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1 UNIRJ DISCIPLINA: DIREITO ADMINISTRATIVO I PROF.: FREDERICO MORAES PODERES ADMINISTRATIVOS I. NOÇÕES GERAIS É o conjunto de prerrogativas de direito público que o ordenamento jurídico confere aos agentes públicos com o intuito de permitir que o Estado, por meio desses agentes, alcance o interesse público. São os poderes instrumentais do Estado, exercidos com autoridade e nos limites da lei, adequados à realização das tarefas administrativas. Os poderes administrativos encontram fundamento no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, de modo que o Estado pode, eventualmente, utilizar dessas prerrogativas para restringir direitos individuais frente ao interesse público. Contudo, em sua atuação, o Estado não pode suprimir todos os direitos fundamentais e individuais sob o fundamento de que vai atender ao interesse público. A Constituição da República impõe limites à atuação estatal, que deve respeitar o ordenamento jurídico, obedecendo, em especial, aos princípios da legalidade e da razoabilidade, de acordo com o caso concreto. Este binômio que norteia a atuação do Estado: prerrogativas colocadas nas mãos do Estado (poderes administrativos) X sujeições colocadas na atuação desse Estado (direitos e garantias fundamentais). Em cada caso concreto, o Estado deverá fazer ponderações entre o interesse público e o privado em jogo, a fim de concluir se a atuação estatal será justa. Os poderes administrativos podem ser classificados conforme a liberdade da Administração para a prática de seus atos (poder vinculado e poder discricionário), conforme visem ao ordenamento da administração ou à punição dos que a ela se vinculam (poder hierárquico e poder disciplinar), consoante a finalidade normativa (poder normativo) e tendo por objetivo a contenção dos bens, direitos e atividades individuais (poder de polícia). Parte da doutrina administrativista adota o posicionamento da Profª. MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, no sentido de que o poder discricionário e o poder vinculado não são poderes autônomos, mas ao contrário, são características do exercício dos poderes administrativos existentes, são um resultado da atuação do legislador. II. PODER DISCIPLINAR O poder disciplinar consiste na possibilidade da Administração Pública aplicar punições aos agentes públicos que cometam infrações funcionais. Tem as seguintes características, como destaca ALEXANDRE MAZZA1: 2 a) poder interno, pois somente pode ser exercido sobre agentes públicos, nunca em relação a particulares, b) não permanente, vez que aplicável apenas se e quando for cometida falta funcional, e c) discricionário, considerando que a Administração pode escolher, com alguma margem de liberdade, a punição mais apropriada a ser aplicada ao agente público. Cabe ressaltar quanto à discricionariedade, que esta somente se aplica sobre a escolha da punição ao agente público, pois a obrigação de punir diante da infração administrativa cometida é obrigatória, sendo um dever vinculado. A discricionariedade do poder disciplinar deve ser compreendida no sentido de que seu exercício não está vinculado à prévia definição da lei sobre a infração funcional e a respectiva sanção. Nessa perspectiva, pode-se concluir que o poder disciplinar é vinculado quanto ao dever de punir, mas discricionário no que tange à seleção da penalidade aplicável ao agente público. Todavia, ao divergir do posicionamento da doutrina tradicional, merece transcrição a lição de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, ao entender que a avaliação conferida ao administrador para aplicar a punição não configura discricionariedade, pois não há propriamente juízo de conveniência e de oportunidade. Urge que o administrador forme a sua convicção com base em todos os elementos do processo administrativo; sua conduta, portanto, está vinculada a tais elementos. Desse modo, deve reduzir-se a um mínimo qualquer parcela de subjetivismo no que tange ao poder punitivo da Administração, permitindo-se, em consequência, que o Judiciário aprecie o ato sancionatório praticamente em sua integralidade.2 O artigo 127 da Lei 8.112/90 (Regime Jurídico Único dos Servidores Civis Federais) estabelece seis tipos de penalidades: a) advertência, b) suspensão, c) demissão, d) cassação da aposentadoria ou disponibilidade, e) destituição de cargo em comissão e f) destituição de função comissionada. Por sua vez, as normas do artigo 5º, incisos LIV e LV da Carta Política estabelece que a aplicação de qualquer penalidade encontra-se sujeita a exigência de prévia instauração de processo administrativo, como decorrência de atendimento ao princípio do devido processo legal (due processo of law), assegurando a garantia do contraditório e ampla defesa ao servidor acusado da prática de fato considerado pela lei como passível de punição, sob pena de nulidade da sanção imposta. Sobre o tema, destaca o professor NAGIB SLAIBI FILHO que o devido processo legal exige a participação igualitária do Estado nas relações com os indivíduos, correspondendo a “um meio de afirmação da própria legitimidade e de afirmação perante o indivíduo”.3 1 Manual de Direito Administrativo. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 246. 2 Manual de Direito Administrativo. 24ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 67, citando, inclusive, acórdão do STJ no MS 12.927-DF, 3ª Seção, Rel. Min. FELIX FISCHER, em 12.12.2007 (Informativo STJ nº 342, dez/2007). 3 Anotações à Constituição de 1988, Forense, 1989, p. 209. 3 Com efeito, a apuração das infrações cometidas por agentes públicos é formalizada por meio de processo administrativo disciplinar, cujo trâmite encontra previsão em leis e outras normas regulamentares editadas por cada ente federativo. A aplicação da sanção deve obedecer, ainda, ao princípio da adequação punitiva (ou princípio da proporcionalidade), ou seja, a penalidade aplicada deve ser perfeitamente adequada à conduta infratora, sem cometimento de abuso pelo agente aplicador da sanção, sobretudo desvio de finalidade, sob pena de restar configurada arbitrariedade, inconciliável com o princípio da legalidade4. Desse modo, o referido princípio deve ser observado em cada caso concreto, a fim de que sejam analisados todos os elementos adjacentes ao ilícito funcional praticado. Por fim, convém mencionar o instituto da verdade sabida, estabelecido em algumas leis específicas, que admitiam a aplicação direta, pela autoridade competente, de penalidades disciplinares sem processo administrativo, na hipótese de notoriedade dos fatos imputados ao agente público. Nos dias atuais, a doutrina publicista é unânime em afirmar sua inconstitucionalidade, por violar o princípio do devido processo legal, que tem como corolários a garantia do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, da CF). III. PODER HIERÁRQUICO Segundo os ensinamentos de HELY LOPES MEIRELLES, poder hierárquico é o de que dispõe a Administração Pública “para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal”.5 Para ALEXANDRE MAZZA, o poder hierárquico É um poder interno e permanente exercido pelos chefes de repartição sobre seus agentes subordinados e pela administração central em relação aos órgãos públicos consistente nas atribuições de comando, chefia e direção dentro da estrutura administrativa.6 Assim, podemos destacar duas características do poder hierárquico: a) poder interno, pois somente pode ser exercido sobre agentes públicos, nunca em relação a particulares, b) permanente, uma vez que não tem caráter episódico, como ocorre com o poder disciplinar. A Profª. ODETE MEDAUAR esclarece que entre órgãos integrantes da mesma pessoa jurídica existem relações fundamentadas na posição que ocupam no escalonamento das atribuições e responsabilidades, para, em seguida, traçar a distinção entre relação paritária e relaçãohierárquica: Se dois órgãos se encontram no mesmo nível na estrutura, nenhum exerce poder de supremacia nas relações com o outro. Trata-se, portanto, de relações paritárias, em que sobressai um 4 JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, ob. cit., p. 67. 5 Direito administrativo brasileiro, p. 117. 6 Manual de Direito Administrativo. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 247. 4 sentido de coordenação, ao se pensar em atuação conjunta ou conciliada dos dois órgãos. Por exemplo: entre dois Ministérios, que se situam no mesmo nível no escalonamento da estrutura administrativa federal, as relações orgânicas são paritárias, no aspecto jurídico, inexistindo supremacia de um sobre o outro. E mais: A hierarquia ocorre quando há diferença de posição dos órgãos no escalonamento estrutural, de modo que o órgão superior, nas relações com o subordinado, exerce uma série de poderes aos quais o subordinado se sujeita. Trata-se de relações de supremacia-subordinação. Existe hierarquia entre órgãos inseridos na mesma estrutura, ou seja, no âmbito da estrutura interna da mesma pessoa jurídica. No ordenamento brasileiro, pode-se dizer que a hierarquia é vínculo que ocorre entre órgãos da Administração direta ou no interior de cada entidade da Administração indireta.7 Por tal razão é que não existe hierarquia entre a Administração Direta e os entes que compõem a Administração Indireta, pois a autonomia administrativa, financeira e orçamentária característica das autarquias, fundações públicas e empresas governamentais afasta qualquer subordinação de tais entidades perante a Administração Central. A entidade administrativa (entes da Administração Indireta) não está subordinada, mas vinculada ao ente da federação (entes da Administração Direta), que exerce sobre a mesma o denominado controle finalístico, um controle de resultados quanto ao cumprimento das finalidades que motivaram sua criação. Desse modo, na estrutura administrativa de uma autarquia existe hierarquia, pois seu diretor está em posição de comando, de superioridade em relação aos demais agentes públicos que integram os quadros da hierarquia. Já na relação entre uma autarquia federal e a União Federal, que são pessoas jurídicas diferentes, não há hierarquia, mas vinculação, de modo que esta exerce controle finalístico sobre aquela. Autarquia Autarquia Federal União Federal HIERARQUIA VINCULAÇÃO Mesma pessoa jurídica Pessoas jurídicas diferentes Relação de subordinação Controle Finalístico 7 Direito Administrativo Moderno. 14ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 60 (grifei). 5 Por tal razão, quando a lei autoriza expressamente a possibilidade de interposição de recurso contra decisão de uma autarquia federal dirigido à União Federal, a doutrina denomina-o como recurso hierárquico impróprio, pois não há hierarquia propriamente dita, mas vinculação. Como efeitos da relação hierárquica (relação de supremacia-subordinação), ODETE MEDAUAR cita os seguintes: a) poder de dar ordens - o superior hierárquico detém a faculdade de emitir ordens funcionais aos subordinados, inclusive fixando diretrizes de atuação. O subordinado deve atender, em princípio, às ordens e instruções funcionais, ressalvada as ordens manifestamente ilegais. Sobre o tema, cumpre realçar a advertência de JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO: É claro que tal dever não obriga o agente de nível inferior a cumprir ordens manifestamente ilegais, aferíveis pelo indivíduo mediano. Essa, aliás, a posição adotada pelo CP, de cujo art. 22 se extrai, a contrario sensu, a interpretação de que, se a ordem do superior é manifestamente ilegal, pelo fato responde não só o autor da ordem como aquele que a cumpriu.8 b) poder de controle - o superior hierárquico exerce controle sobre os atos e a atividade dos órgãos e autoridades subordinadas. Trata-se do controle hierárquico, que pode se realizar de ofício, sem provocação, como resultado do próprio modo de funcionamento de uma estrutura hierarquizada. Mas também pode ser exercido por provocação, em virtude de interposição de recurso hierárquico de decisão do subordinado ou requerimento de outro tipo. c) poder de rever atos do subordinado - é faculdade que permite ao superior hierárquico alterar total ou parcialmente decisões dos subordinados, de modo espontâneo ou mediante provocação (recurso ou requerimento). Tais alterações podem levar à anulação ou revogação do ato emitido pelo subordinado, se for o caso. d) poder de decidir conflitos de competência entre subordinados – havendo divergências entre órgãos subordinados quanto à competência, seja a disputa para exercê-la ou não, cabe ao superior hierárquico resolver o conflito, identificando o órgão competente. e) poder de coordenação - é a faculdade de exercer atividades tendentes a harmonizar a atuação dos diversos órgãos que lhe são subordinados, sobretudo para assegurar integração no cumprimento dos encargos e para evitar dispersão e desperdícios. A coordenação figura entre os preceitos fundamentais que regem as atividades da Administração Federal no Brasil (arts. 6º, II e 8° do Decreto-lei 200/67). Dois institutos aparecem associados ao poder hierárquico, como consta na Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal: a DELEGAÇÃO e a AVOCAÇÃO de competências. Para JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, a DELEGAÇÃO “é a transferência de atribuições de um órgão a outro no aparelho administrativo”.9 8 Manual de Direito Administrativo. 24ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 63 (rodapé). 9 Dicionário de Direito Administrativo, Forense, RJ, 1978, p. 172. 6 A delegação fundamenta-se na necessidade de atribuir maior agilidade e celeridade na tomada de decisões, bem como no objetivo de liberar a autoridade ou órgão superior de tarefas rotineiras. O ato de delegação tem forma escrita, sendo publicado em diário oficial, por comunicação interna ou por afixação, de acordo com a matéria objeto da delegação e o tipo de divulgação adotado pelo órgão. Na delegação tem-se a distribuição temporária de competência, configurando um movimento centrífugo. A delegação pode atingir agentes ou órgãos públicos subordinados ou não à autoridade delegante (delegação vertical ou horizontal, respectivamente). Já na AVOCAÇÃO ocorre o inverso. MARCELO CAETANO leciona que através da avocação “o chefe superior pode substituir-se ao subalterno, chamando a si (ou avocando) as questões afetas a este, salvo quando a lei só lhe permita intervir nelas após a decisão dada pelo subalterno”.10 Assim, na avocação há concentração de competência de forma centrípeta, que só pode recair sobre agentes subordinados (avocação vertical). No mais, a fungibilidade de atribuições decorrente da avocação é excepcional, encontrando limites na lei e em outras normas que fixem competências do órgão inferior, como dispõe o artigo 15 da Lei n° 9.784/99, in verbis: Art. 15 – Será permitida, em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a avocação temporária de competência atribuída a órgão hierarquicamente inferior. (sem grifos no original) O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento proferido no MS 124, em março de 1990, considerou abuso de poder avocação, por Ministro de Estado, de decisão que, por regulamento, competia ao diretor de um departamento, pois além de ignorar o regulamento, a avocação lesou o devido processo legal, impedindo a interposição de recurso hierárquico (cf. RDA 179-180, P. 163-176, jan.-jun. 1990).11 10 Manual de Direito Administrativo, tomo I, p. 246. 11 Este caso prático é citado por ODETE MEDAUAR, ob. cit., p. 62.
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