não irrelevante de companhias brasileiras ainda continuam mantendo taxas de depreciação baseadas na legislação tributária (TELLES, 2014). Note-se, portanto, que a prática anterior de empresas brasileiras de seguir as taxas de depreciação admitidas como dedutíveis pela legislação fiscal faz com que seja muito difícil a adoção generalizada de taxas com base numa avaliação gerencial adequada da vida útil para a empresa dos imobilizados e do seu valor residual. Portanto, a definitiva, real e efetiva segregação da contabilidade societária da contabilidade fiscal é ainda um ponto a ser perseguido, representando um grande desafio por todos aqueles envolvidos no processo contábil. Aumento do julgamento e da subjetividade: necessidade de uma mudança cultural e comportamental de contadores, auditores, gestores e analistas (sem esquecer os reguladores, os educadores e os advogados do direito societário) A adoção das IFRS no Brasil trouxe aos participantes que lidam com a informação contábil, seja na preparação, na auditoria, na regulação ou na análise propriamente dita, a necessidade de compreenderem que esse novo modelo contábil é extensivamente baseado em julgamento profissional e, obviamente, sujeito a maior subjetividade em todas as etapas do processo contábil – reconhecimento, mensuração e divulgação. Dentro desse contexto, tornou-se extremamente importante a divulgação de uma nova informação, até então inexistente nas notas explicativas das demonstrações contábeis das empresas brasileiras: informações sobre as premissas e estimativas contábeis críticas. A adaptação a esse novo cenário requer uma profunda mudança cultural e de comportamento. A alta gestão das empresas deve estar ciente desse fato e deve garantir que a área contábil das organizações possa desenvolver os julgamentos necessários, sempre em conjunto com outras áreas da empresa, o que requer um esforço coletivo de todos os envolvidos. Hoje, mais do que nunca, o preparo de demonstrações financeiras sob as IFRS é uma atividade colegiada, em que as decisões das áreas operacionais (Human Resources, Treasury, Risk Management, Production, IT, New Businesses, dentre outras) devem ser avaliadas CONJUNTAMENTE com a contabilidade para que sejam entendidos os impactos em financial reporting. Os auditores, por sua vez, precisam “julgar o julgamento” do seu cliente, o que pode ser uma tarefa bem complexa, ainda mais se considerarmos que os auditores são contratados por diversos clientes e podem ter resistência em aceitar conclusões distintas em casos semelhantes. A auditoria, nos “velhos tempos”, numa super-simplificação da realidade, defrontando-se com um registro contábil limitava-se a pedir o documento-suporte ao cliente. Hoje, o papel da auditoria é “desafiar” (challenge) o cliente a justificar qual prática contábil este escolheu adotar e por quê. Os analistas estão na condição mais delicada, pois em geral têm poucas condições de influenciar o processo contábil, mas são afetados diretamente por ele, já que as informações analisadas possuem um grau de subjetividade bem maior do que antes. E last but not least estão os reguladores, os advogados do direito societário e os educadores: os primeiros com o desafio de incorporar nas normas passíveis de enforcement as novas práticas contábeis; os advogados, para que estejam em sintonia com as alternativas de práticas contábeis vis-à-vis os diplomas legais. Já os educadores enfrentam o desafio de ensinar às futuras gerações de contadores, auditores, advogados, financistas os fundamentos e os detalhes práticos do novo ordenamento contábil brasileiro (vide a seguir comentários sobre educação e treinamento). Entendemos que essa adaptaçãotem ocorrido no Brasil, mas ainda é um desafio, pois mudanças culturais e de comportamento não são mudanças obtidas apenas a partir da mudança de uma lei ou norma. Desafios práticos da profissão O ensino das IFRS apresenta diversos desafios. Um deles é a barreira do idioma, já que, no Brasil, a língua oficial é a língua portuguesa. Porém, as normas internacionais e muitos dos materiais de apoio para ensino em IFRS se encontram em língua inglesa. Outra dificuldade relaciona-se à necessidade de reduzir a ênfase, que sempre existiu no Brasil, no ensino de contabilidade tributária. Mas talvez a maior das dificuldades esteja no ensino de um padrão contábil baseado em princípios para alunos que vivem em um ambiente legal de direito codificado e que tinha um modelo contábil eminentemente baseado em regras. Agora, o aluno precisa entender que a contabilidade não é mais resolvida com uma regra, pois a partir de agora os comandos normativos são principiológicos. Trata-se de uma mudança filosófica, especialmente difícil de ser aplicada para profissionais que já estavam vivenciando as práticas contábeis anteriores às IFRS (LOPES, 2011; CARVALHO; SALOTTI, 2013). Nesse processo, será fundamental o desenvolvimento da capacidade de pensamento crítico dos profissionais contábeis. Como não existem regras para todas as transações e detalhes, haja vista que as normas IFRS são baseadas em princípios, há de se utilizar a subjetividade. Professores e educadores, estejam apenas em salas de aula ou também assessorando empresas, estão, portanto, diante de um imenso desafio: educar e treinar a nova safra de profissionais para um mundo onde a interpretação, o julgamento e as habilidades de pensamento crítico serão fundamentais. Considerações finais O objetivo do presente capítulo, à luz da “Revolução Contábil” trazida pelas normas IFRS, foi apresentar um breve histórico da evolução do Modelo Contábil Brasileiro e igualmente reconhecer desafios futuros da disciplina Contábil no cenário nacional. Inicialmente, buscou-se apresentar como o difícil processo de adoção das IFRS ocorreu no Brasil. Entendemos que, apesar de todas as dificuldades enfrentadas, o Brasil obteve pleno sucesso nesse processo e o saldo foi muito positivo para a evolução das práticas contábeis e dos próprios profissionais da área contábil-financeira. De acordo com Martins et al. (2013), com a completa convergência em 2010 às normas do IASB o Brasil foi o primeiro país do mundo a ter balanços individuais e consolidados conforme as normas internacionais (acompanhado da Itália). É importante enfatizar que 2010 foi apenas o início de uma nova jornada, sendo que ainda existe um longo caminho a ser percorrido até que tenhamos total consistência e comparabilidade em todos os aspectos das demonstrações contábeis preparadas de acordo com as IFRS. Passados quatro anos da adoção formal das IFRS, ainda há, é claro, muito a ser superado. Influências fiscais, práticas contábeis anteriores, subjetividade das normas, adaptações locais, cultura, comportamento, enforcement e conhecimento são alguns dos componentes que desafiam a convergência às IFRS no Brasil. Algumas dessas dificuldades também foram apontadas por Espejo et al. (2010). Porém, entendemos que o mais difícil já passou e, a partir de agora, o Brasil começa a amadurecer o seu entendimento sobre as normas internacionais. Tanto preparadores quanto auditores e analistas (e reguladores) já demonstram ter muito mais conhecimento das IFRS do que em 2010 e, à medida que novas gerações de profissionais entrem no mercado já formados desde a base no novo padrão contábil, a mudança de comportamento e a aplicação de princípios em uma jurisdição acostumada a regras passarão a se tornar algo mais natural e intuitivo. Nesse novo “paradigma contábil”, entendemos ser fundamental o papel da educação e do treinamento contábil. Professores e educadores em geral estão, portanto, diante de um imenso desafio: preparar profissionais dotados de pensamento crítico para interpretar normas, emitir julgamentos sobre transações e eventos econômicos de modo a produzir informações contábeis de qualidade que sejam úteis para a tomada de decisão econômica dos agentes no mercado. Acreditamos que a educação contábil será o fator determinante para o sucesso da convergência completa da contabilidade brasileira às normas internacionais, inclusive abarcando as chamadas “pequenas e médias empresas”. A educação e o treinamento sobre esse novo ordenamento contábil precisam ser levados aos quatro cantos do Brasil, para os novos estudantes e também para os contadores mais experientes. Foi com esse pensamento, tendo em vista esse imenso desafio e visando dar uma pequena contribuição, que elaboramos este livro. Entendemos que a utilização de “casos” pode auxiliar no ensino dessa nova “filosofia” contábil. FONTE: SALOTTI, Bruno Meirelles; MURCIA, Fernando Dal-Ri; CARVALHO, Nelson; FLORES, Eduardo. IFRS no Brasil: Temas avançados abordados por meio de casos reais. São Paulo: Atlas, 2015. O estágio da internacionalização das normas contábeis Artigo "Em um tempo de novidades, tecnologias, conexões e informações, a globalização toma uma dimensão cada vez mais importante. No âmbito econômico, sua relevância é ainda maior, já que se caracteriza pelo conjunto de mudanças no processo de produção e prestação de serviços, nas relações de trabalho, no papel do Estado, na facilitação do fluxo de pessoas, capitais, serviços e informações ao redor do mundo. Nesse ambiente de internacionalização da economia, fortalecimento do mercado de capitais, aumento de investimentos estrangeiros diretos e formação de blocos econômicos, as informações econômico-financeiras para avaliação conjuntural e tomada de decisão se tornaram imprescindíveis. Nessa ótica, tendo em vista que as demonstrações contábeis são importantes fontes de informações para orientar as decisões de investimento, financiamento e previsões, elas servem de suporte para negociações em qualquer parte do mundo. Diante dessa conjuntura, a padronização de normas e regras foi um processo inevitável e fundamental para o bom andamento das relações e negociações internacionais. Entre os benefícios, essa utilização de procedimentos convergentes faz com que haja uma redução de custos. Por exemplo, uma entidade que tenha subsidiárias ou filiais em outros países fará o demonstrativo contábil somente uma vez, tendo em vista que os usuários da contabilidade de todo o mundo compreenderão essa linguagem padronizada. Além desse ganho de eficiência, outro benefício, muito bem-vindo, é o aumento da transparência, tanto no setor privado quanto no setor público. Buscando traçar uma cronologia do processo de convergência da Contabilidade brasileira aos padrões internacionais, podemos elencar como sendo o primeiro passo a criação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), relacionado às normas do setor privado. Esse Comitê foi idealizado a partir da união de esforços e comunhão de objetivos das seguintes entidades: Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Nacional), B-3 (Bolsa de Valores) e Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). Criado pela Resolução CFC n.º 1.055, de 2005, o CPC tem como objetivo estudar, preparar e emitir Pronunciamentos Técnicos sobre procedimentos de Contabilidade, bem como divulgar informações dessa natureza. O intuito é permitir a emissão de normas pelas entidades reguladoras brasileiras, visando à centralização e à uniformização do seu processo de produção, levando sempre em contaa convergência da Contabilidade brasileira aos padrões internacionais. Outra ação importante foi a criação do Comitê Gestor da Convergência no Brasil, estabelecido pela Resolução CFC n.º 1.103/2007. Esse Comitê é composto pelo CFC, Ibracon, CVM e Bacen. Sua atribuição principal é identificar e monitorar as ações a serem implantadas para viabilizar a convergência das normas contábeis e de auditoria, a partir das Normas Brasileiras de Contabilidade (NBCs) editadas pelo CFC e dos Pronunciamentos de Contabilidade e Auditoria editados pelo CPC. A intenção é promover o alinhamento das normas brasileiras às melhores práticas internacionais em matéria regulatória, quais sejam, as Normas Internacionais de Contabilidade para o setor privado emitidas pelo International Accounting Standards Board (Iasb) e as Normas Internacionais de Auditoria e Asseguração, Contabilidade Pública e Código de Ética da Profissão emitidos pela International Federation of Accountants (Ifac). O passo seguinte desse processo se deu com as alterações na Lei das Sociedades Anônimas (6.404/1976), promovidas pelas leis n.os 11.638/2007 e 11.941/2009. Essas leis introduziram novos conceitos, métodos e critérios contábeis e fiscais, buscando harmonizar as regras contábeis adotadas no Brasil aos padrões internacionais de contabilidade (International Financial Report Standart - IFRS). Esses passos foram de suma importância à medida que recepcionaram a transparência internacional de regras e informações contábeis que passaram a ser observadas por todas as companhias abertas e pelas empresas de grande porte, quando da elaboração de suas demonstrações contábeis. Vale destacar que o primeiro pronunciamento do CPC foi editado em 2007. Além disso, podemos ressaltar o ano de 2010 como sendo o auge do processo, quando as empresas listadas na Bolsa de Valores tiveram que apresentar seus balanços no novo padrão, e também o momento que o CFC implantou as Normas Internacionais de Auditoria no Brasil em parceria com o Ibracon. Nesse ponto, convém mencionar que o Iasb é o principal normatizador contábil do setor privado do mundo, responsável por emitir os padrões internacionais de contabilidade (IFRS) atualmente adotadas em mais de 100 países . O objetivo do Iasb é desenvolver um conjunto único de pronunciamentos contábeis de alta qualidade, compreensíveis, exequíveis e aceitáveis globalmente, tendo por base princípios claramente articulados. Como esses pronunciamentos se dão de forma contínua, o processo de convergência deve seguir nessa direção, ocorrendo gradual e regularmente. Quanto ao patamar do processo, já foi realizada a convergência do Código de Ética da profissão, concluída em 2014, e das normas aplicadas ao setor privado e à auditoria, concluída em 2010. Em 2015, em uma nova etapa, o CFC elegeu como uma das suas prioridades para os próximos anos a convergência das normas aplicadas ao setor público. No entanto, vale ressaltar que os movimentos em relação à convergência das normas do setor público iniciaram cerca de oito anos antes. É pertinente lembrarmos que a contabilidade pública brasileira é regida pela Lei n.º 4.320/1964. Essa legislação tem como base principal os aspectos orçamentários. Certamente, essa lei era muito moderna em seu tempo, porém, nos dias atuais, os aprimoramentos são fundamentais, já que ocorreram transformações significativas no ambiente governamental. Sem dúvidas, esse novo cenário exige uma modernização da legislação sobre orçamento, finanças, contabilidade pública e controle. Assim, tendo em vista o papel institucional do CFC e as orientações estratégicas relacionadas à Contabilidade Aplicada ao Setor Público, bem como o mandamento legal contido na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), foi editada a Portaria do Ministro da Fazenda n.º 184/2008. Essa Portaria determinou à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) o desenvolvimento de algumas ações para promover a convergência às Normas Internacionais de Contabilidade aplicadas ao Setor Público, ou International Public Sector Accounting Standards (IPSAS) publicadas pelo International Public Sector Accounting Standards Board (IPSASB/Ifac). Essas normas estão sendo convergidas como Normas Brasileiras de Contabilidade aplicadas ao Setor Público (NBC TSP), editadas pelo Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Essa ação tem por objetivo auxiliar as entidades do setor público na implantação das mudanças necessárias para se atingir esse novo padrão. Desde 2007, o processo de convergência das normas do setor público conta com o Grupo Assessor (GA) com representantes das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e da academia. Em 2008, o CFC editou o documento “Orientações Estratégicas para a Contabilidade Aplicada ao Setor Público no Brasil”, o qual estabelece diretrizes relacionadas à promoção e ao desenvolvimento conceitual, à convergência às normas internacionais e ao fortalecimento institucional da Contabilidade. No total, o trabalho envolve a convergência da Estrutura Conceitual e de 34 IPSAS (totalizando 35 normas). Até o presente momento, foram consolidadas e convergidas a Estrutura Conceitual e mais dez Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBC TSP), que foram publicadas em 2016 e 2017. De acordo com o Plano de Trabalho, até o final de 2018, a expectativa é de que sejam consolidadas e convergidas mais onze normas. As treze restantes serão convergidas gradualmente até março de 2021 e a implementação total das normas internacionais também está prevista para esse ano. Cabe ressaltar que essas normas IPSAS estão sendo ou serão adotadas por mais de 120 países. É importante ressaltar que, esse processo de convergência das normas do setor público irá promover o aumento da transparência das contas públicas e a padronização dos procedimentos a serem utilizados pelas três esferas de governo – federal, estadual e municipal –, além de garantir a consolidação das contas públicas no âmbito nacional. Quanto aos possíveis efeitos do processo de convergência, pesquisas acadêmicas já mostram que a adoção das IFRS pelas empresas contribuiu com o aumento da relevância da informação contábil. Certamente, esse fato pode impactar positivamente a qualidade da tomada de decisão de investidores quanto aos recursos despendidos no mercado de capitais. Outros efeitos positivos que podemos elencar são os seguintes: maior transparência; melhor compreensão e comparabilidade dos dados contábeis entre países; facilitar a troca de informações e proporcionar menor risco para o investidor; facilitar as auditorias contábeis e financeiras e a análise comparativa de resultados em nível mundial; favorecer as transações internacionais; e contribuir com o desenvolvimento do mercado interno. Compreendemos daí que, mesmo sendo um processo complexo de mudança conceitual e que envolve um grande número de profissionais – hoje mais de 522 mil (julho de 2018) –, seus frutos já justificam o processo desenvolvido até aqui. Por sua característica dinâmica e de difusão de novos conhecimentos, esse processo tem como potencial contribuir para a atualização e para o avanço da Ciência Contábil no contexto brasileiro." Por Idésio Coelho da Silva Jr. Vice-Presidente Técnico do CFC Fonte: Conselho Federal de Contabilidade (CFC). O estágio da internacionalização das normas contábeis. Disponível em: https://cfc.org.br/destaque/o-estagio-da-internacionalizacao-das-normas-contabeis/ https://cfc.org.br/destaque/o-estagio-da-internacionalizacao-das-normas-contabeis/
Compartilhar