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Prévia do material em texto

A MULHER EM 
SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Direção Editorial 
 
Lucas Fontella Margoni 
 
 
 
Comitê Científico 
 
 
Prof.ª Dr.ª Raquel Fabiana Lopes Sparemberger 
Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) 
 
Prof.ª Dr.ª Daniela Pires de Oliveira 
Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) 
 
Prof.ª Me.ª Thaís Teixeira Rodrigues 
Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A MULHER EM 
SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
Uma análise à luz da criminologia feminista ao 
papel social da mulher condicionado pelo 
patriarcado 
 
 
 
Camila Belinaso de Oliveira 
 
φ 
Diagramação e capa: Lucas Fontella Margoni 
Arte de capa: Graça Craidy 
 
O padrão ortográfico, o sistema de citações e referências bibliográficas são 
prerrogativas do autor. Da mesma forma, o conteúdo da obra é de inteira e 
exclusiva responsabilidade de seu autor. 
 
 
Todos os livros publicados pela Editora Fi 
estão sob os direitos da Creative Commons 4.0 
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR 
 
 
http://www.abecbrasil.org.br 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
OLIVEIRA, Camila Belinaso de. 
 
A mulher em situação de cárcere: uma análise à luz da criminologia feminista ao papel 
social da mulher condicionado pelo patriarcado [recurso eletrônico] / Camila Belinaso de 
Oliveira - Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2017. 
 
147 p. 
 
ISBN - 978-85-5696-219-5 
 
Disponível em: http://www.editorafi.org 
 
1. patriarcado; 2. mulher; 3. criminologia; 4. feminismo; 5. cárcere. I. Título. 
 
CDD-340 
Índices para catálogo sistemático: 
1. Direito 340 
 
AGRADECIMENTOS 
 
De início, quero agradecer à minha mãe e ao meu pai pelo 
cuidado, pelo amor e pela oportunidade de estudo – privilégio de 
poucos na sociedade brasileira, já que uma ínfima parcela da 
população consegue acessar e concluir o ensino superior. Agradeço 
por estarem presentes nos bons, mas, principalmente, nos maus 
momentos, quando tanto precisei. Obrigada pelos abraços, pelo 
apoio e pelo carinho imensurável. Nesse sentido, expresso eterna 
gratidão à minha madrinha-tia-mãe-irmã e amiga, Ângela, e aos 
meus tios-irmãos, Ana e Paulo. 
O curso de graduação em direito propicia, a meu ver, duas 
possibilidades: a de se enclausurar entre papéis e reproduzir um 
sistema falho de justiça, ou a de compreender que justiça é, na 
realidade, um sofisma, que necessita de resistência e envolvimento 
dos/as profissionais na sociedade, nos movimentos e na cidade, a 
fim de encontrar resoluções coletivas. Assim, obrigada às 
professoras e aos professores que, no decorrer de suas vidas de 
ensino, apresentaram incansavelmente seus conhecimentos. Em 
especial às/aos que permitiram diálogos, mudanças e divergências; 
agradeço às/aos que amam ensinar e o fazem nunca de maneira 
neutra. Betânia de Moraes Alfonsin, Daniela Pires, Raquel Lopes 
Sparemberger, Renata Dotta e Thais Rodrigues: agradeço à 
Fundação Escola do Ministério Público e a cada uma em especial, 
por ensinarem a refletir sobre a sociedade e a aplicar o direito 
como método de transformação social. Ainda, à Thais e à Raquel 
como incentivadoras deste trabalho. 
 Ao Coletivo de Mulheres Maria Lacerda, que luta por uma 
sociedade equitativa, por ensinar outra face da amizade entre 
mulheres através de laços fortes e (des)construtivos. Dafne 
Nogueira e Sophie Dall’Olmo: registro a minha admiração, minha 
sororidade e meu orgulho por todas vocês. 
 Às minhas amigas e colegas de graduação, por todo apoio e 
cumplicidade, pelos estudos, pelo incentivo. À Ana Julia Saraiva e à 
Caroline Rocha de Abreu: muito obrigada, nada termina aqui. 
Às amigas e aos amigos, pelas aventuras em Direito 
Internacional, cujos aprendizados permitem uma outra forma de 
perceber e trabalhar o direito e os direitos humanos. Em nome da 
amiga Marina Rosa, pela sensibilidade e certeza de que nuestro 
norte es el sur, toda minha admiração por vocês. 
Às amigas e aos amigos de longa data, que desde muito 
anos estão presentes na minha vida e, consequentemente, na 
minha graduação, dando seus conselhos, compartindo experiências 
e, principalmente, compartilhando dos mais sinceros abraços. 
Ao Tiago, companheiro, por todo amor, cuidado e respeito. 
Acredite sempre na minha admiração pela pessoa que és. 
Às colegas de trabalho, por todos os ensinamentos e pela 
paciência, pelo ambiente compreensivo. Que venha mais um ano 
juntas e com novos projetos. 
 Por fim, dedico este trabalho às mulheres da minha vida, 
em especial à minha querida avó materna, que há pouco nos 
deixou e dividiu comigo tantas histórias e tantos momentos felizes, 
e que sempre questionou sua condição de ser mulher, em silêncio. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Nunca se esqueça de que basta uma crise política, 
econômica ou religiosa para que os direitos das 
mulheres sejam questionados. Esses direitos não são 
permanentes. Você terá que manter-se vigilante 
durante toda a sua vida. ” 
 
Simone de Beauvoir 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ................................................................................... 13 
 
CAPÍTULO I: .................................................................................... 21 
O OUTRO: O QUE SIGNIFICA SER MULHER NA SOCIEDADE PATRIARCAL? 
 
2.1 A Gênese do Patriarcado .................................................................... 21 
2.2 Os tempos, suas manifestações e suas exclusões ............................ 31 
2.3 As estruturas de poder e as suas opressões ..................................... 43 
 
CAPÍTULO 2 ...................................................................................... 53 
UM OLHAR FEMINISTA À CRIMINOLOGIA 
 
3.1 As faces do pensamento criminológico ............................................. 53 
3.2 A criminalidade e as inter-relações com o discurso criminológico: o 
controle social (formal e informal) do papel da mulher ....................... 65 
3.3 Da criminologia crítica à criminologia feminista ........................... 86 
 
CAPÍTULO 3 ...................................................................................... 99 
EL EXTREMO DEL ENCIERRO CAUTIVO 
 
4.1 A presa e a presidiária ........................................................................99 
4.2 A situação da mulher no cárcere .................................................... 107 
4.3 Um eco das vozes silenciadas ........................................................... 114 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 133 
PARA QUE(M) SERVE SEU CONHECIMENTO? 
 
REFERÊNCIAS ................................................................................. 139 
 
INTRODUÇÃO 
 
 Refletir a mulher no extremo de sua privação decorre da 
minha condição de mulher, estudante e futura profissional do 
direito, campo conservador e permeado de desconfiança. Observar 
e indignar-se são fundamentais para a problematização do sistema 
patriarcal, que insere a mulher na situação de cárcere através da 
aplicação de tipos penais construídos de forma seletiva, e 
duplamente seletiva quando aplicados à mulher, sendo 
questionáveis, portanto, os motivos determinantes que 
criminalizam certos comportamentos e quais as raízes dessas 
condenações. As violências estruturais contra as mulheres ocorrem 
em todas as áreas sociais e em todos os períodos históricos, sendo 
que o âmbito penal representa o grau máximo de violência, pois 
priva de liberdade mulheres cujas condutas sãoidentificadas como 
desviantes por um sistema machista, punitivista e inquisitorial. 
 A privação de liberdade é um eufemismo, pois pretende 
silenciar uma série de violações já sofridas pelas mulheres, 
consequentes de sua socialização impetuosa e condicionante ao 
papel social de inferioridade, que tem como regra o controle de sua 
sexualidade pelas instituições de poder. As características comuns 
entre as mulheres presas não são coincidências, apenas 
representam a perseguição instituída pelos controles formais e 
informais a todas as mulheres que questionam sua condição, que 
rompem com as expectativas da sociedade patriarcal, bem como a 
todas que ousam desvirtuar-se por amor. Atenta-se que, para toda 
e qualquer análise da condição e da situação das mulheres, deve-se 
considerar, para além do esperado comportamento natural – dócil 
e maternal – da mulher, os recortes de classe e cor, que são 
condicionantes da seletividade do sistema penal, caracterizado pela 
discriminação a certos padrões de mulheres conduzidas ao cárcere 
e, assim, ao esquecimento. 
Ir à raiz dos problemas e pretender uma mudança é o que 
o movimento feminista tem pautado desde os primórdios, tendo 
extrema relevância a partir das décadas de 60 e 70 do século XX, 
14 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
quando as mulheres obtiveram, após muita resistência, a ocupação 
de representatividades antes limitadas apenas aos homens. No 
entanto, uma das estratégias do patriarcado é incluir mulheres nos 
espaços públicos, legislando – a título de exemplo, temos as 
parcelas determinadas que cabem às mulheres para cargos 
eletivos. Ou seja, se destina às mulheres uma representação de 
poder a partir de índices e porcentagens estabelecidas em lei, com 
o fim único de mascarar uma mudança. Assim, é cada vez mais 
necessário nomear o patriarcado e propulsionar novos espaços de 
discussão para novas estratégias, com ênfase para a libertação das 
mulheres, o que é diferente do “empoderamento”, pois representa 
uma luta coletiva da mulher pela mulher a partir do entendimento 
de que o Estado é um homem, de que a história é narrada e 
interpretada pelo olhar da dominação masculina e das opressões 
patriarcais, que condicionam e naturalizam a inferioridade das 
mulheres. 
Por conseguinte, o objeto desta pesquisa é compreender a 
relação entre o papel social da mulher e os fatores estruturantes da 
criminalidade feminina. Pretende-se um diálogo entre o 
patriarcado e o extremo da violência estrutural contra a mulher: a 
situação de cárcere. Dessa forma, a partir de uma metodologia 
dialética e indutiva, serão identificados, no pensamento 
criminológico, alguns pontos significativos para a construção de 
uma lógica persecutória da mulher, pela presença de 
comportamentos entendidos como desviantes e anormais. Ainda, 
considerando os dados particulares dos diálogos realizados com 
mulheres em situação de cárcere na Penitenciaria Estadual 
Modulada de Ijuí, propõe-se observar o que dizem as vozes 
silenciadas dessas mulheres, os motivos que as levaram a estar 
encarceradas, quais suas violências, suas dores e suas pretensões. 
O trabalho está dividido em três capítulos, que versam, 
respectivamente, sobre o patriarcado, a criminologia e a mulher 
em situação de cárcere. Em um primeiro momento, analisa-se a 
gênese do patriarcado e o alcance desse sistema, que configurou a 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 15 
 
visão sobre o feminino de forma violenta, e que desde os 
aprendizados da infância começa a se instalar na consciência de 
ambos os sexos para delinear seu futuro, moldando a mente dos 
indivíduos de tal forma que a desconstrução do modelo assimilado 
se torna difícil, já que ele passa a ser um traço cultural da 
sociedade na qual se insere. 
O segundo capítulo destina-se ao entendimento da 
criminologia e as etapas de construção da criminologia crítica, em 
que se estabelece a discussão sobre a recente criminologia 
feminista. Assim, uma leitura das principais escolas da 
criminologia e a construção das criminologias antecede a análise 
do controle social formal e informal e suas inter-relações com o 
papel social da mulher, para, então, discorrer sobre a criminologia 
crítica e os contrapontos da criminologia feminista. A relação entre 
criminologia e feminismo apresenta várias fases de atração e 
repulsão; na década de setenta, por exemplo, Carol Smart, 
socióloga e feminista, acreditava que a criminologia feminista 
estava ao lado de outras existentes, como a radical e da classe 
trabalhadora, uma vez que a tradicional ignorava as mulheres. 
Assim, as feministas e as/os estudiosas/os sugeriram o repúdio 
total à criminologia atuante, sugerindo a quebra de um paradigma 
e uma nova perspectiva, a ser construída a partir da experiência 
das mulheres (feminist standpoint ou apenas standpoint). 
Entretanto, a resistência iniciada nos anos 90 do século XX 
apresentou uma série de novos estudos e divergências quanto ao 
objetivo do campo de pesquisa, indagando a pretensão à formação 
de uma criminologia transgressora ou de uma ciência sucessora. 
Então, o surgimento de novas criminologias, como a multiétnica e 
queer, além de acrescer à ambiguidade dos estudos, fragmentou a 
realidade do campo, o que torna razoável o questionamento em 
relação à existência de uma criminologia feminista, uma vez que 
presentes as condições necessárias para o desenvolvimento dessa 
perspectiva em criminologia. 
16 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
Cabe ressaltar que tanto as teorias feministas como a 
criminologia estão marcadas por referências estrangeiras e, como 
salienta Raul Zaffaroni, todo o processo de recepção e tradução das 
teorias estrangeiras ao contexto local não escapou do colonialismo, 
o que faz importante conhecer o sujeito que as recepciona e 
perceber como estão entrelaçadas as estruturas de poder. A 
realidade brasileira configurou o feminismo de modo diferente aos 
países centrais, sendo a luta pela redemocratização do país, nas 
décadas de sessenta a oitenta, uma condicionante para que o 
feminismo pautasse liberdades democráticas e direitos humanos, 
especialmente introduzindo questões das mulheres na discussão, 
enquanto que, ao mesmo tempo, o feminismo estadunidense 
aprofundava o debate quanto à subordinação e ao direito das 
mulheres. 
O feminismo segue problematizando categorias que 
sustentam suas políticas e avança para novas fronteiras de 
conhecimento, apresentando novos contrapontos, como o do 
feminismo pós-moderno, que defende que as narrativas 
explicativas das opressões das mulheres já não se sustentam mais, 
o que, infelizmente, leva à tentativa de desconstrução de 
pensamentos fundantes do movimento que ainda não foram 
esgotados. Assim, as atuais problematizações e novos 
contrapontos, quando levados ao encontro da criminologia, não 
prosperam, não rompem paradigmas, pois a ausência da inclusão 
de gênero em todo o discurso criminológico, mesmo na 
criminologia crítica, torna impermeáveis tais aproximações. A 
omissão do gênero e das opressões das mulheres é verificada 
também nas teorias percursoras da chamada virada criminológica, 
ou seja, desde a recepção do paradigma da reação social, dado pela 
teoria do etiquetamento, (labeling approach), até a construção de 
uma criminologia crítica, estruturada através de um controle 
social. 
As formulações de inquietações na análise do discurso 
criminológico orientam a ideia primordial de um novo paradigma, 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 17 
 
pois esse campo de estudo está vinculado a muitas outras áreas do 
saber e, por isso, tem grande influência na determinação e na 
construção de padrões de infratores e de condutas desviantes. O 
capítulo propõe uma análise temporal para tentar (re)conhecer as 
origens das opressões e consequências das socializaçõesna 
determinação da seletividade e do condicionamento da mulher à 
vulnerabilidade do cárcere, com a intenção de problematizar que 
não há possibilidade de recuperar-nos do sistema patriarcal sem 
desmistificar a imagem da mulher, traço cultural comum a muitas 
sociedades. 
O terceiro e último capítulo expõe a pesquisa de campo ou 
o resultado das entrevistas semiestruturadas realizadas na 
Penitenciária Estadual Modulada de Ijuí (PMEI). O modelo de 
entrevista semiestruturada é uma técnica de pesquisa mais 
espontânea do que a estruturada, pois, mesmo que parta de um 
conjunto de questões predefinidas, dá liberdade para adicionar 
outras que surjam no decorrer das entrevistas. As questões 
predefinidas funcionam como uma diretriz, mas não ditam a 
forma como decorre a entrevista, não estipulando ordem, nem 
mesmo forma. Na PMEI, foram entrevistadas seis (6) mulheres 
acerca de sua condição de cárcere, através de questionamentos 
quanto às suas motivações, suas vidas antes do envolvimento com 
o crime, mudanças, dificuldades e consequências do cárcere, bem 
como aspirações para uma vida depois do cumprimento da pena, 
que passará a ser sinalada como de uma ex-presidiária. Os dados 
colhidos durante a pesquisa serão apreciados com sigilo e com o 
intuito de identificar, nos discursos das mulheres, a abrangência do 
sistema patriarcal; verificar, nas situações particulares e comuns 
de cada, uma a transformação do patriarcado e sua atual e 
operante opressão; e identificar as mulheres que hoje são 
perseguidas e castigadas pelas instituições de poder. 
Os dados da PMEI serão comparados e analisados a partir 
do relatório prévio da atual pesquisa idealizada pela Fundação de 
Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul, Edital PPSUS 2013-2015, 
18 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
vencido pelo projeto A situação das mulheres privadas de liberdade 
e o Apoio Matricial em Saúde Mental a Equipes de Atenção Básica 
inseridas no Sistema Prisional e realizado pela coordenação da 
Professora Doutora Renata Dotta. O projeto foi constituído por 
uma Instituição Executora – a Secretaria Estadual de Saúde do Rio 
Grande do Sul; uma Co-executora – a Fundação Escola do Superior 
do Ministério Público; e por Instituições Participantes do Projeto – 
o Instituto de Criminologia da Universidade de Sevilla/Espanha e o 
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade 
Federal do Rio Grande do Sul. 
Assim, pede-se à leitora e ao leitor que considere se despir 
de pré-conceitos ao escutar as vozes silenciadas das mulheres em 
situação de cárcere, das mulheres que atingiram o ápice da 
violência, a fim de que seja possível um diálogo entre os dados 
apresentados e a situação atual do nosso sistema de justiça 
criminal, construído pelo patriarcado e que tem confirmado a sua 
falência em todos os aspectos. Apela-se, principalmente, às 
mulheres, que passem a observar e questionar as qualidades 
positivas atribuídas aos homens e as negativas atribuídas às 
mulheres, pois apenas o (re)conhecimento e a problematização dos 
questionamentos quanto à situação de inferioridade motivarão as 
buscas de soluções e câmbios de socializações, impedindo a 
legitimação e a perpetuação das violências enfrentadas pelas 
mulheres. 
Um dos principais pontos a serem pleiteados para uma 
mudança de paradigma é que o machismo compromete 
negativamente o resultado das lutas pela democracia, pois suas 
relevâncias dizem respeito apenas à elaboração de uma democracia 
pela metade e para a metade privilegiada da humanidade. 
Portanto, é impensável mudar comportamentos de mulheres sem 
também buscar redefinir os papéis dos homens, ressignificar as 
condições e as oportunidades de cada sexo e de cada gênero 
socialmente construído, para obter igualdade social e, 
principalmente, equidade, compreendendo a situação do oprimido 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 19 
 
e, também, a situação do opressor. No entanto, é primordial que as 
redefinições de papéis aconteçam com o anterior conhecimento e 
real debate quanto às condições de opressão naturalizadas e 
impostas às mulheres, para que, a partir daí, da libertação do 
padrão social de inferioridade de cada mulher, seja dada sequência 
à ressignificação de papéis. 
 Uma nova leitura dos chamados “paradigmas 
criminológicos” dá base para a discussão acerca das mulheres neles 
identificadas. Uma vez que a análise histórica e comparativa 
resgata, além das escolas criminológicas sistematizadas (clássica, 
positivista e crítica), os sistemas punitivos da antiguidade, 
pertencentes a uma criminologia etnológica que apresenta os 
momentos anteriores necessários para situar o papel da mulher 
em relação à transgressão das regras sociais. Trata-se de uma 
seletividade e de um poder estigmatizante que, no decorrer do 
tempo e das transformações sociais, permanecem controladas 
informal e formalmente, a fim de manter todas as relações de 
domínio que se entrelaçam e se sustentam tanto no espaço público 
quanto no espaço privado. 
 
CAPÍTULO I 
O OUTRO: O QUE SIGNIFICA SER MULHER NA 
SOCIEDADE PATRIARCAL? 
 
Hacemos al pasado las preguntas que queremos ver respondidas en el presente. 
(Gerda Lerner, 1990) 
 
2.1 A Gênese do Patriarcado 
 
O patriarcado1 condicionou as mulheres através de 
características e comportamentos que definem quais são dignas de 
terem seus direitos reconhecidos, e também quais são merecedoras 
de proteção e sensibilização social. Carole Pateman (1993) assegura 
que o patriarcado se refere especificamente à sujeição da mulher e 
reafirma o direito político que todos os homens exercem pelo fato 
de serem homens. O patriarcado, portanto, pode ser entendido 
como uma forma de organização social favorável à metade 
masculina da espécie humana, caracterizado pela dominância dos 
homens e a subordinação das mulheres, que se manifesta a partir 
do domínio do homem sobre os interesses e as concepções de 
mundo. 
Registros históricos apontam que teóricos políticos 
travaram longas discussões a respeito da legitimidade e dos 
fundamentos das formas de poder político e, assim, do direito 
patriarcal. A interpretação tradicional da história do pensamento 
político se posiciona no sentido de o patriarcado ter sido superado 
há mais de 300 anos, devido também à considerável influência do 
século XX, quando o modelo patriarcal foi quase totalmente 
ignorado (LAGARDE, 2005). Os registros também mostram que as 
feministas têm questionado sua condição de mulher e, desde o final 
 
1O termo patriarcado vem da combinação das palavras gregas pater (pai) e arkhe (origem e 
comando), raiz de duplo sentido também explícita em acarco e monarquia. Para o grego antigo, a 
primazia no tempo e a autoridade são uma só e a mesma coisa (HIRATA, 2009). 
22 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
do século XVII2, afirmam que, na realidade, os teóricos políticos 
modernos perpetuam a instituição do direito patriarcal. 
As reinvindicações das mulheres construíram a dialética da 
história3, que consiste em uma série de questionamentos a diversas 
áreas do saber, quanto às interpretações das experiências reais das 
mulheres e quanto à sua exclusão do processo histórico. Assim, a 
procura por preencher essas lacunas de representação levou à 
construção de uma história compensatória, que permitiu a 
compreensão de que o homem não é a medida de tudo que é 
humano, mas sim os homens e as mulheres (LERNER, 1990). O 
ordenamento e a interpretação do passado da humanidade 
impediram a participação das mulheres, o que dá sentido a um 
processo de perpetuação da civilização patriarcal, em que as 
mulheres são uma maioria populacional estruturada pelas 
instituições sociais para representar uma minoria. 
Uma história das mulheres pretendeum novo marco 
teórico, não androcêntrico4, em que as mulheres sejam 
protagonistas de suas vidas, erradicando as opressões a partir de 
novos enfoques antropológicos, constituintes de uma antropologia 
da mulher5, cuja perspectiva incorpora seus conhecimentos e 
experiências em qualquer disciplina. No entanto, uma 
 
2O feminismo identifica a obra de Mary Wollstonecraft, publicada em 1792 e intitulada “A 
Vindication of the Rights of Woman”, como percussora da defesa das mulheres. Segundo a autora, as 
mulheres deveriam ser tratadas de forma racional como eram tratados os homens. 
3Dialética é a teoria das leis gerais do movimento, do desenvolvimento do mundo e do conhecimento 
da humanidade; é tese e antítese, cuja modalidade original é o diálogo. Inicia com os pensamentos de 
Heráclito no século VII e, posteriormente, no século XIX, Hegel afirma um terceiro tempo da 
dialética, a síntese, com o pensamento de que não se poderia restringir a dialética entre 
afirmação/negação; para ele, a dialética é consenso, integração do que há de bom na tese e na 
antítese, o que deu origem à dialética moderna, seguida por Marx, Gramsci, Sartre, entre outros 
(SOUZA, 2003). 
4 “Androcentrismo é a visão do mundo que situa o homem como centro de todas as coisas. Parte da 
ideia de que uma visão masculina é a única possível e, portanto, universal para toda a humanidade, o 
que conduz a uma invisibilidade das mulheres, inclusive na ciência.” (HIRATA, 2009, p.58). 
5 “(…) distante de conformarem um corpo de leis e um modelo fechado e acabado, a antropologia da 
mulher é uma perspectiva filosófica que tem incorporado conhecimentos da economia, biologia, 
sociologia, psicanálise e qualquer outra disciplina.” (LAGARDE, 2005, p 60). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 23 
 
continuidade patriarcal se revela a partir das características 
comuns às diversidades culturais e às sucessivas formações sociais, 
que não são alteradas mesmo após as mulheres terem formado 
parte dessas transformações, o que se identifica na transcrição de 
registros históricos (LERNER, 1990). A exclusão das mulheres da 
construção dos registros reforça, portanto, a sua aceitação da 
ideologia patriarcal, consequência dos mais de 2.500 anos em que 
as mulheres estiveram privadas de aceder conhecimentos e 
conviver em espaços de construção e intercâmbio cultural. 
O (re)conhecimento dessas opressões e o avanço da 
história e dos métodos de trabalho e pesquisa devem ser utilizados 
para que erros sejam citados: as parcialidades, a falta de 
objetividade dos estudos que foram feitos sem o enfoque de 
gênero. Trata-se não de desvalorizar o pesquisado, mas de não 
aceitar que as constatações são inquestionáveis, universais. Quer-
se demonstrar que as evidências constituem uma das variáveis da 
realidade humana, e que todos os paradigmas extraídos do mundo 
masculino das ciências sociais nascem a partir da negação da 
humanidade da mulher. Há, aqui, uma oportunidade para homens 
e mulheres criarem e aceitarem novos modelos, parâmetros e 
paradigmas que correspondam a uma concepção de mundo que 
inclua interpretações de mulheres (FACIO e CAMACHO, 1995). 
Há grande urgência de que o patriarcado seja nomeado e 
estudado6, pois seu esquecimento ou substituição por termos 
relacionados às violências contra a mulher não aprofundarão os 
estudos de forma suficiente para que ocorra a quebra de um 
paradigma (PATEMAN, 1993). O sistema patriarcal se mantém 
também graças à cooperação das mulheres, que, condicionadas à 
inferioridade, são privadas da representação e interpretação de 
suas vidas, abstendo-se de questionamentos e naturalizando o 
 
6“Porque o uso exclusivo de ‘patriarcado’ parece conter já, de uma só vez, todo conjunto de relações: 
como são e porque são. Trata-se de um sistema ou forma de dominação que, ao ser (re)conhecido já 
(tudo) explica: a desigualdade de gênero.” (MACHADO, 2000, p.3). 
24 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
sistema opressor. Simone de Beauvoir, a partir de uma perspectiva 
de esvaziamento de valores e do direito de poder se consubstanciar 
em um tema de relevo, expressa que a cultura insere as mulheres 
na dimensão de simples alteridade, como o outro. Nesse sentido, a 
autora afirma e indaga que 
 
[t]odo indivíduo que se preocupa em justificar sua existência a 
sente como uma necessidade indefinida de se transcender. Ora, o 
que define de maneira singular a situação da mulher é que, 
sendo, como todo ser humano, uma liberdade autônoma, 
descobre-se e escolhe-se num mundo em que os homens lhe 
impõem a condição do Outro. Pretende-se torná-la objeto, votá-la 
à imanência, porquanto sua transcendência será perpetuamente 
transcendida por outra consciência essencial e soberana. O drama 
da mulher é esse conflito entre a reivindicação fundamental de 
todo sujeito, que se põe sempre como o essencial, e as exigências 
de uma situação que a constitui como inessencial. Como pode 
realizar-se um ser humano dentro da condição feminina? 
(BEAUVOIR, DS I, 1980, p. 23). 
 
 A condição de ser mulher é resultado do conjunto 
articulado da civilização, que elabora o que se qualifica e, de forma 
ainda mais pejorativa, como deve se expressar o feminino na 
sociedade7. As atribuições de papéis sociais distintos a homens e 
mulheres, constituídos a partir de dados etnográficos e feitos 
históricos, permitem a perpetuação de uma assimetria sexual 
(LERNER, 1990), cujo complexo de fenômenos opressivos articula 
a inferioridade, a discriminação, a dependência e a subordinação 
das mulheres, tornando-as cativas8 em decorrência de sua 
condição genérica e de sua situação particular9. 
 
7 O mito da feminilidade, conforme Beauvoir, é usado na tentativa de estereotipar o comportamento 
da mulher. A autora se dedica a discutir como se inicia essa construção, o que, para ela, acontece na 
infância. O mito da feminilidade se instaura silenciosamente nesta idade; desde os primeiros anos, os 
adultos passam a incentivar diferenças; ao menino, por exemplo, é dada a liberdade de brincar, de 
usar da violência para enfrentar outros meninos, enquanto a menina é confinada aos brincados, 
principalmente às bonecas, que espelham sua própria passividade (BEAUVOIR, 1980). 
8 Existem poucas e reduzidas formas de ser mulher. A sociedade está definida para encerrar e 
estimular as mulheres para que representem um número reduzido de conhecimento cultural e, 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 25 
 
Nesse sentido, O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir, 
revelou que a opressão está articulada em todos os aspectos do 
problema das relações entre os sexos, nas modalidades 
sociológicas, econômicas e psicológicas, pois elas estão criadas 
dentro da mesma estrutura, organizada por uma relação de 
dominação masculina evidenciada de forma reinante nas 
civilizações conhecidas e que, de forma desleal, é apresentada como 
passível de ser superada. Afirma o texto fundador do feminismo do 
século XX que as diferenças físicas entre os sexos não mais 
poderiam ser a justificação de uma hierarquia social e política. A 
obra tende a defender a teoria universalista, mas em nenhum 
momento exclui a persistência de uma diferença de sexos, que não 
poderia ser usada, portanto, para impedir o acesso social e político 
das mulheres. 
A concepção da relação entre os sexos é variável, devido à 
existência de particularidades em cada cultura. No feminismo, há 
três linhas sobre a percepção dessas diferenças; cito-as de forma 
breve: a linha universalista, que se baseia na ideia de que todos os 
seres humanos são iguais, independente das características físicas, 
pois sua estrutura é consequência da socializaçãoe das relações de 
poder, tratando-se, portanto, de querer dissolver as categorias 
homem e mulher, no sentido de que a especificidade das mulheres 
é uma produção social destinada a justificar sua subordinação; a 
linha diferencialista, que compreende que há dois sexos e que o 
 
principalmente, que estejam afastadas da possibilidade de compreender os motivos das opiniões 
dominantes na sociedade, uma vez que são os condicionantes de suas vidas particulares. Esses 
grupos e esses modos de vida são conhecidos porque são especificidades sociais e culturais das 
mulheres, que se configuram por alguma característica subjetiva decorrente da condição de ser 
mulher (LAGARDE, 2005). 
9 A situação das mulheres é um conjunto de características que todas as mulheres possuem a partir 
de sua condição genérica em circunstâncias históricas particulares. A situação expressa a existência 
concreta das mulheres particulares a partir de suas condições reais de vida: a formação social em 
que nasce, vive e more cada uma, as relações de produção-reprodução e, junto com isso, a classe 
social, o grupo de classe, o tipo de trabalho, a atividade vital, os níveis de vida e o acesso a bens 
materiais e simbólicos, a língua, a religião, os conhecimentos, as definições políticas, o grupo de 
idade, as relações com outras mulheres, com os homens e com o poder, assim como as preferências 
eróticas, os costumes, as tradições próprias e a subjetividade pessoal (LAGARDE, 2005). 
26 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
acesso à igualdade não equivale ao acesso à identidade, foi 
defendida pela psicanálise por muito tempo, e enxerga as 
diferenças morfológicas10 como fundamentos que determinam 
uma variante da humanidade, a mulher; já a teoria do pós- 
modernismo e a queer se desenvolveram a partir dos anos setenta, 
compreendendo que o sexo não pode ser substantificado, pois é 
entendido como performático (HIRATA, 2009). 
Ser mulher e ser homem11 são fatos socioculturais e 
históricos e, além das características biológicas de cada um, há um 
complexo de determinações e características econômicas e sociais 
que constituem o gênero12, produto de uma relação entre biologia, 
sociedade e cultura. Ser mulher é consequência de uma construção 
histórica, que a define como ser social e cultural genérico 
(SAFFIOTI, 1987). O processo histórico sob o qual surgiram as 
classes13 e os gêneros é representando, inicialmente, por uma cisão 
 
10Sabendo, assim, que o homem e a mulher são vistos como duas variantes, superior e inferior, da 
mesma fisiologia, compreendemos por que, até o Renascimento, não se dispusesse de terminologia 
anatômica para descrever em detalhes o sexo da mulher, que é representado como composto dos 
mesmos órgãos que o do homem, apenas dispostos de maneira diversa. Por isso, como demonstra 
Yvonne Knibiehler, os anatomistas do princípio do século XIX (sobretudo Virey), ampliando o 
discurso dos moralistas, tentam encontrar no corpo da mulher a justificativa do estatuto social que 
lhes é imposto, apelando para oposições tradicionais entre o interior e o exterior, a sensibilidade e a 
razão, a passividade e a atividade. Bastaria seguir a história da “descoberta” do clitóris, tal como a 
relata Thomas Laqueur, prolongando-a até a teoria freudiana da ligação da sexualidade feminina do 
clitóris para a vagina, para acabar de demonstrar que, longe de desempenharem o papel fundador 
que lhes é atribuído, as diferenças visíveis entre os órgãos sexuais masculinos e femininos são uma 
construção social que se iniciou com os princípios de divisão da razão androcêntrica, ela própria 
fundamentada na divisão dos estatutos sociais atribuídos ao homem e à mulher (BOURDIEU, 2016). 
11A divisão entre sexos parece estar “na ordem das coisas”, como se diz por vezes para falar do que é 
normal, natural, a ponto de ser inevitável: ela está presente, ao mesmo tempo, em estado objetivado 
das coisas (na casa, por exemplo, cujas partes são todas ‘sexuadas’), em todo o mundo social e, em 
estado incorporado, nos corpos e nos habitus de agentes, funcionando como sistemas de esquemas 
de percepção de pensamento e de ação (BOURDIEU, 2016). 
12Minha definição de gênero tem duas partes e várias subpartes. Elas são ligadas entre si, mas são 
analiticamente distintas. O núcleo essencial da definição baseia-se na conexão integral entre duas 
proposições: o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças 
percebidas entre os sexos; e o sexo é uma forma primeira de significar as relações de poder (SCOTT, 
1989). 
13Do ponto de vista das classes sociais, podem-se distinguir, basicamente, dois sentidos da história: o 
das classes dominantes e o das classes subalternas. Do ângulo das categorias de sexo, as mulheres, 
ainda que façam a história, têm constituído sua face oculta (SAFFIOTI, 1987). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 27 
 
entre os seres humanos, fundamentada pela diferenciação 
excludente e compulsória entre homens e mulheres (LAGARDE, 
2005). Dessa forma, o aporte de uma antropologia da mulher14 
permitiu a retomada de conceitos que sustentam a disciplina, como 
a cultura, suas origens e suas evoluções, a partir da determinação 
de diferenças genéricas entre os sexos e a investigação da forma 
em que as mulheres interferiam para a construção de temas 
pontuais, como a religião, o poder e as relações econômicas. 
Neste trabalho, considera-se sexo e gênero uma unidade, 
uma vez que não existe sexualidade biológica independente do 
contexto social em que é exercida; por isso, o confinamento 
atribuído exclusivamente ao gênero feminino deve ser 
compreendido como um processo duplo, permanente e inconcluso, 
em que a mulher é reduzida à sua sexualidade, definida 
historicamente como produto de suas qualidades naturais e 
biológicas, representadas por um número escasso de reais 
diferenças entre os dois sexos e pelo desproporcional ao valor dado 
a essas diferenças (LAGARDE, 2005). Compreende-se, então, o 
sexo como uma realidade, uma condição biológica distinta entre 
homens e mulheres15, enquanto que o gênero é a definição cultural 
dos papéis sociais atribuídos aos sexos em uma sociedade e em um 
determinado momento histórico. 
Portanto, este trabalho acompanha as feministas que 
recusam o uso exclusivo do conceito de gênero, pois a rápida, 
ampla e profunda aceitação do termo está intimamente 
relacionada à omissão e ao silenciamento do fato de que é 
necessário alterar as relações sociais desiguais entre homens e 
mulheres. O uso exclusivo do conceito gênero como neutro e 
 
14 A perspectiva antropológica é dialética: não encontra causas únicas nem últimas; por isso, é 
necessária para entender um fenômeno multideterminado, complexo e diverso como é a mulher. A 
antropologia é uma possibilidade para criação de novas perspectivas (LAGARDE, 2005). 
15A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo feminino e o masculino, e, 
especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como 
justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da 
divisão social do trabalho (BOURDIEU, 2016). 
28 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
equivalente a qualquer relação de violência, dá a ideia de que ele 
nada tem a ver com a biologia do corpo humano, sendo que, na 
verdade, ele depende do sexo, pois está construído socialmente, e 
os papéis sociais de homens e mulheres lhe são atribuídos de 
acordo com a sua genitália, o seu sexo. Dessa forma, tratar esta 
realidade em termos que seguem exclusivamenteo conceito de 
gênero distrai a atenção do patriarca, neutralizando a dominação 
masculina (SAFFIOTI, 2015) ao não nomear a parte oprimida da 
sociedade – mulheres, pessoas que têm vaginas – e a parte 
opressora – homens, pessoas que têm pênis. 
Então, são as definições estereotipadas das mulheres que 
resignam seus círculos de vida particulares, e, a partir disso, cada 
círculo passa a constituir um determinado confinamento, 
construído pelo entorno de definições essencialistas do que seria 
“ser mulher”, geralmente relacionadas à sua sexualidade. Segundo 
Marcela Lagarde: 
 
Todas las mujeres están cautivas de su cuerpo-para-otros, 
procreador o erótico, y de su ser de los otros, vivido como 
necesidad de establecer relaciones de dependencia vital y de 
sometimiento al poder y a los otros. Todas las mujeres, en el bien 
o en el mal, definidas por la norma, son políticamente inferiores a 
los hombres y entre ellas. Por su ser-de y para-otros, se definen 
filosóficamente como entes incompletos, como territorios, 
dispuestas a ser ocupadas y dominadas por los otros en el mundo 
patriarcal. Los grados y las formas concretas en que esto ocurre 
varían de acuerdo con la situación de las mujeres, con los 
espacios sociales y culturales en que se desenvuelven, con la 
mayor o la menor cantidad y calidad de bienes reales y simbólicos 
que poseen, y con su capacidad creadora para elaborar su vida y 
sobrevivir al cautiverio. (LAGARDE, 2005, p.41)16 
 
16 Tradução: Todas as mulheres estão cativas de seu corpo-para-outros, procriador e erótico, e de seu 
ser para os outros, vivido como necessidade de estabelecer relações de dependência vital e de 
submissão ao poder e aos outros. Todas as mulheres, bem ou mal, definidas por normas, são 
politicamente inferiores aos homens e entre elas. Por seu ser-de e para-outros, se definem 
filosoficamente como entes incompletos, como territórios, dispostas a ser ocupadas e dominadas por 
outros no mundo patriarcal. Os graus e as formas concretas em que isso ocorre variam de acordo 
com a situação das mulheres, com os espaços sociais e culturais em que se desenvolvem, com a 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 29 
 
Depreende-se que cada mulher é parte de um conjunto de 
determinações e características universais, que sustentam a 
existência de ciclos particulares, que, por sua vez, estão expressos 
em um ciclo cultural, conformado pela sua sexualidade e sua 
relação com os outros (poder), estruturantes de sua condição 
perante a sociedade (LAGARDE, 2005). Nesse sentido, desde o 
nascimento até a morte, a mulher é representada pela sociedade 
patriarcal como ser incompleto e em constante transformação, pois 
nascer mulher implica um futuro pré-moldado, que estará 
reforçado por opressões determinadas a partir da forma de vida e 
classe que ocupa cada mulher, e que arquitetam os cativeiros a que 
estão submetidas. 
A cultura patriarcal organiza a vida da mulher a partir da 
vivência de uma sexualidade destinada para o outro, como cidadã, 
como fiel, como mãe ou como prostituta, categorias aprofundadas 
de acordo com os necessários recortes culturais, que permitem a 
contextualização das opressões patriarcais – ou seja, permite a 
compreensão de quais os círculos e quais os cativeiros nos quais 
mulher está inserida. Nesse sentido, a história de qualquer 
sociedade conhecida e tradicional demonstra que os primeiros 
escravos foram as mulheres de grupos conquistados, o que precede 
a formação e a opressão de classe, e permite, por exemplo, 
compreender a múltipla exploração das mulheres negras, como 
trabalhadoras, como prestadoras de serviços sexuais e como 
reprodutoras. 
Os defensores científicos do patriarcado justificavam as 
mulheres seriam definidas pelo seu dom maternal, e que a sua 
exclusão de oportunidades econômicas e educativas se justificava 
por serem detentoras da causa mais nobre: a sobrevivência da 
espécie. Nota-se que a constituição biológica e o valor dado às suas 
relações limitou as mulheres a certas atividades profissionais, pois 
 
maior ou a menor quantidade e qualidade de bens reais e simbólicos que possuem, e com sua 
capacidade criadora para elaborar sua vida e sobreviver ao cativeiro. 
30 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
eram dependentes de suas necessidades biológicas, de proteção, de 
recato. Consequentemente, o patriarcado gerou tensões nos 
relacionamentos entre homens e mulheres, visto que ambos estão 
condicionados a seus papéis sociais: o homem com o dever de 
preservar o domínio e a mulher de ser submissa (LERNER, 1990). 
Diante disso, o surgimento de codificações no decorrer da 
história demonstra a instituição de mecanismos de controle 
comportamentais para que a mulher não cogite outro papel que 
não o de reprodutora, fiel, amorosa e julgada pela lealdade devida 
ao marido. É fato que as mulheres estão subordinadas ao domínio, 
ao controle e à dependência do outro. Portanto, sua opressão se 
manifesta a partir da discriminação que sofrem, pois o paradigma 
social e cultural da humanidade é androcêntrico17 e define todas as 
construções mentais da civilização. Destaca-se, assim, a falácia do 
androcentrismo, pois a mudança de paradigma não pode ser 
alcançada simplesmente com o acréscimo de mulheres na 
formação de teorias e nos espaços públicos; é apenas a com a 
aceitação de que a humanidade é formada por homens e mulheres 
igualmente, e a reestruturação das crenças e realidades sociais, que 
esta mudança será alcançada (LERNER, 1990). 
 A gênese do patriarcado, pelo exposto, é que as mulheres 
são oprimidas pelo fato de serem mulheres, independente de sua 
posição de classe, língua, idade, nacionalidade ou ocupação, porque 
o mundo patriarcal ensina que ser mulher é sinônimo de ser 
oprimido. Suas opressões se expressam e se fundamentam na 
desigualdade econômica, política, social e cultural e pela sua 
 
17“A força da ordem masculina dispensa justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e 
não tem necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-la. A ordem social funciona 
como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a dominação masculina sobre a qual se 
alicerça: é a divisão sexual do trabalho, distribuição bastante estrita das atividades atribuídas a cada 
um dos dois sexos, de seu local, seu momento, seus instrumentos; é a estrutura do espaço, opondo o 
lugar de assembleia ou de mercado, reservado aos homens, à casa, reservada às mulheres; ou, no 
próprio lar, entre a parte masculina, com o salão, e a parte feminina, com o estábulo, a água e os 
vegetais; é a estrutura do tempo, as atividades do dia, o ano agrário, ou o ciclo de vida, com 
momentos de ruptura, masculinos, e longos períodos de gestação, femininos” (BOURDIEU, 2016, p. 
18). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 31 
 
posição submissa ao domínio do homem que, como veremos, são 
naturalizadas historicamente. 
 
2.2 Os tempos, suas manifestações e suas exclusões 
 
A história demonstra a relevância do quarto milênio a.C., 
momento em que as sociedades começaram a se organizar e 
passaram a ser reconhecidas como civilizações, com seus métodos 
de domínio relacionados à terra e ao sexo. Nesse período, a maior 
parte das sociedades agrícolas tinha desenvolvido novas formas de 
desigualdades entre homens e mulheres, num sistema chamado de 
patriarcal, com o domínio de maridos e pais. As civilizações, de 
uma forma geral, aprofundaram o patriarcado, pois uniram 
aspectos culturais e institucionais amplos, perpassando suas 
particularidades e criando padrões de estrutura para avida 
humana, que combinam as crenças e instituições mais amplas de 
cada civilização em particular (STEARNS, 2015). 
O deslocamento da caça e da coleta para a agricultura pôs 
fim, gradualmente, a um sistema de sociedade com uma 
considerável igualdade entre homes e mulheres, pois, por exemplo, 
na cultura de caça e coleta, as taxas de natalidade eram 
relativamente baixas e aumentaram a partir do momento em que 
os suprimentos de alimentos se tornaram mais seguros, em parte 
porque havia mais condições e possibilidades de aproveitar o 
trabalho das crianças para aumento da produção e dos excedentes 
(STEARNS, 2015). O desenvolvimento da agricultura, já no período 
neolítico (8.000 a.C.), impulsionou o intercâmbio de mulheres, não 
só como uma maneira de evitar guerras incessantes mediante a 
consolidação de alianças matrimoniais, mas também porque as 
sociedades com mais mulheres poderiam produzir mais crianças, 
já que uma das diferenças primordiais entre as sociedades 
coletoras e agrícolas foi o emprego da mão de obra infantil 
(LERNER, 1990). 
32 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
A fixação de grupos em determinados espaços e o 
estabelecimento de moradias mais estáveis mudou radicalmente a 
estrutura da vida humana nessas regiões. A partir da geração de 
excedentes de produção, as pessoas passaram a realizar outras 
atividades, como o artesanato, a religião e o governo, em 
decorrência do tempo disponível (STEARNS, 2015). Houve uma 
drástica mudança nas relações familiares, principalmente em 
relação ao cuidado da mãe com a criança, com a impossibilidade 
dela ser criada por outra pessoa. A função de reprodução imposta à 
mulher ocasionou um aumento nos índices de mortalidade infantil, 
uma vez que as mulheres estavam condicionadas a ter muitas 
gestações e a ser responsáveis pela sobrevivência dos filhos 
(LERNER, 1990). 
Cada civilização desenvolveu características próprias, 
determinadas pelos seus interesses e alcances naturais, pela sua 
localização e pelo seu tempo histórico, e pelas suas preocupações, 
reconhecidas através de suas religiões, produções científicas e seu 
modo de governo. As alterações nas relações de poder entre 
homens e mulheres são consequências e reflexos de importantes 
mudanças econômicas, tecnológicas e militares, pois o período de 
formação do patriarcado não ocorreu de repente, mas foi um 
processo que se desenvolveu e se aprofundou no transcurso de 
quase 2.500 anos, desde aproximadamente 3.100 a 600 a.C. (do 
quarto ao segundo milênio) (STEARNS, 2015). 
 A necessidade dessas civilizações se identificarem umas 
com as outras está relacionada com a abrangência do comércio 
interno, consequência dos excedentes de produção da agricultura, 
que proporcionou uma integração entre os povos e a construção de 
unidade, mantendo populações que até então eram diferentes, 
juntas. As classes altas, privilegiadas quanto ao acesso e 
conhecimento de outras línguas e culturas, fomentaram debates 
sobre o sistema filosófico, construindo tradições culturais e 
padronizando estruturas, delimitadas a partir do sexo, em 
diferentes graus e intensidades (STEARNS, 2015). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 33 
 
O papel social dos sexos na criação das civilizações reflete a 
assimetria sexual que situa as causas de subordinação feminina. 
Biologicamente, o homem tem estrutura de caçador, o que o 
capacita para ser reconhecido como guerreiro protetor das 
mulheres vulneráveis, cujas habilidades eram restritas à função 
estrutural de reprodução, amor materno e dever de cuidado dos 
filhos (LERNER, 1990). Então, o tema do controle da sexualidade 
feminina e da procriação está inserido nas relações econômicas, 
restringindo o papel da mulher, que, ao perceber as diferenças e 
reconhecer suas opressões, manifesta-se por igualdade. Ocorre que 
tal reconhecimento é demorado, já que, como vimos, as 
representações femininas são constituídas pelo androcentrismo18, 
contestado pelas mulheres após o seu acesso à alfabetização, um 
dos desafiantes do protagonismo da história. 
As sociedades seguem a se modificar com os avanços 
culturais, principalmente pela industrialização, inerente a 
civilizações ocidentais ao final do século XIX. Os câmbios culturais 
permitiram que homens se libertassem de suas necessidades 
biológicas e que as mulheres acessassem uma possiblidade de 
igualdade formal; porém, as liberdades destinadas às mulheres só 
são compreendidas como aceitáveis porque ainda as mantêm 
destinadas ao mesmo serviço, principalmente pelo fundamento de 
sua estrutura biológica (LERNER, 1990). A mudança radical nas 
relações humanas ocorrida com o advento da agricultura e, 
principalmente, com o acesso aos excedentes de produção e 
câmbios culturais, permitiu que as civilizações se organizassem e 
se expandissem, mantendo domínios a partir de relações de poder 
 
18 Tem-se androcentrismo quando um estudo, análise ou investigação tem como enfoque 
preponderante a perspectiva masculina, apresentando-a como central para a experiência humana de 
maneira que o estudo da população feminina, quando existente, se dá unicamente em relação às 
necessidades, experiências e preocupações dos homens. O androcentrismo pode se manifestar de 
duas formas, que são a misoginia e a ginopia. A misoginia consiste no repúdio ao feminino e ginopia 
na impossibilidade de ver o feminino ou na invisibilidade da experiência feminina. Estamos 
acostumados/as a ler e escutar explicações do humano que deixam as mulheres de fora, entretanto, 
nos sentimos incomodados/as quando se esquece do homem (FACIO, 1991). 
34 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
entre sociedades e entre os sexos. A necessidade de garantir que 
esses excedentes e lucros ficassem sob o domínio masculino, para 
então se perpetuarem, criou novas formas e possibilidades de 
assegurar a propriedade privada nas mãos dos homens. 
Cabe observar a divergência histórica sobre as sociedades 
matriarcais, manifestada a partir de teorias que sustentam ou 
negam a universalidade da subordinação feminina. A existência ou 
não de um estágio de dominação feminina e de igualdade entre 
mulheres e homens, estão observadas pelas teorias marxista, 
estruturalista e materialista. É conveniente, então, que sejam 
apresentadas essas teorias. A teoria marxista trata de maneira 
mais específica quanto à mulher a obra A origem da família, da 
propriedade privada e do estado, de Engels, baseada em dados do 
trabalho de teóricos do século XIX19, que defendiam a existência de 
sociedades comunistas sem classes prévias antes da formação da 
propriedade privada; tais sociedades poderiam ser matriarcais ou 
não, mas o autor considera-as como igualitárias. Toda a divisão 
primitiva do trabalho descrita na teoria marxista está baseada na 
diferença entre os sexos, que condiciona a divisão em 
características biológicas e no alcance delas para medir força de 
produtividade. 
Essa divisão de trabalho perpetuou a ideia primitiva do 
determinismo biológico dos sexos20, estando os homens 
responsáveis por lutar na guerra, caçar e pescar, procurar 
alimentos e ferramentas necessárias para o trabalho, enquanto as 
mulheres estavam responsáveis por atender a casa, preparar os 
 
19 Um dos doutrinadores utilizado por Engels foi J. J. Bachofen, jurista e antropólogo, cuja obra 
principal foi O direito materno, publicada em 1861, que tratou sobre o matriarcado, apresentando 
uma investigação sobre o caráter religioso e jurídico do matriarcado no mundo antigo. 
20 “Em sociedades de tecnologia rudimentar, ser detentor de força física constitui, inegavelmente, 
uma vantagem. Em sociedades onde as máquinas desempenham funções mais brutas, que requerem 
força, a relativaincapacidade de levantar peso e realizar movimentos violentos não impede qualquer 
ser humano de ganhar seu sustento. Rigorosamente, portanto, a menor força física da mulher em 
relação ao homem não deveria ser motivo de discriminação. Todavia, recorre-se, com frequência, a 
este tipo de argumento, a fim de se justificarem as discriminações praticadas contra as mulheres. ” 
(SAFFIOTI, 1987, p. 12). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 35 
 
alimentos e confeccionar as roupas. Engels entende que o 
surgimento da propriedade privada foi a derrota do sexo 
feminino21 e, portanto, somente as sociedades comunistas 
poderiam tratá-las como iguais. Entretanto, o modelo de divisão de 
trabalho de Engels é em certo ponto equivocado e profundamente 
criticado, pois já restou demonstrado que a definição do trabalho 
realizado por homens e mulheres difere de acordo com a cultura e 
o entorno ecológico em que vivem as pessoas. A teoria marxista22 
entende que, nas sociedades tribais, o desenvolvimento da 
domesticação animal condicionou o comércio e as propriedades às 
mãos dos homens de diferentes famílias, mas não foi capaz de 
explicar o porquê. Não foi demonstrado e explicado como se deu o 
domínio masculino sobre os excedentes de produção e a conversão 
deles em propriedade privada, institucionalizada em uma família 
monogâmica e no desenvolvimento da domesticação animal 
(LERNER, 1990). 
 Consequentemente, assegurar a propriedade privada 
requereu a constituição e institucionalização da família 
monogâmica23 e do controle da sexualidade feminina. Com a 
 
21“A reversão do direito materno foi a grande derrota do sexo feminino. O homem passou a governar 
também na casa, a mulher foi degradada, escravizada, tornou-se escrava do prazer do homem, e um 
simples instrumento de reprodução. Essa condição humilhante para a mulher, tal qual como 
aparece, notadamente, entre os Gregos nos tempos heroicos, e mais ainda dos templos clássicos, foi 
gradualmente camuflada e dissimulada, e também, em certos lugares, revestida de forma mais 
amenas, mas não foi absolutamente suprimida” (ENGELS, 2012, p.42). 
22 Para a teoria marxista, a ideologia da classe dominante é a ideologia dominante do conjunto da 
sociedade. Constata-se que a classe dominante é, entre outras coisas, identificada pela capacidade de 
elaborar visões sociais, da cultura e da história segundo seus próprios interesses. Lagarde se 
contrapõe ao entendimento de Marx e Engels, afirmando que as teorias dominantes incorporam, 
além dos interesses classistas, outros, que se expressam em grupos determinados, cujo domínio é 
essencialmente advindo da divisão de classes. A autora entende que as ideologias são determinadas 
como dominantes porque expressam as concepções e as normas e porque contribuem para a criação 
de necessidades surgidas aos grupos dominados (LAGARDE, 2005). 
23 “A monogamia não foi, de forma alguma, fruto do amor sexual individual, com a qual nada tinha 
que ver já os casamentos permaneciam, antes como depois, feitos de conveniências. Ela foi a 
primeira forma de família fundada sob condições não naturais, mas econômicas, a saber, o triunfo 
da propriedade individual sobre o comunismo espontâneo primitivo. Soberania do homem na 
família e procriação de filhos que só podiam ser dele e destinados a tornarem-se herdeiros da sua 
fortuna. ” (ENGELS, 2012, p. 50). 
36 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
exigência de castidade pré-conjugal e o estabelecimento do um 
duplo padrão sexual dentro do matrimônio, os homens 
asseguraram a legitimidade de sua descendência e garantiram, 
assim, seus interesses de propriedade (LERNER, 1990). A família 
monogâmica se transforma em uma família patriarcal, 
perpetuando a inferioridade da mulher, cujo trabalho ficou 
confinado à esfera privada, excluindo-a da participação na 
produção social (ENGELS, 2012). A teoria marxista expressa que, a 
partir do momento que o homem toma el mando de la casa, a 
mulher é inferiorizada e reduzida à serventia, a uma escrava das 
luxúrias masculinas e a um mero instrumento de reprodução 
(LAGARDE, 2005). 
As atribuições do marxismo são reconhecidas como aportes 
da teoria feminista para o reconhecimento das mulheres sobre 
suas posições na sociedade e na história24, já que, mesmo que seus 
pressupostos não tenham sido comprovados, foram os que 
definiram as principais questões teóricas dos cem anos seguintes 
(LERNER, 1990). A teoria marxista denunciou a conexão entre as 
mudanças estruturais nas relações de parentesco e mudanças na 
divisão do trabalho, por um lado, e a posição que ocupam as 
mulheres, por outro; demonstrou uma conexão entre o 
estabelecimento da propriedade privada, o matrimônio 
monogâmico e a prostituição; e, ainda, a conexão entre o domínio 
econômico e político25 dos homens e seu controle sobre a 
sexualidade feminina. 
 A definição do matrimônio monogâmico, para Engels, é a 
mesma da primeira sociedade estatal26, como a sujeição de um 
 
24 O primeiro a afirmar que o desenvolvimento de uma sociedade se mede pela condição da mulher 
foi o socialista utópico Charles Fourier, encapado posteriormente por Marx e, sobretudo, por Engels. 
25 “Não se pode assegurar a verdadeira liberdade, não se pode edificar a democracia – sem falar de 
socialismo – se não chamamos as mulheres ao serviço cívico, na milícia, na vida política, se não a 
tirarmos da atmosfera brutal do lar e da cozinha” (MARX, ENGELS, LENIN, 1979, p.12). 
26 “Vimos o quanto Bachofen tinha razão ao considerar o progresso constituído pela passagem do 
casamento por grupos ao casamento tribal como obra da mulher; somente a passagem do último a 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 37 
 
sexo ao outro, entendendo que a primeira oposição de classes que 
aparece na história coincide com o desenvolvimento do 
antagonismo entre homem e mulher no matrimônio monogâmico, 
reconhecendo-o como a primeira opressão de classes – a do sexo 
masculino sobre o feminino27. As afirmações de Engels sobre a 
relação entre os sexos e o antagonismo de classe fez com que os 
teóricos não compreendessem, realmente, as diferenças entre as 
relações de sexo e as relações de classe (LERNER, 1990). 
 Cabe ressaltar que, paralelamente à teoria marxista, surge 
a psicanálise de Freud28, sendo que ambas dialogaram 
profundamente, e seus discursos continuam persistentes até hoje. 
A diferença entre as duas teorias, além de seus objetos de pesquisa, 
foi que o questionamento das categorias marxistas de gênero 
ocorreu no campo epistemológico29, enquanto que a psicanálise 
tratou da filogênese, no caso, do desenvolvimento do ser humano e 
não da busca da compreensão da natureza e da gênese, da origem, 
do ser social e da sociedade (ontogênese), da qual se ocupou Marx. 
 
monogamia pode ser posto em conta do homem; sua única razão na história foi tornar pior a 
situação das mulheres e facilitar a infidelidade dos homens” (ENGELS, 2012, p. 61 a 63). 
27 Tanto Engels como Bachofen afirmam que o patriarcado surgiu ligado à passagem de uma vida 
sexual comunitária para a adoção de certas formas de associação sexual, primeiramente com a 
família sindiásmica (o homem pode ter outras ligações, mas a mulher não; ainda, o casamento pode 
ser dissolvido por divórcio), e depois com o casamento monogâmico. As duas últimas formas 
asseguram ao marido a posse sexual exclusiva da mulher. “[...] as suposições dos autores, segundo 
as quais o patriarcado tem origem unicamente, ou em grande parte, na adoção de certas formas de 
associação sexual são insustentáveis; outras modificações de ordem social, ideológica,tecnológica e 
econômica parecem mais plausíveis. Em contrapartida, a afirmação de Engels de as mulheres 
constituírem a primeira propriedade é verdadeira. Mas quando ele sustenta que as mulheres são 
reduzidas à condição de objeto pelo casamento, que dá ao homem a posse sexual exclusiva (posse 
não recíproca), isto pressupõe já condições patriarcais. ” (MILLETT, 1970, p.80). 
28 “[...] a fundação da Psicanálise por Freud, no final do século XIX, que vai fazer a diferença dos 
sexos o motivo central da reflexão. Aqui, pode-se também observar oscilações complexas entre a 
afirmação de um e dos dois sexos, o horizonte do mais e do menos: a centralidade do falo força 
ambos os sexos à experiência de castração, mas de maneira mais difícil para as mulheres devido, por 
um lado, à sua primeira relação desejante da mãe que, em seguida, deve ser voltar para um homem, 
e, por outro lado, à falta de pênis traduzida como ‘inveja do pênis’. ” (HIRATA, 2015, p.61). 
29 Compreende-se por epistemologia toda a noção ou ideia, refletida ou não, sobre as condições vitais 
para a constituição do conhecimento válido. É por via deste conhecimento válido que uma dada 
experiência social se torna intencional ou inteligível (SOUZA, 2013). 
38 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
Assim, o pensamento psicanalítico foi subversivo e conservador30, 
ao passo que ao marxista não se aplica o segundo termo 
(SAFFIOTI, 2015). 
 Outra teoria acerca da subordinação das mulheres é a 
estruturalista, baseada na obra do antropólogo Claude Lévi-Strauss 
(1973), que defende que os homens construíram a cultura a partir 
de um só componente histórico. Há o reconhecimento do tabu do 
incesto como um mecanismo universal humano, enraizado em 
qualquer organização social, sendo sua proibição compreendida 
não só como uma norma que proíbe o matrimônio com a mãe, a 
irmã e a filha, mas uma norma que obriga a dar a mãe, a irmã ou a 
filha a outros, como gratificações. Para a teoria, o intercâmbio de 
mulheres foi a primeira forma de comércio, que as converteu em 
mercadoria, considerando-as coisas antes de seres humanos 
(LERNER, 1990). 
 Com relação ao entendimento do intercâmbio de mulheres 
como a primeira forma de comércio e em relação à teoria, a 
antropóloga e feminista Gayle Rubin31 apresenta as consequências 
e extensões desse sistema para o pleno exercício do direito das 
mulheres sobre si mesmas. As relações sociais do sistema familiar, 
segundo a antropóloga, decretam aos homens direitos sobre as 
mulheres da família, sem considerar os motivos que deram início a 
um intercâmbio de mulheres e não de crianças e sem lograr 
responder, também, o que levava as mulheres a estarem de acordo. 
 
30 “Ao considerar as teorias de Freud sobre as mulheres, devemos atentar não só para as conclusões 
que tirou dos fatos que dispunha como também para as hipóteses sobre as quais se baseou. Para 
Freud, os sintomas das suas pacientes não traduziam uma insatisfação justificada perante a situação 
restritiva que lhes impunha a sociedade, mas uma tendência independente e universal do caráter 
feminino. Batizou esta tendência de ‘inveja ao pênis’, descobriu as origens na experiência de infância, 
e sobre ela fundou a psicologia da mulher, organizando o que considerava como os três corolários da 
psicologia feminina- passividade, masoquismo, narcisismo-, de forma que cada um destes aspectos 
dependia de ou estava em relação com a inveja do pênis.” (MILLETT, 1970, p. 177). 
31 A antropóloga, em 1975, afirmou que o sistema sexo/gênero consiste numa gramática, segundo a 
qual a sexualidade biológica é transformada pela atividade humana, tornando disponíveis os 
mecanismos de satisfação das necessidades sexuais transformadoras. Sua principal obra é 
“Deviations: A Gayle Rubin Reader”, publicada em 2011. 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 39 
 
Assim, “a teoria estruturalista reconhece o sistema sexo/gênero 
como um conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade 
transforma a sexualidade biológica em produto da atividade 
humanas. ” (RUBIN, 1993, p.3). 
Esses questionamentos provocaram uma mudança nas 
teorias feministas, que passaram a buscar desde as origens 
econômicas até os sistemas de símbolos e significados das 
sociedades conhecidas, identificando as mulheres como inferiores, 
como forma de intermédio entre seres. Cabe salientar que os 
estudiosos de gênero pós-modernos32 apresentaram críticas à 
Gayle Rubin, devido ao fato de que ela trabalhava com oposições 
como natureza e cultura e separação entre os sexos; contudo, a 
antropóloga e professora Sherry Ortner,33 em 1974, apresentou um 
breve ensaio que defende a universalidade da subordinação 
feminina, afirmando que em qualquer sociedade conhecida as 
mulheres estão identificadas como mais próximas da natureza do 
que da cultura, tendo sido convertidas em um símbolo de 
inferioridade. 
Ao lado de Ortner, feministas defendem a universalidade 
da subordinação feminina, se não nas condições sociais atuais, ao 
menos nos sistemas de significado da sociedade. Os que se 
opuseram a essa visão foram criticados por desconsiderarem 
processos históricos, momento em que se coloca em dúvida a 
aceitação implícita do feminismo estruturalista na dicotomia 
imutável entre homens e mulheres (LERNER, 1990). O 
aprofundamento do debate evidenciou que nem a ideia de que um 
único e específico feito seria a causa responsável de certo 
problema, nem a ideia de universalidade, vão responder 
corretamente a questão das causas de subordinação. As explicações 
 
32 Ao contrário do sentido adotado por este trabalho para sexo e gênero, podemos citar, a nível de 
informação, os estudos de Judith Butler, a partir dos quais o sexo passa a ser visto como 
culturalmente construído e gênero como meio de discurso para a construção do sexo. 
33 Uma de suas principais obras foi publicada em 1974, intitulada Is female to male as nature is to 
culture?. 
40 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
econômicas, realçadas a partir de considerações biológicas, 
passaram a ter que tratar com o poder dos sistemas de crenças, 
símbolos e construções mentais. 
 A teoria materialista, portanto, tem sido considerada como 
uma teoria feminista na prática e nas intenções, e também como 
uma teoria representante da tradição histórica ao pensar sobre as 
mulheres, construída, portanto, a partir da aceitação de diferenças 
biológicas entre sexos e do reconhecimento de uma divisão de 
trabalho condicionada por essas diferenças. Uma das obras que 
impulsionou os debates feministas foi a de J.J. Bachofen, quando o 
antropólogo descreveu várias etapas da evolução da sociedade, 
desde a barbárie até o moderno patriarcado, afirmando que nas 
sociedades primitivas existiram culturas matriarcais. No entanto, 
as feministas norte-americanas desenvolveram a teoria 
materialista, dando origem a uma doutrina patriarcal redefinida 
quanto à esfera da mulher, que passou a relacionar as privações 
das mulheres com a imposição de fragilidade ao seu sexo, já que 
frequentemente os registros históricos colocam as mulheres como 
responsáveis por resgatar a sobrevivência da sociedade da 
destruição, da competitividade e das violências criadas por 
homens, possuidores de um poder absoluto, como portadoras de 
uma missão para sobrevivência humana. 
O acesso a uma educação igual e a participação na vida 
pública em igualdade com os homens foi, e ainda tem sido, um dos 
maiores obstáculos enfrentados pelas mulheres, que, mesmo após 
a instituição de novos modos de governo, mantiveram seus papéis 
de subordinação e de responsabilidade para com a educação dos 
filhos34, futuros condutores sociais (LERNER, 1990). Elizabeth34 “[...] o pai pode omitir-se em tudo, mas resguarda sua autoridade. Mesmo quando cabe à mulher 
total responsabilidade pela educação dos filhos, é ela mesma que, diante de uma traquinagem dele, 
ao invés de aplicar-lhe o castigo devido, omite-se, ameaçando-o com o famoso ‘contarei tudo a seu 
pai quando ele chegar’. A autoridade, assim, permanece nas mãos daquele que não educa. A 
responsabilidade cabe àquela que não detém autoridade. Desta forma, fica extremamente difícil, 
senão impossível, mostrar às crianças os limites de atuação, os limites do permissível. ” (SAFFIOTI, 
1987, p.37). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 41 
 
Stanton35, feminista e ativista estadunidense, desenvolveu o 
argumento considerado materialista-feminista quando afirmou 
que as mulheres tinham direito a igualdade porque eram cidadãs. 
Posteriormente, com base no mesmo fundamento, as feministas 
organizaram o movimento sufragista e passaram a questionar o 
trabalho da mulher, além de reivindicar participação social e 
política através do voto. 
 As feministas materialistas afirmam que a busca pela 
existência de sociedades matriarcais foi essencial para afirmar a 
teoria e reivindicar igualdade. Nessa busca se identificou que as 
mulheres são vistas em muitas civilizações como deusas, 
afirmando a existência de poder feminino, de uma idolatria; 
contudo, esses entendimentos são constituídos de uma combinação 
de pesquisas em diversas áreas, consideradas duvidosas e ligadas 
por presunções. Os antropólogos modernos têm refutado 
evidências etnográficas que embasaram os argumentos de 
Bachofen e Engels para a existência de uma civilização matriarcal, 
reconstituindo as evidências e fundamentando a existência de uma 
sociedade matrilinear, que, em regra, tinha sua economia e 
relações parentais controladas pelo parente-homem. 
 Nota-se que são diversas as concepções acerca da existência 
de sociedades matriarcais (SAFFIOTI, 2015), e o espaço destinado à 
pesquisa não permite um aprofundamento da construção dessas 
sociedades. Contudo, as interpretações históricas demonstram que 
nas sociedades caçadoras e coletoras, independente do status social 
e econômico, as mulheres eram subordinadas, em alguns aspectos, 
aos homens, já que em nenhuma sociedade conhecida as mulheres, 
coletivamente, tiveram o poder de tomar decisões sobre os homens 
ou de definir as normas sobre suas condutas sexuais ou variar 
matrimônios (LERNER, 1990). Assim, aqueles que definem o 
 
35 Stanton, ativista feminista e abolicionista, dedicou-se aos direitos políticos das mulheres, 
abordando questões para além do sufrágio feminino. Suas principais obras são History of Woman 
Suffrage, publicada em 1881, e The Woman’s Bible, publicada em 1972. 
42 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
matriarcado como uma sociedade em que as mulheres dominam 
os homens, como o inverso do patriarcado36, sustentam seus 
argumentos em evidências extraídas da mitologia e da religião, e 
não de dados antropológicos e históricos. 
 Dessa forma, a intepretação feminista de diversas áreas 
através da teoria materialista refuta, atualmente, uma série de 
definições a partir da releitura dos dados e nova interpretação das 
habilidades femininas como tão variadas quanto as dos homens e 
em igualdade de essencialidade para a sobrevivência humana. As 
descrições das interpretações feministas de Nancy Chodorow37 são 
apresentadas por Lerner (1990) e Pateman (1993), e evidenciaram 
discrepâncias sexuais universais na organização social dos gêneros, 
geradas pelo condicionamento das mulheres ao dever de cuidado 
dos filhos. Assim, cabe ressaltar que nada que aparece na história 
como eterno é mais que o produto de um trabalho de eternização, 
realizado por instituições como a família, a igreja e a escola. 
Portanto, uma história feminista deve apresentar outras visões que 
não a naturalista e essencialista. 
 Sublinha-se que este trabalho baseia-se na teoria 
materialista-feminista, que compreende a subordinação da mulher 
como universal e que pretende a disseminação das diferenças e 
categorias entre homens e mulheres, a partir do questionamento 
da subordinação feminina e de todas as violências relacionadas a 
esse fenômeno patriarcal. Dessa forma, analisaremos o controle da 
sexualidade das mulheres e quais os motivos que ainda as mantêm 
em situação de inferioridade, buscando compreender os 
entrelaçamentos dos registros históricos e das atuais e perpetuadas 
opressões estruturais instituídas pelo patriarcado. 
 
36 “Só se poderá seguir essa definição quando as mulheres possuírem poder sobre os homens e não 
poder ao lado deles, o que inclui a esfera pública e as relações om o exterior, bem como a tomada de 
decisões importantes por parte das mulheres no âmbito familiar e social. ” (LERNER, 1990, p.30). 
37 Socióloga e psicanalista, é considerada uma das principais teóricas da psicanalítica feminista. Entre 
suas obras estão The Reproduction of Mothering: Psychoanalysis and the Sociology of Gender, 
publicada em 1978, e considerada um dos dez livros mais influentes dos últimos 25 anos, de acordo 
com a revista de sociologia americana Contemporary Sociology. 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 43 
 
2.3 As estruturas de poder e as suas opressões 
 
 As estruturas de poder não só dividem a sociedade em 
homens dominadores, de um lado, e mulheres subordinadas, de 
outro, mas também criam homens que dominam outros homens, 
bem como mulheres que dominam outras mulheres, o que permite 
o reconhecimento de que o patriarcado, articulado com as demais 
estruturas de poder (como o capitalismo e o racismo38), representa 
um sistema de relações sociais que mantém a subordinação da 
mulher. A supremacia masculina se faz presente em todas as 
classes sociais, desde as subalternas até as dominantes e, mesmo 
que uma mulher, em razão de sua classe, assuma posição social 
superior à de homens e outras mulheres de classes mais baixas, ela 
não será eximida de ser sujeitada ao julgamento do homem, seja 
 
38 “Sexismo e racismo são irmãos gêmeos. Na gênese do escravismo constava um tratamento distinto 
dispensado a homens e a mulheres. Eis por que o racismo, base do escravismo, independente das 
características físicas ou culturais do povo conquistado, nasceu no mesmo momento histórico em 
que nasceu o sexismo. Quando um povo conquistava outro, submetia-o a seus desejos e a suas 
necessidades. Os homens eram temidos, em virtude de representarem grande risco de revolta, já que 
dispõem, em média, de mais força física que as mulheres, sendo, ainda, treinados para enfrentar 
perigos. Assim, eram sumariamente eliminados, assassinados. As mulheres eram preservadas, pois 
serviam a três propósitos: constituíam forca de trabalho, eram reprodutoras de força de trabalho e 
prestavam (cediam) serviços sexuais aos homens do povo vitorioso. Constitui-se uma prova cabal de 
que o gênero não e tão somente social, dele participando também o corpo, quer como mão de obra, 
quer como objeto sexual, quer ainda como reprodutor de seres humanos, cujo destino, se fossem 
homens, seria participar ativamente da produção e, quando mulheres entrar na engrenagem das 
funções descritas. Convém lembrar que o patriarcado serve a interesses dos grupos/classes 
dominantes e que o sexismo não é meramente um preconceito, sendo também o poder de agir de 
acordo com ele. No que tange ao sexismo, o portador de preconceito está, pois, investido de poder, 
ou seja, habilitado pela sociedade a tratar legitimamente as pessoas sobre quem recai o preconceito 
de maneira como este as retrata. Em outras palavras, os preconceituosos – e este fenômeno não é 
individual, massocial- estão autorizados a discriminar categorias sociais, marginalizando-as do 
convívio social comum, só lhes permitindo uma integração subordinada, seja em certos grupos, seja 
na sociedade como um todo. 
O sexismo não é somente uma ideologia, reflete, também, uma estrutura de poder, cuja distribuição 
é muito desigual, em detrimento das mulheres. O sexismo, contudo, trata de ocultar este fato, por 
exemplo, como a suspeita de que sempre se pode imputar a esterilidade às mulheres. Tanto assim é 
que, nos casais sem filhos, é sempre a mulher que se submete a exames de fertilidade. Só depois que 
esta fica provada, o homem se dispõe a procurar um médico. Comprovada a esterilidade masculina, 
em geral, a mulher é proibida de divulgar este resultado. A falha, no homem, deve continuar oculta. 
” (SAFFIOTI, 2015, p.100-101). 
44 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
seu pai ou companheiro. Por isso, podemos dizer que são as 
mulheres negras e pobres que estão na última posição de 
subordinação da sociedade brasileira. 
 Os traços de personalidade adquiridos pelas mulheres ao 
longo de todo o processo de socialização fazem com que todas 
acreditem, pelo menos em um primeiro momento, que não são 
capazes, pois foram ensinadas que a razão não lhes pertence, 
condicionando-as, via de regra, a não terem confianças em si 
mesmas, fato que as impede de lutar vigorosamente para mudar a 
sua condição de inferioridade (SAFFIOTI, 2015). Então, qualificadas 
como vítimas e sofredoras, em seu destino de mulher, só são 
merecedoras de aplausos por parte da sociedade quando aceitam 
tal condição. Em consequência, a cartilha da ideologia dominante 
interpreta aquelas que não seguem tais padrões como desonradas 
pelos seus comportamentos, e, por isso, merecedoras de repressão. 
 Durante o processo de socialização, os homens são 
ensinados a competir permanentemente, seja por empregos ou 
pela atenção de mulheres, traço que constitui a personalidade 
masculina, junto ao componente básico da agressividade, o modelo 
de homem. Paralelamente, as mulheres são ensinadas a inibir 
qualquer tendência agressiva, já que os padrões sociais lhes 
imputam as características de docilidade e passividade, pois, caso 
sejam identificadas como agressivas, correrão o risco de serem 
estereotipadas como “mulher-macho” (SAFFIOTI, 1987), ou seja, a 
mulher que quer imitar o homem39. A ideologia patriarcal pretende 
enquadrar ambos os sexos em papéis pré-determinados e 
excludentes, independente das particularidades de cada ser 
humano. Dessa forma, a supremacia é garantida ao macho adulto. 
Assim é visto que “à medida que os filhos vão entrando na idade 
adulta, vai-se estabelecendo o domínio do irmão sobre a irmã, 
 
39 Imbuídas da ideologia que dá cobertura ao patriarcado, mulheres desempenham, com maior ou 
menor frequência e com mais ou menos rudeza, as funções do patriarca, disciplinando filhos e outras 
crianças ou adolescentes segundo a lei do pai. Ainda que não sejam cúmplices desses sistemas, 
colaboram para alimentá-lo. 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 45 
 
numa repetição de modelo parental” (SAFFIOTI, 1987, p. 39). 
Portanto, tem-se que a família não reúne condições suficientes de 
educar novas gerações para que ambos os sexos desfrutem do 
prazer (SAFFIOTI, 1987). 
 Todas essas diferenças tornam a vida da mulher mais ou 
menos difícil, mas sempre lhe imputam a responsabilidade última 
pela casa e pelos filhos. As formas particulares em que ocorre o 
fenômeno de subordinação em cada ciclo vital, com suas normas, 
instituições, seus modos de vida e sua cultura, são reconhecidas 
como os cativeiros das mulheres40, e nem tudo é dor dentro deles – 
ao contrário, a ideia é que os cativeiros passem a adquirir texturas 
de felicidade, enunciadas na língua patriarcal como entrega e 
lealdade. A mulher está situada em determinado lugar no mundo, 
colocada para dentro de casa, o cuidado com os outros é concebido 
como causa de seus instintos sexuais e maternais, estando a 
subordinação alienada, portanto, ao poder, conteúdo do amor 
(LAGARDE, 2005). 
 O complexo de fenômenos opressivos que articula 
inferiorização, discriminação, dependência e subordinação, define 
o papel das mulheres na sexualidade, nas atividades, no trabalho, 
nas relações sociais, nas formas de participação no mundo e na 
cultura, definindo os limites de suas possibilidades. O processo de 
subordinação não é de entrega ou apropriação, pois não permite 
autonomia; as mulheres estão conformadas como parte dos outros, 
imbuídas da ideia de que o impulso que dá sentido à sua existência 
é a dependência dos vínculos, é sua realização com esses vínculos. 
Esses processos sintetizam a vitória patriarcal: a sociedade 
 
40 “A categoria cativeiro foi construída como sínteses dos fatos culturais que definem o estado das 
mulheres no mundo patriarcal. O cativeiro define politicamente as mulheres, se concretiza na 
relação especifica das mulheres com o poder, e se caracteriza pela privação de liberdade, pela 
opressão. O cativeiro caracteriza as mulheres por sua subordinação ao poder, por sua dependência 
vital, o governo e a ocupação de suas vidas pelas instituições e pelos particulares (os outros), e pela 
obrigação de cumprir com o dever feminino de seu grupo de sujeição, concretizado em vidas 
estereotipadas, sem alternativas. ” (LAGARDE, 2005, p.36). 
46 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
disponibilizando mulheres para adorar e cuidar dos outros, 
trabalhar, purificar e mudar o mundo, tudo por desejo próprio41. 
 Cada mulher se torna a expressão do que também não 
pôde ser, devido à divisão genérica e classista das sociedades, pois 
todos os compartimentos e as categorias sociais que constituem 
cada sexo, sua divisão genérica e classista, implica à mulher um 
futuro pré-definido (LAGARDE, 2005). Portanto, a opressão das 
mulheres constitui um conjunto articulado de características 
inscritas na situação de subordinação, no conjunto da sociedade e 
do Estado. A opressão se manifesta e se realiza na condição da 
mulher como objeto, fundada na desigualdade econômica, política, 
social e cultural, bem como concretada em um todo unitário e 
simultâneo dessas características, no grupo social das mulheres, e 
em cada mulher em particular. 
 São diversas as determinantes para a situação de opressão 
das mulheres, as quais se expressam a partir da divisão sexual do 
trabalho e pelo conjunto do que é viver a partir de valores e 
classificações determinadas pelo sexo; pela divisão genérica dos 
espaços sociais: criação-procriação, público-privado, pessoal-
político; pela existência de formas, relações, estruturas e 
instituições hierárquicas de poder e domínio autoritário, fundadas 
na exploração de alguns grupos por outros, que delimitam suas 
capacidades de decidir; por estarem as opressões baseadas em 
critérios de idade, de religião e de uma série de variantes que 
influenciam cada sociedade; também se expressam pela definição 
da mulher enquanto ser social em torno de uma sexualidade 
expropriada, procriadora ou erótica, de um corpo que serve aos 
outros (LAGARDE, 2005). 
 
41 “As mulheres estão submetidas à opressão porque, para estabelecer vínculos e ser aceitas, com a 
nossa anuência ou contra nossa vontade, vivemos a reificação sexual de nossos corpos, pela negação 
da inteligência e a inferiorização dos afetos, ou seja, a coisificação de nossa subjetividade acesa [...] 
nossa cegueira se concretiza também na negação de nós mesmas, de nossas capacidades, dos saberes 
críticos que podemos possuir. ” (LAGARDE, 2005, p.17). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 47 
 
A opressão está fundadasobre o corpo cultural da mulher, 
sobre sua sexualidade, seus atributos e suas qualidades, 
normatizados e disciplinados para estarem à disposição da 
sociedade e do poder, sem que sejam avaliadas suas reais 
vontades42. O condicionamento da mulher exclusivamente ao 
espaço privado revela que todas estão à disposição dos outros e sob 
o domínio dos homens e de suas instituições patriarcais e 
classistas43. Cabe salientar o entendimento adotado neste trabalho 
de que as mulheres não constituem uma classe, mas estão 
presentes em todas, já que a teoria classista permite compreender 
os aspectos de suas vidas e as formas que ocorrem as opressões 
sociais; no entanto, a teoria não logrou explicar o motivo de a 
condição genérica estar intrinsicamente relacionada com suas 
opressões, o que depreende que mulheres são oprimidas por serem 
mulheres, e algumas também por sua classe (LAGARDE, 2005). 
Então, mesmo quando todas as mulheres estão submetidas 
à opressão por sua condição histórica44, existem diferenças entre 
elas devido à sua situação histórica, pois, como exemplo, a 
opressão das mulheres burguesas, responsáveis pela organização e 
 
42 Mulheres em geral e, especialmente quando são vítimas de violência recebem tratamento de não-
sujeito. Isto, todavia, é diferente de ser não-sujeito. Condição que refuta os estudos que defendem 
que as mulheres sejam cúmplices de seus agressores, julgadas pela dificuldade de sair 
definitivamente do relacionamento/violência. Pois, para que pudessem ser consideradas cúmplices, 
dar seu consentimento às agressões masculinas precisaria desfrutar de igual poder que os homens. 
No entanto, sendo detentoras de parcelas infinitamente menores de poder que os homens, as 
mulheres só podem ceder, não consentir. Trata-se de caso similar à relação patrão-empregado. Este 
último não consente com as condições do contrato, tampouco com o salário, mas cede, pois quase 
sempre é abundante a oferta de forca de trabalho e escassa oferta de postos de trabalho, 
particularmente em determinados contextos históricos (SAFFIOTI, 2015). 
43 “É necessário precisar que as mulheres e os homens constituem grupos socioculturais genéricos. 
Que esses grupos emergem da divisão do mundo a partir da sexualidade; e que os fenômenos 
políticos globais e dominantes que caracterizam o patriarcado são: a opressão, genérica das 
mulheres. ” (LAGARDE, 2005, p.20). 
44 “Na opressão, a dependência tem sido o eixe da condição histórica da mulher e da particular 
situação das mais diversas mulheres. A base do cativeiro das mulheres é a dependência desigual, na 
subalternidade. Trata-se de uma dependência vital escorada pelo domínio dos outros. Desde então, 
os cativeiros das mulheres se emolduram no âmbito do poder, e que o cativeiro seja, assim, uma 
categoria política, social e cultural conformada na história da opressão das mulheres. ” (LAGARDE, 
2005, p. 110). 
48 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
administração do trabalho doméstico, é diferente da opressão das 
mulheres assalariadas45. Evidencia-se, também por tudo que já foi 
exposto no presente trabalho, que a opressão tem sido uma 
característica inerente à condição de ser mulher no decorrer da 
história, sendo que a opressão patriarcal tem se desenvolvido a 
partir do surgimento de determinados feitos, processos concretos, 
como a civilização (LAGARDE, 2005). 
Um dos elementos nucleares do patriarcado reside 
exatamente no controle da sexualidade da mulher, a fim de 
assegurar a fidelidade da esposa ao seu marido (SAFFFIOTI, 2015). 
Assim, a dominação dos homens sobre as mulheres e o direito 
masculino ao acesso sexual a elas dá origem a uma história de 
sujeição, a história do contrato sexual46. Tal dominação está 
presente na relação social existente entre uma relação sexual, pois 
está construída na divisão entre o masculino-ativo e o feminino-
passivo, configurando os desejos de ambos os sexos, “estando o 
desejo masculino expresso como necessidade de posse47 e o desejo 
feminino expresso na necessidade de ser dominada pelo 
masculino, como um reconhecimento erotizado do que trata o 
poder de dominação e o controle da sexualidade” (BOURDIEU, 
2016, p. 38). Para a antropóloga Marcela Lagarde, 
 
45 “[...] uma conta com uma equipe de empregos e com meios para levar a cabo suas funções 
materno-conjugais, e a outra não só não tem meios suficientes, mas ela mesma realiza todas as 
funções para além do trabalho assalariado que realiza. Sendo proprietárias e incluso exploradoras 
diretamente, as burguesas vivem subordinadas, dependentes e são discriminadas nas relações 
familiares e sociais, pelo único fato de serem mulheres, de maneira similar às assalariadas, que além 
da exploração de classe estão submetidas à opressão genérica. ” (LAGARDE, 2005, p. 109). 
46 “[...] a liberdade civil não é universal – é um atributo masculino e depende do direito patriarcal. Os 
filhos subvertem o regime paterno não apenas para conquistar sua liberdade, mas também para 
assegurar as mulheres para si próprias. Seu sucesso nesse empreendimento é narrado na história do 
contrato sexual. O pacto original é tanto um contrato sexual quanto social: é social no sentido 
patriarcal- isto é, o contrato cria o direito político dos homens sobre as mulheres- e, também sexual 
no sentido do estabelecimento de um acesso sistemático dos homens ao corpo das mulheres” 
(PATEMAN, 2003, p.16). 
47 “Para o poderoso macho importa, em primeiro lugar, seu próprio desejo. Comporta-se, pois, como 
sujeito desejante em busca de sua presa. Esta é o objeto de seu desejo. Para o macho não importa 
que a mulher objeto de seu desejo não seja sujeito desejante. Basta que ela consinta em ser usada 
enquanto objeto. ” (SAFFIOTI, 1987, p.18). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 49 
 
La vida de la mujer está organizada en torno a la vivencia de una 
sexualidad destinada para. Como ciudadana o como fiel, como 
hija o como esposa, como madre o como prostituta, el poder 
atraviesa el cuerpo de la mujer. En el lenguaje laico y estatal se 
controla su fecundidad, su fertilidad es un asunto de política 
demográfica; en el lenguaje domestico del amor y del poder se 
hace referencia a la fidelidad, a la castidad, la virginidad, o a la 
permanente disposición a la maternidad o al placer del otro. 
(LAGARDE, 2005, p. 167)48. 
 
 Assim, entende-se a sexualidade como linguagem, símbolo, 
mito, pois é um espaço de sanção, tabu, obrigatoriedade e 
transgressão, estando qualquer espaço de poder, como a sociedade 
e o Estado, ligados ao controle, ordenamento e sanções quanto à 
sexualidade. A sexualidade está estruturada socialmente para 
reproduzir uma cultura sintetizada e organizada pelos privilégios 
patriarcais masculinos, centrando a masculinidade e a feminilidade 
no acesso aos bens reais e simbólicos, o acesso ao trabalho e a 
outras atividades criativas (LAGARDE, 2005). O controle da 
sexualidade exercido pelo poder patriarcal objetiva a manutenção 
da ordem econômica, pois o logro de manter a mulher no espaço 
privado e, ao mesmo tempo, encantada por cumprir papéis sociais 
estereotipados, reconhece nelas a ideia de que necessitam ser 
protegidas, já que são responsáveis pela existência humana e, 
então, dependentes de ações materiais e simbólicas realizadas por 
homens. 
É clara a atribuição da mulher ao espaço doméstico49. Seja 
uma mulher que trabalha em troca de salário ou não, todas são 
 
48 Tradução: “A vida da mulher está organizada ao redor da vivência de uma sexualidade destinada 
para. Como cidadã ou como fiel, como filha ou como esposa, como mãe ou como prostituta, o poder 
atravessa o corpo da mulher. Na linguagemlaica e estatal se controla a sua fertilidade, que é um 
assunto de política demográfica; na linguagem doméstica do amor e do poder se faz referência à 
fidelidade, à castidade, à virgindade, ou à permanente disposição à maternidade ou ao prazer do 
outro. ” (LAGARDE, 2005, p.167, tradução nossa). 
49 “No seio da família, a dominação masculina pode ser observada em praticamente todas as atitudes. 
Ainda que a mulher trabalhe fora de casa em troca de um salário, cabe-lhe realizar todas as tarefas 
domésticas. Como, de acordo com o modelo, os afazeres domésticos são considerados "coisas de 
50 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
socialmente responsáveis pela manutenção da ordem na residência 
e pela criação e educação de seus filhos. Assim, por maiores que 
sejam as diferenças de rendas existentes entre as mulheres, todas 
carregam uma identidade básica: a de cuidadora. O investimento 
da sociedade em manter esses padrões é alto; a naturalização desse 
processo faz com que a mulher se dedique aos afazeres domésticos, 
por serem naturalmente capazes de serem mães50, afirmando que 
o natural, portanto, é a mulher ocupar o espaço doméstico, para o 
cuidado dos filhos, deixando livre para o homem o espaço 
público51. 
 Cabe a ressalva de que as opressões emergem a partir de 
qualquer condição de domínio e exploração, formando estruturas 
de poder de sexo, raça e classe. Não se pode confundir ou alterar 
conceitos, pois a exploração é um fenômeno cultural originado 
economicamente, sendo incorreto atribuir apenas ao capitalismo a 
causa da situação das mulheres e definir as explorações sexuais, 
uma vez que as análises devem considerar o Estado, a sociedade e 
a cultura atual não só como capitalistas, mas também patriarcais 
(LAGARDE, 2005). Dessa forma, o poder exercido é a essência da 
subordinação e está presente em todas as relações sociais, bem 
como na reprodução dos sujeitos sociais, no público e no privado. 
 A instituição da família monogâmica alcança controlar a 
mulher no âmbito familiar, pois, através da forma de um contrato 
sexual, coloca em relevo a figura do marido, mostrando o caráter 
 
mulher", o homem raramente se dispõe a colaborar para tornar menos dura à vida de sua 
companheira. Não raro, ainda se faz servir, julgando-se no direito de estrilar se o jantar não sai a seu 
gosto ou se sua mulher não chega a tempo, trazendo-lhe os chinelos. ” (SAFFIOTI, 1987, p. 50). 
50 “É próprio da espécie humana elaborar socialmente fenômenos naturais. Por esta razão é tão 
difícil, senão impossível, separar a natureza daquilo em que ela foi transformada pelos processos 
socioculturais. A natureza traz crescentemente a marca da intervenção humana, sobretudo nas 
sociedades de tecnologia altamente sofisticada. Há, portanto, ao longo da história, uma humanização 
da natureza, uma domesticação da natureza por parte do ser humano. ” (SAFFIOTI, 1987, p. 9-10). 
51 “É de extrema importância compreender como a naturalização dos processos socioculturais de 
discriminação contra a mulher e outras categorias sociais constitui o caminho mais fácil e curto para 
legitimar a “superioridade” dos homens, assim como a dos brancos, a dos heterossexuais, a dos 
ricos. ” (SAFFIOTI, 1987, p. 11). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 51 
 
assimétrico do pacto, no qual se troca obediência por proteção 
(PATEMAN, 1993). Assim, nota-se que a exploração econômica da 
mulher se dá conjuntamente ao controle de sua sexualidade, o que 
se observa também nos códigos que limitaram as mulheres e as 
tutelaram como pertencentes ao homem, excluindo-as das 
possibilidades de trabalhar, a não ser com o aval do marido, fato 
exclusivo da socialização sofrida pelas mulheres (SAFFIOTI, 2015). 
 Portanto, as violências que sofrem as mulheres são 
resultado de múltiplos fatores; o profundo sistema patriarcal agora 
se articula com o sistema capitalista e com o neoliberalismo, de 
forma que as mulheres estão duplamente dominadas e exploradas. 
Ainda, retoma-se o dito quanto ao obrigatório recorte de classes e 
de cor, se a busca for verdadeiramente por equidade, pois a mulher 
negra e pobre, além da sua condição de mulher e sua situação de 
classe, enfrenta a violência do preconceito quanto à sua cor. É 
através da criminologia que tais problemáticas são enfrentadas, 
pois ela investiga e demonstra a ineficácia do sistema de justiça 
criminal52, que seleciona os indivíduos para a criminalidade a 
partir do controle social. 
 
 
52 “O direito penal, o processo penal e o sistema de justiça criminal constituem, no âmbito de um 
Estado de Direito, mecanismos normativos e institucionalizados para minimizar e controlar o poder 
punitivo estatal, de tal forma que o objetivo de proteção dos cidadãos contra o crime seja ponderado 
com o interesse de proteção dos direitos fundamentais do acusado. ” (ANDRADE, 1995, p.30). 
CAPÍTULO 2 
UM OLHAR FEMINISTA À CRIMINOLOGIA 
 
Da mulher como vítima à mulher como sujeito. 
(Vera Regina Pereira de Andrade, 2005). 
 
3.1 As faces do pensamento criminológico 
 
 Ao longo da história, o pensamento criminológico contou 
com diferentes métodos para conformar quais comportamentos 
seriam considerados criminosos nas sociedades, uma vez que não 
se trata de uma única criminologia e de um único pensamento53, 
mas sim de uma construção paralela a tudo que se expôs no 
primeiro capítulo deste trabalho. A ideação das condutas 
desviantes é fundamentada na opressão histórica das mulheres, 
utilizada para definir suas situações e suas condutas de acordo com 
os papéis sociais a elas destinados, para serem incluídas e mantidas 
em determinadas estruturas e representações limitadas. Assim, 
pela necessidade, pretende-se neste capítulo um olhar às situações 
das mulheres nos registros históricos e significativos para o 
desenvolvimento do discurso criminológico. 
 A criminologia é dotada de uma multiplicidade de ideias 
em virtude das quais foi possível a construção de conceitos que, a 
partir de distintos pontos de vista, descreveram, ao longo da 
história, o que é o crime, quem é o (a) criminoso(a), quem é a 
vítima, e como o sistema criminal e as formas de controle daí 
decorrentes atuam (BARBOSA; MENDES, 2015). Ou seja, a 
criminologia tem como objeto de estudo o delito e o delinquente, 
mas também a vítima e o controle social. Seu objeto foi modificado 
 
53 “São identificadas diversas áreas dentro do campo da criminologia, como a Criminologia Clássica, 
Positivista, Garantista, entre tantas outras, que definem os conceitos de crime, criminoso, vítima, 
sistema criminal ou controle, de formas diferentes, então, da criminologia a que se filia é que se pode 
delimitar a compreensão sobre as funções tanto do sistema social como do sistema penal” (MENDES, 
2014, p. 21). “Cabe somente precisarmos o seu conteúdo, que atualmente é o estudo da criminalidade 
e do controle, considerados como um só processo social surgido dentro dos mecanismos de definição 
e jurídicos de uma organização social determinada” (RAMÍREZ, 2015, p.44). 
54 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
após a ampliação das investigações para além das criminologias 
tradicionais, que versaram exclusivamente sobre a pessoa do 
delinquente, excluindo a análise de motivos decisivos para a 
elaboração das condutas criminosas. Então, o deslocamento de 
interesses criminológicos permitiu uma nova compreensão da 
criminologia, particularmente do alcance de suas pesquisas e de 
sua inter-relação com as demais áreas de formação social, 
momento no qual passa a adotar uma leitura da pessoa do 
delinquente e do delito à vítimae à preservação do controle social 
(MENDES, 2014). 
 No entanto, o ponto em que a criminologia passa a ser um 
estudo científico permanece uma incógnita e é motivo de 
divergência entre as pesquisadoras e os pesquisadores da área. 
Este trabalho adota como primeiro discurso criminológico 
científico o Martelo das Bruxas (ou das Feiticeiras),54 datado de 
1487, mesmo que se saiba da existência de discursos que 
antecederam o livro, como tratados jurídicos que criminalizavam a 
bruxaria, já entre os anos 1397 e 1406 (MENDES, 2014). O Martelo 
das Bruxas estabeleceu uma relação direta entre a feitiçaria55 e as 
mulheres, caracterizando-as como potenciais bruxas e, por isso, 
deveriam ser observados critérios quanto ao grau de perversidade 
de cada uma, suas crenças, suas malícias e suas fraquezas físicas e 
mentais; por exemplo, o conteúdo do discurso versa que toda a 
 
54Malleus Maleficarum é o título original do livro publicado em 1487 por Kraemer e Sprenger na 
Alemanha, tornando-se guia dos inquisidores pelo restante do século XV e seguintes. “O conteúdo 
inclui as mulheres como únicas possíveis da condição de bruxas, conectando os desvios sexuais 
femininos com a bruxaria. No mesmo sentido, registra que a feiticeira era considerada uma mulher 
de sexualidade desenfreada que, ao atacar as propriedades genitais do homem ao acasalar com 
demônios constituíam ameaças às leis naturais da procriação. O empreendimento ideológico do texto 
fez os ideais se perpetuarem até o século XIX, dada à eficácia do poder instituído na Idade Média” 
(MENDES, 2014, p.28). 
55 A repressão da feitiçaria aparece como uma resposta ao medo social provocado pelo aumento da 
mendicidade e da pobreza no campo, consequência do nascimento do capitalismo agrário, que 
determinou a reorganização de terras incultas. As feiticeiras de Salem (1692-1693), em 
Massachusetts, foram vítimas de uma violenta disputa de poder entre o grupo de agricultores-
proprietários de terras, que estavam a perder influência, e o dos mercadores do porto, cujo poder 
político e econômico começava a se impor na região (MENDES, 2014). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 55 
 
malícia é leve se comparada a de uma mulher e, também, que 
todas as mulheres são um mal necessário (MENDES, 2014). 
 O discurso criminológico, portanto, se baseava na condição 
da mulher bruxa como um fato inquestionável. Acrescentava-se a 
essa condição a situação de inferioridade aplicada aos que 
delinquiam por serem estereotipados como minorias sexuais. 
Assim, chega-se à conclusão da crueldade das violências sofridas 
pelas mulheres em consequência da caça às bruxas, pois todas 
foram identificadas como uma ameaça à humanidade, argumento 
utilizado como justificativa para os atos brutais e de tortura 
aplicados pelas instituições de poder nas investigações de mulheres 
suspeitas feiticeiras. Os inimigos eram os que duvidavam do mal 
que ameaçava a sociedade, o que legitimava a violência contra a 
mulher e o poder punitivo, incluindo suas seletividades; o castigo 
era igualmente legitimado, já que o mal era o resultado apenas da 
vontade humana, excluindo possíveis causas físicas e mecânicas, o 
que evidencia o caráter persecutório do discurso vigente, pois 
simultaneamente reconhecia um declínio ao mal em pessoas 
consideradas biologicamente inferiores, representadas 
massivamente pelo sexo feminino (MENDES, 2014). 
 Os manuais de inquisidores eram compilações de crenças 
que previam uma propensão exclusiva da mulher ao delito, o que 
moldou uma teoria do poder punitivista reforçada pelo poder 
burocrático e cruel legitimado às instituições, mantido pela 
influência de um judiciário moldado pelo androcentrismo, que 
avalizava sua aplicação para garantir a proteção das pessoas de 
bem. Assim, a caça às bruxas, ao tomar uma forma legal, obedecia 
a procedimentos nos julgamentos penais, fato que demonstra a 
influência do modo de operação dos sistemas judiciais europeus 
sobre o genocídio de mulheres. Historicamente, o processo 
inquisitorial, uma das faces do processo de perseguição e repressão 
das mulheres, que confirma que a vitimização, eliminação e o 
extermínio das mulheres se originaram de uma ação estatal 
politicamente coordenada de custódia (MENDES, 2014). 
56 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
 Os trâmites das condenações registradas são absurdos e 
foram denunciados pelas feministas como um dos tantos 
genocídios de mulheres, perpetrados pela seletividade do sistema 
inquisitorial. Cabe observar que a maioria dos réus do tribunal do 
Santo Ofício foram mulheres, mesmo que seu alvo tenha sido 
também os homens e que as bulas papais não apresentasse uma 
distinção exclusiva entre os sexos (MALEVAL, 2004). A ideologia 
medieval conduzida pelo Martelo das Bruxas ocultou as mulheres e 
produziu padrões desviantes construídos de forma seletiva para 
elas, que mantiveram um alto grau de determinismo biológico e 
social, ainda aplicado ao sistema criminal atual. 
 Como se sabe, a Idade Média foi um período de terror, de 
tiranismo e arbitrariedade do Estado; suas condenações eram 
espetáculos públicos de castigos e desumanização. Os tribunais 
seculares e eclesiásticos da Europa adotaram o sistema 
inquisitorial para o sistema penal, o que facilitou, pelo aval 
jurídico, a instauração e o julgamento de todo fato que envolvesse 
feitiçarias, tornando fácil a identificação das mulheres cúmplices 
desses conhecimentos pelas confissões devidas ao tribunal 
inquisidor. O tribunal inquisidor, através da obrigatoriedade das 
confissões, foi o principal instrumento judicial do caça às bruxas, 
bem como instaurou a grande cruzada contra as mulheres no 
século XIV em diante, perpassando os julgamentos dos Tribunais 
do Santo Ofício (MENDES, 2014). Portanto, é no período medieval 
que as mulheres são afastadas da esfera pública, e em que, 
particularmente, se constrói o discurso que não só exclui e limita a 
participação das mulheres na esfera pública, como também as 
persegue e as encarcera por pertencerem a um grupo considerado 
perigoso. A aliança perigosa entre os discursos jurídico, médico e 
teológico em favor do encarceramento da mulher no recinto 
doméstico ou no convento56 torna a caça às bruxas um elemento 
 
56 “Os conventos não foram somente instituições destinadas à expiação do pecado, mais que isso, 
eram verdadeiros espaços de reclusão seja para o cumprimento de penas por crimes cometidos por 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 57 
 
histórico marcante enquanto prática de misoginia57 e perseguição 
(MENDES, 2014). A burguesia ocidental, em meados 
da segunda metade do século XVIII, fez emergir o iluminismo, que 
sistematizou um período humanitário para a criminologia58. O 
período tem como obra o livro Dos Delitos e das Penas (1764), de 
Cesar Beccaria. Para o autor, a essência e a medida do delito se 
justificavam no dano social, mostrando-se contra as penas de 
caráter cruel e desigual. Seu projeto buscava racionalizar o poder 
punitivo e garantir ao indivíduo proteção contra toda intervenção 
estatal arbitrária (BECCARIA, 2011). A iniciativa do contratualista 
de estudar a justiça penal foi fundamental, pois sintetizou novas 
bases para as normas, que foram deduzidas a partir de princípios 
fundamentais, como o da proporcionalidade das penas, 
 
mulheres contra a honra de suas famílias, seja pelo “risco” de que estas viessem a cometer crimes 
como o adultério, o infanticídio ou o homicídio de seus consortes. ” (MENDES, 2014, p.8). 
57 Diferentemente do racismo, a misoginia não é percebida pelos homens como um preconceito,mas 
como algo quase inevitável. A misoginia tem sido parte do ‘senso comum’ da sociedade, pois foi um 
preconceito demasiado óbvio para ser percebido. Em diferentes civilizações considerou-se como 
perfeitamente normal, que os homens condenassem as mulheres ou expressassem diretamente 
desgosto por elas, simplesmente por serem mulheres. Todas as maiores religiões do mundo e os 
mais renomados filósofos mundiais olharam para as mulheres com desprezo. A misoginia é a 
repulsa, desprezo ou ódio contra as mulheres e seu antônimo, filoginia, representa o amor, o afeto, o 
apreço e o respeito pelo sexo feminino. (HIRATA, 2015). 
58 “Beccaria teve como base de seu discurso a filosofia estrangeira de Montesquieu e Rousseau e, 
portanto, utilizou dos princípios do contrato social, do direito natural e do Iluminismo. O 
pensamento iluminista advém do reconhecimento de um estado natural ou originário, estado em 
que os homens gozam de liberdade e igualdade, no entanto, perdem tais diretos com o Contrato 
Social, mesmo que este possibilite a garantia da liberdade civil e do direito à propriedade. Traidor é 
aquele que descumpre o compromisso da organização, produto da liberdade originária, sendo 
expulso. Tal organização se converte em um Estado absoluto, um estado de coisas, centrado no 
poder para acumular e concentrar riqueza, o que destrói a liberdade e igualdade natural dos homens. 
Partindo da ideia do contrato social, constata como consequência necessária o princípio da legalidade 
das penas. Isso significa dizer, o seu surgimento só é explicável em virtude da organização social 
produzida pelo contrato. O objetivo social que surge do contrato é alcançar a felicidade dos homens, 
o legislador deve tentar evitar os crimes, do que punir [...] Dava-se por ênfase a tarefa da prevenção 
em lugar da repressão. Ou seja, admite-se que corrobora à prática do delito o fato de que o Estado e 
a estrutura social, favorecem a um determinado grupo de homens, a uma classe, e não aos homens 
como tais, e que, além disso, não se preocupa com a eliminação da ignorância entre eles. Logo, 
criminoso, crime e pena são produtos da sociedade organizada, cuja legitimidade do poder punitivo, 
se encontra, na essência do contrato social. Posteriormente, as correntes que deram a expressão ao 
Iluminismo se separam, em decorrência do surgimento do Estado liberal de direito, no século XIX. ” 
(RAMÍREZ, 2015, p.50-51). 
58 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
determinando a formação de uma corrente científica que foi 
chamada de Escola Clássica59. 
O discurso criminológico clássico foca na ilegalidade do 
crime, classificando-o e determinando punições específicas para 
cada tipo de delito60. A mulher criminosa surge com algumas 
observações quanto à tipicidade do crime em si; por exemplo, o 
estigma de prostituta que recai sobre a mulher, que passa a 
representar a degenerada moral e criminosa (MARTINS, 2009). 
Entre o final da Idade Média e o início do século XIX, não há 
pensamento criminológico sobre a condição feminina; denota-se 
que uma parcela significativa da humanidade não foi atingida pelo 
discurso libertário e garantista da Escola Clássica61. Em 
consequência, “as contradições entre o discurso de liberdade e 
igualdade com a real condição das mulheres fez surgir movimentos 
 
59 Em reação aos excessos medievais a escola se estabeleceu em três principais ideias: a razão e o 
limite do poder de punir do Estado; à ferocidade das penas; a reivindicação de garantias individuais 
na persecução penal e fora dela. Abandona-se a corrente realística para voltar sua atenção ao crime e 
a pena como entidade jurídica abstrata, isolada do homem delinquente e do ambiente em que está 
inserido. Compreendia que a conduta delituosa estava baseada no livre arbitro para a realização de 
fato típica, afastando a ciência social e a investigações dos motivos que levou o agente a descumprir 
determinada norma. Para os clássicos o problema criminológico surgia como uma necessidade tanto 
de elevação do conformismo do ser humano, quanto de elevação do conformismo da lei, que deveria 
vincular-se aos direitos naturais do homem, obviamente, que cabe alertar que a linguagem da escola 
clássica não é a mesma dos direitos humanos do pós-guerra e, sim, uma linguagem do indivíduo, da 
liberdade individual, dos direitos subjetivos ou das garantias individuais. (ANDRADE, 1995). 
60“Em princípio, antes do século XVII não havia uma separação entre o não criminoso e o criminoso. 
Somente a partir do século XVIII, quando, pela ineficácia do modo de produção feudal e com a 
comercialização do campo, os camponeses e trabalhadores foram expulsos, fato que forçou sua 
chegada à cidade em época de incipiente mercantilização. No momento em que o campo deixa de 
incorporar as satisfações das necessidades dos pobres, essas se inserem na dependência econômica 
da comunidade, que denota uma mudança substancial, a qual se formaliza na promulgação das 
primeiras leis repressivas. Nesse momento, a rejeição social se fundamenta no caráter desordenado 
do pobre, do vagabundo, da prostituta, de modo que sua conduta é vista mais como falta de 
socialização correta do que como uma propensão inata. ” (RAMÍREZ, 2015, p.84). 
61 Nem mesmo a Declaração francesa de 1789, sobre igualdade de direitos, serviu como ponto de 
partida para um pensar criminológico quanto à condição feminina. A adesão das mulheres ao 
estatuto igualitário aparece por longo período de forma relativa, existindo apenas como filha, esposa 
e mãe, ou seja, como figura secundária. No final do século XVIII nenhuma mulher gozava de 
igualdade política, uma vez que a Revolução Francesa não trouxe significantes mudanças para as 
mulheres, que logo dos primeiros momentos da revolução foram recolhidas ao espaço doméstico por 
ordem do revolucionário. (ARNAUD-DUC, 1990) 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 59 
 
feministas, que compreendiam a liberdade e igualdade como um 
direito não somente destinado ao papel de esposa” (MENDES, 
2014, p.32). A Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em 
1791, de Olympe de Gouges demonstra a insatisfação e ineficácia 
dos direitos prometidos na época, da mesma forma que Mary 
Wollstonecraft, em 1792, que questionou o papel da mulher na 
sociedade e a importância da educação para sua efetivação, 
discurso que impulsionou o movimento sufragista (ARNAUD-DUC, 
1990). 
A Escola Clássica inicia seu declínio ao constatar que a 
criminalidade seguia aumentando; compreende que o elemento 
crime afastava o criminoso, que passa a ser o foco de atenção da 
Escola Positivista, na segunda metade do século XIX. O segundo 
momento da criminologia sofre forte influência do naturalismo e 
da doutrina positivista62, uma vez que o autor do crime passa a ser 
a peça fundamental do sistema penal. A renovação do pensamento 
criminológico é incitada pelo antropólogo Cesare Lombroso, que, 
em 1876, com a publicação do livro denominado O Homem 
Delinquente, formula a teoria do delinquente nato, atávico, 
degenerado e marcado por uma série de estigmas corporais 
identificáveis anatomicamente (RAMÍREZ, 2015). Instaura-se a 
ideologia fundada na possibilidade de salvar a sociedade e o 
delinquente, pois, para Lombroso, não são as instituições ou 
tradições que determinam a natureza criminal; ao contrário, ele 
entende que é a natureza criminal que determina o caráter das 
instituições e tradições, devendo-se investigar o delinquente e não 
o delito, uma vez que o crime é compreendido como manifestação 
de um estado perigoso, ou seja, da periculosidade de um indivíduo 
(LOMBROSO, 2001). 
 
62 “A ciência positiva não é só descritiva, como também é casual-explicativa, uma vez que a lei dacausalidade resulta essencial para a explicação do mundo. Assim, a previsão baseia-se na noção de 
que todos os fatos da natureza estão subordinados a leis naturais imutáveis e que é justamente a 
observação que permite descobri-las. ” (RAMÍREZ, 2015, p. 55). 
60 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
 O surgimento da Escola Positivista, além de Lombroso, 
contou com o jurista Garofalo (1877) e com sociólogo Enrico Ferri 
(1878), que foi responsável por transpor a antropologia 
lombrosiana para uma visão sociológica, dando início ao estudo do 
crime como fato social63. Os adeptos da Escola compreendiam que 
a pena não é um castigo, mas um meio de defesa social que deve 
ser proporcional à periculosidade do criminoso, e não à gravidade 
objetiva da infração cometida. Ou seja, “todo (a) aquele (a) que 
pratica um crime é responsável e deve ser objeto de uma reação 
social em função de sua periculosidade” (MARTINS, 2009, p.111). 
Lombroso, ao escrever com Ferrero, em 1892, a obra A Dona 
Delinquente64, objetivou aplicar seus estudos anatômicos e 
antropológicos às mulheres. Reuniram os inovadores discursos 
jurídico, médico e moral (religioso) para alegar que o grave 
problema das mulheres era o fato de serem seres imorais, cujas 
características eram o motivo impulsionador para o cometimento 
de delitos de forma instintiva, não relacionada ao considerável 
padrão de uma mulher honesta, passando a ser suspeita 
(MENDES, 2014). 
Então, o pensamento criminológico positivista passou a 
estudar anatômica e biologicamente o sexo feminino, concluindo 
que a mulher honesta é pautada no estereótipo da maternidade e 
fidelidade, com a sexualidade condizente com a sua idade e estado 
 
63 “Ferri considera a existência de três causas ligadas à etiologia do crime, as individuais (orgânicas e 
psíquicas), as físicas e as sociais, ampliando a noção lombrosiana centrada em causas de origem 
biológica. Sustentava que o crime não é decorrência do livre-arbítrio, mas o resultado previsível 
determinado por esta tríplice ordem de fatores que conformam a personalidade de uma minoria de 
indivíduos como ‘socialmente perigosa’. Fundamental ver o crime no criminoso, um sintoma 
revelador da personalidade mais ou menos perigosa de seu autor, o que leva ao surgimento da tese 
fundamental de que ser criminoso constitui uma propriedade da pessoa que a distingue por 
completo dos indivíduos normais” (ANDRADE, 1995, p. 25). 
64 “Para Lombroso, a mulher seria fisiologicamente inerte e passiva, sendo mais adaptável e mais 
obediente à lei que o homem. Apresenta características comuns às criminosas, tais como a assimetria 
cranial e facial, a mandíbula acentuada, o estrabismo, os dentes irregulares. Em relação ao estigma 
prostituta, diz o autor que não seria apenas uma amostra do machismo persistente nas teorias 
positivistas, mas igualmente de uma profunda preocupação com a questão que adviria do higienismo 
do século XIX: a repressão da prostituição e a tarefa de evitar os contágios” (ANITUA, 2008, p.307). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 61 
 
civil, o que representa o oposto da mulher prostituta. Dessa forma, 
“a prostituta se torna o exemplo de delinquente feminina, e a 
situação seria decorrente de uma inevitável predisposição orgânica 
à loucura” (MENDES, 2014, p.43). Para os positivistas, a potencial 
periculosidade social se tornou o centro do direito penal65, de 
forma que a pena se justifica enquanto meio de defesa social, e sua 
utilidade seria a prevenção especial positiva, “assentada na ideia de 
recuperação do criminoso por meio da execução penal66, que 
impõe o princípio da individualização da pena e o caráter seletivo 
do sistema de justiça” (ANDRADE, 1995, p.25). O positivismo 
atualizou historicamente a inquisição moderna (BATISTA, 2005), 
sendo que no final do século XIX, após longo período de 
ocultamento da questão da mulher no discurso criminológico, 
surge, na Europa, um discurso baseado em teorias patológicas da 
criminalidade, adiante analisadas, cujo objetivo era classificar a 
humanidade entre bem/mal, normal/criminoso, uma vez que o 
homem delinquente passa a ser o objeto principal da criminologia 
(MIRALLES, 2015). 
No século XX emerge a Escola Crítica, desenvolvida com 
base no paradigma do controle/reação social, composto de uma 
 
65 “A relação da criminologia com o direito penal pode ser enfocada como de dependência absoluta 
ou de autonomia, em maior ou menor grau. O problema consiste em determinar qual é a natureza 
da relação, já que esta resulta evidente, pois o direito penal e a criminologia aparecem assim como 
duas disciplinas que tendem ao mesmo fim com meios diversos. O direito penal parte do estudo das 
normas jurídico-penais. A criminologia parte do conhecimento da realidade. O direito penal não está 
em condições de circunscrever o conteúdo da criminologia, que atualmente dirige um estudo crítico 
ao direito penal enquanto forma de definição e controle da criminalidade [...] Contudo, o direito 
penal é indispensável para a criminologia, já que surge em razão dele, através de um mecanismo 
institucional e formal como é a norma penal, uma organização social determinada que fixa objetos 
de proteção e com isso determina que é o delito e quem cria o delinquente e ao mesmo tempo uma 
forma especial de reação social” (RAMÍREZ, 2015, p.44-45) 
66 “Instaura-se, desta forma, o discurso do combate contra a criminalidade (o mal) em defesa da 
sociedade (bem) respaldado pela ciência [...] uma luta científica contra a criminalidade erigindo o 
criminoso em destinatário de uma política criminal. A um passado de periculosidade confere-se um 
futuro: a recuperação. A sequência lógica (determinismo, criminalidade ontológica, periculosidade, 
anormalidade, tratamento e ressocialização) forma um circuito fechado que constitui uma percepção 
da criminalidade que se encontra, há um século, profundamente enraizada nas agências do sistema 
penal e no senso comum. ” (ANDRADE, 1995, p.26). 
62 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
série de perspectivas, como a do interacionismo simbólico67, que 
compreende que as relações sociais nas quais as pessoas estão 
inseridas as condicionam reciprocamente. A teoria do 
etiquetamento68 rompe com o paradigma etiológico: desloca-se o 
foco do delito e do infrator para a análise do sistema de controle 
social, “desmascarando a suposta legitimidade de todo o sistema de 
valores sustentado, a partir da constatação de que o crime não 
pode ser estudado como um dado, e sim como centro de uma 
teoria da criminalidade” (MENDES, 2014, p.52). 
O processo de criminalização efetivado na teoria 
corresponde a três níveis de averiguação: a investigação do 
processo de definição da conduta desviante (criminalização 
primária) e o estudo da distribuição do poder social dessa 
definição; a investigação do processo de atribuição do status 
criminal (processo de seleção ou criminalização secundária), que 
concede uma etiqueta de desviante à conduta ou ao indivíduo 
selecionado; e, por fim, a investigação do impacto da atribuição do 
status de criminoso para a identidade do desviante (ANDRADE, 
 
67 Ligado ao positivismo, o funcionalismo, cujo um dos sucessores foi Durkheim, tem o mesmo 
objeto que o primeiro: dar ordem ao sistema capitalista. No século XX buscava criar um sistema 
próprio para as ciências sociais com caráter positivo, vendo a sociedade como um processo. A 
diretriz academicista do funcionalismo provocou críticas ao sistema, que levou a crise do 
funcionalismo nos anos sessenta, com o despertar das lutas jovens e raciais nos Estados Unidos e 
com a força da classe média junto à da nova burguesia. Juntam-seàs posições radicais o chamado 
interacionismo simbólico, que concebe o indivíduo como ativo frente ao ambiente e ao mesmo tempo 
compreende o ambiente moldável por ele. E vice-versa. O que importa não são os dados, senão como 
o sujeito o conhece, o modo como entra em contato com os outros. Nota-se que o interacionismo 
simbólico tende a desconhecer a existência de grupos sociais, de classes sociais, do processo de 
produção e poder (RAMÍREZ, 2015). 
68 Os autores não são unânimes quanto à nomenclatura, ou melhor, designação para a corrente de 
pensamento. Podendo ser sinônimo de teoria da rotulação social, teoria do etiquetamento, teoria da 
reação social ou ainda teoria interacionista. Segundo Shecaira “A Teoria do Labeling surge após a 2ª 
Guerra Mundial, os Estados Unidos são catapultados à condição de grande potência mundial, 
estando em pleno desenvolvimento o Estado do Bem-Estar Social, o que acaba por mascarar as 
fissuras internas vividas na sociedade americana. A década de 60 é marcada no plano externo pela 
divisão mundial entre blocos: capitalista versus socialista, delimitando o cenário da chamada Guerra 
Fria. Já no plano interno, os norte-americanos se deparam com a luta das minorias negras por 
igualdade, a luta pelo fim da discriminação sexual, o engajamento dos movimentos estudantis na 
reivindicação pelos direitos civis (SHECAIRA, 2011, p. 370). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 63 
 
2003). Portanto, o status atribuído a determinados indivíduos se 
expressa, primeiramente, na seleção dos bens protegidos 
penalmente e nos comportamentos ofensivos aos bens descritos 
nos tipos penais e, em segundo lugar, na seleção dos indivíduos 
estigmatizados entre todos os que cometem infrações das mesmas 
normas penalmente sancionadas69 (MENDES, 2014). 
Desloca-se o interesse investigativo das causas do crime e 
do autor e seu meio, e mesmo do fato-crime, para a reação social 
da conduta desviada, em especial para o sistema penal70, o que 
“decorre da conclusão de que a criminalidade não tem natureza 
ontológica, mas social e definitorial” (ANDRADE, 2003, p.177). 
Contudo, a teoria recebeu críticas de que os teóricos do controle 
social não consideraram que a reação é provocada por um 
comportamento concreto de um autor, negando a realidade do 
desvio, negando toda estrutura (social, econômica e política) que 
influencia o comportamento desviante. As teorias conflituais 
pretenderam mostrar a relação do direito penal com interesses de 
grupos de poder, já que no processo de conflito grupos sociais 
buscavam a intervenção estatal para proteger os valores 
ameaçados por outros conflitos, e as sanções seriam forma de 
perpetuar o conflito e não o resolver (BERGALLI, 2015). 
Evidencia-se que a relação/influência da teoria do 
etiquetamento com a criminologia crítica é dada primeiro pela 
relação com uma criminologia liberal, cujo processo de 
 
69 A partir do surgimento da intolerância, há uma espécie de estigmatização desse agente, pois a 
possibilidade de exclusão de um indivíduo da sociedade se dá pela soma dos processos de exclusão. 
Com isso, podemos concluir que o criminoso não é considerado como tal pelo ato que pratica, mas 
sim pela etiqueta que lhe é colocada, e tal rótulo poderá excluí-lo da sociedade, sendo ele 
estigmatizado e rejeitado. Temos, por exemplo, as cifras ocultas da criminalidade, a partir das quais 
alguns crimes nunca são punidos, ou sequer chegam ao conhecimento das instâncias de controle 
oficiais. Com isso, passa-se a punir somente uma classe de pessoas e tipos específicos de crimes, 
fazendo com que a punição e o direito penal não sigam o princípio da igualdade (GOFFMAN, 2004). 
70 Como objeto desta abordagem, o sistema penal não se reduz ao complexo estático das normas 
penais, mas é concebido como um processo articulado e dinâmico da criminalização ao qual 
concorrem todas as agências do controle social formal, desde o legislador (criminalização primária), 
passando pela Polícia e a Justiça (criminalização secundária) até mesmo o sistema penitenciário e os 
mecanismos do controle social informal (ANDRADE, 2003, p. 177). 
64 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
criminalização se revelou como um conflito entre detentores do 
poder e submetidos ao poder, momento em que as instâncias 
oficiais lhes atribuem o status de criminoso. Nesse sentido, a 
criminologia liberal aplica o enfoque da reação social às estruturas 
da sociedade, aos conflitos de interesse a às relações de poder entre 
grupos, como uma hipótese de que o controle social e o sistema 
penal pudessem ser integrados. Porém, demonstra-se adequada 
apenas para a mediação das contradições sociais entre sociedades 
que reproduziam relações de desigualdades, que se efetiva com a 
valorização de crimes contra a propriedade. (BARATTA, 2011). 
Ainda, do labeling à criminologia crítica encontra-se a fundamental 
construção de uma teoria materialista do desvio, dos 
comportamentos socialmente negativos da criminalização, como 
metodologia dialética para retomar o movimento social a partir de 
uma razão crítica (RAMÍREZ, 2015). 
O processo da criminologia crítica está na passagem da 
descrição para a interpretação da desigualdade extraída da 
contradição no direito penal entre a igualdade formal do sujeito 
jurídico, que oculta a desigualdade real de indivíduos concretos, em 
chances de criminalização (BARATTA, 2011). Assim, mesmo que o 
discurso criminológico crítico não apresente uma homogeneidade 
de teorias, todas consideram as relações de poder de ordem macro 
e microssocial, à estigmatização e aos etiquetamentos, bem como à 
reação social e à criminalização anterior ou posterior ao delito 
(MARTINS, 2009). 
Para a criminologia crítica, o processo de criminalização 
primária é um ato formal exercido pelas agências políticas do 
sistema penal, que estabelecem os critérios pragmáticos a serem 
executados pelas agências de criminalização secundária. 
Entretanto, esse programa só não é exercido em sua plenitude em 
razão da incapacidade operacional do sistema penal secundário, 
que gera uma atuação seletiva das agências. Então, estando o 
processo de criminalização condicionado pela posição de classe do 
autor e influenciado pela situação deste no mercado de trabalho 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 65 
 
(ocupação, subocupação) e por defeitos de socialização (família, 
escola), concentraria as chances de criminalização no 
subproletariado e nos marginalizados sociais, em geral. Cumpriria, 
portanto, uma função de conservação e de reprodução social: a 
punição de determinados comportamentos e sujeitos contribuiria 
para manter a escala social vertical e serviria de cobertura 
ideológica a comportamentos e sujeitos socialmente imunizados. O 
cárcere, finalmente, nascido da necessidade de disciplina da força 
de trabalho para o consumo da fábrica, seria o momento 
culminante dos processos de marginalização, discriminação e 
estigmatização, que abrange da escola à assistência social 
(BARATTA, 2011). 
O processo de seleção opera não só sobre os 
criminalizados, mas também sobre os vitimizados. Tal como a 
seleção criminalizante, a seleção vitimizante resulta da dinâmica de 
poder das agências, em partes sucessivas. Assim, a criminologia 
crítica produz, num primeiro momento, o deslocamento das causas 
para os mecanismos da construção da realidade social (MENDES, 
2014). A criminologia crítica insere “o desvio feminino dentro do 
controle social formal e informal, detentores de funções específicas 
e determinadas de acordo com o modelo de Estado e de sociedade, 
em razão da orientação político-econômica e dos interesses que 
dela derivam” (MIRALLES, 2015, p. 177). No entanto, antes de 
aprofundar os estudos sobre a criminologia crítica e os avanços dacriminologia feminista, se pretende uma breve exposição quanto à 
formação e atuação do controle social, sobretudo seus vínculos com 
a criminalidade feminina. 
 
3.2 A criminalidade e as inter-relações com o discurso 
criminológico: o controle social (formal e informal) do 
papel da mulher 
 
 No século XIX, a administração da justiça foi centralizada e 
racionalizada, os fenômenos sociais e criminais foram medidos e se 
66 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
apresentou um menor volume de criminalidade feminina quando 
comparada à masculina. Como consequência, a criminalidade 
feminina passou a ser identificada como um tipo diferente de 
desvio, com forte interferência das teorias sociais e patológicas do 
século XX, que se sustentavam a singularidade e raridade do 
comportamento criminal dentro das características atribuídas ao 
sexo feminino (sua essência particular de âmbito pessoal biológico 
e psicológico). 
 
Na biologia criminal, a explicação da criminalidade da mulher é 
influenciada pelas características próprias que têm sido 
atribuídas a sua essência; para, a partir daí, fazer notar a 
“raridade feminina” no delito. Outra direção foi a de concentrar 
várias atividades criminosas da mulher nos processos biológicos 
do seu sexo. Assim, a criminalidade feminina tem sido 
sexualizada, ou seja, não escapa à atitude unidimensional que a 
moralidade, a sociedade e a religião têm exercido em relação à 
explicação de qualquer assunto relacionado à mulher [...]. 
(MIRALLES, 2015, p.180). 
 
 Toda sociedade apresenta uma estrutura de poder, com 
grupos dominantes e dominados, com grupos próximos dos 
centros de decisão e grupos excluídos dele, que controlam 
socialmente a conduta dos homens e das mulheres (ZAFFARONI, 
2003). Sendo assim, fato é que o domínio dos espaços e as novas 
formas de organização foram arquitetados para beneficiar o 
patriarca, portador do poder e, posteriormente, da propriedade, 
posto que ausentes as justificativas devidas pelo marxismo quanto 
ao domínio do espaço público e dos excedentes de produção terem 
se revertido à dominação masculina e não igualitária (LERNER, 
1990). Por isto, para que os padrões sejam impostos e respeitados 
por uma maioria é fundamental a existência de uma gama de 
estruturas de apoio, que repreenda os questionamentos quanto aos 
papéis sociais com a atuação conjunta de dois tipos de controle: 
formal e informal. 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 67 
 
 Deduz-se pelo exposto que o controle social já estava 
presente antes da designação de seu termo, já que se deve ao 
reflexo das relações de poder existentes entre os grupos que 
conformam uma sociedade, concebida a partir de um sistema 
patriarcal, que traz consigo a necessidade de manter papéis sociais 
construídos e naturalizados em distintas épocas e que, de forma 
mais severa, atua para manter o papel destinado à mulher, 
interpretado como condição natural e, portanto, inquestionável. 
Relatou-se no capítulo anterior que desde os primórdios as 
civilizações são compostas por designações específicas de 
atividades, conectadas à construção do gênero, determinado pelo 
sexo biológico e pela cultura (androcêntrica) em que se está 
inserido/a. Desse modo, a compreensão dos tipos de controles 
requer a apresentação do conceito de controle social para a 
sociologia71, definido como o estudo do conjunto dos recursos 
materiais e simbólicos dos quais uma sociedade dispõe para 
assegurar a conformidade do comportamento de seus membros às 
 
71 “Do mesmo modo que existe uma discussão em torno do início da Sociologia, há também quanto à 
criminologia e, o que põe em relevo suas estreitas conexões é, sobretudo, o caráter de ciência social 
que possui a criminologia, sendo que os dois pontos de referência da controvérsia são o Iluminismo e 
o positivismo. Colocar a tônica no Iluminismo ou no positivismo quanto à origem da sociologia ou da 
criminologia, tem uma significação diferente. Para o Iluminismo, o problema social e o criminológico 
são, antes de tudo, compreendidos como uma questão política, quer dizer, ligada à concepção de 
Estado, ou ao Estado que existia. Há, portanto, uma dependência a respeito da própria estrutura do 
Estado - e em especial de sua estrutura jurídico-político-institucional -, que é justamente a que 
origina os problemas sociais e criminológicos. Em contraponto, para o positivismo há um grupo 
social e um Estado a se consolidar. Os problemas sociais e criminológicos são consequentemente 
apenas dados dentro deste contexto e simplesmente tenta-se acomodá-los, buscando a eliminação 
dos fatores que o causam em cada caso [...] Trata-se da harmonização e coerência do corpo social em 
sua totalidade, e não de criticar senão de organizar e, assim, de deduzir toda a análise à busca 
daquilo que é útil para a consolidação do Estado, descartando, então, qualquer outra investigação ou 
crítica como irreal e metafísica. Em suma, quem concebe o mundo social como dado, absoluto e 
perfeito enquanto tal, em que a única coisa que cabe é somente sua organização e harmonização 
reacional; quer dizer, eliminar a desordem ou as falhas que nele se produzem, as quais têm sua 
origem em nossa defeituosa apreensão da realidade, colocará como origem da sociologia e da 
criminologia o positivismo [...] Ao contrário, quem concebe o mundo social como algo sujeito à 
transformação, em que não se trata simplesmente de corrigir as deficiências de funcionamento, 
senão, de mudar e repensar suas estruturas; em outras palavras, quem assume uma postura crítica, 
determinará como ponto de partida da sociologia e da criminologia o Iluminismo (RAMÍREZ, 2015, 
p.31-32). 
68 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
regras e aos princípios prescritos e sancionados (BOUNDON; 
BOURRICAUD, 1993), e também como a capacidade que uma 
sociedade tem de autorregular-se, medida a partir da observação 
dos meios utilizados para a imposição de respeito aos seus próprios 
padrões (ZEDNER, 1996). 
 Observa-se que os conceitos não são estáticos; a 
abrangência dos estudos é notável, o que dificulta precisar quais 
questões estariam envolvidas no controle social. A sociologia de 
Émile Durkheim (1858-1917) apresentou formulações sobre o 
problema da ordem social e da integração social e, também, 
investigou sobre os fenômenos que dizem respeito aos mecanismos 
empregados pela sociedade no momento da desobediência a 
normas sociais, como o crime e a pena72. O sociólogo pesquisa 
tanto os mecanismos gerais de manutenção da ordem social, 
quanto os fenômenos ou instituições específicas, que buscam 
fortalecer a integração e reafirmar a ordem social quando esta se 
encontra ameaçada (DURKHEIM, 1978). A teoria rejeita o princípio 
do bem e do mal, entende o desvio como fenômeno natural em 
determinados limites, funcional para o equilíbrio social e o reforço 
do sentimento coletivo, anormal apenas na hipótese de expansão 
em situações de anomia, caracterizada por desequilíbrios na 
distribuição de meios legítimos para realizar metas culturais de 
sucesso e bem-estar. 
 Posteriormente, demonstrou-se a distribuição estrutural do 
acesso a tais meios legítimos, de forma que a realização de metas 
culturais em realidade compele minorias desfavorecidas para 
modelos de comportamento desviantes, difundidos por 
aprendizagem através das associações subculturais: a existência 
estratificada dos grupos sociais, com valores e normas específicos 
interiorizados, contextualizando comportamentos em sistemas 
 
72 Se “o crime ofende certos sentimentos coletivos e dotados de uma energia e de uma clareza 
particulares, a pena é a reação coletiva que, embora aparentemente voltada para o criminoso, visa na 
realidadereforçar a solidariedade social entre os demais membros da sociedade e, 
consequentemente, garantir a integração social. ” (DURKHEIM, 1978, p.120). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 69 
 
concorrentes (oficial e subcultural). Então, o crime é explicado 
como uma atitude conforme a valores e normais subculturais e, 
não, propriamente, como atitude contrária aos valores e normais 
sociais, já institucionalizados. Os conceitos de anomia e 
subculturalismo, influenciados pela sociologia durkheimiana, 
foram aprofundados e originaram novas explicações, como as 
técnicas de neutralização dos vínculos normativos oficiais, 
igualmente refutadas (ANDRADE, 2012). 
 A análise da teoria do etiquetamento supera a 
criminalidade como dado ontológico e pré-constituído, marcando a 
linguagem da criminologia contemporânea: o comportamento 
criminoso como comportamento rotulado como criminoso, o papel 
da estigmatização penal na produção do status criminoso, a relação 
dos desvios e a rejeição da função reeducativa da pena criminal, 
que consolida a identidade criminosa e introduz o condenado em 
uma carreira desviante (RAMÍREZ, 2015). Por esse motivo, a teoria 
se projeta sobre a criminalidade do colarinho branco, expressão 
que denota prestígio social do autor do crime e ausência de um 
estereótipo, visto que, nas relações entre poderosos, usa-se o 
prestígio social do autor para orientar a repressão; a teoria 
também se projeta sobre a cifra negra da criminalidade, com a 
distribuição social desigual da criminalidade pela seletividade dos 
órgãos oficiais e de opinião pública. Consequentemente, a teoria 
acentua outra interpretação das regras jurídicas, pois leis, e não só 
elas, mas também os mecanismos psíquicos atuantes, passam a ser 
utilizados para a interpretação do aplicador do direito como 
questão científica decisiva no processo de seletividade da pessoa 
criminoso/a; ou seja, há uma distribuição social desigual da 
criminalidade (BARATTA, 2011). 
 Importante salientar que as teses de destaque no campo da 
patologia social foram as que estabeleceram uma estreita ligação 
entre a criminalidade da mulher, a sua infrassocialização e a 
adaptação aos valores da comunidade como causas de sua doença, 
estimando-se a necessidade de tratamento individual para a cura 
70 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
(MIRALLES, 2015). Por exemplo, a teoria de Thomson (1967) foi 
uma que rompeu a conexão entre a explicação teórica e o controle 
do Estado, que são efetivados através de seus corpos hospitalares e 
do trabalho social. Afirmava que os instintos biológicos distintos no 
homem e na mulher e a falta de coesão familiar eram os aspectos 
fundamentais para o desvio73. Em relação à prostituição, afirmava 
ser uma prática decorrente de problemas na unidade familiar 
tradicional, que deveria ser interpretada numa situação 
microssociológica onde se desenrolam reações nervosas 
(RAMÍREZ, 2015). 
 Outra teoria foi a obra revolucionária de Pollak (1961), que 
apresentou características comuns constatadas entre as mulheres 
criminosas, como a capacidade de conduzir o homem a tomar uma 
atitude bem definida do crime cometido pela mulher, no sentido de 
não chegar a entendê-lo e ser conduzido ao ato delituoso. Nota-se 
que a teoria de Pollack74 absteve-se de denunciar o crime; no 
entanto, permitiu a análise da primeira reação do homem frente ao 
 
73 “Os estudos de Thomson tiveram implicações na política criminal, já que defendia a necessidade de 
trabalhar a área pré-criminosa, buscando substituir a família pelas diferentes agências estatais. Suas 
alegações foram criticadas por Smart (1976), que denunciou o autoritarismo da teoria, manifestado 
na necessidade de socialização na ordem existente, nas sentenças severas aos menores por atos 
criminosos e na supremacia do controle estatal através da imposição de valores da moral da classe 
média, calcados em preconceitos e crenças tradicionais sobre a mulher. Insuficiente para atender às 
condições de vida da classe trabalhadora e por ter desconsiderado a influência do duplo standard na 
moralidade, no sentido de que o valor social da mulher depende da percepção dos outros, de modo 
que ela deve ser símbolo de pureza e adoração, o que decorre da presença de preconceitos e crenças 
tradicionais sobre a mulher na obra do autor” (MIRALLES, 2015, p. 180-181). 
74 “Para explicar a questão da criminalidade da mulher, Pollak começa precisar características 
encontradas na mulher criminosa, como: 1) a capacidade de instigação, pois as mulheres são quase 
sempre os cérebros organizadores do crime masculino, ou seja, realizam infrações por meio do 
homem e nunca são presas ou culpadas; 2) a habilidade de falsear e mentir que derivam de um 
elemento biológico, da passividade sexual, daí a atitude decorrente de estranhamento em relação “à 
verdade”; e 3) o sentimento de vingança que a mulher desenvolve frente ao homem como 
consequência da repressão sofrida. As afirmações do autor decorrem da construção do gênero 
feminino como dócil, que necessita de proteção. Logo, compreendia que o cavalheirismo masculino 
para com a mulher reafirma sua idealização em termos de doçura e pureza, vendo-a como um ser 
inofensivo, porém essa atitude muda quando a mulher comete um crime. Assim, ao afirmar que os 
homens não denunciam os delitos das mulheres é fortemente criticado, já que sustentava a mudança 
do comportamento masculino quando presente o conhecimento de que a mulher era delituosa 
(MIRALLES, 2015, p. 191). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 71 
 
crime feminino: “a imediata incredulidade e posterior 
amaldiçoamento, passando o homem desde uma atitude inicial de 
cortesia para uma atitude mais ofensiva, no momento em que 
toma conhecimento do delito cometido pela mulher” (MIRALLES, 
2015, p. 190). 
 Então, pela influência das teorias patológicas, os estudos 
psiquiátricos se mostram discriminantes por manipular as mesmas 
opressões patriarcais para construir os traços desviantes, que 
versam sobre os altos índices de sociopatia entre as mulheres 
sentenciadas, submetidas a questionários de personalidade que 
enfatizam a alta porcentagem de desvios como a neurose e a 
psicose, e o elevado grau de histeria nas mulheres, indícios 
formadores de psicopatias (ALVAREZ, 2004). O comportamento 
das mulheres é compreendido em função de uma dimensão de 
anormalidade, ou seja, tem-se uma percepção científica em relação 
à criminalidade do gênero feminino que segue a dicotomia 
bondade/maldade, pureza/pecado, passividade/agressividade, 
submissão/insurreição para elaborar o papel social mulher, 
pautando-se em crenças escritas por homens. Tais dicotomias 
estão reduzidas a uma característica fundamental: a essência 
feminina versus anormalidade/masculinidade em uma mulher, 
que integra seu comportamento ao conceito de transtorno de 
conduta e personalidade, fato que conduz as diferenças de 
comportamento a serem convertidas em questões clínicas 
(MIRALLES, 2015). 
A criminalização de condutas como prostituição e aborto 
representa o peso da moral do duplo standard sexual em uma 
cultura intolerante e moralizadora na consideração dos delitos da 
mulher para a determinação de questões em que está diretamente 
e privadamente envolvida75. Os delitos de sangue existem, mas 
 
75 “Na realidade, são tipos legais pouco aplicados, ainda que criminalizem condutas amplamente 
praticadas, com grande visibilidade pública, especialmente a prostituição, e sempre com grande 
cumplicidade. Condutas que entram na categoria dos chamados “delitos sem vítimas”, que se 
caracterizam por obter um alto nível de consenso na adaptação social, que satisfazem desejos e 
72 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERErecebem como medida de política criminal76 a internação em uma 
clínica especializada, que elimina a representação da mulher nas 
estatísticas carcerárias por um longo período (MIRALLES, 2015). 
Portanto, a abordagem clássica é fundamental para compreender a 
forma de controle social que incide sobre a mulher, que passa por 
uma concordância social e de atuação estatal, tornando a atitude 
valorativa em relação à mulher em um tipo de controle informal. 
Observa-se que a partir da segunda metade do século XX, o 
controle social prioriza as pesquisas empíricas sobre prisões, asilos, 
manicômios etc., ou seja, passa a investigar resultados das práticas 
de dominação e institucionalização, realizadas de maneira desigual. 
Há uma expectativa específica do Estado e da sociedade 
direcionada à mulher, uma realidade singular, cujos 
comportamentos são observados, selecionados e sancionados pelas 
estruturas de poder. Evidencia-se que o controle social atua em 
conformidade com a interpretação da criminalidade feminina, que 
acaba por conduzir as repressões que serão investidas à mulher 
nos meios formal e informal (MIRALLES, 2015). 
 O controle social77, para o pensamento sociológico 
tradicional, corresponde a um conjunto de instituições, estratégias 
 
interesses totalmente privados sem resultar dele qualquer vítima senão a defesa da moral social 
tradicional (patriarcal), que por si mesmo não goza já de um consenso, por causa da ampla margem 
outorgada à liberdade individual pelas mudanças sociais, que permitem uma maior tolerância às 
questões privadas de cada indivíduo. Quanto à prostituição, observa que temos o exemplo mais 
contundente da aplicação do duplo standard sexual na prática penal e legislativa, já que uma mesma 
conduta ‘oferecer e solicitar relações sexuais mediante pagamento’ levou à incriminação do 
oferecimento da mulher e não da solicitação do homem. ” (MIRALLES, 2015, p. 224-225). 
76 “A relação entre criminologia e política criminal resulta muito simples quando se concebe a 
criminologia costumeiramente como uma ciência exclusivamente empírica. No entanto, tornam-se 
difíceis os termos da relação quando se compreende a criminologia como uma ciência crítica, já que 
então ambas tendem a coincidir enquanto consideram a legislação do ponto de vista dos objetivos do 
Estado. Ademais, haveria a crítica quanto à reforma do direito penal em geral. A diferença residiria 
no fato de que a política criminal implica a estratégia adotada dentro do Estado, a respeito da 
criminalidade e do controle. Nesse sentido, a criminologia converter-se-ia em face da política 
criminal, em uma ciência de referência, para que esta, com base em seu material, pudesse configurar 
suas estratégias de atuação.” (RAMÍREZ, 2015, p.46). 
77 Para o pensamento criminológico atual, o controle social corresponde a um conjunto de recursos 
concretos e simbólicos de que um grupo social dispõe para garantir a conformidade dos 
comportamentos dos seus integrantes a normas e preceitos pré-determinados. O controle social 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 73 
 
e sanções sociais que pretendem promover e garantir referida 
subordinação do indivíduo aos modelos e às normas comunitários, 
para alcançar a conformidade ou a adaptação aos postulados 
normativos. Assim, “dispõe de instituições que condicionam o 
indivíduo através de um disciplinamento iniciado na família, que 
interioriza no indivíduo as pautas de conduta transmitidas e 
apreendidas no processo de socialização” (MIRALLES, 1982 p.126). 
Logo, o controle social utiliza desde meios difusos até os mais 
específicos, da mesma forma que utiliza o sistema penal, pelas 
instâncias formal e informal. O controle informal é representado 
pela família, escola, profissão etc., e o formal pelos agentes de 
poder, como a polícia, a justiça e a administração penitenciária 
(MIRALLES, 1982). Esses controles, mesmo que com distintas 
atuações, funcionam de maneira conjunta e constituem um 
fenômeno de largo desempenho e complexidade, que, conforme se 
estabelecem, permitem conhecer se se trata de uma sociedade 
menos autoritária ou mais democrática. Então, para avaliar o 
controle social é imprescindível observar, para além do sistema 
penal, quais as estruturas atuantes do controle informal 
(ZAFFARONI, 2003). 
 O controle social informal abrange diversos modos de 
opressão à mulher, em diferentes dimensões. Sabe-se que os 
interesses do Estado no sistema capitalista de produção, vinculados 
ao papel da mulher, incluem a família, a escola, o trabalho e a 
medicina como meios condicionantes e mantenedores do papel 
social atribuído à mulher. Portanto, a base do controle informal é a 
família, que condiciona ao homem o papel de produção de bens e à 
mulher o de reprodução, o que se expressa na função 
disciplinadora do papel autoritário do homem, como pai e como 
marido, estando as mulheres condicionadas ao papel de mães, 
 
dispõe de inúmeros meios ou sistemas normativos (a religião, o costume, o direito etc.), de diversos 
órgãos ou portadores (a família, a igreja, os partidos, as organizações etc.), de distintas estratégias ou 
respostas (prevenção, repressão, socialização etc.), de diferentes modalidades de sanções 
(MIRALLES, 1972). 
74 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
devendo destinar sua vida social e sexual ao cuidado dos filhos e do 
marido. A família perpetua, a partir do controle da sua 
sexualidade, a sujeição da mulher, que deve ser responsável por 
assegurar a monogamia e a moral da família, naturalizando a 
opressão da obrigação de ter que se dedicar à felicidade dos que 
formam seu ambiente familiar, local no qual a mulher “ensina às 
suas filhas táticas de socialização peculiares ao seu gênero: ser 
mais controlada, passiva e caseira” (MIRALLES, 2015, p. 196), uma 
vez que “a mulher só é realmente considerada mulher quando 
apresenta um comportamento feminino” (MIRALLES, 2015, p. 
196). 
 A necessidade constante de se colocar em uma posição 
subordinada e de atuar em concordância com as atribuições do 
gênero, decorre dos ensinamentos da educação infantil, através de 
jogos psicológicos, do amor, do afeto e do sentimento de culpa. A 
culpa é compreendida como o primeiro controle feminino, pois a 
família, ou a própria mulher, se coloca em funcionamento quando 
há recusa do papel moral efetivo feminino. Assevera Teresa 
Miralles, que: 
 
[...] socialmente, o papel da mulher é hipertrofiado, pois há 
dependência sexual. Nesta tarefa colaboram as formas de 
linguagem, a mídia (pensamos nos anúncios e comerciais 
direcionados à mulher) e a proteção penal de certas instituições. 
Existe uma sexualização da atuação da mulher e assim do 
comportamento do delinquente [...] o desvio da mulher de seu 
papel sexual implica, imediatamente, uma criminalização de sua 
conduta, Ainda, que, a mesma ação do homem não seja punida. 
(MIRALLES, 2015, p. 197). 
 
 As funções destinadas às mulheres estão ligadas ao jogo de 
afeto, à culpa e à dependência sexual. Elas estão condicionadas a 
cumprir um papel social desvalorizado, relevante no seio da família 
e nas escassas derivações deste ambiente: grupo de amigos em 
comum do casal ou amigos de negócios do marido, onde acaba 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 75 
 
perpetuando seu único e secundário papel. A invisibilidade pública 
da mulher conduz à individualização e à privatização dos seus 
direitos, deveres e crises, pois, na esfera doméstica, as normas, os 
conflitos e os mecanismos de controle são personalizados 
(ANDRADE, 2012). Reconhece-se a conquista da mulher ao direitode trabalhar fora de casa, momento em que passa a ter acesso ao 
espaço público e, consequentemente, às representações de poder. 
Isso levou a significativas mudanças, que ainda estão acontecendo, 
em razão da resistência das mulheres ao patriarcado e ao 
capitalismo. Ainda, antes de se pensar nas consequências dessa 
nova perspectiva, é necessário observar que a transformação 
objetiva de valores que o acesso da mulher ao trabalho significa foi 
absorvida como causa do aumento da criminalidade feminina, bem 
como a emancipação da mulher e o movimento feminista entre os 
aos 60 e 7078 do século XX (MIRALLES, 2015). 
 No entanto, o movimento feminista atestou que o aumento 
da criminalidade feminina é uma consequência do aumento do 
consumo em todas as classes, especialmente a do trabalhador79. O 
 
78 “A criminalidade feminina é uma resposta dada pelas mulheres para um determinado número de 
situações que sofreram mudanças nos últimos 40 ou 45 anos [...] a influência da emancipação da 
mulher é extremamente complexa e entre outras coisas, também afeta o avanço da justiça social, 
pela extensão de direitos humanos, reivindicar oportunidades sócio econômicas, de forma que as 
mudanças no comportamento da mulher não podem se relacionar diretamente com o movimento 
feminista, porque enquanto movimento social mostra-se coma manifestação de diversas mudanças 
na ordem econômica e social.” (SMART, 1970, p. 73-74). 
79 A variação da participação da mulher no mercado de trabalho está condicionada às necessidades 
de produção do modelo capitalista, pois durante os períodos de crise a mulher é obrigada a voltar 
para o lar, é a primeira força de trabalho que fica desempregada. A mulher opera como o exército de 
reserva mais amplo do mundo capitalista. Portanto, é uma força de trabalho de segunda ordem, na 
medida em que seu trabalho é visto como temporário e considerado como uma atividade não 
essencial se comparada à atividade doméstica. Há uma divisão laboral em termos econômicos e 
especialmente sexuais: o primeiro modo de vida do homem é o contrato laboral, e o da mulher é o 
casamento como contrato matrimonial. A igualdade laboral entre os sexos é uma formalidade 
constitucional, não refletida nos sindicatos, na comunidade e nas organizações sociais (SAFFIOTI, 
1987). O único tipo de trabalho aceito para a mulher é o realizado pela sua dedicação aos filhos, 
mesmo que eles já tenham se emancipado. Entende-se que o trabalho aceitável é aquele que cumpre 
uma função terapêutica. Paralelamente, foi informado que o declínio da maternidade tem produzido 
uma falta de interesse da mulher no que tange ao trabalho doméstico, deixando-a migrar para os 
interesses público-sociais (SAFFIOTI, 2015). 
76 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
ingresso da mulher no mercado de trabalho é visto como 
libertador; porém, não se pode ocultar que é igualmente fonte de 
frustrações, que marginaliza a mulher no mundo da produção 
através da desigualdade laboral, expressa na cultura de que a 
mulher não trabalha para sua realização e seu desenvolvimento 
humano, mas como subordinação à família e pela necessidade de 
compensar a crise econômica familiar, pois a realização verdadeira 
se daria só mediante a maternidade, reforçando a ideia de 
feminilidade (SAFFIOTI, 1976). A reação médica quanto ao fato da 
mulher trabalhar fora do espaço doméstico foi muito influente 
neste aspecto, pois defendeu que isso seria um ato de contribuição 
direta para a corrupção dos costumes e destruição da família, de 
modo que trabalhar fora de casa não era compatível com o papel 
de esposa. Ainda, atestou-se a possibilidade da formação de um 
terceiro sexo, cujo instinto exacerbado e a perda do instinto 
maternal estariam relacionados com o trabalho externo, 
imediatamente sexualizado, que termina por condenar a mulher 
trabalhadora como uma imoral que vive o jogo sexual e é 
incompleta por se afastar do natural instinto maternal da mulher 
normal (MIRALLES, 2015). 
 Nota-se que o controle interno na esfera privada 
realizado pela família é mais agressivo à mulher, que desenvolve 
também mecanismos de autocontrole para enfrentar seus 
problemas, como a dependência de sedativos, a atividade 
doméstica compulsiva, a dependência ao álcool, a auto-
hospitalização e a alta demanda por consultas psiquiátricas. Ocorre 
que a mulher é ensinada/socializada a internalizar seus problemas 
e emoções, e quando se recusa ao confinamento doméstico tem 
como reação familiar imediata a contenção de seus atos de 
rebeldia, justificando a sua internação em uma clínica, com a 
distribuição em massa de medicamentos e sedativos; e como 
reação mediata, a responsabilização por sua evolução particular, 
por não cumprir o papel que lhe cabe (MIRALLES, 2015). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 77 
 
A hospitalização pela família ocorre quando se torna 
insuportável o estresse da mulher, que alcança o limite 
considerado suportável pelas famílias. No entanto, a clínica 
(controle formal), que aparentemente tem uma função assistencial 
e curativa, é mais uma prisão branca com tortura branca. Lá, as 
horas de terapia são muito escassas, uma vez que os conflitos são 
resolvidos principalmente com a medicalização, lobotomia, 
eletrochoques ou coma por insulina, entre outros meios 
(GOFFMAN, 2004). Quando a mulher se adapta às prescrições 
médicas e colabora em tudo, é considerada uma boa paciente. 
Assim, alcança-se uma desintegração pessoal, a doença é esquecida 
e só interessa a adaptação da mulher ao meio clínico, enfatizando-
se o que importa para a família80: preparar novamente a mulher 
para a submissão implicada ao seu papel social (MIRALES, 2015). 
Assim, demonstra-se que ao falhar o controle informal, o 
controle formal passa a atuar, elaborando o status de criminosa a 
partir da influência das teorias patológicas, submetendo a mulher 
ao tratamento clínico a fim de protegê-la. Então, caso o controle 
social informal falhe na socialização da mulher, inicia-se a atuação 
dos meios formais de controle, coercitivos e sancionadores, em que 
atua o sistema penal como parte do controle social 
institucionalizado81, o que inclui ações controladoras e repressoras 
que aparentemente nada tem a ver com o sistema penal82 
 
80 A família é foco e centro de problemas mentais nas jovens, pois a dependência da mulher de afeto 
da vida endógena é a característica mais marcante de seus problemas. Assim, a moça jovem se 
esfacelará a qualquer momento para obter a sua independência, mesmo sem consegui-la; a mulher 
recém-casada viverá a sua sexualidade como um fracasso pessoal e como algo que lhe foi roubado; a 
mulher adulta, em seus quarenta anos, culpar-se-á, patologicamente, por suas fantasias amorosas, 
símbolo de uma rejeição de vida; a mulher madura viverá a saída de suas crianças como um 
abandono, uma mutilação em seu próprio corpo, na simbologia família-corpo (MIRALLES, 2015). 
81 “O controle social penal é um subsistema dentro do sistema global do controle social, diferindo por 
seus fins de prevenção ou repressão do delito, através de penas ou medidas de segurança e qual o 
grau de formalização que exige” (MIRALLES, 1982, p.127). 
82 O sistema penal não se reduz ao conjunto de normas penais, mas é concebido como um processo 
articulado ao qual concorrem todas as agências do controle social formal, desde o Legislador, por 
meio do mecanismo de produção das normas (criminalização primária), passando pela Polícia, a 
Justiça e o Ministério Público, ou seja, o processo penal e os mecanismos de produção das normas 
78 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
(ZAFFARONI, 2003). Dessa forma, o âmbito reduzido de atuação 
da mulher está submetido ao controle formal,que nas palavras de 
Miralles, 
 
[...] trata-se das condutas que ultrapassam o marco das 
desordens e conflitos morais e religiosos originados nas relações 
privadas e passam a afetar diretamente a ordem social e moral de 
interesse público, ofendendo bens juridicamente protegidos e 
permitindo a atuação das instâncias policial, judicial e executivo-
penitenciária. (MIRALLES, 2015, p. 219). 
 
Há duas instituições de controle penal para a execução das 
penas privativas de liberdade: a prisão ou a clínica. Assim, quanto 
mais avançado é um país econômica e tecnológica-cientificamente, 
e quanto mais anos de experiência democrática viveu, maiores 
inovações de corte liberal terão introduzido no seu sistema de 
controle formal, cujas formas recobrem os objetivos científico e 
político criminais de reabilitação (RAMÍREZ, 2015). Em regra, os 
aspectos de interesse do estudo do controle formal da mulher são: 
o perfil da delinquência da mulher, que mostra os tipos de desvios 
que são criminalizados na mulher; a aplicação da medida 
terapêutica, principalmente em estabelecimentos e clínicas 
especializadas; as prisões para mulheres, ou seja, a atuação do 
sistema disciplinar. Salienta-se que o controle formal é um 
depositário da moral patriarcal, e “está interessado em quebrar 
desde seu início a vivacidade, o interesse e a participação 
igualitária da mulher em um estilo de vida alternativo” 
(MIRALLES, 2015, p.228). 
 
(criminalização secundária), culminando com o sistema penitenciário. O sistema penal das 
sociedades modernas está previsto como conjunto de meios e instrumentos para levar a cabo um 
efetivo controle social formalizado da criminalidade que se manifesta nas sociedades. Portanto, 
descrevendo e analisando o funcionamento real das instâncias que o conformam, é possível entender 
que tipo de estratégia de controle social se pretende desenhar desde o Estado (ANDRADE, 2003). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 79 
 
Portanto, quando o desvio não for absorvido pelo controle 
informal, restará a prisão83 como limite final para o resíduo da 
mulher, que se expressa na institucionalização, no castigo, e que 
não funciona em termos de proteção, mas em termos de disciplina 
e punição, de contenção e de exclusão. Algumas teorias alegaram 
ser possível identificar métodos de proteção da mulher quando da 
atuação do controle formal; contudo, foram consideradas 
insustentáveis a partir das seguintes situações objetivas: (a) a lei 
penal criminaliza condutas que se referem ao âmbito masculino e 
feminino, mas que são enfrentadas de modo diferente por homens 
e mulheres, devido à distinta pressão de controle – por exemplo, a 
maioria dos tipos penais se refere à proteção do ambiente público 
destinado ao frequento masculino; (b) em condutas de âmbito 
público e de índole pública moral, a mulher é condenada com 
maior frequência que o homem, especialmente em questões que 
envolvem sua sexualidade; (c) as categorias de delito que 
criminalizam a mulher formam parte do chamado delito de status, 
que implica um ataque da mulher ao seu papel social, são condutas 
como fugas e vagabundagem, infrações a normas de decência e 
sujeição familiar, exigidas da mulher desde sua infância; (d) as 
mulheres são detidas e condenadas por infrações de gravidade 
muito baixa, pelas quais homens não seriam nem detidos; (e) a 
mulher primária é submetida à prisão com mais frequência do que 
homens de mesma situação, que são ou absolvidos ou colocados 
em liberdade condicional; (f) a atitude da mulher como 
 
83 “As instalações físicas da prisão são deploráveis, a desorientação jurídica, o desamparo, levam a 
viver em um mundo estreito, reiterativo e circular, no qual é sempre forçada a estar em um 
aglomerado humano, e é impossível a intimidade. Novamente, a mulher se adapta a este mundo que 
se lhe impõe; inclusive as mulheres que romperam com as pressões conformistas de seu mundo, que 
são rebeldes às expectativas sociais com condutas que negaram tudo que se espera de uma mulher. 
Uma vez “agarrada”, se adapta ao encarceramento com uma conduta que reencontra as bases 
psicológicas negativas de sua educação, quando a mulher é considerada como um ser sem decisão, 
superficial, sem responsabilidade, como uma criança que joga toda a sua vida. Parece, pois, que se 
fazem patentes às pressões negativas da educação quando a mulher se encontra diante da incerteza 
de uma datação física e psicológica a um mundo estranho, alheio e imposto. ” (MIRALLES, 2015, p. 
260). 
80 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
delinquente é interpretada na sociedade como um delito muito 
mais sério, o que recomenda um tratamento mais duro 
(MIRALLES, 2015). 
 Nesse sentido, é indispensável o recorte de que o 
tratamento judicial também é discriminante em favor da mulher 
de classe média e branca, vendo-a como não culpável, enquanto 
persegue rigorosamente mulheres de classe baixa, por entendê-las 
como perigosas. Para Miralles, 
 
Quando falamos de classe social baixa e classe marginalizada 
tratamos de dois tipos de zona social, ambas penalizadas como 
expressão de uma ação de poder máxima, justamente para 
perpetuar nelas a condição de marginalização e de falta total de 
acesso às zonas de poder social e político: as zonas pobres e de 
miséria e as zonas da juventude mais marcadas; nestas, mulheres 
se reencontram: as mulheres mais jovens e pobres. Esta é, em 
última análise, a variável que atua como constante para dirigir a 
atuação das instâncias de controle formal por meio do filtro que 
sua atuação admite, para assegurar que o máximo de poder do 
Estado seja exercido sobre as zonas que têm um mínimo de poder 
(MIRALLES, 2015, p. 230). 
 
 É evidente a ampla atuação do controle informal em 
conflitos que se consumam no âmbito privado, bem como em 
controles que dele se desdobram e recaem sobre a psique da 
mulher. Por exemplo, a problemática psicológica do afeto e da 
culpabilidade que define o mundo afetuoso da mulher como 
endógeno, por conter suas aflições e suas rebeliões em seu 
psicológico, imputando-lhe a culpa caso negue seu significado 
social e sua definição histórica, ou seja, naturalizando a opressão. 
Logo, por serem sistemas que atuam conjuntamente, evidencia-se 
que o raciocínio do controle formal é o mesmo. Nesse sentido, a 
psiquiatria assegura a imposição disciplinar através da autoridade 
e repressão com a força da moral, a culpabilidade e a negação de 
toda a capacidade de decisão das mulheres (MIRALLES, 2015). Os 
controles se interconectam de forma especial ao justificar a 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 81 
 
necessidade da terapia (informal) ou da clínica (formal), o que 
decorre de uma série de atuações do controle social. Houve a 
concordância no aspecto social e na atuação estatal no sentido de 
que a atitude valorativa para com a mulher nutra um tipo de 
controle informal, pela avalição médica e psiquiátrica, com 
dimensão teórico-científica, que acaba por influenciar o controle 
formal. O novo enfoque da escola crítica é centrado no Estado 
como representante do controle formal, eficaz para manter o 
controle informal, ou seja, para que se respeite o papel imposto 
socialmente às mulheres (ANDRADE, 2005). 
 A mudança radical no controle social passa a 
compreender como essencial a terapia social, contudo, banalizou-a 
quando o campo de execução penal condicionou tratamentos de 
terapia social em clínicas fechadas, chamadas de estabelecimentos-
sócio-terapêuticos. A terapia social então foi criticada e 
compreendida como um produto direto da ideologia de 
tratamento, que amplia o conceito de doença e atribui necessidadede tratamento e institucionalização de forma desproporcional, que 
passa a ser aplicada de maneira dominante a todo tipo de 
criminalidade. A perda do sentido da terapia social ocorre quando 
a medida passa a ser forçada e executada em clínicas fechadas, o 
que transforma a imposição terapêutica à mulher, antes efetuada 
pela família no âmbito informal, em uma imposição do controle 
formal, sob a crença de uma desordem mental subjacente à sua 
problemática delitiva (MIRALLES, 2015). Com efeito, as conexões 
entre a criminalidade e a psicose identificaram doenças comuns 
entre os delinquentes, sustentando que certas desordens sociais 
levam a marcado desvio ou a um determinado ato delitivo, 
convertidas em desordem mental, um dos motivos que converte as 
prisões em estabelecimentos psicoterapêuticos84, já 
institucionalizados pelo controle formal. 
 
84 “Tomemos um exemplo de importância: a classificação do desvio da mulher no estabelecimento 
clínico de Holloway em Londres (Inglaterra), a antiga maior prisão da Inglaterra para mulheres, hoje 
convertida em centro clínico psiquiátrico. A instituição abrigou mulheres que eram consideradas 
82 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
 Entende-se que o “impacto da terapia social como 
controle formal deve ser concentrado em termos mais qualitativos 
que quantitativos, pois quantitativamente o número de mulheres 
submetidas à terapia continua sendo brutal se comparado ao 
número de homens.” (MIRALLES, 2015, p. 231). A clínica social 
terapêutica suplantou o cárcere em alguns países, sendo até 
utilizada como única medida de controle para certos tipos de delito, 
o que reflete a receptividade do controle formal ao impacto da 
psiquitrização da sociedade, “efetiva no controle da mulher pela 
força e que têm as concepções de índole biológica e psicológica na 
explicação do desvio da mulher” (MIRALLES, 2015, p. 231). Foi no 
século XIX que as concepções psicológicas passaram a operar no 
campo prático e a tomar um lugar de destaque no sistema 
institucionalizado, um espaço médico e psicológico85, já que à 
medida que o positivismo foi se impondo, as práticas da psicologia 
e da psiquiatria de tipo moral tornavam-se obscuras. 
Posteriormente, as mesmas práticas são revestidas de razão e 
formam a teoria das ciências psicológicas, o que permite entender 
que, junto aos conceitos de origem biológica e somática, justapõe-
se, hoje, uma prática psicanalítica moral, com base na 
culpabilidade e nos conceitos biológicos (MIRALLES, 2015) 
 A criminologia passou a considerar a personalidade do 
indivíduo como fator determinante do desvio, quando no campo da 
psicologia passou-se a entender que os comportamentos e suas 
atitudes do ser humano dependiam do desempenho de sua 
 
anormais mentalmente, implicando a imposição deste termo a desvios de tipo social e psicológico 
cometidos por mulheres. O conceito de mentalmente anormal desempenhou três categorias: 
diagnóstico psiquiátrico, com ênfase na esquizofrenia; amplo diagnóstico de personalidade 
desordenada, e diagnóstico de psicopatia, tratado por métodos médicos psicológicos ou por terapia 
social” (MIRALLES, 2015, p. 236). 
85 “Cabe frisar que é na análise do método de castigo que a psicologia encontra sua própria essência, 
e onde se desdobra especificamente não só sua técnica, como também o âmbito em que se situa, no 
qual se caracteriza a singularidade da figura médica e o diálogo autoritário que estabelece com o 
paciente. Com o método próprio da psicologia, o tratamento ganha um espaço institucional porque 
há novos contatos entre o paciente e os métodos psicológicos, contatos baseados nas novas 
concepções alienantes” (MIRALLES, 2015, p. 111). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 83 
 
personalidade individual. Traços de personalidade começaram a 
ser identificados, como a neurose na teoria freudiana, também 
analisado no campo das relações sexuais para a aferição da 
criminalidade. A abordagem psicopatológica tem-se demonstrado, 
desde 1950, como protagonista no desenvolvimento da prática 
clínica nos programas de prevenção e reabilitação, sendo que a 
partir das diferentes disciplinas clínicas – a psiquiatria, a psicologia 
e a psicanálise-, é possível um diagnóstico e um tratamento 
específico para cada indivíduo criminoso/a (MIRALLES, 2015). No 
entanto, a mudança da valorização do objeto do controle social ao 
longo do século XX não permitiu uma alteração de paradigma, nem 
um novo enfoque para debate, permanecendo dependente aos 
fundamentos da sociologia durkheimiana, que consiste em pensar 
as instituições sociais a partir de uma concepção relativamente 
unificada da sociedade, ou seja, tendo ainda como pano de fundo a 
questão da integração social (RAMÍREZ, 2015). 
 Desde o início dos anos 60 do século XX, os estudos de 
Foucault quanto ao controle social se demonstraram complexos, ao 
pensar que as práticas de poder não se reduzem às formas 
instrumentais e funcionais de controle social como produtoras de 
comportamentos, mas que as práticas e instituições sociais 
configuraram novos espaços de exclusão ou de normalização de 
determinadas formas de comportamento e de subjetividade. 
Compreende-se que as punições são aplicáveis não apenas no 
interior do sistema penal, mas igualmente em contextos mais 
diversos: tanto em instituições especializadas (penitenciárias, 
escolas, hospitais) quanto em instituições de "socialização" (como a 
família). Assim, a partir de uma série de processos históricos, 
principalmente do século XVIII em diante, demonstra-se que o 
poder disciplinar não é mero reflexo desses processos, como 
também é a partir de sua caracterização que é possível perceber 
certa coerência nas muitas transformações que ocorreram no 
período (ALVAREZ, 2004). 
84 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
 Evidencia-se que as críticas às práticas prisionais 
modernas são contemporâneas de sua própria ascensão, mas 
nunca colocam em causa a própria existência da prisão como a 
pena por excelência. O fato de a prisão permanecer existindo, 
mesmo com críticas seculares, comprova que ainda desempenha 
funções importantes na manutenção das relações de poder na 
sociedade moderna – na verdade, a principal função 
desempenhada pela prisão é que ela permite gerir as ilegalidades 
das classes dominadas, criando um meio delinquente fechado, 
separado e útil em termos políticos (FOUCAULT, 2014). Quanto ao 
poder, afirma que não é algo que se adquira ou detenha, mas algo 
exercido em contextos sempre cambiantes e ao mesmo tempo 
intencionais, as relações de poder não são subjetivas, ou seja, 
embora o poder se exerça por meio de uma série de miras e 
objetivos, não resulta da escolha de um sujeito individual ou 
coletivo (FOUCAULT, 2014). 
 Essa mudança de perspectiva é necessária, pois as formas 
de poder e controle social da modernidade são efetivamente muito 
mais produtivas, multidimensionais e complexas que as formas 
anteriores. Longe do modelo da lei soberana, que se baseava no 
direito de morte ou de deixar viver, as práticas de poder na 
modernidade caminham na direção de formas de poder que 
buscam gerir a vida, "um poder destinado a produzir forças, a fazê-
las crescer e a ordená-las mais do que a barrá-las, dobrá-las ou 
destruí-las" (FOUCAULT, 1999, p. 87). As reflexões e pesquisas 
empreendidas por Foucault podem fornecer saídas aos impasses 
anteriormente diagnosticados no campo de estudos recoberto pela 
noção de controle social, mas o futuro das pesquisas neste campo 
de estudos depende da reavaliação dos trabalhos deste autor e de 
uma série de outros que atualmente trilham os caminhos abertos 
pelos debates até aquirecuperados. Permanece, deste modo, 
presente a discussão sobre os mecanismos mais gerais de 
regulação e controle dos comportamentos na sociedade 
contemporânea (ALVAREZ, 2004). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 85 
 
 Por exemplo, Gilles Deleuze apontava para uma ruptura 
dos mecanismos de regulação dos comportamentos na atualidade, 
ao considerar que as sociedades contemporâneas não seriam mais 
"sociedades disciplinares", tal como pensadas por Foucault, mas 
sim "sociedades de controle", nas quais os mecanismos de 
confinamento estariam sendo substituídos por novas tecnologias 
eletrônicas e informacionais de supervisão e controle dos 
indivíduos e das populações (DELEUZE, 1988). Algumas discussões 
ensaiam mesmo explicar a própria crise da noção de controle social 
a partir das transformações nas formas de regulação social 
ocorridas entre o final do século XX e início do XXI. O próprio 
controle social, como conjunto de dispositivos assistenciais 
voltados para restabelecer uma certa solidariedade entre os 
diferentes grupos da sociedade moderna é posto em crise. 
 A mudança de valorização pela qual passou a noção de 
controle social no final do século XX – do papel positivo em termos 
de integração social para o papel negativo em termos de 
dominação – mostra justamente a avaliação crítica crescente dos 
custos estatais (ALVAREZ, 2004). Autores contemporâneos têm 
seguido, por caminhos diversos, a direção dessas reflexões ao 
discutirem, mais especificamente, as mudanças nas políticas 
criminais e de segurança na modernidade tardia, na qual estaria 
ocorrendo a substituição do projeto de um Estado Social pelo 
projeto de um Estado Penal (ANDRADE, 2003). Portanto, o sistema 
de justiça criminal está inserido na mecânica global do controle 
social, de tal modo que não se reduz ao complexo estático da 
normatividade nem da institucionalidade, mas é concebido por um 
processo articulado e dinâmico de criminalização, ao qual 
concorrem não apenas as instituições de controle formal, mas o 
conjunto de mecanismos do controle informal. Ou seja, “um 
microssistema penal formal, composto pelas instituições oficiais de 
controle e circundado pelas informais, em que as pessoas 
interagem e participam da mecânica de controle, como senso 
comum ou opinião pública” (ANDRADE, 2012, p. 165). 
86 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
3.3 Da criminologia crítica à criminologia feminista 
 
 Muitas contribuições científicas e militantes em 
criminologia tiveram como ponto de partida a mudança do 
paradigma do labeling approach, que deslocou a abordagem da 
criminalidade (fato pré-constituído ou preexistente) para a 
criminalização (produto de construção social) como uma condição 
necessária. Entretanto, a teoria foi considerada insuficiente para o 
desenvolvimento da Criminologia Crítica, que “se apresenta como 
uma teoria materialista do desvio dos comportamentos 
socialmente negativos e da criminalização, opondo-se às ideologias 
conservadoras e de legitimação do status quo” (ANDRADE, 2012, p. 
10). Salienta-se que as teorias criminológicas se orientam e se 
reproduzem sempre como consequência das mudanças e mutações 
ocorridas nos diferentes contextos histórico-culturais. Assim 
sendo, a erupção das propostas críticas, em especial nos anos 
sessenta e setenta do século XX, se conecta com os movimentos 
sociais que, “a parte de reivindicarem direitos para os grupos ou 
minorias marginais, coloca em crise a estrutura social inteira, 
produzindo uma ruptura definitiva com a velha criminologia, 
legitimadora da ordem legal constituída” (BERGALLI, 2015, p. 
268). 
 Observa-se que o movimento da criminologia crítica não 
considera o que é homogêneo do pensamento criminológico 
contemporâneo, uma vez que pretende ser uma teoria materialista, 
que, obviamente, considera o instrumento conceitual e as hipóteses 
elaboradas no âmbito do marxismo, mas não se esgota nele. 
Consciente da problemática que subsiste entre criminologia e 
marxismo, a criminologia crítica se posiciona no sentido de que 
uma construção teórica não pode se basear só na interpretação de 
textos marxistas, mas considera o trabalho de observação empírica 
existente pela grandeza dos dados adquiridos no contexto 
marxista. Ainda, os estudos marxistas que se inserem em um 
terreno de pesquisa de doutrinas desenvolvidas nos últimos 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 87 
 
decênios, no âmbito da sociologia liberal contemporânea, 
prepararam o terreno para a criminologia crítica (BARATTA, 2011). 
 Então, a força das ideias marxistas originais, combinada 
aos pontos de vista da psicanálise e psicologia, construiu a 
denominada criminologia crítica, formulada ultimamente no 
campo de estudo do desvio e de seu controle social. Contudo, 
apesar de suas influências, suas interpretações se formulam de 
reflexões sobre diferentes critérios de abordagem da questão 
criminal, que originam os distintos enfoques para corrigir a 
orientação tradicional da criminologia (BERGALLI, 2015). A 
plataforma teórica alcançada pela criminologia crítica e preparada 
pelas correntes mais avançadas da sociologia criminal liberal pode 
ser sintetizada em uma dupla contraposição à velha criminologia 
positivista, que usava o enfoque biopsicológico. Duas são as etapas 
principais deste caminho, o deslocamento do enfoque teórico do 
autor para as condições subjetivas, estruturais e funcionais, que 
estão na origem dos fenômenos do desvio; e o deslocamento do 
interesse cognoscitivo das causas do desvio criminal para os 
mecanismos sociais e institucionais, através dos quais é construída 
a “realidade social” do desvio. Portanto, historiciza a realidade 
comportamental do desvio e ilumina a relação funcional ou 
disfuncional com as estruturas sociais, com o desenvolvimento das 
relações de produção e distribuição86 (BARATTA, 2011). 
A criminologia crítica nasce como um projeto de 
emancipação humana, que foi concebido como um programa de 
defesa dos direitos humanos. Então, nessa perspectiva a 
“criminalidade não é mais uma qualidade ontológica de 
determinados comportamentos e de determinados indivíduos, mas 
se revela como um status atribuído a determinados indivíduos, 
 
86 “A seleção legal de bens e comportamentos lesivos instruiria desigualdades simétricas: de um lado, 
garante privilégios das classes superiores com a proteção de seus interesses e imunização de seus 
comportamentos lesivos, ligados à acumulação capitalista; de outro, promove a criminalização das 
classes inferiores, selecionando comportamentos próprios desses seguimentos sociais em tipos 
penais” (BARATTA, 2011, p. 15). 
88 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
mediante uma dupla seleção” (ANDRADE, 2012, p. 10). Os críticos 
demonstram que a seletividade e a ineficácia do sistema penal são 
causadoras de erros; assim, o delito e o seu controle se apresentam 
de uma forma que ultrapassa os limites de compreensão da 
criminologia tradicional. Para a criminologia crítica, o sistema 
penal nasce de uma contradição, “pois de um lado afirma a 
igualdade formal entre os sujeitos de direito, e, de outro, convive 
com a desigualdade substancial entre os indivíduos, que determina 
as chances de alguém ser etiquetado como criminoso” (MENDES, 
2014, p. 61). 
Logo, a teoria crítica da sociedade, do Estado e do Direito, 
de raiz histórica, filosófica e sociológica, confronta-se como uma 
teoria da criminalidade e do controle sociopenal, para, 
rediscutindo-a, reunificar o que foi artificialmente separado pela 
violência da modernidade, no próprio conceito do ser humano 
(BARATTA, 2011). Assim, o valor da criminologia crítica é 
restitutivo, um percurso de regresso à violência constitutiva de um 
pacto de exclusão, resgate radical da condição e da dignidadehumanas; resgate que passa pelo enfrentamento de todas as 
formas de violência, sejam estas decorrente de estruturas 
(desigualdade de classe e exclusão social, desigualdade de gênero), 
culturas (discriminação racial, etária), instituições (violência do 
sistema penal), indivíduos (violência individual) e quaisquer outras 
formas de violência. Tal resgate também passa pelo reencontro da 
ciência com a sabedoria popular (ANDRADE, 2012). 
Em razão da crítica criminológica, o próprio sistema de 
punitividade passa a ser o objeto de investigação, sobretudo os 
mecanismos seletivos de definição das condutas puníveis 
(criminalização primária), os critérios desiguais de incidência das 
agências de controle sobre as populações vulneráveis 
(criminalização secundária) e os instrumentos perversos que 
transformam a execução das penas em fontes de reprodução de 
estigmas. A partir do diagnóstico da seletividade intrínseca ao 
sistema penal, as distintas correntes que se identificam com o 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 89 
 
rótulo da criminologia crítica projetaram inúmeras mudanças no 
campo político, em grande maioria voltadas à constrição de 
hipóteses de criminalização e superação da forma carcerária das 
penas (ANDRADE, 2012). É por meio do processo de 
criminalização que são identificados os maiores nós teóricos e 
práticos de desigualdade, próprios da sociedade capitalista, que 
tem como um dos objetivos principais estender ao campo do 
direito penal a crítica do direito desigual. Assim, uma das 
principais tarefas da criminologia crítica é criar uma política 
criminal alternativa, visto que partem de um enfoque materialista, 
de modo que só uma análise radical dos mecanismos e das funções 
reais do sistema, na sociedade capitalista, pode permitir 
alternativas ao controle social (BARRATA, 2011). 
No momento em que o enfoque macrossociológico se 
desloca para os mecanismos de controle social, a criminologia 
crítica alcança o ponto de maior reflexão, visto que o direito penal 
passa a ser considerado mais do que um sistema estático de 
normas, mas como um sistema dinâmico de funções, em que se 
distinguem os processos de conformação da criminalidade. O 
aprofundamento da relação entre direito penal e desigualdade 
conduz ao entendimento que não só as normas de direito penal se 
formam e se aplicam seletivamente, refletindo as relações de 
desigualdade existentes, mas o direito penal exerce, também, uma 
função ativa de reprodução e produção ao aplicar de forma seletiva 
as sanções penais estigmatizantes, para que seja mantida a escala 
vertical da sociedade (BARATTA, 2011). 
O discurso científico que assume a função de controle 
externo do sistema de justiça criminal não apresenta um objeto 
homogêneo, como no controle interno. As situações administradas 
pelo sistema de justiça criminal constituem um conjunto de 
eventos diversos e com limites instáveis cujo único elemento 
comum é o de estarem previstos como objetos de intervenção no 
sistema. No entanto, a exclusividade ou a propriedade de um 
sistema de intervenção em comparação com outros “não pode ser 
90 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
deduzida como uma indicação necessária da natureza das diversas 
ações problemáticas, onde se insere a criminalidade feminina, que 
não encontra resposta em situações internamente emergentes” 
(MENDES, 2014. p. 71). Dessa forma, a questão apresentada é a de 
que o atual sistema de justiça criminal não permite uma definição 
científica e útil do universo de situações e comportamentos 
criminais, pois a finalidade única de avaliar políticas já existentes 
ou de criar novas a partir dos mesmos pontos não permite a 
quebra paradigmática87 (BARATTA, 2006). 
O caminho percorrido pela criminologia crítica pode ser 
identificado por três momentos: primeiro, na década de 1960, que 
consolida a passagem de um paradigma centrado no crime e no 
criminoso (violência individual), de cunho positivista, para um 
centrado na investigação do controle social e penal (violência 
institucional), que origina a criminologia da reação social; segundo, 
na década de 1970, que sofre forte intervenção do desenvolvimento 
materialista, marcando o surgimento de uma séria de 
criminologias, como a radical, a crítica, a dialética, que dão ao 
sistema penal uma interpretação macrossociológica, no marco das 
categorias do capitalismo e das classes sociais (violência 
estrutural); e, muito próximo, o terceiro, que é o desenvolvimento 
do paradigma feminista , cuja interpretação macrossociológica se 
dá no marco das categorias de patriarcado e gênero88 (ANDRADE, 
2012). 
 
87 “Esta crise se manifesta quando a partir da dimensão da definição, passamos a considerar a 
dimensão comportamental. No primeiro caso, o objeto de seu discurso é o sistema de justiça 
criminal. No rol de uma teoria e sociologia de direito penal, a criminologia concorre, na dimensão da 
definição, na realização do modelo integrado de ciência jurídico-penal entendida em sua função de 
controle “interno” do sistema de justiça criminal. Em sua dimensão comportamental, por outro lado, 
o objeto do discurso da criminologia crítica é o referente material das definições da criminalidade, 
atuais ou potenciais, mas em geral, as situações problemáticas relacionadas com o comportamento 
dos sujeitos individuais” (BARATTA, 2006, p. 148). 
88 “Signo que se tornou teórica e politicamente relevante desde os anos 70, quando o movimento 
feminista, sob o influxo da revolução dos paradigmas sociais, estendeu seu significado original de 
uma classe de algo ou de seres, para designar uma classe de seres humanos, configurando-se 
atualmente como um conceito para a compreensão da identidade, dos papéis sociais e das relações 
entre homens e mulheres na modernidade” (ANDRADE, 2012, p.128). “É a construção social do 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 91 
 
 As tendências críticas apresentaram, ao longo das décadas 
de 80 e 90, uma série de propostas político-criminais (alternativas) 
que abrange desde a reforma e a humanização dos sistemas penais 
à sua abolição (CAMPOS; CARVALHO, 2011). Então, o 
desenvolvimento “feminista da criminologia crítica marca a 
passagem para uma nova criminologia, no âmbito da qual o 
sistema de justiça criminal passa a ser interpretado por um viés 
macrossociológico, mas nos termos das categorias de patriarcado e 
gênero” (MENDES, 2014, p. 62). O poder punitivo assegura o 
patriarcado, uma vez que forma e criminaliza padrões de 
mulheres, encaixando-as em um processo de transmissão cultural 
que legitima o poder punitivo e o saber dominante. Há uma 
permissão social, um controle social formal e informal sobre os 
corpos, a sexualidade e as mentes femininas, que pretendem 
manter a mulher em uma posição de submissão através da 
violência de gênero socialmente autorizada. Para Vera Regina P. de 
Andrade, 
 
[é] evidente que o funcionamento interno do sistema penal 
somente adquire seu significado pleno quando reconduzido ao 
sistema social (à dimensão macrossociológica) e inserido nas 
estruturas profundas sem ação que o condiciona, a saber, o 
capitalismo e o patriarcado que ele expressa e contribui para 
reproduzir e legitimar, aparecendo desde a sua gênese como 
exercício de poder e controle seletivo classista e sexista (além de 
racista), no qual a estrutura e o simbolismo de gênero operam 
nas entranhas de sua estrutura conceitual: eis o sentido da 
seletividade. Ora, nisso, o sistema penal replica a lógica e a função 
real de todo o mecanismo de controle social, que, se em nível 
micro implica um exercício de poder e de produção de 
subjetividades (a seleção binária entre o bem e o mal, o 
masculino e o feminino), em nível macro implica um exercício degênero, e não a diferença biológica do sexo, o ponto de partida para análise crítica da divisão social 
de trabalho entre homens e mulheres na sociedade moderna, vale dizer, da atribuição aos gêneros de 
papéis diferenciados nas esferas de produção, da reprodução e da política, através da separação entre 
o público e o privado” (BARATTA, 1999, p. 21). 
92 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
poder (de homens e mulheres), reprodutor de estruturas, 
instituições e simbolismos. O sistema penal ocupa, assim, um 
importantíssimo lugar na manutenção do status quo social. 
(ANDRADE, 2012, p. 140). 
 
As relações de gênero perpassam a sociedade, seus 
fenômenos e instituições, sendo o Direito Penal uma das 
instituições basilares do estado capitalista. A mulher no Brasil está 
submetida a inúmeras discriminações, sendo o direito penal o meio 
para punir o feminismo através do machismo, seja definindo tipos 
de mulheres como criminosas, seja omitindo-se da proteção aos 
atos violentos. O direito penal para as mulheres é uma via de 
repressão, uma última instância para limitar os papéis sociais 
definidos para o ser feminino pelo patriarcado. Assim, para a 
mulher que foge dos padrões de normalidade entendidos como o 
da mãe ou esposa, há um contraponto social, a criminalização de 
suas condutas (BORGES; NETTO, 2013). Dessa forma, conforme 
exposto, é a partir da década de 80 que as críticas do feminismo 
objetivam lograr um modelo no qual os atributos do feminino e do 
masculino deixem de ser meras emanações de uma relação de 
poder. Assim, a atual transformação do pensamento criminológico 
engloba as críticas dos estudos epistêmico-metodológicos 
feministas, que possuem a mesma crítica à ciência tradicional, 
porém, não são um bloco único, mas campos do empirismo 
feminista, o chamado ponto de vista (standpoint) feminista 
(MENDES, 2014). 
A criminologia feminista, porta-voz do movimento 
feminista no campo de investigação sobre o sistema penal, 
permitiu ao malestream criminológico compreender a lógica 
androcêntrica que define o funcionamento das estruturas de 
controle punitivo. Ao trazer a perspectiva das mulheres para o 
centro dos estudos criminológicos, a criminologia feminista 
denunciou as violências produzidas pela androcêntrica 
interpretação e aplicação do direito penal. O sistema penal 
androcêntrico invariavelmente produziu o que a criminologia 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 93 
 
feminista identificou como dupla violência contra a mulher 
(CAMPOS; CARVALHO, 2011). A criminologia feminista indaga, 
portanto, como o sistema penal trata a mulher como vítima, 
resultando em uma consequente vitimologia crítica. Salienta-se a 
importância do feminismo como outro sujeito coletivo 
monumental que, fazendo a mediação entre a história de um saber 
masculino onipresente e a história de um sujeito ausente – o 
feminino e sua dor –, e ressignificando a relação entre ambas, 
aparece como fonte de um novo poder e de um novo saber de 
gênero, cujo impacto (científico e político) foi profundo no campo 
da criminologia, com seu universo até então completamente tão 
prisioneiro do androcentrismo (ANDRADE, 2012). 
Portanto, resistir a esses pensamentos e determinismos 
significa emergir a figura feminina emancipada, livre e não 
submissa ao poder patriarcal. Significa, também, questionar 
valores fortemente cristalizados a respeito de casamento, 
procriação, sexualidade etc.; significa, ainda, ter que se aliar a 
novas formas de saber para estabelecer rupturas, e ter que 
desorganizar formas seculares de concepções simbólico/ideológicas 
sobre a mulher (SILVA, 1994). A criminalização dos 
comportamentos considerados antissociais atinge apenas uma 
parcela da população, rotulada, estigmatizada e etiquetada como 
candidata à delinquência, de forma que a principal crítica feminista 
contra a criminologia crítica consiste no fato de que esta, ao 
relacionar as instituições de controle social, não destacou o 
patriarcado como mantenedor da desigualdade de gênero 
(MENDES, 2014). 
Este discurso – que, como na criminologia crítica, também 
se caracteriza como um movimento social – postula a não-
estigmatização tanto do criminoso(a) nato(a) com tendências 
perigosas, quanto da vítima em sua honestidade. Isto porque, da 
mesma forma que apenas alguns grupos são criminalizados, 
apenas algumas mulheres que correspondem à figura da mulher 
honesta são consideradas vítimas. A seletividade ocorre para os 
94 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
dois lados e o discurso criminológico feminista propõe-se a 
desconstruir ambos (MARTINS, 2011). A ausência secular da 
mulher, seja como objeto, seja como sujeito da criminologia e do 
próprio sistema penal, é que permite uma série de 
questionamentos do movimento feminista. Trata-se de um 
conhecimento focado na figura da vítima e na relação entre autor e 
vítima, na relação entre criminalização e vitimização pelo sistema 
penal – aspecto pouco explorado na criminologia crítica –, e na 
posição da mulher e do feminino no sistema penal e sua relação 
com o patriarcado – explorado na criminologia feminista, mas com 
escassa integração com o acúmulo teórico da criminologia crítica 
(ANDRADE, 2012). 
Dessa forma, a criminologia feminista pretende, “além de 
localizar a mulher no discurso criminológico, enfrentar a 
necessidade de construir um referencial criminológico no qual as 
mulheres não sejam um objeto ou um elemento incorporado” 
(MENDES, 2014, p.73), mas situar a teoria crítica feminista como 
responsável por um novo paradigma também aplicável ao campo 
da criminologia. Então, o ponto de vista (standpoint) feminista 
não se configura apenas como perspectiva, mas como posição e 
vinculação de luta política, que tem a pretensão de deslegitimar a 
visão androcêntrica estabelecida na realidade social. A mulher 
como um novo sujeito histórico, que traz a capacidade de agregar 
novas formas de entender a natureza e a vida social. A condição de 
mulher, o resultado histórico que a define como ser social e 
cultural e a reveste de circunstâncias, qualidades e características 
essenciais peculiares (MENDES, 2014). 
Apresentou-se, nos capítulos anteriores, que a experiência 
das mulheres foi desvalorizada e ocultada na investigação 
científica, o que é refletido na sua visão alheia à ordem social, já 
que não contribuíram para a formação dela. Esse é o motivo pelo 
qual as mulheres têm mais interesse em criticar a ordem 
estabelecida, distanciando-se e aprofundando a desconstrução do 
androcentrismo como ciência, protagonizando uma luta política 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 95 
 
contra a dominação masculina. O método, a quebra de paradigma, 
é conduzido a partir da vida das mulheres, identificando em que 
condições, dentro das relações, se necessita de investigação, ou 
seja, formular e investigar a partir e pela vida das mulheres. 
Os discursos criminológicos construídos foram 
competentes89, no entanto, foram inspirados numa parcial 
realidade dos fatos e na suposta eficácia dos meios de ação. A 
criminologia nasceu como discurso de homens, para homens, 
sobre mulheres. E, ao longo dos tempos, se transformou em um 
“discurso de homens, para homens e sobre homens, visto que se 
entendeu que estudar mulheres não era politicamente relevante, 
muito menos considerar as experiências destas enquanto categoria 
sociológica e filosófica” (MENDES, 2014, p.157). Assim, não é por 
acaso que a mulher surge no decorrer do pensamento 
criminológico apenas em alguns momentos, sobretudo como uma 
variável e não como sujeito (ANDRADE, 2005). 
Dessa forma, o ponto de partida passa a ser compreendido 
a partir de um paradigma feminista, como teoria crítica para a 
construção de novos projetos teóricos, que não repitam os 
compassos das teorias patriarcais e que não almejemapenas 
releituras de temas. A experiência das mulheres não deve 
constituir-se como um critério homogêneo e estereotipado, mas 
como a definição das condições teóricas para novas alternativas. O 
paradigma feminista significa, portanto, uma subversão da forma 
de produzir conhecimento, até então, dado sob parâmetros 
epistemológicos distanciados das experiências das mulheres, e da 
compreensão do sistema sexo-gênero. Então, o paradigma 
feminista implica uma mudança radical e completa nas 
 
89 “Discurso competente é aquele que pode ser proferido, ouvido e aceito como verdadeiro e 
autorizado. É o discurso instituído que se confunde com a linguagem institucionalmente permitida 
ou autorizada, ou seja, como um discurso no qual os interlocutores já foram previamente 
reconhecidos como tendo direito de falar e ouvir. No qual os lugares e as circunstâncias já foram 
predeterminados para que seja permitido falar e ouvir. E, enfim, no qual o conteúdo e a forma já 
foram autorizados, segundo os cânones de sua própria competência. ” (CHAUÍ, 2007, p. 23). 
96 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
perspectivas de gênero, um transformar real, não apenas 
adicionando novas análises ao sistema falho. Assim, “adotar o 
ponto de vista feminista significa um giro epistemológico, que 
exige partir da realidade vivida pelas mulheres [...] dentro e fora 
do sistema de justiça criminal. ” (MENDES, 2014, p. 158). 
Todo o discurso criminológico, quando ignora mudanças 
paradigmáticas, que já são propostas na atualidade, é 
discriminatório e hierarquizante, e sua construção é dada por uma 
lógica sexista. Ou seja, toda a base do pensamento criminológico 
privilegia o homem, em todas as esferas que o campo alcança, com 
um discurso que, por mais que seja competente, oculta a mulher. A 
criminologia crítica adota o ponto de vista das classes 
marginalizadas, mas terminam por focar no ponto de vista dos 
homens das classes marginalizadas (FACIO, 1995). Todo o controle 
social, principalmente o informal, que é dirigido exclusivamente à 
mulher, repercute as repressões em todas as instâncias, a todos os 
níveis, incluindo os da vida sexual e afetiva. Logo, “a denúncia de 
que a criminologia, bem como o sistema de justiça criminal, são 
androcêntricos, postula uma tentativa de persuasão dos/as 
criminólogos/as de que o conhecimento será objetivo se pautado 
em uma epistemologia feminista” (MENDES, 2014, p. 163). 
Baratta expressou a necessidade da aplicação de um 
paradigma de gênero à criminologia como condição necessária 
para o sucesso da luta emancipatória da mulher; no entanto, tende 
a defender que só será possível a existência de uma criminologia 
feminista se esta estiver inserida na perspectiva da criminologia 
crítica (BARATTA, 1993). No entanto, as feministas defendem, 
como citado anteriormente, que a existência da possibilidade de 
buscar o conhecimento, de ser atualmente palpável uma nova 
história a partir da escuta das experiências das mulheres, afasta a 
possibilidade de inserir a criminologia feminista em outra 
existente, já construída com base em paradigmas extraídos do 
mundo masculino das ciências sociais, que redundam na negação 
da humanidade da mulher (MENDES, 2014). Salienta-se que a 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 97 
 
criminologia feminista não busca descartar toda a construção 
teórica da criminologia crítica, mas sim criar novos modelos, 
parâmetros e paradigmas que respondam a uma concepção de 
mundo que considere o papel da mulher interpretado por ela 
mesma. 
Portanto, a reformulação do sistema de justiça criminal é 
necessária e urgente, abrangendo não só o direito penal e a 
criminologia, mas o controle social formal e informal. A 
criminologia feminista pretende uma renovação, uma reforma do 
sistema, sem desconsiderar os fundamentos da criminologia crítica 
e, consequentemente, materialista, porém considerando-os como 
pontos dentro de uma nova ordem, e não como pontos de partida. 
Será possível compreender, no próximo capítulo, as interferências 
do sistema androcêntrico na vida das mulheres, sistema este que é 
falho e discriminatório, que encarcera mulheres sem considerar as 
suas condições e suas situações particulares. 
CAPÍTULO 3 
EL EXTREMO DEL ENCIERRO CAUTIVO 
 
DETENTAS 
A vida dá muitas voltas; 
Vida vazia sem sentido. Essa é a vida que vivemos. 
Não há vida na cadeia; há frio, mente vazia e aberta para o crime. 
Cadeia não regenera, apenas magoa no fundo da alma de uma detenta. 
Cadeia imunda, lugar que parece o inferno: habitado e azedo, lugar imundo. 
Assessoria das presas são ratos e baratas. 
Não temos direito de reclamar, pois somos detentas; nas noites frias estamos 
esquecidas pela sociedade. 
Lembra de nós senhor juiz! 
À noite, rezamos. 
Parece que Deus não pode passar pelas grades, pois aqui é um lugar de maldade. 
Não existe compaixão. 
Só há maldade. 
Só sobrevivem os fortes. 
Lembra de nós senhor juiz! 
Dá uma chance para nós detentas. 
Lembra de nós senhor juiz! 
Somos mães e vovós só mais uma chance. 
Só mais uma chance, senhor juiz! 
(L.J.W, 2015). 
 
4.1 A presa e a presidiária 
 
A sociedade patriarcal das relativas liberdades masculinas e 
da natural capacidade dos homens e das instituições, tanto para 
obrigar como para proibir as mulheres, conforma-as como presas, 
mesmo sem elas terem cometido delitos. A prisão, diferente de 
outras instituições de poder, exclui, cerca e isola os sujeitos que 
não internalizam o consenso de acordo com seu lugar na sociedade 
e na cultura, aos que atuam fora da norma. As mulheres estão 
presas, e diversas são suas prisões na sociedade e na cultura: 
apenas pelo fato de serem mulheres no mundo patriarcal, todas 
compartem da prisão de sua condição genérica. A prisão do sujeito 
consiste na impossibilidade de realizar seu desejo; é contradizer-se 
100 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
em seu próprio ser, de modo que a prisão de cada sujeito atende 
sua definição de poder, sendo que as mulheres vivem sua prisão 
pela opressão genérica combinada com outras determinações 
sociais e culturais que lhe dão vida (LAGARDE, 2005). 
A instituição dedicada à execução da pena de privação de 
liberdade é a última instância dos órgãos de controle, dentro dos 
aparatos do Estado, que sempre terão um caráter político, com as 
mesmas premissas ideológicas que revestem as instâncias formais 
e informais. A conformidade às normas sociais, ensinada pelas 
instâncias informais e reforçada pelos meios de comunicação, 
localiza-se no centro da prática da prisão, e a ela estão 
subordinados os demais objetivos da privação de liberdade. Ao se 
afirmar que a prisão significa falta de atuação das instâncias 
informais, está sendo feita uma especial referência ao fracasso da 
autoridade como figura atraente e valorativa. Logo, “a pessoa 
submetida ao cárcere é considerada como rebelde, indisciplinada e 
“perigosa” para a ordem social mantida por uma sociedade 
disciplinada” (BERGALLI, 2015, p. 138). 
As prisioneiras representam o grupo estereotipado; são 
elas que concretizam, social e individualmente, as prisões de todas. 
As prisioneiras vivem real e simbolicamente a realização do 
extremo cativeiro, desde as muralhas até as normas de cada prisão. 
Os delitos que conduzem à prisão, por mais diferentes que sejam, 
sintetizam a transgressão das normas gerais do mundo patriarcal e 
classista. Assim, as mulheres estão presas ao conteúdo essencial de 
suas vidas como esposas, mães, como putas, como santas, sempre 
dependentes vitais dos outros e de seu lugar específico nos 
sistemas e nas esferas da vida. A situação de cárcere submete a 
mulher a poderes que compulsoriamente organizam suas vidas 
para outros, apropriadas pela sociedade e pelacultura, pela 
mediação dos outros, do seu corpo e de sua subjetividade, de sua 
autonomia (LAGARDE, 2005). 
Dessa forma, as mulheres presas estão submetidas à prisão 
de maneira ampla. São mulheres cujas vidas, independentemente 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 101 
 
das suas posições, são definidas por seus delitos. Ocorre que a 
definição do delito é feita por instituições de poder (estatais e 
sociais) e por indivíduos envolvidos no delito e na coerção. Enfim, 
são as instituições que produzem o delito e, ao nomeá-lo, já 
segregam e selecionam, para identificar e sancionar. As mulheres, 
identificadas como executoras do delito ou como vítimas do delito 
formam parte de uma unidade política determinada pela relação 
entre gênero e delito, afastando a concepção de que existe uma 
determinação entre sexo e delito, visto que o delito não deriva da 
biologia e, sim, da sociedade e da cultura. Ou seja, as estatísticas de 
que as mulheres delinquem menos que os homens não é um fato 
relacionado especificamente à causalidade sexual, mas sim ao 
modo de vida doméstico, privado90, em que as relações vitais e o 
conjunto de compulsões as obrigam a ser boas e obedientes 
(LAGARDE, 2005). 
A subalternidade, a desigualdade, a discriminação e a 
dependência das mulheres, quer dizer, sua opressão genérica, 
concorrem em dois sentidos no delito, e se concretizam da seguinte 
forma: pela condição genérica, as mulheres são vítimas de delitos 
cometidos contra elas, seus interesses, seus bens, por homens ou 
por mulheres. Já se são as mulheres as que cometem os delitos na 
posição de delinquentes, passam as condições desiguais frente ao 
discurso legal, por seu desconhecimento e por enfrentarem 
discriminação e desigualdade nas parições de justiça sexista. Ainda, 
por serem mulheres não são escutadas com serenidade, não são 
aceitas suas palavras, nem serão válidas suas razões, e muito 
menos suas provas são aceitas ou utilizadas a seu favor. Pela 
 
90 “Ao contrário, a vida pública dos homens, suas relações de competição no mundo classista do 
trabalho e do dinheiro, reunido a seu caráter social de provedores dos outros, e à sua necessidade de 
acumular, de possuir e de apropriar-se, cerca-os ao âmbito do delito. A masculinidade patriarcal 
exige deles a agressividades, a força, e a violência, e conforma um contexto que favorece a realização 
do que nesta cultura se considera delito. A transgressão das normas confere aos homens um valor 
genérico, um êxito, um prestígio e uma categoria: virilidade. O grau de machismo se mede, em 
parte, pela capacidade de transgressão frente à norma, de tomar objetos de outros, e de vencer o 
medo da sanção e do castigo. ” (LAGARDE, 2005, p.645). 
102 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
conformação histórica, social e cultural, como seres vulneráveis, as 
mulheres carecem de mecanismos e formas de comportamento 
adequados para defesa nas instituições públicas, pois as mulheres 
perdem como delinquentes, quando consideradas culpadas, e 
perdem como vítimas, quando não são assistidas pela justiça 
(LAGARDE, 2005) 
Pelo decorrer de exclusão histórica das mulheres, elas 
desenvolveram níveis elevados de tolerância à opressão, de 
obediência a normas positivas e ao poder, à dependência vital e à 
sujeição, à feminilidade dominante agressiva, que limita quais as 
agressões e as manifestações não são consideradas delitivas. Ainda, 
as concepções dominantes encontram a loucura como espaço e 
fator explicativo do delito e o definem como uma agressão do 
indivíduo contra a sociedade (e também contra si mesmo). No 
entanto, é a agressão incontrolável da mulher aos outros que se 
caracteriza como patologia91, e que as caracteriza como antissociais 
que não cumprem normas. No entanto, além da relação conhecida 
entre delito e classe social, estão comprovadas a existência de 
relações completas entre o gênero, o tipo de delito e o papel das 
mulheres no fato delitivo; o que permite e controla as mulheres 
delinquentes e as mulheres vítimas (LAGARDE, 2005). Estar presa 
consiste em estar inserida em um aparato de disciplinas exaustivo 
em vários sentidos, que “se ocupa de todos os aspectos do 
indivíduo, de sua educação física, sua aptidão para trabalhar, o seu 
comportamento diário, sua atitude moral e suas disposições. A 
prisão não tem exterior nem vazio” (FOUCAULT, 2014, p. 238). 
Salienta-se que a prisão é parte do sistema penal, cuja 
primeira dimensão e imagem é a lei e as instituições formais de 
 
91 Cabe observar que a concepção patológica tem relevante peso, pois na ideologia dominante e, 
consequentemente, para o senso comum, a enfermidade explica todos os fenômenos: as 
transgressões, a dor e o sofrimento, as dificuldades para sobreviver e, inclusive, a agressividade e a 
destruição do outro, que são interpretados não apenas como incapacidades individuais para 
enfrentar a vida, mas também são interpretados e estudadas as origens e disfunções da saudade, que 
infelizmente podem ser banalizadas e ignorar o delito como feito social e não individual, ou seja, que 
o delito é um espaço social e culturalmente construído e não um erro (LAGARDE, 2005). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 103 
 
controle. O sistema percebe o sujeito como o outro. A lei e o saber, 
dotados da ideologia patriarcal e capitalista, municiam o sistema de 
um discurso que justifica e legitima a sua existência (ideologias 
legitimadoras), constituindo o senso comum punitivo reproduzido, 
por sua vez, pelo conjunto dos mecanismos de controle social. As 
funções oficialmente declaradas ou promessas legitimadoras do 
sistema penal são: a proteção de bens jurídicos que interessem 
igualmente a todos os cidadãos – o bem, para combater de forma 
eficaz a criminalidade, e o mal, a ser instrumentalizado pelas 
funções da penal (mito do direito igualitário). “O sistema penal não 
é funcional, caracteriza-se por uma eficácia meramente simbólica; 
o sistema cumpre, de modo latente92, outras funções declaradas 
por seu discurso oficial, que incidem negativamente na existência 
dos sujeitos e da sociedade” (ANDRADE, 2012, p. 135) 
A seletividade é a função real e a lógica estrutural do 
sistema penal, comum às sociedades patriarcais e capitalistas, e 
nada simboliza melhor a seletividade do sistema que o olhar à 
população carcerária. No entanto, existe, “sobretudo para controlar 
a hiperatividade do cara93 e manter a coisa no seu lugar (passivo) ” 
(ANDRADE, 2005, p. 86). A mesma lógica da seletividade é 
 
92 “A eficácia invertida significa, então, que a função latente e real do sistema penal não é de 
combater (reduzir e eliminar) a criminalidade, protegendo bens jurídicos universais e gerando 
segurança pública e jurídica, mas, ao invés disso, de construí-la seletiva e estigmatizante, e neste 
processo reproduzir, material e ideologicamente, as desigualdades e assimetrias socais (de classe, de 
gênero, de raça). ” (ANDRADE, 2012, p.136). 
93 “Existe uma expressão (absolutamente cara) na nossa cultura que é cotidianamente reproduzida e 
que emblematiza, magistralmente, a hiperatividade do sujeito masculino ou, como se queira, o 
machismo. O cara é aquele sujeito onipresente e onisciente do nosso imaginário, plantonista de 24 
horas, a quem recorremos para todas as demandas. Se eu vou contar uma história ativa, ela começa 
com um cara. O que estraga em casa, da telha ao vaso sanitário, tem que chamar um cara para 
consertar; o que estraga ou se necessita na rua, do pneu furado às compras para carregar, tem que 
chamar um cara, e esse não é apenas um pedido masculino feito por mulheres, mas por mulheres e 
homens. Agora, o cara é também o vilãotemido no mesmo plantão: se alguém tiver que entrar em 
nossa casa para roubar, se alguém tiver que colocar uma escada para subir na janela ou no telhado, 
será um cara. Se alguém houver que nos assaltar na rua, será um cara. O cara é, a um só tempo, 
exaltado e temido, ação e reação. Qual é o contraponto do cara? O contraponto do cara é 
precisamente a coisa: aquilo que não age ou aquilo do que não nos lembramos: me diz uma coisa? 
como é mesmo o nome daquela coisa? será que a dona coisa não vem? Ah, que coisa! ” (ANDRADE, 
2005, p. 86). 
104 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
demonstrada nos crimes de violência sexual, quando os holofotes 
são voltados para as pessoas envolvidas, e não sobre o fato-crime 
cometido (ANDRADE, 2005) A relação entre a grande quantidade 
de mulheres envolvidas como vítimas em casos de violência é uma 
mostra da opressão genérica, da desigualdade de homens e 
mulheres em fatos violentos. Os abusos também decorrem devido 
à desproteção e vulnerabilidade das mulheres frente aos homens, 
que se acentua ainda pelo fato de as mulheres não estarem/serem 
preparadas física e emocionalmente para brigar (LAGARDE, 2005). 
 A prisão,94 como parte do sistema penal, é também uma 
ação sobre o sujeito, porque representa espaço de vida. Assim, é o 
reflexo do campo criado pela sociedade para recluir as mulheres 
más com as suas semelhantes e separar o resto. O castigo da prisão 
não é desconhecido e alheio às mulheres, pois, genericamente 
cativas, tornam-se presas. A prisão concentra maldade, tem como 
fim converter boas mulheres em más mulheres, mediante o castigo 
e seu caráter violento. Os aspectos especificamente genéricos que 
são denunciados tornam o sistema mais opressivo para as 
mulheres, fato comprovado com a análise dos índices de homens e 
de mulheres no sistema carcerário, que intenciona preservar e 
defender a sociedade (pessoas do bem) do delinquente, 
principalmente dos danos possíveis de serem causados (LAGARDE, 
2005). 
Quanto à definição jurídica da prisão como castigo 
corporal, é evidente que a privação da liberdade corporal implica a 
total privação da liberdade relativa do sujeito. Não há nenhuma 
ação, atividade, trabalho ou repouso, nada que se faça na prisão é 
similar ao feito correspondente realizado fora dela. Ainda, a 
 
94 “A prisão como controle formal continua tratando a mulher a partir das expectativas sociais sobre 
seu papel tradicional e dos valores neles implícitos. Porém, ao mesmo tempo, fica claro que quando a 
mulher vai para a prisão, ali a espera um regime de disciplina tão duro como do homem. Isso quer 
dizer que a prisão funciona dentro do sistema ideológico que informa as demais instâncias e que, por 
ser o controle mais extremo, expressa de forma mais contundente a autoridade do estado, de modo 
que tanto mulheres como homens encarcerados sofrem uma mesma submissão à autoridade estatal, 
perdendo-se, pois, na prisão, a singularidade de seus papéis sociais.” (MIRALLES, 2015, p. 256). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 105 
 
privação da liberdade corporal impõe uma sequela de privações, 
como a ruptura física e a dificuldade de manter relações familiares; 
a exclusão do trabalho e das atividades prévias, assim como a 
ruptura com os círculos de relações e atividades que calcam a 
identidade de cada sujeito. A prisão não é apenas o castigo, está 
sempre acompanhada por outras penas, que, além de segregar 
fisicamente da sociedade, também segregam jurídica e 
politicamente (LAGARDE, 2005). 
Também as violências provêm da relação entre as 
mulheres em situação de cárcere, entre pares cativas e obrigadas a 
conviver de forma permanente, em reclusão. As mulheres se 
organizam hierarquicamente e consideram o poder advindo do 
prestígio delitivo de cada uma, passando pela capacidade 
econômica, tornando mais violenta ou mais invisível a prisão para 
determinadas mulheres. Toda a mulher espera em situação de 
cárcere, de forma diferente à que esperavam antes, mas esperam 
uma visita familiar ou conjugal em todas as oportunidades. As 
abandonadas transferem a espera ao conjunto administrativo, às 
companheiras, aos filhos. Reduzem seu mundo à prisão e 
continuam esperando, principalmente seus familiares, expressando 
a angústia de que os homens as deixem por outras. A ilusão de 
esperar sair e que o mundo seja igual (MIRALLES, 2015). 
Interessante apontar os dois delitos mais cometidos pela 
representação do cárcere feminino, que são o narcotráfico e o 
roubo. A imensa maioria das mulheres está em situação de cárcere 
pelo delito de tráfico, por serem esposas, mas, ainda mais 
frequente, amantes de traficantes. Sua relação conjugal, filial ou 
materna com os homens está na base da transgressão. São dois os 
tipos de mulheres ligadas às drogas: as que cometem o delito ao 
lado de seus homens e são detidas e apreendidas com eles e as 
mulheres pressionadas a cometer o delito pelo homem preso, 
amparadas principalmente pela visita conjugal, que representa 
uma das obrigações cumpridas aos presos. Nessa circunstância, as 
mulheres são corpo-objeto, cuja vagina serve de veículo para 
106 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
introduzir na cadeia drogas requeridas pelos presos, que estão 
proibidos de usá-las. Ainda, as mulheres cônjuges são corpo-objeto 
destinado ao uso erótico, permitido e incentivado aos presos 
semanalmente (LAGARDE, 2005). 
O outro delito identificado como majoritário é o roubo, que 
está associado ao trabalho. São mulheres que subtraem objetos que 
carecem para seguir certo estilo, uma vez que poucos roubos são 
por necessidade, mas para possuir objetos ligados à feminilidade 
para satisfazer exigências e ordens culturais às quais estão 
submetidas todas as mulheres. A mulher não rouba, a mulher se 
apropria de objetos que devem lhe pertencer de acordo com os 
estereótipos culturais e dominantes exigidos de todas, sem 
distinções de classe. Nos roubos de dinheiro em escritórios, 
comércios e bancos, a maioria das mulheres atua de acordo às 
ordens do cônjuge, que em troca de amor e companhia exige como 
prova de entrega, a apropriação de algo (LAGARDE, 2005). 
Os crimes referidos estão inter-relacionados à proteção da 
família patriarcal/capitalista, visto que o sistema penal não 
protege, em absoluto, a liberdade sexual feminina, que, por si 
mesma, é pervertida: a mulher que diz não quer dizer talvez; a que 
diz talvez, quer dizer sim; e a que diz sim, não é, em absoluto, uma 
mulher. Logo, “a nível micro, a proteção da moral sexual 
dominante está relacionada à família e, em nível macro, a função 
do sistema é manter estruturas, instituições e simbolismos, razão 
pela qual não pode representar-se como um aliado no 
fortalecimento da autonomia feminina” (ANDRADE, 2012, p. 136). 
Portanto, a inferiorização das mulheres e sua relação de 
subalternidade com os poderes faz com que muitas sejam 
conservadoras e sintam medo de transgredir as normas de 
inviolabilidade dos bens que estão sob sua custódia. Apesar disso, 
outros poderes conjugais ou paternos podem lograr a transgressão, 
invocando fidelidade, obediência e amor, e pago. Fraudes em 
escritórios e roubos em empresas têm sido o meio de pagamento 
de algumas mulheres aos seus exigentes amantes, esposos, pais, ou 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 107 
 
filhos, realizados pelo temor de perder o outro, por submissão e 
por obediência (LAGARDE, 2005). 
Na mesma perspectiva, a mídia contribui para a criação de 
sujeitos sociais ao difundir concepções de mundo e normas morais, 
que dão forma e configuram elementos importantes de identidade 
em cada particular. Junto a isso, soma-se a presença de uma 
vigilância policial assegurada pela visão de mundo difundida pela 
mídia. A imprensa contribui aorevelar e exaltar o oculto do delito 
que acusa e sanciona a partir da ética e da moral, expondo fatos 
através de uma dinâmica que, além de buscar naturalizar o ato, 
seja desejável. O padrão do conteúdo central de periódicos, muitos 
de grande circulação, vende grandes fotos de mulheres 
semidesnudas em poses eróticas, também de mortos com 
violência, violência policial e, geralmente, acontecimentos das 
aproximações. Ao associar todos os temas, desde crimes até a 
pornografia, é possível compreender o recorte criador de uma 
realidade que conforma receptores para determinada unidade 
psíquica, emocional. Em consequência, tem-se o erotismo 
expressado na ideia de que a mulher é objeto de possessão e 
domínio para o prazer do outro, com violência (LAGARDE, 2005). 
Portanto, nota-se que são vários os fatores que conformam 
as opressões das mulheres, e que constituem e identificam quais 
devem ser sujeitas ao cárcere. O patriarcado, como exposto, está 
inserido e remodelado pelo capitalismo, que utiliza a mídia e todas 
as formas para manter as opressões. Antes de escutar as vozes 
silenciadas das mulheres em situação de cárcere, apresenta-se a 
seguir dados da situação do cárcere feminino, a fim de oportunizar 
o encaixe de todo o exposto acerca da dominação e ineficácia do 
sistema de justiça penal. 
 
4.2 A situação da mulher no cárcere 
 
 Para melhor apresentar a ineficácia do sistema de justiça 
penal, soma-se ao dito anteriormente, quanto à condição 
108 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
encarcerada de toda e qualquer mulher, e à situação de presidiária 
de uma parcela estigmatizada, índices e estatísticas de 
encarceramento no Brasil e no estado do Rio Grand do Sul. O 
aumento dos índices de encarceramento feminino chama a 
atenção, pois também é reflexo do acesso da mulher ao espaço 
público, ao mercado de trabalho. O Brasil, na mesma linha norte-
americana, apresentou sequencialmente aumentos significativos da 
sua população carcerária durante as últimas décadas, e a 
consequente violação dos direitos humanos, fato que levou o país a 
ser denunciado, em 30 de dezembro de 2014, na Corte 
Interamericana de Direitos Humanos, tribunal vinculado à 
Organização dos Estados Americanos (OEA), que determinou uma 
série de medidas cautelares a serem aplicadas no Presídio Central 
de Porto Alegre. 
 A publicação recente de documentos oficiais como o 
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (DEPEN, 
2014), o Mapa do Encarceramento (Brasil, 2014) e o Mapa da 
Violência (Brasil, 2015) apontam as estimativas e os fatores 
impulsionadores do crescimento da população carcerária, 
principalmente de mulheres, que aumentou mais de 50% desde o 
ano 2000, conforme a fonte International Centre for Prison Studies 
(ICPS), que paralelamente aponta um aumento de 20% no mesmo 
período de homens inseridos à situação de cárcere. Quanto ao 
índice de mulheres em situação de prisão na América do Sul, o 
referido estudo aponta, a partir da taxa de reclusas por 100 mil 
habitantes, considerando a população nacional de cada país, 
valores estimados de 18.5% no Brasil, 18% no Chile, 17.1% na 
Colômbia e 16.4% na Bolívia. 
 Nesse sentido, dados do Ministério de Justiça (2014) 
revelaram que, entre os anos 2000 e 2014, a população carcerária 
feminina brasileira subiu de 5.601 para 37.380 presas, ou seja, um 
crescimento de 567%, enquanto que a taxa de encarceramento 
masculino foi de 119%. Ao comparar a população de mulheres 
reclusas no Brasil e no estado do Rio Grande do Sul, tem-se que 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 109 
 
1.716 mulheres estão reclusas a nível estadual, o que representa um 
total de 6% da população. Ainda, dados do mês de julho de 2015 do 
Departamento de Segurança e Execução Penal do Rio Grande do 
Sul (DESEP) mostram um total de 1.716 mulheres em situação de 
cárcere, representando uma maioria de reclusas jovens, 55,87% 
com 34 anos ou menos; com instrução escolar precária (analfabeta, 
alfabetizada ou ensino fundamental incompleto), totalizando 
61,23%. Quanto ao motivo pelo qual estão presas, 96,95% são 
acusadas e/ou condenadas por distintos delitos relacionados ao 
tráfico de drogas, com alto índice de reincidência, 52,50%. 
 A população carcerária estadual feminina foi objeto do 
Projeto de Pesquisa coordenado pela Profa. Dra. Renata Maria 
Dotta e apoiado pela FAPERGS (Fundação de Amparo à Pesquisa 
do Estado do Rio Grande do Sul), de edital PPSUS 2013-2015. A 
partir de bases de dados do Ministério da Justiça e da 
Superintendência dos Serviços Penitenciários do Rio Grande do 
Sul, somaram-se as coletas realizadas em parceria com a 
Universidade Federal do Ceará e Ministério da Saúde, contando 
com apoio de 10 estados brasileiros para compor o Inquérito 
Nacional de Saúde na População Penitenciária Feminina. Esse 
documento ainda não foi publicado, de forma que os dados 
apresentados a seguir fazem parte do Relatório Técnico Parcial dos 
Itens 8, 9, 10 e 11 da referida pesquisa. Em relação ao apoio 
matricial, trata-se de uma ação que consiste em um novo método 
de pensar e produzir saúde, com a intervenção de um processo de 
construção entre equipes de saúde. Salienta-se que este trabalho de 
conclusão não pretende e também não dispõe de espaço para 
discorrer sobre os objetivos gerais e específicos do referido projeto, 
nem dos resultados e dos alcances do apoio matricial em sua 
totalidade e especificidades. 
 Segundo o Relatório Técnico Parcial, a coleta de dados na 
PFMP ocorreu em novembro de 2014, incluindo entrevista 
semiestruturada com uma amostra de 72 mulheres presas, exames 
laboratoriais, exames físicos e exame odontológico. A Penitenciária 
110 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
abriga, na atualidade, 13% da população reclusa de mulheres no 
Rio Grande do Sul, com capacidade para receber um total de 239 
mulheres e com a função de custodiar presas provisórias e 
condenadas. A apreciação da coleta de dados permitiu a confecção 
de um Relatório Técnico, com as seguintes estatísticas: a maioria 
das reclusas é jovem (61,72% possui 34 anos ou menos), de 
nacionalidade brasileira (99,56%), de cor branca (63,91%), com 
instrução escolar precária (61,23% declarou ser analfabeta, 
alfabetizada ou possuir ensino fundamental incompleto), solteira 
(61,73%) e que está sendo acusada ou cumpre pena por tráfico de 
drogas (96,95%). Sendo que, entre as entrevistadas, a maioria 
(59,2%) afirmou ser reincidente e já ter passado por instituições 
prisionais, e 40,8% disseram se encontrar pela primeira vez em 
privação de liberdade (RELATÓRIO PARCIAL, 2016). 
 Ainda, em aspectos relativos a visitas, 50% das mulheres 
mencionaram receber visitas na prisão. Ao serem questionadas 
sobre quem são as pessoas que as visitam, 26,4% mencionaram as 
mães, 15,3% irmão ou irmã, 8,3% filhos e 5,6% companheiro ou 
companheira. Outro dado que chama atenção é que apesar de 
serem garantidos os direitos sexuais de mulheres privadas de 
liberdade, nenhuma recebe visita íntima na PFMP. Sobre a prática 
de relações sexuais durante sua permanência na instituição 
prisional, a maioria (76,1%) mencionou não ter relações sexuais. 
Quanto ao uso de substâncias psicoativas consideradas ilícitas 
antes do encarceramento, 70% das participantes referem usar 
crack todos os dias, 85,4% afirmam usar maconha diariamente e 
88,1% mencionam usar cocaína mais de uma vez por semana, 
números superiores ao uso de drogas feito pela população 
brasileira (RELATORIO PARCIAL, 2016). 
Os questionamentos sobre uso de tabaco, álcool e outras 
drogas apontam que 76,1% declararam ser tabagista; 46,5% 
disseram nunca ter ingerido bebida alcoólica; 
26,8% responderam consumir álcool mais de duas vezes por 
semana; 94,3% e 88,7% disseram nunca ter feito uso de ecstasy e 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 111LSD; 83,3% mencionaram tomar algum medicamento psicotrópico 
antes, e 79,2% afirmaram continuar utilizando estas medicações 
após o encarceramento (RELATÓRIO PARCIAL, 2016). 
Sobre as experiências e ocupações laborais, 
23,6% declararam não trabalhar antes de serem presas; 25% 
responderam trabalhar com serviços domésticos; 25% com 
prestação de serviços; 20,8% mencionaram ocupações mal 
especificadas/outra. Já em situação de cárcere, os dados que 18,3% 
das participantes afirmam exercer trabalho remunerado na prisão; 
93,1% responderam não praticar nenhum exercício físico ou 
prática esportiva; 53% declararam assistir televisão mais de seis 
horas por dia, como principal recurso de lazer acessível 
(RELATÓRIO PARCIAL, 2016). 
A partir dos dados citados e retirados do Relatório Técnico, 
itens 8, 9, 10 e 11, do projeto coordenado pela Profa. Dra. Renata 
Dotta, quer-se também apresentar a pesquisa de campo realizada 
na Penitenciária Modulada de Ijuí durante a confecção deste 
trabalho, para que seja possível um olhar à situação de cárcere das 
mulheres, e das estreitas situações particulares de cada uma, 
independentemente do local em que são privadas de liberdade. A 
PMEI está situada na Rua Tobias Barreto, s/nº, Bairro Luiz 
Fogliatto, na região noroeste do Estado e é atualmente dirigida pelo 
Sr. Jelson Vidal Tapia, na função desde 2015. A capacidade de 
engenharia da Penitenciária é de 466 pessoas, contudo, até a data 
de 22 de julho de 2016 se encontravam 593 pessoas em situação de 
cárcere, entre 30 mulheres e 563 homens. Os módulos obedecem 
às normas estabelecidas pela Superintendência dos Serviços 
Penitenciários (SUSEPE), relacionada à arquitetura das 
penitenciárias estaduais, ou seja, todas as penitenciárias são 
edificações similares. Cabe ressaltar que a estrutura foi realizada 
para o encarceramento masculino, tornando-se uma penitenciária 
112 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
adaptada95 a partir de 2010, quando se destinou parte (metade) das 
alas de dois módulos de vivência, que são oito no total, para as 
mulheres. As mulheres em situação de cárcere na PMEI 
encontram-se ainda mais privadas de circulação, pois devem 
ocupar apenas parte dos módulos de vivência das galerias 1A e 1B, 
que comportam 15 mulheres em cada galeria, com acesso ao pátio 
em dias e horários intercalados aos dos homens ali detidos, por 
aproximadamente duas horas diárias. Cada cela comporta, como 
regra geral, o total de quatro mulheres, e possuem dois beliches de 
concreto, com um colchão de espuma para cada cama. As celas 
possuem um cano para banho, uma pia adaptada e um vaso 
sanitário de chão, chamado de “boi”. 
A rotina da penitenciária é monótona e morosa, são poucos 
agentes e muitos detentos, as tardes são longas e silenciosas, há 
sempre movimentação de entrada e saída. São detentos 
transferidos de outras cidades para a PMEI. Quanto ao acesso das 
pessoas à penitenciária, há bastante rigor por parte da segurança, 
uma vez que é considerada uma penitenciária de segurança média, 
tendo critérios e todo um aparato diário de fiscalização a ser 
seguido. Todos/as devem ser devidamente identificados/as, os 
veículos autorizados passam por revistas todas as vezes que 
entram e saem; também há anotações de horários de circulação. Os 
dias de visita são divididos de acordo com os módulos e horários. 
 Como citado anteriormente, cada módulo de vivência 
possui duas galerias, identificadas como módulo de vivência um, 
dois e módulo apoio. Em cada módulo há duas galerias, divididas 
em lado A e B, e em cada uma delas estão detidos 
aproximadamente cem presos. As galerias são representadas por 
um detento eleito pelos outros detentos da galeria, com a função de 
repassar as necessidades mais urgentes aos agentes de plantão, já 
 
95 “Dentro deste sistema misto há de se ressaltar as pressões a que está submetida a mulher. Esta 
não pode pedir translado de andar, enquanto os homens podem, estando assim forçadas a conviver 
em um mesmo andar, a tolerar as intromissões das demais, ainda que não queiram. ” (MIRALLES, 
2015, p. 254). 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 113 
 
que o representante, conhecido pelos detentos como prefeito, tem 
a possibilidade de circular no corredor e perpassar pelas celas da 
galeria. No módulo restrito das mulheres, a rotina é a mesma, 
também possuem uma representante, que circula as informações, 
as necessidades e outras questões e fatores rotineiros. 
 Os dias de visita são intercalados com as galerias A e B, 
pois há um critério de separação pela SUSEPE. Então, as galerias A 
recebem visitas alternadas com as galerias B; assim, nas quartas-
feiras e sábados as visitas são destinadas às galerias A de todos os 
módulos, e nas quintas-feiras e domingos ficam com as galerias B. 
Nos dias de visitas, o acesso ao pátio e ao refeitório ficam liberados; 
ambos possuem câmera de monitoramento, é corriqueiro a 
presença de crianças e famílias. A visita íntima ocorre uma vez por 
semana e tem duração de meia hora ou mais, dependendo do fluxo 
de visitas de cada galeria; são destinadas quatro celas especiais em 
cada galeria. 
 A PMEI possui assistência social, psicológica, de saúde e 
jurídica. Ainda não há trabalho para as detentas, além dos afazeres 
para manter a estrutura funcionando, como limpeza, alimentação 
etc. Para os/as que ainda não terminaram o ensino médio, com 
vagas limitadas, há o Núcleo Estadual de Educação de Jovens e 
Adultos Jair Forin (NEEJAJF), situado dentro da PMEI, com aulas às 
segundas, terças e sextas-feiras. O NEEJAJF oferece certificação via 
exames fracionados ou globalizados, correspondente ao Ensino 
Fundamental e ao Ensino Médio, em que o educando é avaliado de 
acordo com os componentes que necessita para concluir o nível. A 
organização curricular do Núcleo busca ampliar e distribuir de 
forma equitativa a carga horária das disciplinas, em cada área do 
conhecimento. A matriz curricular considera a distribuição do 
tempo de modo a garantir a oferta de formação geral e 
diversificada. 
O programa desenvolvido segue uma metodologia 
específica, atendendo os princípios norteadores do Projeto Político 
Pedagógico, organizando os tempos e espaços de acordo com as 
114 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
possibilidades da instituição. É importante mencionar que a escola 
possui 82 alunos. Desses alunos, 14 são mulheres. As práticas 
delituosas variam muito: são alunos que cumprem pena por tráfico 
de drogas, homicídio, assaltos. No que se refere às mulheres, 12 
estão presas por tráfico de drogas e duas por homicídio. A faixa 
etária dos alunos varia muito: de 20 a 50 anos de idade, em média. 
Na próxima seção, serão apresentadas as histórias de seis 
mulheres que se disponibilizaram a conversar, contar suas 
experiências e os motivos que as conduziram à situação de cárcere. 
O objetivo de escutar essas mulheres é apenas um: conhecê-las e 
escutá-las sem pré-conceitos ou prévio estudo sobre seus processos 
e sobre seus crimes, para que seja possível, a partir de todo o 
conteúdo já exposto, inter-relacionar a condição do ser mulher e as 
situações de cada uma ao extremo do encierre cautivo, que é o 
sistema carcerário. 
 
4.3 Um eco das vozes silenciadas 
 
 As mulheres em situação de cárcere ficam fechadas em 
suas celas e não têm o menor contato com funcionários, têm pouco 
contato entre elas e poucos tipos de distração. Neste regime, 
baseado nas premissas de contenção e disciplina de ferro, estão as 
mulheres, isoladas dentro de uma penitenciária construída para o 
público masculino e, posteriormente, adaptada, dando origem à ala 
feminina da Penitenciária Modulada Estadual Ijuí (PMEI). 
 A mulher, quando autora de crimes, é punida 
rigorosamente, pois, quando realiza uma mesmaatividade 
criminosa que o homem, submete-se à condenação, à pena de 
reclusão, já que quando ambos são condenados, a mulher recebe 
uma pena de prisão maior, uma vez que a dissidência feminina 
supõe, acima de tudo, um ataque à moral da sociedade 
(MIRALLES, 2015). A explicação da criminalidade da mulher ocorre 
desde as concepções clássicas da criminologia até sua nova 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 115 
 
abordagem, que investe no controle social, como exposto 
anteriormente. 
 Dar a voz às detentas é necessário para conhecer a 
realidade do sistema judiciário criminal e, ao mesmo tempo, 
conhecer os sentimentos e as perdas que ali ocorrem, as 
resignações das vidas de cada uma, as formas como encaram seus 
dias cinzas, suas dores e suas pretensões. O objetivo desta seção é 
buscar uma reflexão acerca da situação da mulher no cárcere 
através de suas próprias percepções e de seus próprios motivos, ou 
seja, pretende-se expor as relações entre todo o disposto até o 
momento com as vozes de quem verdadeiramente está submetida 
à privação de liberdade, que, como já se ressaltou, trata-se de um 
eufemismo. 
 A presente pesquisa não se determinou por dados 
quantitativos e qualitativos e, sim, pretendeu uma conversa com as 
detentas, com quantas fosse permitido, sem conhecer seus 
históricos ou suas fichas criminais previamente. A intensão era 
conhecer a outra não pelo olhar do sistema penitenciário e, sim, a 
partir de toda a construção exposta no presente trabalho. Entender 
a condição do ser mulher, entender o sistema como patriarcal, e, 
finalmente, compreender a estigmatização e a perseguição das 
mulheres postas em situação de cárcere, para então identificar 
nessas conversas quais as relações entre a construção da sociedade 
e a realidade da condição e situação de vida de cada uma dessas 
mulheres. 
 As entrevistas foram realizadas na PMEI, no dia 22 de julho 
de 2016. Utilizou-se da técnica de pesquisa com entrevistas 
semiestruturadas, modelo mais espontâneo e que permite, a partir 
de um conjunto de questões pré-definidas, fazer novas 
interferências conforme o desenvolver da entrevista. Seis mulheres 
se disponibilizaram a falar, a contar um pouco de suas vidas, que, 
de maneira sigilosa, serão relatadas a seguir, com o intuito de 
identificar nos discursos de cada uma a abrangência do sistema 
patriarcal e as inter-relações com o discurso criminológico. 
116 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
 Os pontos que nortearam as entrevistas são os seguintes: 1) 
Especificidades: gênero, idade, cor e filhos; 2) Processo: possuem 
conhecimento da situação processual e do motivo exato que as 
levaram à situação de cárcere?; 3) Antes do fato, quais eram seus 
objetivos e, superando a situação atual, quais são as suas 
expectativas futuras de vida; 4) Relação com o trabalho antes do 
cárcere; 5) Ambiente familiar: formação do núcleo familiar, 
existência de violência entre membros da família, abuso sexual e 
psicológico, contato posterior ao encarceramento; 6) Maternidade 
e a convivência familiar; 7) Quais os estímulos relacionados com 
seu envolvimento no crime (homens?); 8) Quais as situações de 
violência que já enfrentaram (prostituição, estupro, violência 
doméstica, aborto, maternidade compulsória); 9) Situação de 
cárcere: condições psicológicas e físicas e 10) Condição de saúde 
antes e depois do ingresso ao cárcere, a relação com as drogas. 
 Reitera-se que, por tratar-se de método semiestruturado, 
não houve uma sequência de perguntas nem de respostas, e que 
todos os nomes utilizados são fictícios. Ainda, cabe ressaltar que a 
presente pesquisa não pretendeu analisar os processos judiciais de 
cada uma, muito menos comparar os fatos contados nesses 
momentos de conversa com os fatos processuais, uma vez que a 
pretensão única é compreender o papel social da mulher, as 
situações particulares de cada uma e a inter-relação com seus 
discursos e o pensamento criminológico. 
 
Ana 
 
Ana é natural da cidade de Passo Fundo/RS, é branca e tem 
42 anos. É mãe de seis filhos, entre homens e mulheres, advindos 
de distintos relacionamentos. Está condenada pelos crimes de 
tráfico de drogas e associação criminosa; diz serem uns dez anos 
de pena. 
É órfã de mãe desde os oitos anos e tem sete irmãos, entre 
homens e mulheres. Quando da morte da mãe, o pai entregou os 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 117 
 
filhos/as para outras famílias, ficando apenas com a filha mais 
velha, que na época tinha 11 anos, sendo que três anos depois foi 
abusada pelo pai, que a engravidou. Ana denunciou o pai, que 
prometeu matá-la. Sempre esteve em famílias diferentes, buscava 
constantemente encontrar os irmãos e, por isso, não conseguia 
criar vínculos com as famílias adotivas. Ainda mantém contato 
com uma das irmãs, que vive em Passo Fundo; os demais foram 
adotados por famílias diversas. Comenta que fez contato há um 
tempo, pelas redes sociais, com dois irmãos que vivem hoje na 
Itália. 
Aos 14 anos conheceu um dos pais de seus filhos em uma 
casa de prostituição, na cidade de Passo Fundo/RS, uma vez que ali 
trabalhava todas as noites. Era como uma boate e ela recebia a 
comissão das bebidas dos seus clientes. Era permitido que as 
mulheres dormissem lá, fato que a condicionou a permanecer mais 
tempo na situação de prostituição, pois já não tinha quem a 
acolhesse. Dois anos depois, engravidou da primeira filha, que hoje 
também está presa por tráfico de drogas. Na época, o proprietário 
da boate solicitou que ela fosse embora, pois não servia mais para a 
prostituição. Assim, Ana foi morar com uma amiga que conheceu 
na mesma boate e, depois que teve a filha, voltou a trabalhar lá por 
um tempo. 
Em meados de 1993 foi morar em Cruz Alta/RS e não 
encontrou emprego. O pai da sua filha desapareceu e ela 
necessitava com urgência um local para morar. Dessa forma, foi 
indicada a uma casa de prostituição, que permitia apenas que ela 
ficasse lá, não a filha, que ficava com uma cuidadora durante os 
dias de semana; nos fins de semana, Ana a buscava. 
Permaneceu nessa casa de prostituição por alguns anos, até 
o momento em que conheceu um médico da cidade, que 
frequentava o local e fazia uso da prostituição. Tinha 19 anos na 
época, e ele contava com 65 anos. Por inúmeras vezes foi à casa 
dele, que prometia novas oportunidades, pretendendo tirá-la da 
casa de prostituição. Contudo, em uma das noites nas quais estava 
118 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
lá ele a levou a um quarto e abriu um grande armário, onde havia 
mais de 50 armas e, então, sob ameaça de morte, dizia para ela que 
era seu dono e se negava a usar preservativo. Posteriormente, 
assustada, deixou de vê-lo, mas, alguns meses depois, descobriu 
que estava grávida dele. Desse relacionamento nasceu seu segundo 
filho; após sete anos de tramites, conseguiu realizar o teste de 
DNA, obtendo o reconhecimento da paternidade e pagamento de 
pensão ao filho até os 21 anos, sendo que no momento ele se 
encontra preso, também por tráfico de drogas. 
Após três anos morando em Cruz Alta, mudou-se para a 
cidade de Ijuí/RS, fato que decorreu do início de um novo 
relacionamento e do nascimento de mais um filho. Sem encontrar 
trabalho, pois muitos requeriam experiência, acabou submetida 
novamente à prostituição por mais alguns anos. Logo depois, abriu 
um bar, que, na verdade, era uma casa de prostituição, que abria à 
tarde e fechava por volta da 1h. Ali estavam duas mulheres em 
situação de prostituição, que dividiam os lucros com Ana. Nessa 
época, deixava os filhos com uma amiga em um dos bairros da 
cidade, pegando-os todos os fins de semana. 
Engravidou novamente do mesmo homem e largou o bar, 
momento em que retomaram o relacionamento, que estava 
desgastado. Ana afirma que ele era muito agressivo e tambémera 
usuário de drogas e, por diversas vezes, prometeu que largaria as 
drogas e que trabalharia. Entre idas e vindas com o companheiro, 
engravidou do quinto filho e passou a trabalhar com lanches, mas 
seguiu se prostituindo quando era necessário, ou seja, quando o 
companheiro se envolvia com drogas e não a ajudava a suprir as 
necessidades das crianças, principalmente quando estavam 
doentes. 
Sobre o companheiro, diz que quando não estava sob efeito 
das drogas era trabalhador e ajudava nas despesas e na educação 
dos filhos, mas eram sempre períodos curtos, visto que terminava 
não resistindo às drogas. Seguiu nesse ciclo de violência por 
acreditar que ele mudaria e por amá-lo muito, era a única pessoa 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 119 
 
que ela tinha. Incontáveis vezes ele chegava embriagado em casa, e 
também tinha contato com mulheres aidéticas, o que a levou a 
descobrir que estava com sífilis, realizando tratamentos no mesmo 
período em que iniciou seu envolvimento com a Igreja. Passado um 
tempo, retornou ao médico, que disse que ela inexplicavelmente 
estava curada; ela acredita que tenha sido um milagre da Igreja. 
Alguns anos depois, o companheiro novamente se envolveu 
com drogas, momento em que Ana não pensou duas vezes e 
vendeu o carro, que estava no nome dele. Era o único bem que 
possuíam, e ela já tinha seis filhos. Com medo de que o vendesse 
para comprar drogas, pegou o dinheiro da venda e investiu em 
máquinas de sorvete instantâneo e milk shake, alugando também 
uma peça no centro da cidade para comercializar os produtos que 
produzia e os lanches. Pouco tempo depois, após uma grande 
briga, o companheiro foi para o estado do Mato Grosso morar com 
um irmão; ocorre que lá foi baleado e teve o pulmão perfurado. 
Ana, ao ser informada do fato, foi até lá para cuidá-lo, sob todas as 
juras de amor e de mudança que ele tinha novamente feito; 
retornaram juntos à cidade de Ijuí. 
Pouco tempo depois, o companheiro voltou a usar drogas e 
se afastou da casa, ficava na rua em más companhias, o que 
desencadeou uma briga com um moto-táxi, pela qual ele terminou 
preso. Atualmente, está detido no Instituto Penitenciário de Ijuí, 
conhecido como albergue, local ao qual ela não quer ir, pois 
admitiu ter medo dele. Quando o companheiro já estava preso, Ana 
teve um problema com as máquinas de sorvete e necessitava 
consertá-las urgentemente, uma vez que morava sozinha com os 
filhos mais novos e era essa sua única fonte de renda. O valor do 
conserto era de R$ 150,00. Quando seu compadre ficou sabendo 
que necessitava de ajuda, ofereceu o valor aproximado para que ela 
fosse buscar crack na cidade de Passo Fundo. 
Ana pensou muito na oferta, não sabia como agir, mas era 
tão urgente e necessário que aceitou. Na primeira ida, trouxe 
aproximadamente 200/300g da droga e, posteriormente, o 
120 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
compadre seguiu oferecendo o mesmo serviço; tentada, passou a 
aceitar. Com o passar do tempo e das idas e vindas, nas quais 
aproveitava para visitar a irmã, passou a pegar a mais do que o 
compadre solicitava e iniciou seu próprio comércio no bairro em 
que residia. Passados seis a oito meses, juntou aproximadamente 
onze mil reais e pretendia buscar para o próximo carnaval um 
quilo próprio da droga. Sequencialmente, foi a Passo Fundo e, ao 
retornar para a cidade de Ijuí, encontrou a polícia na porta de sua 
casa, que a aguardava. Ela acredita ter sido denunciada pela 
vizinha, também traficante. 
Ana toma remédios na prisão para o humor. Está detida no 
módulo de apoio da penitenciária, uma vez que trabalha na 
limpeza do módulo administrativo. Por estar no apoio, consegue 
cozinhar com mais facilidade, produzindo rapaduras para vender 
nos dias de visita, conseguindo juntar dinheiro e enviar para os 
filhos pelas mãos visitas das outras detentas que conhece, já que 
não costuma receber visitas. Quando foi presa, as pessoas se 
afastaram, ninguém leva os filhos dela para visitá-la. Há tempo não 
vê as crianças. Conta os dias para sair da prisão, afirmou muitas 
vezes que tem medo de ir para o albergue, mas que sonha em levar 
uma vida diferente quando sair, que quer estudar, fazer um curso 
de técnico em enfermagem, pois sabe que tem como fazer de graça 
e que também gosta de cuidar das pessoas. 
“Ah, eu era bem louca na época, não sabia muito da vida. Gostava 
muito dele, ele era tudo, sempre fui muito sozinha, então ele me 
ajudava”. 
“Eu nunca gostei do meu pai, ele era ruim para mim e para os meus 
irmãos, a gente tinha que se virar em tudo. Quando fiquei sabendo 
que ele engravidou a minha irmã não pensei duas vezes em ir à 
polícia, ela sofreu muito tendo que ficar lá com ele. Ele jurou me 
matar, mas não me preocupei com isso”. 
“Não conseguia ficar muito num lugar só, tinha saudade dos meus 
irmãos. Ficava um tempo na casa de uma família, mas assim que 
descobria onde eles estavam eu ia atrás. Era difícil, mas eu tive 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 121 
 
oportunidades de estudar, mas não me preocupava com isso, só em 
encontrar eles”. 
“Teve uma professora em Passo Fundo, ela foi muito boa para mim. 
Quando eu ia para Passo Fundo eu a visitava, sempre me recebeu 
bem, acho que foi o mais próximo que tive de uma família”. 
“Ah, eu fui atrás dele, o irmão me ligou, ele também falou comigo, 
pensei que depois do tiro ele ia mudar, estava assustado. Mas, não, 
sabe como é, a gente que é mulher pensa que vão mudar. Não sei, 
hoje já não faria mais”. 
“Pobre do mais novo, olho para ele e penso quando cogitei abortar, 
sei não, que teria sido melhor. Mas, a gente é mãe tem que cuidar e 
amar os filhos”. 
“Assim que eu vi que ele andava alterado, usando droga, peguei o 
carro e vendi, ele ficou muito brabo, mas era a única coisa que nós 
tínhamos, não pensei duas vezes”. 
“Teve vezes que me prostitui grávida sim, precisava comprar as 
coisas, dar de comer para os outros, não era fácil não, nunca foi”. 
“Eu estava desesperada, ele estava preso, eu estava sem dinheiro, a 
máquina estragada. Estava fazendo lanche para vender fora de 
casa, mas não alcançava, uma das crianças estava doente, não tinha 
o que fazer. No momento que ele me ofereceu eu não aceitei, pensei 
muito, mas ver as crianças ali, eu acabei indo”. 
“Com o quilo eu ia mudar de vida, fazer um dinheiro bom, guardei 
tudo que podia pelo menos esse quilo está pago, caso contrário não 
sei que seria dos meus que estão fora daqui”. 
“Tempo aqui demora muito para passar, mas eu vou sair sim, vou 
conseguir alguma coisa quando sair daqui para estudar”. 
 
Bruna 
 
Bruna é natural de Ijuí/RS, é branca e tem 19 anos, mãe de 
uma menina de 1 ano e 5 meses. Atualmente, está separada e a 
filha está com a avó paterna, tem visita assistida uma vez ao mês. 
122 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
Está aguardando o julgamento por feminicídio, é acusada de matar 
a mãe e o irmão junto com o seu ex-companheiro. 
Introvertida, não falou praticamente nada, afirma ter uma 
relação difícil com as detentas, razão pela qual é submetida a 
tratamento psiquiátrico, com altas doses de medicação. É mantida 
em cela especial, com seguro de vida. Não sabe os nomes dos 
medicamentos. Quanto ao crime, realizado na época com o 
companheiro, não respondeu às perguntas e também não deu 
abertura para conversas, no entanto, em nenhum momento 
afirmou ter sido induzida pelo companheiro, mas também não 
assume a ideia como sua. 
Em setembro de 2015 o casal procurou a polícia e 
confessou o crime, que foi o homicídio da mãe de Bruna, de 43 
anos, e de seu irmão, de dez anos. O crime ocorreu na casa da 
vítima, que estava sozinha com o filho. Os pais estavam separados 
há um tempo, sendo que não tinha muito contato com a família. O 
companheiro foi ofendido pela sogra e por isso, se descontroloue 
atingiu-a com uma faca e, logo depois, atingiu o irmão da vítima, 
que gritava pela morte da mãe. Bruna não buscou socorro, afirmou 
ter ficado em estado de choque e sem reação frente à situação. 
Antes do ocorrido estava procurando emprego, já tinha 
saído de casa e vivia com o companheiro, tinham uma boa relação 
e no momento da gravidez não pensou em abortar, também teve 
apoio dos pais. Não está mais com o companheiro, se afastaram e 
ele também foi preso, não conversaram mais. 
“Eu até sei o motivo, mas eu nunca vou falar para ninguém”. 
“A gente estava junto há um tempo sim, quando eu engravidei a 
família apoiou, não tinha muito que fazer, já estávamos morando 
juntos”. 
“Eles (os pais) me controlavam bastante sim e discutiam muito”. 
“Sinto falta da minha filha, agora está com a avó, mas queria estar 
perto dela”. 
“Gostava dele sim”. 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 123 
 
“Eu queria trabalhar, estava procurando emprego, agora aqui vou 
estudar, diz que temos esse direito”. 
“Eu estou sozinha numa cela, não posso conviver com as outras, 
elas já sabem porque estou aqui e não aceitam, mas prefiro estar 
sozinha”. 
 
Carla 
 
Carla é natural de Santo Ângelo/RS, é branca, tem 40 anos, 
mãe de cinco filhos. Está condenada por tráfico de drogas e 
associação criminosa. Teve dois casamentos. No primeiro, que 
durou 14 anos, teve três filhos e o marido a aliciava para 
prostituição. Contou que se prostituía pois ele dizia que era uma 
forma de ganhar dinheiro para eles, mas que era ele que ficava 
com os ganhos dela. Já no segundo casamento, afirmou que foi 
feliz, que ficaram como dez/doze anos juntos, que ele tinha 
condições de ajudá-la, tiveram dois filhos, era bom pai. Ocorre que 
foi preso em 2012, quando gastaram todo o dinheiro que tinham, o 
que a levou novamente à situação de prostituição para manter os 
filhos, e que o marido nem sonhava com isso, mas que ela não 
tinha vergonha e precisava comprar comida. 
Três dos seus filhos estão no lar e dois com a família dela. 
O marido foi preso por homicídio, se envolveu numa briga no 
bairro, quis ajudar uma vizinha e a filha – se envolveu demais 
segundo Carla. Ela foi detida quando estava na fila para fazer a 
visita, em um sábado, em abril deste ano. O marido foi para o 
albergue e lá foi morto com um tiro, diz sentir muito a morte dele, 
que foi muito injusta e que ninguém fez nada. Também diz que 
não quer ir para o albergue. 
Carla não costumava fazer visitas aos sábados, no entanto, 
tinha ganhado sua última filha há dez dias e queria levá-la para 
conhecer o pai. Antes da ida, uns dois dias antes, uma conhecida, 
também com o marido preso, soube que ela iria para a visita e 
pediu um favor, já que elas se ajudavam como esposas de presos. O 
124 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
pedido foi para levar comida para o marido, que ela enviaria por 
motoboy; Carla aceitou. Ocorre que, no caminho da casa da 
conhecida até a casa de Carla a polícia abordou o motoboy, que 
disse que a droga era da entrega e não dele e entregou os 
endereços das mulheres e também foi processado, visto que o 
advogado dele a procurou para que ela dissesse que a droga era 
dela, tentou pressioná-la. 
No sábado, Carla foi ao presídio para visitar o marido. 
Fazia dez dias que estava de alta, tinha ganhado a filha de cesárea, 
sentia dor, afirmou ter se arrependido de ir, já que não costumava 
ir aos sábados. Na fila, com a criança no colo, foi dada voz de 
prisão para ela. Assustada, deixou a filha no bar em frente ao 
presídio, que é conhecido de todas as famílias que frequentam a 
penitenciária para visitas. Deixou lá criança com a dona e o 
número da irmã, que posteriormente foi buscá-la. Tanto Carla 
como a conhecida que pediu o favor estão presas pelo mesmo 
motivo. Pelas contas, ela acredita ter uns dez anos de pena, mas 
que não consegue muito acesso ao processo. 
Não recebe visitas. Tem os pais vivos, mas prefere que eles 
não a visitem. Não fala muito da família, apenas que o ambiente da 
penitenciária é horrível e com o tempo ninguém mais insistiu nas 
visitas, faz tempo que não vê os filhos, sento falta e fala muito de 
uma das filhas, estuprada aos treze anos pelo sobrinho do segundo 
marido, em um passeio. A filha nunca superou o fato, o sobrinho 
foi preso, mas ela nunca mais conseguiu levar a filha para a escola 
e diz que queria muito estar perto, que foi muito triste, ela não 
estava no passeio e sentia muita dor por isso. 
Conta os dias para sua saída, já que está lá de forma 
injusta. Diz que quer sair, voltar a trabalhar, qualquer coisa, mas 
quer estar perto dos filhos. O convívio é muito difícil, cada uma 
que está lá tem os seus problemas. Tem dias que nem vai ao pátio, 
prefere ficar só. Está cansada e sabe que tem tempo ainda para 
cumprir. Quando sair, vai correndo buscar os filhos, quer arrumar 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 125 
 
trabalho, se ajeitar, vai sentir falta do marido, mas quando pensa 
nos filhos sabe que são dores possíveis de superar. 
“Eu não devia estar aqui não, isso é muito injusto. Aquela droga 
não era minha”. 
“Eu me senti muito mal, eu sentia dor, estava com a filha de dez 
dias no colo quando fui presa na fila da visita, não tinha aonde 
deixar ela, eles não pensam na gente”. 
“Eu nunca tive vergonha, se precisei me prostituir precisava do 
dinheiro, mas não é bom não, é dolorido, é por necessidade”. 
“Ela foi estuprada pelo sobrinho dele, a gente não sabia de nada, foi 
dolorido, meu marido ficou muito brabo, todos ficamos. O guri foi 
preso, mas ela ainda não se recuperou, queria estar perto dela”. 
“Quero sair daqui, cuidar meus filhos, trabalhar, eu se precisar 
catar papelão vou catar”. 
“Ele (último marido) era bom para mim, cuidava da família, 
quando aconteceu o estupro não acreditava, ele ficou muito triste, 
todos nós”. 
“Sinto falta dos meus filhos, não sei se esses processos estão certo, 
tem dias que é difícil conseguir alguma informação”. 
“Aqui é difícil”. 
 
Denise 
 
 Denise é natural de Ibirubá/RS, tem 44 anos, é branca e 
não tem filhos, teve um aborto espontâneo. Licenciada em Artes, 
dava aula em uma escola do município e também no estado. Está 
condenada por tráfico de drogas e associação ao tráfico de 
entorpecentes; a pena é de 14 anos. Possui uma união consensual 
com J.P. há mais de quatro anos; ele também se encontra preso, na 
mesma penitenciária e pelos mesmos motivos. 
No final de setembro de 2014, Denise fez o que sempre 
consumava fazer: buscou seu companheiro na parada de ônibus, 
pois ele trabalhava como mestre de obras em outra cidade durante 
a semana. Ambos residiam em Ibirubá e passavam o fim de 
126 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
semana juntos. J.P. tem um filho de um relacionamento anterior, 
que também costumava passar o final de semana com o casal, um 
menino de 15 ou 16 anos, usuário de drogas, que já tinha se 
envolvido com tráfico e que nos últimos meses estava morando 
com o casal. Nos finais de semana, a casa sempre estava 
movimentada, muitas pessoas entrando e saindo, eram conhecidos 
do menino e de J.P. Quando isso ocorria, ela costumava esconder-
se, alegando ficar com medo. Mas, na ocasião citada anteriormente, 
Denise não foi sozinha buscar J.P, pediu a um amigo para 
acompanhá-la, já que não possuía carteira de habilitação e não 
queria deixar o carro sozinho. Porém, ao chegarem em casa foram 
surpreendidos com a presença da polícia. 
Denise ficou muito assustada, não sabia o que acontecia, 
desconfiava que estivessem metidos com drogas. Já em outra 
ocasião o filho de J.P fora levado à FASE-Passo Fundo/RS para 
cumprir medida e afirmava ter sido por drogas. Desde aí, Denise 
havia ficado mais cuidadosa e falado com J.P. para ele não se meter 
nisso. Logo que chegou, encontrou a delegada, que conhecia da 
escola,pois eram típicas nas escolas as palestras e conversas sobre 
drogas e violência. Sentiu-se envergonhada. Logo que chegou 
pediu para ir ao banheiro, pois recém chegava de uma espera na 
rua. Ao entrar, uma das agentes da polícia solicitou que abrisse a 
porta e ela imediatamente o fez, mas, ao puxar a descarga, um 
pacote de drogas caiu no vaso sanitário. Denise acredita que estava 
escondido, mas a policial afirmou que ela carregava na vagina o 
pacote de cocaína. No entanto, afirma reiteradamente que isso não 
é verdade, que nem exames fizeram, só pediram que fizesse 
agachamentos, que ela estava machucada, mas nada adiantou e a 
levaram. Ela acredita ter sido denúncia dos vizinhos. 
Quando ela saiu do banheiro, o filho de J.P assumiu que a 
droga era dele, que tinha escondido, e foi levado à FASE, mas já 
está solto. No momento foi tudo conturbado, ela não sabia como 
agir, não acreditava que estava acontecendo. Sente falta da escola e 
da rotina, a família visita pouco, é como se não tivesse 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 127 
 
relacionamentos e amizades antes da cadeia, ninguém aparece e 
isso é comum com todas. Gostava de J.P, antes de conhecê-lo vivia 
sozinha, mas não imaginou que terminaria assim. Estão na mesma 
penitenciária e se visitam, acredita que não adianta mais brigar e 
sim estarem unidos, que ela como mulher tem que apaziguar as 
coisas. 
Tem acesso a informações processuais, mas continua com 
algumas dúvidas. A convivência com as mulheres é difícil, não tem 
trabalho e ela não pode estudar, por já ser graduada. Reclama da 
ociosidade, quer atividades para a remissão. Afirma que toma 
medicamentos, que é bem tratada dentro daquela realidade, que 
quer sair de lá, e que não sabe como vai ser para voltar a dar aulas. 
“Olha nego se te pegarem vão me levar junto, tu tem que cuidar o 
que faz”. 
“Não tem como ficar de mal com ele né, a gente está aqui, na 
mesma situação, que eu vou fazer, pelo menos vejo ele”. 
“Eu era bem sozinha até conhecer o nego, a gente se dava bem”. 
“Eu não pude falar, não me deixaram, aquela droga não estava em 
mim, nem deixaram fazer exame”. 
“Eu desconfiava e depois até sabia, mas sempre conversava, pedia 
para parar, ele ia parar, mas aconteceu tudo isso antes”. 
“Ah, tem dias que sente culpa por eu estar aqui, mas falo para ele 
que de nada adianta, estamos juntos aqui, um dia termina”. 
“É difícil, não tem trabalho, eu não posso estudar, já sou graduada, 
mas queria ir à escola, qualquer coisa”. 
“Vou ao pátio tomar um sol, tomar um mate com as outras 
mulheres, tem dias que dá umas discussões, todas são sofridas”. 
 
Érica 
 
Érica é natural de Ijuí/RS, tem 73 anos, é branca e mãe de 
dois filhos. É viúva há 18 anos e acredita estar presa por causa dos 
filhos. Estudou até a 4a série do ensino fundamental, pois moraram 
muitos anos no interior, na colônia, e trabalhava arduamente com 
128 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
a lida do campo. Veio para a cidade quando o filho mais velho tinha 
sete anos. Atualmente, ele está com 44 anos e o segundo com 41 
anos. Está condenada por tráfico de drogas e associação criminosa, 
cumpre pena de 13 anos. 
 No bairro onde moravam tinham uma venda, uma oficina 
e duas casas, uma coisa ao lado da outra, todos os imóveis eram de 
propriedade deles. Érica confessa que o filho mais novo era usuário 
de drogas desde os 12 anos e que nos últimos meses estava 
fumando pedra. Todo o dinheiro que ganhava na venda tinha que 
esconder, algumas vezes ao deitar-se escondia nas suas roupas 
íntimas junto a seu corpo, com medo que o filho achasse e levasse 
todo dinheiro, como já havia feito em outras ocasiões. Estava 
falindo, mal conseguia manter a venda, o filho pegava o que 
conseguia de dinheiro e as mercadorias. O filho mais velho a 
ajudava. 
O outro filho morava na casa ao lado com sua família. Tem 
um neto de oito anos, trabalhavam na oficina e afirma que via os 
negócios prosperarem. Érica e os filhos estão presos na mesma 
penitenciária. Ela acredita que a polícia chegou aos 
estabelecimentos através de denúncias devido à movimentação, 
culpa do filho mais novo e usuário, que juntava muitos amigos e 
ficava pela rua. Lamenta a situação á qual chegaram, diz que 
acredita que as investigações começaram pelos abusos do mais 
novo, foram feitas interceptações telefônicas e chegaram ao 
conhecimento do que ocorria na oficina. 
No dia em que a polícia foi à oficina, não acreditava no que 
estava acontecendo. Relata tudo chorando, diz que está velha e 
cansada, que queria estar com o neto em casa, mas que perderam 
tudo. Afirma que cansou de pedir que o filho parasse de usar 
drogas, que foi internado e não adiantou. Na PMEI, trabalha como 
auxiliar de limpeza e não se queixa do tratamento. Também tem 
como ver os filhos. Atualmente, está no módulo de apoio. Comenta 
que ao chegar se deparou com mulheres conhecidas do bairro e diz 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 129 
 
que a maioria se envolve com drogas por causa de seus 
companheiros. 
“Eu sinto uma dor muito grande por estar aqui, eu sou velha, eu 
estou cansada”. 
“Sou bem tratada, auxilio na limpeza e isso ajuda para diminuir a 
pena, mas queria mesmo terminar a vida fora daqui, não sei se 
tenho forças”. 
“Capaz, na venda já não tinha lucro, o mais novo pegava tudo, era 
uma tristeza, andava com más companhias, eu pedia tanto, pedia 
pelo menos que ele não usasse na frente do meu neto, filho do mais 
velho e que morava na casa de trás”. 
“Eu disse que eles me colocaram aqui, não adianta, a gente perdeu 
tudo agora, eu sou capaz de nem sair daqui”. 
“Sinto falta da minha rotina, de estar com as minhas conhecidas, 
algumas até me deparei aqui, nem imaginava, acho que elas 
também não, elas sofrem por causa dos maridos”. 
“Fiquei conhecida como vovó do tráfico”. 
“É triste ver a tua família aqui dentro, eu trabalhei tanto com o 
falecido, a gente construiu tudo sozinho, na honestidade, não sei em 
que ponto as coisas se perderam”. 
 
Fernanda 
 
Fernanda é natural de Santa Bárbara do Sul, é negra e tem 
22 anos. É mãe de uma filha de cinco anos que atualmente vive no 
Rio de Janeiro com a avó paterna. Faz tempo que não sabe da filha, 
sente muita falta. Está presa e condenada pelo homicídio de seu 
companheiro desde 2013; a pena é de 12 anos. Ao narrar sua 
trajetória, não leva somente um passado trágico, mas uma história 
recente que parece não ter fim. Junto com Fernanda, encontram-se 
na mesma penitenciária, associados ao mesmo crime, sua mãe e 
seu padrasto. 
 Estava junto com o pai de sua filha desde seus 15 anos. Ele 
era um homem possessivo e muito agressivo, não a deixava sair de 
130 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
casa. Ela gostava de estudar e queria trabalhar, mas acabou 
engravidando. Foi então que ele a proibiu de tudo, praticamente 
mantinha-a em cárcere privado, não podia nem fazer faxinas para 
juntar um dinheiro. Quando a filha nasceu, ele queria matar 
Fernanda, fez várias ameaças. Ele há dois/três anos já morava na 
casa delas. Foi inúmeras vezes agredida por ele, ficou trancada em 
casa, resistiu o quanto pôde e sofreu tantas agressões que teve que 
sair da casa da mãe, indo morar sozinha com o companheiro. 
Afirma que após irem morar juntos as coisas pioraram, ele tomou 
conta, era muito violento. Houve um dia que conseguiu escapar e ir 
até a casa da mãe, mas logo ele foi atrás dela e acabou não só a 
agredindo, mas também agredindo a mãe dela. 
O convívio familiar era restrito, pois a mãe de Fernanda 
tinha uma boate, que na verdade se tratava de uma casa de 
prostituição, e ela não queria que a criança ficasse nesse 
movimento. Algumas vezes ela saiu de casa, chegou a fazer boletim 
de ocorrência contra seu companheiro-agressor. Porém, ele 
acabava indo buscá-la e ela, não tendo a quem recorrer, cediana 
esperança de achar outra saída. No entanto, o padrasto ficou 
sabendo do ocorrido depois que a mãe também foi agredida, 
momento em que se afastou da Igreja e prometeu que a ajudaria. 
Tempos antes do crime chegou a se separar, ficou mais ou 
menos dois meses sozinha, voltou a estudar e estava se 
recuperando. Contudo, ele a perseguia muito, e por mais que ela 
tivesse registrado as ameaças, nada acontecia. Logo, acabaram 
reatando o relacionamento e ela teve que largar tudo, voltou a ficar 
somente em casa. Conta que se desleixou e ele a agredia 
verbalmente, além de fisicamente, todos os dias. Ela procurou o 
padrasto depois que ele ofereceu ajuda, para dizer que queria sair 
de casa, e ele também foi ameaçado de morte pelo agressor quando 
se aproximou de Fernanda. 
As coisas aconteceram. Ela deixou a porta aberta, confessa, 
alguns homens entraram no meio da noite em casa e o 
assassinaram. Fernanda afirma que a mãe não estave envolvida, 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 131 
 
por mais que esteja presa como mentora do crime. Na madrugada 
do fato, foram todos para a delegacia. Conta que lá foi muito 
maltratada, que um dos agentes agrediu sua mãe, que estava em 
pânico. Também não deixaram elas chamarem um advogado, 
nada. 
Sofre muito no cárcere, ainda mais sem as visitas, sem 
ninguém, sem amigas, sem poder saber da filha. Atualmente, toma 
medicamento, pois conta que foi diagnosticada com bipolaridade. 
Ela relata que tenta se relacionar bem com as outras mulheres, 
respeitar o espaço de cada uma, mas que há dias e dias na vida de 
cada uma. Costuma brigar com a mãe, mas sabe que o tempo vai 
passar e que ela não vai sair tão velha da penitenciária, mas que vai 
encontrar muito preconceito. 
“Eu sempre gostei de estudar, ia bem, pensava em ser policial civil, 
mas aí o conheci, acabei me envolvendo e engravidando”. 
“No julgamento, a mãe foi presa porque tinha uma casa de 
prostituição, as pessoas não gostam, mas ela nunca me quis lá não, 
pagava meus estudos”. 
“Ah, é difícil viu, não tem trabalho, não tem muito que fazer, 
ficamos todas o dia aí, sem nada”. 
“Tem vezes que brigo bastante com a mãe, estamos na mesma cela, 
mas ao mesmo tempo sei que nos protegemos”. 
“Sinto falta da minha liberdade, de sair na rua”. 
“Ele me batia muito, eu apanhei muito, não conseguia sair daquela 
situação, ele me ameaçava, ameaçava minha filha caso eu saísse de 
casa, eu tenho marcas de queimadura de cigarro por todo o corpo”. 
“Sempre pensei na minha independência”. 
“Vou sair daqui ainda vou poder fazer uma vida, quero mudar, 
quero conseguir um emprego, mas é difícil ex-presidiária conseguir 
emprego, né?”. 
São perceptíveis as violências compartilhadas nas vidas 
dessas mulheres ao escutar suas histórias, bem como as gritantes 
as características e similitudes entre as situações particulares de 
cada detenta na PMEI e cada detenta na PFMP, pois é fato 
132 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
consolidado que o sistema de justiça penal é persecutório e 
misógino. A privação de liberdade é um eufemismo, é o extremo da 
violência contra a mulher, representa uma instituição moldada e 
arquitetada pelo patriarcado para silenciar mulheres, que desde 
muito já sofrem violações, seja pela condição de mulher, seja por 
situações particulares da vida de cada uma. Os dados e os relatos 
expressam as consequências da socialização, da conformação do 
papel social através da construção impetuosa de gênero e de 
inferioridade e possibilidade de controle de suas sexualidades. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
PARA QUE(M) SERVE SEU CONHECIMENTO? 
 
Solo le pido a Dios 
Que el dolor no me sea indiferente 
Que la reseca 
Muerta no me encuentre 
Vacio y solo sin haber hecho lo suficiente 
(Mercedes Sosa) 
 
 Atualmente, o feminismo está inserido em diversos 
espaços. O ano de 2016 foi reconhecido e intitulado como 
primavera feminista. Há muito tempo esse movimento se posiciona 
e se organiza para o reconhecimento dos direitos das mulheres, 
pautando um mundo equitativo e sempre pretendendo resoluções 
coletivas. Progressivamente, as pautas feministas conquistaram 
mudanças, ou ao menos permitiram um câmbio de pensamento e 
o alcance do conhecimento de registros históricos e da perspectiva 
das mulheres sobre suas experiências, o que pretendem e o que 
compreendem sobre Estado e controle. 
 A construção do patriarcado demonstra uma perseguição 
histórica da mulher, bem como um atual aumento da violência 
mundo afora, que tem obtido como resposta a resistência diária de 
cada mulher contra a opressão. A memória e os registros são os 
meios que permitem a preservação do mundo e dos papéis sociais, 
que são maiores do que uma só pessoa e do que o isolamento da 
natureza e das outras pessoas, tão pretendidos pelo capitalismo. 
Nesse sentido, a exposição realizada no primeiro capítulo foi a de 
demonstrar que antes do futuro, do progresso e do 
desenvolvimento, há história, e que essa história é contada por 
homens para homens, o que influencia todo o sistema, inclusive o 
sistema de justiça penal. 
 É necessário conectar-se ao passado, recuperar o 
sentimento de pertencimento, ao lugar, ao terreno e às pessoas que 
formam parte da rotina e da convivência, seja no trabalho, seja no 
ambiente doméstico. A perspectiva feminista fez com que mulheres 
134 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
se organizassem para travar batalhas contra o controle de seus 
corpos, para liberar o aborto e ter condições de cuidar de seus 
filhos sem limitar suas próprias vidas. O patriarcado torna 
mulheres presas de suas vontades pelas violências impostas aos 
seus corpos e às suas decisões, sendo o cárcere a representação do 
extremo das violências estruturais contra as mulheres. 
Por conseguinte, o objeto desta pesquisa demonstrou a 
relação entre o papel social da mulher e os fatores estruturantes da 
criminalidade feminina, com a análise da construção do 
pensamento criminológico crítico e das pretensões da atual 
criminologia feminista, para no fim relacionar quem são as 
mulheres privadas de liberdade, estigmatizadas e inseridas no 
extremo cativeiro. A virada criminológica representou uma 
ruptura no desenvolvimento do pensamento e a criação do 
paradigma da reação social; no entanto, agora surge a necessidade 
de uma nova virada, a feminista, visto que nenhuma das novas 
criminologias criadas desde o paradigma da reação social incluíram 
o patriarcado e o gênero. Ou seja, a mulher segue sem 
representação na criminologia e em tantos outros campos. 
Apresentou-se no segundo capítulo uma relação entre a 
teoria crítica e a feminista, para demonstrar que o déficit da 
representação da mulher reside no fato de que os problemas que as 
teorias se propuseram a resolver partiam, obviamente, de 
indagações masculinas, cujas respostas eram generalizadas para as 
mulheres, ou cujas explicações para a criminalidade feminina 
residiam em estereótipos de gênero. A análise desses temas pela 
perspectiva feminista constrói um paradigma dentro da 
criminologia, com o intuito de revolucionar o sistema patriarcal 
imposto às mulheres. Discorreu-se, de maneira breve, mas não 
menos importante, sobre as análises pós-modernas que atingiram 
a teoria feminista e afastaram questões cruciais para a mudança 
real de paradigma. 
O trabalho defende que, diferentemente do postulado pelo 
feminismo pós-moderno, sexo, maternidade e toda a reprodução 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 135 
 
de papéis sociais explicam a opressão das mulheres, e que essas 
formulações não podem ser generalizadas culturalmente. Na 
criminologia, a unidade do delito, a criminalidade e o controle 
passam a ser questionados, restando ausentes explicações ou 
mesmo uma lógica para explicar a criminalidade, ou processos de 
etiquetamento sem inserira perspectiva feminista. A 
desconstrução de um sujeito essencial derrota assim o 
determinismo biológico, e passa a explicar a diferença entre papéis 
sociais destinados a homens e a mulheres, bem como os diferentes 
comportamentos desviantes. 
A desigualdade imposta pela tradição cultural, pelas 
estruturas de poder e pelos agentes envolvidos na trama de 
relações sociais comprova que a relação de gênero não é dada e sim 
construída. Assim, ambas as categorias de sexo comem, bebem e 
dormem nesta ordem patriarcal de gênero, calcada na 
subordinação devida ao homem pela mulher, ordem esta que é 
demasiadamente forte e atravessa todas as instituições de poder. 
Então, já que todas/os são socializadas/os para serem machistas, 
torna fácil o entendimento de que o processo é lento e gradual e 
consiste na luta feminista. Revelou-se que os operadores de direito 
e o sistema de justiça programam e inconscientemente desprezam 
suas vítimas, com tanto sexismo que conseguem torná-las bem 
piores. 
O controle formal e informal, analisado no segundo 
capítulo, permitiu a compressão de como o papel social da mulher 
se perpetua pelas próprias mulheres, e como ocorrem as inter-
relações entre o feminismo e a criminologia, uma vez que existem 
fases de atração e repulsão entre as duas teorias críticas 
(criminologia e feminismo). As teorias do controle também não 
fugiram às explicações estereotipadas para a conformidade 
feminina e a rebeldia masculina, e induziram a recepção de uma 
forte crítica feminista. O trabalho apresentou que família é um dos 
controles mais violentos do papel social da mulher, que chega a 
responsabilizar mulheres-mães pela perpetuação do sistema do 
136 | A MULHER EM SITUAÇÃO DE CÁRCERE 
 
qual reclamam, pois seriam as responsáveis pela primeira 
socialização das mulheres, e também dos filhos homens. Ou seja, 
além de colocar o ônus da socialização sobre as mulheres, o 
patriarcado tem como referência a família tradicional. 
 Portanto, analisou-se a temporalidade e as origens das 
opressões para explicar a condição de ser mulher e as situações 
particulares de cada uma e como são determinadas as 
seletividades, que colocam as mulheres em extrema 
vulnerabilidade. Para tanto, o terceiro capítulo observou o extremo 
da violência estrutural contra a mulher a partir da apresentação 
dos dados do Relatório Técnico Parcial do Projeto de Pesquisa “A 
situação das mulheres privadas de liberdade e o Apoio Matricial em 
Saúde Mental a Equipes de Atenção Básica inseridas no Sistema 
Prisional”, e pela análise de conteúdo das entrevistas 
semiestruturadas realizadas na Penitenciária Modulada Estadual 
de Ijuí. 
A comparação dos dados comprovou que as características 
comuns entre as mulheres em situação de cárcere não são 
coincidências, apenas representam a perseguição instituída pelos 
controles informal e formal às mulheres que rompem com as 
expectativas da sociedade patriarcal. Dessa forma, observaram-se 
quais as pretensões da perspectiva feminista da criminologia, que 
aponta as opressões da mulher, e o gênero socialmente construído 
como a base da inferiorização e subordinação. Uma nova leitura 
dos chamados paradigmas criminológicos dá base para a discussão, 
ressignificação e construção de uma nova criminologia e também 
de um novo modelo de Estado e controle. 
 A prisão como controle formal perpetua o tratamento da 
mulher a partir de papéis tradicionais e dos valores neles 
implícitos. Porém, conclui-se que quando a mulher vai para a 
prisão, ali a espera um regime de disciplina tão duro como do 
homem. Isso quer dizer que a prisão funciona dentro do sistema 
ideológico que informa as demais instâncias e que, por ser o 
controle mais extremo, expressa de forma mais contundente a 
CAMILA BELINASO DE OLIVEIRA | 137 
 
autoridade do estado, de modo que tanto mulheres como homens 
encarcerados sofrem uma mesma submissão à autoridade estatal, 
mas sem perder a singularidade de seus papéis sociais. 
Pelo exposto, o trabalho pretendeu demonstrar a ineficácia 
do sistema de justiça penal, e o domínio e poder do patriarcado, 
que tem sido questionado pelo feminismo como teoria crítica e 
como movimento. A mulher em situação de cárcere é o limite da 
violência estrutural, é a privação máxima de direitos e representa, 
tanto da condição de ser mulher, como das situações de cada uma, 
inserindo aqui a cor e a classe social. Reitera-se a importância dos 
recortes para a análise das situações das mulheres em situação de 
cárcere, bem como a importância das redefinições dos papéis, da 
denúncia do sistema patriarcal e da violência do gênero construído 
socialmente, o que torna primordial uma nova leitura, uma nova 
criminologia sob a perspectiva feminista. 
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