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1. A primeira tarefa do intérprete é verificar se entre as leis concorrentes há sucessão temporal. Em caso positivo, não há um “concurso aparente de normas”, mas um conflito intertemporal a ser solucionado pelo princípio Lex posterior derogat priori (lei posterior revoga lei anterior). Não havendo um conflito de leis penais no tempo, a questão é de subsunção do fato ao tipo. Princípios para a solução de conflitos aparentes de normas 1. São quatro os princípios que resolvem os conflitos aparentes de normas: · Princípio da especialidade; · Princípio da subsidiariedade; · Princípio da consunção; · Princípio da alternatividade. Princípio da especialidade 1. Diz-se que uma norma penal incriminadora é especial em relação a outra, geral, quando possui em sua definição legal todos os elementos típicos desta, e mais alguns, de natureza objetiva ou subjetiva, denominados especializantes. Ex.: a norma que define o infanticídio é especial em relação à que descreve o homicídio, que é geral. O tipo do infanticídio contém os elementos da figura típica do homicídio e mais alguns (“sob a influência do estado puerperal”, “o próprio filho”, “durante o parto ou logo após”), que são considerados especializantes. 2. Da mesma forma, O tipo fundamental é excluído pelo qualificado ou privilegiado, que deriva daquele. Nesses termos, o furto simples (art. 155, caput) é excluído pelo privilegiado (art. 155, § 2º), o estelionato simples (art. 171, caput) é excluído pelo qualificado (art. 171, § 3º), etc. 3. Mas qual a solução quando o conflito ocorre entre normas especiais? Ex.: Qual a solução se o agente comete homicídio com emprego de asfixia (art. 121, §2°, III, 4° figura), impelido por motivos de relevante valor social ou moral (art. 121, §1°)? Nada obsta que tenham aplicação conjunta, atenuando a circunstância subjetiva o rigorismo sancionador da qualificadora objetiva. 4. O disposto no art. 12 do CP tem fundamento no princípio da especialidade. Tal dispositivo, entretanto, refere-se às regras do Código e das normas extravagantes, atribuindo prevalência a estas. Princípio da subsidiariedade 1. Há relação de primariedade e subsidiariedade entre normas quando descrevem graus de violação do mesmo bem jurídico, de forma que a infração definida pela subsidiária, de menor gravidade que a da principal, é absorvida por esta. Ex.: A figura típica do crime de ameaça (art. 147) está incluída no tipo de constrangimento ilegal (art. 146). 2. A subsidiariedade pode ser expressa (ou explícita) ou tácita (ou implícita): · Expressa (ou explícita): a norma, em seu próprio texto, subordina a sua aplicação à não aplicação de outra. Ex.: O art. 129, § 3º, define o crime de “lesão corporal seguida de morte”, com a seguinte proposição: “Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo”. A norma é subsidiária, pois só é aplicável quando inexistente o dolo do homicídio. Outro exemplo: Art. 21 da LCP: preceito sancionador: “prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa”, “se o fato não constitui crime”. · Tácita (ou implícita): Há subsidiariedade implícita (ou tácita) quando uma figura típica funciona como elementar ou circunstância legal específica de outra, de maior gravidade punitiva, de forma que esta exclui a simultânea punição da primeira. Ex.: O crime de dano (art. 163) é subsidiário do furto qualificado pela destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa (art. 155, § 4º, I). Princípio da consunção 1. Ocorre a relação consuntiva, ou de absorção, quando um fato definido por uma norma incriminadora é meio necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro crime. Ex.: o furto de casa habitada absorve a violação de domicílio. 2. Os crimes se denominam: · Crime consuntivo: o que absorve o de menor gravidade; · Crime consunto: o absorvido. Princípio da consunção e progressão criminosa 1. As condutas absorvíveis na relação consuntiva podem ser classificadas em 3 grupos: · Progressão criminosa em sentido escrito: quando a hipótese que seria um crime progressivo se desvincula no tempo. Exs.: A quer, primeiramente, somente ferir, e, logo após lesar a integridade física da vítima, determina matar e a mata (o homicídio absorve a lesão corporal). · Antecedente não punível: quando uma conduta menos grave precede a uma mais grave. É o que ocorre no caso de o sujeito ter em seu poder “instrumentos empregados usualmente na prática do crime de furto” (LCP, art. 25) e, em seguida, praticar uma subtração punível. · Fato sucessivo não punível: quando um fato posterior menos grave é praticado. Assim, se após o furto o ladrão destrói a coisa subtraída, só responde pelo furtum rei, e não também pelo dano (CP, art. 163). 2. Nota: De acordo com a lição de Ranieri, há progressão criminosa quando um tipo, já realizado, ainda se concretiza por meio da prática sucessiva de outra figura típica em que se encontra implicada. Trata-se, dessa maneira, de conceito diverso e de maior amplitude que o do crime progressivo. O crime progressivo pressupõe um só fato; a progressão criminosa, uma pluralidade de fatos cometidos de forma continuada. Sob o aspecto subjetivo do sujeito, existe no crime progressivo, desde o início, a vontade de cometer a infração de maior gravidade; na progressão criminosa a intenção inicial é praticar o delito menor, e só depois é que, no mesmo iter criminis, resolve ele cometer a infração mais grave. Princípio da alternatividade 1. A norma penal que prevê vários fatos alternativamente, como modalidades de um mesmo crime, só é aplicável uma vez. Ocorre nos crimes de ação múltipla ou conteúdo variado. Assim, se o agente induz, instiga e depois auxilia alguém a suicidar-se ou a automutilar-se, só responde por um crime: o de participação em suicídio ou automutilação (CP, art. 122). Referências: JESUS, Damásio de. Parte geral – arts. 1 ao 120 do CP. Vol 1. Atualizador: André Estefam. 37 ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
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