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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO CURSO DE DIREITO CHARLES DA COSTA BRUXEL O ARTIGO 15 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E OS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL COMUM AO PROCESSO DO TRABALHO FORTALEZA 2016 http://www.ufc.br/ CHARLES DA COSTA BRUXEL O ARTIGO 15 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E OS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL COMUM AO PROCESSO DO TRABALHO Monografia apresentada à Faculdade de Direito, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Processual do Trabalho. Orientador: Prof. Dr. Emmanuel Teófilo Furtado FORTALEZA 2016 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará Biblioteca Universitária Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a) B926a Bruxel, Charles da Costa. O artigo 15 do novo código de processo civil e os critérios de aplicação do direito processual comum ao processo do trabalho / Charles da Costa Bruxel. – 2016. 67 f. Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2016. Orientação: Prof. Dr. Emmanuel Teófilo Furtado. 1. Código de Processo Civil de 2015 (Novo CPC). 2. Direito Processual do Trabalho. 3. Princípio da Adequação. 4. Integração. 5. Lacunas. I. Título. CDD 340 CHARLES DA COSTA BRUXEL O ARTIGO 15 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E OS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL COMUM AO PROCESSO DO TRABALHO Monografia apresentada à Faculdade de Direito, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Processual do Trabalho. Aprovada em: 23/06/2016. BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Prof. Dr. Emmanuel Teófilo Furtado (Orientador) Universidade Federal do Ceará (UFC) ________________________________________ Prof. Dr. Sidney Guerra Reginaldo Universidade Federal do Ceará (UFC) ________________________________________ Prof.ª Dra. Beatriz Rêgo Xavier Universidade Federal do Ceará (UFC) Esta Monografia é dedicada a todos que me apoiaram, principalmente a minha família e meus amigos. Obrigado. AGRADECIMENTOS Ao professor Emmanuel Teófilo Furtado pela orientação e grande ajuda. Aos professores Sidney Guerra Reginaldo e Beatriz Rêgo Xavier por participarem da banca examinadora, colaborando com seus conhecimentos e experiências. Ao amigo e Juiz do Trabalho Iuri Pereira Pinheiro, por ter despertado em mim o interesse e o gosto pelo Direito. Ao Desembargador do Trabalho Francisco Tarcísio Guedes Lima Verde Júnior, por ter me dado a oportunidade de desenvolver e aplicar a ciência jurídica no meu dia a dia laboral. Ao amigo e colega Tiago Cruz de Menezes por ter lembrado de mim e me ajudado em um momento fundamental de minha vida, possibilitando que a Faculdade de Direito fosse cursada em condições dignas. À colega Rejane Maria Façanha de Albuquerque por ter gentilmente me ajudado a ter acesso às fontes de pesquisa necessárias para a realização do presente trabalho. RESUMO Os objetivos principais desta monografia são investigar se o artigo 15 do Novo Código de Processo Civil (CPC/2015) modificou os critérios de aplicação do direito processual comum ao Processo do Trabalho; saber se os artigos 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho – que regulavam os critérios de aplicação do direito processual comum ao Processo Laboral – foram revogados pelo artigo 15 do novel CPC; apurar se existe forma de conferir interpretação harmonizante entre os critérios de aplicação previstos na CLT e no artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015, a fim de evitar a configuração de antinomia; e descobrir o melhor critério para definir a aplicabilidade do direito processual comum ao Processo do Trabalho. Testadas as hipóteses e realizadas as análises, concluiu-se, em síntese, que, a par da apreciação esmiuçada das normas de integração da normatização processual laboral, observa-se existir, com fulcro nos Princípios constitucionais da Adequação, da Eficiência, da Efetividade e da Celeridade, a possibilidade de aplicação direta (substitutiva), mesmo quando inexistente omissão normativa, de normas de direito processual comum ao Processo do Trabalho e a possibilidade de aplicação, por analogia, de normas processuais trabalhistas para suprir eventuais lacunas axiológicas ou ontológicas do Direito Processual do Trabalho, prevalecendo, em qualquer caso, o critério de máxima adequação como elemento definidor da norma que deverá regular o Processo Laboral. Por fim, colocando as conclusões desenvolvidas em xeque, observou-se que elas foram plenamente capazes de oferecer respostas racionais e razoáveis para dois problemas relevantes envolvendo o Processo do Trabalho e o Código de Processo Civil de 2015. Palavras-chave: Direito Processual do Trabalho. Integração. Lacunas. Aplicação. Direito processual comum. Código de Processo Civil de 2015. Princípio da Adequação. ABSTRACT The main objectives of this work are to investigate if article 15 of the New Brazilian Civil Procedure Code (CPC/2015) modified the criteria for application of common procedural law to the Labour Process; if articles 769 and 889 of the Consolidation of Labor Laws (CLT) - regulating the criteria for applying the common procedural law to the Labour Process - were repealed by article 15 of the novel Civil Procedure Code; determine if there is way to give interpretation harmonizing between the application criteria stipulated in the CLT and Article 15 of the Civil Procedure Code of 2015 in order to avoid the antinomy configuration; and discover the best criterion for defining the applicability of common procedural law to the Labour Process. Tested the hypothesis and performed the analyzes, it was concluded, in summary, that, together with the aprecciation scrutinized the rules of integration of labor procedural norms, it is observed there, with fulcrum in constitutional Principles of Adequacy, Efficiency, Effectiveness and Celerity , the possibility of direct application (substitute), even non-existent rules omission, of the rules of common procedural law to the Labour Process and the possibility of applying by analogy labor procedural rules to suplly any axiological or ontological gaps law Procedural Labour, prevailing in any case, the criterion of maximum suitability as a defining element of the standard that should regulate the Labour Process. Finally, putting the conclusions developed in check, it was observed that they were fully able to offer rational and reasonable answers to two important problems involving the Labour Procedure and the Code of Civil Procedure 2015. Keywords: Procedural Law of Labor. Integration. Gaps. Application. Common procedural law. Brazilian Civil Procedure Code of 2015. Adequacy Principle. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...........................................................................................................9 2 REFERENCIAL TEÓRICO.......................................................................................12 2.1 Aplicação normativa...............................................................................................12 2.2 Integração normativa.............................................................................................13 2.3 Interpretação normativa.........................................................................................15 2.4 Conflitos normativos..............................................................................................182.5 Diálogo das fontes..................................................................................................20 3 ANÁLISE DOS ARTIGOS 769 E 889 DA CLT........................................................22 3.1 Âmbito de aplicação das normas processuais trabalhistas..............................22 3.2 Princípio da adequação.........................................................................................24 3.3 Incompletude do sistema processual trabalhista...............................................26 3.4 Art. 769 da CLT.......................................................................................................26 3.5 Omissão...................................................................................................................28 3.6 Compatibilidade do direito processual comum..................................................30 3.6.1 Compatibilidade interna do direito processual do trabalho..............................35 3.7 Art. 889 da CLT.......................................................................................................36 3.8 Conclusões parciais...............................................................................................37 4 O ARTIGO 15 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EM COTEJO COM OS ARTIGOS 769 E 889 DA CLT...........................................................................................39 4.1 Análise geral do art. 15 do CPC/2015...................................................................39 4.2 CPC/2015: supletividade e compatibilidade........................................................40 4.3 CPC/2015 em confronto com o art. 769 da CLT..................................................41 4.4 CPC/2015 em confronto com o art. 889 da CLT..................................................46 4.5 Conclusões parciais...............................................................................................47 5 O(S) MELHOR(ES) E DEFINITIVO(S) CRITÉRIO(S) PARA A APLICAÇÃO DO DIREITO PROCESSUAL COMUM AO PROCESSO DO TRABALHO ..........................49 6 APLICAÇÃO PRÁTICA: INSTRUÇÃO NORMATIVA DO TST N. 39/2016...........54 6.1 Exemplo 1: Concessão de prazo para regularização do preparo.....................54 6.2 Exemplo 2: Inquirição direta das testemunhas pelas partes............................56 6.3 Breves ponderações em torno da Instrução Normativa do TST nº 39/2016....57 7 CONCLUSÃO...........................................................................................................59 REFERÊNCIAS........................................................................................................62 9 1 INTRODUÇÃO A aplicação da norma processual adequada para tutelar as lides decorrentes das relações de trabalho sempre foi um tema bastante instigante. Tal questão ganha peculiar importância diante da incompletude e, principalmente, do envelhecimento da legislação processual trabalhista, circunstâncias que somadas à frequente renovação constitucional e processual civil aprofundam e constantemente reafirmam a necessidade de um analítico debate em torno da matéria. Nessa linha, a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105, de 16 de março de 2015) reacende a temática, ao menos no que se refere aos critérios de heterointegração das normas processuais trabalhistas. Isso porque o novel diploma, em seu artigo 15, assim estabelece: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente” (BRASIL, 2015). O suscitado dispositivo, à primeira vista, se destaca por não exigir, ao menos expressamente, a “compatibilidade” como requisito de heterointegração ao Processo Laboral. De igual modo, a menção expressa à aplicação “supletiva” força no mínimo o desenvolvimento de reflexões. Tais pontos dissonam textualmente dos artigos 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho que, até o advento do CPC/2015, disciplinavam, indubitavelmente, a matéria: Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título. Art. 889 - Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal. (BRASIL, 1943) Assim, diante da evidente controvérsia sucintamente apresentada e que representa possível ruptura em torno do tema, constata-se que, a partir da nova era inaugurada pelo CPC/2015, investigar, à luz da Constituição Federal, a definição, o conflito e a compatibilidade entre os critérios de aplicação subsidiária/supletiva previstos nas normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho (artigos 769 e 889) e no artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015 é medida salutar para contribuir com o 10 desenvolvimento do Direito Processual do Trabalho e para o oferecimento de respostas científicas e adequadas ao jurisdicionado e ao operador do Direito. Indo mais além, é fundamental avaliar a possibilidade e as hipóteses em que a legislação processual comum poderá vir a ser aplicada em substituição às normas tipicamente processuais laborais. Tal específica análise, longe de se prender às amarras dos dispositivos legais mencionados, necessita de um cuidadoso enfoque constitucional. Nessa trilha, a monografia analisará os critérios de aplicação do direito processual comum ao Processo do Trabalho, e não se limitará apenas a enfrentar os “critérios de heterointegração do direito processual comum ao Processo do Trabalho”. Tal elucidação se faz necessária, haja vista que, à primeira vista, não se mostra evidente a partir do título do trabalho. Ou seja, em síntese, buscar-se-á analisar o conflito e a compatibilidade entre os critérios de aplicação subsidiária/supletiva previstos nas normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho (artigos 769 e 889) e no artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015 e propor a melhor solução possível para a definição da aplicabilidade do direito processual comum ao Processo do Trabalho, levando em conta principalmente os valores constitucionais. De forma mais detalhada, os objetivos específicos da pesquisa serão os seguintes: extrair o conteúdo e o alcance das normas decorrentes da Consolidação das Leis do Trabalho (artigos 769 e 889) e do artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015; analisar se o artigo 15 do Novo Código de Processo Civil revogou, total ou parcialmente, os artigos 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho; averiguar a possibilidade de conferir interpretação harmonizante entre os critérios de aplicação previstos na CLT e no artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015; investigar a influência das normas constitucionais na definição e na interpretação dos critérios de aplicação do direito processual comum ao Processo do Trabalho. Como se percebe, o artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015 é a inovação legislativa propulsora do corrente estudo. Apesar disso, tal norma não limitará o escopo do presente trabalho, já que este, como exposto nos parágrafos retros, buscará esmiuçar, sob diversos enfoques, os critérios de aplicabilidade do direito processual comum ao Processo do Trabalho. Para ser possível alcançar os fins a que se destina, parte-se de alguns questionamentos. O artigo 15 do Novo Código de Processo Civil (CPC/2015) modificou os critérios de aplicação do direito processual comum ao Processo do Trabalho? Os artigos 11 769 e 889 da Consolidaçãodas Leis do Trabalho – que regulavam os critérios de aplicação do direito processual comum ao Processo Laboral – foram revogados pelo artigo 15 do novel CPC? Existe forma de conferir interpretação harmonizante entre os critérios de aplicação previstos na CLT e no artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015, a fim de evitar a configuração de antinomia? Qual o melhor critério para definir a aplicabilidade do direito processual comum ao Processo do Trabalho? Importante deixar claro que as respostas a tais inquietações serão desenvolvidas com base em algumas hipóteses: o artigo 15 do Novo Código de Processo Civil (CPC/2015) não modificou os critérios de aplicação do direito processual comum ao Processo do Trabalho; os artigos 769 e 889 da Consolidação das Leis do Trabalho não foram revogados pelo artigo 15 do novel CPC; é plenamente possível conferir interpretação harmonizante entre os critérios de aplicação previstos na CLT e no artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015, a fim de evitar a configuração de antinomia; o melhor critério para definir a aplicabilidade do direito processual comum ao Processo do Trabalho é aquele obtido por meio de ampla inspiração e conformação constitucional. O trabalho será dividido em 5 seções, sendo a primeira sobre aspectos teóricos da aplicação, integração e interpretação normativa; a segunda sobre a análise dos artigos 769 e 889 da CLT; a terceira sobre a análise do artigo 15 do Código de Processo Civil de 2015, em cotejo com as disposições celetistas acerca da matéria; a quarta acerca da análise definitiva em torno do(s) melhor(es) critério(s) para a aplicação do direito processual comum ao Processo do Trabalho; e a quinta a respeito da Instrução Normativa do TST nº 39/2016, que será sucintamente analisada a partir do(s) melhor(es) critério(s) para a aplicação do direito processual comum ao Processo do Trabalho. 12 2 REFERENCIAL TEÓRICO Inicialmente, serão analisados e devidamente definidos os principais conceitos e concepções que serão utilizados no presente trabalho, conforme a seguir. A circunstância de os temas serem enfrentados de forma separada não significa que não exista interação e mútua influência entre eles. 2.1 Aplicação normativa Segundo Houaiss (2009), o termo aplicação pode ser entendido, no sentido que ora se constrói, como sendo a “colocação de (alguma coisa) sobre (outra); sobreposição”, “execução, prática, utilização”; a “utilização; emprego”. Maximiliano (2011, p. 5) ensina o que seria a aplicação do Direito: 8 - A aplicação do Direito consiste no enquadrar um caso concreto em a norma jurídica adequada. Submete às prescrições da lei uma relação da vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado. Por outras palavras: tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humano. Em seguida o autor esmiuça um pouco como funciona o processo de aplicação normativa: 10 - Para atingir, pois, o escopo de todo o Direito objetivo é força examinar: a) a norma em sua essência, conteúdo e alcance (quoetio ju ris, no sentido estrito); b) o caso concreto e suas circunstâncias (quoestio facti); c) a adaptação do preceito à hipótese em apreço. As circunstâncias do fato são estabelecidas mediante o exame do mesmo, isolado, a princípio, considerado em relação ao ambiente social, depois: procede-se, também, ao estudo da Prova em sua grande variedade (depoimento das partes, testemunhos, instrumentos etc.) não se olvidem sequer as presunções de Direito (presumptiones juris et de jure). A adaptação de um preceito ao caso concreto pressupõe: a) a Crítica, a fim de apurar a autenticidade e, em segunda, a constitucionalidade da lei, regulamento ou ato jurídico; b) a Interpretação, a fim de descobrir o sentido e o alcance do texto; c) o suprimento das lacunas, com o auxílio da analogia e dos princípios gerais do Direito; d) o exame das questões possíveis sobre ab-rogação, ou simples derrogação de preceitos, bem como acerca da autoridade das disposições expressas, relativamente ao espaço e ao tempo. (MAXIMILIANO, 2011, p. 6-7) Talvez aplicar o Direito seja algo mais fácil de fazer do que de explicar. A ideia geral, em síntese, é que, tendo em vista determinados fatos, buscamos qual norma incide 13 sobre o caso e, a partir de tal incidência, extraímos as respostas jurídicas para a questão fática objeto de exame (efeitos, direitos, deveres, procedimentos etc.). No âmbito processual, ocorrido o ajuizamento de determinada demanda, por exemplo, devemos nos questionar quais normas incidirão para regular o processo que se instaura. A incidência da norma pressupõe, conforme adiante será desenvolvido, sua adequação em abstrato e em concreto ao caso em exame. Tal visão e conceito será fundamental para o deslinde do trabalho. 2.2 Integração normativa Novamente conforme Houaiss (2009), o termo integração é o “ato ou efeito de integrar(-se)”. Por sua vez, integrar pode ser compreendido como sendo “incluir(-se) [um elemento] num conjunto, formando um todo coerente; incorporar(-se), integralizar(-se)”, “unir-se, formando um todo harmonioso; completar-se, complementar-se”. Venosa (2009, p. 178) explica que a integração normativa é problema relacionado à lacunosidade do ordenamento jurídico: Como já acenamos, o sistema jurídico deve sempre ser considerado em sua integralidade. Já foi tempo no passado no qual, perante a lacuna, o juiz deixaria de decidir. O julgador contemporâneo não pode deixar de aplicar o Direito no caso que se lhe apresenta. Desse modo, perante a possível ausência de norma, deverá utilizar-se dos procedimentos de interpretação do sistema para integrá-lo e apresentar a prestação jurisdicional. O ordenamento é inevitavelmente lacunoso, porque o legislador não pode prever todas as situações que se multiplicam na sociedade e, atualmente, o incrível e rápido avanço tecnológico. Por outro lado, o legislador pode entender oportuno e conveniente deixar o fato ou fenômeno social em branco, relegando as decisões justamente para o trabalho integrativo dos tribunais. A ideia de lacuna ou omissão, por sua vez, diz respeito a “espaço vazio, real ou imaginário; falha, falta” (HOUAISS, 2009). Diniz (2009, p. 452) classifica em três as espécies de lacunas: Três são as principais espécies de lacunas: 1ª) normativa, quando se tiver ausência de norma sobre determinado caso; 2ª) ontológica, se houver norma, mas ela não corresponder aos fatos sociais, quando, p. ex., o grande desenvolvimento das relações sociais, o progresso técnico acarretaram o ancilosamento da norma positiva; 3ª) axiológica, ausência norma justa, isto é, existe um preceito normativo, mas, se for aplicado, sua solução será insatisfatória ou injusta. 14 Mais adiante, a autora faz uma interessante colocação, demonstrando que a noção de lacuna, definitivamente, não pode se adstringir à pura e simples ausência de normas: Outro argumento que atesta a existência de lacunas no direito é a possibilidade de inadequação entre os subconjuntos componentes do sistema jurídico. Em razão da própria evolução interna de cada um, pode surgir uma situação indesejável em que a norma e o fato que lhe corresponde entrem em conflito com o valor ou com uma ideologia que os informa, quando o elemento fático em decorrência de uma mudança qualquer não mais atenda aos ditames ideológicos, ou quando a ideologia ou elemento valorativo, modificado por circunstâncias fáticas, entre em conflito com a norma. (DINIZ, 2009, p. 457) Conectando os ensinamentos apresentados ao caso da legislação processual trabalhista, percebemos que esta, por constituir sistema normativo especial, apresenta uma vasta gama de lacunas que, por óbvio, constantemente precisam ser supridas por alguma outra fonte do Direito. Em inúmeros temas, a matéria não é tratadaou é tratada pela legislação processual trabalhista de forma incompleta, se comparada à normatização processual civil, por exemplo. Nesse contexto, é fundamental realizar juízo valorativo: o legislador, ao regrar um instituto de determinada forma ou ao não disciplinar determinada temática, pretendeu afastar a possibilidade de integração normativa? Em outras palavras, temos que averiguar se estamos diante de uma real omissão ou de um “silêncio eloquente”. Sobre tal distinção jurídico-terminológica, Campos (2011, p. 349) analisa a situação em lição que, apesar de levar em conta elementos específicos, se aplica com perfeição à conceituação geral que ora se realiza: A tese é a seguinte: se a lei não disse, é porque não quis dizer. Ainda mais em se tratando de direito público, como é o caso do Constitucional. Exige-se um mínimo de segurança jurídica, de modo que não se atribua às autoridades públicas a faculdade de fazer algo que a lei não comanda. Se não há o comando constitucional pela reedição de medidas provisórias, isso não significa uma omissão ou uma inadvertência do legislador constituinte. Não disse, porque não quis dizer. Não se trata de uma lacuna, mas de um silêncio eloquente. A diferença entre uma e outra existe, dado que não há lacuna sempre que a lei se mantenha em silêncio. Pode haver o silêncio e não haver lacuna jurídica. Basta que a matéria seja do conhecimento do legislador; e, mesmo assim, ele não haja disposto sobre ela. Meireles (2016, p. 68-69) cita exemplo aplicável ao Processo Laboral: 15 Podemos, aqui, então, mencionar a hipótese da regra de nulidade processual. A CLT, em seu art. 795, estabelece a regra geral de que “as nulidades não serão declaradas senão mediante provocação das partes, as quais deverão argui-las à primeira vez em que tiverem de falar em audiência ou nos autos”. Já no § 1º estabeleceu uma exceção a essa regra, qual seja, de que cabe declarar “ex officio a nulidade fundada em incompetência de foro”. Aqui, a CLT teria esgotado a matéria. Previu a regra geral e estabeleceu uma exceção. O CPC de 2015, porém, contém a mesma regra geral em seu art. 278 isto é, de que “a nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão”. Contudo, de maneira mais abrangente, em seu parágrafo único, estabeleceu que “não se aplica esta disposição às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão provando a parte legítimo impedimento”. Ou seja, pelo CPC cabe ao juiz reconhecer toda e qualquer nulidade absoluta. Tal regra é mais abrangente do que aquela da CLT. Logo, poder-se-ia pensar em aplicação supletiva. Contudo, do que se extrai do texto da norma mais especial é que ela somente quis estabelecer uma exceção apenas, apesar de não ter sido expressa ou peremptória neste sentido. Teria, assim, o legislador mais especial esgotado a disciplina da matéria, afastando a incidência supletiva. O silêncio do legislador quanto a declaração de ofício de outras nulidades que não aquela mencionada na CLT, configuraria uma omissão eloquente, isto é, não se cuida de uma omissão propriamente dita, mas de regular a matéria de forma exaustiva, não deixando margem para a incidência de outras regras ampliativas, restritivas ou de exceção. Ou seja, antes de realizar a integração normativa, é essencial averiguar e se certificar da efetiva existência de lacunas. No mais, as soluções para o problema de integração normativa do Processo do Trabalho é temática que será enfrentada ao longo dos próximos capítulos do trabalho. Avancemos para mais um alicerce do corrente estudo. 2.3 Interpretação normativa Maximiliano (2011, p. 1), assim conceitua: Do confronto e da crítica das várias definições transcritas resultará talvez justificada a preferência pelo conceito seguinte, que é o transunto de todas elas, a Interpretação tem por objeto determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito. O sentido e o alcance das normas, como não poderia ser diferente, perpassa pela correta compreensão e aplicação conjugada de métodos hermenêuticos. Uma racional e bem desenvolvida interpretação é pressuposto fundamental para uma profunda análise jurídica. Nesse sentido, é conveniente uma sucinta exposição acerca do tema, ficando desde já esclarecido que a monografia não se prenderá a um ou outro método, 16 mas fará uso de todos eles, sempre que possível. Seguindo a linha de Leite (2012, p. 94- 97), Houaiss (2009), Dimoulis (2011, p. 147-152) e Ferraz Junior (2003, p. 286-294), passa-se a explicar. Pelo Método Gramatical, Textual ou Literal, busca-se descobrir o sentido das palavras empregadas no texto normativo, por meio de regras principalmente de gramática e linguística. A ordem e o modo com as palavras estão conectadas são aspectos considerados em tal método. Costuma-se dizer que tal método é o ponto de partida da interpretação. Pelo Método Lógico, busca-se desvendar o sentido e o alcance da norma com base em raciocínios lógicos. Testa-se a validade lógica da norma em diversas situações hipotéticas, fazendo uso das técnicas de lógica comum, a fim de que se chegue a uma interpretação consistente. Por exemplo, a averiguação de ausência de harmonia lógica entre normas pode ser capaz de atrair um menor rigor literal na hora da aplicação do Direito. Pelo Método Sistemático, as normas devem ser interpretadas em seu conjunto. A harmonização e a ponderação do conjunto normativo devem ser capazes de gerar uma relação de coerência ampla, na qual a análise do todo revela o sentido e o alcance de determinada norma. Ou seja, o sistema normativo precisa ser analisado como um todo, a fim de que se extraia uma interpretação harmônica e coerente da parte com o todo e vice- versa. É método complexo, pois exige amplo domínio e conhecimento do sistema normativo por parte do intérprete. Pelo Método Histórico, o processo legislativo e seus documentos, o contexto histórico/social de elaboração da norma, as normas anteriores, os debates prévios etc. são investigados e aplicados no desvendamento do sentido e do alcance da norma. Eis algumas perguntas que devem ser feitas pelo hermeneuta ao realizar a investigação atinente a este método: quais os motivos e qual a finalidade da elaboração da norma pelo legislador? Pelos Métodos Teleológico (sociológico) e Axiológico, temos como ponto de partida a ideia de teleologia (diz respeito ao estudo da finalidade ou dos fins humanos) e de axiologia (que, por sua vez, seria o estudo ou teoria de alguma espécie de valor). A partir dessas noções, o estudo agrupado dos métodos teleológico e axiológico, conforme disposto por Ferraz Junior (2003), faz-se bastante pertinente. Enquanto o método 17 teleológico busca alcançar uma interpretação das normas que gere uma aplicação coadunada com os fins sociais que a norma se propõe a albergar e com as exigências do bem comum, o método axiológico, necessariamente, busca desvendar os valores acobertados pela norma e que devem transparecer após a sua aplicação. De certo modo, um método complementa o outro, uma vez que a finalidade social da norma anda alinhada com os valores que esta pretende efetivar ou resguardar. Dimoulis (2011, p. 151) assim explica o método teleológico: O último método é a teleologia objetiva. Aqui o intérprete busca a finalidade social das normas jurídicas, tentando propor uma interpretação que seja conforme a cri- térios e exigências atuais. O raciocínio é o seguinte: ao criar a lei, o legislador pre- tendia tutelar determinados interesses ou bens e alcançar certas finalidades. Se entre a criação da lei e o momento atual houve mudanças sociais, devemos apli- car a norma após termos identificado qual seria a vontade do mesmo legislador se ele legislasse em nossos dias. Em outras palavras, essemétodo propõe interpre- tar a norma de acordo com aquilo que o legislador teria decidido se conhecesse a situação atual. Tenta-se, assim, atualizar os textos normativos pensando qual é o melhor caminho para alcançar, hoje, a finalidade que o legislador tinha estabeleci- do. Mesmo quando a lei não necessita de atualização e adaptação à situação atual, a teleologia objetiva pode ser empregada quando há dúvidas em relação ao seu sentido. Entre várias interpretações possíveis, deveríamos escolher aquela que melhor se ajusta à finalidade da lei. Por essa razão sustenta-se, frequentemente, que a interpretação teleológica não se atém à letra da lei e sim ao seu "espírito". Constitui, assim, um outro método para constatar a mens legis (a intenção ou o es- pírito da lei). Leite (2012, p. 97) ressalta: “[…] o método sociológico é o que mais se identifica com a gênese do direito processual do trabalho, a fim de que este possa, efetivamente, constituir-se em instrumento de realização de justiça social no campo das relações laborais.” Por fim, Leite (2012, p. 97-98) explica de forma sucinta, porém muito esclarecedora, a necessária Interpretação Conforme a Constituição: A interpretação conforme a Constituição permite que o intérprete, depois de esgotar todas as interpretações convencionais possíveis e não encontrando uma interpretação constitucional, mas, também, não contendo a norma interpretada nenhuma violência à Constituição Federal, verifique se é possível, pelo caráter axiológico da norma constitucional, levar a efeito algum alargamento ou restrição da norma que a compatibilize com a Carta Maior. É preciso lembrar, no entanto, que tal amplitude ou restrição da interpretação da norma não deve ser revestida de afronta à sua literalidade ou à vontade do legislador. Pode-se dizer que o princípio da interpretação, conforme a Constituição, permite uma renúncia ao formalismo jurídico e às interpretações convencionais em nome 18 da ideia de justiça material e da segurança jurídica, elementos tão necessários para um Estado Democrático de Direito. Entende-se que o objetivo de harmonizar a interpretação normativa com o texto constitucional já é suficiente contemplado por meio do uso do Método Sistemático. De qualquer sorte, a inserção da Interpretação Conforme à Constituição como método autônomo tem o papel importante de destacar e esclarecer tal necessidade do sistema (compatibilidade das normas com a Constituição), nem que seja para fins meramente didáticos. 2.4 Conflitos normativos Em definição livre, podemos entender que o conflito normativo ocorre quando duas ou mais disposições normativas que versem sobre a mesma matéria, de forma real ou aparente, são aptas a incidir sobre determinado caso. Guimarães (2012, p. 87) assim explica: Antinomia – Contradição ou conflito, total ou parcial, entre duas leis que versem sobre a mesma matéria, entre duas disposições de uma mesma lei ou entre duas decisões, cuja solução não se prevê na ordem jurídica. Para que se caracterize a antinomia, é preciso: 1) que as normas em conflito sejam realmente jurídicas; 2) que estejam em vigor; 3) integrem a mesma ordem jurídica; 4) emanem de autoridade competente num mesmo sistema de referência normativo, prescrevendo comandos ao mesmo sujeito; 5) o conteúdo de cada uma tem de negar a da outra; 6) não disponha de critério para solucionar o conflito a pessoa incumbida de fazê-lo. Resumindo, são necessários três pressupostos essenciais: incompatibilidade, indecidibilidade e necessidade de decisão. A antinomia pode ser: real, quando se verifica a impossibilidade de se conciliar duas leis, a atual e a antiga, ficando uma tacitamente derrogada; aparente, quando existem, simultaneamente, dentro da mesma lei disposições antagônicas ou colidentes. Resolve-se pelos critérios da hierarquia das normas (lex superior derogat legi inferior), da especialidade (lex specialis derogat legi generali), e pelo cronológico (lex posterior derogat legi priori). A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB (BRASIL, 1942) estabelece expressamente os critérios cronológico e da especialidade: Art. 2º […] § 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. 19 […] O critério hierárquico, no caso, decorre da força normativa da Constituição e dos diferentes graus de força das normas existentes no ordenamento jurídico. No caso, supondo normas de mesma hierarquia, observa-se que a LINDB estipula que somente existe conflito normativo: a)entre normas gerais ou entre normas especiais, nunca entre norma especial e norma geral; b)quando norma posterior disciplinar a matéria de forma incompatível com o tratamento dado pela norma anterior ou quando norma posterior regular inteiramente a matéria antes regulada por outra norma. Em algumas situações, as soluções tradicionais acima previstas se mostram satisfatórias e manifestamente aplicáveis. Por outro lado, nem sempre é tão fácil diferenciar norma especial e geral; ou saber quando a norma nova é incompatível com a norma antiga; ou compreender que a matéria foi inteiramente regulada pela norma nova. Existe um vasto campo de dúvidas, muito propiciado pelo fato de legislações novas deixarem de revogar expressamente disposições das leis antigas. A resolução de tais questões nebulosas passa, necessariamente, pela interpretação das normas conflitantes. Deve-se evitar concluir pelo conflito entre as normas e pela consequente revogação de uma delas sem antes realizar profundo e analítico estudo do sentido e do alcance das normas conflitantes. Em um ordenamento jurídico complexo e com uma infinidade de normas, deve-se buscar ao máximo a harmonização entre os dispositivos conflitantes. A revogação precipitada de uma norma em face de outra pode gerar efeitos adversos e imprevistos, haja vista a coexistência, no Brasil, de inúmeros microssistemas normativos. Sobre o tema, Maximiliano (2011, p. 110) assim fundamenta e explica: 140 - Não se presumem antinomias ou incompatibilidades nos repositórios jurídicos; se alguém alega a existência de disposições inconciliáveis, deve demonstrá-la até a evidência (1). Supõe-se que o legislador, e também o escritor do Direito, exprimiram o seu pensamento com o necessário método, cautela, segurança; de sorte que haja unidade de pensamento, coerência de ideias; todas as expressões se combinem e harmonizem. Militam as probabilidades lógicas no sentido de não existirem, sobre o mesmo objeto, disposições contraditórias ou entre si incompatíveis, em repositório, lei, tratado, ou sistema jurídico. Não raro, à primeira vista duas expressões se contradizem; porém, se as examinarmos atentamente (subtili animo), descobrimos o nexo culto que as concilia. É quase sempre possível integrar o sistema jurídico; descobrir a correlação entre as regras aparentemente antinômicas (2). 20 Sempre que descobre uma contradição, deve o hermeneuta desconfiar de si; presumir que não compreendeu bem o sentido de cada um dos trechos ao parecer inconciliáveis, sobretudo se ambos se acham no mesmo repositório (3). Incumbe- lhe preliminarmente fazer tentativa para harmonizar os textos; a este esforço ou arte os Estatutos da Universidade de Coimbra, de 1772, denominavam Terapêutica Jurídica (4). Modernamente, tal forma de pensar encontra desenvolvimento e amparo na chamada Teoria do Diálogo das Fontes, sobre a qual passaremos a tratar. 2.5 Diálogo das fontes Tartuce (2011, p. 57) apresenta brevíssimo históricoe as linhas gerais da Teoria do Diálogo das Fontes: A tese do diálogo das fontes foi desenvolvida na Alemanha por Erik Jayme, professor da Universidade de Helderberg, trazida ao Brasil por Cláudia Lima Marques, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A essência da teoria é que as normas jurídicas não se excluem – supostamente porque pertencentes a ramos jurídicos distintos -, mas se complementam. Como se pode perceber há nesse marco teórico, do mesmo modo, a premissa de uma visão unitária do ordenamento jurídico. Marques (2004, p. 42), enfocando no relacionamento entre o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor, assim preceitua: Diálogo pressupõe o efeito útil de dois (di) e uma lógica ou fala (logos), enquanto o ‘conflito’ leva a exclusão de uma das leis e bem expressa a mono-solução ou o ‘monólogo’ de uma só lei. Este esforço para procurar novas soluções plurais está visando justamente evitar-se a ‘antinomia’ (conflitos ‘pontuais’ da convergência eventual e parcial do campo de aplicação de duas normas no caso concreto) pela correta definição dos campos de aplicação. Evitar, assim, a ‘incompatibilidade’ total (‘conflitos de normas’ ou conflitos entre normas de duas leis, conflitos ‘reais’ ou ‘aparentes’), que leve a retirada de uma lei do sistema, a qual levaria a ‘não- coerência’ do sistema plural brasileiro, que deixaria desprotegido os sujeitos mais fracos, que a Constituição Federal de 1988 visou proteger de forma especial, os consumidores. O raciocínio se aplica com precisão na apreciação da interação entre as normas pensadas sob a lógica do Direito Processual Civil e aquelas insculpidas especificamente para o Direito Processual do Trabalho. De um certo modo, em tais casos o escopo da análise reside basicamente em saber compreender e delinear o espaço próprio de uma norma considerada especial e de outra considerada geral, a fim de afastar eventuais conflitos. 21 Marques (2004, p. 45-46), muito inspirada em Jayme (1995 apud MARQUES, 2004), aponta os três tipos de diálogos possíveis: 1) na aplicação simultânea das duas leis, uma lei pode servir de base conceitual para a outra (diálogo sistemático de coerência), especialmente se uma lei é geral e a outra especial; se uma é a lei central do sistema e a outra um microssistema específico, não-completo materialmente, apenas com completude subjetiva de tutela de um grupo da sociedade. Assim, por exemplo, o que é nulidade, o que é pessoa jurídica, o que é prova, decadência, prescrição e assim por diante, se conceitos não definidos no microssistema (como vêm definidos consumidor, fornecedor, serviço e produto nos Art. 2,17,29 e 3 do CDC), terão sua definição atualizada pelo entrada em vigor do CC/2002; 2) na aplicação coordenada das duas leis, uma lei pode complementar a aplicação da outra, a depender de seu campo de aplicação no caso concreto (diálogo sistemático de complementariedade e subsidiariedade em antinomias aparentes ou reais), a indicar a aplicação complementar tanto de suas normas, quanto de seus princípios, no que couber, no que for necessário ou subsidiariamente. Assim, por exemplo, as cláusulas gerais de uma lei podem encontrar uso subsidiário ou complementar em caso regulado pela outra lei. Subsidiariamente o sistema geral de responsabilidade civil sem culpa ou o sistema geral de decadência podem ser usados para regular aspectos de casos de consumo, se trazem normas mais favoráveis ao consumidor. Este ‘diálogo’ é exatamente contraposto, ou no sentido contrário da revogação ou abrogação clássicas, em que uma lei era ‘superada’ e ‘retirada’ do sistema pela outra. Agora há escolha (pelo legislador, veja art. 777, 721 e 732 da Lei 10.406/2002, ou pelo juiz no caso concreto do favor debilis do Art. 7 do CDC) daquela que vai “complementar” a ratio da outra (veja também art. 729 da Lei 10.406/2002 sobre aplicação conjunta das leis comerciais); 3) há o diálogo das influências recíprocas sistemáticas, como no caso de uma possível redefinição do campo de aplicação de uma lei (assim, por exemplo, as definições de consumidor stricto sensu e de consumidor equiparado podem sofrer influências finalísticas do novo Código Civil, uma vez que esta lei nova vem justamente para regular as relações entre iguais, dois iguais-consumidores ou dois iguais-fornecedores entre si, no caso de dois fornecedores tratam-se de relações empresariais típicas, em que o destinatário final fático da coisa ou do fazer comercial é um outro empresário ou comerciante), ou como no caso da possível transposição das conquistas do Richterrecht (Direito dos Juízes) alcançadas em uma lei para a outra. É a influência do sistema especial no geral e do geral no especial, um diálogo de double sens (diálogo de coordenação e adaptação sistemática). (grifo nosso) Como se percebe, seja a partir da lição clássica de Carlos Maximiliano, seja por meio da Teoria do Diálogo das Fontes, devem-se empreender esforços no sentido de evitar antinomias no sistema normativo. Dentro da zona cinzenta mais acima destacada (saber o que é norma especial ou geral; o que é regular inteiramente a matéria; e o que é regular a matéria de forma incompatível com a norma anterior), existe um generoso espaço para interpretações que garantam a coexistência harmoniosa de normas possivelmente antinômicas. Tal forma de pensar será adotada ao longo do trabalho. Apresentado o arcabouço teórico básico do presente trabalho, é chegada a hora de avançar. 22 3 ANÁLISE DOS ARTIGOS 769 E 889 DA CLT Nesta sessão analisaremos o conteúdo e o alcance das disposições normativas processuais trabalhistas atinentes ao âmbito de aplicação e integração do Direito Processual Laboral. 3.1 Âmbito de aplicação das normas processuais trabalhistas Preliminarmente, é importante definirmos as hipóteses que atraem a incidência das normas processuais trabalhistas. Seguindo tal linha, o art. 643, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943), com a redação dada pela Lei 7.494/1986 (BRASIL, 1986), estipula um panorama geral acerca da matéria: Art. 643 - Os dissídios, oriundos das relações entre empregados e empregadores bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente Título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho. […] Com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004 (BRASIL, 2004) – que tornou a Justiça do Trabalho competente para processar e julgar, além de outras questões, os conflitos decorrentes das relações de trabalho, e não mais apenas das relações de emprego -, o Tribunal Superior do Trabalho (BRASIL, 2005) buscou pacificar ou ao menos orientar no sentido de que o Direito Processual do Trabalho e seus procedimentos se aplicam a todas as ações ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, ressalvando-se apenas a prevalência de procedimentos especiais: Art. 1º As ações ajuizadas na Justiça do Trabalho tramitarão pelo rito ordinário ou sumaríssimo, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, excepcionando-se, apenas, as que, por disciplina legal expressa, estejam sujeitas a rito especial, tais como o Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Habeas Data, Ação Rescisória, Ação Cautelar e Ação de Consignação em Pagamento. Pode-se perceber, a partir do exposto acima, que o elemento definidor da aplicação das normas processuais trabalhistas é, portanto, o trâmite da ação perante a Justiça do Trabalho. Ou seja, aparentemente a legislação e o Tribunal Superior do 23 Trabalho atrelam a competência da Justiça do Trabalho à aplicabilidade das normas processuais trabalhistas. Tal linhade raciocínio parece ser realmente a mais acertada, se for levado em conta o disposto em outras leis que regulam o Processo do Trabalho (Decreto-Lei 779/1969 e Lei 5.584/1970): Art. 1º Nos processos perante a Justiça do Trabalho, constituem privilégio da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das autarquias ou fundações de direito público federais, estaduais ou municipais que não explorem atividade econômica: […] (BRASIL, 1969, grifo nosso) Art 1º Nos processos perante a Justiça do Trabalho, observar-se-ão os princípios estabelecidos nesta lei. (BRASIL, 1970, grifo nosso) Entretanto, devemos levar em conta o elemento teleológico para compreender melhor o escopo das normas processuais trabalhistas e, consequentemente, do Direito Processual do Trabalho. A legislação especial trabalhista existe com o fito de oferecer uma tutela diferenciada aos conflitos individuais e coletivos envolvendo as relações de trabalho. Assim, atrela-se o âmbito de aplicação das normas processuais trabalhistas aos feitos veiculados perante a Justiça do Trabalho, pois se parte do pressuposto (verdadeiro) de que esta Especializada é a competente para tratar desse tipo de lide. É mais fácil e objetivo vincular a aplicação da norma ao trâmite do processo na Justiça Obreira, do que especificar os tipos de litígio que atrairiam a incidência das normas processuais trabalhistas1. Seguindo esse entendimento, Schiavi (2013, p. 110-111) tece relevantes ponderações: Para nós, o Direito Processual do Trabalho conceitua-se como o conjunto de princípios, normas e instituições que regem a atividade da Justiça do Trabalho, com o objetivo de dar efetividade à legislação trabalhista e social, assegurar o acesso do trabalhador à Justiça e dirimir, com justiça, o conflito trabalhista. […] A legislação processual trabalhista visa a impulsionar o cumprimento da legislação trabalhista, e também da legislação social que não se ocupa só do trabalho subordinado, mas do trabalhador, ainda que não tenha um vínculo de emprego, mas que vive de seu próprio trabalho. Nesse sentido foi a dilatação da competência material da Justiça do Trabalho dada pela EC n. 45/04 para abranger as controvérsias oriundas e decorrentes da relação de trabalho. 1 Assim, em caso de deslocamento da competência tipicamente trabalhista da Justiça do Trabalho para outro ramo da Justiça (Justiça Federal, por exemplo), entende-se, por conta da interpretação teleológica, que as normas processuais trabalhistas permaneceriam sendo aplicadas a tais lides. Tal compreensão parte da ideia de que o atrelamento das normas processuais trabalhistas aos feitos tramitantes na Justiça Laboral existe enquanto esta for competente para a apreciação das lides trabalhistas. Havendo modificação desse estado de coisas, deve ser repensado o âmbito de aplicação do Direito Processual do Trabalho. 24 Assim como o Direito do Trabalho visa à proteção do trabalhador e à melhoria de sua condição social (art. 7º, caput, CF), o Direito Processual do Trabalho tem sua razão de existência em propiciar o acesso dos trabalhadores à Justiça, visando a garantir os valores sociais do trabalho, a composição justa do conflito trabalhista, bem como resguardar a dignidade da pessoa humana do trabalhador. Diante do que foi exposto, podemos compreender o Direito Processual do Trabalho como sendo o ferramental adequado, fornecido pelas fontes do Direito, para o processamento e para o oferecimento de uma solução justa e efetiva para os conflitos individuais e coletivos envolvendo as relações de trabalho. 3.2 Princípio da adequação A partir do conceito de Direito Processual do Trabalho, temos que ter em mente que a legislação específica que rege tal ramo do Direito existe, em tese, com o fito de ofertar uma normatização mais adequada do que a legislação processual comum para a pacificação dos conflitos laborais. Ou seja, quando a Consolidação das Leis do Trabalho – principal diploma normativo do Processo Trabalhista - regulou o “Processo Judiciário do Trabalho”, sem dúvidas o fez com a evidente pretensão de oferecer um regramento mais compatível com os valores e com o direito que se pretende tutelar por meio do Processo Laboral, no caso, o Direito Material do Trabalho. Se não fosse esse o objetivo, não teria porque o legislador ter se incursionado a elaborar toda uma legislação especializada. Tal forma de compreender as coisas encontra amparo na própria Constituição Federal de 1988 que, ao prever os Princípios da Inafastabilidade da Jurisdição (art. 5º, XXXV) e do Devido Processo Legal (art. 5º, LIV), garante a existência, mesmo que implícita, do Princípio da Adequação: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; […] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (BRASIL, 1988) 25 Ora, o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, também conhecido como Princípio do Acesso à Justiça ou do Direito de Ação, é decorrência lógica do monopólio estatal da jurisdição2. Por ser necessário, via de regra, o recurso ao Judiciário para reparar lesão ou prevenir ameaça a direito, deve tal direito fundamental de Acesso à Justiça ser exercido de forma facilitada (sem obstáculos desarrazoados) e, ato contínuo, deve o Estado oferecer a melhor resposta por meio do procedimento o mais adequado possível. Já a cláusula geral do Devido Processo Legal, verdadeiro princípio mestre de todos os direitos fundamentais processuais previstos na Constituição Federal, evidencia a noção de que deve haver sempre um devido processo, ou seja, um ajustado/adequado processo3. Didier Júnior (2015, p. 114-115) sintetiza o Princípio da Adequação e elucida a sua origem normativa: O princípio da adequação pode ser visualizado em três dimensões: a) legislativa, como informador da produção legislativa das regras processuais; b) jurisprudencial, permitindo ao juiz, no caso concreto, adaptar o procedimento às peculiaridades da causa que lhe é submetida; c) negocial: o procedimento é adequado pelas próprias partes, negocialmente. No segundo e no terceiro casos, a adequação é feita in concreto, em um determinado processo; há quem prefira, assim designar o fenômeno de adaptabilidade, flexibilidade ou elasticidade do processo. Inicialmente, a própria construção legislativa do processo deve ser feita tendo-se em vista a natureza e as peculiaridades do seu objeto; o legislador deve atentar para essas circunstâncias, pois um processo inadequado ao direito material pode importar verdadeira negação da tutela jurisdicional. O princípio da adequação não se refere apenas à estruturação do procedimento. A tutela jurisdicional há de ser adequada; o procedimento é apenas uma forma de encarar esse fenômeno. O princípio da inafastabilidade da jurisdição […] garante uma tutela adequada à realidade de direito material, ou seja, garante o procedimento, a espécie de cognição, a natureza do provimento e os meios executórios adequados às peculiaridades da situação litigiosa. Do princípio da inafastabilidade, é possível retirar o princípio da adequação. Também é possível retirá-lo do direito fundamental a um processo devido: processo devido é processo adequado. Lembre-se que o devido processo legal é uma cláusula geral, de onde se podem retirar outros princípios, tal como o da adequação. 2 “Evoluindo e fortalecendo-se, o Estado reservou-se a função, antes cometida às partes e aos árbitros particulares, de resolver as lides. Assumiu o monopólio da dicção do direitoe de sua aplicação in concreto, assim como já o fizera relativamente à administração da res publica e à elaboração das leis.” (LIMA, 2013, p. 234) 3 A interpretação ampliativa e, sem dúvidas, criativa dos direitos e garantias fundamentais encontra fundamento na própria Constituição Federal, que, em seu art. 5º, §2º, assim estabelece: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.” (BRASIL, 1988) 26 Assim, por sua própria razão de existir, a normatização processual laboral foi eleita pelo legislador como sendo, em tese, a mais adequada para o processamento das lides decorrentes das relações de trabalho. Entretanto, conforme visto, a compreensão da adequação da norma, à luz da Constituição Federal, não é tarefa exclusiva do legislador, uma vez que também incumbe ao Poder Judiciário verificar a adequação normativa, no caso concreto. 3.3 Incompletude do sistema processual trabalhista Como toda normatização especial, a legislação processual trabalhista não traz consigo a pretensão de completude. A disciplinação diferenciada raramente precisa modificar ou ressignificar todos os institutos ordinários para atender à finalidade para a qual foi pensada. A lacunosidade do sistema processual trabalhista é algo natural, portanto. Corroborando tal linha de raciocínio, Chaves (2007, p. 25) assim pontua: É plenamente justificável que um subsistema processual, formatado para imprimir especialidade à jurisdição social não tenha, efetivamente, o escopo de regular todas as dimensões do panorama processual, notadamente quando sabemos que a teoria geral do processo é tronco comum a todos os subsistemas processuais. O sentido ontológico da própria legislação processual especializada é dispor sobre institutos que garantem o desenvolvimento da jurisdição em razão dos escopos de sua existência: a realização e a efetividade do direito social disposto no plano material. Por essa razão, é muito frequente o manejo de institutos do processo comum no processo do trabalho, mormente naqueles compartimentos em que não há expressa previsão na lei processual trabalhista e é com ela manifestamente compatível. A partir do cotejo entre a especialidade da legislação processual trabalhista e a inafastável necessidade de integrar o sistema garantido-lhe completude é que surgem as disposições atinentes à aplicação subsidiária e/ou supletiva do direito processual comum. 3.4 Art. 769 da CLT4 4 Neste momento, analisaremos o dispositivo sem levar em conta os possíveis impactos causados pelo art. 15 do CPC/2015. 27 Diante da lacunosidade do Direito Processual do Trabalho, o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho5 consignou, como regra geral acerca da matéria – aplicável diretamente à fase de conhecimento e complementarmente à fase de liquidação/execução -, que a aplicação subsidiária do direito processual comum (e, é importante adiantar, “direito processual comum” não se resume ao Código de Processo Civil) deve observar a existência de: omissão nas normas processuais trabalhistas (CLT, Lei 5.584/1970, Decreto-Lei 779/1969 etc.); e compatibilidade entre a legislação processual comum e o sistema processual trabalhista. A respeito do tema, Cordeiro (2007, p. 12) assim analisa: Toda a norma reguladora da aplicação subsidiária do direito processual civil ao direito processual do trabalho foi edificada visando à preservação da autonomia da disciplina laboral. Partiu-se da premissa básica de que o texto da CLT, embora diminuto, enfeixava uma série de características passíveis de instrumentalizar o direito material de maneira bem mais efetiva que o direito processual civil. Via-se, portanto, a inserção do processo civil no âmbito da disciplina laboral, apenas como uma necessidade de ordem prática, tendo em vista o já reconhecido laconismo da codificação trabalhista. (…) A estrutura normativa das regras de subsidiariedade, portanto, foi edificada no âmbito de uma postura defensiva da autonomia do direito processual trabalhista e de um processo mais eficaz para a materialização das garantias do direito material respectivo. Ao se utilizar a expressão “... exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título” (CLT, art. 769, parte final), buscou o legislador preservar os elementos pontuais de otimização do processo implementados e evitar uma invasão do formalismo típico do direito processual civil. Leite (2012, p. 100-101) destaca a ideia originária de “contenção” embutida no art. 769 da CLT: O processo do trabalho surgiu da necessidade de se implementar um sistema de acesso à Justiça do Trabalho que fosse, a um só tempo, simples, rápido e de baixo custo para os seus atores sociais. Daí a necessidade de uma cláusula de contenção das normas do processo civil, o qual somente seria aplicado subsidiariamente em duas situações: existência de lacuna no sistema processual trabalhista e compatibilidade da norma a ser transplantada com os seus princípios peculiares (CLT, art. 769). Afinal, quando o art. 769 da CLT foi editado (1943), o “direito processual comum”, que poderia ser aplicado como “fonte subsidiária” do processo do trabalho, era o Código de Processo Civil de 1939. A leitura dos doutrinadores acima revela o rumo acertado do raciocínio desenvolvido quando se falou acerca do princípio da adequação. O Direito Processual do 5 “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.” (BRASIL, 1943) 28 Trabalho existe com a pretensão de oferecer respostas jurídicas mais adequadas à tutela jurisdicional das relações laborais. Partindo dessa premissa, o artigo 769 da CLT traz em si a ideia de barrar invasões normativas inconvenientes e deturpadoras à adequação das normas processuais laborais. Trata-se, realmente, de uma norma de contenção e seu objetivo – ao contrário do que pode parecer a uma primeira leitura - não é o de afirmar a prevalência cega e inócua das normas processuais trabalhistas. Prosseguindo na apreciação do tema, a noção de omissão e compatibilidade é relevante para a compreensão do dispositivo. 3.5 Omissão Com base nos conceitos apresentados quando da análise da integração normativa, temos que a omissão ou lacuna pode ser parcial ou total. Reforça tal pensamento o sentido da expressão subsidiariedade que, segundo Houaiss (2009), seria o “que subsidia, ajuda, socorre”, “que reforça, aumenta, contribui” ou “que reforça ou dá apoio a (algo anteriormente apresentado)”. Ou seja, tanto a omissão total (ausência completa de normas sobre determinada matéria) como a omissão parcial (existência de normas, porém em magnitude insuficiente para tutelar de forma adequada o tema) seriam em tese aptas a atrair a aplicação subsidiária do direito processual comum. Importante ressaltar, ainda, que a omissão apta a atrair a integração seria apenas a normativa. As omissões ontológicas e axiológicas, na realidade, não dariam ensejo a uma integração propriamente dita, mas sim a um afastamento da normatização processual trabalhista em prol da aplicação de outras normas. Podemos dizer que nesse caso teríamos aplicação substitutiva e não integração normativa. Nada impede, entretanto, que, por força do corrente uso do termo, falemos de integração das lacunas ontológicas e axiológicas. Nessa linha, para concluir pela existência de lacunas, temos que fazer um juízo comparativo e de valor. No caso da omissão total, determinada matéria só pode ser tida como não regulada pelas normas processuais trabalhistas, caso seja devidamente tratada pelas normas processuais comuns. A configuração da omissãodepende, ainda, do entendimento de que não houve “silêncio eloquente” do legislador, ou seja, de que não 29 houve omissão proposital justamente com o intuito de afastar a incidência da matéria não tratada pelo Processo do Trabalho. Maior relevo merece a noção de omissão parcial. Algo só pode ser considerado incompleto se comparado com outra coisa, considerada mais completa. Algo só pode ser considerado incompleto, se entendermos que não houve “silêncio eloquente” do legislador no trato supostamente incompleto da matéria (temos que averiguar se o legislador não pretendeu exaurir o tema daquele modo, afastando implicitamente quaisquer normatizações complementares). Tomando por inspiração Bebber (2014, p. 182), um exemplo vem a calhar acerca da integração por omissão parcial. A Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1943), com redação dada pela Lei 9.957/2000 (BRASIL, 2000) e pela Lei 13.015/2014 (BRASIL, 2014), assim regula o recurso de embargos de declaração: Art. 897-A Caberão embargos de declaração da sentença ou acórdão, no prazo de cinco dias, devendo seu julgamento ocorrer na primeira audiência ou sessão subseqüente a sua apresentação, registrado na certidão, admitido efeito modificativo da decisão nos casos de omissão e contradição no julgado e manifesto equívoco no exame dos pressupostos extrínsecos do recurso. § 1º Os erros materiais poderão ser corrigidos de ofício ou a requerimento de qualquer das partes. § 2º Eventual efeito modificativo dos embargos de declaração somente poderá ocorrer em virtude da correção de vício na decisão embargada e desde que ouvida a parte contrária, no prazo de 5 (cinco) dias. § 3º Os embargos de declaração interrompem o prazo para interposição de outros recursos, por qualquer das partes, salvo quando intempestivos, irregular a representação da parte ou ausente a sua assinatura. Já o revogado Código de Processo Civil de 1973 (BRASIL, 1973) se destaca, ao normatizar o mencionado recurso, por prever a hipótese de cabimento por “obscuridade” na decisão embargada (art. 535, I, CPC/73) e por estipular a possibilidade de aplicação de multa quando os embargos forem considerados manifestamente protelatórios (art. 538, parágrafo único, CPC/1973). No caso, a disciplina do CPC/1973, naquilo em que era mais completa do que a CLT, sempre foi invocada para integrar o sistema processual trabalhista, conforme se extrai dos arestos a seguir: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VÍCIOS DOS ARTS. 897-A DA CLT E 1.022 DO CPC DE 2015. AUSÊNCIA 1. A finalidade dos embargos de declaração no processo trabalhista é a emissão de um juízo integrativo-retificador da decisão impugnada ou o reexame dos pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso julgado (CLT, art. 897-A; CPC/2015, art. 1.022). Destinam-se, em princípio, a sanar tão somente deficiências formais da decisão embargada. 2. Salvo a presença efetiva de contradição, omissão, obscuridade ou equívoco 30 patente no exame da admissibilidade, os embargos de declaração não ostentam natureza infringente do julgado. 3. Embargos de declaração a que se nega provimento. (BRASIL, 2016c) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INTUITO PROTELATÓRIO. APLICAÇÃO DE MULTA. Embargos rejeitados, diante da ausência dos pressupostos do artigo 897-A da Consolidação das Leis do Trabalho. Quando opostos com intuito meramente protelatório, devem ser repelidos e autorizam a aplicação da multa prevista no art. 538, parágrafo único, do Código de Processo Civil. (BRASIL, 2016a) Tal exemplo revela que a omissão parcial acaba sendo, na realidade, a hipótese mais recorrente a atrair a integração do sistema processual trabalhista, haja vista que este raramente é completamente omisso em relação a determinada matéria. Bebber (2014, p. 182-183) explica que tal integração costuma ser realizada de forma bastante ampla em determinados temas, ao mesmo tempo em que persiste uma contraditória resistência doutrinária/jurisprudencial em relação a outras questões: Além disso, utilizamos também de normas conjugadas e da supletividade. Vejam que fazemos uma conjunção, uma mescla de dispositivos da CLT com dispositivos do CPC. Fazemos isso, por exemplo, no art. 801, que trata dos casos de impedimento, suspeição do juiz. Fazemos uma mescla com os arts. 134 e 135 do CPC, em alguns de seus incisos, porque o restante já está no art. 801. Vejam que fazemos isso nas hipóteses de suspeição, incapacidade e impedimento de testemunhas, já tratadas no art. 829, e conjugamos com o art. 405 do CPC. Há algumas discussões que se estabelecem dizendo que, quando aplicamos norma do Código de Processo Civil, não podemos trazer parte dele. Estou mencionando hipótese em que fazemos isso. Na remessa necessária, temos Decreto-Lei n.º 779/69 e trazemos do CPC só o § 2.º e o § 3.º do art. 475. Alguns, a propósito, passam a dizer: “Tudo bem. Podemos, então, trazer um parágrafo, desde que seja inteiro; o que não podemos fazer é trazer um pedaço”, que é o que se faria se aplicássemos o art. 475-J, porque tudo já está disciplinado no art. 880 da CLT. Se fôssemos aplicar o 475-J, dele traríamos só a multa de 10%. Isso, não podemos fazer, trazer só um pedaço. Essa aplicação supletiva, não podemos fazer. Mas isso não é verdade. Fazemos isso, e o fazemos quando admitimos embargos de declaração por obscuridade. O art. 897-A fala que podemos. Temos embargos de declaração para as hipóteses de omissão, contradição e manifesto equívoco no exame dos pressupostos recursais. Não fala de obscuridade. Quando aplicamos o 535, estamos trazendo para o processo do trabalho somente a obscuridade. Pois bem. Delineada a ideia de omissão, remanesce o aprofundamento do requisito da compatibilidade. 3.6 Compatibilidade do direito processual comum 31 Uma vez identificada uma omissão total ou parcial, é necessário realizar o juízo de compatibilidade da norma que se pretende importar. Nessa toada, temos que levar em conta que a omissão se configura em face do direito processual comum. Direito processual comum deve ser entendido como sendo o direito processual não-trabalhista. Assim, a identidade costumeiramente feita pela doutrina e jurisprudência entre direito processual comum e código de processo civil é equivocada, seja pela literalidade do art. 769 da CLT, seja pelo fato de que tal interpretação restringe indevidamente e, normalmente, “maleficamente” o alcance da integração normativa aplicável ao Direito Processual do Trabalho. Nesse sentido, temos diversas normas exógenas aptas a servirem de parâmetro para a aferição da existência de omissão no Processo do Trabalho. Por consequência, é possível vislumbrar, por exemplo, que o Direito Processual do Trabalho é omisso no trato de determinada matéria, tanto em relação à disciplina do Código de Processo Civil, quanto em relação à normatização dada por algumas das Leis dos Juizados Especiais – Lei 9.099/1995 (BRASIL, 1995), Lei 10.259/2001 (BRASIL, 2001) e Lei 12.153/2009 (BRASIL, 2009). Desse modo, em inúmeros casos em que existentes lacunas no Processo Laboral, poderemos ter mais de uma norma do direito processual comum em tese compatível com a normatização processual trabalhista. Em tal cenário, é fundamental densificar a noção de compatibilidade, a fim de que possamos ter critérios para averiguar não só a compatibilidade de determinada norma, mas sim, diante de um conjunto de normas, qual seria a norma mais compatível com o processo do trabalho. Para tanto, parte-se do pressuposto de que a norma (mais) compatível com o Processo do Trabalho é aquela que (mais) se alinha com os fundamentos existenciais do Direito Processual do Trabalho e/ouaquela que garante a melhor observância, por este ramo especializado, dos princípios constitucionais processuais. Oliveira (2016, p. 63) destaca que o Processo do Trabalho se marca pelo fato de sua instrumentalidade voltada à proteção do trabalhador, pela simplicidade e pela celeridade. 32 Assim, levando em conta o ensinamento do autor e outras diretrizes e ideias, podemos entender que o Processo Laboral possui como principais características as seguintes. Informalidade, Simplicidade e Oralidade6 que, segundo Schiavi (2013, p. 120- 127), seriam ilustradas pela menor burocracia, maior simplicidade e maior agilidade do que o sistema de processo comum, com possibilidades de utilização da palavra oral, uso de linguagem mais acessível e prática de atos processos de forma mais simples, objetiva e concentrada. Exemplos: possibilidade de petição inicial e contestação verbais; ausência de “despacho” (decisão) de recebimento da inicial; capacidade postulatória das partes; concentração dos atos processuais em audiência (por se tratar de diretriz geral, a ideia de concentração deve permear todo o procedimento, e não só os atos praticados em audiência); irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias etc.; Busca pela conciliação como modo de solução dos conflitos trabalhistas. Segundo Leite (2012, p. 87-88), a aptidão para a conciliação é um alicerce histórico do processamento das lides perante a Justiça do Trabalho, revelando-se por meio da possibilidade de solução consensual a qualquer tempo e pela necessária tentativa conciliatória que deve ser promovida pelo magistrado no início da audiência inaugural e renovada antes de o feito estar apto para julgamento; Tratamento diferenciado à parte hipossuficiente (trabalhador) em alguns pontos, circunstância que demonstra, segundo Leite (2012, p. 80-83) o reflexo da hipossuficiência do trabalhador (pilar do Direito do Trabalho) na normatização processual trabalhista (instrumento de efetivação do direito material). Exemplos: inexigibilidade do depósito recursal para o recurso do trabalhador, mas somente para o apelo empresarial; a ausência do trabalhador à audiência inicial gera o arquivamento do feito, enquanto a ausência da empresa acarreta a revelia e a confissão quanto à matéria de fato etc.; Celeridade7, que se materializa no Processo do Trabalho por meio da Informalidade, Simplicidade e Oralidade e também por meio da majoração dos poderes do juiz na condução do processo laboral, conforme destacado por Schiavi (2013, p. 127) e 6 Apresentar-se-á os três princípios em bloco, pois compreende-se que existe excessiva conexão e interdependência entre os referidos, ao ponto de se considerar que a apresentação especificada de cada um resultaria em uma divisão artificial e que geraria sobreposição de ideias similares. 7 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.” (BRASIL, 1988) 33 evidenciado/corroborado pelo artigo 765 da CLT (BRASIL, 1943): “Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas”8; Efetividade9, haja vista que a concretização da tutela jurisdicional é objetivo almejado por todo e qualquer processo e que deve, diante do objeto tipicamente tutelado pela Justiça do Trabalho (crédito de natureza alimentar decorrente da relação de trabalho), ter enfoque ainda mais privilegiado. A efetividade, tal como a celeridade, é enfatizada/garantida pela liberdade atribuída ao magistrado na condução do processo (artigo 765 da CLT, supratranscrito); Respeito ao contraditório e à ampla defesa10 adequados, seja, devidamente adaptados às demais linhas mestras que peculiarizam o Processo do Trabalho. Assim, o exercício do contraditório e da ampla defesa deve ocorrer da forma mais concentrada possível (deve-se evitar que o seu exercício seja subdividido em inúmeros momentos ideais, tal como no Processo Civil) e por períodos estritamente necessários, a fim de que se harmonize a sua observância com o ideal de oferecer, com rapidez, uma solução justa e efetiva às lides decorrentes das relações de trabalho. O contraditório e a ampla defesa 8 Furtado (2007, p. 62) tece importantes ponderações em torno da “razoável duração do processo” (expressão a qual a presente monografia adotou como sinônima de celeridade): “Importa também, para que se tenha uma visão bem abrangente dos dois lados da moeda da plena adoção do processo devido, que se coteje o modo de tramitar do processo de forma dicotômica, vale dizer, que não só seja buscada a razoável duração do processo, como também venha a ser evitada a rapidez exagerada, que chega a gerar o cerceamento de defesa e o atropelamento de fases processuais inafastáveis para uma escorreita aplicação do processo justo. Não, em absoluto, não é isso que se aspira, qual seja, imprimir velocidade ao feito a que preço seja. Importa, isto sim, que haja a harmonização entre uma razoável duração do feito, ou seja, que o mesmo não demore mais que o necessário, mas que, concomitantemente não sejam castradas fases imprescindíveis a correta condução do processo, pela idéia fixa e esquizoparanóica de que "vale-tudo" para fazer o processo correr em velocidade que quebra a barreira do som. Daí que a observância da justeza de determinado processo consiste na aferição da exata medida, nem para mais, nem para menos, do efetivo tempo mínimo, e por que não dizer, máximo necessário, para que se possa aplicar a justiça adjetiva e substantiva a uma lide.”. 9 Bueno (2014) assim explica: “Vale destacar, para bem compreender o significado do princípio da efetividade do processo que, enquanto o princípio do 'acesso à justiça' e o do 'devido processo legal' e os que dele derivam […] voltam-se, basicamente à criação de condições efetivas de provocação do Poder Judiciário e de obtenção da tutela jurisdicional mediante uma devida participação ao longo do processo, com vistas ao reconhecimento do direito (ameaçado ou lesionado) de alguém pelo Poder Judiciário, o princípio da efetividade do processo volta-se mais especificamente aos resultados práticos deste reconhecimento do direito, na exata medida em que ele o seja, isto é, aos resultados da tutela jurisdicional no plano material, exterior ao processo.” 10 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” (BRASIL, 1988) 34 igualmente podem ser diferidos quando necessário para assegurar a celeridade e a efetividade do processo, desde que se realize ponderado juízo de valor em torno dos ganhos e dos prejuízos advindos de uma determinação nesse sentido. Exemplos: previsão de audiência una de conciliação, instrução e julgamento, mesmo para o rito ordinário (artigos 843 a 852, CLT), consagrando assim a efetivação do contraditório concentrado, oral e em “tempo real”; prazo recursal reduzido e normalmente de 8 dias (enquanto no processo civil o padrão é de 15 dias) etc. Importante esclarecer que outros princípios processuais
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