Buscar

Ensaio bioética - ATENDIMENTO MÉDICO DO ADOLESCENTE

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 5 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

ATENDIMENTO MÉDICO DO ADOLESCENTE: UM LIMBO A SE DISCUTIR
Francini Kiono Jorge Yatsu 
João Victor Miyamoto
Imagine a seguinte cena: uma adolescente, acompanhada dos seus responsáveis, vai à Unidade Básica de Saúde buscar atendimento médico. O médico, ao chamar a paciente, imediatamente é envolvido em uma discussão. Os responsáveis fazem questão de participar da consulta, enquanto a adolescente quer ser atendida sozinha. Você no lugar do médico faria o quê? A história é fictícia, mas o dilema é rotineiro no cotidiano dos profissionais de saúde. Apesar disso, ainda inexistem normas claras sobre o limite da autonomia do paciente hebiátrico, tanto do ponto de vista jurídico, quanto bioético. Tal lacuna normativa gera não só insegurança para os pacientes menores, como também gera ansiedade nos próprios responsáveis, que não querem ser excluídos do relacionamento médico-paciente.
A fim de entender melhor esse dilema, faz-se necessário fazer algumas ponderações. A primeira delas é: do ponto de vista normativo, quem seria o paciente adolescente e qual especialidade médica estaria mais apta a atendê-lo? 
Segundo o Código Civil Brasileiro, "a menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil" (art. 5º, da Lei n. 10.406/2002) (BRASIL, 2002). Tal fato pode ser considerado um marco a partir do qual a pessoa será totalmente responsável por si e pelos seus atos. Entretanto, até os 16 anos, são considerados absolutamente incapazes, necessitando ser representados pelos seus pais e ou responsáveis e, entre os 16 anos e os 18 anos, passam a ser considerados relativamente incapazes, já respondendo pessoalmente pelos atos civis. Porém, nunca desassistidos de seus pais ou responsáveis. Seguindo o mesmo raciocínio, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que “a criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (art. 2º, da Lei n. 8.069/1990) (BRASIL, 1990). 
Por outro lado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) circunscreve a adolescência à segunda década da vida (de 10 a 19 anos) e considera que a juventude se estende dos 15 aos 24 anos, sendo tal entendimento adotado pela Comissão Mista de Especialidades, constituída por representantes da Associação Médica Brasileira (AMB), Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), ao estabelecer que a especialidade de Pediatria tem como abrangência o atendimento da criança (0 a 10 anos) e do adolescente (10 a 20 anos incompletos) (BRASIL, 2017).
Quanto a responsabilidade do atendimento médico, em 1997, a SBP definiu que a área de atuação do Pediatra compreenderia o último trimestre da gravidez até os 20 anos de idade incompletos. Desde 1999, AMB considera a adolescência como área de atuação para médicos especialistas em pediatria e realiza prova de Título em conjunto com a SBP. A Resolução do CFM, nº1634/2002, também aprovou convênio firmado entre o CFM, a AMB e a CNRM, reconhecendo a assistência a adolescentes como parte do exercício da Pediatria. Entretanto, o Parecer do Conselho Regional do Estado da Bahia (CREMEB) Nº 23/13 (aprovado em sessão plenária de 25/06/2013) estabeleceu que cada instituição, em seu Regimento Interno, pode determinar a idade do limite superior para atendimento no Serviço de Pediatria. Em se tratando da rede SUS, recomenda que os serviços de atenção à saúde considerem que cada Pediatra, se assim o desejar e estiver apto para tal, pode assistir indivíduos até os 20 anos de idade. Ademais, em atenção ao Artigo 4º e ao Parágrafo Único do Artigo 5º do Código Civil Brasileiro e ao referencial bioético da autonomia, as pessoas maiores de 16 anos poderão optar pelo atendimento por médico não pediatra (BRASIL, 1990).
Essa divergência de entendimentos sobre a natureza do adolescente e responsabilidade quanto ao seu atendimento em saúde tem gerado uma série de conflitos entre os pacientes hebiátricos, seus responsáveis e os médicos. Especialmente, no que se refere a presença dos pais durante as consultas médicas (privacidade) e sobre o sigilo e confidencialidade das informações referentes à saúde do adolescente. 
Quanto a presença dos responsáveis nos atendimentos, o Ministério da Saúde recomenda que a equipe médica encoraje o adolescente a “envolver a família no acompanhamento dos seus problemas, já que os pais ou responsáveis têm a obrigação legal de proteção e orientação de seus filhos ou tutelados”. Da mesma forma, orienta que a entrevista inicial poderá ser feita só com o adolescente, ou junto com a família (BRASIL, 2013). Mas ressalta que é importante haver um momento a sós com o adolescente, que será mais de escuta, propiciando uma expressão livre, sem muitas interrogações, evitando-se observações precipitadas. 
Todavia, às vezes a família não autoriza essa privacidade. Os motivos vão desde não quererem ser excluídos do relacionamento médico-paciente, por não acreditarem que o adolescente possua maturidade suficiente para tomar decisões sobre sua saúde, até questões relacionadas ao medo da violência, por não confiarem a guarda dos menores a pessoas estranhas. No entanto, conforme o art. 3o do ECA, “a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata essa lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar os desenvolvimentos físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade” (BRASIL, 1990). Portanto, a obrigatoriedade da presença de um responsável para acompanhamento no serviço de saúde poderia constituir lesão ao direito de uma vida saudável, uma vez que afastaria ou impediria o exercício pleno do adolescente de seu direito fundamental à saúde e à liberdade. Outrossim, tal exigência feriria o princípio bioético da autonomia que diz respeito ao poder de decisão do paciente acerca de questões relacionadas a sua própria saúde. 
Contudo, em determinadas condições, essa autonomia pode ser limitada, cabendo ao médico o cuidado e a proteção de danos. Segundo uma diretriz do CRM-PB, em situações de déficit intelectual importante, distúrbios psiquiátricos, desejo do adolescente de não ser atendido sozinho, entre outros, faz-se necessária a presença de um acompanhante durante o atendimento (CRM-PB, 2022).
Já em relação ao sigilo e confidencialidade das informações, ficando estes sujeitos a fatores alheios a sua vontade, como a decisão dos seus tutores; como também gera ansiedade nos próprios responsáveis, que não querem ser excluídos do relacionamento médico-paciente, por não acreditarem que o adolescente possua maturidade suficiente para tomar decisões sobre sua saúde.
Assim, o Código de Ética Médica, em seu artigo 74, informa que é vedado ao médico revelar o sigilo profissional relacionado a pacientes menores de idade, desde que tenham a capacidade de discernimento, inclusive aos seus pais ou representantes legais. Ou seja, nesse parâmetro onde não existe um limite definitivo da autonomia do jovem e da capacidade de identificar o nível de discernimento do indivíduo em uma primeira consulta de duração média de 15 minutos, o médico responsável pelo atendimento se encontra perante a um impasse, onde mesmo que ao se formarem na faculdade de medicina realizam o juramento de Hipócrates, no qual preceitos como justiça, não-maleficência e confidencialidade são a base dessa promessa com seus pacientes, ou mesmo seguindo o Código de Ética Médica no quesito da confidencialidade, na prática médica em questão é inviável ao médico atendendo pacientes hebiátricos (BEINER, 2010) (WANSSA, 2011). Lembrando que, nessa situação, estamos considerando consultas simples, onde o menor entra no consultório com seus responsáveis para discutir questões não graves, é inviável não compartilhar as informações referentes seu paciente, com os pais ou responsáveis legaisdo jovem. Isso pode ser discutido devido a dois pontos importantes, o primeiro, referente a questão do tempo e da lógica no atendimento, de modo que, ao adentrarem o consultório, caso o médico solicite que os responsáveis deixem em seguida a sala de atendimento pois ele irá atender apenas o jovem a fim de garantir a confidencialidade do paciente, muitos dos pais se revoltariam com o médico, seja pelo medo de deixarem seus filhos sozinhos com alguém que acabaram de conhecer, seja por ficarem receosos que os filhos não teriam a capacidade de entender ou mesmo conversar com médico, entrando mais uma vez na questão da autonomia como já foi discutido anteriormente. Segundo, levando em consideração a frase “in dubio pro reo”, ou seja, como não é possível identificar o nível de maturidade do adolescente em um tempo tão curto de consulta, visando sempre garantir a não-maleficência e beneficência, ter aos pais envolvidos na saúde do adolescente, garante que o tratamento e a conduta indicada pelo médico seja realizada e seguida corretamente, claro, salvaguardando situações onde o próprio paciente solicita ao médico a confidencialidade, ou quando perceber situações onde a integridade física e mental do jovem possa ser afetada.
Dessa forma, a adolescência sob o atual contexto existente na sociedade se enquadra numa fase de transição, onde o indivíduo deixa a fase de inocência de suas responsabilidades e adquire a maturidade. Entretanto, por ser um limite não delimitado, torna-se impossível de especificar o nível que abrange esse aspecto, de modo que, não é possível determinar se o jovem adolescente com 13 anos, possua o mesmo nível de maturidade de um adolescente de 15 anos, desconsiderando totalmente o contexto psicossocial no qual está inserido. Assim, a mudança na relação médico-paciente e médico-responsável é algo cada vez mais complicado e complexo, pois, ao serem atendidos durante a primeira consulta, onde o médico dispõe de apenas minutos para atendimento, questões relacionadas a maturidade e a garantia do direito a autonomia e sigilo do paciente são vilipendiados, embora estejam asseguradas pelo Código Civil Brasileiro e pelo Código de Ética Médica.
Referências:
BEINER. M, Lannotti GC. O paternalismo e o juramento hipocrático. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2010;10(2 Suppl):s383-9.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002.
BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 16 jul. 1990.  
BRASIL. Ministério da Saúde. orientações para o atendimento à saúde do adolescente. Brasília, 2013. Disponível em:< https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/orientacoes_atendimento_saude_do_adolescente.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2022.
BRASIL. Ministério da Saúde. Marco Legal - saúde, um direito de adolescentes. Brasília, 2005. Disponível em:<https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0400_M.pdf>. Acesso em: 21 jul. 2022.
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DA PARAÍBA. Adolescência, contracepção e ética. Disponível em:<https://crmpb.org.br/artigos/adolescencia-contracepcao-e-etica-diretrizes/>. Acesso em: 21 jul. 2022.
WANSSA, MCD. Autonomia versus beneficência. Rev. bioét. (Impr.). 2011;19(1):105-17

Outros materiais