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A coleção Temas Básicos de Educação e Ensino, coordenada
pela Prof.Q Loyde A. Faustini, apresenta subsídios e sugestões
para os educadores que atuam nas escolas de 1.0 e 2.0 graus e
na administração dos sistemas de ensino e para os professores
e estudantes dos cursos de graduação em Pedagogia e dos de·
mais cursos que preparam professores para as diferentes áreas
do ensino de J.o e 2.0 graus.
Temas Básicos de Educação e Ensino oferece livros de texto
escritos por autores brasileiros, para a nossa realidade
educacional.
Este livro trata das mudanças ocorridas no campo da Edu·
cação nas últimas décadas, em escopo nacional e internacio·
nal, bem como de suas implicações para o ensino das Ciên·
cias na escola de 1~ e 2~ graus .. Processos de planejamento
e avaliação são discutidos como fonna de analisar as respos·
tas do currículo à demanda da sociedade e à estrutura do sis·
tema escolar. Por sua relevância, são apresentadas propostas
e sugestões para uma efetiva melhoria do ensino das Ciências
nos vários graus de ensino e ciclos escolares.
Vivendo o processo educativo nos vários cenários onde trans·
corre, a autora se preocupou sempre em aproximar o currícu-
lo teórico do currículo real, pois, para efetuar alguma trans-
formação que chegue até às salas de aula, é fundamental aus-
cultar as necessidades dos vários elementos que contribuem
para a construção do currículo e estudar seus interesses e opi-
niões.
o professor e o currículo das Ciências objetiw identificar
fatores que, no passado, endemicamente impediram a renova-
ção, para evitá-los no futuro.
D.a. - Editora Pedagógica e Unlversiürla LtcIf.
lDU8P - Editora da Unlveraldade de 810 Paulct
3061 .....
Myriam Krasilchik
o PROFESSOR
~
E O CURRICULO
~
DAS CIENCIAS
,
Temas Básicos de Educação _e Ensino
UI.
EDUI'
o professor e o
currículo das Ciências
Myriam Krasilchik
o professor e o
currículo das Oências
E.P.U.
EditOl"a Pedagógica e Universitária Ltda.
EDUSP
Editora da Universidade de Sio Paulo
Temas Básicos de Educação e Ensino
Coordenadora: Loyde A. Faustini
Dados de C.talopçio n. Publlnçio (CIP) lI&kl"Udon.l
(Ciman Bradleln do Uno, SP, BnIil)
K91p
87·2431
Krasilchik, Myriam.
O professor e o currículo das ciências I Myriam
Krasilchik. - São Paulo: .EPU : Editora da Uni.
versidade de São Paulo, 1981.
(Temas básicos de educa·
ção e ensino)
I. Ciências - Currículos 2. Ciências - Estudo
e ensino 1. Título. 11. Série.
todkes p.... cacálOlO 1istemMkG:
COO·315.5
-501 .
I. Ciências Currículos educacionais 375.5
2. Ciências : Estudo e ensino 501
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO
Reitor: José Goldemberg
Vice-Reitor: Roberto leal Lobo e Silva Filho
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE sAo PAULO
Presidente: José Carneiro
Comiss60 Editorial:
Presidente: José Carneiro. Membros: Alfredo 80-
si. Antonio Brito da Cunha. José E. Mindlin e
Oswaldo Paulo Forattini.
Sobre a autora:
Myriam Krasilchik foi professora de Biologia e Ciências em escolas públicas
do E:!tado de São Paulo, inclusive no Colégio de Aplicação da Unive:nidade
de São Paulo. Foi participante: e coordenadora de vhios projetas curriculares,
tanto na época de seu trabalho na FUNBEC - FUlldação Brasileira para o
Desenvolvimento do Ensino de Ciências, como DO CECISP _ Centro de Ensino
de Ciências de São Paulo, do qual foi diretora no período 1965-1978. Atual-
mente, como professora livrc-docente da Faculdade de Educação da Universi-
dade de São Paulo, ministra cursos de Graduação e de P6s-Graduação. ~
assessora de organizações internacionais, como a UNESCO. e de ÍDÚJneras ins-
tituições brasileiras. ~ autora e colaboradora de vários livros e revistas nacionais
e estrangeiras.
Capa: Luis Díaz
Código: 3051-NLI
© E.P.U. - Editora Pedag6gica e Universiiária LIda., São Paulo, 1987. Todo,
os direitos reservados. A reprodução desta obra, DO todo ou em parte, por
qualquer meio, sem autorização expressa da Editora, sujeitará o infrator, nos
termos da Lei D.O 6.895, de 17-12-1980, à penalidade prevista DOS artip 184
e 186 do Código Penal, a saber: reclusão de um a quatro anos.
E.P.U. - Praça Dom José Gaspar, 106 (Galeria Metr6pole) _ 3.· 8Obreloja,
n.o IS - 01047 _ Caixa Postal 7509 - OIOSI - São Paulo - Brasil
TeL (011) 259-9222
Impresso DO Brasil PriDted iD BruiL
Agradeço aos meus amigos . ..
Não os nomeio, para não correr
o risco de ser ingrata.
, ,
Coleção Temas Básicos
de Educação e Ensino
AbramowiczlDel Cioppo Elias/Neli Silva - A melhoria do ensino nas
J .tl~ séries: enfrentando o desafio
Abud - O ensino da leitura e da escrita na fase inicial da escolarização
AJencar - Psicologia e educação do superdotado
Campos - Educação: agentes formais e informais
Cória-Sabini - Psicologia aplicada à educação
Costa - Por que ensinar língua estrangeira na escola de 1.0 grau
Faria - Teorias de ensino e planejamento pedagógico
Ferreira/Silva Jr. - Recursos audiovisuais no processo ensino-aprendi-
zagem
França - Educação consonante: inferências educacionais da teoria da
dissonância cognitiva
Giles - Filosofia da Educação
Gomes - A educação em perspecliva sociológica
Krasilchik - O professor e o currículo das ciências
Lüdkel André - Pesquisa em educação: abordagens qualitativas
Macian - Treinamento e desenvolvimento de recursos humanos
Mamede Neves - Ensinando e aprendendo hist6ria
Melchior - O finandamento da educação no Brasil
Mizukami - Ensino: as abordagens do processo
Nicolau/ Mauro - Alfabetizando com sucesso
Rama - Legislação do ensino: uma introdução 00 seu estudo
Romeu - Escola: objelivos organizadonais e objetivos educacionais
Severino - Educação, ideologia e contra-ideologia
Sipavicius - O professor e o rendimento escolar de seus alunos
Vianna - Planejamento participativo na escola
Sumário
Prefácio da CoIeção .. ........ • •.....•..... •.....•. .... xv
I
l. A evolllÇio DO e .... das Cii:1Ida 110 periodo 1950..1985 .. 5
1.1. Período ]950-1960 . .... .. . . .. .. .. . . . .......... . 5
1.2. Período 1960-1970 . .......... . .. .. .... .. ... .... 9
1.3. Período 1970-1980 ...... ... ..... .. ............ . 17
IA . Período 1980-1985 .................. . ..... . . ... 20
1. Evoluçio da pesquisa de campo sobft: al1lliaçio e difasão de
canicuJos ................................... . ..... 27
2.1. Período 1960-1970
2.2. Periado 1970-1980
2.3. Período 1980-1985
......... . " .. .. " ....... ... .
3. Perapçõa sobre o easiDo de CIêadas em c6ferentes DÍveis
27
32
37
do sistema escolar ....... . .. . ........•....... . .. .. • . 43
3.1. Fatores que influem negativamente DO eosino das Ciências 47
3.1.1. Preparação deficiente dos professores ... .... . . 47
3.1.2. Programação dos guias curriculares . ...... .. . 48
3.1.3. Má qualidade dos livros didáticos ....... ..... 48
Xl
3.1.4. Falta de laboratório nas escolas . . . .. . . . . . . . .. 49
3. 1.5. Falta de equipamento ou de material para as
aulas práticas .............. . ............. SO
3.1.6. Obstáculos criados pela administração das escolas SO
3.1 .7. Sobrecarga de trabalho dos proCessares .. . ..... SI
3.1.8. Falta de auxílio técnico para reparação e con~
servação de materiaJ ...................... 51
3.2. Problemas do ensino das Ciências ...... . ...... . ... 52
3.2.1. Memorização de muitos Catos ............. . . 52
3.2.2. Falta de vínculo com a realidade dos alunos .. 53
3.2.3. Inadequação à idade dos aJunos ........ . . ... 53
3.2.4. Falta de coordenação com as outras disciplinas 53
3.2.5. Aulas mal ministradas ........ ........ .. . . 53
3.2.6. Passividade dos alunos .................... S4
3.3. Condições para o melhoramento do ensino das Ciências 54
3.3.1 . Democratização do processo de decisão nas escolas 54
3.3.2. Equipamento adequado .... ........ . .... ,.. 55
3.3.3. Construção de laboratórios .... . . . . . ...... ,. 55
3.3.4. Fornecimento de merenda e material escolar aos
alunos ... . .. . . .. .. . . .... . ............. .. S5
3.3.5. Desenvolvimento de programas de aperfeiçoamento
para professores .. . ................... . ... 56
3.3.6. Fornecimento de material de apoio ..... . ... . 56
3.3.7. Aumento do número de horas~atividade ...... 56
3.3.8. Permissão para que duas aulas seguidas sejam
dadas... .. . .. . . . . . . .... . . .... .. .... .... . 56
3.3.9. Elaboração de um currículo mínimo a ser se~
guido por todas as escolas estaduais ......... 57
3.4. Fatores que influem no ensino das Ciências 57
3.5. Deficiências do ensino das Ciências ... . .......•... 61
3.6. Medidas para melhorar o ensino das Ciências ... . . . .. 62
4. A col1ftrução do currictdo das Ciêlldas .... .... ... . ... .
4.1. A participação dos professores na mudança curricular ..
4.1.1. Cursos de atualização .................... .
4.1.2. Cursos de "imitação" .............. . . , .... .
4.1.3. Cursos analític~participativos ..... . • ••.. J • ••
XII
69
71
72
72
73
4.2. Condições que favorecem o êxito dos cursos •....... 73
4.2.1. Participação voluntária .. ' .. '. ...... . . ... .. . 73
4.2.2 . Existência de material de apoio ....... . .... . 74
4.2.3. Coerência e integração conteúdo-metodologia .. 74
4.2.4. Grupos de professores de uma mesma escola. .. 75
4.2.5. Atendimento reiterado ... . . . ............... 75
4.2.6. Atividades dos participantes .... . . .. . .. ..... 75
4.2.7. Acompanhamento . ........................ 76
4.3. Preparação, adaptação e utilização de materiais . .. . . . 76
4.4. A participação da univenidade na mudança cwricular 77
4.5. Participação dos elementos das equipes técnicas dos
órgãos administrativos ... .. ...... . ............... 79
XlII
Prefácio da Coleção
A Coleção Temas Bdsicos de Educação e Ensino tem por finalidade
oferecer subsidios e sugestões para a ação dos educadores em geral, que
estão aluando tanto junto a escolas de I!' e de 2!' graus - incluindo a
educação pré-escolar. a educação especial e o ensino supletivo - como
nos diferentes escalões da administração dos sistemas de ensino. Servirá
também aos professores das disciplinas dos cursos superiores de Pedago-
gia e das matérias pedagógicas dos demais cursos superiores que prepa-
ram professores para as diferentes áreas do ensino de I ~ e de 2~ graus
e aos especialistas de educação.
O objetivo é oferecer uma série de leituras fundamentais e de suges-
tões que ajudem tanto os profissionais da educaçio a reflc:tirern sobre suas
açôe5 como os professores dos cursos ligados à educação e ensino a de-
senvolverem suas programações didáticas, como também aos aJunas des-
ses cursos a terem acesso a livros de textos que possam auxiliá-los a
desenvolverem-se intelectuaJ e profissionaJmente.
Neste momento em que tem havido, por parte dos professores em ge-
raJ e da própria sociedade, uma crescente conscientização da profissiona-
lização do magistério como carreira autônoma e a conseqüente ênfase na
competência profissionaJ dos nossos mestres, procurou-se dar a esta série
de publicações um enfoque voltado mais para o desenvolvimento e a ca-
pacitação de recursos humanos nessa área especifica..
Para esse empreendimento, estamos contando com a colaboração de
autores que se dispuseram a sistematizar, na forma escrita, reflexões de
uma vasta experiência na carreira do magistério, junto às nossas escolas,
órgãos técnicos e faculdades. Ao lado dessa experiência prática, reconhe·
xv
cida por seus pares, aliam eles um conhecimento especializado profundo
nas suas respectivas áreas de atuação. Compartilham, ainda, uma gra nde
vivência e conhecimento dos problemas de nossa realidade educacional
e a mesma preocupação da necessidade de aprimoramento do ensino e
de nossas escolas em geral. Em suas atividades profissionais junto a pro-
fessores, técnicos. especialistas de educação e alunos de faculdades. lêm
sentido as dificuldades de utilizar e de adaptar a literatu ra estrangeira à
nossa realidade social, cultural e educacional. Por essa razão, aponlam
a necessidade e utilidade de materiais de fácil manuseio, em linguagem
acessível e ricos em sugestões e propostas. Assim, dispuseram-se a COln-
partilhar suas experiências. tanto com os iniciantes na carreira do magis-
t~rio como com os que lutam para melhorar seus próprios niveis de
atuação.
Para garantir um mínimo de coerência a esta série, fOTam realizadas
reuniões sistemáticas e freqüentes, ocasiões em que havia uma fértil t roca
de opiniões e sugestões entre os autores, para que os objetjvos estabeleci-
dos em conjunto fossem garantidos e atingidos. Por ourre. lado. procurou-
se sempre preservar a postura educacional das propostas indivióuais e das
contribuições de cada um. Esperamos, assim, ter produzido um material
de leitura agradável e realmente útil para o dia-a-dia dos Que fazem ou
pretendem fazer da educação e do ensino sua profissão.
Neste momento, ao estender essas discussões at~ aos leitores, espera-
mos estar, de alguma forma, contribuindo p.ua satisfazer a uma necessi-
dade sentida e para o aperfeiçoamento dos educadores em geral .
XVI
Loyde A. Foustini
Coordenadora
Introdução
Nas três últimas décadas, os currículos das disciplinas científicas
sofreram intensas modificações exemp1ificando um significativo pro-
cesso educacional nos vários níveis de escolaridade. A complexidade
desse processo envolveu análises te6ricas sobre o papel da Física,
Química, Biologia e Ciências na educação, pesquisas sobre a forma
de aprendizagem dos conceitos cientlricos, produção de materiais
didáticos, desenvolvimento de metodologias, es!udos do papel da
linguagem, da motivação e do interesse, em alunos de diferentes
Caixas etárias.
A partir desse conjunto de atividades emerge um campo de
conhecimento - o ensino das Ciências - sustentado por instituições
acadêmicas, associações profissionais e 6rgãos governamentais.
Este lino pretende analisar o contexto educacional e a suà
influência no currículo das Ciências, tanto a nível de geração de
ideais como a nível de resposta prática nas salas de aula.
Acredito que esta análise será de utilidade e interesse, não apenas
para os que trabalham diretamente no ensino das Ciências, mas para
todos os que investigam as forças e pressões que estabelecem os
parâmetros do que é programado e do que é ensinado nas escolas .
. Muito tem sido investido na elaboração de curriculos. quer na fonoa
de programas mais, ou menos, vagos, quer na de projetas curriculares
compostos por livros para alunos, guias de professor, material didá-
1
tico e IIté provas para avaliação dos estudantes. Também cursos p~ra
atualização de professores e cursos de formação de lideranças tem
merecido 8 atenção e os esforços de grupos interessados no melhora-
mento da educação.
No entanto, ainda que no plano da geração de idéias o processo tenha
sido fértil. a resposta correspondente nas escolas foi insatisfatória.
Para empreender uma análise lúcida e rigorosa do que realmente
ocorreu sucederam-se pesquisas, cujos objetivos e metodologias so-
freram ~lterações em resposta às mudanças na concepção de Ciência,
de pesquisa, de educação e de avaliação.
A efervescência da área educacional manifesta-se na variação do
próprio conceito de currículo. De uma lista de tópicos ou de .disci-
plinas para um conj~nto de materiais didáticos, chega-se hOl~ ao
conceito que pode ser resumido como uma proposta educaciOnal
elaborada por uma instituição que assume responsabilidade por sua
fundamentação, implementação e avaliação.
No Brasil, no plano das intenções, aparentemente não ocorre
conflito, pois pesquisas na área da educação indicam que cientistas
e educadores concordam sobre os grandes objetivos do ensino das
Ciências _ pensar lógica e criticamente. Embora não haja discor-
dâncias evidentes sobre o papel das disciplinas científicas na edu-
cação dos jovens, os resultados estão longe das aspirações compar-
tilhadas por todos que influenciam as decisões curricul~res . Tal
situação suscita questõespala as quais não há resposta fáCil:
Por que, na sala de aula, o ensino continua como sempre, e
incoerente com as melas aceitas por consenso?
Se o problema não reside na diferença de concepções, qual
a explicação para a discrepância en tre o que se acredita e o
que acontece?
Várias são as possíveis explicações:
As propostas são aceitas em termos gerais, por influência de
elementos estranhos ao sistema, mas suas leituras variam, levando
a resultados diferentes, quando aplicadas. Pensar lógica e critica-
mente tem significados diferentes a nível prático.
Uma outra possibilidade é que a concordância sobre os objetivos
ocorre apenas na aparência, por imposição de modismos refutados
a seguir, quando o professor tem o controle da situação.
2
Outra interpretação sugere que os objetivos são aceitos, mas os
professores estão despreparados para transmitir o currlculo de uma
forma congruente com as propostas.
Para se ter uma idéia das circunstâncias que influenciam o ensino,
em todos os seus níveis, e dos obstáculos para uma transformação
real e profunda, será necessário verificar se há realmente consenso
e quais as opiniões dos vários envolvidos no processo, de forma a
traçar um quadro completo da situação, evitando-se apresentar apenas
a visão parcial dos grupos que arquitetam o currículo. Acredito
também que o processo de pesquisa não pode limitar-se a elaborar
o epitMio dos projetas. lastimando o seu fracasso, como tem sido
tão comum, mas, ao contrário, deve prover informações que garantam
o sucesso dos empreendimentos. Para tanto, não basta dizer que os
professores não são capazes de colocar idéias em açâo, e que sub-
vertem as intenções dos autores de currículos, mas considerar a
natureza dinâmica do processo educativo e buscar a compatibilização
dos esforços que se desenvolvem em vários planos de atuação.
1! também objetivo do trabalho identificar fatores que endemica-
mente impediram a renovação no passado para evitá-los no futuro.
Vivendo o processo nos vários cenários onde transcorre, sempre
foi uma das minhas preocupações mais prementes aproximar O
currículo teórico do currículo real, para evitar a frustração de ver
idéias repelidas, mal compreendidas ou deturpadas, mesmo quando
aparentemente bem aceitas por aqueles que, em muitas frentes, ten-
tavam tomar o ensino das Ciências relevante c competente. Assim,
este livro foi dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo,
são situadas, no quadro mais amplo dos avanços educacionais, em
dimensão internacional e nacional, as propostas de mudança de ensino
das Ciências, no sentido de esclarecer o seu significado e as doutrinas
que representaram, para explicitar e permitir escolhas conscientes de
forma, estrutura 'e conteúdo do currículo.
No segundo capítulo, sâo apresentadas as várias concepções de
avaliação de currículo que implicaram transformações metodológicas
e o próprio objeto de pesquisa. Nessa transição, passou-se da análise
do resultado para a análise do processo de produção do currículo.
No futuro, será necessário mais e mais realizar investigações que
antecipem os problemas e expectativas de soluções daqueles que são
responsáveis pelo ensino das Ciências em várias órbitas.
3
Mais do que avaliar o resultado das reformas, para e{etuar tram ...
formação que chegue até as salas de aula, é fundamental auscultar
as necessidades dos vários elementos que contribuem para a cons--
trução do currículo e estudar seus interesses e opiniões.
No terceiro capítulo, são descritas diversas tentativas preliminares
para obtenção de informações sobre os desejos do professor que
milita nas escolas ministrando aulas, mas que raramente é ouvido.
Em um estudo mais extenso: são comparadas as percepções de
docentes em posição de vanguarda nas universidades e centros de
decisão, com a dos docentes que aluam em posição intennediária
entre os locais de produção de propostas e as escolas e, finalmente,
os docentes em ação, nas escolas. As diferenças de postura desses
diversos grupos, perceptíveis apenas num exame mais minucioso,
explicam as muitas discrepâncias entre' o currículo concebido pelos
seus autores e o currículo tal como se torna realidade.
Finalmente, algumas conclusões em relação ao ensino das Ciências
podem ser extrapoladas para outras áreas do conhecimento e disci-
plinas, no que diz respeilo à organização de cursos de aperfeiçoamento
de professores, preparação de material de apoio e à estruturação de
mecanismos que assegurem a efetiva prática de propostas curriculares
inovadoras.
• Este estudo foi incluído na tese defendida em 1986 por M. K. para o
conçurso de Livre-doc!ncia nas disciplinas Práticas de Ensino de Ciências Bio-
16gicas I e II, intitulada O p,oltuor e o Currículo das Ci2ncw, apresentada
ao Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada. da Fa-
culdade de Educação da Universidade de São Paulo.
4
Capítulo 1
A evolução no ensino das Ciências
no período 1950-1985
Rever a história das propostas de mudanças referentes ao ensino
das Ciências nos liltimos trinta e cinco anos serve a um duplo
propósito: analisar algumas das transformações do currículo escolar
e relacionar essas mudanças ao papel atribuído às disciplinas cientí-
ficas na fonnação dos alunos. Apenas uma perspectiva abrangente
permite a compreensão dos complexos fatores que detenninaram
alterações profundas no significado da escola e do ensino das Ciências.
as quais não podem ser isoladas do contexto em que se inserem.
Será impossível interpretar a situação atual ou pensar em transfor-
mações que possam vir a se efelivar, sem levar em conta os vários
aspectos do sistema educacional, da escola e de st!us determinantes
e como estes influem no currículo, mesmo considerando que grande
parte das modificações propostas ficou em plano teórico.
No painel que será traçado. a periodização segue ordem cronoló-
gica, separando as décadas ; é preciso frisar, no entanto, que os
processos foram contínuos e em alguns casos superpostos, não
servindo os limites estabelecidos como marcos nítidos de transição.
São assinalados aspectos de um processo evolutivo em que muitos
elementos vão se somando a cada fase.
1.1. Periodo 1950-1960
o que se passou nessa época, no ensino das Ciências, reflete a
situação do mundo ocidental após a Segunda Guerra Mundial. A
5
industrialização, o desenvolvimento tecnol6gico e científico que
vinham ocorrendo, ~ão puderam deixar de provocar choques no
currículo escolar. Nos países que saíam de uma conflagração recente,
cujo resultado dependeu dos recursos bélicos, os cientistas, que
ocupavam uma posição de prestígio, viam no campo educacional uma
importante área potencial de influência.
Referindo-se ao período, escreve Jenkins: "a Segunda Guerra
Mundial foi para o ensino de Ciências, assim como para o resto,
um divisor de águas".!
Um marco invocado para datar o início do processo foi o
progresso científico soviético, evidenciado pelo lançamento do Sputnik,
em 1957.
Durante essa fase, chamada por Hurd de "período de crise no
ensino de Ciências" ,2 surgiram os embriãe5 dos grandes projetas
curriculares. Estes alteraram os programas das disciplinas científicas
nos Estados Unidos e, posteriormente, tais modificações ocorreram
também em países europeus, bem como em outras regiões influen-
ciadas por essas tradicionais metr6poles culturais.
A situação brasileira naquela época é representativa do que ocorreu
em países periféricos, mas também profundamente atingidos pela
guerra. Vivia-se uma fase de industrialização e de movimentação
política resultante da luta con tra governos ditatoriais'. O curso ginasial,
propedêutico, tinha como fim a formação de futuros universitários.
De acordo com Freitas, "não sendo o ensino secundário brasileiro
de natureza profissional, não é sua função formar especialistas ... ".3
O latim tinha preponderância sobre as disciplinas científicas, cuja
carga horária era de três aulas semanais nasterceira e quarta séries
do curso ginasial. Física, Química e História Natural apareciam
apenas no currículo do CUt1iO colegial.
No cenário educacional, as propostas de transformação provinham
ainda do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) , culas
I E. W. Jenkins, From Armstrong to Nuf/itld. Londres, John Murray, 1979,
p. 97.
1 Paul de Hart Hurd, Biological Educalion iII A muican Schools. BuUetin n.o
I, EUA, AIBS, 1961, p. 108.
1 Oswaldo Domiense Freitas, Didática da Hist6ria Natural. Rio de Janeiro,
MEC, s/d. p. IS.
6
idéias eram analisadas para discussão do projeto de lei sobre "Dire-
trizes e Bases da Educação Nacional"" Uma das mudanças preten-
didas era substituir os chamados métodos tradicionais por uma
metodologia ativa. Aqueles configuravam o ensino verbalista, centrado
no uso de livros·texto e na palavra do professor, cuja principal função
era a transmissão de informações que deveriam ser memorizadas e
repetidas. Já nessa época, um dos grandes objetivos visados foi o de
proporcionar maior liberdade e autonomia ao aluno para participar
ativamente do processo de aquisição de conhecimentos.
O ensi no de Ciências era, como hoje, te6rico, livresco, memorístico,
estimulando a passividade. As modificações reclamadas centravam-se
em alguns pontos básicos:
• A expansão do conhecimento científico, ocorrida durante a
guerra, não tinha sido incorporada pelos currículos escolares.
Grandes descobertas nas áreas de Física, Química e Biologia
permaneciam distantes dos alunos das escolas primária e média
que. nas classes, aprendiam muitas informações já obsoletas.
A inclusão, no currículo, do que havia de mais moderno na
Ciência, para melhorar a qualidade do ensino ministrado a estu-
dantes que ingressariam nas Universidades, tornara·se urgente,
pois possibilitaria a formação de profissionais capazes de con-
tribuir para o desenvolvimento industrial científico e tecnol6gico.
A finalidade básica da renovação era. portanto , formar uma elite
que deveria ser melho~ instruída a partir dos primeiros passos
de sua escolarização.
• As mudanças curriculares incluíam a substituição dos métodos
expositivos pelos chamados métodos alivos, dentre os quais tinha
preponderância o laboratório. As aulas práticas deveriam pro-
piciar atividades que motivassem e auxiliassem os alunos na
compreensão de conceitos.
A grançe maioria das atividades objetivava transmitir informações
de uma forma mais eficiente do que a simples exposição ou leitura
de texto. "Aprender fazendo" resumia a grande meta das aulas
4 "Nolas para a História da Educação _ Manifesto dos Pioneiros da Edu·
cação". Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, INEP, 108(34). julho-se-
lembro de 1960.
7
práticas. Ficava subjacente a proposição de dar ao jovem estudante
da escola secundária uma racionalidade derivada da atividade
científica.
Para atender às necessidades de mudança, movimentos começaram
a se organizar, nessa época, em várias instâncias. A nível interna-
cional, formava-se a chamada primeira geração de projetos curri-
culares, nos Estados Unidos . Originavam-se nas sociedades científicas.
com o incentivo governamental. Assim, o SMSG (School Mathematics
Study Group), que surgiu em 1958, foi organizado pelos matemáticos
dos Estados Unidos .s Em 1959. membros da American Chemical
Society encontraram-se com Glenn Seaborg, prêmio Nobel de Quí-
mica, e, enfaticamente, pediram a ele que aceitasse a responsabilidade
de organizar e implementar o desenvolvimento de um moderno curso
de Química para a escola secundária.' Em resposta a essas atividades,
o comitê de educação da AIBS (American lnstitute of Bi%gical
Sciences) e o scu diretor, Hiden Cox, deram considerável atenção
ao papel que o instituto deveria desempenhar na elaboração de um
programa educacional para as Ciências Biológicas. do qual resultou
o BSCS (Biological Science Curriculum Study).'
No Brasil, o movimento institucionalizado em prol da melhoria
do ensino de Ciências antecedeu o dos norte-americanos. No início
dos anos cinqüenta , organizou-se em São Paulo. no lBECC (Instituto
Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura), sob a liderança de Isaías
Raw,' um grupo de professores universitários que também aspirava
à melhoria do ensino das Ciências, de modo que se aprimorasse a
qualidade do ensino superior e, em decorrência , este influísse no
processo de desenvolvimento nacional.
O trabalho desse grupo concentrou-se na busca de atualização do
conteúdo que era ensinado, assim como na preparação de material
para uso nas aulas de laborat6rio. Essa reforma enfrentava uma
grande barreira representada pelos programas oficiais e pelo número
, W. WOOIOD, SMSG, The Making 0/ a Curriculum. Vale, Vale Univusity
Prcss, 165, p. 90.
, R. Merri) e D. W. Ridaway, The Chem Sludy Slory. São Francisco, W. H.
Freemann, 1969, p. 3.
7 A. Grobman. Tlle Clumging Classroom. EUA. Doublcday, 1969 .
• J. Raw, Ar! EJ/arl lo improl'e Scier!ce Educalion ir! Brotil. sll, 1970 (mi-
meografado).
8
de aulas, rigidamente determinados pelo Ministério da Educação, em
âmbito nacional.
Enquanto algumas pessoas desenvolviam esforços trabalhando inde-
pendentemente. ou em grupos aglutinados como ocorria com o IBECC.'
também o Ministério da Educação promovia cursos de capacitação,
pela CADES (Campanha de Aperfeiçoamento do Ensino Secundário)_
Em geral . esses cursos serviam para dar títulos a professores impro-
visados, pois eram raros os licenciados que se dedicavam ao magistério,
(icando as aulas das disciplinas cientificas a cargo de pronssionais.
como médicos, engenheiros, farmacêuticos e bacharéis. Os programas
oficiais. fortemente impregnados pela literatura didática europeia e
norle-americana influenciavam os livros-texto brasileiros, em muitos
casos meras traduções.
O gra nde objetivo do programa oficial e dos textos básicos era
transmit ir informações, apresentando conceitos. fenômenos. descre-
vendo espécimes c objetos, en fim, o que se chama o produto da
Ciência. Não se discutia a relação da Ciência com o contexto econó-
mico, social e político e tampouco os aspectos tecnológicos e as
aplicações práticas.
1.2. Período 1960-1970
O desenvolvimento industrial e a conseqüente prosperidade não
garantiram a paz esperada pelo mundo. Após a euforia da vit6ria
dos aliados passou-se a um confronto entre o ocidente e o mundo
socialista, podendo a década de 60 ser caracterizada pela Guerra
Fria . Uma das importantes transformações que ocorreu a partir dos
anos sessenta, na estrutura curricu lar do ensino das Ciências, deveu-se,
como é natural, às transformações políticas e sociais que se sucederam
naquela época. Nesse período, os grandes projetos passaram a incor-
porar mais um objetivo - permitir a vivência do método científico
como necessário à formação do cidadão, não se restringindo mais ape-
nas à preparação do futuro cientista. Esta nova postura marca uma
diferença fundamental em relação às etapas anteriores. Começava-se,
assim, a se pensar na democratização do ensino destinado ao homem
comum, que tinha que conviver com O produto da Ciência e dã
, IBECC/Uncsco, An Ellort to spred the Scicntilic De~e/opment of BraU/.
São Paulo, 161.
9
Tecnologia e do qual se requeria conhecimento, não apenas como
especialista, mas também como futuro político, profissional liberal,
operário, cidadão enfim.
Esta proposta implicava grandes alterações no ensino de Ciên-
cias~ vinculando o processo intelectual li investigação científica,
quando, até então, o que se enfatizava era a observação para a
constatação de fatos e a manipulação de equipamento. A mudança
valorizava a participação do aluno na elaboração de hipóteses,
identificação de problemas, anúlise de variáveis, planificação de
experimentos e aplicação dos resultados obtidos.
Na verdade, embora o método cien tífico fosse mencionado freqüen-
temente nos programas das disciplinas, foi após o surgimento dos
projetos curriculares, no período deconsolidação da sua primeira
geração, que esse objetívo do ensino passou a ter preponderância
sobre as alividades que serviam principalmente para aquisição de
informações.
O objelivo do processo passa a ser o homem comum, que precisa
tomar decisões, que deve resolve r problemas, e que o {ará melhor se
tiver oportunidade de pensar lógica c racionalmente. Passa a ter
importância o desenvolvimento de atividades que dispensam o ma-
nuseio de materiai s pelos alunos, mas requerem a sua participação
mental para a resolução de problemas, a partir dos dados apresen-
tados pelo livro ou pelo professor.
Nessa década, os primeiros projetos curriculares atingiram o seu
auge. e passaram a inspirar mudanças, não limitadas ao ensino de
Ciências, que influenciaram a educação em geral. Instituições inter-
nacionais, como a UNESCO, também organizaram projetas que
"intensificaram seus programas destinados a estimular a melhoria
no ensino de Ciências no nível pré-universitário, em países em desen-
volvimento" .10
I! interessante analisar a complexidade crescente na composição
dessas organizações destinadas a elaborar projetos curriculares. Para
a realização dos trabalhos iniciais, formaram-se grupos temporários
de cientistas e professores secundários que, sediados geralmente em
Univer.;idades ou Institutos de Pesquisas, preparavam um conjunto
de materiais, visando à melhoria do ensino das tradicionais disciplinas
10 Albert V_ Baez, lnnovation in ScitnCt Education World-widt. Paris, lbe
Unesco PrelS, J976, p_ 88_
,lO
científicas: Matemática, Física , Química e Biologia. Paulatinamente
foi sendo constatada a necessidade da formação de equipes hetero-
géneas, demandando competências bastante diver.;ificadas_
A participação de psicólogos, esPecialistas em currículo e avaliação,
foi sendo requisitada pelo núcleo inicial dos autores de projetos
curriculares, em decorrência de dúvidas relativas a, decisões tangentes
a processos de aprendizagem, procedimentos para avali ação e difi-
culdades na preparação dos professores para o uso do material.
Paralelamen te, 'foi sentida uma outra ordem de dificuldades, no
plano da editoração dos livros. A diagramação, ilustração dos diversos
componentes de um projeto, assim como sua divulgação, exigiam a
assessoria de profissionais especializados no campo.
Além da necessidade da participação de outras especializações
para a elaboração das projetas curriculares, outros fatores contri-
buíram para a modi ficação da sua concepção inicial.
Após a utilização das primeiras edições experimentais, ficou clara
a necessidade de profundas revisões para a preparação das edições
definitivas_ A avaliação realizada durante o ano letivo, quando os
dados e inrormações eram coletados para orientar as reformulações
dos livros, demonstrou que núcleos provisórios de profissionais não
propiciavam a continuidade necessária para o trabalho. Isso implicava
a criação de organizações permanentes que centralizassem a pro-
dução, aplicação e revisão dos materiais.
Assim, muitos dos núcleos iniciais tornaram-se instituições perma-
nentes, dando origem a uma nova organização: os Centros de Ciências.
A estrutura e trabalho desses Centros tinham alguns aspectos
comuns e universais e algumas características dependentes de dife-
renças regionais.
As características comuns ao trabalho de praticamente todos os
grupos envolviam a preparação e implementação de projetas que,
em geral, compreendiam, em primeiro lugar, a análise do material
existente para o ensino, o planejamento do projeto em que se esti-
pulavam os objetivos a alcançar, a escolha dos con teúdos a serem
abordados, a seqüência desses conteúdos, os elementos do projeto
e a forma de sua apresentação.
Em seguida, eram elaborados os materiais propriamente ditos que,
em sua primeira forma, as edições experimentais, eram aplicados
em escala reduzida para avaliação_ Esta induía consultas a prores-
sores, aplicação de vários tipos de provas aos alunos, consultas a
II
administradores e estudantes. Com base nos resultados, os materiais
eram revistos e reformulados.
As equipes que {onnavam os primeiros projetos curriculares cedo
chegaram à conclusão de que os textos e materiais tinham que ser
revistos permanentemente, o que correspondia à necessidade de se
manter grupos também permanentes que ex.ecutassem esse trabalho.
O uso dos projetas de forma congruente com os objetivos de seus
elaboradores, em sua fase experimental e, mesmo depois, no período
de difusão, implicava também um trabalho constante junto aos sistemas
educacionais e aos docentes.
Os programas de implementação dos currículos, que no início
pareciam uma decorrência natural da boa qualidade dos projetos,
logo passaram a preocupar os grupos, demandando atividade contínua,
visando a diminuir a resistência encontrada por parte dos sistemas
educacionais e proCessares.
Embora os Centras de Ciências tivessem em comum seus programas
e objelivos, diferiam muito em sua organização interna e posição que
ocupavam no sistema educacional.
Muitos desses Centros de Ciências, vinculados às Universidades,
incluíam em seus programas, além da produção de materiais para o
ensino, atividades acadêmicas ligadas aos cursos de graduação e de
pós·graduação em ensino de Ciências. Há ainda Centros vinculados
mais fortemente ao sistema educacional do que às instituições univer-
sitárias, constituindo órgãos ligados ao Ministério da Educação, com
grande penetração no sistema oficial do ensino, como ocorre na
Venezuela.11
No Brasil, seis Centros de Ciências foram criados pelo Ministério
da Educação e Cultura, no período de 1963 a 1965. por meio de
convênios específicos. Sua flexibilidade de organização lhes pennitiu
adaptarem-se aos diferentes locais em que foram sediados. Em Minas
Gerais, na Bahia. em Pernambuco e em São Paulo, ficaram situados
nas Universidades, mantendo fortes vínculos com a comunidade acadê-
mica. apesar de servirem aos sistemas educacionais de ensino e
realizarem programas conjuntos com as Secretarias da Educação. No
Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul, os Centros de Ciências, hoje,
fazem parte do sistema estadual de ensino e estão inseridos em
fundações de fonnação de recursos humanos.
II Ruth Lemer de Almea, FClSts em la EnseMfllA de la Ciencia. Caracas,. 1978.
12
A partir dos programas iniciais, os organizadores dos projetas
curriculares passaram a diversificar suas atividades, produzindo
recursos audiovisuais, materiais complementares e trabalhando em
processos de implementação. Acreditava-se que apenas a qualidade
do material seria suficiente para garantir sua aplicação maciça e
bem-sucedida. Entretanto, a preocupação com a difusão tomou-se
central ao se verificar que uma das premissas básicas para a criação
desses projetas - transformar o ensino - não se realizava. Em
conseqüência, além das atividades de elaboração de material, houve,
nesse período, uma intensificação dos cursos de atualização e treina-
mento de professores.
Uma outra característica da época, conexa ao movimento de
produção de materiais instrucionais e ao aumento de prestigio da
psicologia comportamental, produziu interesse e uso intensivo dos
chamados objetivos educacionais.
Simultaneamente, outros grupos procuraram minorar essa influência
tecnicista no ensino das Ciências. Dois eventos tiveram impacto nas
atividades em desenvolvimento, promovendo a ascensão da psicologia
cognitivista. O primeiro deles foi a publicação da obra de Brunner,
O Processo da Educação, resultado de uma conferência realizada em
1959, da qual participaram trinta e cinco cientistas, acadêmicos e
educadores. Durante dez dias, analisaram temas como: "a seqüência
de um currículo para o ensino, a motivação para o aprendizado. o
papel da intuição no aprendizado e raciocínio e processos cognitivos
no aprendizado".u
Na mesma direção, um outro marco foram as conferências reali-
zadas nas Universidades de CorneU e Califórnia, em 1964,denomi-
nadas Piaget redescoberta,!l que focalizavam estudos cognitivos e
desenvolvimento de currículo, em que o próprio Jean Piaget foi o
consultor. Embora as conferencias tivessem sido concebidas original-
mente para analisar as implicações, para o currfculo de Ciências,
das pesquisas recentes na época sobre o desenvolvimento cognitivo
das crianças, cedo se verificou que essas implicações se estendiam
ao currículo como um todo.
U J. Bruner, The Proceu 01 EduclIlion .• Nova York:, Harvard University Press,
1963, p. 7.
U R. Ripple (cd.), "Pia,et rediscovered". 10urflllI of ResetUch in Science
Teaching, 2(3):165-268, EUA, 1964.
!3
Assim, duas visões psicol6gicas disputavam a atenção dos que se
preocu pavam com o ensino das Ciências, representando concepções,
objetivos e metodologias bastante diferentes.
Ao mesmo tempo, começava a surgir uma segunda geração de
projetos em países também preocupados com uma melhora do ensino
de Ciências, mas com uma base cultural e um sistema educacional
s6lidos que não se ajustavam ao programa norte-americano. Dentro
desta ca tegori a incluíam-se os chamados Projetas Nuífield, conCec-
cionados na Inglaterra, que , por força da ampla esfera de influência
colonialista, produziram grande impacto nos países do antigo Império
Britânico.
O transplante de cumculos, elaborados para um determinado país,
para outras regiões. suscita problemas cuja análise deve referi r-se a .
quadros te6ricos próprios .l • Uma análise baseada na teoria aa depen-
dência pode levar à admissão de que o processo de cooperação
técnica é um dos mecanismos de se presúvar as relações de subor-
dinação entre indivíduos, classes sociais, regiões e nações. A impor-
tação de idéias , contidas nos materiais didáticos produzidos nas
metr6poles culturais e econômicas, pelas províncias, é uma forma
da manutenção das relações de poder existentes. IS
Em um outro quadro de análise, admite-se que a transferência de
idéias e tecnologia é um fator de modernização e aperfeiçoamento
do sistema, parte de um processo de mudança que visa contribuir
para o desenvolvimento econômico social e cultural do país receptor.
Uma visão lúcida não pode ser construída de posições extremas
que contrapõem, em um pólo, um isolamento xenof6bico e, em outro,
a mera adoção acrítica de modelos alienígenas. Cada nação tem
sistemas educacionais com especificidades e demandas pr6prias, que
requerem consciência crítica e competência de seus profissionais,
para a busca e detenninação de caminhos que propiciem mudanças
curriculares. Para a plena realização dessa tarefa, os autores dos
currículos precisam recorrer a todos os elementos significativos
disponíveis.
Na busca desses caminhos , formou-se uma nova comunidade acadê-
mica - a dos educadores em ciência - uma área de fronteira entre
14 Iknno Sandcr, "Edueation ri Dépcndaoce: Le rôle de l'Education Com-
p3rée". PtrSpectil'U, 2(XV) :211-219, 1985.
15 B. Holmes, "Science Education: Cultural borrowing and Comparative Re-
search". Studles ln Science Educadon. (4):83-110.
14
educação e ciência , que se preocupa prioritariamente com o signifi-
cado das disciplinas científicas no currículo.
Este campo de conhecimento em formação está hoje apoiado em
associações de classe, publicações periódicas e cursos de formação
de profissionais a nível de graduação e pós-graduação.
Um dos sina is mais evidentes da vitalidade dessa comunidade foi
o aparecimento ou ressurgimen to dc muitas revis~as destin~Ada~ a
relatar experiências e pesqu isas no campo do enSinO de Clenclas.
f: possível verificar também, em inúmeras universidades. não s6
a organização e reestruturação dos cursos de graduação já existentes
para a preparação de professores das Ciências, como a criação de
cu rsos de pós-graduação para a formação de mestres e doutores que
possam assumir a liderança das reformas.
Vinculados a esses cursos, criam·se grupos de ensino que, não
tendo a mesma organização e complex idade dos Centros de Ciências,
formam núcleos com funções específicas, tais como produção de
material e programas de aperfeiçoamento de docentes. f: este o caso
dos grupos de ensino de Física da Unive rsidade de São Paulo .e da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul , e de Matemática e
Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco.
No Brasil vivia-se, no início da década de 60, um período de
liberalização politica e de euforia, dura?t: o qual. diversos segmen~os
culturais participavam de um grande projeto nacional. Na educaçao.
após um longo período de discussão, foi promulgada a Lei de Oire-
trizes e Bases da Educação - Lei n.O 4.024. de 21 de dezembro
de 1961 - que alterava, ent re outras propostas. o currículo de
Ciências, ampliando seu escopo'" A disciplina Iniciação à Ciênc~a
foi incluída desde a primeira série do curso gi nasial e a carga horána
das disciplinas científicas Física, Química e Biologia aumentou. A
liberdade de programação e a transferência de parte da responsa-
bilidade da normatização do ensino aos sistemas estaduais permitiram
que os projetos americanos , traduzidos e adaptados ao Brasil pelo
1BECC e publicados pela Editora da Universidade de Brasília, pu-
dessem ser usados nos cursos colegiais brasileiros . Os Centros de
Ciências produziam material e organizavam cursos de atualização
para professores. O IBECC. que vinha liderando o movimento,
16 Lei n.O 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que fixa Diretrize$ e Ba~es da
Educação Nacional. ú?C Fedtral, 2j(2):979-993, São Paulo, 1961.
IS
começou a elaborar, simultaneamente à tradução de materiais estran-
geiros, o projeto Iniciação à Ciência , para atender à nova legislação.
Esse projeto refletia uma nova fase do ensino, pois buscava apre·
sentar a Ciência como um processo contínuo de busca de conheci·
mentos. O que se enfatizava não eram determinados conteúdos, mas,
principalmente, uma postura de investigação, de observação direla
dos fenômenos, e a elucidação de problemas. A introdução de aulas
práticas continuava sendo uma meta importante a ser atingida, como
parte do processo de aprimoramento do ensino de Ciências, não
meramente pela ativ idade em si ou pela busca de informação, mas
com o sentido de fazer o aluno pesquisar, participando da descoberta.
O método científico era dividido em etapas bem demarcadas : a
iden tificação de problemas, o estabelecimento de hipóteses para
resolvê·los, H organização e execução de experiências para a verifi-
cação das hipóteses e a conclusão, validando ou não as hipóteses.
Este objetivo relativo ao ensino de Ciênciás teve ampla aceitação
no nosso meio. Mesmo hoje, muitas propostas de ensino admitem
uma seqüência rígida e mecânica de passos para a descoberta
cientifica.
O sistema educacional. no entanto, resistia às mudanças, amparado,
entre outras forças , pela exigência de conhecimentos ao nivel de
memorização, apenas, nos exames vestibulares. Com a reestruturação
política do país em 1964, o sistema educacional brasileiro passou
por uma nova transfoimação. O regime militar tencionava moder-
nizar e desenvolver o país e, nesse contexto, o ensino de Ciências
passou a ser valorizado como contribuinte à formação de mãCKl.e-obra
qualifi cada, intenção que acabou se cristalizando na Lei n.o 5.692.
de Diretrizes e Bases da Educação, promulgada em 1971.
Por volta de 1968, ocorreram também os grandes movimentos
estudantis para a transfonnação do ensino universitário. No Brasil .
o movimento tinha como uma das reivindicações a demanda por
maior número de vagas, o que convinha ao sistema vigente, e acabou
resultando numa enorme expansão da rede privada de ensino superior.
Os cursos de formação de professores de Ciências, até então limi-
tados às universidades públicas e a algumas particulares, proliferaram
de forma indisciplinada , produzindo grande quantidade de profis-
sionai s mal-preparados.
As escolas primárias e secundárias, também por pressão popular,
sofriam um processo de crescimento, deixandode ser um espaço
16
limitado aos poucos privilegiados que vmam, mais tarde, ingressar
na universidade. A abolição do exame de admissão para o gmaslo,
que ocorreu em alguns Estados corrio São Paulo, prenunciava o que
deveria acontecer na década seguinte .
1.3. Período 1970·1980
o mundo, no período considerado. continuava agitado por con-
vulsões sociais e económicas , tendo como um dos sintomas mais
nítidos do processo a crise energética.
As agressões ao ambiente, decorrentes do desenvolvimento in-
dustriaI desenfreado, resultaram, em cont rapartida, no recrudescimento
do interesse pela educação ambiental e na agregação de mais um
grande objetivo ao ensino das Ciências: o de fazer com que os alunos
discutissem também as implicaçõcs sociais do desenvolvimento cien-
tifico. Este objetivo passou a constituir a nova ênfase dos projetos
curriculares. ev idenciando a influência dos problemas sociais que se
exacerbaram na década de setenta e determinaram um novo momento
de expanSaO das metas do ensino 'de Ciências. O que agora se visava
era incorporar, ao racionalismo subjacente ao processo científico, a
análise de valores e o reconhecimen to de que a ciência não era neutra.
No clima de mudança dessa fase, innuitam profundamente tanto o
processo de revisão crítica da concepção de pesquisa como o debate
entre pesqu isadores e filósofos da ciência sobre os procedimentos
ma is adeq uados à invest igação.
No plano internacional, os programas de melhoria de ensino de
Ciências tãmbém sofriam modificações. Projetos multiplicavam-se em
diferentes países, abrangiam grande variedade, não se limitando aos
cursos colegiais e visando atender a diversas populações de alunos.
Nos anos seten ta , projetas para a escola primária e média foram
elaborados em profusão. A crise social determinou também a prepa-
ração de projetas específicos para minorias, como alunos carentes e
de diferentes cln ias.
Pode·sc verificar, ainda. que nessa fase houve uma tendência à
produção de programas por direrentes nações, em lugar de meras
adaptações ou traduções. Este processo está relacionado a um período
de liberação política e afirmação da identidade cultural de alguns
países, principalmente asiáticos e africanos.
17
A expansão dos sistemas educativos propõe o aparente dilema da
qualidade versus quantidade. Na verdade, trata-se de questionar os
novos fins da educação e, em decorrência, da educação científica.
No Brasil, o período é ca racterizado pela promulgação da Lei
n.O 5.692/71, que afela profundamente vários aspectos do sistema
educacional. l1 A escola secundária deve servir agora não mais à
formação do fUlUro cientista ou profissional liberal, mas principal-
mente ao trabalhador, peça essencial pata responder às demandas
do desenvolvimento.
Nesse processo, apesar do texto da lei valorizar as disciplinas
científicas, na prática, ao contrário. elas foram profundamente atin-
gidas. O currículo foi atravancado por disciplínas chamadas instru-
mentais ou profissionalizantes, o que determinou a fragmentação e,
em alguns casos, o esfacelamento das disciplinas científicas, sem
que houvesse um correspondente benefício na formação profissional.
O curso secundário perdeu a identidade e uma das conseqüências
foi a desvalorização : da escola pública, pois instituições privadas
resistiram ãs mudanças, burlando a lei e mantendo as' características
da educação propedêutica. Assim, uma anomalia já de longa data
instalada no sistema, os "cursinhos" preparatórios pata o exame vesti-
bular começaram a se ampliar e passaram a oferecer cursos regulares
de I." e 2." Graus, mantendo as suas características de escola preo-
cupada apenas com a transmissão de informações e reforçando o
ensino, como exigiam as provas para entrada na universidade. Então,
se em um plano havia esforços para mudanças, em outro esse esforço
fora anulado por forças muito poderosas: a legislação em vigor, os
precários cursos de formação de professores que colocavam no
mercado profissionais despreparados e incompetentes. Estes, por sua
vez, dependiam de livros-texto, em sua maioria de má qualidade,
pois deviam servir para suprir a incapacidade dos docentes, assim
como as suas péssimas condições de trabalho.
O livro passou a ser uma peça de importância central, impondo-se
o modelo chamado de eSlUdo dirigido, termo mal aplicado a exercícios,
em geral compostos por questões de múltipla escolha que dependiam
apenas da leitura ou, mais raramente. questões dissertativas que
requeriam transcrição literal do texto.
17 Lei 0.° 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixa Diretriz.el e Bases para o
Ensino de l,Q e 2.° Graus e dá outras providências. úr FeduQ/, 35:1.114-1.125,
julho-setembro de t 971.
18
Paralelamente, foi se estabelecendo uma posição controvertida
entre o espírilú da lei. que era formar o trabalhador, ajustado a um
sistema de produção massificador. e o objetivo explicito do ensino
de Ciências, aceito consensualmente como sendo o de desenvolver a
capacidade de pensar lógica e criticamente.
O governo federal continuou o seu apoio ao ensino de Ciências,
agora por meio do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino
(PREMEN). criado em 1972, e que patrocinou inúmeto~ projetos
em instituições como os Centros de Ciências e Universidades. Além
dos projetos curricu lares, o Ministério de Educação e Cultura, por
meio do PREMEN, apoiou a nova modalidade de licenciatura regula-
mentada pela Resolução CFE n.o 30/74.11 A legislação. acatada por
grande parle do sistema de ensino superior, provocou uma convulsão
no processo de formação de professores. debilitando-o ainda mais.
Um de seus pilares era a proposta de Ciência Integrada , difundida
por organismos internacionais. notadamente a UNESCO.
A resolução prescrevia um período çomum para a formação de
professores de todas as Ciências e de Matemática e que poderia,
posteriormente, ser complementado por novos cursos para os profes-
sores que desejassem especializar-se em Física, Química, Biologia Oll
Matemática.
t necessário, neste ponto, analisar os vários planos do complexo
processo educacional. A lei. na sua letra, e os profissionais da área,
dizem que as disciplinas científicas devem servir para formar o
indivíduo com espíri to crítico e capacidade de refletir e especular
sobre o que vê.19 No entanto, de fala, nem o sistema e nem os
educadores, na realidade da sala de aula, procuram desenvolver as
qualidades que explicitamente são aceitas como válidas e desejáveis.
Este tipo de incoerência repete-se ao longo do período analisado c
caracteriza uma das dificuldades da transformação no processo
educacional.
A incoerência mantém-se principalmente porque as novas propostas
representam uma mudança de postura em relação ã Ciência, confli-
tando com a situação na sala de aula. Nestas, o imobilismo e as
II Resolução n.o 30, de 11-07-74, que fixa os mínimos de conteúdo e duração
a observar na organização do curso de licenciatura em Ciências. DQ('ume/lIQ,
CFE, 11(164):509-511, Brasília, julho de 1974.
l' M. Krasilchill:, "Prioridades no Ensino de Ciências". Cade",os de Pnq/liso,
J8:45-49, :1COSto de 1981.
19
Altamir
Realce
Altamir
Realce
Altamir
Realce
Altamir
Realce
Altamir
Realce
Altamir
Realce
difíceis condições de trabalho tornam cada vez mais presentes um
tipo de ensino baseado na apresentação, pelo professor, por meio
de aulas expositivas ou textos impressos, de fatos esparsos e desco-
nexos que 05 alunos memorizam, sem interesse, apenas para usar
na época das provas.
A licenciatura . regulamentada pela Resolução CFE n." 30/74
provocou, como era esperado, manifestaçóes violentamente contrárias,
pois suas características levaram à desagregação do já precário sistema
de formação de docentes, que passou a ser, primordialmente, feito
por escolas sem estrutura e corpo docente qualificado. Muitos, entre
os novos profissionais. jamais entraram em laboratório durante seus
cursos de formação, o que os tornouainda mais dependentes do
livro-texto, de baixo nível, que reforçava o ensino das Ciências com
aspectos deplorados por aqueles que aspiravam por uma educação
que realmente atendesse às necessidades do aluno e da sociedade.
Nesse período, a participação da comunidade dos professores, por
intermédio de suas associações de classe, teve grande influência.
Na 1nglaterra, a Associafion for Science EducafÍon (ASE) constituiu
uma comissão que elaborou importante documento expondo diver-
sidades de pontos de vista que representam o pluralismo da Asso-
ciação, a fim de fomentar o debate enlre seus membros.lO
No Brasil, essa participação foi caracterizada como a insurgência
da sociedade civil contra medidas arbitrárias do regime de força que
controlava o país. As manifestações das Sociedades Brasileiras de
Física, Química e Matemática, e da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), contra a Resolução n.O 30/74, repre-
sentaram um marco não só no ensino de Ciências, mas no processo
de redemocratização do país.
Conseguiram chamar a atenção para o problema da licenciatura
e sustar a vigência da legislação em uma época em que o centralismo
das decisões era aceito por grande parte das instituições educacionais.
1.4. Periodo 1980-1985
A crise económica e social vai passando por altos e baixos.
determinando a 'recessão ecanâmica e afetando a maioria dos países
lO ASE, AftunOlú·n lor Science EducCltion. Londres, The Association (or
Science Education, 1979.
20
subdesenvolvidos. com conseqüentes desdobramentos educacionais
(Quadro 1.1).
Um diploma de ensino superior ou médio já não garante um em·
prego. Segundo alguns estudiosos, a abertura das escolas a grande
parte da população teria provocado a massificação da educação,
levando à queda da qualidade de ensino, cm troca do aumento do
número de alunos. As transformações sociais impõem à escola, cada
vez mais, funções que lhe vão sendo superpostas, sobrecarregando-a
a ponto de dispor cada vez menos de meios materiais, o que afeta
principalmente as condições de trabalho dos professores.
Mal preparados por escolas empresariais, ou universidades desde-
nhosas e alienadas de suas responsabilidades na formação dos profis-
sionais da educação, os professores têm que dar muitas aulas em
classes superlotadas de alunos desinteressados, ou mal alimentados e
cansados. Diante de tal situação, organizam·se em atuantes associações
de classe. Essas instituições preocupam·se em garantir melhores
salários, condições aceitáveis de trabalho e participação nas decisões.
Também enfatizam a necessidade de um bom ensino de Ciências
para todos, não devendo ser este mais um elemento da elitização,
tampouco um instrumento de poder à disposição de apenas uns
poucos privilegiados'.
Ao tempo em que grupos de educadores preocupam·se com a
formação do cidadão-trabalhador, notam·se em paralelo os efeitos de
uma outra crise determinada pelo p:o:ogresso ameaçador de novos
centros industriais. E preciso garantir a formação de pessoal para
fazer frente ao novo perigo e manter a hegemonia e o poder dos
que se consideram seguros como Iídete!i da produção industrial.
A pretexto de devolver à escola a sua qualidade, pululam manifes-
tações e reformas de origem governamental, em sua maioria. Dentre
elas, a que provavelmente recebeu maior publicidade foi a reforma
francesa que, de acordo com seu autor, Chevimement, admite que
"no centro da competição econâmica internacional está o combate de
cada nação para dominar a mutação tecnológica com a qual todos
nos confrontamos".2'
Para tanto, há necessidade de uma redefinição dos conteúdos que
envolvem o desenvolvimento da capacidade de comunicação escrita
21 J. P. Chcvenement, Apprendu pour entreprendrt. Paris. Librairie Générale
Française, 1985, p. 8.
21
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e verbal , o desenvolvimento do ensino da tecnologia, a generalização
do emprego de novas tecnologias, a formação dos cidadãos e a devida
valorização de todas as disci plinas . Considerando-se esse rol de obje-
tivos, evidencia·se a preponderância dada à compreensão e uso da
tecnologia pelos alunos, no afã de se equipararem aos atuais líderes
na informatização.
Na Inglaterra, as preocupações são muito semelhantes,21 As escolas
também têm que responder às mudanças sociais e à crescente diversi-
dade cultural da sociedade, ao impacto da !ecnologia e às mudanças
nos tipos de emprego. As áreas compreendidas pelo currículo são:
estética e criativa, lingüística e literária, matemática, moral, educação
física, científica, espiri tual e tecnológica. Fica assim patente a cres-
cente importância da tecnologia no currículo escolar, tanto visando o
desenvolvimento da indústria como a familiarização do indivíduo,
I -incipalmente com o instrumental da informática, cuja innuência
na vida diária das pessoas é cada vez maior. Há também uma demanda
crescente por competência da escola e uma contestação de metodo-
logias ativas, pretensamente ineficientes, em favor dos métodos que
favorecem a aquisição de informaçõcs em nome do reerguimento da
qualidade de ensino.
As propostas são paradoxais, pois 110 mesmo tempo em que se
defende um retorno ao ensino mais tradicionalista, há também uma
preocupação com II participação em processos decisórios de cunho
nitidamente soc ial e com o desenvolvimento da liberdade individual.
Assim, enquanto no ambiente externo ao sistema escolar há uma
pressão para a incorporação do uso da informática, com -todas as
suas conseqüências , no ambiente educacional há uma preocupação
profunda com aspectos psicol6gicos ligados ao desenvolvimento
pessoal. A influência da informática areta profundamente concepções
de educação e, se alguns vêem nessa onda algo parecido ao que
ocorreu com o advento das máquinas de ensinar e instrução progra-
mada, outros adm item que o próprio conceito de alfabetização pode
ser revisto. Con tinuará a linguagem escrita a ter a importância que
tem ou será subst ituída por outro tipo de mensagem transmitida por
televisores? Se rá necessano ler, ou apenas ver televisão, ouvir a
leitura de livros ou ainda usar cartões magnéticos na sociedade
do futuro?
2l HMI, Tlle curricu/um fram 5-16: a :rlalt mtnt 01 policy. Department of
Education and Science, Londres, 198!5.
22 23
"As novas formas de ensinu de Ciências podem vir a ser muito
diversas do tipo de instrução a que estamos acostumados. Parte do
conteúdo certamente será diferente. Os cenários para o aprendizado
também poderão ser pouco familiares e nova organização para o ensino
poderá ser empregada." 11
Os responsáveis pelo ensino de Ciências não podem fugir ao con-
fronto com esses problemas, que dizem respeito a todos os educadores,
mas têm um componente especial: exigem decisões e mudanças
curriculares, tanlo em termos dos conteúdos apresentados como da
metodologia usada nas aulas.
Alguns temas são constantes· nas propostas para melhoria do ensino
de Ciências: as relações entre a indústria e a agricultura, ciência e
tecnologia. A educação ambien tal, e a educação para a saúde, cujas
conexões com esses temas básicos são claras, cont inuam merecendo
atenção dos educadores. No entanto, devido às peculiaridades e às
origens dos programas de educação ambiental, nem sempre o trata·
menta dos problemas leva ao exame das causas econômicas e às
possfveis conseqüências do uso indevido do ambiente em atividades
industriais e agrícolas. Com muita freqüência, os programas assumem
posições ingênuas de cunho conservacionista, ou uma perspectiva
puramente naturalista de observação da fauna, da flora e dos fatores
abi6ticos.
A par dessas linhas de alteração dos cursos de Ciências, algumas
características metodol6gicas podem ser identificadas. e marcante o
desenvolvimento de materiais que levam ao exercício da tomada de
decisões, tais como jogos e o uso de computadoresno ensino.
No Brasil, a primeira metade da década de 80 foi caracterizada
por uma profunda crise ec')nômica e o início da transformação
política de um regime totalitário para um regime participativo pluri-
partidário. Assim, a const rução de uma sociedade democrática, bem
como a necessidade de recuperação econômica, é pólo das preocupações
de todas as atividades educacionais.
A responsabilidade pelas decisões concernentes ao currículo é
também objeto de controvérsia polarizada em dois extremos. Em um
deles preconiza-se a delegação das decisões curriculares a cada escola
e no oulro, a volta a uma centralização por parte das autoridades
superiores em cada sistema curricular.
2.1 L E. Klopfer, "New Friends and New Forms for Science Education".
$cience Edllca1;ofl. 1(68):2, 1984.
24
O currículo gerado na escola tem influência em países onde a
tradição do sistema educacional determina liberdade aos docentes e
depende da competência destes. Os argumentos a favor da centra-
lização repousam na necessidade de melhorar a qualidade de ensino
e alegam a falta de capacidade dos professores de ~omar decisócs
sobre a matéria a ser ensinada.
O ensino de Ciências continua a ser objeto de preocupação dos
organismos centrais relacionados à Educação, Ciência e Tecnologia.
Assim, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior), como parte do Programa de Apoio ao Desenvol-
vimento Científico e Tecnol6gico - PADCT, cria, em 1983, um
novo Projcto para Melhoria do Ensino de Ciências e Matemática,
passando a constituir o "Subprograma Educação para a Ciência -
SPEC". Os objetivos dessa iniciativa são amplos, incluindo "melhorar
o ensino de Ciências c Matemática, identifícar, treinar e apoiar
lideranças, aperfeiçoar a formação de professores e promover a busca
de soluções locais para a melhoria do ensino e estimular a pesquisa
e implementação de novas metodologias".2~
A reação da comunidade acadêmica e educacional a esse novo
projeto denota interesse de vários tipos de instituições pelo ensino
de Ciências, preponderando universidades e incluindo Secretarias de
Educação, instituições de pesquisa, escolas primárias e secundárias
e grupos independentes de professores de vários níveis.
A extensa gama de projetos, incluindo desde atividades típicas
de um ensino limitado ao mero repasse de informações, até um
processo íntimo de relacionamento com a comunidade, para daí
extrair um currículo escolar, indica que há variabilidade de con-
cepções sobre o cnsino de Ciências entre os grupos preocupados
com o problema. A transferência dessas propostas para a sala de
aula, de modo a atender as demandas, continua a se:r motivo de
atenção, exigindo análise minuciosa e formas alternativas de
pesquisa que possam corresponder aos novos objetivos das Ciências
na escola e prover as condições para realizar mudanças.
24 SPEC, Educação para a Citncia. CAPES, 1(1), Brasília, janeiro de 1985.
25
Capítulo 2
Evolução da pesquisa de campo
sobre avaliação e difusão
de currículos
Os esforços para mudar o ensino de Ciências envolveram transfor-
mações curriculares que foram objelo de investigação sistemática,
para se responder a várias queslões relativas aos resultados das pro-
postas de inovação. Essas questões abrangeram não só o produto do
trabalho no aprendizado dos alunos, como o seu impacto na escola
e nas atividades dos professores. Também foi pesquisado o procedi-
mento dos grupos encarregados da elaboração e disseminação dos
projetas.
2.1. Período 1960-1970
No início do período descrito no capítulo anterior, a ênfase da
pesquisa de campo recaiu na avaliação dos resultados dos projetas
curriculares. Os projetos de primeira geração, sob influência de uma
linha de pesquisa baseada na psicometria, davam atenção primordial-
mente a medidas do rendimento educacional dos alunos e para isto
foram usados testes objetivos, a fim de se avaliar o aprendizado,
As provas, compostas por questões de múltipla escolha, eram pre-
paradas por firmas especializadas como a Educatianal Testing Ser-
vice e a Psychalagical Carporalian, também encarregadas de sua apli-
cação a grandes populações de alunos. A amostra que usou o Che-
mical Educatian Material Study - Chem Study, no seu segundo ano
27
de avaliação, era composta por 12.000 a1unos.1 O grupo utilizado
para aferir o resultado do uses foi de aproximadamente 14.000
estudantes.] A avaliação então realizada tinha duas funçõcs, segundo
Grobman: "Há dois aspectos principais em relação à função avalia·
tiva da aplicação de testes: uma é avaliar o desempenho dos estu-
dantes em relação ao material e a outr!l é avaliar a cCiciência do
material em relação aos alunos.")
O fato de a prova ser composta por itens de múltipla escolha per-
mitia sua utilização em pequenas amostras para padronização, ante-
rior à aplicação em larga escala, Os instrumentos visavam verificar
o aprendizado na área cogn itiva, uma vez que o objetivo básico dos
projetos era atualizar o con teúdo dos cursos das disciplinas cientí-
fi:as. Tentativas que pretendiam ir além e comprovar a mudança de
atitude dos estudantes, outro dos objetivos dos projetos, tiveram pouco
sucesso. Foi o que aconteceu no ehem Study, "uma meta mais ampla
do estudo era constatar qual a compreensão por parte dos estudan-
tes, da natureza da Ciência e sua importância nas atividades huma·
nas. Os materiais c lodo o enfoque pedagógico do projeto refletem
este objetívo, porém, pouco foi feito para verificar diretamente sua
consecução. Alguns trabalhos preliminares foram realizados para de·
senvolver , experimentar e rever provas que medissem a compreensão
e as atitudes em relação à Ciência, com referência, particularmente,
à Química. No entanto, o plano não foi avante, em parte por causa
do ~ncerra~ento das atividades do programa, e em parte porque a
equipe sentiu que outros esforços nessa linha não seriam particular·
mente frutíferos".·
Na verdade.' o que a maioria das pesquisas feitas nessa época, e
mesmo postetlormente, pretendia demonstrar, era a superioridade do
material para, desta fonna, convencer as agências financiadoras de
que os investimentos estavam dando os resultados esperados, No en-
tanto, dados referidos pelos investigadores indicavam que os alunos
que freqüentavam os curses baseados nos novos currículos podiam
I R. J. Merril e W. D. Ridgway, Tht Chtm Study Slory. EUA, W. H.
Freeman, 1969, p. 24. .
2 Mayer, W. "Evaluation anel CUrriculum Developrnent". Bses NtM'sltller
46:1. EUA, fevereiro de 1972. '
) A. Grobman. Tht Changing Classroom. Nova York, Doubleday, t969,
p. 126.
• R. J. Mereil e W. R. Ridgway, op_ cit., p. 24.
28
até sair·se pior, sob certos aspectos, eonsiderando-se que os exames
de admissão à Universidade requeriam vasta informação factual ba-
seada nos conteúdos dos livros didáticos mais populares na época.s
Os testes, além de não indicarem que os alunos que os utilizavam
estavam melhor preparados para a Universidade, também não apon·
tavam ~ grau de aceitação dos projetos pelos professores, o que seria
u.m pa.rametro para convencer os adotanles potenciais e as agências
fmancladoras do seu mérito.
A crescente insatisfação com o modelo de pesquisa adotado levou
a American Educational Research Associalioll, que reúne, além dos
educadores norte-americanos, também um considerável número de
educadores de outros países, a publicar o que se tornou uma mar·
cante coleção de monografias sobre avaliação de currículo .
Já no início do primeiro volume da coleção, há rererências sobre
os problemas de investigação e avaliação no campo de currículo.
"Pouco é conhecido sobre o mérito e Iimitaçõcs dos produtos e pro-
gramas. Para excelência cm educação necessitamos de excelente~
livros e excelentes professores, mas nossos métodos para reconhecer
excelência são inadequados." 6 No último volume da mesma série, é
de novo Stake quem se refere ao problema: "Deve um avaliador es-
tudar interação em sala de aula?Talvez sim , talvez não. Depende
parcialmente da informação que a clientela necessita ( ... ) ele tra-
tará ou não de ensino-aprendizagem, dependendo do propósito da
avaliação. E, claro, depende de seu orçamento." 1
A limitação inerente ao modelo quantitativo de pesquisa de cur-
rículo levou à discussão de sua metodologia, de seus objetivos e de
seu significado. Data do final da década de sessen ta a popularização
das expressões usadas por 8100m e colaboradores,' "avaliação forma-
5 F. Fornoff, A Survry o/ lhe TMching 01 Chemislry in Stcondary Schoo/s.
EUA, ETS, 1969.
W. Kastrinos, A S",vt)' 01 lhe T~lIing in Bi%C)' in Stcondary Schools.
EUA, ETS, 1969.
6 B. Stnke, ''Toward a TechnotoBY for the Evaluation of Educational Pro-
grams". AERA Monograph, 1:1-12, Serict on Curriculum Evaluation, EUA,
Rand McNally, 1967, pp. 1·2.
T R. Slake, '1'he decision: doe, Classroom Observalion belong in an Eva-
luation Plan?" l. Gallagher ti nl. (cd.), C/asuoom Obstrl'alion, AERA, Mo-
nograph S,mes n.O 6, 1970, p. l.
I B. Bloorn ti aI. Halldbook on Formali"e alld SUnlma/il't Eva/ua/lon Df
Sludtnt Ltam;lIg. EUA, McGraw·Hill, 1971.
29
ti va", usada para os processos destinados a aperfeiçoar os projetos,
e "avaliação soma tiva", para obtenção de dados comparativos da
forma final dos projetos com outros equivalentes.
Nessa linha, a pc~quisa continuava a ser fortemente influenciada
pela visão compon amentalista do processo de ensino-aprendizagem,
na medida cm que, o que se buscava, era verificar a compatibilidade
entre obje tivos propostos da forma mais explicita possivel c os resul-
tados obtidos pelos alunos. A organização dos experimentos também
obedecia a um padrão típico da pesquisa educacional do período.'
Grupos representati vos da população de alunos eram divididos em
dois subgrupos: controll.: I! experimental. Em geral, o projeto era usado
apenas pelo grupo I:xperimcntal e os testes finais eram aplicados aos
dois grupos de estudantl!S. Uma variante do mesmo esquema era usar
projetas alternativos com grupos diversos e analisar as di ferenças nos
resultados. Em alguns tipos de experimentos, a organização obedecia
a uma forma comparativa denominada grupo único pré c pós·teste.
Enfim, basicamente, eram seguidos os esquemas da popular monogra·
fia em que CampbeJl e Stan ley resu miram as possibilidades do que
chamaram esquemus experimentais ~ quase-experimenlais para pes-
quisa educadonal. 'o
Simultaneamente, ~inda confinadas ao padrão geral descrito, foram
conduzidas pesquisas para aferir a infl uência de variáveis especificas
na área metodológil.:a, tais como o uso de demonstrações de aulas de
laboratório e d~ audiovisuais. Um trabalho típico dessa verten le foi
o realizado por Yager e colaboradores,lI em que con trastavam grupos
de alunos que seguiam cursos com o mesmo conteúdo, apresentado
em diferent!!s modalidades didátkas: aulas de laboratório, de demons-
tração e de discussão. Estudos semelhantes foram realizados por mui-
tos pesqu isadores nas várias disciplinas, comparando grupos que usa·
vam filmes, computadores etc:! Não foi possível demonstra r conclu-
, M. B. Rowe c L. ' rure (cd.) , "'A Summary of Researeh in Science Edu-
eation". Sd~uce EJII(:lIIioll, Special Issue, 1973.
10 D. Canlpbell c 1. S. Stanley, "Experimental and Quasi Experimcntal De-
sijlns for RC S<:lL!ch on Teachins". N. L. Gage (cd.), l/ollJbook of Rtstarell
()/I Tt lleMII!: . lnglatcrrll, Kaml MacNally, 1963, pp. 171-246.
II R. E. YilBer 1'1 (1/. , ~EffeclJ of lhe Laboratory and Demonstra tion Melhods
upon lhe Outcomes of Instruction in Secondary Biology". ! ouflulI of Researel!
iII Sdtnet Tt m:hill /l , 5:76·1:16, 1969.
11 A. Hoffstein e V. N. l uneHa, "The Role of lhe Laboratory in Sc:ience
Tellchini: Negteeled Aspecb of Re:;earch". Revit w C/I EJuca/io,1II1 R tStllrcli,
1(.s2):201-2 17, verão ue 1982.
30
sivamcnte a vlIntagl! rn absoluta de um;! mctodologia ou rCcurso
didático.
O paradigma bâsico da investigação el"iI o mesmo: COfll roJ..: de va·
riáveis em grupos reprcscmativos de determinadas populações. Os ele·
mentos pa ra anâlise provinham c~~cncia lmcnle dos resultados das pro-
vas dos estudantes.
No entanlO, os dados des~e {ipo dI! pl!squisa não preenchiam talai·
mente as necessidades de informação dos que prttcndiam adotar deter-
minados projetas. Uma forma de atender a essa exigência foi a de
produzir imtrumenlOS para unálise d.: materi al curricular, nos moi·
des daqueles elaborados pelo grupo pioneiro organizado pelo Social
Science EducatiOI1 CO/lsor/ ;u/II , que preparou o Curr;culum Materipls
Ana[ysis Sys/em,u com a fi nalidade de orientar o exame de projetas
nas áreas de Ciências Sociais, Baseado nesse, foram elaborados dois
outros instrumentos, mais ad~quados às disciplinas científicas . Um
deles, The Ana/ys'-s 01 Curriculum Ma /erials, foi ampliado a partir
do modelo básico para atender a outras discipli nas, além da área das
Ciências Sociais. 11 O projeto, sediado na Universidade de Sussex,
Inglaterra, fo i desenvolvido com a ajuda de um grupo internacional,
com participantes da Alemanha, Suécia e EUA.
Para a análise de materiais, especificamente na área de Ciências,
foi preparado, no IlI stitul lur die Pedagogik der Na/urwissenschalfen
(lPN) , A Curriculum Material Analysis System lor Science. u O prin·
cipio geral desse instrumen to era tentar quantificar , por meio de
escalas, os elementos de vários projetos, tais como: objetivos, con-
teudo, metodologia , descrição dos materiais, teorias educacionais e
psicológicas em que se fundamenta a organização da disciplina.
Embora esse material len ha sido planejado basicamente para orien·
tação dos que iriam usar os projetas curriculares nas salas de aula,
serviu também para ressaltar a importância das bases teóricas e para
a fundamentação dos diversos currículos aos seus usuários no sistema
escolar.
JJ Sodal Science Education Consorlium, Currklllllm Mauriu( Allalysis System.
EUA, 1971.
H M , Eram .'1 lIl., Tlrt Allo/ysis of CllrriClllmn Mul t ria/s. Sus5ex. University
of Susscx, o.:casionat Paper n.o 2, p. 197.
IS P. Hausslc:r e J. Pillmlln, A Cllrrkll/IIIII 111,1111';/.11 Alla/Jsis Sysltm fo,
Sciellct. Kiel, )PN, 1973.
3 1
1.1. Período 1970-1980
! também nesse período que a insatisfação com o que foi chamado
de modelo experimental provOCOu redirecionamento . da pesqu isa sobre
os currfculos das Ciências, Assim como a discussão sobre a natureza
da pesquisa científica influiu no conteúdo dos projetas de ensino das
Ciências, também provocou transformação nos cânones adotados pela
maioria dos pesquisadores educacionais. A aceitação de que uma de-
cisão metodológica não era apenas técnica, mas fundamentalmente
su bjetiva, dependendo das convicções do investigador, mudou a
pesquisa sobre currículos. Um marco dessa nova posição é exem-
plificado pelo livro Unobtrusive Measures, de Webb e colabo-
radores,li Os autores da monografia pretenderam ampliar as possibi-
lidades para conseguir dados significativos nas pesquisa das Ciências
Humanas, indo além do uso tradicional de questioná rios e entrevis-
tas, Enfatizavam a importância das medidas obtidas direta ou indi-
relamente pelo pesquisador, Uma das poderosas influências dessa mu-
dança de paradigma foi a adoção da observação clínica usada na meto--
dologia piagc ti ana pa ra pesquisa em ensino de Ciências.
De acordo com Novak: "A crescente popularidade dos simples mé·
todos clínicos de Piaget foi, para muitos pesquisadores, uma aben-
çoada li beração da barragem psicométrica e estatística simbolizada
pela liderança da American Educational Research Association (AERA).
Caso Piaget anonimamente submetesse uma proposta de pesquisa para
financiamento cm 1955-1960, as comissões julgadoras possivelmente
a considerariam uma espécie de piada." 17
Certos trabalhos foram cruciais nessa nova fase. Um deles, o artigo
Evalua/ian as illumination,l. contrapõe o que os autores chamaram
de avaliação tradicional , paradigmaagrícola-botânico, à avaliação Uu-
mi nativa que segue um paradigma sócio-antropológico.
Questionamen tos sobre a metodologia e o pr6prio objeto da pes-
quisa conti nuavam presentes, Contestava-se a possi bilidade de reali·
zar um estudo válido, no campo educacional, por meio da compara-
ção de grupos submetidos ao tratamento com grupos-controle, nos
16 E, J. Webb t/ a/,. Unob/rusive Measures. Chicago, Rand MeNsUy, 1969.
17 J , Novak, A T/l eory of Educo/ion. Nova York, CorneU University PreM,
1977, p. 116.
II M. ParteU e D, Hamiltoo, Eva/ua/ion as lIIumiM'ion in CUfricu/um Eva-
IU(l/iOII Today: TrendJ (lnd lmplic(l/jon. D. Tawney (Ied.) , UK, MacMillan,
1976.
32
moldes das experiências de campo realizadas nas Ciências Biológicas.
Tal modelo deixaria escapar informações fundamentais para um pro-
cesso que não pode ser encarado isoladamente .
O modelo experimental exigiria cuidados na composição da amos-
tra e na elaboração de instrumentos, na verdade, sem significado
quando se lida com estudantes, professores, escolas, enfim, indivíduos
e grupos complexos cujos comportamentos nâo podem ser analisados
de forma padronizada. Não se poderia si mplificar o processo educa-
cional, sob pena de adulterá·lo de tal modo a tornar toda a experiên-
cia sem sentido e inócua .
Estava implícito também, no modelo experimental quantitativo, que
o avaliador não deveria estar diretamente envolvido com a elabora-
ção do programa cuja qualidade se pretendia aferir . O distanciamento
entre a equipe responsável pela confecção do projeto e o pesquisa-
dor, garantiria a imparcialidade deste, o que é discutível. Sendo de
fora, ele não é alguém com quem se possa ou deva partilhar dúvidas
e esperanças, mas é quem vai julgar o seu trabalho, classifieando-o de
bom ou mau, digno ou não de ser adotado ou de receber finan-
ciamento,19
Por outro lado, o não envolvimento do pesquisador leva também
à omissão de dados que são essenciais para a compreensão do que
ocorre nas salas de aula, nas reuniões de professores, nos corredores
das escolas, nas salas dos administradores. Era , pois, imperativo en-
contrar uma saída, de forma que a pesqu isa levasse em conta esses
elementos e que a tentativa de medidas dos produtos educacionais
fosse substituída por um estudo intensivo do programa como um todo:
sua fundamentação e evolução, sua forma de operar, seus sucessos e
dificuldades, A inovação não é examinada isoladamente, mas sim, no
contexto da escola, ou seja, no ambiente do aprendizado.
A adoção de um novo paradigma de pesquisa em currículo, além
de mudar o esquema de organização do experimento e da posição
do investigador, levou também à necessidade de busca de novas fontes
de dados que não se circunscrevessem à mera coleta e análise do
resultado dos exames feitos pelos alunos, Passou-se assim a usar
observação direta . estudo de documentos, entrevistas com os diversos
elementos envolvidos no projeto curricular, alunos, professores, admi·
II M. Krasilcl:ik, "A Avaliaçio da Avaliação", Cademos dt Pesqujso, 48:
63-66, São Paulo, fevereiro de 1984.
33
nistradores, autores, enfim, todos que pudessem dar infonnações per·
tinentes ao exame da questão. Deriva dessa concepção a expressão
"avaliação iluminativa", para contrastar com o procedimento tradicio-
nal em que os alunos constituíam as únicas fontes de dados. .
Na verdade confrontavam-se diferentes concepções de pesqUIsa
baseadas em d'iversas noções de todo o processo educacional. De um
lado, uma visão privilegiava o pretenso rigor com base em objetivos
preestabelecidos , experimentos e instrumentos fundamentados na es-.
cola psicométrica. moldados para medir quantitativamente o que se
desejava saber sobre o aprendizado dos estudantes. De outro lado,
admitia-se que o que ocorre na escola é tão complexo que um esquema
simplificador não pode atender à necessidade de descrição ~ julga-
mento da validade de um fenômeno que envolve pessoas, senllmentos
e processos intelectuais intrincados e influenciados por múltiplos
fatores.
Para tanto, a limitação à medida quantitativa não satisfaz, de
vez que muito do que se necessita aferir não é suscetível de ser
quantificado. Na tentativa de (;ompor um quad~ mais complet? do
processo de elaboração e implementação de curnculos, f~ram Uhl~za
das metodologias que, embora dentro de uma mesma hnha bá~ica,
tinham diferenças e englobavam medidas qualitativo-fenomeno16glcas,
processos etnográficos, naturalisticos, pesquisa participante, estudos
de caso. A mudança do paradigma de pesquisa, que teve um dos seus
rúcIeos nos trabalhos de ParIett para avaliação de cursos de Ciências
do ensino universitário, provocou repercussão L resistência.~ Essa
resistência entre os pesquisadores que trabalhavam para a melhoria
do ellsino de Ciências devia-se, basicamente, à sua formação acadê-
mica, que lhes impunha procedimentos tradicionais de investigação
no campo das Ciências Exatas ou Biol6gicas.
No entanto, contra essa resistência, lutavam as equipes dos pro-
jetos, em confronto com obstaculos na condução do tr1balho, que rcc<:
nheciam as limit. çõcs do modelo de pesquisa vigente para o forneci-
mento de dados que fundamentassem suas decisões, assim como suas
atividades de elaboração e disseminação dos projetos curriculares_
As dificuldades para tomada de decisões tomavam o trabalho das
equipes difícil e desgastante. Embora as medidas administrativas não
20 M. Parlctt e D . Hamilton, EI'alualion lU IIIumir!otior! ln Currlculum Eva-
lua/ior! Toda)' : Trend$ olld Implica/ior!. D. Tllwney (cd.), UK, MacMiI1an,
1976.
34
causassem controvérsias, sobretudo aquelas tangentes fi estrutura do
material, seu conteúdo e organização levavam a conflitos que eram
resolvidos pela hierarquia interna do grupo. Também a relação do
projeto com o sistema educadonal e seu mecanismo de difusão, além
das relações das equipes com outros segmentos do sistema educacio-
nal, levaram ao estudo das formas como os diversos grupos curricula-
res eram organizados e como suas idéias eram colocadas a serviço
da comunidade educativa. Um exemplo marcante dessa nova linha de
trabalho foi o estudo de um caso de mudança curricular, publicado
com o título lnside a Curriculum Pro;ect. O seu autor era um obser-
vador externo, que trabalhou com a colaboração do diretor e do
vice-diretor do projeto na preparação de um estudo de caso. Foram
focalizadas, primordialmente, as relações dos membros da equipe
responsável pelo projeto com as escolas e os professores que atuaram
na fase de utilização experimental dos materiais.!! Esse trabalho enca-
rava a transfonnaçáo educacional de um ponto de vista bastante
diverso do que era comum até então, abrindo uma nova vertente
de pesquisa de campo.
As relações humanas passaram a ter um lugar importante na
investigação de problemas que se relacionavam às mudanças de ati-
tudes e valores, as quais não podiam ser completamente estudadas,
analisando-se apenas uma faceta da questão, ou seja, o produto de
tais projetos inovadoresP
Como rcsultado das transformações na concepção de pesquisa, a
grande maioria dos projetos ingleses foi descrita e avaliada por meio
de estudos em que se usavam informações de vários tipos, provenien-
tes de fontes diversas. Um bom exemplo dessa concepção é a avaliação
do projeto para a escola primária - Science 5-13. Escreve a at/'iora:
"Do primeiro conjunto de experimentos, aprendeu-se que a informa-
ção proveniente das provas dos alunos foi uma tentativa que não se
prestou facilmente para orientar a revisão da redação do projeto e
teve que ser suplementada por outros dados. Os resultados tiveram
uma função útil para eonfinnar que o cnloque. geral do material era
eficiente para promover os objetivos estabelecidos ( ... ), mas foram
11 M. D. Shipmann, Insidt (I Curricu/um Projecto UK, Mtthuen Co., 1974.
Zl M. Parlett e G. Dearden, lntroduclion to J/Iuminalive EWlluation. Studit$
ir! Higl!t( Educa/ion. UK, &xiety for Research in HigherEducaüon, 1977,
p. 18.
35
muito menos úteis do que dados de oulras fontes para indicar modi.
ficações que aperfeiçoariam as unidades." 2l
Um trabalho signiCicativo nessa nova linha de pesquisa foi orga·
nizado por Stake e Easley,N que procuraram retratar o ensino das
Ciências em escolas norte·americanas também por meio de uma me-
todologia inovadora. Uma amostra de onze escolas foi selecionada
para representar diversos tipos de estabelecimçntos: urbanos e rurais,
das várias regiões geográficas do país. de vários níveis s6cio-eeonômi·
cos e diversas etnias, e escolas em vários estágios - algumas recém·
·inauguradas e outras em processo de quase fechamento, algumas
inovadoras e outras bastante tradicionais. Um dos critérios para a
seleção final da amostra foi a possibilidade de dispor de um expe-
riente pesquisador para realizar um estudo de caso em cada escola
escolhida.
A complementação da pesquisa foi feita pelo levantamento de uma
amostra estratificada de aproximadamente 4.000 pessoas interessadas
no ensino de Ciências, incluindo administradores, professores, fami·
liares e alunos. O projeto teve, portanto, caractensticas bastante abran-
gentes, podendo-se chegar a algumas conclusões gerais sobre o ensino
de Ciências nos Estados Unidos. Mas seus autores informam que "o
resumo é uma drástica simplificação das circunstâncias observadas
pelos pesquisadores de campo e descritas em cada um dos estudos
de caso. O retrato de cada um dos locais - vistos pelos experientes
mas singulares olhos do observador - é um quadro muito influen·
ciado pelos administradores, pais e estudantes encontrados, colorido
por problemas profissionais, técnicos, econômicos e sociais.
De uma forma ou de outra, os quadros dos diferentes lugares não
se agregam de modo nem a formar o retrato da educação nacional.
tal como é apresentado pela imprensa popular (embora não menos
aflitivo), Jlem pelo composto nas publicações educacionais profissio-
nais (embora não menos complicadas) ( ... l".
Na tentativa de fazer também um levantamento a nível nacional,
na Chã-Bretanha, o Departamento de Educação e Ciência instalou uma
unidade de pesquisa (Assessment 01 Performance Unit - APU) 2S para
2J W. Harlen, Science $.1]. A Formative Evaluation, Scbools Councit R.e-
searcb Studies. UK, MacMiUan, 197', p. 86.
14 R.. Sta1:e e A. J. J. Euley, CtB~ StuditJ in Scitnct Educa/ion. EUA,
National Scieoce Foundation, 1978.
25 APU. Scitnct ifl Schoofs, H(I), Department of Education and Science,
1982.
36
analisar o comportamento dos alunos de várias idades em relação a
alguns componentes curriculares. Os projetos foram in iciados nas
áreas de matemática e inglês e, em 1980, começaram os estudos sobre
a situação do aprendizado de Ciências .
As pesquisas incidiram sobre estudantes de três faix:as etárias: 11,
13 e 15 anos. Os trabalhos tiveram a participação de várias universi-
dades e centros de investigação, encarregados de elaborar os instru-
mentos de avaliação e analisar os resultados. As amostras foram
muito extensas: 11 .000 crianças de II a 13 anos e 16.301 alunos
de J5 anos.
Além de questionários, também foram aplicadas provas práticas.
Os instrumentos foram construídos com base nos programas, mate-
riais e documentos usados na época, que especificavam os objetivos
do ensino de Ciências. Os alunos deveriam ter habilidades necessárias
à investigação científica, conhecimentos e conceitos sobre o mundo
natural. Os resultados forom publicados na 'forma de relatórios que
tiveram impacto no cenário educacional inglês. Os debates sobre o
significado e as implicações de tal pesquisa foram amplos e acalorados,
pois se temia que a liberdade das escolas, na construção de seus
currículos, fosse restringida se os resultados da pesquisa contribufssem
para composição de um currículo nacional. Alguns eram a favor do
trabalho, pois "os testes forneceriam os parâmelros a partir dos quais
as escolas poderiam preparar seus próprios currículos. De fato, a
APU não serviu a esses propósitos e não é um modelo curricular.
Fazê--Io seria garantir a reversão do ensino para os examcs".16
2.3. Período 1980.1985
Os seguidores dos dois paradigmas predominantes nos vários perío-
d.os de evolução do ensino das Ciências defendem seus pontos de
vIsta com argumentos pertinentes (Quadro 2.1). De modo geral, no
caso ~aqueles que preferem a linha denominada experimental, há
neceSSIdade de dados objetivos, rigorosos e susceptíveis a análises
quantitativas. Os que preferem uma linha naturalística referem-se à
26 M. Skilbeck (ed.), lfl School-BtlStd Currjculum D~vtlí'Ullltllt. Londrts,
Harper Educatiol! Series, 1984, p. 177.
37
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necessidade de um quadro amplo, abrangente e com análises de situa.
ções intrincadas, sem o qual o processo educacional não pode ser
convenientemente focalizado. Muitos dos que pesquisam na área de
currículo defendem a possibilidade de conciliação das duas metodol!>
gias do plano prático da pesquisa c usam quaisquer elementos que
possam oferecer subsídios para as decisões necessárias. No entanto,
o debate está longe de terminar, pois "simplesmente encerrar o assunto
fazendo injustificadas alegações d~ cooperação e compatibilidade é
a manobra errada no momento errado",::
Paralelamente às mudanças metodológicas do processo de pesquisa
e avaliação dos resultados dos projetas implementados, emergiu uma
nova linha que propunha mudanças refl!rentes à temática da investi-
gação. Esta tendência su rgiu marcadamentc no final da década de 70,
lendo suas bases na construção de currículo a nível das escolas, com
a participação de vários segmentos das com unidades educacionais. A
argumentação em favor desse procedimento baseava·se na admissão
de que as tentativas de mudanças não foram tão completas e satisfa-
t6rias como seus elaboradores haviam previsto. Um trabalho desse
tipo destinou-se a estudar, na Austrália, a nível nacional, quais os
assuntos básicos relativos às dccis~s curriculares. Sua finalidade era
"gerar açócs construtivas nas escolas cm benefício dos estudantes,
como resultado direto das llIividades do! pesq uisa" .
"O projeto (ompreendeu 11m levantamento reito por queslionanos
a nível nacional, em 101 escolas dc uma amostra estratificada, e um
estudo de caso minucioso de uma escola secundária. A pesquisa con.
siderou a distribuição de tempo de trabalho dos professores nas
escolas, il freqüência de reu niões de docentes, o tempo gasto nessas
reuniões, lendo em vista responder a algumas perguntas sobre curo
titulo: que dc(isõcs são tomadas, quem participa dessas decisões e
que influéncias :,;10 percebidas pe lo pessoal envolvido no processo." 2j
2J J . Smith c L Heshusius, "Closing Down lhe Conversation: Thc cnd o(
QUlIJiI3tivc-Qu:lntilatil'e Debate :Jm'Ong Edueational Inquires". Educu/iom .. 1 Ri! •
. " 'flrelrrr, I (I S): I I, jandro de 1986.
:. I)"vid Cohen, "Curriculum Decision Mlll.ing in Science Teaching in Aus-
Ir .. lill". Tht Alu/ruliull Scitnce Teuchers ' ol/mul, 2( 24):'.17, 1978.
38 39
No Brasil, embora muitas tentativas tenham sido feitas para modi-
ficar o ensino das CiSncias, a avaliação e a pesquisa do processo
foram parcas e ficaram confinadas a trabalhos acadSmicos e publica-
ções especializadas.29 Seus resultados não atingiram os centros de
decisão e muito menos as escolas, por vários motivos. No nosso siste-
ma educacional, estrutura lmente centralizado, não há tradição de
demanda por qualidade pela comunidade, que não participa do pro-
cesso decisório. Além disso, não há canais eficientes, entre os pesqui-
sadores e o sistema, para cobrar investigações que sejam relevantes
para opções relativas ao currículo.
Historicamente, os professores têm sido considerados culpados pelo
uso inadequado dos materiais curriculares. A opinião desses profis-
sionaise a sua capacidade de subverter imposiçõcs e sugestões oriun-
das dos órgãos centrais do sistema educacional são aspectos que
merecem a atenção daqueles que estão preocupados com o currículo
na escola. Num sistema extremamente fragmentado c hierarquizado,
os docentes ficam afastados do centro das decisões, porém, não da
ação em sala de aula. Aceitar que as decisões curriculares devem scr
descentra lizadas não basta. t preciso que os professores, para a ela-
boração de programas de guias curriculares, tcnham condições de
trabalho e subsídios para servir· lhes de apoio.
Também o currículo deve ser influenciado pelos centros de pesquisa
e de produção de conhecimento. Compatibilizar esses vários elementos,
possibilitando um resultado satisfatório, tanto do ponto de vista da
qualidade do material como de sua exeqüibilidadc, depende do co-
nhecimento das opiniões dos vários segmentos que participam do
processo.
O lipo de avaliação que chamaremos "prospectiva" tenciona, como
meta, antecipar as necessidades do sistema, encarando o fut uro de
forma críticlf, a fim de estipular critérios de organ ização curricular.
No entanto, esses critérios devem ser suficientemente precisos, de
fonoa a evitar que se tornem "chavõcs mais do que concepções sig-
29 Anna M. P. Carvalho, O Ensilto de Füica ,ta Gram/c Suo Paulo. São Paulo,
lese mimeografada, 1972.
M. Krasilchik, O Ensino de Bio/ogiu em ~Jo I'ull/o. São Paulo, tese de
doulorado mimeografada, J 972.
40
nificativas do importante processo de avaliação educacional. A com-
preensão e uso cuidadoso dos resultados de significado amplo depen-
derão das discussões e açõcs dos avaliadores".YJ
Realizar pesquisas que indiquem as condições para que uma reforma
curricular seja efetiva, com finalidades prospectivas. usando, para
tal, dados de várias origens e tipos, é urgente e necessário. a fim de
se evitar desperdícios de esforços e recursos financeiros.
)II R. Tyler, "Changing Concept! of Educational Evaluation". ll/ttrltatlonal
/ oUrltalol Educaliol/al Res~arch. 1(10):1·113. 1986.
41
Capítulo 3
Percepções sobre o ensino de Ciências
em diferentes níveis do sistema escolar
Considerável lrnbalho c substancial qU8midade de recursos Y~m
se ndo devotados ao melhoramento do ensino de Ciências. em todo I,)
mundo. Tendo cm visla que as decisõcs currir.:ulares ocorrem em
diferentes níve is do sistema escolar e que, em geral, o resultado fina l
.:m sala de aula não corrcspomk ~s aspi rações de mudanças, arca·
lização do qu..: cham<lmos de pesquisa prospectiva, para determinar
qua is são as pt:n:epçõcs que os dive rsos elemen tos que alUam no pro-
cesso têm sobre I,) problema. poderá atenua r as diferenças cnlrc o
proposto c o nlc:lI1çado. Hoje, o problema .! especialmente signifi ·
cativo, quando a democratização do sistema escolar envolve maior
participação e autonomia dos docentes, tradicionalmellle alijados do
processo decisório. Enquanto houver incoerência na complexa hierar-
quia das diferemes instl1ncias de deliberação sobre o currículo, os
resultados fina is não all!nderão às aspirações de nenhuma delas.
Uma primeira tenta tiva no sentido de auscultar as aspirações dos
dOl,;cnte$ foi realizada, em 1977, pelo CEelSP (Centro de Treinamento
para Professores de Ciências Exalas e Naturais de São Paulo).1
TraIa-se de uma pesquisa sob re os falares que influem na uliliza..;ão
dos manua is do professor. componentes comuns dos projetas curri-
I CECISP _ Cenlro de Treinamcnl" p:HU l'rofessol'e~ ue Ciência~ ue: 550
".,ulo. Projeto; Fmures qllc /11//111111 IUI 1I1iliwçjjo di Atnlllln;J do P,o!enor.
lN EP. rtlal<.Írio OIimeocwfadJ. I "'}t.
eulares, muitas vezes subutilizados. Verificou-se que os usuanos con-
sideram prioritárias informaçõcs relativas ao planejamento, tais como
relação de material de labora tório, bibliografia suplementar, li sta de
objetivos, O que pode se r interpretado como uma forma de evi tar
trabalho de natureza burocrática. A parte de suplementação de infor-
mação ao professor vem logo em seguida, incluindo apro fu ndamen to
teórico, respostas c comentários às questões do livro do aluno, e
também modelos de itens para provas. Em um terceiro nível , são
considerados aspectos como as respostas às perguntas dos livros· texto,
instruções metodológicas e informações que podem substitui r a leitura
da bibliografia . Estes dados podem ser explicados como resuhantes
das condições de trabalho do professor. O anseio por liberdade de
ação é indicado quando se verifica que o docente prefere receber
sugestões alternativas, para atividades em classe, a instruções rigidas .
Prosseguindo na mesma linha de investigação, consideramos con-
veniente fazer novo levantamento, cm 1980, visando verificar quais
os fatores que influem na decisão dos professores relativa à adoção
e utilização de projetas curriculares. O estudo envolveu 416 professo-
res que freqüentaram cursos das disciplinas científicas, promovidos
pelo CECISP, a quem se solicitou que respondesscm a um questioná-
rio de 20 itens. Os itens tratam das características cducacionais do
material , de aspectos práticos relativos à sua aplicação, da preparação
dos docentes e dos aspectos administrativos para sua adoção, além
da possibilidade de aquisição do equipamento específico.
As características do materi al que se refercm diretamente ao apren·
dizado dos alunos, como: "despertam interesse dos alunos", "o resul-
tado do experimento só é con hecido após sua realização" , alcançam
as pontuações mais altas, além de mcnor dispersão das respostas.
Aspectos logísticos , como "os exercícios podem ser realizados mesmo
em sala de aula", "exigem drogas e equipamentos que podem ser
comprados cm casas comerciais" e os "exercícios práticos podem ser
executados com material caseiro", têm lugar intermediário na escala
e apresentam uma maior dispersão das respostas. De fo rma geral ,
'pela análise dos resultados, verinca-se também a importância de fato-
res externos de pressão no currículo, como a "inclusão de tópicos do
ves tibular" e "a inclusão dI.! assuntos que constam do guia curricular" .
Estes dados podem alertar os autores de possíveis reformulações
curriculares, assim como indicar os tipos de subsídios e materiais
mai s úteis e nccessários , segundo os professores.
44
Tornii - ~t: d ura também a necessidade de um estimulo aos professores
para qUl' mudem rcalmen te scus comportamcntos cm sala de aula e.
sobretudo. pa ra encorajá·los a dar aulas práticas.
Para quI.! o trei namento atinj a um número significativo de pro-
fessores , sem afastá-los das ati vidades docenles, é necessário que o
trabalho seja descentralizado e, para tanto, é indispensável o envol-
vimento das várias instâncias em que é di vidido o sistcma escolar.
Assi m, é possível, hoje, reconhecer pelo menos três esferas de in·
fluência nas decisõcs curriculares: a dos professores que, finalmente,
decidem o quc fazer em sala de aula ; a dos professores-monitores, que
atuam como intermediários entre os níveis de decisão de cúpula e
os professores, e a dos elaboradores de material didático e de apoio,
chamados líderes. que realizam projctas de melhoramento do ensino
em instituições centrais da própria Secretaria da Educação, ou nas
Universidades e Centros de Ciências.
O professor é o elemento do sistema que tcm acesso direto e
contato contínuo com os estudantes. objetivo final de todas as trans-
{armações pretendidas. E ele também quem decide, em última instân·
cia. sobre a utilização dos materiais curriculares_
Os professores·monitores são os intcrmediários entre os professores
em exercício e o sistema central de decisões. Professores também, eles
são retirados da sala de aula para estabelecer ligações entre as escolas,
os órgiios da Secr.!taria da Educação e as instituições dedicadas à
melhoria do ensino de Ciências. Interagem, direta ou indiretamente,
com proCessores e admini stradores, tanto a níveol central como de
escola. Mantêm contatodireto com os chamados líderes. em cursos
de treinamento, reuniões de elaboração de currículos etc. Sua JX>Sição
versátil pennite que atuem ajudando individualmente os professores
tia busca de soluções para seus problemas em sala de aula. PoJr
outro lado. embora tenham potencialmente um enorme campo de ação
na prática, esses elementos dispendem muito de seu tempo planejando
e realizando atividades de treinamento, ou exert:endo {unções de cunho
burocrático. Sua posição é débil na hierarquia do sistema escolar,
figura interposta entre os administradores, supervisores e docentes,
sem grande poder decisório, e subordinada aos elementos das equipes
centrais da Secretaria de Educação. Embora. teoricamente. devam ser
recrutados entre os proCessores mais capazes, nem sempre têm a
ascendência intelectual para o exercício da liderança e a condução
de programas de inovaç~o . Apesar dessas limitações, a própria estru·
tura do sistema educacional concede autoridade aos monitores, pelos
45
seus vínculos com o sistema central, embora não lhes garanta poder
para modificação do ensino.
Os que foram classificados como líderes são os elementos que, nos
órgãos centrais da Secretaria da Educação, nas Universidades ou nas
instituições como os Centros de Ciências. produzem projetas ou pro-
gramas inovadores.
As razões para o envolvimento desses participantes no processo de
transformação resuham de interesses diferentes. embora haja muitas
semelhanças em seus papéis práticos. Nas Universidades, a partici-
pação de alguns professores deve-se à convicção da necessidade de
contribuir efetivamente para a melhoria do ensino, disseminando
algumas de suas próprias idéias sobre o assunto, Já em muitos casos,
tais lideranças respondem a agências do Ministério da Educação ou
das Secretarias da Educação para que participem de programas.
Qualquer que seja sua motivação, os líderes servem, na verdade, como
repassadores, ao sistema escolar. das concepções dos cientistas sobre
o ensino de Ciências.
Se, por um lado. em razão da própria estrutura do sistema univer-
sitário, os líderes ocupam internamente uma posição fraca, decorrente
do desprestígio do ensino c da:; ulividades a ele ligadas, externamente,
porém, encarnam o poder e a autoridade da Ciência e da academia.
sendo vistos como fonte das idéias c novas tendências para a transfor-
mação, No entanto, agem à distãncia, em geral pouco ligados ao
cenário e aos agentes do processo de transfonnação - os professores.
Comumente, as relações di retas com estes elementos se limitam aos
períodos esporádicos de cursos de aperfeiçoamento, não havendo um
processo con tínuo de assessoria e visita às escolas, Esta situação pro-
voca um distanciamento entre os componentes do sistema que dificulta
a influência e a interação enlre li Ciência e a escola.
Entre os sistemas de liderança, podemos distinguir dois grupos: as
instituições universitárias que, de forma geral, contribuem com um
esquema teórico para justificar as inovações, e as lideranças sediadas
nos órgãos centrais das Secretarias ou do Ministério da Educaçiio,
que têm muito mais um papel legislador e divulgador, ou seja, de
produção de documentos legais, programas, guias, propostas, documen-
tos indicativos que comunicam as idéias teóricas originadas nas Uni·
versidades,
A análise da percepção que estes três elementos têm UIl ensino
de Ciências serve para esclarecer por que muitas mudanças planejadas
46
não chegam a termo e possibilita que os novos projetas para mudanças
se tomem mais exeqüíveis e realistas.
As relações existentes entre os sistemas central e periférico de
decisões e a reação das escolas em relação à possibilidade de parti-
cipação nas decisões curriculares influem decisivamente no processo.
O estudo da interdependência dos vários níveis decisórios ê essen·
cial para _ desenvolvimento de projetas bcm-sucedidos de inovação.
em qua.quer área, e a pesquisa. não só pelos seus produtos como
pelas metodologias que possam ser desenvolvidas, tcm muito a contri-
buir para uma efetiva mudança no ensinu.
Portanto, foi usada uma escala de prioridades em que us cumpo-
nentes foram selecionados com base em três falares: entrevistas e
reuniões, dados obtidos pela análise de documentos e literatura. e
experiência acumulada sobre os assuntos analisados derivada, nola-
damente, de observação e relatórios de estagiários de Prática de En-
sino.: O questionário foi respondido por escrito, para que os entre-
vistados tivessem tempo sufici ente para refletir, e aplicado duas vezes,
em 1982 e 1985,
O questionário foi dividido em quatro partes: o primeiro conjunto
de itens se referia aos fatores que influem negativamente no ensino
das Ciências; o segundo, às restrições que são rei tas ao alUai ensino
das Ciências; um terceiro grupo de itens foi constituído de recomen·
dações para a melhoria da realidade. A quarta parte do instrumento
permitia a elaboração de comentários livres sobre o assunto cm pauta.
Durante as discussõcs preliminares. na fase de elaboração do ques-
tionário, foi considerada a possibilidade de inclusão de um conjunto
de questões sobre os aspectos positivos do ensino, mas a idéia foi
abandonada, levando-se cm consideração a postura reticente dos par-
ticipantes sempre que, durante as discussões. o assunto foi aventado.
3.1. Fatores que influem neplivamente nu ensi no das Ciências
3.1.1. Preparação deficiente dos professores
Os cursos de licenciatura têm sido objeto de crllicas em relação a
sua possibilidade de preparar doce nles, tornando-os capazes de minis-
2 M. Krasilchik, "U ma Vislio Panorâmica do Ensino de Ciêndas nas Escolas
de 1." Grau na Cidade de São Paulo". Revista de Ensino de Física, 2(2):
98-100, maio de 1980.
47
trar bons cursos, de acordo com as concepções dos que aspiram
por uma transformação do ensino das Ciências. A situação agravou-se
após a expansão do ensino superior, com a implantação da Resolução
n.O 30/74. As queixas que antes se referiam apenas a deficiências na
área metodológica ampliaram-se para abranger a formação dos profis-
sionais em rdação ao conhecimento das próprias disciplinas, levando
à insegurança em relação à classe, à baixa qualidade das aulas e a
dependência estreita dos livros didáticos_ Assim, a opinião ·sobre a
importância da competência dos professores é fundamental para a
análise da questão.
3.1.2. Programação dos guias curriculares
A tradição de que o currículo seja determinado por autoridades
superiores é profundamente arraigada ao sistema escolar brasileiro,
apesar de os textos legais delegarem decisões a diferentes níveis do
sistema educacional. Assim é que cabe ao Conselho Federal da Edu-
cação estabelecer parte das disciplinas; aos Conselhos Estaduais de
Educação determinar outras e, às escolas, escolher ajn~a outras. Na
verdade, a dosagem do conteúdo, a organização do mesmo em seqüên-
cia para apresentação nas aulas e a integração com as outras partes
do programa e com as outras disciplinas ficam, em instância final,
a cargo do professor.
As Secretarias de Educação têm produzido materiais curriculares
indicativos, chamados de guias curriculares, compostos, em geral,
por um conjunto de t6picos de cOnteúdo, por objetivos das diversas
disciplinas, sugestões de atividades para as aulas e bibliografia. A
esses documentos são imputados muitos dos problemas do ensino,
embora não tenham nenhuma força normativa legal. O que se pre-
tende verificar é a relação de dependência de um sistema centralizado
de decisões e a insegurança dos professores para elaborar seu próprio
programa.
3.1.3. Má qualidade dos livros didáticos
Aos livros didáticos é atribuída grande parte das deficiências do
ensino de Ciências nas escolas de 1.0 e 2.0 Graus. Há relações estreitas
entre os vários fatores analisados, na medida em que os livros são
elaborados de forma a atender às necessidades dos professores, pro-
curando suprir suas deficiências de formação e atenuar as difíceiscondições de trabalho. A organização e apresentação dos livros é,
48
por sua vez, bastante influenciada pelos guias curriculares_ Em geral,
são preservados os seus grandes títulos, mas deturpado o espirita das
propostas inovadoras_
Com fins mercadológicos, exagera-se o uso de pretensos elementos
motivadores, como cores nas ilustrações, figuras caricaturescas que
supostamente agradam aos alunos, além de exercicios do tipo que-
bra-cabeças que são primários na sua demanda intelectual. São in-
cluídas grandes quantidades de exercicios, denominados "estudos
dirigidos", que ocupam os alunos em boa parte do tempo das aulas,
apenas para transcrever trechos do próprio texto dos livros. Estas são,
cm geral, as maiores queixas apontadas contra os livros, somadas
a outras de igual importância, mas que aparecem menos na literatura
c ainda menos nas discussões com os professores. São veículos explí-
citos ou implícitos de ideologias incoerentes com as propostas das
mudanças. Transmitem preconceitos contra minorias sociais e é.tnicas_
Apresentam valores controvertidos sobre as relações entre a Ciência
e a Sociedade e entre os pesquisadores e a comunidade. Em sua
estrutura, servem muito mais a interesses comerciais do que a obje7
tivos educacionais de alto nível. Acresçam-se a este estado de coisas
os problemas relacionados à divulgação dos livros. dependente do
poderio das grandes editoras, o que contribui para a formação de um
verdadeiro monopólio por um pequeno grupo que tem maior acesso
aos compradores em potencial.
3.1.4. Falta de laborat6rio nas escolas
A necessidade de aulas práticas, para tornar o ensino das Ciências
mais ativo e relevante, tem sido uma constante nas propostas de
·inovação. Embora as características e objetivos das aulas tenham sido
modificados no decorrer do tempo, passando-se de atividades pura-
mente demonstrativas ou do repasse de informações para atividades
de investigação coletiva ou individual de problemas que se constituem
em pequenos projetas, uma justificativa sempre presente para explicar
a deficiência do ensino é a inexistência de laboratório.
Esse laboratório é definido como uma dependência adaptada para
o trabalho prático, devendo ter condições especiais relativas à pre-
sença d~ água, bicos de gás, piso adequado, condições de segurança.
1!: importante também que os alunos possam trabalhar em seus pro-
jetas mesmo fora do horário das aulas, deixando em segurança O
material dos experimentos em andamento.
49
No entanto, apesar de reconhecida a necessidade de laboratório,
muitas escolas foram construídas sem se prever tal dependência. Em
muitos casos, por desinteresse dos professores e administradores. os
laboratórios permanecem fechados ou, ainda, por falia de espaço, são
transformados em sala de aula, limitando as possibilidades do tra-
balho dos professores das Ciências.
3.I.S. Falta de equipamento ou de material para as aulas práticas
Este fator está estreitamente ligado ao anterior. embora com carac-
terísticas que justificam sua inclusão como tópico separado. Muitas
vezes a escola dispõe de laboratório, mas a possibilidade de realização
de atividades práticas é limitada pela falta de material e equipamento.
Esta deficiência pode ter muitas causas; escassez de verbas para
compras, dificuldades de obtenção de determinadas substâncias, espé-
cimes, ou componentes dos instrumentos, falta de disponibilidade no
mercado ou, ainda, envio de material inadequado, comprado pela
Secretaria de Educação por meio de concorrências feitas sem consul-
tas aos docentes sobre suas necessidades . Esta situa'ção leva muitos
professores a resignarem-se a não dar aulas práticas. Alguns reniten-
tes acabam dando, tendo porém que gastar muito de seu tempo e
dinheiro para a obtenção do material de consumo, indispensável.
3.1.6. Obstáculos criados pela administração das escolas
O ensino das Ciências, tal como é proposto pela maioria das linhas
renovadoras, depende de condições propícias de trabalho que penni-
tam a realização de aulas práticas, o desenvolvimento de projetos,
visitas a locais fora da escola, tais como fábricas, museus, parques,
regiões com fauna e flora diferenciadas. Há também necessidade de
divisão das tunnas, deslocamento dos alunos e contatos com a comu-
nidade. Estas situações exigem a intervenção dos administradores para
sua solução, ou, pelo menos, demandam boa vontade, de forma a
facilitar o trabalho do professor. Há administradores que impedem
as atividades dos professores e alunos sob diferentes pretextos, pro-
curando, na verdade, evitar que uma rotina consolidada seja rompida.
Outras formas de intervenção de administradores escolares, que
podem significar obstáculo para o trabalho de um docente interessado
em melhorar o seu curso, são determinar a adoção de prescrições
legais muitas vezes em desuso, dificultar reuniões para planejar ati-
vidades conjuntas, além de impedir a obtenção de verbas para as
atividades na escola ou fora dela.
50
3.1.7. Sobrecarga de trabalho dos professores
As condições de trabalho são um dos fatores mais discutidos cm
todas as ocasiões em que se trata da melhoria do ensino, qualquer
que seja a disciplina considerada . Os baixos salários obrigam os
professores a dar muitas aulas semanais. freqüentemen te em várias
escolas. Esta situação acarreta grande quantidade de provas para
corrigir e, conseqücnteménte, diminuição de tempo dispoi,ivel para
a preparação das aulas, atualização. discussão com outros professores
para planejamento. O cansaço resultante da sobrecarga leva também
ao uso freqüenle de aulas expositivas ou, ainda pior, das já comenta-
das aulas de estudo dirigido, em que os alunos lêem o livro e resolvem
exercícios que exigem apenas reconhecimento ou transcrição literal
de trechos do Iivro-texto.
E comum .constata r que, como resultado do excesso de trabalho,
muitos professores não usam sequer o quadro-negro, limitando-se a,
sentados, ditar a matéria para os alunos. A estafa também detennina
que o tempo das auJas seja subutilizado, desperdiçando-se muito dele
para fazer a chamada, passar de uma classe para outra, conversar
assuntos não relativos à matéria. No curso notumo, a situação é
agravada, pois professores e alunos, após jornadas exaustivas, apro-
veitam qualquer pretexto para deixar de dar e assistir às aulas,
respectivamente. Este fator afeta não só a atividade em classe, mas
também o planejamento dos cursos e o sistema de avaHação,. que
termina reduzido a provas de múltipla escolha, de fácil correção.
3.1.8. Falia de auxílio técnico pora reparação e
conservação de material
Já foram analisadas a importância da disponibilidade de material
e os excessivos encargos dos professores que, portanto, não dispõem
de tempo para fazer compras, lavar e guardar material usado, preparar
experimentos, cuidar de animais e plantas mantidos nos laboratórios,
atender alunos fora de aula. Uma das antigas reivindicações, muitas
vezes reiterada pelos professores. é a de contarem com um funcionário
para auxiliá-los nessas tarefas, ou ainda conseguir uma remuneração '
adequada para que possam responsabilizar-se por elas. Assim, inte-
ressa-nos determinar qual a opinião dos docentes sobre a importância
deste fator na limitação do processo de melhoria do ensino das
Ciências.
51
Além de tentar identificar a opinião dos vários elementos envolvidos
na melhoria do ensino das Ciências sobre os fatores que dificul~
tam o processo, buscamos determinar Sua percepção sobre quais as
maiores limitações desse ensino, arroladas a seguir.
3.2. Problemas do ensino das Ciências
3.2.1. Memorjzação de muitos fatos
Tradicionalmente, as Ciências têm sido ensinadas como uma coleção
de fatos, descrição de fenômenos, enunciados de teorias a decorar.
Não se procura fazer com que os alunos discutam as causas dos
fenômenos, estabeleçam relações causais, enrim, entendam os meca-
nismos dos processos que estão estudando. I! muito comum. tambémque não seja dada a devida importância ao que é chamado, na lite-
ratura, de processo da Ciência, ou seja, aos eventos e procedimentos
que levam às descobertas cientificas. Em geral, o ensino fica limitado
à apresentação dos chamados produtos da Ciência.
Assim, para muitos alunos, aprender Ciências é decorar um con-
junto de nomes, f6rmulas, descrições de instrumentos ou substâncias,
enunciados de leis. Como resultado, o que poderia ser uma experiên-
cia intelectual estimulante passa a ser um processo doloroso que
chega até a causar aversão.]
O número de aulas práticas ' é insuficiente. O ensino prático foi
introduzido nas escolas superiores no século passado. Desde então,
veio ganhando espaço nos programas escolares, ou pelo menos foi
considerado importante para um bom ensino. As razões para justi-
ficar a necessidade de aulas práticas foram sendo alteradas ao longo
das mudanças de objetivos do proprio ensino das Ciências. No inicio,
seria uma forma de ilustrar e comprovar o que era aprendido nas
aulas teóricas. Depois, passau a servir como lonte de atividade , do
"aprender fazendo". Mais tarde ainda, um outro tipo de justificativa,
levando a outra estrutura para os trabalhos práticos, foi invocada:
vivenciar o processo de investigação cientifica. No entanto, embora
os motivos para os exercícios práticos tenham mudado ao longo do
tempo, foi sempre constante o clamor pela necessidade do aumento
l P. L. Gardner, "Studenls Interest in Science and Tcchoolog)l: An Interna-
tional Overview". In(eres( in Scienct Qnd TechllOfoD Edllcotion, M. Lchrke t( QI.
(cd.), IPN, 1985.
52
das aulas de laboratório, raras ou mesmo inexistentes em grande parte
dos cursos.
3.2.2. Palta de vínculo com a realidade dos alunos
Esta limitação das aulas de Ciências determina que a disciplina
se tome irrelevante e sem significado, pois não se baseia no conheci-
mento que os jovens trazem de forma intuitiva, e não é ancorada no
seu universo de interesses. A abertura das escolas a grande parte da
população, tomando a clientela bastante diversificada devido a dife·
renças sociais, culturais, económicas e regionais, detcrminou que o
abismo entre o que é ensinado nas aulas de Ciências e o que interessa
aos alunos aumente cada vez mais, limitando o rendimento do ensino.
3.2.3. InJJdequação à idade dos alunos
O que se ensina a grande parte dos alunos não tem sentido, por
não ser compatfvel com o seu desenvolvimento intelectual e emocional.
Os professores, os livros didáticos e os programas oficiais, em geral,
não procuram atender aos interesses e capacidade dos estudantes,
muitas vezes prejudicando irremediavelmente o seu aprendizado.
3.2.4. Falta de coordenação com as outras disciplinas
De forma geral, a estr~tura do curso das disciplinas científicas faz
com que as aulas sejam segmentos sem significado. Verifica-se, com
muita freqüência, que o professor não introduz os t6picos de forma
a esclarecer as razões da opção por uma detenninada seqüência de
conteúdo. Igualmente, não é feita uma retomada dos assuntos em
níveis diferentes do curso, ou seja, não há o que se poderia chamar
uma coordenação interna da disciplina. Ainda mais raramente se
tenta efetuar uma coordenação externa, entre as várias matérias do
currículo, mostrando-se aos alunos as relações e aspectos comuns entre
os conceitos estudados nas diversas áreas. A organização do currículo
não é feita Jevando-se em conta os pré-requisitos necessários. Proces·
sos mais elaborados de construção curricular, que buscam apresentar
os 'conhecimentos de forma significativa, são pouco freqüentes.
3.2.5. Aulas mal ministradas
Este fator limitante do ensino de Ciências não se refere aos pro-
blemas intrínsecos aos vários tipos de metodologia, mas ao mau uso
53
delas. São os casos de aulas que não têm organização estruturada. Os
recursos audiovisuais, mesmo os mais comuns, como o quadro-negro,
nâo são usados, ou quando o são, sua utilização não é feita da ma·
neira mais eficiente. O clima na sala é tenso e os alunos não têm
liberdade para fazer perguntas, para resolver dúvidas, ou então a
falta de controle por parle do professor faz com que a algazarra e
a confusão tomem conta. Casos são relatados em que o docente,
para tentar impor a ordem aos alunos, recorre a agressões verbais,
castigos e ao uso freqüen te de provas-surpresa, notas baixas e outras
formas de repressão.
3.2.6. Passillidade dos aluMos
Uma das características do mau ensino das Ciências é fazê-lo de
forma expositiva, autoritária, Iivresca, mantendo os estudantes inati·
vos, tanto intelectual como fisicamente. Mesmo quando lidam com
materiais, espécimes, instrumentos, eles podem se manter passivos
do ponto de vista mental. Isto porque o aprendizado das Ciências
inclui não só habilidade de observação e manipulação, mas também
especulaç'ão e formação de idéias próprias. Para tanto, é essencial a
intensa e profunda integração de cada um dos alunos no processo
de estudo.
Um último conjunto de itens do questionário inclui as medidas
consideradas mais importantes para melhorar o ensino das Ciências.
3.3. CoDdiç(tes para o melhoramento do ensino das Ciênclas
3.3. 1. Democratização do processo de decisão nas escolas
Durante muito tempo, os professores foram submetidos a decisões
emanadas de órgãos superiores, cujas ordens eram indiscutíveis. Atual·
mente, como resultado das transformações sofridas pelas instituições,
também no sistema escolar há uma demanda por participação e divisão
de responsabilidades. A organização dos professores em entidades
profissionais tem, entre outras fmalidades, as de reivindicar melhores
condições de trabalho, definir as características da carreira e reclamar
o direito de participação a nível decisório, sem o que não poderão
influir no processo de transfonnação educacional. A democratização
tem muiras nuances e coricepções diferentes. Para alguns, implica um
processo basilar de decisões, partilhado pelos vários elementos que
54
compõem a comunidade escolar: fammas dos alunos, alunos, profes
sores, administradores e funcionários. Para outros, implica um pro-
cesso do qual participam administradores e professores no que tange,
especificamente, ao trabalho em sala de aula. Mas qualquer que seja
a concepção adotada pelo docente, seu direito de opinar sobre a
reestruturação do sistema educacional é hoje reivindicado constan-
temente .
3.3.2. Equipamento adequado
O sistema político vigente, a expansão do sistema escolar e a
crise econômica deixaram as escolas em condições muito precárias
de instalação e conservação. Os grandes e tradicionais estabelecimentos
de ensino do passado, com prédios imponentes que simbolizavam o
prestígio de uma instituição, deram lugar a instalações uniformes e
precárias, em geral sujas e depredadas. Tais locais não dispõem de
móveis adequados, de materiais didáticos. Jardins, laboratórios, tan-
ques, estufas, hortas são muito raros. Alguns diretores conseguem
mobilizar forças e recursos para manter as escolas em bom estado
de conservação, nas quais os alunos têm prazer de estudar e conviver
com colegas e professores. Também a manutenção de condições para
um bom ensino das Ciências na escola depende dos esforços de seus
professores, ou mesmo do trabalho individual de um docente, apoilldo
pela administração central.
3.3.3. Construção de laborat6rios
Embora seja reconhecida a possibilidade de se ministrar um bom
ensino das Ciências, mesmo sem laboratórios, admite-se também que
a sua existência pode facilitar e melhorar o trabalho dos professores,
propiciando a oportunidade de se dar aulas práticas e ter um local
onde os alunos possam desenvolver seus projetos de pesquisa .
3.3.4. Fornecimento de merenda e material escolar aos alunos
A abertura da escola para uma parcela maior da população, o
rebaixamento da qualidade de vida , a má distribuição de renda e
os conseqüentes problemas de evasão e repetência levaram a escola
a tentar soluçõespor meio de programas assistencialistas, como os
de distribuição de material escolar e suplência de alimentaç.ão. Muitas
dessas medidas têm csr'-ter demagógico, mas não é possivel negar
a importância da merenda para a nutrição dos alunos, chegando, em
55
alguns casos, a constituir a maior motivação para a freqüência à
escola.
3.3.5. Desenvolvimento de programas de aperfeiçoamento
para professores
Tem sido constante a referencia à precária formação dos professo-
res como uma das causas da má qualidade do ensino das Ciências.
Os cursos de aperfeiçoamento são necessários tanto para suprir lacunas
da formação dos docentes como para mantê-los atualizados. Devem
também propiciar oportunidade para reflexão sobre o papel da dis-
ciplina e da escola no processo educacional.
3.3.6. Fornecimento de material de apoio
Assim como a precária formação dos professores, a necessidade
de atualização permanente e da obrigação de engajar-se em um pro-
cesso de reeducação levam à busca de material de apoio para prepa-
ração das aulas. As características desse material foram variando:
tiveram desde a conformação de pacotes completos, formados por
livros de aluno, guias de professor, material didático e mesmo provas
de avaliação, até a de propostas curriculares ou documentos bastante
vagos. Revistas especializadas no ensino das várias disciplinas também
vêm servindo como subsídio para a docência .
3.3.7. Aumento do número de horas-atividode
A preparação das aulas, a elaboração de material didático, a orga-
nização do equipamento para aulas práticas, a limpeza deste mesmo
equipamento requerem bastante tempo do professor. Além disso,
o atendimento aos alunos fora do horário regular, para tirar dúvidas
e orientar projetos de investigação, também consome tempo. A dis-
cussão de professores de uma área, para programação conjunta, ou
dos professores de uma escola, para análise de problemas e busca
de decisões coletivas, são outros tipos de atividades que demandam
tempo. Quando o professor ganha pouco, apenas por aula efetiva-
mente dada, não pode desempenhar a contento todas as suas funções.
3.3.8. Permissão para que duas aulas seguidas sejam dadas
O tempo de duração das aulas tem sido considerado um fator
limitante para se aprofundar um assunto, conduzir uma discussão com
56 ·
os alunos, realizar experiências no laboratório, auxiliar os jovens em
projetos individuais ou de grupo. A possibilidade de ter um período
maior é uma aspiração antiga dos professores e ohjeto de deliberações
controvertidas da Secretaria da Educação. No momento. essa possi-
bilidade depende. principalmente. dos diretores das unidades escola-
res. Muitos diretores e professores têm associado a essa preocupação
a precária utilização do tempo de aula nonnal, considerando-se o
período que ç dispendido para locomoção entre as classes. chamadas.
avisos, atrasos. A duração maior da aula permitiria, segundo alguns,
diminuir essas perdas que acabam repercutindo no resultado final
da aprendizagem.
3.3.9. Elaboração de um currículo mínimo a ser seguido por
todas as escolas estaduais
A necessidade de um programa oficial é também objeto de intensa
controvérsia entre os envolvidos no ensino das Ciências. Enquanto
um grupo reclama liberdade e autonomia para decidir o que será
melhor para suas classes, muitos pedem a volta de um programa
oficial, ou mesmo um currículo minimo. Tal argumentação refere-se
à necessidade de se unificarem os cursos para não prejudicar os
alunos que pedem transferência e os professores que se mudam de
uma escola para outra e, ainda, para que sejam evitadas superposições
e repetições de conteúdo por falta de uma programação geral comum.
Em muitos casos, as pr6prias unidades administrativas - as Delega-
cias de Ensino - tomaram a iniciativa de elaborar um currículo
mínimo para as escolas a elas subordinadas. Nos órgãos centrais, há
uma tendência a elaborar documentos imprecisos, com as finalidades
gerais do sistema, deixando a cargo de outras instâncias a elaboração
de um currículo.
3.4. Fatores que inO~m no ensino das Ciêacias
Pela análise dos dados, verifica-se que o (atar considerado mais
limitante é a sobrecarga de trabalho dos professores, ocupando o
primeiro Jugar na escala das tomadas de dados, com pequena dis-
persão de opiniões. De acordo com os líderes, este fator ocupa o
segundo lugar e a diferença de opinião entre este grupo e o dos
professores é significativa. em t 982. Um outro tópico relativo aos pro-
ressores - "preparação deficiente" - embora tenha posição impor-
57
tante na escala dos fatores que interferem no ensino das Ciências,
provQCa divergências, como se pode verificar pela análise de signifi-
cância das diferenças e pela dispersão das respostas. Os professores
fazem uma aut~análise menos crítica do que os outros elementos que
participam do processo em esferas mais distantes .
Estes dados obtidos pela pesquisa são confirmados pela observação
direla de eventos para discussão do ensino, em que o assunto acaba
sempre resvalando para a análise das condições de trabalho dos
profissionais que, segundo as opiniões expressas, às vezes de maneira
veemente, limitariam todo o processo de mudança. O t.ema provoca
posições radicais dos mais diretamente envolvidos, impedindo mesmo
a análise de outros ângulos do problema. São freqüentes os casos de
reuniões para tratar de problemas técnicos, em que as discussões ficam
limitadas às condições de trabalho. Por exemplo, um dos entrevistados
- professor - inclui como item prioritário, entre os fatores que
influem negativamente no ensino de Ciências, a baixa remuneração
dos professores, embora não tenha sido mencionado tal fator no
instrumento. Vários líderes incluem o mesmo fator sob a forma de
"baixos salários" ou "baixa remuneração dos professores".
Os professores de 1.0 ~ 2.0 Graus têm opiniões semelhantes. Um
deles afinna :4
"Escola, para que: I) tmba condições de se atualizar para ministrar um
ensino vinculado à realidade do aluno; 2) adquira maior conhecimento para
que, dominando o contWdo e um pouco além, possa dar aula com segu-
rança; 3) tenha condições de atender alunos que n«:euitem de alguma
orientação extraclasse; 4) tenha tempo para preparar suas aujas com dife-
rentes estratégiu para ateDder O! alUDOS que não tenham aliqido O desejado.
Havendo tempo, o professor tem condições de preparar suas aulas, repes.qui-
sar, adequar e até criar.
Como melhorar alguma coisa se não se tem tempo pila ft2l-lo?
Que o professor pnhe boras-Iula e bora-trabalho, permanecendo na
Escola para o próprio aprimoramento, preparo das aulas etc."
Outro comentário trata de aspectos correlatas:
"Como lo últim .. questão ~ bastante especifica para 1.0 Grau, respondi
de acordo com a mentalidade de professor de 2.0 Grau, que sou, mas, a
4 A traDscl'içlo dos depoimentos dos entrevistados 6 Ceita litCBlmeDte, a
partir doe questionários.
58
meu ver, ocorrendo uma democratização do ensino (e evidentemente o
professor participar efetivameDte dessa democratização - ele deve ter tempo
(horas-alividade etc ... ) para isso _ automaticamente todas as outras me-
didas eslariam resolvidas."
Outro relato tratando do mesmo assunto e das interaçóes em clru.se
merece ser citado:
"Eu imagino 'que o interesse e o desinteresse é alguma coisa contagiante.
Então o fato de o aluno não estar interessado é porque o pr6prio prof~or
não está. E isto porque, devido ao seu salãrio utremamente baixo, ele
tem que lançar mão do máximo de aulas que a jornada lhe permite, quando
ainda não vai atris de oulro tipo de emprego que no lotai possa trazer-lhe
uma remuneração mais justa. Com isto, temO! professores trabalhando até
16 boras por dia, fora O! 'bicos' dos fins de semana . O seu estado físico,
a sua fisionomia cansada vão refletir em desinteresse no aluno e como
conseqüência um menor rendimento."
Raramente a discussâo atinge O cerne da questão, que é o valor
que a sociedade atribui ao professor.Este problema está ligado ao
da sua formação, processo, com freqüência, objelo de críticas.
"Gostaria que as autoridades compelentes da educação entendam que
há. muitos professores que não tiveram determinadas matérias durante o
curso. Isto porque na lua época não uislia determinadas matérias. Por
exemplo, há. professores de Física que não estudaram Química."
Seguem-se os fatores referentes ao professor, em ordem de importân-
cia, formando outro conjunto de elementos estreitamente interligados.
que provoca, entretanto, maiores divergências entre os grupos consul-
tados - "falta de laboratório", " falta de equipamento" e "falta de
auxílio técnico", veriricando-se que há variações de opiniões. J:: inte-
ressante notar que os líderes dâo menor importância a esses fatores
e que há uma gradação Jógica ligada à importância de cada um desses
componentes do questionário. O equipamento é o mais importante,
uma vez que é possível ministrar aulas práticas mesmo em salas de
aula comuns. A falta de auxílio técnico, fator também associado 11
sobrecarga de trabalho, é o que provoca maiores comentários, tanto
em reuniões como nas respostas escritas. do tipo:
"Seria 6timo a presença de um preparador de laboratório que viesse
trabalhar jumo ao . profCMOC' para minimizar as defasagens do preparo do
material"
59
Ou ainda:
"Instituir o preparador de laboratório, essencial para o bom desempenho
das aulas."
Um outro (alar também foi tratado e tem relações com a falta de
laboratório, de equipamento e com a qualidade de liv~ didáticos:
são os "obstáculos administrativos". Este é um aspecto Importante,
referendado por comentários escritos como: "existe o impasse/entrave
da maioria dos diretores que consideram as aulas práticas como sendo
'brincadeiras' c preguiça do professor"; "tarefas burocráticas excessi-
vas que são dadas para os professores"; "mentalidade dos diretores
que dissociam o ensino da pesquisa".
, O currículo forma um outro conjunto de elemento de importância
intermediária. como é possível perceber pela análise dos itens "pro-
gramação dos guias curriculares" e 'Imá qualid2de dos livros ,didá-
ticos". No entanto, há diferenças significantes com relação à quahdade
dos livros. Os líderes têm uma opinião divergente, atribuindo maior
importância 80S livros·texto, como fonte da preservação de uma
postura tradicional no ensino. Tal posição pode ser devida a uma
atitude mais critica derivada das funções que exercem, como também
de um maior desconhecimento do significado de fatores práticos, como
{alta de laboratório e equipamentos, ponderados como mais impor-
tantes par aqueles que estão em alivo exercício no sistema educacional.
Nas discussões com os profissionais que atuam diretamente no sis-
tema educacional, é muito freqüente que muitas mazelas do ensino
das Ciências sejam atribuídas aos documentos legais, mesmo quando
estes têm apenas papel indicativo. como é o caso dos guias curri-
culares.
Ainda em relação aos problemas que limitam a qualidade do ensino
das Ciências, embora no estudo preliminar não houvesse indicações
que recomendassem incluir o item "grande número de alunos nas
classes", este problema é ventilado, tanto nas entre_vistas co~~ n~s
respostas IW questionário. em que aparecem expressoes como o nu-
mero de alunos por classe é muito grande". Com menos freqüência,
menciona·se também o entrave causado pelas "poucas horas de aula".
Outro entrevistado trata do problema da seguinte forma:
60
"Um dos fatores pclmordiad que não foi colocado neste questionário 6
o da quantidade de alunos em sala de aula, sendo impt:w(.,d o U50 do
laboratório com 40, ali mesmo $0 alunos,"
3 . .5. Deficiências do ensino das Ciêlldas
A identificação e seriação das defici!ncias do ensino pertencem a
uma tirea mais claramente determinada pela doutrina que cada um
adota - o que se reflete nos resultados obtidos. Nota-se também a
influência do tempo, provocando uma variação maior durante o
período considerado peTa estudo.
Para os professores, a deficiência prioritliria é o "número insufi-
ciente de aulas práticas", o que pode rerJetir a sua aceitação do
objetivo dominante de renovação desde a década de 60, distantes que
estão das propostas inovadoras que atingem outras dimensões do
ensino cogitadas em outras instâncias do sistema. Os líderes, por sua
vez, consistentemente, consideram que a deficiência primordial é a
falta de ligação do ensino das Ciências com a "realidade do aluno",
tornando-o, portanto, irrelevante. Estas interpretações são reforçadas
pela análise da· colocação do item "passividade dos alunos:'.
J! interessante analisar a posição do tópico "exige memorização",
que apenas tem diferenças significantes na variação da opinião d~s
monitores. no decorrer do intervalo em que foram coJetados os dOIS
conjuntos de dados da pesquisa. Os professores e monitores .dã~ ~aior
importância ao problema do que os líderes, o que pode slgnlÍlcar a
valorização da aquisição de informações por este grupo ou atribuição
de prioridade a outros elementos. Os professores não julga.m tão im-
portante que o ensino seja compatível com o desenvolVimento do
aluno, como se pode depreender da análise do item "inadequado à
idade", talvez por buscarem formas de contornar o problema, ou
porque essa preocupação derivada da pesquisa cognitivista ainda não
tenha chegado até os docentes.
O tópico "coordenação com as outras disciplinas" pode ser consi-
derado do ângulo da organização do currículo ou de suas relações com
a organização da escola, às quais atribuímos as diferenças de colocação
deste elemento na esca la dos professores e monitores. A posição dos
lideres pode ' denotar o seu distanciamento da realidade do sistema
escolar.
Os entrevistados apontam freqüentemente problemas relacionados
aos defeitos do ensino, quando fazem referências à passividade mas-
carada pelo "estudo dirigido", recomendando "incentivar a reflexão
científica dos alunos e não apenas o mero preparo ao vestibular
(excesso de exercícios x desenvolvimento intelectual e científi co)".
Esta posição é reforçada por outros:
6\
"Na minha opinião o ensino de Ci~ncia! deveria enfatizar prioritariamente
a observação de fenômenos, Os alunos deveriam ser c.apalleS (ou treinados
a ser) de eles mesmos perceberem os fatos ellperimentais. sem que o prnfes-
sor diga, a priori. o que deve ser observado. Só a partir dessa observação
e da curiosidade e perplexidade que ele provoca 6 que se torna possível
desenvolver o ensino de Ciências."
A preocupação com o que ensinar, uma das questões sérias do ensino
das Ciências, é ressaltada por alguns componentes do grupo entrevis-
tado, conforme ilustra a transcrição:
"Necessidade de um repensar do conteúdo de Ciiocias do 1.0 e 2.° Graus.
Análise da seqüêncía e integração dos itens a serem seguidOS e valorizados
ao longo das oito séries."
o problema do conteúdo volta sempre:
"A adequação do conteúdo dos cursos de Ciências às necessidades sociais
(e particularmente produtivas) do país, dando realidade prática a estes
cursos e eliminando a cultura de almanaque do 1.0 Grau, e a 'caricatura
acadêmica' do 2.°, u ige medidas (ou melhor, iniciativas) , que não se
consegue encaixar nos quadrinhos,"
Um dos líderes é mais específico em suas preocupações com o
assunto:
"Encontrei maiores dificuldades de hierarquizar os itens da segunda
questão, Creio faltar algo que se refira mais objetivamente ao conteúdo
do que é ensinado, por ellemplo, na física, deveriamos ou oio incluir tÓpicos
de física moderna no 2.° Grau, ou de história da física ou ai 'explicações'
de aspectos tecnolÓgicos contemporâneos (cristais Uquidos, motores ele.)."
3.6. Medidas para melhorar o ensino das Ciências
Uma medida prioritária comum a todas as categorias consultadas
é o "desenvolvimen to de programas de treinamento". Assim, verifi-
ca-se uma correspondência entre as respostas do conjunto de fatores
limitantes que constam do questionário e as medidasrecomendadas.
Considerando que os aspectos estruturais apontados são as condições
de trabalho e a preparação do professor, torna-se urgente organizar
cursos para docentes, além de aumentar O número de horas--atividade,
O que significa pagamento por tempo em que o professor se dedica
a estudar, preparar aulas, elaborar provas e material didahico, parti-
62
cipar de reuniões de planejamento, coordenação de área , atendimento
a alunos, entre outras, Essas horas-atividade vêm sendo uma reivin·
dicação de docentes de todas as disciplinas, mas no caso das Ciências,
a demanda rerere·se também ao pagamento de horas para a prepa-
ração de material e equipamento para aulas práticas.
Na verdade, esse conjunto de fatores prevê melhor preparação e
melhores condições de trabalho que propiciariam oportunidades para
uma atuação mais adequada do proressor em classe e na escola . Os
itens mencionados aparecem também com insistência nas respostas
abertas, em que são reitas recomendações para se realizarem cursos:
"Programas de treinamento para professores devem incluir aspectos subs·
lantivQ1 de formação,"
Outros vão além e fazem indicações sobre a estrutura dos cursos:
"O treinamento para professores deve incluir um melhor preparo não :só
no conhecimento da mat~ria , mas também didático e psicológico (mudar
o comportamento do professor)."
São feitas também sugestões de natureza operacional:
"Desenvolver treinamento para professores durante o período de aulas,
permitindo um intercâmbio entre os professores licenciados e alunos esta-
giários. Permitir a estes professores que participaram desse treinamento, ter
continuidade dessas atividades em outros cursos, para garantir a integração
entre os conteúdos trabalhados nos graus, assim como interação mais efetiva
entre professor-aluno."
Alguns ainda estipulam certas condições legais para pemutlr que
o professor se tome melhor preparado para sua tarefa docente:
"Sugestão: modificar a legislação em vigor, ou seja, o Estatuto do Ma-
gistério, para permitir o dastamento do professor interessado desde que
contasse com um certo número de anos de magistüio, sem prejuízo de
vencimentos,. para fazer cursos de especialização, mestrado e doutorado,
promovidOS por universidades estaduais,"
Ainda no mesmo grupo de medidas relacionadas ao aperfeiçoamento
de professores, figura uma outra, o fornecimento de material de apoio,
que também merec.e alta prioridade por parte dos prorissionais, pois,
com afirma um entrevistado:
63
'"Tanto o materiat de apoio como o treinamento siío entendidos como
subsldios para que o professor elabore: r«ursos para o seu trabalho."
Com relação a este tópico, não há diferenças significativas entre
os diversos grupos nas duas épocas consíderadas pela pesquisa.
O fornecimento de material de apoio, guias curriculares e subsídios
que informem o professor com relação a novos conteúdos e novas
metodologias, tem sido objeto de controvérsias, pois, segundo alguns.
poderia ser instrumento de autoritarismo e diretividade por parte do
sistema. Muitos, nó entanto, manifestam·se a favor, admitindo que
o material teria a função de catalisar a discussão:
"Subsídios para o professor discutir na e:scola e:m conjunto com toda a
e:quipe escolar: para que o e:nsino de Ciências e: pata que: m? Enfim, uma
linha política de: educação, uma filosofia de e:ducação."
Há ainda outras manifestações no mesmo sentido:
"Cons.iderando que um dos fatore:s que influem negativamente no ensino
de Ciências é a má qualidade dos livros didáticos, uma das medidas que
contribuirá para melhorar esse ensino é incentivar a elaboração e divulga-
ção de materiais adequados."
Nota-se uma insistência em garantir que o material seja realmente
subsidiário:
"Ente:ndo material de: apoio para o professor como textos informativos".
que forneçam subsídios para o próprio professor pre:parar sua aula e niJo
guias ou rece:itas de: aula."
O item que se segue, cm ordem de importância, não apresenta
diferenças significativas nos vários grupos: "equipar escolas". Os
professores dão maior valor ao assunto do que os líderes, provavelmen-
te porque enfrentam diretamcnte as dificuldades derivadas da falta de
condições e materiais para O trabalho ,
A medida seguinte, em ordem de prioridade nas respostas, é "demo-
cratizar decisões". A demanda por maior participação na administra-
ção das escolas vem sendo uma constante no sistema educacional
brasileiro e mesmo em escopo internacional. Nas respostas ao questio-
nário, nota-se que há pequena mudança ao longo do período, sendo
a democratização das decisões cada vez mais valorizada pelos lideres.
Essa situação pode ser atribuída à maior preocupação desses profis-
sionais com a política institucional e as in stâncias de decisão nos
64
sistemas em que operam. O problema da democratização esbarra
sempre na tradição centralizadora do sistema educacional e a pretensa
queda de qualidade resultante da sua expansão . Assim, a qualidade
seria garantida pela uniformidade. que dependeria das medidas da
admin istração central. Essa tendência fica evidenciada por algumas
recomendações dos professores entrevistados, concernentes à melhori a
da qualidade de ensino, relacionada à necessidade de uma avaliação.
Por exemplo:
"Se:ria Inte:re:ssante: que: se: conseguisse um maior envolvimento das Dele-
gadas de Ensino e: das Unidades de Ensino (pessoal adminimativo) para
lima melhora geral do ensino de: Ciências, não só colaborando com os pro-
fe:ssores mas também cobr(lndo deles uma atuação mais eficiente."
A posição é referendada por oulros ~ntrevistados:
"Correçiio e modificação para que seja realizada uma avaliaçiío ju~ta
dos professores e demais in tegrantes da rede educacional. no se:nt ido de dar
o real valor para quem realmenle: merece: na aI'a/;ardo de dtsempenho,"
A questão da democratização das decisões está também ligada à
elaboração de um currículo mínimo por órgãos normativos da Secre-
taria da Educação. No estudo, verifica-se que há diferenças na posição
dos vários elementos, no decorrer do período considerado. Os moni-
tores, que são os representan tes do sistema central. atribuem maior
prioridade à existência de um currículo mínimo do que os professores
e líderes, Esta posição, provavelmente. está relacionada à própria pos-
tura de várias Delegacias de Ensino que instituíram programas obri-
gatórios para as escolas sob sua jurisdição. Há manifestações de
mOllitores com refe rência ao assunto:
"Não considero a existência de um currículo mínimo um fator que me·
lhore o ensino de Ciêrn:: ias, mas sim. que se defina quais os COIIUifOS
búsicos nece:mrios em cada ' re:a (fí~ica, química, biolOGia, ecOlogia, ana-
tomia etc.) que deverão ser trabalhados nos dive:rsos níveis, ou seja. l.a a
4.", 5.~ a 8.", pré·escola etc.. conseqüentementt, as conteúdos !>Criam
semelhantes, mas as atividadtli (ou metodologia) utilizadas por cada pro-
fessor é que se modificariam. de:pendendo da região. inte:re:sse do aluno etc. H
E interessante ressaltar que enquanto alguns docentes fazem reco·
mendações a favor do currículo mínimo, nenhum apresentou umn
argumentação contra uma programação elaborada centralmente.
65
Os itens que recebem as menores pontuações diferem, fundamen·
talmentc, em sua natureza: "permitir que sejam dadas d uas aulas
seguidas" e "fornecer merenda e material".
A autorização para combi nar duas aulas e permitir a realização
de experimentos e discussões mais profundas tem sido uma reivin-
dicação antiga e há diferenças significativas com relação à queslão,
indicando tratar-se de assunto sem grande prioridade, mas bastante
con trovert ido.
O fo rnecimento de merenda t: material escolar, objelo de intensas
campanhas de propagandas governamentais, tem papel importante,
na opinião dos líderes.
As manifestações individuais sobre o assumo são insistentes e
variadas . geralmente relacionadas aos problemas sociai s:
"O problema principal é o problemasocial. O universo cultural do aluno
está cada vez mais pobre. Mal alimentados dos O aos IS anos, não conse-
guem reter nada. .. sentimos esta deficiência até no 2.° Grau, 2 extrema-
mente necessário distribuir comida nas escolas. nos centros soc iais. .. ele.,
para esta fai xa etária (O aos 6 anos)."
Há menções mais raras contra o fornecimento da merenda, sempre
em relação aos objelivos maiores da escola:
"Finalmente, ê urgente uma reavaliação dos objetivos finai s da escola
(do meu ponto de vista) sendo que o atual padrã.o de aprendiugem (o
discriminatório vestibular ) não leva a um processo de aprendizagem eficaz
(nem todos conseguem entrar na faculdade); e não atinge objetivos cultu·
rais e vivência para os .Iunos. professores e própria escola.
Vale ainda lembrar que os problemas da escola estão ligados às próprias
prioridades da sociedade. A escola reflete estas tensões sociais. Assim, a
merenda escolar, por exemplo, ê apenas um paliativo para a fome crónica
dos alunos. Não adianta, pois, fornecer 'merenda' sem dar condições poste·
riores para o aluno fora da Escola e para os professores também."
Finalmente. em relação às pergu ntas que nortearam a pesquisa,
apesar das limitações advindas da situação analisada, é possível
concluir que a preparação dos docentes e suas condições de trabalho
são os elementos que limitam, primordialmente, a qualidade do
ensi no das Ciências. Em conseqüência, medidas que promovam
transformação real e profunda devem incluir ações, cuja finalidade
seja a de melhorar a qualidade técnica e pedagógica dos professores.
Os resultados auxiliam, também, os responsáveis pelo currículo a
66
melhor compreenderem a contribuição potencial de lideres, monitores
e professores em exercício, pois diferentes tipos de profissionais têm
.noções diferentes sobre os problemas . Os dados do trabalho suportam
a idéia de que as diferenças dos vi rios grupos analisados podem
constituir-se em uma das causas dos descompassos entre as propo&tas
de mudança e sua implementação nas escolas.
Uma linha que dá ênfase aos trabalhos práticos, para diminuir
a memorização, prepondera entre os que estão mais próximos da
escola. A relevância dos conteúdos, a adequação à idade dos alunos
são mais valorizadas entre os que elaboram propostas renovadoras.
Promover o encontro dessas duas tendências resultará em progresso
real do ensino das Ciências levando-o a atender os seguintes
objetivos gerais:
1. Fornecer informações que sirvam para os alunos entenderem
assuntos básicos da ciência moderna.
2. Permitir que os alunos compreendam como o conhecimento-
científico é construído, considerando a relação entre fenómenos
autonomamente observados e as teorias que explicam tais fenô-
menos. Pensar, ter confiança em suas próprias idéias é um dos
objetivos essenciais, tanlo para o profissional como para o
cidadão.
3. Permitir que os alunos compreendam as aplicações mais impor-
tantes da ciência.
4. Permitir que os al unos compreendam as diferenças e semelhanças
entre ciência e tecnologia .
5, Analisar as implicações sociais do desenvolvimento científico e
tecnológico, a natureza e importância da tecnologia, seus alcances
e limitações. A propriedade ou inadequação de certas práticas
e processos industriais deverão ser anali sadas pelos alunos.
6. Analisar as relações entre atividades cient íficas e tecnológicas
e a melhora da qualidade de vida em um país como o Brasil.
A concepçâo de qualidade de vida e suas relações com a ciência
são componentes básicos dos cursos de Ciências.
7. Compreender e aceitar a grande diversidade cultural de etnias
e reglOes é fundamental para a compreensão, nesse sentido, da
complexa composição da população brasileira.
67
Capítulo 4
A construção do currículo das Ciências
Através da análise dos dados. foi possível constatar que há dife-
renças de opinião. nos vários níveis de decisão curricular, que
explicam o fracasso das tentativas de mudanças , quando estas não
atendem 80S anseios dos professores, a suas possibilidades em termos
de competência ou condiçôes de traba lho, ou a suas convicções sobre
a importância ou significado do que ensinam.
E possível ainda identiFicar dois extremos, ao longo de um espectro
que representa as tendências de organização curricular: em um deles,
o currículo participativo e, em outro, o currículo elaborado em
organizações centrais. sem a colaboração dos docentes, como o foram
muitos projetos curriculares de primeira geração. considerados d
prova do professor. Esta expressão indicava que os materiais desen-
·volvidos primordialmente por cientistas eram tão bons que acabariam
ensinando os alunos, apesar de os professores se mostrarem despre-
parados, desinteressados ou mesmo contrariados com o material.
Embora a forma de relacionamento com os docentes e as condições
de trabalho dos diversos grupos que elaboram material curricular
sejam bastan te diversifi cadas, há um distanctaffiento que toma em
muitos casos intransponíveis a passagem de idéias e proposituras
curriculares para a sala de aula. Em conseqüência, os materiais
produzidos podem ser inadequados e acabam não sendo adotados.
Quando os professores são os únicos responsáveis pelas decisões
curriculares. também resultam problemas. Os docentes que, como foi
69
Altamir
Realce
constatado, reconhecem a deficiência de sua formação, por falta de
tempo e de acesso às idéias novas, e a necessidade de constante
atualização, não estão instrumentados para conceber currículos que
incorporem as necessidades de um ensino das Ciências renovado.
A tendência de transferir para a escola 'a responsabilidade total
ou parcial pelo currículo é atualmente comum, por muitas razões:
o anseio por democratização que impregna o sistema educacional; o
insucesso dos projetos elaborados sem levar em conta a opinião dos
docentes; o estreitamento das relações entre a escola e a comunidade
e a emergência de novas funções educacionais quanto à formação
de cidadãos.
Esta situação leva, entre Qutras, à seguinte indagação: "Como
pode a escola dar conta de sua nova missão? A resposta parece ser
tão simples em teoria como é difícil na prática. :e focalizada na
recomendação de invest igar cuidadosamente e discutir OS pressu-
postos didáticos c metodológicos, as etapas e resultados previstos e
evitar diretivas apressadas e sem controle que são típicas de muitos
programas 'inovadores' lançados por ministérios e outras autoridades
educacionais." I
No sentido de aumentar as possibilidades de elaboração de um
currículo ajustado às necessidades dos alunos, será conveniente en-
volver o sistema central, no caso, as Equipes Técnicas das Secretarias
de Educação, e o sistema universitário, que atuará na formação de
profissionais, na geração de idéias e produção de materiais.
O trabalho deve ser resultado de decisões coletivas, com a parti-
cipação de diversos segmentos do sistema, compondo um currículo
que resulte numa seleção representativa da cultura de uma determinada
sociedade.l
Para tanto, a contribuição de acadêmicos e pesquisadores é
essencial, assim como a de administradores, técnicos e professores.
A pesquisa prospectiva serve de base para trabalhos de grupos
diversificados, cujos componentes amalgamados possam sugerir mu-
I w. Miuer, lnttrnalional Ytarbook of Educatio", v. 36. Paris, Unesco Prc:ss,
1984, p. 121.
2 Denis Lawton, "Curriculum and Culture". Rtadings in School b4Kd Cllr.
riculum Dtlltlopmtnl, M. Skilbtclt (ed.), LDndres., Harper Educ:atioo Series.,
1984, p. 278.
70
danças que .fetem profundamente o ensino das Ciências no futuro.
tomandOoO livre das limitações que foram identificadas e categorizadas
na pesquisa relatada no capítulo anterior.
Será· necessário mapear os conteúdos das Ciências, de forma que
passem a ser relevantes e formem um todo integrado com as outras
disciplinas do currículo escolar. Será imprescindível também intro-
duzir modiricações metodológicas, entre as quaissalientam-se as
atividades práticas. Estas devem demandar a participação dos alunos
para solução de problemas, devendo este comportamento ser extra·
polado inclusive para os outros tipos de atividades .
4.1. A pl1ll1icipação dos professores na mudança curricular
Os nossos dados indicam que a demanda por cursos para profes-
sores em serviço é geral. Compete aos que pretendem auxiliar a
implementar inovações no ensino das Ciências propiciarem oportu-
nidades de aperfeiçoamento aos docentes interessados em mudar.
Esta é uma atividade que há muito vem sendo usada, visando a
renovação curricular. Continua sendo (reqüente, porém muito mal
aproveitada, por falta de conhecimen tos sobre o problema, pelo
oportunismo, que facilita aos dirigentes do sistema escolar opiarem
por medidas demagógicas de pequeno fôlego, mas relativamente
fáceis de organizar.
Este oportunismo é partilhado por certos membros da comunidade
cien tífica e educacional que tiram proveito da possibilidade de obter
recursos financeiros para a compra de materiais e equipa.mentos.
utiliza~do tais verbas para suprir as deficiências de seus orçarnenios
e salários.l
No entanto, o trabalho de mudança requer um esforço reiterado,
paciente, difícil , que depende de recursos humanos e financeiros e
de muita pesquisa, para poder causar mudanças profundas e de efeito
mais duradouro.
As concepções de treinamento são muito variadas, incluindo ati vi-
dades de objetivos e modalidades bastante diversas. Para facilitar
J M. Kruilchik, "Coment'rios sobre a Avaliação do Projeto para Melboria
do EmiDo de Cimcias e Matemática'. EducQÇÍÍI) para a Citncia, /(1):9·11,
Brasnia, CAPES, janeiro de 1985.
71
uma análise mais detida do problema, as atividades estão aqui
classificadas de acordo com seus objetivos e sua organização básica.
4.1.1. Cursos de atualização
Esses. na sua forma mais ortodoxa, têm como finalidade básica
o repasse de novas informações . Constam, em geral, apenas de
aulas bastante tradicionais. tipo conferência. cujo objetivo é trans-
mitir grande número de dados e fatos novos aos docentes, As variações
mais comuns da modalidade são as dos cursos que. além de auJas
eXp05H1vas, incluem atividades práticas. também com o fim de
informar e propiciar o treinamento no uso de novas técnicas de
laboratório, ou ainda. de ilustrar informações apresentadas previa·
mente em aulas teóricas. Incluem·se ainda os cursos destinados a
dar notícia sobre o uso de novos métodos de ensino , tais como
trabalhos em grupo, o uso de computadores. o aproveitamento de
jogos, entre outros.
Esta modalidade é a que tem tido supremacia sobre todas as
outras, porque é de fácil organização e tem, com freqüência, caracte-
rísticas episódicas, não fazendo parte de um processo continuo
concentrado. De forma geral. não propicia uma mudança básica nas
atitudes em classe.
4.1.2. Cursos de " imitação"
São aqueles em que os professores se dedicam a executar atividades.
em geral, de projetos curricu lares . da mesma forma que se espera
que sejam desenvolvidas pelos seus alunos . As discussões centra-
Iizam·se nos problemas logíst icos de aplicação dos projetos, seus
.objetivos. possibilidades e limitações. São prescritivos e envolvem a
apresentação de material antecipadamente preparado pelos auto.res
do projeto curricular, quer seja ele um conjunlo de livros de aluno,
professor. um guia curricular. ou uma coletânea de subsídios para
as atividades em classe. Implicam também atualização, com uma
vantagem, pois o docen te está, na verdade. preparando suas aulas.
Tem limitações, na medida em que, muitas vezes, o professor aplica
o projeto inovador de forma bastante tradicional. pois não tem tempo
de assimi lar o seu sign ificado e acaba filtrando o material pela sua
concepção de ensino. Este tipo de curso é relativamente comum nos
sistemas que mantêm projetos de ensino, nas Universidades, Centros
de Ciências, ou nos órgãos centrais das Secretarias de Educação.
72
4.1.3. Cursos anafítico-participa/ivos
São aqueles em que há um trabalho coletivo de produção, em
resposta à demanda dos docentes ou mesmo de órgãos centrais.
Envolvem a discussão de aspectos controvertidos e resultam na elabo-
ração de materiais, desenvolvimenlO de novas técnicas que valorizam
o processo de transformação e desenvolv imento dos prorissionais.
Enrase é dada à aná lise da postura do professor em classe, com
vistas a provocar mudanças em suas atitudes e concepções de edu·
cação. Esses cursos são os mais raros, por várias razões: envolvem
dificuldades de planejamento prévio. além de exigirem grande segu·
rança por parte de seus organizadores. que devem estar preparados
para enfrentar sit uações não planejadas. Variação dessa modalidade
é a formação de grupos de trabalho que elaboram conjuntamente
projetos curriculares e que têm. como objetivo, tanto a produção
de materiais de ensino como o processo de reflexão e análise coletiva.
Muitas vezes. este tipo de análise implica sessões de debate e volta
à sala de au la para coleta de dados c avaliação do processo e, de
novo, reuniões conjuntas para discussão das informações colhidas.
Os organizadores dos cursos assessoram os participantes durante todo
o trabalho.
Tal classificação. como tantas outras, tem imprecisões resultantes,
principalmente, da dificuldade de se enquadrar todas as atividades
de um curso em apenas uma modalidade, mas serve para caracterizar
as tendências e objetivos predominantes.
4.2. Condições que favore«:m O fxito dos (unos
Com~ resultado do trabalho de muitos anos de observação. envol-
vimento pessoal e avaliação de projetas curriculares e atividades de
treinamento, em diferentes regiões. foi possível elaborar uma lista
de condições que podem aumentar a possibi lidade de êxito dos cursos.
O critério de sucesso aqui considerado é uma mudança real do
ensino, na direção pretendida por aqueles que almejam uma transfor·
mação profunda no que ocorre em sala de aula.
4.2.1. Participação voluntária
Muitos sistemas de ensino adotam medidas coercitivas, como as
convocaçõc'S form,ai s. para a participação em cursos. Esse procedi-
73
mento é incompatível com a insistente exigência de autonomia por
parte dos professores, como indica o resultado da nossa pesquisa.
Ao contrário. a presença de participantes aborrecidos por terem sido
obrigados a uma atividade que não lhes interessa pode criar um
clima de indisposição, que contagia mesmo aqueles que tinham boa
vontade e interesse.
Incentivos podem ser criados para a participação, tais como van·
tagens em concursos de ingresso e promoção, possibilidades de
mudanças de atividades. Na verdade, essas medidas são apenas reco-
nhecimen to das vantagens oriundas do curso em termos de aperfei-
çoamento. Podem, no entanto, em muitos casos, passar de conseqüên-
cia a causas da presença aos cursos. Mas mesmo aqueles que os
freqüentam por interesses outros que não O progresso do ensino,
acabam auCerindo os beneHcios de uma melhora em seu desempenho
profissional, se o trabalho tiver impacto e for sign ificativo.
4.2.2. Existência de material de apoio
Quando os participantes de um curso não encontram material
escrito em que possam apoiar suas discussões e mesmo estudar
posteriormente, os debates são pobres e tendem a circunscrever-se a
problemas imediatos - relatos pessoa is - em geral de pequeno
alcance e que não causam transformações profundas. A seleçao ou
produção de material de apoio determina que os organizadores de
um curso cheguem, no âmbito da equipe, a adotar posturas comuns
e a identificar posições controvertidas que, caso contrário, podem ser
mascaradas por um discurso aparentemente consensual, mas funda-
mentalmente divergente. Além disso, tal material serve também para
transmitir, com maior precisão, as intenções e dout rinas de seus
organizadores.
4.2.3. Coerência e integração conteúdo-metodologia
E comum uma crítica até jocosa a professores que fazem recomen-
daçõessobre atitudes que devem ser assumidas, mas que são incoe-
rentes e agem de forma diferente da que foi aconselhada. Por exemplo,
elogiar discussões, em aulas expositivas; dar aulas sobre liberdade,
em classes onde o aluno não pode entrar ou sair sem ordem do
proCessor. Enfim, é preciso que haja compatibilidade entre o conteúdo
e a metodologia e que os cursos cuidem de ambos os aspectos, para
enriquecer as possibilidades de aperfeiçoamento dos professores. ê
74
impossível e desaconselhável separar esses dois elementos estreitamente
interligados.
4.2.4. Grupos de professores de uma mesma escola
A seleção dos participantes de um curso é sempre um dilema para
seus organizadores, na hora do estabelecimento de critérios de admis-
são. I! muito mais aconselhável a preferência por um grupo de uma
mesma escola, em lugar de muitos proCessores de diferentes institui-
ções. A experiência tem demonstrado que um professor, quando
participa de um curso e volta para sua unidade, fica isolado e acaba
não colocando cm prática as idéias novas que conheceu. Há várias
razões para lal atitude. Os colegas tendem a não apoiar uma inovação
que não conhecem. O professor não tem com quem discutir o resultado
das modificações em seu ensino. Isoladamente, fi ca mais difícil su-
perar problemas administrativos e a falta' de auxílio técnico. Assim,
acaba desistindo e acomodando-se a uma situação mais conforme e
integrada ao comportamento geral. Há necessidade de qualidades raras,
muito ânimo e firmeza de propósitos para se persistir em um meio
hostil , ou mesmo indiferente, e continuar lutando pela mudança.
4.2.5. Atendimento reiterado
Um aspecto bastante ligado ao an terior e que preocupa os organi-
zadores de cursos em serviço é resolver se é melhor seledonar várias
vezes o mesmo professor para diferentes cursos, concentrando recursos
em um mesmo indivíduo, ou procurar atender a um maior número
de pessoas, em menor número de vezes. A concentração tende a
sunir melhores resultados, porque há atendimento mais completo em
diferentes ocasiões. Assim, o participante tem oportunidade de re-
fletir sobre as idéias propostas, pondo em prática o que aprendeu,
e de adquirir confiança, por estar melhor infonnado, além de desen·
volver espírito crítico sobre sua própria atuação.
4.2.6. Atividades dos participantes
Durante o curso, é aconselhável que sejam programadas atividades
que fiquem sob responsabilidade dos participantes. Os alunos-mestres
estão acostumados a tomar iniciativas e ministrar aulas. Quando nos
cursos são obrigados à passividade, tendem a adquirir uma atitude
antagónica, cética e distante. Quando partilham do trabalho dos
organizadores, compreendem melhor as dificuldades, expõem com
75
mais liberdade seus problemas aos colegas, criticam mais livremente
o trabalho em andamento. Enfim, o clima, quando aquecido por
controvérsias, acaba ficando menos autoritário e mais participa-
tivo, propiciando melhores condições para mudanças profundas dos
professores e alunos e, conseqüentemente, maiores chances de modifi·
cação das aulas em todos os níveis. De acordo com Orlich, "os pro-
gramas melhor sucedidos permitem que os participantes sejam ativos,
produzindo materiais, tomando parte e~ jogos, em lugar de mantê-los
apenas ouvindo".4
4.2.7. Acompanhamento
Muitos cursos consideram encerrada sua missão imediatamente após
o seu término. Como o que se pretende é levar os professores a
questionarem o trabalho que até então vinham desenvolvendo, um
curso de duração curta é insuriciente para provocar transformações
essenciais e duradouras. O trabalho de atualização deve ser reiterado.
por meio de várias atividades, e complementado por um sistema de
acompanhamento e apoio depois que os participantes voltam às escolas
e recomeçam as suas atividades.
A atendimento pode ser feito por meio de reuniões periódicas para
relato do que está ocorrendo nas classes, ou por meio de visitas dos
responsáveis para observação direla e assessoramento e, ainda, por
meio de boletins noticiosos. Estes podem conter novas informações,
sugestões e principalmente análise das experiências que estão sendo
executadas. Uma forma bastante funcional e útil é ter um serviço de
atendimento telefónico para prestar serviços ao professor quando este
necessita solucionar alguma dúvida, obter infgrmaçõcs, ou mesmo
apoio pard resolver situações difíceis.
4.3. Preparação, adapt::,~âo t utilização de maleriais
Para a grande maioria 1.1 1.: professores das disciplinas científicas.
as decisões curriculares limit"il~·se à escolha de um Iivro-texto. A
seleção de matéria a ser apresentada aos alunos e a metodologia são
rigorosamente determinadas pelos livros didát icos de natureza comer·
cial. Os projetos curriculares representaram um esforço de produção
de material para subsidiar o professor na introdução de novos assun-
• Donald C. Orlich, "'nservice EJucation: A Problem or a Solution". Scitnce
,md Clrildr~n, 5(21):34. rev~reiro de J984.
76
tos, ou novas propostas de ensino. e a sua adoção depende, princi.
palmente, de três aspectos: a dificuldade maior ou m~nor que possam
apresentar para sua utilização em classe; os proccssos para informar
o professor da sua existência; os progressos educacionli5 que signi.
ficam.
Uma das primeiras etapas para a modificação é apresentar aos
docentes um amplo número de opções, com sugestões para modifica.
ção de seus cursos . Mesmo com os materais de distribuição gratuita,
há entraves estruturais e administrativos, prejudicando o seu acesso
aos professores que, quando finalmente os têm em mãos, sentem
dificuldades para encaixar as atividades e assuntos inovadores em
seus curros. Muitas vezes, ao adotarem tais materiais, fi cam inseguros
diante da classe, por terem que lidar com um assunto novo ou técnica
que não dominam.
Vinculada a este problema está a necessidade de adaptação ou
produção de materi ais pelos professores em exercício, possibilitando
maior liberdade de escolha, o desenvolvimento de tecnologia adequada
As condições e a criação ' de um fluxo reversível de informações e
idéias entre os centros tradicionalmente encarregados da produção de'
materiais curriculares e a sala de aula.
As maneiras conhecidas e usadas para esse fim são a via burocrá.
tica, os cursos de treinamento e as publicações, como boletins e
revistas. Têm uma certa eficiência; porém, não resolvem plenamente
os problemas. uma vez que a dificuldade de acesso e as condições
de trabalho limitam o seu alcance. Um outro mecanismo praticamente
inexplorado é o de realizar encontros que incentivem a apresentação
de trabalhos dos professores. Nesse sentido, tanto por meio das
publicações como de reuniões, as associações de classe poderiam e
deveriam desempenhar uma tarefa de enormes possibilidades. consi.
derando-se o exemplo das sociedades científicas . A existência de
grupos regionais propicia a descentralização das atividades, divulgando
o material de apoio produzido em outras instâncias e também dis·
cutindo as propostas e os resultados de inovações produzidas pelos
professores em suas classes.
4.4. A participação da Universidade na mudança curricular
O papel da Universidade e dos centros de pesquisa, em relação ao
sistema de ensino de 1.0 e 2.0 Graus, tem sido paternalista, quando
não autoritário.
77
Sobre eles recaem as aspirações e responsabilidades da renovação
do ensino. No entanto, sua resposta tem ficado aquém da demanda
e das necessidades do sistema educacional. Esta situação deve-se à
alienação da Universidade em relação aos problemas da escola de
J.O e 2.° Graus. Mesmo aqueles raros que, dentro dela, se interessam
por tais questões não possuem vivência e conhecimento profundo
dos problemas do ensino nos níveis escolares precedentes. .
A Universidade e instituições de pesquisas cabe a investigação e o
desenvolvimento de um quadro tcórico e materiais necessários para
dar suporte ao trabalho nas escolas e contribuir parasua aplicação.
quer diretamente, quer fonnando pessoal para os quadros das insti-
tuições ligadas ao sistema escolar. A elas cabe também prever as
necessidades do sistema, antecipando-se e apresentando soluções e
alternativas para mudanças que venham a ocorrer. Desempenham
também importantíssimo papel na análise crítica das sugestões para
transformação curricular. No caso específico do ensino das Ciências,
compete à Univcrsidade a análise do significado das novas tendências
para enfrentar as demandas de um sistema educacional profundamente
desafiado pelo progresso da Ciência e da Tecnologia. Uma dessas
tendências, hoje, é a valorização do conteúdo. Caso esta expressão
signifique a mera aquisição de informações, mesmo que mais atuali-
zadas e repassadas aos alunos de forma mais eficente, será um retro-
cesso lastimável e tanto mais perigoso por ser muito fác il resvalar
por tal caminho. Mudar o conteúdo que se ensina constitui uma das
formas mais elementares de renovação curricular. No entanto, se a
expressão implicar dar substância. werência e significado ao que será
ensinado, será um avanço considerável.
Além de envolver-se ativamente na seleção dos conteúdos rele-
vantes, a Universidade também deve gerar conhecimentos sobre as
melhores formas de ensinar. Descobrir qual a melhor representação
de um fenômeno, qual o melhor exemplo, quais as idéias que os
alunos têm sobre determinados assuntos. é pesquisa urgente e neces-
sária, derivada da sala de aula, para fundamentar a prática e tornar
mais eficie'.l te o processo de ensino-aprendizagem.
Este tipo de trabalho envolve uma íntima relação entre os grupoS
de pesquisa e a escola. Tradicionalmente, essa relação se dá pelo
recrutamento de professores para participarem de grupos que produ-
zem projetas curriculares nos centros de pesquisa. Embora este tipo
de relação seja desejável e mesmo imprescindível. é insuficiente. sendo
78
preciso que todos os que elaboram o currículo tenham vivência da
escola e da sala de aula.
Muitas diferenças de percepção constatadas no estudo relatado no
capítulo anterior são resultantes do desconhecimento das condições
existentes nos estabelecimentos de ensino.
Os pesquisadores devem ir à escola , devem conviver com estudan-
tes, professores e administradores em seu habitat, para. poderem, mais
eCetivamente. colocar suas idéias em prática e também para analisa·
rem a propriedade e conveniência de tais idéias.
4.5. Participação dos elementos das flIuipes tétnicas dos
órgãos administrativos
o estudo feito demonstrou a importância da administração no
desenvolvimento do ensino das Ciências. Diretores e seus auxiliares
têm grande influência, promovendo mudanças e removendo obstá-
culos, de forma a permitir que um trabalho satisfatório seja desen-
volvido. Grande parte das transformaçócs estruturais consideradas
como limitantes ao trabalho - conseguir laboratórios, equipamentos,
permilir que o tempo de aula seja maior, prover auxílio técnico -
são medidas da alçada dos administradores a nível escolar. Estes
elementos devem, portanto, ter informações sobre o significado e as
necessidades do ensino das Ciências. Também, nesse sentido, é fun-
damental o intercâmbio entre os vários segmentos que atuam na
escola e nos órgãos em que são originadas transformações curriculares.
Há uma expectativa semelhante relativa às autoridades hierarquica-
mente superiores aos diretores. .
O papel dos elementos dos níveis administrativos intermediários,
no entanto, difere tanto por causa da especificidade de sua função
como de sua situação no sistema escolar. Para alguns, sua presença
significa hierarquização do sistema educacional, visando diminuir a
influência e o papel desempenhado pelo professor nas decisões curri-
culares, embora no projeto que instituiu a função, a intenção explícita
seja de auxmo ao docente.
Na passagem de informações e idéias pelos diversos níveis adminis-
trativos do sistema educacional, há deformações, perda de energia e
de eficiência. Assim, para que um intermediário possa ser eficiente
e contribua para suprir as carências dos professores, promovendo a
melhoria do ensino, algumas condições são necessárias. A primeira
79
delas é sua capacidade e liderança pessoais, a outra sua poslçao no
sistema e outra ainda é sua possibilidade de estipular as qualidades
desejáveis de um bom professor e trabalhar no sentido de desenvol-
vê-Ias,
Uma sugestão para suprir a necessidade de um trabalho conjunto
é a criação da função de coordenador de área na escola, reivindicação
antiga dos docentes, A dificuldade para o trabalho desse profissional
será ter acesso aos que elaboram o currículo e, na escola, conseguir
que o trabalho supere o nível superficial em que tende a se manter,
Em outra linha de atuação, o desafio será melhorar as condições de
trabalho advindas das complexas dificuldades estruturais dos sistemas
educacionais,
Linhas de investigação -que decorrem das questões analisadas são,
entre oulras: Como deve ser a formação de professores para suprir o
seu papel na elaboração do currículo? Qual o nível adequado de
regionalização do conteúdo curricular?
Finalmente, a elaboração de projetas curriculares que sejam bem-
-sucedidos requer um esforço interdependente, balanceado, dos vários
grupos que participam do processo. Para tanto, há necessidade de se
investigar as estruturas de decisão sobre o currículo e se desenvolver
modelos que tornem, tanto a contribuição dos professores como da
Universidade mais efetiva do que tem sido até agora, no sentido de
melhorar o ensino das Ciências.
80