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AULA 04 - IED PROCESSUAL

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AULA 04 – NORMA PROCESSUAL (1ª parte) 
1. Aspectos gerais:
Norma consiste em uma regra de conduta de atribuição de bens. 
As normas jurídicas apresentam peculiaridades e são aquelas dotadas de imperatividade e que se sobrepõem independentemente da vontade das partes. 
As normas jurídicas podem ser:
· Materiais: Trazem as regras de condutas que devem ser cumpridas por todos.
· Processuais: Disciplinam o exercício da atividade jurisdicional do direito de ação e entram em cena quando as normas do direito material não são cumpridas de forma voluntária pela sociedade. Quando há uma ameaça ou lesão a uma norma material, incidirão as normas processuais. A técnica para a resolução de conflitos, portanto, é dada por normas processuais. 
As normas jurídicas materiais e processuais compõem o que chamamos de tutela jurídica. 
O objeto das normas processuais é a disciplina do Poder Jurisdicional, o qual qualifica a norma como processual. 
Institutos bifrontes são institutos que possuem dupla regência, ou seja, são estudos regidos tanto pelo Direito Material quanto pelo Direito Processual. Ex: Tanto o Código de Processo Penal quanto o Código Civil discorrem sobre provas. Além disso, pode-se citar a legitimidade, penhora e a capacidade como institutos bifrontes. 
As normas que regem os institutos bifrontes, muitas vezes presentes em diplomas de Direito Material, para uma parcela da doutrina, são conhecidas como normas heterotópicas. Embora presentes em diplomas de Direito Material, essas normas não perdem o caráter de normas processuais (houve um “equívoco” do legislador). Por outro lado, outra parcela doutrinária defende a existência de um caráter híbrido (normas processuais-materiais), não se admitindo a perspectiva de “normas processuais puras”. 
2. Espécies das normas processuais:
· Normas de organização judiciária: Normas que tratam da criação e estrutura dos órgãos judiciários e seus auxiliares. 
Hoje prevalece a corrente que encara o processo como um instituto complexo, ou seja, processo = procedimento + a relação jurídica. O legislador trouxe competência legislativa para legislar sobre processo (privativa da União) e sobre procedimento (competência concorrente entre União, estados e DF). 
A distinção entre normas processuais e procedimentais é feita pela doutrina, entre elas a de Cândido Rangel Dinamarco. 
· Normas processuais em sentido estrito: A relação jurídica processual é aquela que une sujeitos em um processo. Tudo o que disser respeito aos direitos, deveres, estado de sujeição, ônus, faculdade, dos sujeitos do processo é norma processual em sentido estrito. E sendo norma processual em sentido estrito, a competência para legislar sobre tal matéria é privativa da União. 
· Normas procedimentais: Procedimento é a série de atos que se prolonga no tempo. Em tudo o que disser respeito a procedimento ao tempo, ao lugar, à forma pelas quais os atos são praticados, têm-se normas procedimentais. 
Para Marcelo Abelha Rodrigues, as matérias que apresentam efeitos isonômicos uniformes para todo o território nacional são tratadas por normas processuais (competência privativa da União). Se não viola a isonomia, os estados-membro podem legislar: normas procedimentais. 
Rosemiro Pereira Leal afirma que tudo o que disser respeito a normas fundamentais (ex: princípio do contraditório, devido processo legal, ampla defesa) são normas processuais. 
Essa distinção entre normas processuais e procedimentais traz efeitos práticos, não sendo, na prática, tão fácil de fazer essa diferença. 
Uma norma contida em uma Lei Complementar do estado da Bahia de 2009 que determina a realização de intimação pessoal para os procuradores do Estado é uma norma procedimental (diz respeito à forma pela qual o ato vai ser praticado). Na prática, conforme já referido, é extremamente difícil diferenciar processo de procedimento pois de atos nascem relações jurídicas. Nesse sentido, alguns operadores do Direito argumentam tratar-se de uma norma inconstitucional por ser processual e, por conseguinte, competência privativa da União. 
Em virtude dessa dificuldade prática, inclusive envolvendo o STF, é comum, infelizmente, juízes fazerem grandes confusões: 
· Justificar uma norma como processual em virtude de aspectos como a forma do ato (o que é atributo de uma norma procedimental).
· Justificar uma norma como procedimental em virtude de princípios inerentes como o devido processo legal e a ampla defesa (o que são atributos de uma norma processual). 
O STF decidiu, com divergências, tratar-se de norma inconstitucional uma norma da Lei 11.819/2005 de SP, que permitia o interrogatório via vídeo conferência. 
ADI n. 882/MT envolveu a LC 20/92 do MS, a qual envolve. O STF decidiu a lei como inconstitucional por envolver prerrogativa de um direito e, portanto, norma processual, competência privativa da União. 
ADI 22922/RJ envolveu o acordo na ação de alimentos com partição da Defensoria Pública, declarada constitucional pelo STF. Paula Sarno pegou todos os julgados do STF sobre o tema e sustentou a precária argumentação do órgão, mesmo quando declaram a constitucionalidade de uma norma. 
Assistência judiciária em investigação de paternidade (ADI n. 3394/AM – sem custos para as partes no que concerne à descoberta da paternidade). Foi entendido como norma processual por envolver direitos e, consequentemente, como competência privativa da União. 
Sistema de gerenciamento de depósitos judiciais (ADI n. 2909/RS), o STF entendeu como inconstitucional, já que não se poderia apartar a figura do depósito judicial das categorias processuais. 
3. Normas processuais cogentes x normas processuais dispositivas:
Outrora, era sustentada a máxima de que normas processuais são sempre normas de Direito Público, uma vez que há uma interferência direta do Estado. Entretanto, apesar de serem normas que compõem o Direito Público, não são necessariamente normas de ordem pública, isto é, normas cogentes (que não podem ser afastadas pela vontade das partes – imperatividade absoluta).
Desde o CPC/73, contudo, já era possível encontrar normas processuais de natureza dispositiva (efeitos podem ser moldados pela vontade das partes).
Quando se estuda competência, há normas de competência absoluta (voltadas para o interesse público) e normas de competência relativa (exemplo de normas processuais dispositivas).
O novo CPC (2015) acabou com essa discussão, abrindo a possibilidade de negócio jurídico processual atípico (arts. 190 e 191 – CPC/2015 permitem que as partes possam deliberar sobre procedimentos, ônus, bônus, direito, estado de sujeição). O processo, atualmente, corresponde a um instituto bastante flexível. Cai-se, portanto, a tese de que não existem normas processuais dispositivas. Existem sim, embora haja a predominância de normas processuais cogentes. 
4. Fontes do Direito Processual:
· Constituição Federal: Irradia os seus efeitos por todos os ramos do Direito, incluindo, portanto, o Direito Processual (vide o art. 1º do CPC/2015). 
Art. 1º - CPC/2015: O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil , observando-se as disposições deste Código. 
· Tratados Internacionais: O Brasil é signatário de diversos tratados internacionais que versam sobre questões processuais. Em um mundo globalizado como o de hoje, as relações internacionais são cada vez mais frequentes, existindo normas que regulam a cooperação entre os Estados estrangeiros. 
· Leis Federais: Como processo é competência privativa da União, faz sentido que a maioria das leis que disciplinam processo seja federal – com raras exceções, sobretudo no que envolve procedimentos (competência concorrente entre União, estados e DF). 
· Constituição e Leis Estaduais: Também consistem em fontes do Direito Processual.
· Regimentos internos dos Tribunais: Conhecendo o regimento interno dos tribunais, o operador do Direito pode se beneficiar. 
· Jurisprudência: Reiteração de normas diantede casos concretos semelhantes. A jurisprudência serve, também, como fonte do Direito Processual. Existem súmulas vinculantes de natureza processual (as súmulas nascem da jurisprudência) – julgar uma ADI é competência do pleno do tribunal, por exemplo. 
· Negócios jurídicos processuais: As partes podem convencionar sobre o processo, procedimento, direitos, deveres, estado de sujeição. É possível, nessa perspectiva, que normas processuais advenham de negócios jurídicos processuais – inclusive atípicos. 
· Usos e costumes: Um cacique representar uma tribo indígena trata-se de um costume enraizado nessa cultura, embora não seja expresso em dispostos normativos. A outro título exemplificativo pode-se citar o pedido de reconsideração, embora não seja expresso. 
· Doutrina: Serve como uma fonte importante para o Direito Processual – vide o debate entre norma processual em sentido estrito e norma procedimental estudada anteriormente. 
· Resoluções de tribunais: Existem resoluções de tribunais – como as resoluções do CNJ – que versam sobre questões processuais. Gera-se um debate acerca dos limites dessas resoluções (até onde elas podem ser consideradas fontes?). Ex: Uma resolução do CNJ que determina que o pagamento de precatório deve ocorrer diretamente na conta do credor (cliente). 
5. Interpretação e integração: 
Norma é o resultado da interpretação dada ao texto. Texto, como já estudado, não se confunde com norma. 
Todo texto, por mais claro que seja, precisa ser interpretado para virar norma. 
Não podemos mais pensar princípios como mecanismos integrativos de direito, mas, consoante as contribuições de Robert Alexy, como normas jurídicas que compõem o ordenamento juntamente com as regras. 
Às vezes de um texto, podem surgir diversas normas. No âmbito do Direito Processual não é diferente. Não é correto afirmar, desse modo, que “na clareza cessa a interpretação”. Nesse sentido, faz-se necessário analisar os métodos de interpretação e integração do Direito Processual:
· Método literal/gramatical/exegético: Pautado no sentido literal das palavras, afastando a razão de ser da norma; 
· Método lógico-sistemático: Estudo de uma norma a luz de um sistema a qual essa se encontra inserida. 
· Método histórico: Compreensão do contexto histórico em que a norma se insere. 
· Método comparativo: Confronto com o ordenamento jurídico de Estados estrangeiros.
· Método axiológico/teleológico: Telus = fins, portanto, visa-se a uma interpretação voltada para a finalidade da elaboração da norma jurídica. 
OBS: O juiz não pode se negar a julgar alegando a incompletude do ordenamento jurídico (vedação do non liquet), dispondo, portanto, dos mecanismos de integração do Direito. 
6. Resultados possíveis da interpretação: 
· Resultado declarativo: O intérprete chega à conclusão de que a lei significa exatamente aquilo que está escrito.
· Resultado restritivo: O legislador disse mais do que queria dizer.
· Resultado extensivo: Há a extensão do sentido da lei, já que o legislador disse menos do que queria (há uma amplificação do sentido da norma). 
· Resultado abrrogante: O intérprete conclui pela incompatibilidade da norma com o sistema. 
7. A lei processual no espaço: 
No âmbito do Direito Processual, vige a territorialidade em sentido estrito. Impede-se, portanto, que legislações processuais estrangeiras sejam aplicadas diretamente em nosso ordenamento. Tem-se, portanto, uma rigidez processual, mas não conflita com a possibilidade de extraterritorialidade da lei substancial (como a penal, por exemplo). A lei estrangeira pode solucionar um litígio, mas a norma processual é brasileira. 
A territorialidade em sentido estrito proíbe a aplicação de norma processual estrangeira no Brasil, mas nada discorre a respeito da aplicação de normas processuais brasileiras no exterior. 
A uma norma de índole material-processual (vide o instituto bifronte) não se aplica a rigidez que é constatada no âmbito processual. 
8. A lei processual no tempo:
Vige o princípio da irretroatividade da lei processual como regra (tempus regit actum). A norma processual, por conseguinte, se aplica de agora em diante. 
Existem processos demorados e que, durante a tramitação, surge uma nova norma. Daí surge o questionamento sobre o que acontece.
· Processos findos: Processos já finalizados e, portanto, não se aplica a lei nova; 
· Processos futuros: Para processos que ocorrerão no futuro, se aplica a lei nova; 
· Processos pendentes: Aqui há um “problema” pois esses processos estão em curso. 
Em relação a processos pendentes, o que acontecerá? 
Ex: Um processo X estava sob a égide da lei A e durante a sua tramitação entrou em vigência a lei B. Continuará a se aplicar a lei A? Se aplicará a lei B? As duas serão aplicadas? 
Para resolver esse impasse, emergiram três teorias: 
a) Unidade processual: O processo é um todo indivisível, somente podendo se aplicar uma única lei. 
b) Fases processuais: O processo é dividido em fases e a lei nova se aplica à fase seguinte, tendo em vista que o processo é uma série de atos que se prolongam no tempo. 
c) Isolamento dos atos processuais: Sistema adotado em nosso ordenamento. Para os adeptos desse sistema, se surge uma lei nova, essa lei já se aplica ao ato seguinte (e não à fase). Ex: Entre as produções de provas (fase), existe a prova pericial (ato). 
No âmbito processual, existem atos complexos, ou seja, que não começam e terminam de imediato (ex: ouvida das testemunhas – pode levar tardes inteiras). 
Ex: Se um juiz está ouvindo uma testemunha e há uma falta de luz no meio, retomando esse ato horas depois. Mesmo que durante esse lapso temporal seja promulgada uma nova lei, a lei antiga será aplicada no ato em curso. 
Para a próxima aula: Exceções da Teoria do isolamento dos atos processuais + Acesso à justiça.

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