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A NEGACAO DA MORTE

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Prévia do material em texto

A Arte do Morrer- Visóos Phurais 
A Negação da Morte 
Rooserelt M. S. Cassorla 
Psicanalista, Membro Efetivo e Didata da Sociedade 
Brasileira de Psicanálise de S. Paulo; Profesor Titular 
Colaborador da Faculdade de Ciências Médicas da UNI- 
CAMP (Depto. de Psicologia Medica e Psiquiatria) 
Os maiores misterios que assolam o ser humano se referem às suas origens, a seu 
napel no mundo e à sua hnitude. Para tentar explicar e compreender esses mistérios, a 
humanidade vem buscando respostas, utilizando conhecimentos filosóficos, cientifhcos 
e religiosos. NO entanto, por mais que se pense e se investigue, o ser humano sabe, em 
seu intimo, que esses conhecimentos em pouco o ajudam frente à imensidão do que 
não se sabe. Dentre esses misterios, certamente a morte é o mais terrorihco, porque im- 
plica no desaparecimento, aniquilação do ser. O terror de tornar-se não-existente (pelo 
menos como forma de vida conhecida) persegue todos os seres humanos e a ansiedade 
de aniquilamento é descrita, pela psicanálise, como o terror primordial, terror esse que 
já faz parte do individuo ao nascer. 
A mente humana tem a capacidade de transtormar sensações e experiéncias em 
fatos mentais, que podem ser registrados, representados e simbolizados, constituindo-
se o pensamento. No entanto, ela não tem condições de representar e pensar o não- 
existente. Esse não-existente apenas emerge através de sentimentos terroríicos, sinali- 
zadores da impotência e desespero frente aos mistérios relacionados àfinitude. Isto éa 
própria tomada de consciência da idéia de finitude é, em si, terrorihca. O ser humano 
se 
defronta com a idéia do Nada, do deixar de ser, ea impossibilidade de representar esse 
Nada é desesperante. 
Ainda queoprocesso do morrer possa ser, em parte, imaginado e representado, isso 
nao será possível com a morte, sua consequência hinal. O fato de não poder saber-se o 
que ocorre quando a morte chega e, ao mesmo tempo, 
sentir-se terror com sua proximi- 
dade, acrescenta ao ser humano outro tipo de sofrimento, o de não-saber. O não-saber éé 
VIvenciado também como terroríhco, um vazio que nos mostra que, ao nada sabermos, 
nada podemos fazer. E essa ansiedade que nos impulsiona a buscar respostas e soluções 
que possam, de alguma forma, preencher algo desse vazio assustador. Uma tática 
será 
transpor a experiência da morte para aquilo que a antecede, 
isto é, o processo de morrer 
For vezes sobreviventes relatam experiências e vivências que se estendem num espec 
tro que vai desde o terror até visões alentadoras de paz 
e tranquilidade, passando pela 
Inditerença. A tendência a valorizar experiências boas (com indicios da existência de 
Outra vida em seguida à morte) pode ser tanto o resultado da necessidade
humana de 
desacreditara não-exist�ncia como do estudo de relatos de algumas pessoas que viven- 
Ciaram situações desse tipo. 
Ora, se o 
Nada é insuportável, 
a mente 
tem que usar 
estratégias Dai 
timento 
insuportável deixe 
de o ser. 
Essas estratégias 
säo 
conhecidasee 
de defesa, 
artificios 
mentais 
inconscientes utilizados para 
evitar que fatos, iddi 
cmos 
ou 
sentimentos penosOS 
sejam vivenciados. 
Na negaçao eles 
não são coneia 
são postos 
de lado. Em 
outras palavras, a 
mente procura 
nao tomar conhecir 
realidade (interna 
e/ou externa) 
ou a detorma a 
tal ponto que ela deixe de 
Existem várias 
formas de negação da 
realidade, 
velé reprimido ou 
recalcado - isto é, é expulso da 
consciéncia más persiste no in 
ciente-ateé outras 
em que o fato sequer 
é considerado 
pela mente, 
transformado e em seguida expulso. Essa expuls�o pode 
incluir, ao mesnm 
tempo, tunçoes 
mentais que 
tiveram contato com 
o fato. 
O paradoxo 
do 
suicídio 
esse sen- 
asias 
não são considerados ou 
nhecimento da 
incomod. 
, desde aquelas em que o fato sagradá 
ste no incons 
ado. Outras vezes o fato é acolhido 
nes 
Estudaremos essas estratégias 
mentais a partir do estudo do suicídio, que nos 
defronta com um paradoxo: por que 
o ser humano que vive 
aterrorizado pela consciên- 
cia de sua hnitude pode buscar, 
conscientemente, a morte? 
Comportamentos variados que 
levam a morte, muitas vezes, são sentidos como 
sedutores em certos individuos: uso de 
álcool e drogas, velocidade e perigo, colocar-se 
em situações arriscadas, sexo sem cuidados, riscos à saúde 
e à vida (CASSORLA, 1998 
A:2005; CASSORLA & SMEKE, 1985). Em alguns casos, esses comportamentos são 
fruto da necessidade do ser humano negar sua fragilidade, imaginando-se tão poderoso 
que pode desahar a morte e derrotá-la. Essa atração pela morte se torna ainda mais mis- 
teriosa quando nos defrontamos com comportamentos manifestamente suicidas. No 
entanto, adiada ou não, a morte virá em algum momento, já que estamos programados 
internamente para morrer. Fatores externos apenas poderão acelerá-la. 
Quando pensamos em pessoas torturadas por motivos politicos, ou em pa- 
cientes que sentem dores fisicas terríveis, não é dificil imaginarmos que eles vivenciam 
sofrimentos que podem ser sentidos como insuportáveis. Esses sotrimentos indicam 
a proximidade do aniquilamento. Seja o sofrimento inicial vivenciado no corpo ou na mente será esta última (por ser o instrumento que permite a vivência) que experienciarà as ansiedades de desintegração do ser, loucura inominável que precedeo aniquilamen to. Mesmo que funções corporais persistam, elas não poderão ser vivenciados por uma mente que já não existe. 
O fato dessas pessoas, por vezes, buscarem a morte através do suicidio nos obrigaa pensar que, na verdade, não éa morte (aniquilamento) que elas procuram, mas sim u fuga do sorimento insuportável. E esse mesmo sofrimento que, em última instan assola os pacientes psicóticos, melancólicos ou aqueles que não suportam as vivencas reais ou imaginarias de injustiça, rejeição, fracasso, culpa, etc. Em outras palavias, 
suicida sente que sua mente está sendo destruída e que, por isso, ele deixará de exist 
(ou de perceber-se) como ser vivo. Isto é, transformar-se-á em Nada. E, o suicida se n para escapar desse sofrimento insuportável. 
Ida apos a morte 
rais 
mostram como os mecanismos de defesa transtormam o sofrimento terrivel que assola 
O est chido das fantasias inconscientes que acompanham as idéias e atos suicidas nos individuo ONada em Tudo. Isto e, cria-se a certeza de que após a morte não existem ne 
Taades ou desejos. A satistação e o preenchimento das necessidades é total, Logo, 
icte sofrimento. Istoé,o Nada eo não-saber sobre o Nada ésubstituido pela cren ae.azendo parte do Tudo não há que preocupar-se com o Nada. 
midades do Nada. Um dos mais importantes é transformar, em 
Evidentenmente o ludo tampouco consegue ser representado mentalmente, mas nodem criar-se aproximaçoes, o que não é possível em relação ao Nada. A mais interes sante, nte. identihcada em todos os tempos e culturas, é a de que após a morte se irá para um tro mundo (ou se terà outra vida), um lugar em que todas as necessidades são satis 
outro 
feitas. Esse tipo de fantasia coincide com a idéia de Paraíso que, com poucas'variaçoes, faz parte de todos os SIstemas religiosos. Nesse Paraíso, existe a perfeição absoluta eo individuo une-se a Deus, fazendo parte de uma totalidade perfeita, o Tudo. Esta fantasia nos remete, portanto, à crença de que a vida continua após a morte logo o ser humano e, de alguma torma, considerado imortal. Estudos históricos e antro- 
pológicos nos mostram formas como essa crença se manifesta. Em muitas culturas os 
mortos eram enterrados juntamente com alimentos e objetos pessoais que seriam úteis 
no caminho para o outro mundo. Conhecemos em detalhes os rituais do Egito antigo, 
onde as pirämides e os cuidados para evitar a profanação de tumbas (certamente por 
pessoas imunes a essas crenças) mostram sua importáncia. Em culturas como a antiga 
Ur o rei morto era acompanhado por um séquito de servidores que iriam servi-lo no 
outro mundo. No tenómeno do suttee,presente na India, mesmo durante o dominio 
ingl�s, a viúva era enterrada junto com o marido. O mesmo ocorria com o senhor feudal 
japon�s e seus vassalos. Nas Novas Hébridas uma criança era 
enterrada junto com sua 
mae ou outro adulto, que cuidaria dela no outro mundo. Nas ilhas Salomão, 
somente a 
esposa favorita tinha o privilégio de acompanhar 
seu marido após a morte 
Entre as religiões atuais, o Paraíso dos judeuse 
cristãos difere daquele imaginado por 
grupos islåmicos, onde os heróis 
terão a disponibilidade de prazeres imensos, 
similares 
aos terrestres. Esta crença é associada 
aos suicídios, por eles praticados, com 
o intuito 
de eliminar seus inimigos. A oposição 
ao Paraíso, porvezes, é o lnterno, 
onde também a 
Vida continua - ainda que seja uma vida 
cheia de castigos. Hà poucOs 
anos ocoreu uma 
epidemia de suicídio em 
vários países em consequencia 
da crença que a proximidade 
do cometa Halley indicaria o fim do 
mundo. Os suicidas 
seriam levados pelo cometa 
para outro mundo e 
sua outra vida, 
curiosamente, não dispensava que 
tossem levados 
documentos e cartöes de crédito. 
Epossivel que a origem da 
fantasia de Paraiso 
se 
relacione ao que se supoe que 
ocor 
d Vida intra-uterina, 
onde todas as 
necessidades 
seriam preenchidas. 
Assim, muitas 
es, a fantasia 
de morte é vista 
como uma 
volta ao ütero 
materna Essa fantasia 
se am 
Pud para a idéia 
de volta à mãe-terra. 
As idéias de 
reencarnaçao, 
de algumas crenças, 
nplicam 
também na idéia de 
imortalidade, ainda que 
com peculiaridades 
especihcas 
273 POSSIvel que o 
nascimento, por 
colocar o 
indivíduo em 
contato 
brusco com faltas e 
necessidades, se assemelhe 
a dea de Interna que 
logo será substituid 
provisório-0 
seio materna O trabalho 
de tornar-se human 
contato adequado com 
a realdade e, se possivel, 
transformá-la r 
grau de saide 
mental, isto e de 
condigOes de usutruira vida, como mer 
dade vivendo na 
Terra, que não e Paraiso 
nem Inferna 
A fantasia de vida 
continuando apos a morte, 
sem necessidades e sofin 
constinui no oposto da aniquilaçãa 
Não somente ocome negação da mo 
se toma sedutora. Entre 
os antgos crnstaos, o 
martino teve que ser proibido nels 
ja que a morte passou 
a ser buscada pelos heis que 
acreditavam numa oute 
ea 
mundo melhor As religióes, 
em geral, consideram errado 
o suicidia No enta 
Cruzadas, a morte heróica era aprovada pela igreja, 
da mesma torma que ocome atual 
mente com os 
islamitas em relação aos terronistas 
suicidas 
Fditora Comenns 
que logo será substituido por um Paraisa 
s, isto é, poder entrar em 
vamente, indic 
ana 
condiçóes de usutruir a vda, como membro dahuman 
nas 
Culpa, projeção e fantasia 
de punição 
Aculpa é um componente essencial dos sentimentos vivenciados pelo paciente me 
lancolica Frequentemente ele se sente responsavel pelas desgraças do mundo e de sua 
famlia e acredita que o melhor seria morrer, condenando-se à morte. Seu suicidio pu- 
nitvo o faz imaginar-se num sofrimento etermo, penitencial, em mundos infermais Na 
verdade, o melancólico se mata èm função dessas fantastas, mas tambëm para fugir do 
terror do aniquilamento. Outra possibilidade e que busque, em outro mundo, pessoas 
mortas que o abandonaram Naverdade, fantasias contraditórias fazem parte do univer 
so mental de todos os seres humanos. 
e 
A ideia de que a morte é uma punição ocorme, também. no intimo da maioria dos 
seres humanos. Punição justa, se a pessoa se imagina culpada ou pecadora. Mas, injusta 
seo individuo não se contorma com a realidade ou supõe que sua morte é causada por 
numagos, humanos ou divinos. 
Na verdade, existe uma tantasia universal de que a morte è causada por algo extema Isto é, a morte viria sempre de fora e há que procurar os responsáveis por ela. Duran te as epidemias de peste na Europa da ldade Média, a lgreja escolheu os judeus como culpados.As populações desesperadas, que estavam perdendo até num Deus protetot podiam projetar seu terror nos inimigos judeus, dos quais se livravam e isso era etetuato em autos-de-fé, isto é, rituais vingativos em que se contirmavam as crenças dissenmat das pela lgreja. Na verdade, os seres humanos constantemente necessitam de immgd ou bodes expiatórios, onde podem projetar toda a destrutividade propria, que cess torma é negada Esses aspectos se manifestam na idéia de feitiço, mau-olhado, quebranto, mve Qutros sentimentos que atloram em situações de desespero, desesperança e nad Sl E comum, no estudo das culturas e dos individuos, encontrarmos crenças em e 
bons que protegem e deuses maus, demônios, que fazem sofrer. Hå que manter 
ses bons com sacrificios. Em certas épocas havia sacrificios humanos que pos 
mente, foram substituidos por animais. Seus residuos se mantem nos ntuais e 
das várias religioes, onde o hel se submete, pede perdão ou tenta acalmar os deu 
médicos e prohssionais de saúde sabem come é difi il f 
terior 
çoes 
s 
A Arte do Morrer- Visöes Phurais pacientes deixem de atribuir sua doença a pecados, culpas ou puniçao, Se isso se man 
tem, o paciente pode deixar dle lular pela vida, acreditando que sua doença (ou mesmo 
a morte) e merecida 
Dessa lomma, dependendo da forma como o individuo lida com suas fantasias, a re 
ligiao pode tanto consolar as pessoas como fazé los sentirem se culpadas e dignas de puniçdo Comumente a lorma como a proximidade da morte será vivenciada depen 
dera da interaçao entre as crenças religiosas introjetadas durante a vida do individuo e a intensidade e qualidade dos mecanismos projetivos utilizados Omecanismo projcço (ou, em lorma mais estrita, identificaçao projetiva) se const tui numa negaçao porque a responsabilidade pelo mal, pela destruição, pela morte, e colocada lora do individuo Está nos outros, inimigos (e há que eliminá los) ou com 0 deuses e demonios e hå que amansá los. Por vezes, a projeção violenta leva à barbae e sao elimmados grupos inteiros, responsabilizados e culpados pelo mal, como attua mente pensam os fundamentalistas cristãos e os fundamentalistas islämicos, cada um imaginando que o mundo hicará melhor coma eiminação dos outros. Quando uma criança é morta num seqüestro, quando balas perdidas atingem ino centes, quando vivemos a violência quotidiana, não é possivel negar que a morte esta em nossa frente, para aquém dos jonais e da TV.Ocorre medo, horror, indignação, mas em seguida a vida continua, como se nada tivesse acontecido. Exceto para as vitimas que Viverao traumas permanentes. Na melhor das hipóteses busca-se um culpado, negando- se que esse culpado apenas é parte de um fenômeno extremamente complexo. 
ESsa convIvéncia continua com a violência ea anestesia da sociedade em relação 
a ela retlete o fato de que vivemos numa sociedade em que a vida tem pouquissimo valor, em que a destrutividade e a morte adquiriram tal poder justamente porque esse 
poder é negado. Até há pouco, a miséria, o desrespeito humano, a falta de cidadania, 
era problema dos "outros, daqueles (embora maioria) que viviam nas mais precárias 
condiçoes de vida. As pessoas economicamente privilegiadas passaram a esconder-se 
em condomínios, viver com seguranças, etc. A negação da viol�ncia se associa à fantasia 
de imunidade, quase de imortalidade. 
Quando a violência se manitesta a ameaça de morte é combatida através de inva-
soes de favelas, chacinas, esquadrões de morte, morticinios em prisões, etc. Matéria pri 
ma proplcia para manter a negaçao de que a violencia e a morte estao dentro de nós,e 
que se o individuo e a sociedade nao se transtormarem profundamente, a morte preco- 
ce continuará presente, impedindo que a vida se desenvolva. Até que a morte, que faz 
parte da vida, chegue com naturalidade 
Morre mais gente no Brasil, em um ano, do que nas guerras do lraque e do Vietnà. 
Aliás, as guerras mostram comoa seduçao eanegaçao da morte se aproximanm. Os sol 
dados são seduzidos com fantasias de vitória, de heroísmo, sempre manipulados por 
interessesdos quais não se dao conta, e vao 
morrer matando os inimigos. Somente há 
pouco tempo, jovens tëm se recusado 
a servir os exercitos, nos EUAeem Israel, questio- 
nando a guerra. Antes, eles seriam simplesmente fuzilados: hoje já podem ser compre 
endidos. Há vitórias da vida sobre a morte 
A guerra das Malvinas toi uma guerra suicida, 
em que jovens argentinos foram sedu- 
zidos a tomarem terras onde moram 
cidadaoS de outra cultura, hå gerações, para desviar 
275 
Editora Comennus
sua mente da ditadura sob a qual viviam. 
Fra cato que se tratava de soicidie 
micdio de uma parte da sociedade por 
outra. A negangalo da morte subjazia 
Alas, nas guemas sempre parece que 
serd o o t 
orto, nunca nós 
eperene no ser humano 
Todos estamos progn a0enas aceleram o que ja esta programado Quan 
ou h 
hudo is 
outro que sera moOrto, nunca nós Esta idéia 
rrer. Fatores exterOs como nimigos, aciden 
tes, catastrofes naturais, guerras, 
etc, apenls ale ttcttoyue 
ja esti programa 
do atribuimos a morte apenas 
a fatores 
extetnos g s que 
a morte vem, en 
nstäncia, de dentro do ser 
humano 
Fantasia de vingança 
Outra fantasia identificada 
em pacientes surciclas 
inica que, ao matar-se, o ine 
duo se imagina vingando-se do mundo, 
das outas pessoas que nao teriam suprido 
necessidades, que nao o compreeniera, 
Yue opontan Suficientemente ou 
o maltrataram. Nestas situaçoes 
o suicicla nao 
se veC morto, mas se imagina vendo 
frimento dos demais, produto de sua vinganga. 
Vals immportante que a morte seric 
marcas que ele deixará 
nos 
sobreviventes. 
Nestas situaçóes, é evidente que o 
indiviauo idou com sua destrutividade através 
de dois caminhos: 1. parte se vofta contra 
ele nesto, mas sem ter muita consciência 
do fato; 2. parte é projetada identihcativamente 
nos demais, vítimas do ódio do suici. 
da, fazendo com eles se sintam responsaveis por sua morte. Essa retaliação, se assumida 
(introjetada) pelo sobrevivente pode torna-lo culpado, por vezes tao culpado que fica 
mais vulnerável a doenças psicossomaticas e mentais, podendo ate desenvolver quadros 
psicoticos e suicidio. 
A destrutividade do suicida explica porque, muitas vezes, a sociedade se defende re- 
taliando o paciente. Em várias épocas e culturas o corpo do suicida era ultrajado e sua fa 
milia punida. Na Inglaterra, mesmo no hnal do sèculo passado enhava-se uma madeira 
no coração do cadaver Na ldade Media, em certos lugares, o corpo era desnmembrado. 
Os rituais religiosos são negados mesmo em religioes atuais. 
Rituais podem ser etetuados para evitar o componente vingativo do suicida. As 
orações atuais substituem os antigos sacriticios de animais, que amainariam o espiri- 
to raivoso liberado pelo suicida. Entre os antigos chineses alguns soldados se matavam 
no campo de batalha, antes que ela ocorresse. Seus espíritos destrutivos atingiriam 0s 
inimigos. Em algumas culturas antigas, quando uma pessoa se matava, a sociedade se 
vingava matando aquelas pessoas que ele responsabilizara. A sociedade atual convive com situações similares. Bilhetes suicidas culpam ou desculpam determinadas pessoas pelo ato. A incompreensão que certas pessoas qe tentam suicidio recebem em pronto-socorros, sendo hostilizadas e ridicularizadas pol equipes de saüde despreparadas indicam que estas equipes captam o compo agressivo e por vezes manipulativo do ato, ignorando sua complexidade e o tato u opaciente está, de alguma forma, pedindo ajuda. A fantasia de vingança pode ser identificada pelos profissionais de saúde, em pa tes que parece que desejam continuar doentes ou mesmo morrer para cuipaic VIngarem de seus parentes ou pessoas próximas. Esses pacientes demandam u 
suas 
ue 
o so- 
ds 
s 
ente 
acien 
ou se 
abor 
A Arte de Morrer- Visöes Plurais 
dagem especial, muitas vezes necessitando-se da ajuda do profissional de saúde mental 
edo psicoterapeuta 
Fantasia de re-encontro e tuga do sofrimento No luto patologico ena melancolia, assim como em todos os seres humanos, ident 
ficamos tambem a tantasia de re-encontro com pessoas queridas falecidas. Esta fantasia 
está associada a vida em outro mundo sem sofrimento, onde todos se reunirão a LDeus 
ao Tudo. Ela e mais visivel em crianças, que desejam morrer para encontrar-se com sua 
mãe ou outro parente talecido, facilitando a ocorrència de doenças e acidentes com 
cunho suicida. 
Sabemos que a chance de morte de um viúvo no primeiro ano após o talecimento 
de sua esp0sa e maior que a da população geral e é evidente que situaçoes de luto, em algumas pessoas, as tazem desistir de continuar vivas O prohssional de saúde deverá identificar constelações emocionais desse tipo, em 
que lutos patologicos predispõeme mantêm doenças que aparecem principalmente no 
corpo. 
Voltemos ao suicida. Como vimos, ele não quer viver nem morrer. Na verdade, ele quer fugir, escapar de um sotrimento imenso. Ninguém sabe o que é a morte. Apenas 
se sabe o que é uma vida internal, insuportável. E dessa vida que o suicida toge. J� vimos as situaçóes de tortura ou sofrimento insuportável que vém de tora. Quando esse so- trimento vem de dentro, estamos frente à ameaça de loucura, que pode decomer tanto de'sofrimento mental como da incapacidade de suportar sofrimento corporal truto de doenças graves, invalidez, desesperança em relação à sua qualidade de vida, proximida de da morte. Cada paciente lidará em formas peculiares, melhores ou piores, com esse sotrimento e ameaça de morte, e elas dependerão de suas caracteristicas emocionais e da compreensão e apoio recebido por familiares, amigos e equipe de saúde. As fantasias estudadas em pacientes suicidas são as mesmas que fazem parte do uni verso mental de qualquer ser humano e que se tornam mais evidentes em situações cri- ticas. Elas nos mostram como nos detendemos da insuportável idéia de que Nada existe 
para além da vida Essas detesas nos tazem compreender, também, porque comumente vivemos a vida como se fôssemos imortais. Quando a idéia da morte emerge, ela é rapi damente afastada, como algo distante no tempo ou no espaço, ou então negada. 
Mas, seria possível viver tendo-se consciència permanente de nossa finitude? Na 
verdade, quem se deixa dominar pelo pensamento constante de morte vive sua vida de 
forma infernal, e está próximo da loucura Dessa forma, Somos obrigados a supor que 
uma certa negação faz parte do poder viver Há fortes indicios, por outro lado, de que a 
religiosidade faz parte do mais intimo dos seres humanos. 
No entanto a negação pode ser exagerada, como vimos acima, impedindo o diag 
nóstico precoce, dihcultando o tratamento e eventualmente impedindo umamorte dig 
na (CASSORLA, 1998B; KOVACS, 2002). Talvez o individuo sábio seja aquele que 
consegue viver ciente de sua mortalidade, e por isso mesmo0 pode aproveitar a vida ao 
máximo, de forma serena. 
Oeu sua hesmo e em 
pessoas 
tivos variados incuin pwmas Se se 
sentiu mconscientemente culpado, por 
npotencia, a escolha prohssionat pode constituir se em 
Sesuas fantasias de eparaçao forem exageradas, tendendo 
no sabera lhdar com a realidade. Fle nao aceitará que a mort 
iracasande d cada vez que nao a consegue evitar. Na verdade. ni 10 Vida e 
indo sua de reparação sadia endo à onipotència, o médico parte da vida e se verá raro que o prohs 
o-se 
sional de saude tambem acredhte que a morte e causada por enças, esquecer 
1aneira 
que doença e morte lazem parte da vida eque a doença apenas contribui para a m 
omo se morre. 
O medico para evitar a sensaçaao de Iracasso, poderá envolver-se que tenta, desesperadamente, manter Vivos pacientes em que nada ma Çoes em 
r feito 
Outras vezes, ele se atastari do paciente de mau prognostico que acaba sendo abando. 
50as 
nada Esse abandono é similar ao que ocorre, em nossa sociedade, em relação a pessos tico A presença desses individuos dificultaria a manutenção dos mecanism ção da morte, incduindo a morte própria do médico O próprio sistema hospital 
mau prognós 
de nega 
dasas, invalidose pacientes com doenças cronicas, principalmente com r 
essa negaça0 
Anegação do sofrimento e da morte se articula, sociedade atual, que preza oprazer imediato, a rapidezeo consumo e se guia pelo sur 
hcial e técnico, em detrimento do pensar e sentir em profundidade. Com isso se nees complexidade do ser humano e sua propria humanidade. Anecessidade de retornar à visão do que e serhumano, do paciente como pessoa-a 
Medicina da Pessoa (PERESTRELLO, 2006) -vem sendo denunciada há algum tem- 
po A humanização do atendimento levando em conta fatores psicossociais tem sido 
um objetivo cada vez mais valorizado pelos prohssionais de saúde e, em particular, pelas 
equipes de cuidados paliativos. Isso tem ocorrido também em função da descrençae 
cansaço com aaplicação exacerbada da tecnologia em detrimento da relação humana 
predispondo a sofrimentos desnecessários por parte dos pacientes e trustração nos pro- 
fhssionais de saúde. A necessidade de lidar com os aspectos psicológicos do paciente 
e da equipe, para que se perceba a realidade e se trabalhem perdas e lutos, se associa a 
ndispensavel elaboraç�o dos lutos por parte dos sobreviventes, condição basica para 
que possam retomar suas vidas em forma criativa. 
também, Com as características sda 
super 
O educador e a morte 
Nao nos deteremos neste tema, objeto de outros capitulos deste livrO, que it 
anecessidade do Ser Humano defrontar-se, desde criança, com a realidauc 
uma torma tal que ela não se torne assustadora. 
Se a negaçao da percepção da morte é compreensível, precisammos c 
CiOsamente e em profundidade como ela se articula em cada inaivia 
a compreensao passa a ser uma valjosa arma para entrarmos em co 
morte de 
minu 
n cada individuo. Dessa fom 
om seu tun 
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A Arte do Morrer- Visöes Plurais 
ionamento mental. Captamos como a mente do paciente funciona a partir dos sen- timentos que ele nos desperta. Dessa forma, o auto-conhecimento do profissional de educação se constitui tambem num recurso importante. Ao lidarmos com a negação da morte não podemos deixar de lembrar que o Ser Humano deve ser respeitado em relação aos mecanismos psicológicos que é capaz de usar. Também deve ser respeitado em relação a suas crenças, sem as quais muitas ve zes a vida se torna intoleravel. No entanto, ao mesmo tempo, ele deve ter um espaço relacional onde possa colocar suas dúvidas, seus medos e ansiedades. A possibilidade de ser ouvido e compreendido, comumente, permite que o individuo possa organizar sua mente de forma que suas ansiedades se tornem suportáveis e utilizáveis para me Ihorar sua qualidade de vida e de morte. E isso que fazem equipes de saúde que lidam com pacientes nas proximidades da morte (KOVACS, 2002; CASSORLA, 2006). Es- 
sas equipes, por sua vez, podenm ser preparadas para lidar com seus pacientes através de processos educativos como os grupos Balint (CASSORLA, 1994), onde säo discutidas situações clinicas, em grupo, coma coordenação de um psicanalista preparado. Finalmente, como profhssionais de educação temos o dever de tentar compreender 
Os motivos que têm estimulado a negação da morte em nossa sociedade. Para descobrir 
meios para que ela não se torne exagerada, acarretando sofrimentos desnecessários. Bibliografia 
CASSORLA, RMS. Dificuldades no lidar com aspectos emocionais na prática médica: estudo com médi- 
cos no início de grupos Balint. Rev. ABP-APAL 16(1): 18-24, 1994. CASSORLA, RMS (Org). Do suicidio: estudos brasileiros. Campinas:Papirus, 1998 A, 2. ed. 
CASSORLA, RMS (Org). Da morte: estudos brasileiros. Campinas:Papirus, 1998B, 2.ed. CASSORLA, RMS. O que é suicidio. S.Paulo: Editora Brasiliense (Colari CASSORLA, RMS. Amorter om

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