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Enzimas I. VISÃO GERAL Praticamente todas as reações no corpo são mediadas por enzimas, as quais são proteínas catalisadoras que aumentam a velocidade das reações, sem sofrerem al terações no p rocesso global. Dentre as muitas reações biológicas que são energeticamente possíveis, as enzimas seletivamente canalizam reatantes (chamados substratos) para rotas úteis. As enzimas direcionam, assim, todos os eventos metabólicos. Este capítulo examina a natureza dessas moléculas catalíticas e seu mecanismo de ação. 11. NOMENCLATURA Cada enzima recebe dois nomes. O primeiro é um nome curto, o nome recomendado, conveniente para uso corriqueiro. O segundo é mais com- pleto, o nome sistemático, o qual é utilizado quando uma enzima precisa ser identificada sem ambigüidades. A. Nome recomendado Os nomes de enzimas mais comumente usados têm o sufixo " -ase" adicionado ao nome do substrato da reação (por exemplo, glicosidase, urease, sacarase) ou à descrição da ação realizada (por exemplo, /ac- tato-desidrogenase e adenilato-cic/ase) . (Nota: Algumas enzimas man- têm seu nome trivial original , o qual não tem qualquer associação com a reação enzimática, por exemplo, tripsina e pepsina.) B. Nom e sistemático A União Internacional de Bioquímica e Biologia Molecular (IUBMB, de lnternational Union of Biochemistry and Molecular Biology) desenvolveu um sistema de nomenclatura no qual as enzimas são divididas em seis classes principais (Figura 5.1 ), cada uma com numerosos subgrupos. O sufixo - ase é adic ionado para completar a descrição da reação química catalisada, como por exemplo o-glicera/deído-3-fosfatase:NAD-oxidorre- dutase. Os nomes da IUBMB são exatos e informativos, mas às vezes são muito incômodos para o uso geral. 1. Oxldorredutases Catalisam reações de oxidorredução, como por exemplo: CH3- C H- coo- + NAD+ CH3 - C- coo-+ NADH + W ' ~ Lactato- 11 OH 2e· desidrogenase O 2H Lactato Piruvato 2. Transferases Catalisam a transferência de grupos contendo C-, N- ou P-, como por exemplo: ~ H20 tH2 -~H- coo-+~ t, O ' H ' + Serina hidroximetil NH3 ·transferase y H2- coo- + JH~ NH3+ CH2 Glicina Serina 3. Hidrolases 4. Liases CH3 - c tcoo- " o Piruvato 5. lsomerases ~yH3 -oOC·CH2-C-CoA 6 Metilmalonii-CoA 6. Ligases Catalisam a quebra de ligações pela adição de água, como por exemplo: --Urease Catalisam a quebra de ligações C-C, C-Se certas lígações C-N, como por exemplo: --Piruvato-descarboxilase CH3-sH + co2 o Acetaldeído Catalisam racemização de isômeros ópticos ou geométricos, como por exemplo: Catalisam a formação de ligações entre carbono e O, S, N, acoplada à hidrólise de fosfatos de alta energia, ~omopore~emplo: CH3 - ?, - coo- + co2 f?ruv?i/o. OOC- CH2 .. ?, - coo- O carboxilase O I \ Piruvato ATP ADP + P; Oxalacetato Figura 5 .1 Exemplos das seis principais classes da classificação internacional das enzimas (THF é o tetraidrofolato). 54 Pamela C. Champe, Richard A. Harvey, Denise R. Ferrier Figura 5.2 Representação esquemática de uma enzima com um sítio ativo, ligando-se à molécula de substrato. MITOCÔNDRIA e Ciclo do ácido c ítrico e Oxidação de ácidos graxos e Descarbox ilação do piruvato CITOSOL e Glicólise e Ciclo das hexoses e Síntese de DNAe RNA LISOSSOMA e Degradação de macromoléculas complexas Figura 5.3 Localização intracelular de algumas vias bioquímicas importantes. III. PROPRIEDADES DAS ENZIMAS As enzimas são catalisadores protéicos que aumentam a velocidade de uma reação química e não são consumidos durante a reação que catalisam. (Nota: Alguns tipos de RNA podem atuar como enzimas, geralmente catalisando a quebra e a síntese de ligações fosfo-diéster. Os RNAs com atividade catalítica são chamados ribozimas [veja a pág. 436] e são encontrados com muito menos freqüência que as proteínas catalisadoras.) A. Sítios ativos As molécu las de enzimas contêm uma região específica formando uma fenda ou bolso, que é chamada sítio ativo. O sítio ativo contém cadeias laterais de aminoácidos, as quais criam uma superfície tridimensional com- plementar ao substrato (Figura 5.2). O sítio ativo liga o substrato, formando um complexo enzima-substrato (ES). O complexo ES é convertido em enzima-produto (EP), o qual subseqüentemente se dissocia em enzima e produto. B. Efic iência catalítica A reações catalisadas por enzimas são, em sua maioria, altamente eficien- tes, ocorrendo de 1 03 a 1 08 vezes mais rapidamente do que as reações não-catalisadas. Tipicamente, cada molécula de enzima é capaz de trans- formar de 100 a 1.000 moléculas de substrato em produto por segundo. O número de moléculas de substrato convertidas em moléculas de produto por molécula de enzima por segundo é chamado de número de renova- ção (turnover). C. Especificidade As enzimas são altamente específicas, interagindo com um ou alguns pou- cos substratos e catalisando apenas um tipo de reação química. D. Cc-fatores Algumas enzimas se associam com um co-fator não-protéico, o qual é necessário para a atividade enzimática. Os co-fatores comumente encon- trados incluem íons metálicos, tais como Zn2• ou Fe2• , e moléculas orgâ- nicas, conhecidas como coenzimas, que freqüentemente são derivadas de vitaminas. Por exemplo, a coenzima NAD+ contém niacina, o FAD con- tém riboflavina e a coenzima A contém ácido pantotênico. (Veja as páginas 371-379 para o papel das vitaminas como precursoras de coenzimas.) O conjunto da enzima com o seu co-fator é chamado holoenzima. A apoen- zima refere-se à porção protéica da holoenzima. Na ausência do co-fator apropriado, a apoenzima geralmente não apresenta atividade biológica. Um grupo prostético é uma coenzima firmemente ligada à enzima, que desta não se dissocia (por exemplo, a biotina ligada a carboxilases, veja a pág. 379). E. Regulação A atividade enzimática pode ser regulada, isto é, as enzimas podem ser ativadas ou inibidas, de modo que a velocidade de formação do produto responda às necessidades da célula. F. Localização dentro da célula Muitas enzimas estão localizadas em organelas específicas dentro da célula (Figura 5.3). Esta compartimentalização serve para isolar o subs- trato ou o produto da reação de outras reações competitivas. Isso garante o meio favorável para a reação e organiza as milhares de enzimas presentes na célula em vias definidas. IV. COMO FUNCIONAM AS ENZIMAS O mecanismo da ação enzimática pode ser encarado de duas perspectivas diferentes. A primeira aborda a catálise em termos de alterações de energia que ocorrem durante a reação, ou seja, as enzimas fornecem uma rota de reação alternativa, energicamente favorável, diferente da reação não-cata- lisada. A segunda perspectiva descreve como o sítio ativo facilita quimica- mente a catálise. A. Alterações de energia que ocorrem durante a reação Praticamente todas as reações têm uma barreira de energia separando os reatantes dos produtos. Essa barreira, denominada energia livre de ativação, é a diferença entre a energia dos reatantes e aquela de um inter- mediário de alta energia, que ocorre durante a formação do produto. Por exemplo, a Figura 5.4 mostra as alterações na energia durante a conversão de uma molécula do reatante A no produto B, passando pelo estado de transição (intermediário de alta energia), T*: 1. Energia livre de ativação. O pico de energia na Figura 5.4 é a dife- rença na energia livre entre os reatantes e T*, onde um intermediário rico em energia é formado durante a conversão do reatante em pro- duto. Devido à grande energia de ativação, as velocidades das reações químicas não-catalisadas são freqüentemente lentas. 2. Velocidade da reação. Para as moléculas reagirem, devem conter energia suficiente para superar a barreira de energia do estado de tran- sição. Na ausência de uma enzima, somente uma pequena proporção da população de moléculas pode possuir energia suficiente para atingir o estado de transição entrereatante e produto. A velocidade da reação é determinada pelo número dessas moléculas "energizadas". Em geral, quanto menor a energia livre de ativação, mais moléculas têm energia suficiente para superar o estado de transição e, assim, mais rápida é a velocidade da reação. 3. Rota alternativa de reação. Uma enzima permite que uma reação ocorra rapidamente nas condições normais na célula, oferecendo uma rota de reação alternativa, com uma menor energia livre de ativação (veja a Figura 5.4). A enzima não altera a energia livre dos reatantes ou dos produtos e, assim sendo, não altera o equilíbrio da reação. B. Química do s ítio ativo O sítio ativo não é um receptáculo passivo para a ligação do substrato, mas sim uma máquina molecular complexa, empregando uma diversidade de mecanismos químicos para facilitar a conversão do substrato em produto. Diversos fatores são responsáveis pela eficiência catalítica das enzimas, incluindo os fatores considerados a seguir. Bioquímica Ilustrada 55 Não existe uma diferença na energia livre da reação global (a energia dos produtos menos a energia dos reatantes) entre reações catal isadas e não-catalisadas. Estado final (produtos) Progresso da reação ---~ Figura 5.4 Efeito de uma enzima sobre a energia de ativação de uma reação. 56 Pamela C. Champe, Richard A. Harvey, Denise R. Ferrier Figura 5.5 1. Estabilização do estado de transição. O sítio ativo freqüentemente atua como um molde molecular flexível , que se liga ao substrato em uma geometria que lembra estruturalmente o estado de transição ativado da molécula (veja T* na parte superior da curva na Figura 5.4). Estabi lizando o substrato em seu estado de transição, a enzima aumenta enormemente a concentração do intermediário reativo que pode ser convertido no produto e, assim, acelera a reação. 2. Outros mecanismos. O sítio ativo pode fornecer grupos catalíticos que aumentam a probabilidade de se formar o estado de transição. Em algumas enzimas, esses grupos podem participar em uma catálise ácido-básica geral, na qual os resíduos de aminoácidos doam ou aceitam prótons. Em outras enzimas, a catálise pode envolver a forma- ção transitória de um complexo covalente enzima-substrato. 3. Visualização do estado de transição. A conversão do substrato em produto, catalisada por enzimas, pode ser visualizada como sendo semelhante à remoção de um suéter de um bebê não-cooperativo (Figura 5.5). O processo possui uma elevada energia de ativação, pois a única estratégia razoável para remover a roupa (exceto rasgá- la) requer que a agitação aleatória da criança determine uma posição em que ambos os braços fiquem completamente estendidos acima da cabeça - uma posição improvável. Entretanto, podemos visualizar uma mãe agindo como uma enzima, inicialmente entrando em contato com o bebê (formando o complexo ES) e, a seguir, orientando os braços do bebê para uma posição vertical e estendida, análoga ao estado de transição ES. Essa postura (conformação) facilita a remoção do suéter, resultando no bebê sem o blusão, que aqui representa o produto. (Nota: O substrato ligado à enzima [ES] está em um nível energético ligeira- mente menor que o substrato não-ligado [S], o que explica a pequena "queda" na curva em ES.) Representação esquemática de mudanças energéticas que acompanham a formação do complexo enzima-substrato e a subseqüente formação de um complexo do estado de transição. V. FATORES QUE AFETAM A VELOCIDADE DA REAÇÃO As enzimas podem ser isoladas das células e ter suas propriedades estudadas em tubos de ensaio (isto é, in vitro). As diferentes enzimas mostram diferentes respostas às alterações de concentração de substrato, temperatura e pH. Esta seção descreve fatores que influenciam a velocidade da reação enzimática. As respostas enzimáticas a esses fatores fornecem informações valiosas sobre como funcionam as enzimas nas células vivas. A . Concentração do substrato 1. Velocidade máxima. A velocidade de uma reação (v) é o numero de moléculas de substrato convertidas em produto por unidade de tempo; geralmente, a velocidade é expressa como 11mol de produto for- mado por minuto. A velocidade de uma reação catalisada por enzima aumenta conforme a concentração do substrato, até uma velocidade máxima (V maxl ser atingida (Figura 5.6). A obtenção de um platô na velocidade de reação em altas concentrações de substrato reflete a saturação pelo substrato de todos os sítios de ligação disponíveis nas moléculas enzimáticas presentes. 2. Formato hiperbólico da curva de cinética enzimática. A maioria das enzimas mostra uma cinética de Michaelis-Menten (veja a pág. 58), na qual a curva de velocidade de reação inicial, V 0 , contra a concen- tração do substrato, [S], possui uma forma hiperbólica (semelhante à curva de dissociação do oxigênio da mioglobina; veja a pág. 29). Em contraste, as enzimas alostéricas freqüentemente mostram uma curva sigmóide (veja a pág. 62) , semelhante na forma à curva de dissociação do oxigênio da hemoglobina (veja a pág. 29). B. Temperatura 1. Aumento da velocidade com a temperatura. A velocidade de reação aumenta com a temperatura, até um pico de velocidade ser atingido (Figura 5 .7). Esse aumento é devido ao aumento do número de molé- culas com energia suficiente para atravessar a barreira de energia e formar os produtos da reação. 2. Diminuição da velocidade com a temperatura. Uma elevação maior da temperatura resulta em redução na velocidade de reação, como resultado da desnaturação da enzima, induzida pela temperatura (veja a Figura 5.7). C. pH 1. Efeito do pH sobre a ionização do sítio ativo. A concentração de H+ afeta a velocidade de reação de várias maneiras. Primeiro, o processo catalítico geralmente requer que a enzima e o substrato tenham deter- minados grupos químicos em um estado ionizado ou não-ionizado, de modo a interagirem. Por exemplo, a atividade catalítica pode requerer que um grupo amino da enzima esteja na forma protonada (- NH/ ). Em pH alcalino, esse grupo não está protonado e, desse modo, a veloci- dade da reação diminui. 2. Efeito do pH sobre a desnaturação da enzima. Valores extremos de pH também podem levar à desnaturação da enzima, pois a estrutura da molécula protéica cataliticamente ativa depende do caráter iônico das cadeias laterais dos aminoácidos. Bioquímica Ilustrada 57 Enzimas que seguem a cinética de Michaelis·Menten apresentam curvas hiperbólicas. Figura 5.6 Efeito da concentração do substrato sobre a velocidade da reação. 20 Figura 5.7 40 lnativação térmica da enzima 60 80 Temperatura (OC) Efeito da temperatura sobre uma reação catalisada por enzima. 58 Pamela C. Champe, Richard A. Harvey, Denise R. Ferrier :E o ,., <>-.. e .. "C 11> "C .. "C '(j o ~ Tripsina Fosfatase alcalina 3 5 7 9 11 pH Figura 5.8 Efeito do pH sobre reações catalisadas por enzimas. l o ,., <>- "' e "' "C 11> "C "' "C 'õ o ~ Vmax [Substrato] O maior Km da enzima 2 reflete uma baixa afinida- de da enzima pelo substrato. O menor Km para a enzima 1 reflete uma alta afinidade da enzima pelo substrato. Figura 5.9 Efeito da concentração do substrato sobre a velocidade de reação para duas enzimas: enzima 1 com um Km menor e enzima 2 com um Km maior. 3. O pH ótimo varia de acordo com a enzima. O pH no qual a atividade máxima da enzima é atingida difere para cada enzima e, geralmente, reflete a [H+] na qual a enzima funciona no organismo. Por exemplo, a pepsina, uma enzima digestiva do estômago, apresenta atividade máxima em pH 2, enquanto outras enzimas, destinadas a funcionar em pH neutro, são desnaturadas em meio com essa acidez (Figura 5.8) . VI. EQUAÇÃO DE MICHAELIS-MENTEN A. Modelo de reação Michaelis e Menten propuseram um modelo simples, que expl ica a maioria das características das reações catalisadas por enzimas. Nesse modelo, a enzima combina-se reversivelmente com o substrato,formando um com- plexo ES que, subseqüentemente, degrada-se em produto, regenerando a enzima livre. O modelo, envolvendo uma molécula de substrato, é represen- tado a seguir: k1 k2 E + S ES ---+ E + P onde S é o substrato E é a enzima k-1 ES é o complexo enzima-substrato k,, k _, e k2 são as constantes de velocidade B. Equação de Michaelis-Menten A equação de Michaelis-Menten descreve como a velocidade da reação varia com a concentração do substrato: onde v0 =velocidade inicial da reação vmax = velocidade máxima Km = constante de Michaelis = (k .1 + k2)/k, [S] = concentração de substrato Ao derivar-se a equação de velocidade de Michaelis-Menten, são feitas as considerações a seguir. 1. Concentrações relativas de E e S. A concentração de substrato ([S]) é muito maior do que a concentração da enzima ([E]), de modo que a por- centagem de substrato ligado à enzima em qualquer tempo é pequena. 2. Hipótese do estado de equilíbrio. A [ES] não varia com o tempo (hipótese do estado de equilíbrio), isto é, a velocidade de formação de ES é igual àquela da degradação de ES (para E + S e para E + P). Em geral, um intermediário em uma série de reações é dito estar em estado de equilíbrio quando sua velocidade de síntese é igual a sua velocidade de degradação. 3. Velocidade inicial. Somente as velocidades iniciais da reação (v0 ) são utilizadas na análise das reações enzimáticas. Isso significa que a velo- cidade de reação é medida assim que a enzima e o substrato são mis- turados. Nesse momento, a concentração de produto é muito pequena e, assim sendo, a velocidade da reação inversa de P para S pode ser ignorada. C. Conclusões importantes sobre a cinética de Michaelis-Menten 1. Características do Km. Km- a constante de Michaelis - é caracterís- tico de uma enzima e de determinado substrato seu , e reflete a afini- dade da enzima para aquele substrato. O Km é numericamente igual à concentração do substrato na qual a velocidade da reação é igual a Y2 V max· O Km não varia com a concentração da enzima. a. Km baixo. Um Km numericamente pequeno reflete uma alta afi- nidade da enzima pelo substrato, pois uma baixa concentração de substrato é necessária para atingir a metade da saturação da enzima- isto é, atingir a velocidade que é Y2 Vmax (Figura 5.9). b. Km alto. Um Km numericamente grande (elevado) reflete uma baixa afinidade da enzima pelo substrato, pois é necessária uma alta concentração de substrato para atingir a metade da saturação da enzima. 2. Relação entre a velocidade e a concentração da enzima. A velo- cidade da reação é diretamente proporcional à concentração da enzima em qualquer concentração de substrato. Por exemplo, se a concentração da enzima é reduzida pela metade, a velocidade inicial da reação (v0 ) , assim como a V max• são reduzidas à metade da veloci- dade original. 3. Ordem de reação. Quando a [S] é muito menor que o Km, a veloci- dade da reação é aproximadamente proporcional à concentração do substrato (Figura 5.1 O). A velocidade da reação é então dita de pri- meira ordem com relação ao substrato. Quando a [S) é muito maior do que o K m, a velocidade é constante e igual à V max· A velocidade da reação, nesse caso, é independente da concentração de substrato e é dita de ordem zero em relação à concentração de substrato (veja a Figura 5.1 O). O. Gráfico de Lineweaver-Burke Quando V0 é colocada em um gráfico contra [S], nem sempre é possível determinar quando a V max é alcançada, devido à ascensão gradual da curva hiperbólica em altas concentrações de substrato. Entretanto, se colocarmos 1/V0 versus 1/[S], obtém-se uma linha reta (Figura 5.11 ). Esse gráfico, o gráfico de Lineweaver-Burke (também chamado de gráfico dos duplos- recíprocos) pode ser utilizado para calcular K m e V max• assim como para determinar o mecanismo de ação de inibidores enzimáticos. 1. A equação que descreve o gráfico de Lineweaver-Burke é: + = __!Sm_ Vo Vmax [S] Vmax Vmax Bioquímica Ilustrada 59 Em altas concentrações de substrato ([S]»Km), a velocidade da reação é de ordem zero - isto é, é constante e independente da concentração de substrato. Em baixas concentrações de substrato ([S] «Km), a velocidade de reação é de primeira ordem - isto é, é proporcional à concentração de substrato. Figura 5.10 Efeito da concentração do substrato sobre a velocidade da reação, para uma reação catalisada por enzima. Figura 5.11 Gráfico de Lineweaver-Burke. 60 Pamela C. Champe, Richard A. Harvey, Denise R. Ferrier VIl. INIBIÇÃO DA ATIVIDADE ENZIMÁTICA Qualquer substância que possa diminuir a velocidade de uma reação catalisada por uma enzima é chamada de inibidor. Inibidores reversíveis ligam-se à enzima por meio de ligações não-covalentes. A diluição do complexo enzima- inibidor resulta na dissociação do inibidor reversivelmente ligado e na recupera- ção da atividade enzimática. A inibição irreversível ocorre quando uma enzima inibida não recupera sua atividade quando o complexo enzima-inibidor é diluído. Os dois tipos mais comuns de inibição encontrados são inibição competitiva e inibição não-competitiva. A. Inibição competitiva Esse tipo de inibição ocorre quando o inibidor liga-se reversivelmente ao mesmo sítio que o substrato normalmente ocuparia e, dessa forma, com- pete com o substrato por esse sítio. 1. Efeito sobre a V max· O efeito de um inibidor competitivo é revertido pelo aumento da [S]. Em uma concentração de substrato suficientemente alta, a velocidade da reação atinge a V max observada na ausência do inibidor (Figura 5.12). 2. Efeito sobre o Km. Um inibidor competitivo aumenta o Km aparente para determinado substrato. Isso significa que, na presença de um ini- bidor competitivo, mais substrato é necessário para atigir Y2 V max· 3. Efeito sobre a curva de Lineweaver-Burke. A inibição competitiva apresenta uma curva de Lineweaver-Burke característica, na qual as curvas da reação inibida e não-inibida interceptam o eixo do y em 1Nmax (Vmax não é alterada). As reações inibida e não-inibida intercep- tam o eixo do x em pontos diferentes, indicando que o Km aparente é aumentado na presença do inibidor competitivo (veja a Figura 5.12). A 8 Vmax -- - - - ---- - ----------------------- - - - - -- - ---- - -- - --- A velocidade mãxima, Vmax• é a mesma na presença de um inibidor competitivo l o ICU ..,. ~ ., Vmax ~2 "C ca "C ·;:; o ~ Sem I I I I I Com inibidor competitivo !/(Km aparente na presença de - K;;; "'- ~ um inibidor competitivo) --....... OLO~t~~~~~~-L~~~-L~~-L~~~~~~~~ -~~~J_~~-L~~~-L~~~ [S] Km Figura 5.12 A constante de Michaelis, Km, é aumentada na presença de um inibidor competitivo A. Gráfico do efeito de um inibidor competitivo sobre a velocidade da reação (v 0 ) versus substrato [S]. B. Gráfico de Lineweaver-Burke para a inibição competitiva de uma enzima. 4. Estatinas como exemplos de inibidores competitivos. Esse grupo de drogas anti-hiperlipidêmicas inibe competitivamente o primeiro passo comprometido com a síntese do colesterol. A reação é catalisada pela hidroximetilglutarii-CoA-redutase (HMG-CoA-redutase, veja a pág. 219). As estatinas, tais como a atorvastatina (Liptor) e a sinvastatina (Zocor)\ são análogos estruturais do substrato natural dessa enzima e competem efetivamente, inibindo a HMG-CoA-redutase. Dessa forma, elas inibem a síntese de novo do colesterol e, assim, diminuem os níveis plasmáticos de colesterol (Figura 5.13). B. Inibição não-competitiva Esse tipo de inibição pode ser reconhecido por seu efeito característico sobre V max (Figura 5.14). A inibição não-competitiva acontece quando o ini- bidor e o substrato ligam-se a sítios diferentes sobre a enzima. O inibidor não-competitivo pode ligar-se tanto à enzima livre quanto ao complexo ES, de modo a impedir que a reação ocorra (Figura 5.15). 1. Efeito sobre a V max· A inibição não-competitiva não pode ser superada pelo aumento daconcentração de substrato. Desse modo, os inibidores não-competitivos diminuem a v max da reação. 2. Efeito sobre o Km. Os inibidores não-competitivos não interferem na ligação do substrato com a enzima. Assim sendo, a enzima mostra o mesmo Km na presença e na ausência do inibidor não-competitivo. 3. Efeito sobre a curva de Lineweaver-Burke. A inibição não-compe- titiva é faci lmente diferenciada da inibição competitiva pela curva 1/v0 versus 1/[S], onde a V max diminui na presença de um inibidor não-com- petitivo, enquanto o Km não é alterado (veja a Figura 5.14). A 8 Bioquímica Ilustrada 61 HMG-CoA-redutase Sítio ativo H3 Lovastatina ( inibidor competitivo) Figura 5.13 HMG-CoA (substrato) A lovastatina compete com a HMG- CoA pelo sítio ativo da HMG-CoA- redutase. Vmax Sem A velocidade máxima, Vmax• é reduzida na presença de um inibidor não-competitivo Inibidor não- 'ô ~ o "" o. "' <I> ~Vmax -o 2 Q) -o "' -o "õ o ~ o o t Km Figura 5.14 "'--...__ Com inibidor não-competitivo [S] A constante de Michaelis, Km, não é alterada na presença de um inibidor não-competitivo A. Gráfico do efeito de um inibidor não-competitivo sobre a velocidade da reação (V 0 ) versus substrato [S]. B. Gráfico de Lineweaver-Burke para a inibição não-competitiva de uma enzima. 1 Veja o Capitulo 21 de Farmacologia Ilustrada (2• e 31 edições) para uma discussão acerca de drogas usadas para tratar hiperlipidemia. 62 Pamela C. Champe, Richard A. Harvey, Denise R. Ferrier Enzima (E) Complexo El (i nativo) Figura 5.15 Complexo ES Complexo ESI (i nativo) Um inibidor não-competitivo ligando- se à enzima e ao complexo enzima- substrato. Vmax r--- ---- r - -~- --- - --- ------ - 1 I :Z c : 0 L-------L- 1(0 '- t ~ t I f! ~ I l I I r t Ko,s [Substrato I Vmax Vmax r------- ---------- --- - ----- l o "" (.)> "' ~ .. 'O .. 'C "' 'C 'ü o ;g! t Ko,s Ko,s Ko,s [Substrato I Figura 5.16 Efeito de efetor negativo (-) ou positivo(+) sobre uma enzima alostérica. A. A V max é alterada. B. A concentração de substrato que dá metade da velocidade máxima (i<o.s) é alterada. 4. Exemplos de inibidores não-competitivos. Alguns inibidores agem pela formação de ligações covalentes com grupos específicos da enzima. Por exemplo, o chumbo forma ligações covalentes com os gru- pos sulfidrila da cadeia lateral da cisteína nas proteínas. A ligação do metal pesado mostra uma inibição não-competitiva. A ferroquelatase, uma enzima que catalisa a inserção do Fe2+ na protoporfirina (precursor do grupo heme, veja a pág. 277), é um exemplo de enzima sensível à inibição pelo chumbo. Outros exemplos de inibidores não-competitivos são certos inseticidas, cujos efeitos neurotóxicos são resultantes de sua ligação irreversível ao sítio catalítico da enzima acetilcolinesterase (uma enzima que cliva o neurotransmissor acetilcolina) . C. Inibidores enzimáticos como drogas Pelo menos metade das dez drogas mais comumente prescritas nos Esta- dos Unidos age por meio da inibição de enzimas. Por exemplo, os ampla- mente prescritos antibióticos ~-lactâm icos, como a penicilina e amoxici lina2 , atuam inibindo uma ou mais enzimas envolvidas na síntese da parede celu- lar bacteriana. As drogas também podem agir inibindo reações extracelula- res. Isso é ilustrado pelos inibidores da enzima conversara de angiotensina (ECA) . Eles diminuem a pressão sangüínea por bloquear a enzima, que cliva a angiotensina I para formar a forma vasoconstritora, a angiotensina 11. Estas drogas, que incluem o captopril , o enalapril e o lisinopril, causam a vasodilatação e, com isso, uma redução da pressão arterial3. VIII. REGULAÇÃO DA ATIVIDADE ENZIMÁTICA A regulação da velocidade das reações enzimáticas é essencial para o orga- nismo coordenar seus numerosos processos metabólicos. As velocidades da maioria das enzimas respondem a mudanças na concentração dos substratos, pois o nível intracelular de muitos dos substratos se encontra na faixa do Km. Dessa forma, um aumento na concentração do substrato é refletido no aumento da velocidade de reação, o que tende a fazer a concentração do substrato retor- nar ao valor normal. Além disso, algumas enzimas com funções reguladoras especializadas respondem a efetores alostéricos ou a modificações covalentes, ou ainda, possuem a velocidade de sua síntese alterada quando as condições fisiológicas são alteradas. A. Sítios alostéricos de ligação As enzimas alostéricas são reguladas por moléculas chamadas efeto- res (também chamados de modificadores ou moduladores), os quais ligam-se de forma não-covalente a outro s ítio que não o sít io catal ítico . Essas enzimas são compostas por subunidades múltiplas e o sítio regu- latório, o qual liga o efetor, pode estar localizado em uma subunidade não-catalítica. A presença de um efetor alostérico pode alterar a afinidade da enzima pelo seu substrato ou modificar a atividade catalítica máxima da enzima ou ambos. Os efetores que inibem a atividade enzimática são denominados efetores negativos, enquanto aqueles que aumentam a atividade enzimática são denominados efetores positivos. As enzimas a lostéricas geralmente possuem subunidades múltiplas e, freqüente- mente, catalisam o passo comprometido com a via, no início da rota metabólica. 2 Veja o Capítulo 32 de Farmacologia Ilustrada (38 edição) ou o Capitulo 30 (2ª edição) para uma discussão acerca dos inibidores da síntese da parede celular bacteriana. 3 Veja o Capítulo 19 de Farmacologia Ilustrada (21 e 3ª edições) para uma discussão acerca dos inibidores da enzima conversara da angiotensina. 1. Efetores homotrópicos. Quando o substrato em si alua como efetor, o efeito é dito homotrópico. Um substrato alostérico funciona, mais freqüentemente, como um efetor positivo. Nesse caso, a presença de uma molécula de substrato em um sítio da enzima aumenta as proprie- dades catalíticas de outros sítios de ligação ao substrato, isto é, seus sítios exibem cooperatividade. Essas enzimas apresentam uma curva sigmoidal quando a velocidade de reação (v0 ) é relacionada com a concentração de substrato [S] (Figura 5.16). Isso contrasta com a curva hiperbólica característica da cinética de Michaelis-Menten, conforme discutido previamente. (Nota: O conceito de cooperatividade da ligação do substrato é análogo à ligação do oxigênio à hemoglobina.) Efetores positivos e negativos de enzimas alostéricas podem afetar tanto a v max quanto o Km ou ambos (veja a Figura 5.16). 2. Efetores heterotrópicos. O efetor pode ser diferente do substrato, em cujo caso o efeito é dito heterotrópico. Por exemplo, considere a inibição por retroalimentação mostrada na Figura 5.17. A enzima que converte A em B tem um sítio alostérico, no qual se liga o produto final E. Se a concentração de E aumenta (por exemplo, se ele não é utilizado tão rapidamente como é sintetizado), a enzima inicial da rota é inibida. A inibição por retroalimentação fornece à célula um produto de que ela necessita regulando o fluxo de moléculas de substrato em uma via que leva à síntese daquele produto. (Nota: Efetores heterotrópicos são comumente encontrados; por exemplo, a enzima da via glicolítica fosfofrutocinase é alostericamente inibida por citrato, o qual não é subs- trato da enzima [veja a pág. 97].) 8 . Regulação de enzimas por modificação covalente Muitas enzimas podem ser reguladas por modificação covalente, mais fre- qüentemente pela adição ou pela remoção de grupos fosfato de resíduos específicos de serina, treonina ou t irosina na enzima. A fosforilação de proteínas é reconhecida como uma das principais formas pelas quais os processos celulares são regulados. 1. Fosforilação e desfosforilação. As reações de fosforilação e desfos- forilação são catalisadas por uma família de enzimas, denominadas de proteína-cinases, as quais utilizam trifosfato de adenosina (ATP) como doador de fosfato. Os grupos fosfato são clivadosde enzimas fos- foriladas pela ação das fosfoproteínas-fosfatases (Figura 5.18). 2. Resposta da enzima à fosforilação. Dependendo da enzima especí- fica, a forma fosforilada pode ser mais ou menos ativa do que a forma não-fosforilada. Por exemplo, a fosforilação da glicogênio-fosforilase (enzima que degrada o gl icogênio) aumenta sua atividade, enquanto a adição de fosfato à enzima glicogênio-sintase (enzima que sintetiza o glicogênio) diminui sua atividade (veja a pág.132). C. Indução e repressão da síntese de enzimas Os mecanismos reguladores descritos previamente modificam a atividade de moléculas enzimáticas existentes. Entretanto, as células também podem regular a quantidade de enzima presente - em geral alterando a velocidade da síntese da enzima. O aumento (indução) ou a diminuição (repressão) da síntese da enzima leva a uma alteração na população total de sítios ativos. (Nota: Nesse caso, a eficiência das moléculas existentes da enzima não é afetada.) As enzimas sujeitas à regulação da síntese em geral são aquelas que são necessárias apenas em um estágio do desenvolvimento ou em condições fisiológicas especiais. Por exemplo, níveis elevados de insulina, Bioquímica Ilustrada 63 ,.,.,..----- ........ , / ' / ' ~ ' e ' A ... 8 ... C ... D ... E ... Figura 5.1 7 Inibição de uma via metabólica por retroalimentação. ATP Proteína- ADP ?=< Enzima Enzima OH _ >-< oPo3= HP04 Fostoproteína- H20 fosfatase Figura 5.18 Modificação covalente por adição e remoção de grupos fosfato. 64 Pamela C. Champe, Richard A. Harvey, Denise R. Ferrier EVENTO REGULADOR EFETOR TÍPICO RESULTADOS TEMPO NECESSÁRIO PARA A ALTERAÇÃO Inibição pelo substrato Substrato Altera velocidade (v 0 ) Imediato Inibição pelo produto Produto Altera V ma• e/ou Km Imediato Controle alostérico Produto final Altera V m" e/ou Km Imediato Modificação covalente Outra enzima Altera V mu e/ou Km Imediato a minutos Síntese e degradação da enzima Hormônio ou metabólito Altera a quantidade da enzima Horas a d ias Figura 5.19 Mecanismos de regulação da atividade enzimática. CAPILAR m Renovação celular normal Figura 5.20 como resultado de altos níveis de glicose no sangue, levam a um aumento na síntese de enzimas-chave no metabolismo da glicose (veja a pág. 97) . Em contraste, enzimas que são continuamente utilizadas geralmente não são reguladas pela alteração da velocidade de sua síntese. Alterações dos níveis enzimáticos como resultado da indução ou da repressão da síntese protéica são lentas (de horas a dias), comparadas com as alterações regu- ladas alostericamente, as quais ocorrem em segundos a minutos. A Figura 5.19 resume as formas mais usuais pelas quais a atividade enzimática é regulada. IX. ENZIMAS NO DIAGNÓSTICO CLÍNICO As enzimas plasmáticas podem ser classificadas em dois grupos principais. Primeiro, um grupo relativamente pequeno de enzimas, que é seletivamente secretado no plasma por certos tipos celulares. Por exemplo, o fígado secreta os zimogênios (precursores inativos) de enzimas envolvidas na coagulação sangüínea. Segundo, um grande número de enzimas é liberado das células durante a renovação celular normal. Essas enzimas quase sempre atuam intra- celularmente e não têm função fisio lógica no plasma. Em indivíduos saudáveis, o nível dessas enzimas é razoavelmente constante e representa um estado de equilíbri o, no qual a velocidade de liberação dessas enzimas no plasma pelas células danificadas é equilibrada por uma velocidade igual de remoção do plasma. A presença de atividade enzimática elevada no plasma pode indi- m Necrose celular como resultado de doença ou trauma Liberação de enzimas a partir de células normais e de células doentes ou expostas a um trauma. car lesão tecidual, que é acompanhada pela liberação aumentada de enzimas intracelulares (Figura 5.20). (Nota: Plasma é o flu ido, a parte não-celular do sangue. Exames de laboratório para atividades enzimáticas mais freqüente- mente utilizam o soro, o qual é obtido pela centrifugação do sangue total após ele ter coagulado. O plasma é um líquido fisiológico, enquanto o soro é prepa- rado no laboratório.) A. Alterações dos níveis plasmáticos de enzimas em doenças Muitas doenças que causam lesão tecidual resultam no aumento da libera- ção das enzimas intracelulares no plasma. As atividades de muitas dessas enzimas são rotineiramente determinadas para fins de diagnóstico em doenças do coração, do fígado, do músculo esquelético e de outros teci- dos. O nível de atividade enzimática específica no plasma freqüentemente está relacionado com a extensão da lesão tecidual. Assim, a determinação do grau de aumento da atividade de uma determinada enzima no plasma em geral é útil para a avaliação do prognóstico do paciente. B. Enzimas plasmáticas como ferramentas diagnósticas Algumas enzimas apresentam atividade relativamente alta em apenas alguns tecidos. A presença de um aumento do nível dessas enzimas no plasma reflete uma lesão do referido tecido. Por exemplo, a enzima alanina- aminotransferase (ALT, veja a pág. 248) é abundante no fígado. O apareci- mento de níveis elevados de ALT no plasma sinaliza uma possível lesão do tecido hepático. O aumento no nível plasmático de enzimas com uma ampla distribuição tecidual permite uma indicação menos específica sobre o sítio da lesão celular. Essa falta de especificidade tecidual limita o valor diagnós- tico de muitas enzimas plasmáticas. C. lsoenzimas e doença cardíaca A maioria das isoenzimas (também chamadas isozimas) são enzimas que catalisam a mesma reação. Entretanto, elas não têm necessariamente as mesmas propriedades físicas, devido a diferenças geneticamente determi- nadas na seqüência de seus aminoácidos. Por essa razão, as isoenzimas podem conter diferentes números de aminoácidos carregados e, portanto, podem ser separadas umas das outras por eletroforese (Figura 5.21 ). Dife- rentes órgãos freqüentemente contêm proporções características de diferen- tes isoenzimas. O padrão de isoenzimas encontrado no plasma pode, desse modo, servir para identificar o sítio da lesão tecidual. Por exemplo, os níveis plasmáticos de creatina-cinase (CK) e de /actato-desidrogenase (LDH) são comumente determinados para o diagnóstico do infarto do miocárdio. Eles são particularmente úteis quando o eletrocardiograma é de difícil interpreta- ção, como quando tenha havido episódios prévios de doença cardíaca. 1. Estrutura quaternária das isoenzímas. Muitas isoenzimas contêm diferentes subunidades, em várias combinações. Por exemplo, a crea- tina-cinase ocorre como três isoenzimas. Cada isoenzima é um dímero, composto por dois pol ipeptídeos (chamados subunidades B e M) asso- ciados em três combinações: CK1 = BB, CK2 = MB e CK3 = MM. Cada uma das isoenzimas da CK apresenta uma mobilidade eletroforética característica (veja a Figura 5.21 ). 2. Diagnóstico do infarto do miocárdio. O músculo miocárdico é o único tecido que contém mais de 5% da atividade total da CK como a isoenzima CK2 (MB). O aparecimento dessa isoenzima híbrida no plasma é praticamente específico para o infarto do miocárdio. Após um infarto agudo do miocárdio, essa isoenzima aparece (em cerca de 4 a 8 Bioquímica Ilustrada 65 Direção da migração CK1 CK2 CK3 Q . o As isoenzimas da CK são carregadas negativamente e migram em di reção ao ànodo. Origem lnfarto do miocárd io Normal Figura 5.21 Estrutura das subunidades e mobilidade eletroforética das isoenzimas da creatina-cinase. 66 Pamela C. Champe, Richard A. Harvey, Denise R. Ferrier t 24 48 Horas ln farto Figura 5.22 Surgimento da creatina-cinase (CK) e da /actato-desidrogenase (LDH) no plasma após um infarto do miocárdio. 3. horas do início da dor torácica) e atinge um pico de at ividade em apro- ximadamente 24 horas (Figura 5.22) . (Nota: A atividade da lactato-desi- drogenase também está elevada no plasma após um infarto, atingindo um pico em 36 a 40horas após o início dos sintomas. A atividade da LDH apresenta, assim, valo r diagnóstico para pacientes admitidos mais de 48 horas após o infarto - um período no qual a CK2 pode fornecer resultados equivocados.) Novos marcadores para o infarto do miocárdio. Troponina T e troponina I são proteínas reguladoras, envolvidas na contratilidade do miocárdio. Elas são liberadas para o plasma em resposta ao dano cardíaco. Níveis elevados de troponinas no soro são mais preditivos de conseqüências adversas de uma angina instável ou de um infarto do miocárdio do que o ensaio convencional da CK2. X. RESUMO DO CAPÍTULO Enzimas são proteínas catalisadoras que aumentam a velocidade de uma reação química por diminuir a energia do estado de t ransição. As molécu- las de enzimas não são consumidas durante a reação que catalisam. Elas contêm uma região específ ica ou uma "fenda" chamada de sítio ativo. Este contém cadeias laterais de aminoácidos que criam uma superfície tri- dimensional complementar ao substrato. Ele liga o substrato, formando um complexo enzima-substrato (ES). O ES é convertido no complexo enzima- produto (EP), o qual é subseqüentemente d issociado em enzima e produto. Uma enzima permite que a reação p roceda rapidamente em condições existentes dentro da célula, por facilita r uma via alternativa de reação com uma menor energia livre de ativação. A enzima não altera a energia livre dos reatantes e dos produtos e, assim, não altera o equilíbrio da reação. A maioria das enzimas apresenta a cinética de Michaelis Menten. Um gráfico relacionando a velocidade inicial da reação, V0 , contra a concentração de substrato, [S] , tem um formato hiperbólico, semelhante à curva de disso- ciação do oxigênio da mioglobina. Qualquer substância capaz de diminuir a velocidade de uma reação catalisada por enzima é chamada de inibidor. Os dois tipos mais comuns de inibição são a competitiva (a qual aumenta o Km aparente) e a não-competitiva (na qual a V max é diminuída). Em contraste , as enzimas alostéricas, com múltiplas subunidades, freqüentemente mos- tram uma curva sigmoidal, com aspecto semelhante à curva de dissociação do oxigênio da hemoglobina. Essas enzimas são freqüentemente encontra- das catalisando passos comprometidos (limitantes da velocidade) de uma via. As enzimas alostéricas são reguladas por moléculas chamadas de efetores (também modificadores), que ligam-se de fo rma não-covalente em outro sítio, que não o sítio ativo. Os efetores podem ser positivos (acele ram as reações catalisadas pelas enzimas) ou negativos (diminuem a velocidade da reação). Um efetor alostérico pode a lterar a afinidade da enzima pelo seu substrato ou modificar a atividade catalít ica máxima da enzima ou ambos. Enzimas são Cataltsadores que contém Sítio(s) ativo(s) que é uma fenda na superfície da enzima, complementar à estrutura do substrato permitindo t A ligação do substrato I que leva à ~ que leva ao ~ ( Aumento da velocidade S __. P ~ mas Não altera o equilfbrio da reação Catálise é estudata usando Modelos de reação por exemplo E+ S __. ES __. E+ P que leva a t Equações cinéticas por exemplo Equação de Michaelis-Menten: Vmax · [S) Vo=--- Km+[S) I a qual prediz t Como variações na [S] afetam v0 por exemplo, para Michaelis·Menlen: A curva de (S) versus v0 é hiperbólica Quando a [S) é muito maior que o Km, a velocidade da reação é independente da [S] o que é chamado ~ Ordem zero Bioquímica Ilustrada 67 Velocidade das reações enzimáticas geralmente é influenciada por t • Concentração da enzima • Temperatura • Co-fatores •pH • Concentração do substrato • Modificação covalente • Inibidores classificados como quando quando t Km não é alterado Vmax diminui [S) Enzimas alostéricas I geralmente t • São compostas por múltiplas subunidades • Catalisam reações limitantes de velocidade • Ligam o substrato cooperati- vamente Quando [S) = Km então v0 = 1/ 2 V max • Apresentam uma curva sigmoidal quando se constrói um gráfico de v0 versus [S) Figura 5.23 Quando a [S] é menor que Km, a velocidade da reação é proporcional à [S) I o que é chamado • Ligam-se a efetores alosté- ricos diferentes do substrato I levando à levando a t Alterações na V max ou na afini- dade pelo substrato ou ambos Mapa de conceitos-chave para enzimas. S =substrato, [S] = concentração de substrato, P = produto, E = enzima, V 0 = velocidade inicial , V max =velocidade máxima, Km= constante de Michaelis. 68 Pamela C. Champe, Richard A. Harvey, Denise R. Ferrier Questões para Estudo Escolha a ÚNICA resposta correta. 5.1 Um inibidor competitivo de uma enzima: A. aumenta Km sem afetar a V max; B. diminui Km sem afetar a V max; C. aumenta V max sem afetar Km; D. diminui Vmax sem afetar Km; E. diminui ambos, Km e Vmruc 5.2 A constante de Michaelis, Km, é: A. numericamente igual a Y2 V max; B. dependente da concentração da enzima; C. independente do pH; D. numericamente igual à concentração do substrato que corres- ponde à metade da velocidade máxima; E. aumentada na presença de um inibidor não-competitivo. 5.3 Um homem de 70 anos foi admitido no setor de emergência com um histórico de 12 horas de dor no peito. A medida da creatina- cinase (CK) no soro foi determinada na admissão (no 1º dia) e novamente no dia seguinte (Figura 5.24). No segundo dia após a admissão, ele apresentou arritmia cardíaca, a qual cessou após 3 ciclos de cardioconversão elétrica, os dois últimos com máximo de energia. (Nota: A cardioconversão é feita colocando-se duas placas com 12 cm de diâmetro em contato firme com o peito e aplicando-se uma breve diferença de voltagem.) O ritmo cardíaco normal foi estabelecido. Ele não apresentou arritmia recorrente nos dias consecutivos. Sua dor no peito diminuiu e ele foi liberado no décimo dia. Qual das afirmações a seguir é mais consistente com os dados apresentados? A. O paciente teve um infarto do miocárdio 48 a 64 horas antes de sua admissão. B. O paciente teve um infarto do miocárdio no 2º dia. C. O paciente teve angina antes da admissão. D. O paciente teve uma lesão no músculo esquelético no 2º dia. E. Os dados não permitem qualquer conclusão sobre um infarto do miocárdio antes ou depois de sua admissão no hospital. Resposta correta = A. Na presença de um inibidor competitivo, uma enzima parece ter menor afinidade pelo substrato, mas quando a concentração de substrato é aumentada, a veloci- dade observada se aproxima de V max· (Veja o painel B, Figuras 5.12 e 5. 14, para uma comparação dos efeitos de inibidores competitivos e não-competitivos.) Resposta correta = D. Lembre que o Km tem a dimensão de concentração e é uma característica de uma enzima em determinadas condições de reação. O Km não depende da concentração da enzima, mas pode variar com o pH. Um ini- bidor não-competitivo diminui a V max• mas não altera o Km (veja a Figura 5.14 ). MM MM Paciente Paciente \ \ Normal Na admissão (Dia 1) Figura 5.24 12 horas após cardioconversão (Dia 2) Níveis séricos de creatina-cinase. Resposta correta = D. O padrão da isoenzima CK na admissão mostrou a isoenzima MB elevada, indicando que o paciente apresentou um infarto do miocárdio nas 12 a 24 horas ante- riores. (Nota: Em 48 a 64 horas depois do infarto, a isoenzima MB deveria retornar aos valores normais.) No 2° dia, 12 horas após as cardioconversões, a isoenzima MB havia diminuído, indicando não haver lesão posterior no coração. Entretanto, o paciente apresentou um aumento da isoenzima MM após a cardioconversão. Isso sugere lesão muscular, provavelmente resultante da contração convulsiva do músculo causada pela cardioconversão repetitiva. A angina é tipicamente o resultado de espasmos transitórios na vasculatura cardíaca, e não seria de se esperar que levasse à morte tecidual que resultaria no aumento da c reatina-cinasesérica.
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