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..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 ANAIS DO CONACIR ANO 2 – VOLUME 1 – 2016 II CONGRESSO NACIONAL DE GRADUAÇÕES E PÓS-GRADUAÇÕES EM CIÊNCIA DA RELIGIÃO IV SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO – PPCIR/UFJF RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: CONFIGURAÇÕES CONTEMPORÂNEAS Textos completos EDIÇÃO Ana Luíza Gouvêa Neto Júlia Maria Junqueira de Barros ISSN 2447-7184 Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 2 Os textos publicados são de responsabilidade de cada autor(a) EXPEDIENTE: Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião – PPCIR-UFJF Instituto de Ciências Humanas – Campus UFJF – Bairro Martelos Juiz de Fora- MG | CEP 36.036-330 www.ufjf.br/ppcir | www.conacir.com.br | secretaria.conacir@gmail.com Edição: Ana Luíza Gouvêa Neto e Júlia Maria Junqueira de Barros Diagramação: Ana Luíza Gouvêa Neto e Júlia Maria Junqueira de Barros Capa: Richarles Jesus dos Santos Publicação eletrônica: http://www.conacir.com.br/p/anais.html UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA Prof. Dr. Marcus Vinicius David Reitor Proª. Drª. Girlene Alves da Silva Vice-Reitora Prof. Dr. Altemir José Gonçalves Barbosa Diretor do Instituto de Ciências Humanas Profª. Drª. Mônica Ribeiro de Oliveira Pró-Reitora de Pós-Graduação Prof. Dr. Robert Daibert Júnior Chefe do Departamento de Ciência da Religião Prof. Dr. Jimmy Sudário Cabral Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião Prof. Dr. Marcelo Ayres Camurça Lima Vice-Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião FICHA CATALOGRÁFICA CONACIR – Congresso Nacional de Graduações e Pós-Graduações em Ciência da Religião (2.: 2016: Juiz de Fora, MG) Anais do CONACIR: II Congresso Nacional de Graduações e Pós-Graduações em Ciência da Religião: V Semana de Ciência da Religião: Religião e Violência: configurações contemporâneas, 26 a 28 de setembro / Coordenação Geral: Jimmy Sudário Cabral, Ana Beatriz de Vilhena pereira, Ana Luíza Gouvêa Neto e Bruna Corrêa Assis. – Juiz de Fora: PPCIR-UFJF, 2016. 1076p. ISSN 2447-7184 1. Ciência da Religião – Semana. 2. Teologia – Semana. I. Título. C743 CDD: 200.291 CDU: 2(291) http://www.ufjf.br/ppcir http://www.conacir.com.br/ mailto:secretaria.conacir@gmail.com http://www.conacir.com.br/p/anais.html ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 3 COMISSÃO ORGANIZADORA DO EVENTO Presidência: Prof. Dr. Jimmy Sudário Cabral (UFJF) Coordenação: Ana Beatriz de Vilhena Pereira (UFJF) Ana Luíza Gouvêa Neto (UFJF) Bruna Corrêa Assis (UFJF) Comitê Científico interno: Profª. Dr. Dilip Loundo (UFJF) Prof. Drª. Elisa Rodrigues (UFJF) Prof. Dr. Faustino Teixeira (UFJF) Prof. Dr. Frederico Pieper Pires (UFJF) Prof. Dr. Marcelo Ayres Camurça (UFJF) Comitê Científico Externo: Prof. Dr. Flavio Augusto Senra Ribeiro (PUC-MG) Prof. Dr. Manoel Ribeiro de Moraes Júnior (UEPA) Profª. Drª. Maria Clara Lucchetti Bingemer (PUC-RJ) Prof. Dr. Ronaldo Romulo Machado de Almeida (UNICAMP) Profª. Drª. Sandra Duarte de Souza (UMESP) Prof. Dr. Vagner Gonçalves da Silva (USP) Tesouraria: Gustavo Claudiano Martins (UFJF) Júlia Maria Junqueira de Barros (UFJF) Web designer/ Divulgação: Lilian Franciene de Oliveira (UFJF) Secretaria: Dartagnan Abdias Silva (UFJF) ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 4 Apoio: CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior ABHR – Associação Brasileira de História das Religiões Editora Vozes Ltda. Fonte Editorial Ltda. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 5 Apresentação O Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião (PPCIR) da Universidade de Juiz de Fora (UFJF), através dos seus alunos de Mestrado e Doutorado, realiza a v Semana de Ciência da Religião, juntamente com o II CONACIR - Congresso Nacional de Graduações e Pós-Graduações em Ciência(s) da(s) Religião(ões). Trata-se de um evento científico, de abrangência nacional, que visa a discussão e produção de conhecimento na área da(s) Ciência(s) da(s) Religião(ões) e de outras áreas afins. Sendo um espaço democrático de discussão do fenômeno religioso, o evento é realizado com o intuito de contribuir com outros eventos da área já consagrados no país. Em 2016, o evento acontecerá no período de 26 a 28 de setembro, tendo como tema “Religião e Violência: configurações contemporâneas”. O objetivo do presente evento é discutir as articulações que se estabelecem na contemporaneidade entre o fenômeno religioso e as expressões sociais e individuais da violência. Nesse sentido, a temática se desdobrará em três dimensões fundamentais: (i) violências intra e interreligiosas veiculadas por instituições e crentes, geralmente associadas a reivindicações exclusivistas no que tange à verdade e ao caminho de salvação e que se caracterizam por posturas de intolerância com relação à alteridade e de resistência ao diálogo; (ii) violências enquanto estratégias políticas decorrentes das transformações modernas que conduziram a uma relativa separação entre religião e estado, e que se expressam numa instrumentalização ideológica da religião na forma de nacionalismos conformadores de projetos de formação e consolidação do estado-nação, e de fundamentalismos contestadores das premissas seculares da modernidade; (iii) violências inerentes aos processos soteriológicos, entendidas como mecanismos propedêuticos de caráter purificador que viabilizam transformações conducentes à superação do sofrimento; nelas se enquadram as chamadas violências rituais e as disciplinas específicas de submissão da vontade e de renúncia a inclinações egocêntricas. Abrindo espaço para a tematização das suas variadas formas de entrelaçamento, o evento receberá a contribuição de pesquisadores nacionais e internacionais. Na forma de conferências, mesas redondas e apresentações de trabalhos, o evento será um espaço de articulação e diálogo entre pesquisadores e contribuirá para o fortalecimento e crescimento dos estudos da religião no Brasil. Outrossim, visando contribuir com a formação de profissionais educadores do ensino fundamental e médio, haja vista a UFJF também dispor de um curso de graduação em Ciência ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 6 da Religião, o evento é aberto a toda a comunidade acadêmica, bem como a professores de ensino religioso ou de outras disciplinas interessados na temática, sendo estes beneficiados com inscrição gratuita no evento. A você que apoiou de alguma forma esse projeto registramos aqui os nossos sinceros agradecimentos. A Comissão Organizadora..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 7 7PAGE GT 02 - Catolicismo e suas vertentes históricas no campo religioso brasileiro Nilza Maria Pacheco Borges, Doutoranda, PPCIR – UFJF nilzampb@gmail.com Mariana de Matos Ponte Raimundo, Doutoranda – PPCIR marianamatospr@hotmail.com A Igreja Católica, segundo Mariz (2003), é exemplo de organização graças à sua capacidade integrativa por apresentar dispositivos que permitem uma diversidade controlada, que mantém o diálogo e evita rupturas, criando espaços que agregam subestruturas, subgrupos e comunidades autônomas sem perder sua unicidade e sua identidade. Dessa maneira, os estudos do catolicismo devem contemplar a “porosidade” da religião majoritária com as de origem afro-brasileiras e mediúnicas, assim como com a “nebulosa místico-esotérica” dos “novos movimentos religiosos”, new age, pentecostalismo, “orientalismos” e “neo-esoterismos”, que ocupam o panorama religioso atual (CAMURÇA, 1998). O GT pretende discutir pesquisas que tratam sobre os movimentos católicos – políticos, sociais e artísticos – que compõem o cenário religioso brasileiro em seus aspectos sincréticos e híbridos entrelaçados à outras formas de crença. Festas dos Santos em espaço, estética, tempo e movimento Nilza Maria Pacheco Borges1 Introdução Esse estudo tem por objetivo verificar, na atualidade, as manifestações populares mediadas pela dança e pelo canto dos fiéis católicos responsáveis pelas práticas das festas dos Santos, cujo foco de pesquisa qualitativa e observação participante concentra-se no grupo das mulheres quilombolas COSNEC (Grupo de Consciência Negra de Cel. Xavier Chaves), de formação católica herdada de seus antepassados escravos, convertidos ao catolicismo imperante na região que se formou a partir do ciclo do ouro no século XVIII. 1 Doutoranda – Bolsista FAPEMIG - PPCIR – UFJF. Email: nilzampb@gmail.com. Orientador: Dr. Prof. Emerson Sena da Silveira mailto:nilzampb@gmail.com ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 8 A construção do Centro Afro, em 2009, teve por objetivo formalizar o espaço destinado às reuniões, aos eventos relacionados às datas festivas referentes à história do povo negro descendente de escravos, às comemorações das datas do calendário religioso católico como as missas para a Santa padroeira da cidade, N. Sra. da Conceição; para a padroeira da comunidade da Vila Fátima, N. Sra. de Fátima; para as festas dedicadas à N. Sra. do Rosário na Igreja do Rosário, em todo o mês de outubro. Juntamente ao congado da Vila Fátima essas manifestações formam uma grande massa festiva constituída pelos vários grupos da cidade onde o COSNEC realiza a Missa Inculturada, com as danças e os cantares de seus integrantes, a grande maioria composta pelas mulheres. Catolicismo Patriarcal x Catolicismo Popular O catolicismo patriarcal se instalou no Brasil desde a chegada dos portugueses, com o apoio do Estado, ou seja, da Casa Real Portuguesa, que mantinha financeiramente o clero, as ordens religiosas e os conventos, sendo substituído mais tarde pelo catolicismo romano. Paralelamente a este primeiro catolicismo patriarcal, se firmou outra forma de catolicismo, o catolicismo popular, que veio para o Brasil trazido por portugueses e que se expandiu nas zonas rurais constituídas por colonos pobres de origem portuguesa, descendentes de índios destribalizados, mestiços e ex-escravos fugidos ou alforriados. A religiosidade no Brasil Colônia foi marcada pelas procissões e pelos festejos, cuja pompa extrapolava a fé, mas sem se esquecer do culto aos santos, assim como de suas devoções pessoais articuladas entre o sagrado e o profano. Essa forma de catolicismo existia também nas cidades, mas de maneira menos acentuada, já que constituíam uma zona urbana com pouca expressividade. Ela também se caracteriza pelo culto aos santos, representados pelas imagens, pelo oratório, espaço reservado ao culto doméstico, e pela capela para abrigar o padroeiro, cuja comunidade se reunia para a reza constituída pelo terço, novenas, festa do santo, orações pelos mortos, missa e os sacramentos, quando o padre vinha visitar a comunidade. Cabiam ao rezador, festeiros, foliões, beatos, cantadores, a função de animar o culto, e a escolha desses se dava pela comunidade local (OLIVEIRA, 1983). O surgimento do catolicismo popular no contexto histórico brasileiro e sua legitimidade – a partir dos colonos pobres de origem portuguesa, juntamente com índios ex-escravos, mestiços e suas formas de vivenciar o sagrado, mescladas com elementos do catolicismo oficial/hierárquico criam, pelas experiências estéticas e ressignificações expressadas pelos ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 9 rituais como as festas de santo, romarias, procissões e novos cultos, as continuidades e mudanças entre formas, conteúdos e significados de práticas culturais que combinam com as tradições em novos significados e em novos papéis na atualidade. Nesse contexto, as relações políticas de dominação e de alianças formam a ética das relações sociais, e novas tensões são geradas pela interferência do poder clerical sobre as formas de devoção, causando resistências dos fiéis e a mistura de práticas sacramentais com a espiritualidade individual de devoção ao santo (OLIVEIRA, 1983). As proibições das danças, nos espaços sagrados dos templos, pela hierarquia cristã, não conseguiu eliminar os rituais com canto e dança da massa festiva dos fiéis que passaram a praticá-los em outros espaços de culto popular, como os adros, praças, ruas, as beiras de cidade, e nos campos. Alguns ritos de dança foram incorporados nas procissões, e outros passaram a fazer parte dos festejos devocionais (BRANDÃO, 2010). Apesar da existência de uma série de relativizações sobre o conceito de religiosidade popular, prevalece o que mais justifica as várias formas de viver uma religião, ou o que os grupos populares consideram como religioso no enfrentamento das contestações da erudição que tenta estabelecer o que é legítimo e ilegítimo quanto às práticas religiosas. A possibilidade de ser católico, à sua maneira, aumenta através do sincretismo que apresenta em suas formas dinâmica e plural favorecendo, assim, a conquista da autonomia através dos discursos individualistas. Esse sincretismo, dentro do universo católico, dialoga com o discurso institucional oficial da Igreja e dá continuidade às diferentes maneiras de vivenciar as gradações do sagrado que ali se criam (BRANDÃO, 1980; STEIL, 1996). Segundo Martín (2003), a definição de religiosidade popular requer a análise das práticas “religiosas” e “populares” em suas realidades sociais, por onde se criam os “híbridos” de religião, política, etnicidade, música, gênero e emoções que constituem as práticas nativas. A tensão entre o religioso e o não religioso se resolve quando o sagrado se converte em música e dança como elementos de culto em suas particularidades religiosas regionais e culturais, e que se submetem às normas, limites e funções que constituem uma identidade (MARTÍN, 2003). O sagrado pode existir fora dos grupos definidos como religiosos, e o religioso pode ser construído com elementos não sagrados, pois as experiências não se firmam sobre estruturas rígidas e definições estanques;portanto,as definições sobre religião, arte e política não obedecem a limites classificatórios rigidamente marcados, mas sim aos processos que ocorrem nas práticas e nos significados criados na interação das experiências sentidas e nas ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 10 singularidades que definem o “religioso” e o “sagrado” nos diversos agrupamentos sociais (MARTÍN, 2003). As festas dos Santos no espaço, estética, tempo e movimento Ao se referir à religião popular de Itapira como o lugar do agente sem título de ordem na frente do nome e com apelido no lugar de ambos, Brandão (1980) fala dos sacerdotes, feiticeiros, profetas e seguidores de “botina reúna” com sola de pneu, sandália japonesa, conga azul-marinho furada ou pé-no-chão. Fala também dos roceiros dançadores fervorosos do São Gonçalo, das pessoas que caminhavam descalças para as festas de São João, dos negros das congadas, dos rezadores de terço e ladainha, dos curandeiros e benzedores das ruas de cima e dos bairros “de baixo”. A religião, rica de mitos e ritos, se torna um recurso do sagrado a serviço das necessidades terrenas do cotidiano, para a solução dos problemas diários. É vivida com os recursos do lugar possibilitando a atuação do “pobre” sobre os deuses ricos e que se torna tanto mais poderoso quanto mais se é “de baixo”. Os objetos simbólicos da fé e dos cultos caipiras usados para o louvor e para a súplica são transmitidos de pai para filho “de acordo com os costumes locais e são mesclados com elementos do catolicismo e da umbanda” (BRANDÃO, 1980, p. 125-130). Na parcela da população mais empobrecida, ou seja, nas camadas populares, se engendram formas que buscam atender não somente às necessidades materiais de que a vida necessita, mas também às questões que dizem respeito ao significado último desta. Deste modo, as narrativas, como as contidas nos cantares populares, que as mulheres quilombolas inserem em seu repertório, se tornam cristalinas para o homem mineiro, conforme se apresentam como forma de compreender o mundo e de expressão de seus valores. E quais seriam esses valores tão caros a este homem mineiro? Certamente, encontra-se a religiosidade, o desígnio divino e a relatividade do poder do Demônio (GOMES; PEREIRA, 1992). É notória a permanência das festas de santo, romarias e procissões, concomitante ao surgimento de novos cultos, o que sugere as continuidades e mudanças entre formas, conteúdos e significados de práticas culturais que se combinam com tradições em novos significados e em novos papéis na atualidade. A estruturação da religiosidade popular obedece à dialética da própria vida, entendida como sucessão de ganhos e perdas, subserviência e dominação. Inteireza e fragmentação. Ao lado da ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 11 intervenção de Deus, traça-se a área de intercessores que o povo elege para diminuir a distância do Criador. A onipotência de Deus é relativizada na presença oportuna dos santos, de Maria e dos anjos. O desamparo do homem é aquilo que a religiosidade popular evita, havendo sempre a possibilidade de resgate através de promessas, penitências e orações. (GOMES; PEREIRA, 1992, p. 162). Quando se refere às festas e eventos religiosos relacionados com os santuários, Steil (2001) aponta dois elementos importantes na definição de uma cultura, quais sejam, o tempo e o espaço. O tempo como construção social que insere o indivíduo em seus significados, em participações de eventos em que se estrutura e se organiza pelos calendários, que auxiliam na sua incorporação da cultura, ao imaginário religioso que atravessa a experiência social e histórica. As significações estão associadas ao espaço, lugares que guardam a memória do vivido constituído de mitos e histórias que fazem elos com o passado, criando a continuidade entre as gerações passadas e presentes, como demonstram as celebrações nos santuários em que pessoas religiosas, ou não, se apossam de uma tradição em laços de sociabilidade e de solidariedade, formando um “nós”. Esses centros de atração, constituídos pelas festas dos santos e de santuários, apresentam diferentes gradações do sagrado em círculos de abrangência responsáveis pela sua intensidade em tempos e lugares em que as pessoas simbolizam e recriam o mundo, ultrapassando a fronteira da natureza para se inserir na cultura em significados que elas mesmas criam como exercício de sua humanidade. Conclusão Ao observar elementos híbridos vivenciados no grupo e através dos relatos feitos pelas integrantes do COSNEC, me reporto a Brandão (2010) que faz referência à religiosidade popular dos sujeitos como aqueles que vestidos de guerreiros, de reis magos, reis e rainhas com roupa de seda e de arminho, cantos e danças, tambores e estandartes, invadem as ruas da cidade e os adros das igrejas e perguntam aos silêncios de Deus e aos mistérios de suas almas e das nossas. Assim, é preciso deixar que fale o povo que pratica a fé cristã entre preces, folias e romarias com terço na mão que caminha longas distâncias por caminhos de terra ou asfalto, em busca de um “lugar santo”. Nota-se que a relação existente entre religião e espetáculo encontra-se fundamentada no vínculo que está expresso nas noções de ritual, cerimônia, jogo e festa, que é mantido pelo sagrado na articulação entre o lúdico e a estética. Os símbolos religiosos agem, segundo Santos ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 12 (2012), para aquele que crê, como síntese que lhe mostra como se dá o funcionamento do mundo, quais valores são validados e como se deve agir. Portanto, qualquer que seja o objetivo da festa, dois elementos que tornam seu caráter espetacular são sempre observados, quais sejam, o rompimento com a rotina cotidiana no tempo e no espaço, e a participação coletiva (ALVIM, 2008). Assim, a festa sempre será de caráter presencial e de renovação (Lobato, 2008), além de proporcionar ao fiel católico a autonomia das celebrações dos cultos aos Santos por onde reafirmam sua fé e validam as devoções entre a tradição e a ressignificação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVIM, Valeska. Ribeiro. A tradição e a reinvenção em um olhar sobre a festa do Congado. In: LOBATO, L.; OLIVEIRA, E. J. S. Festas. Caderno do GIPE-CIT. N. 20, maio. 2008. Salvador (Ba): UFBA/ PPGAC, 2008. BRANDÃO, C. R. Memória do Sagrado: Religiões de uma Cidade do Interior. Cadernos do ISER 1(9). 1980. ______. Prece e Folia: Festa e Romaria. Aparecida. SP: Idéias & Letras, 2010. GOMES & PEREIRA. Mundo encaixado. Belo Horizonte: Mazza; Juiz de Fora: UFJF, 1992. LOBATO, Lúcia. Festa: uma transgressão que revela e inova. A tradição e a reinvenção em um olhar sobre a festa do Congado. In: LOBATO, L.; OLIVEIRA, E. J. S. Festas. Caderno do GIPE-CIT: Grupo. N. 20, maio. 2008. Salvador (Ba): UFBA/ PPGAC, 2008. MARTÍN, Heloísa. “Religiosidad popular”: revisando um concepto problemático a partir de la bibliografia argentina. Estudios sobre Religión. Museu Nacional – UFRJ/Universidad Católica Argentina, Argentina, 2003. OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de. Expressões religiosas populares e Liturgia. Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 43, fasc. 172, p. 909-948, dez. 1983. SANTOS, Eufrázia Cristina Menezes. A dimensão espetacular das festas públicas do candomblé. In: PEREZ, Léa Freitas; AMARAL, Leila; MESQUITA, Wânia (orgs.). Festa como perspectivae em perspectiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. pp. 131- 150. STEIL, Carlos Alberto. O sertão das romarias: um estudo antropológico sobre o santuário de Bom Jesus da Lapa- BA. Petrópolis: Vozes, 1996. ______. C. A. Aparições marianas contemporâneas e carismatismo calólico. In: Pierre Sanchis (org.). Fiéis & Cidadãos. Percursos de sincretismo no Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 200l, PP. 117-46. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 13 O Discurso Ultramontano de Dom Antônio Joaquim de Melo Tatiana Costa Coelho2 Introdução Dom Antônio Joaquim de Mello nasceu em Itú em 29 de setembro de 1791 e era filho do capitão Teobaldo de Mello César e de Josefa Maria do Amaral. A família de Dom Antônio era primordialmente formada por portugueses e durante o período colonial atuou nas juntas militares auxiliando na posse das capitanias, sendo assim o título militar de seu pai é referente à prestação de serviços à Coroa Portuguesa, portanto sua família era proveniente de um grupo social privilegiado. Quando seu pai foi transferido para o quartel de Vila Rica, Dom Antônio contava com seus doze anos de idade e teve na região de Minas Gerais seus primeiros estudos humanísticos e contato com a literatura de Cícero, Virgílio, dentre outros literatos, portanto, acreditamos que através no momento em que esteve presente em Minas Gerais, esse religioso teve contato com o catolicismo romanizado. Após o falecimento de seu pai, manifestou vocação sacerdotal e foi recebido pelo bispo de São Paulo, Dom Mateus de Abreu Pereira, que o matriculou como aluno dos cursos eclesiásticos da catedral. Foi ordenado pelo próprio Dom Mateus, a 4 de outubro de 1814, em São Paulo, sob a proteção do padre Jesuíta José Campos Lara, que permaneceu apesar da expulsão da ordem dos jesuítas, que fez uma doação à Dom Antônio de uma chácara como um patrimônio para ordenação. Em 1840 o padre Antônio assume como vigário do hospital Santa Casa de Itú e em 1849 esse religioso foi nomeado Vigário da Vara de Itu. Essa década é marcada pelo início da Revolução Liberal, situação essa que Dom Antônio se mostra contrário. A partir de 1844, o Imperador inicia uma série de viagens ao interior do país para restabelecer sua imagem, promovendo um movimento de aproximação à população civil. Em 1846 faz uma visita à cidade de Itú onde passa a conhecer o grupo que lutou a seu favor, tendo o Padre Antônio como uma das figuras mais importantes, sendo esse definido como um defensor da autoridade absoluta do imperador, do papa e dos jesuítas, dedicando algumas correspondências, da imprensa e do púlpito a fim de defender o poder temporal da monarquia. Tendo sido indicado bispo de São Paulo por Dom Pedro II, Imperador de Brasil; a 5 de maio de 1851, aos 59 anos, foi confirmado, por breve do Papa Pio IX. Temos que compreender 2 Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense, Mestre em História pela Universidade Federal de Juiz de Fora e Professora da Faculdade Governado Ozanam Coelho. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 14 a indicação e a posse de Dom Antônio Joaquim de Mello e também Dom Antônio Ferreira Viçoso como fruto das políticas conservadoras promovidas por Dom Pedro II, fato que comprova a indicação desse religioso que, apesar de não contar com estudos muito avançados em teologia, conseguiu ser sagrado bispo, em São Paulo, no dia 6 de junho de 1852, sendo o seu sagrante principal Dom Manuel de Monte Rodrigues de Araújo, bispo do Rio de Janeiro e Conde de Irajá. Além disso, acredito que a indicação de Dom Antônio pelo Imperado deve-se a pouca força política desse religioso e com isso, não causaria nenhum tipo de desavença ao Imperador. Na bula de confirmação feita por Pio IX nos deixa bem claro o apoio do Papa com essa indicação devido as obras religiosas implementadas pelo então Padre Antônio Joaquim de Mello. De acordo com o Papa: “queremos Pastores que saibam não só ensinar pela palavra ao povo que lhe foi confiado, mas também lhe dê o exemplo de boas obras, queiram e consigam reger e governar as Igrejas confiadas, em estado pacífico e tranquilo” (CAMARGO, 1953). Portanto, a indicação de Dom Antônio de Melo revela uma questão muito importante a ser discutida, a necessidade da formação intelectual do religioso. Segundo as doutrinas da Igreja Católica, um bispo deveria contar com estudos avançados na teologia, direito canônico, dentre outros, o que Dom Antônio não possuía, então como a indicação de Dom Pedro II foi prontamente aceita pelo Sumo Pontífice? A resposta a esse questionamento reside na ideia de que o Papa estava preocupado em indicar bispos voltados para a religião cristã de acordo com os princípios tridentinos, promovendo obras importantes, independente de contar ou não com uma formação adequada ao seu cargo em questão. Desse modo, a intenção do Papa ao nomear Dom Antônio foi de que esse pudesse ao longo do seu período de bispado realizar um trabalho de evangelização mais prático de modo a instruir seus fieis e também os clérigos da necessidade da reforma ultramontana na diocese. Portanto, Dom Antônio Joaquim de Mello foi considerado pela historiografia o bispo que tentou implementar profundas mudanças na vida eclesiástica da diocese. Baixou portarias e decretos regulamentando a vida dos padres e seminaristas. Em 9 de novembro de 1856, instalou o Seminário de Santo Inácio de Loyola, que por determinação do Papa Pio IX, foi também dedicado a Maria Imaculada, ficando toda a direção a cargo dos frades capuchinhos de Sabóia. Empenhou-se para trazer várias congregações religiosas para São Paulo, destacando-se a congregação francesa de São José de Chamberry, que instalando-se em Itu, onde fundou o famoso Colégio Nossa Senhora do Patrocínio, para a educação feminina. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 15 De acordo com Patrícia Carla de Mello, Dom Antônio foi o primeiro bispo nascido no Brasil a apoiar a reforma católica, tendo por influência sua formação na região de Mariana e a partir daí influenciou a reforma na diocese de São Paulo. Portanto, devemos ir a frente e analisar detidamente os documentos produzidos por esse religioso durante seu bispado que evidenciam a aproximação com os preceitos ultramontanos. Desse modo, assim como verificamos em Dom Antônio, as cartas e visitas pastorais se tornam uma forma eficiente de se verificar as ações desse bispo. Podemos perceber que esse religioso ao longo do seu bispado realizou uma série de ações voltadas para a reforma tridentina como podemos analisar as visitas pastorais, cartas pastorais, ações essas em sintonia com a reforma dos demais bispos. Contudo, o que devemos chamar a atenção dentro do bispado de Dom Antônio foi seu conflito com o cabido e que devemos analisar mais detidamente. O bispo e o cabido: conflito entre Dom Antônio e o clero paulista Ao assumir o Bispado, Dom Antônio encontrou uma série de empecilhos, e podemos destacar a atuação do cabido (VERNET, 1994), conforme foi destacado por Augustin Wernet. De acordo com esse autor, o cabido que era formado pela maioria por representantes da Academia Jurídica, denominada por Wernet como um grupo de “cultura elevada”, mas que se constituía como diretamente engajados em partido político, situação essa que incomodava Dom Antônio. A formaçãodo Cabido3 se caracterizava pelos seguinte religiosos: Fidélis A. Sigmaringa de Moraes4 - Arcediago, Joaquim de Anselmo de Oliveira5 - Arcipestre, Lourenço Justiniano Ferreira6 – Chantre, Joaquim José Carlos de Carvalho7 - tesoureiro, Hygino 3 A Relação de biografia do Cabido da Sé da Catedral. Fonte: BLAKE, Augusto V. A. Sacramento. Diccionario Bibiographico brasileiro. Conselho Federal da Cultura, Rio de Janeiro, vol. 4, 1970. 4 Natural de São Paulo, em cuja cidade capital faleceu em 1863, sendo cônego da catedral. Professor de retórica e poética do curso anexo à faculdade do direito e cavalleiro da ordem de Christo. Escreveu a seguinte obra: Apostíllas de rhetorica para uso de seus discípulos. Data da posse: 24 de dezembro de 1844. 5 Nasceu em Guaratinguetá, província de S. Paulo, a 7 de novembro de 1802, e faleceu a 19 de junho de 1872. Era presbítero secular e lecionou latim e teologia moral, gratuitamente. Se tornou arcipreste, e teve constantes conflitos com o bispo por causa da sua posição entre Igreja e Estado. Foi autor dos seguintes impressos: Sermão pregado na cathedral de S. Paulo por ocasião da visita que o imperador fez a província, Sermão do Espirito Santo, pregado em Campinas em 1868 na festividade feita a expensas do abastado fazendeiro desta cidade, capitão Joaquim Carlos Duarte —Foi impresso com outros. Oração gratulatoria, recitada em Santos por ocasião de se concluir a guerra contra o Paraguai, em 1870. Data da posse: 24 de janeiro de 1847. 6 Não foram encontrados dados biográficos. Data de posse: 07 de março de 1828. 7 Não foram encontrados dados biográficos. Data da posse:21 de agosto de 1830. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 16 Francisco Teixeira8 – 1º Cônego - Teologal, Manoel Emygdio Bernardes9 – 2º Cônego - Penitenciário, Joaquim Manoel Gonçalves de Andrade10 – 3º Cônego – Apontador, Dr. Ildefonso Xavier Ferreira11 – 4º Cônego - Prioste, Claro Francisco de Vasconcellos12 – 5º Cônego - Fabriqueiro, Manoel Teixeira de Andrade – 6º Cônego13 – Hebdomadario, Para Wernet, a visita de Dom Antônio a alguns estabelecimentos religiosos e sua crítica a administração desses fez com que esses religiosos entrassem em conflito aberto com alguns representantes do Cabido por esses estarem à frente da administração desses institutos, sendo instaurado uma série de processos tanto civis como religiosos. Vários incidentes marcaram a relação entre o cabido e Dom Antônio e que devemos analisa-los. Podemos destacar dentre esses, a caixa de arrecadação deixada por esse bispo na Igreja Nossa Senhora Aparecida, causando uma série de conflitos entre o bispo e o vigário de Aparecida, cabendo ao presidente da província Dr. José Antônio Saraiva no qual esse censurava a atitude tomada pelos religiosos em impugnar as ordens de Dom Antônio como autoridade. Padre França, um dos religiosos censurados por Dom Antônio nessa questão acaba por iniciar uma campanha contra o bispo por esse incidente. O Padre França leva à Assembleia Legislativa de São Paulo uma série de denúncias contra Dom Antônio, retratando-o como um religioso que não cumpre seu papel de bispo. Contudo, os representantes da Assembleia Legislativa advogam a favor do bispo. Além da defesa da Assembleia, Dom Viçoso também advoga a favor do Bispo de São Paulo, conforme podemos analisar na biografia escrita por Dom Silvério Gomes Pimenta (1876, p. 181): Recentemente se copiou em uma folha pública (Jornal do Comércio – 21 de abril) que um Deputado fizera requerimento contra o Sr. Bispo de S. Paulo por não pôr a concurso as Igrejas e que outro Sr. lhe respondeu vitoriosamente, e no meio de apoiados, que o Sr. Bispo não podia estar 8 Não foram encontrados dados biográficos. Data da posse: 17 de maio de 1840. 9 Não foram encontrados dados biográficos. Data da posse: 17 de maio de 1840. 10 Não foram encontrados dados biográficos. Data da posse: 16 de maio de 1841 11 Natural de Curitiba, faleceu na cidade de S. Paulo no ano de 1872, sendo doutor em ciências sociais e jurídicas pela faculdade desta cidade, cônego chantre da catedral e lente de teologia dogmática. Bacharel em 1834, quatro anos antes de doutorado, serviu nesse interim o cargo de oficial guarda-livros do curso jurídico, e depois o de professor substituto de filosofia e membro do conselho geral da província. Escreveu:— Compêndio de teologia dogmática, traduzido de Lugdnense. S. Paulo, 1844. — Oração fúnebre que nas solemoes exéquias, feitas pelo Exm.' E Revm. Sr. diocesano Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade S. Paulo, 1846. —Oração fúnebre que por ocasião do funeral mandado celebrar na Sé Catedral da imperial cidade de S. Paulo pela sentida morte da rainha de Portugal, a Sra. d. Maria II, recitou no dia 21 de fevereiro do corrente ano. — Constituição primeira do arcebispado da Bahia, pelo arcebispo d. Sebastião Monteiro da Vide. S. Paulo, 1853. Data da posse: 16 de maio de 1841. 12 Não foram encontrados dados biográficos. Data da posse: 07 de maio de 1843. 13 Não foram encontrados dados biográficos, data de posse: 25 de março de 1844. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 17 sujeito à alçada daquela casa, e que se havia motivos de queixa contra seus atos existia recurso à corôa, e mesmo quanto aos processos à Relação Eclesiástica, e que não trouxesse o Prelado às discussões da Assembléia; cuido que tudo se calou com as razões deste sábio Doutor [...]. Desse modo, através da defesa de Dom Viçoso contra as denúncias do Cabido, percebemos a união entre os bispos ultramontanos de modo a fazer uma frente única contra as ameaças que surgem contra esses religiosos. Outro debate ocorrido durante seu período de bispado foi com o Pe. Francisco de Paula Toledo, repreendido por envolvimento na política. Quando nos sujeitamos a tomar sobre nossos ombros o peso da Diocese, não nos eram desconhecidas as lutas que teríamos, para ao menos de longe, fazer algum bem espiritual à mesma Diocese. Sobretudo temíamos o combate com aqueles irmãos sacerdotes, que repugnassem curvar seu cólo às Leis, que nos são relativas. Levado deste temor, não confiando em Nossas forças, demos em o 1° de Nossos regulamentos brecha franca, para que, os que não quisessem usar de ordens, vivessem como não Padres. ( Não nos embaraçamos com os que de fato já não usam das ordens, ou estão deliberados a não usar Reg. 2 de agosto, p. 7). Pareceu-nos, que com este passo de prudência, ou de fraquesa, escaparíamos de conflitos; enganamo- nos completamente. Se três ou quatro aceitaram o partido, muitos quiseram conservar sempre um pé no Altar e outro na fogueira das paixões, quer carnais, quer políticas [...].(PIMENTA, 1876, p. 78). Em resposta, o Pe. Francisco: “Hei de vencer estas eleições e depois darei minha demissão; se quiser pode suspender-me”. Portanto essa passagem ilustra perfeitamente a situação de conflito em que o clero paulista se encontrava com seu bispo. Outra situação peculiar se deveu na cidade de Pindamonhangaba na qual um religioso foi alvo de sindicância pelo bispo por alguns religiosos estarem desrespeitando sua autoridade e propôs que esse religioso se retratasse, como não foi respeitado, Dom Antônio lavrou uma sentença suspendendo-o no uso de suas ordens. Essa ação foi também muito criticada pelo fato desse religioso não levar em consideração o poder Temporal na sua tomada de decisões. A paixão unida ao desleixo de estudar as matérias eclesiásticas tem feito que nesta Diocesese tenha ensinado, que não podemos suspender extra- judicialmente, e sem as formalidades apontadas em Direito, e quer o processo deve sempre correr no fôro contencioso. Bastaria ler o cap. 6º da sess. 14 a. do Concílio de Trento para sair-se de um erro tão grosseiro. Tem- se confundido o texto de S. Mateus cap. 18 v. 15, que só trata de Direitos privados, com a maneira de obrar do superior com seu súdito: se fora, como irrefletidamente se estende, até ensinar, que as suspensões = ipso facto = são contra o evangelho, seriam os Apóstolos os primeiros prevaricadores. S. Paulo excomungou o incestuoso só pela certeza do fato, sem precederem ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 18 admoestações. '(CAMARGO, 1953, p. 152). Novamente a falta dos estudos é citada no documento de denúncia a Dom Antônio. Em resposta às denúncias feitas acima, Dom Antônio rebate as acusações. E bem desairoso ver-se confundir os subalternos, a oficialidade, que forma o fôro eclesiástico, com os Bispos que sôbre estes legislam! Causa não sei o que ver-se aplicar ao Bispo pena de suspensão, declará-lo irregular, servindo-se dos lugares dessa Constituição, onde o Arcebispo aplica essa pena a seus Juízes! E quem dá força de lei às disposições da Constituição do Arcebispado da Bahia nesta diocese? Não é o mesmo Bispo? E o legislador que dá a Lei, está sujeito a sua sanção ou pena? Os sacerdotes, que Nos têm acusado de ignorância, que têm decidido – ex Cathedra – sobre os direito dos bispos, devem pejar-se de ensinar o que não tem estudado; devem destruir o que têm edificado nos corações de outros sacerdotes, servindo-lhes de guia. (CAMARGO, 1953, p. 153). Nessa passagem a autoridade do bispo dentro da hierarquia é ressaltado por Dom Antônio. Sobre a condenação do canonista citado acima, Dom Antônio identifica uma análise sobre seu compêndio. Quando se diz, que o canonista Lequeux, ou seu compendio, está condenado, devia-se dizer – enquanto não for corrigido- não devia-se respeitar ao Senhor Arcebispo da Bahia que o citou em sua controvérsia com o Dr. Lente de Direito Eclesiástico em Pernambuco: mas em lugar dêste, aí está Benedito XIV – De Synodo Diocesana – aí está Guilois; aí está Guri, aí está Devoti, êste Mestre de Gregório XVI (CAMARGO, 1953, p. 156). Nessa passagem Dom Antônio identifica que alguns religiosos o repreenderam por fazer uso de um compêndio. Ao analisar essa passagem do documento, podemos perceber que mais uma vez Dom Romualdo é citado pelos reformistas ultramontanos como um centro do ideal da reforma ultramontana, sendo uma autoridade religiosa bem conhecida e admirada. Ao criticar o uso do Canonista acima, Dom Antônio reporta a autoridade de Dom Romualdo como leitor de Lequeux e que deve ser respeitada essa autoridade. De acordo com Augustin Wernet, um dos momentos mais tensos entre Dom Antônio e o Cabido foi numa cerimônia de natal no ano de 1854 no Ofício divino sob a capitulação de Dom Antônio Joaquim de Melo. De acordo com Wernet, uma divergência cerimonial fez com que os cônegos representantes do cabido entrassem em atrito aberto com Dom Antônio e se recusassem a prosseguir a cerimônia, e trocassem insultos perante toda a população que assistia a cerimônia. Ao final desse entrevero, Dom Antônio fez uma repreensão aos cônegos e também à população que ali se encontrava, aumentando assim o conflito entre o cabido, a população ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 19 contra esse bispo, sendo esse religioso alvo de diversos debates, deixando um mal-estar entre a população, o cabido. Em correspondência enviada ao presidente da província, Dr. José Antônio Saraiva. que se deu na Catedral um escândalo, estando eu oficiando e capitulando. Este escândalo deu-se entre mim e os Reverendíssimos cônegos. Inda não fiz tirar as informações legais a respeito. Vendo então que V. Excia tem o leme da Provincia e que talvez queira fazer o governo central ciente do que por aqui passa, e não terá tido os esclarecimentos precisos e verdadeiros, entendi dever oferecer-me ou para inteirar V. Excia sobre o ocorrido ou dizer que V. Excia, pode informar-se do Rvdo. Vigário Geral que se achava presente. (CAMARGO, 1953, p. 156). Os representantes do Cabido por sua vez, julgavam que a ofensa partiu primeiramente do Bispo e exigia que Dom Antônio se retratasse publicamente, caso contrário levaria sua queixa ao Imperador. Em resposta, o Imperador deu apoio total ao bispo como seu conselheiro e a questão se encerrou para o Poder Imperial. Contudo, Dom Antônio encontrará uma série de barreiras impedindo a implementação da sua reforma religiosa no bispado de São Paulo. Em correspondência à Dom Pedro II, o bispo de São Paulo retrata a confusão ocorrida no evento. Com todo respeito e acatamento beijo a Augusta mão de V. M. I. É a segunda vez que me ouso diretamente a roubar alguns momentos do precioso tempo de V. M. Oprimido pela calunia, coberto de ridículo [...] Senhor, o fato da noite de natal que tanto se inverte, se comenta e se envenena, foi ocasionado pelos cônegos, já preparados para alguma cousa. Eu portei-me té com algum rebaixamento e dignidade Episcopal, [...] Senhor o que me punge, o que me mata, é a lembrança, que V.M.I em fim acreditará o que de mim se tem escrito e inventado. Meu soberano, meu Senhor, Que em mim depôs sua confiança para tão alto ministério. Pesar-me em fim de ter-me escolhido, eis, Senhor, o que sobremaneira me dóe muito além do que de mim se tem inventado. (CAMARGO, 1953, p. 165). Nesse momento Dom Antônio afirma sua vocação a função. A correspondência citada acima identifica que esse religioso considerava o Poder Imperial como um dos representantes da religião católica e a ele deveria se retratar, explicando as suas tomadas de atitude perante os religiosos e a seu rebanho. A postura de Dom Antônio diante ao Poder Imperial revela que esse não se considerava como uma autoridade importante dentro da sociedade e desse modo, acredito que esse religioso se distancia dos demais bispos. Uma das barreiras que provou a constante desobediência por parte do clero ao bispo se relacionou no conflito da Capela Nossa Senhora Aparecida em Guaratinguetá no ano de 1854 no qual Dom Antônio foi impedido pelo pároco de colocar a caixa eclesiástica para angariar ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 20 fundos para a manutenção do Seminário. Essa atitude de rebeldia por parte dos mesários, sendo censurada a ação desses mesários pelo Presidente de Província: Chegando ao meu conhecimento que mandando o Exmo. Bispo diocesano colocar no interior da Igreja de Nossa Senhora Aparecida uma caixinha para as esmolas destinadas à edificação do Seminário Episcopal, opuzeram-se Vmcs a esse ato com pretexto de ser possível dar-se confusão no destino das esmolas. Cumpre-me significar-lhes que nenhum incoveniente se dá ao alvitre tomado pelo mesmo exmo Bispo, e nenhum direito assiste à mesa administrativa da Capela para impugnar, sendo que parecia melhor que ela, em respeito ao prelado, procurasse até interessar-se por uma medida que tem um fim tão justo (CAMARGO, 1953, 146). Dessa forma, podemos perceber nessa passagem que os conflitos com Dom Antônio são constantes, pois o Pe. França em resposta a essa questão de Aparecida, trouxe uma proposta na Assembleia Provincial de dois artigos. n. 6 – Art. 1º Fica abolido neste bispadoo uso até agora praticado de remir- se por dinheiro as penitências públicas impostas aos contraentes que inculpadamente se acharem ligados com algum impedimento para o matrimônio, e que dele obtiverem licença. Art 2º Ficam revogadas as disposições em contrárioN. 7 – Art. 1º – As licenças para celebração da primeira missa dos clérigos ordenados de presbíteros, serão cooncedidas gratuitamente e durarão por tanto tempo em quanto os mesmo clérigos não forem condenados por sentença a alguma pena eclesiástica. Art 2º – Ficam revogadas as disposições em contrário (CAMARGO, 1953, p. 165). Portanto, o intuito do Pe. França seria enfrentar diretamente as instruções de Dom Antônio. Além de propor esses artigos, o religioso defende seu ponto de vista baseado em algumas suspensões que esse considera como arbitrárias feitas por Dom Antônio e abordava constantemente o caráter sisudo do bispo e também por adotar o canonista Lequeux cujas obras foram condenadas por Pio IX, conforme verificamos em discussão acima. Contudo o Pe. França fora questionado pela Assembleia por ter desacatado o seu superior na hierarquia religiosa, e que se esse estivesse descontente deveria fazer a denúncia à Roma. Em resposta Pe. França: “Não é preciso, retrucou-lhe o clérigo deputado, temos no Brasil tribunais competentes”. Dessa forma, podemos perceber que o Pe. França se classificaria como uma mentalidade contrária aos ideais ultramontanos de Dom Antônio e por esse motivo critica as atitudes do bispo de São Paulo. Além disso, ao se rejeitar a denunciar a Roma, a conduta de Dom Antônio deixa claro sua atitude regalista. Para a defesa de Dom Antônio, podemos perceber o relato de Dom Viçoso com a finalidade de fazer uma análise à discussão empreendida pelo Pe. França no Jornal do Commercio. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 21 Recentemente se copiou em uma folha pública que um deputado fizéra requerimento contra o Sr. Bispo de S. Paulo, por não pôr a concurso as Igrejas, e que outro Sr. lhe respondeu vitoriosamente, e no meio de apoiados, que o Sr. Bispo não podia estar sujeito à alçada daquela casa, e que se havia motivos de queixa contra seu atos existia recurso à corôa, e mesmo quanto aos processos à Relação Eclesiástica, e que não trouxesse o Prelado às discussões da Assembléia; cuido que tudo se calou com as razões dêste sábio Doutor (PIMENTA, 1876, p. 187). Com isso, percebemos que os bispos de Minas e São Paulo tinham um estreitamento em suas relações pessoais de modo que Dom Viçoso se mostrou a favor das práticas de Dom Antônio e monta uma defesa bem enfática quanto aos conflitos. Portanto, durante o bispado de Dom Antônio, vimos uma série de fortes resistências por parte do clero em implantar a reforma em São Paulo, principalmente por parte dos representantes do Cabido. O Tenente Coronel Amador R. Lacerda Jordão faz também uma defesa do Bispo Diocesano na Assembleia Legislativa Provincial de São Paulo. Senhores, deviamos ser os primeiros a respeitar o lugar que S. Exma Revma. tem para descansar quando vem a cidade. Nós sabemos que o bispo compreende a sua alta missão; êle aboliu a pompa, nós vemos andar por estas ruas a pé como qualquer homem pobre, os trajes, nem de seda são. Quanto à conduta moral creio que ninguém ousará dizer alguma coisa a respeito de S. Exa. e quanto à sua conduta científica acho que a respeito de negócios eclesiásticos o Sr. Bispo é bastante ilustrado. As suas leis canônicas êle as entende perfeitamente, e não consta que o Sr. Bispo tenha assessor. (CAMARGO, 1953, p. 178). Ao afirmar que Dom Antônio é um homem simples, o tenente coronel quer de certo modo afastar as denúncias de ambição favorecida pelas caixas eclesiásticas. Além disso, foi citado pelo deputado Amador R. de Lacerda que a caixa pia responsável pelas comutações pecuniárias estavam sob o controle desse religioso e que suas ações são as mais honestas possíveis, destacando um comportamento exímio de Dom Antônio Joaquim quanto as finanças do bispado. Em contraponto a defesa ao bispo, um dos membros do cabido Joaquim do Monte Carmelo escreve um livro a fim de promover um debate contrário o bispo e a favor do membro do cabido Joaquim Anselmo de Oliveira. Essa obra fora publicada no ano de 1873, depois do bispado desse religioso e o define como um biso despreparado para tal cargo, destacando uma influência direta dos Padres de Itú nesse religioso como algo pejorativo e define Dom Antônio como ignorante, caprichoso e cínico. De acordo com Joaquim Anselmo, o Seminário construído por Dom Antônio era uma instituição que não tinha um valor doutrinal eficaz para esse religioso e os bispos ultramontanos ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 22 como Dom Vital não eram mais do que um grupo de “rapazolas”. O autor destaca também que o intervencionismo do papa deveria ser freado pelo Poder Temporal e se ressentia quanto à preferência de Dom Pedro II em nomear os bispos ultramontanos e destaca a ausência de oposição devido à perseguição sofrida pelos membros do cabido a exemplo cita que fora destituído do cargo por Dom Antônio Joaquim de Mello, se intitulando o representante do regalismo clerical. Durante a questão religiosa (no qual abordaremos em capítulos posteriores) Joaquim de Monte Carmelo vai ter sua posição favorável à maçonaria e tecerá elogioso copiosos à essa sociedade secreta e se porá contra os bispos ultramontanos e será definido por Augustin Wernet como um clero regalista. Contudo, ao analisar os outros representantes do cabido como Ildefonso Xavier Ferreira, temos outra perspectiva desse clero. Esse religioso foi responsável pela reedição das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia em 1853, um dos símbolos do ultramontanismo no Brasil. Dentro do prefácio dessa edição é visível sua proximidade com os ideais ultramontanos, nos quais exalta a participação dos jesuítas como missionários responsáveis por trazer ao país a fé católica. Durante o século XIX Ildefonso aponta para a participação dos capuchinhos para dar prosseguimento ao trabalho dos jesuítas de catequização e vê com bons olhos a entrada dessa ordem religiosa. Todavia o religioso analisa o fracasso da introdução das ordens religiosas no século XIX como fruto da época e dos acontecimentos históricos que foram ao longo do tempo sucedendo no país. Além disso, Ildefonso deixa claro a autonomia da Igreja Católica em relação aos outros poderes ao traçar a história da introdução da religião católica no país e a participação dos bispos em sua construção, dando destaque aos bispos que atuaram segundo os princípios ultramontanos, como Dom Romualdo Seixas. A questão que traz a tona nessa análise é como um dos representantes do cabido que de acordo com Wernet são dotados de atitudes regalistas publica uma obra tão importante para o ultramontanismo brasileiro? Desse modo, partido dessa premissa, não podemos afirmar que todos os representantes do cabido são todos constituídos por ideais regalistas e temos um exemplo de Ildefonso através da reedição das Constituições Primeiras na diocese paulista. Em pesquisa a documentação de Dom Antônio Joaquim de Mello não percebemos nenhum tipo de menção ao trabalho de Ildefonso o que nos deixa uma lacuna, diante essa questão, uma vez que, conforme já foi citado acima as Constituição Primeiras representam o documento mais importante da influência do ultramontanismo no país. Acredito que pelo conflito existente entre bispo e cabido a reedição das Constituições Primeiras de 1853 não foi levada em consideraçãopelo bispo. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 23 Apesar dos questionamentos por parte dos membros do cabido, a reforma de Dom Antônio Joaquim de Melo persistiu durante bom tempo na diocese de São Paulo. Um dos movimentos implementados por esse religioso que se manifesta contrário às decisões do Estado Imperial foi uma carta escrita por Dom Antônio que repreende a da Comissão de Justiça civil e negócios eclesiásticos acerca da aprovação dos casamentos mistos, posta em discussão pelos representantes do poder civil. Através da análise de uma carta escrita por Dom Antônio Joaquim de Mello ao Imperador, podemos concluir a forma com que esse religioso defende um dos maiores sacramentos criados pela Igreja. Esse religioso se mostra contrário a aceitação por parte do Imperador em implementar o casamento civil e também aceitar a união entre católicos e protestantes. Com isso, devemos analisar essa atitude desse religioso como uma manifestação vital para a demonstração do seu caráter ultramontano na sociedade. Portanto, como podemos observar que esse religioso pretendeu através de seus escritos prosseguir as reformas religiosas de Dom Antônio e com isso previa a manutenção de um clero voltado para os ensinamentos tridentinos, sendo esses religiosos obedientes à hierarquia diocesana e voltado para a religiosidade de modo que seus atos fossem voltados para educar a população de acordo com os preceitos ultramontanos de fé e religiosidade. Para isso, esse religioso deveria se devotar à religião e a seus fiéis, residindo bem próximo à Igreja de modo que esse pudesse acompanhar todo o desenvolvimento do seu rebanho. Conforme citamos acima, Dom Antônio seria a figura de um bispo que muda completamente o perfil de um bispo ultramontano. Contudo, Através da análise das cartas pastorais e visitas analisadas ao longo desse trabalho, podemos perceber um religioso que possui pouca formação acerca da sua função enquanto bispo, suas visitas pastorais não foram realizadas ao longo de toda a sua diocese. Sua preocupação quanto a moralização do clero estava retida apenas a vestimenta e pouco se falava sobre o comportamento moral e ao que esse clero estava se formando intelectualmente. Questões como o crime de solicitação por exemplo, foram apenas recomendadas e não investigadas a fundo durante o período do seu bispado. O conflito ocorrido entre os representantes do cabido e o bispo foi o ponto chave para se compreender essa questão. Apesar da historiografia tradicional acusar os representantes do cabido de promover uma disputa com Dom Antônio por serem aqueles representantes do regalismo, creio eu que essa afirmação não se procede, uma vez que um dos maiores representantes desse grupo publica no ano de 1853 uma revisão das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia que seria uma das maiores representações da reforma ultramontana no país. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 24 Ao analisar a postura de Dom Antônio Joaquim de Melo ao longo do meu trabalho, é visível sua pobreza pastoral num texto que está constantemente preocupado apenas com o moralismo e não com as doutrinas ultramontanas. Ao evocar o uso das vestimentas e definir os costumes do clero o bispo deixa de lado os cânones religiosos e em nenhum momento aconselha seu rebanho baseado nos cânones e autores consagrados pelo ultramontanismo como podemos identificar diversas vezes em Dom Antônio Ferreira Viçoso na diocese de Mariana. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAMARGO, Mons. Paulo Florêncio da Silveira. A Igreja na História de São Paulo (1851- 1861). Instituto Paulista de História e Arte Religiosa, São Paulo, 1953. PIMENTA, Silvério Gomes. Dom Viçoso: Vida e Obra. Tipografia de Mariana 1876, WERNET, Augustin. A Igreja paulista no século XIX. A Reforma de D. Antônio Joaquim de Melo (1851- 1861). São Paulo: Ática, 1994. São Jorge e Ogum: dois “santos” ocupam o mesmo lugar no espaço (sagrado) – o dia 23 de abril na cidade de Niterói Denise David Caxias14 “Eu sou descendente Zulú Sou um soldado de Ogum devoto dessa imensa legião de Jorge Eu sincretizado na fé Sou carregado de axé E protegido por um cavaleiro nobre”15 São Jorge e Ogum São Jorge, nativo da Capadócia (Turquia), passou Silene (na Líbia), onde venceu um dragão, morreu como mártir cristão durante a época dos imperadores romanos Diocleciano e Maximiliano; Ogum, Segundo a narrativa africana, a historia se inicia na cidade de origem do 14 Mestranda em Geografia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bolsista na Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, sob orientação da professora Dra. Aureanice de Mello Corrêa. denisecaxias@id.uff.br 15 Música Ogum interpretada por Zeca Pagodinho, Compositor: Claudemir / Marquinho PQD ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 25 ioruba, Ifé. Possuía a função de general, fez várias expedições guerreiras contra cidades-estados iorubanas e se instalou como rei em Ire, onde deixou seu filho como governador. Volta para Ire e não é reconhecido pela população. Irado, mata vários habitantes e depois descobre que estavam todos numa festa onde não podiam falar. Suicida-se e desaparece na terra. (SAHR,2013) Narrativas diferentes, mas com uma confluência: a luta, o vencer. Segundo a tradição, São Jorge defende e favorece a todos os que a ele recorrem com fé e devoção, vencendo batalhas e demandas, questões complicadas, perseguições, injustiças, disputas e desentendimentos (DIAS, 2016). Durante a Festa de São Jorge e nas entrevistas realizadas, fica clara essa busca de justiça, de ajuda na batalha direcionada ao santo. No mesmo espaço: “Se meu pai é Ogum, Vencedor de demanda, Quando vem de Aruanda é pra salvar filho de Umbanda”, observamos a letra de uma música intitulada Ogum, que também faz menção a luta, salvar filho de Umbanda, ou seja, lutar pelo devoto. Buscar encalços para compreender como essas duas figuras religiosas, São Jorge e Ogum, coabitam num mesmo espaço sagrado tem sido o objetivo dessa pesquisa. Não esgotaremos esta aqui, apenas abordaremos uma das possíveis repostas para a compreensão dessa dinâmica sócio espacial. Uma Fronteira Porosa É perceptível ao andar pelas ruas de Niterói no dia dedicado a São Jorge, a existência de um território: o da Festa. Esse território se constrói a partir do jogo de poder estabelecido pela cultura hegemônica (Catolicismo) e alternativa (religiões de matrizes africanas), que, no entanto, permanentemente troca, entre si, influências culturais, tanto na verticalidade, quanto na horizontalidade (CORRÊA, 2004). Território este, que se configura pelas suas porosidades fronteiriças. A circularidade das diferentes culturas engendradas no mesmo espaço sagrado culmina numa territorialidade particular, que se aprofunda pela sua produção simbólica, transpondo a noção de um território fechado. A Festa se expande por toda a cidade, ela semiografa no espaço urbano um novo espaço, o sagrado e emerge delimitando um território cultural. Consideramos território porque a Festa exerce poder na sua trajetória itinerante: a procissão. Exerce poder, controla os acessos e interfere diretamente no cotidiano de quem usa transporte público ou coletivo, pois a cidade se re-organiza para a passagem daprocissão ao santo guerreiro conforme a Figura 1. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 26 Figura 1: Mapa: Caminho da Procissão Fonte: Construído pela autora a partir da Festa com o Google Maps Esse território cultural traduz uma territorialidade múltipla. Durante a Festa entrevistamos duas senhoras, avós, que fizeram promessas relacionadas a seus netos. Uma é católica devota de São Jorge, e a outra é mãe de santo, devota de Ogum e São Jorge. A primeira prometeu que se seu neto ficasse curado de uma doença grave, o vestiria durante sete anos de São Jorge e o levaria para a procissão como forma de obrigação devocional. A mãe de santo fez uma promessa relacionada a uma deficiência genética, se seus netos não nascessem com esse problema ela os levaria na Festa de São Jorge vestido conforme a imagem do santo. Essas duas histórias se entrecruzam na mesma procissão, no mesmo espaço sagrado, demonstrando o hibridismo cultural e religioso ali presente. A fronteira é porosa, a fronteira do território da Festa não exclui, mas inclui a diferença. A Festa não possui um caráter homogêneo, ela fortalece o poder dominante, mas expressa também a realidade, os conflitos e as tensões ao mesmo tempo em que age sobre elas, é um ponto de confluência das ações sociais cujo fim é a própria reunião ativa de seus participantes (GUARINELLO, 2001). Mesmo fortalecendo o caráter dominante do guerreiro católico, a Festa imprimi no espaço a figura de Ogum. Quando 36% dos entrevistados se consideram devotos de São Jorge e de Ogum construímos a narrativa da circularidade cultural, e na paisagem é nítida as influencias culturais ali presentes, na figura 2 observamos a influencia das religiões de matrizes africanas, na caracterização do Zé Pilintra e na utilização da cor vermelha nas velas. A diferença agrega no momento da Festa, ela une em um só proposito: o ato de Festejar. Como Corrêa (2013) afirma, “o ato de festejar enseja a constituição de territorialidades que delineiam o território – um território encarnador da cultura”. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 27 Figura 2: Imagens da Festa de São Jorge Fonte: fotos do autor, 2015 e 2016. Partindo do momento festivo, acreditamos que os dois guerreiros não disputam um território, mas encarnam culturalmente o mesmo espaço sagrado. Se hibridizam e constroem a singularidade da Festa na cidade niteroiense. A disputa religiosa se dá no campo da resistência da religião católica (politica). E nesse sentido, a Festa é um evento central para compreendermos a produção social do espaço, pois ela re-significa identidades e re-afirma a dimensão cultural da/na cidade. A Festa re-existe, a Igreja resiste, a cultura encarna. Referências CORRÊA, Aureanice de Mello. Irmandade da Boa Morte como manifestação cultural afro-brasileira: de cultura alternativa à inserção global / Aureanice de Mello Corrêa. – Rio de Janeiro: UFRJ/PPGG, 2004. __________________________, “Não acredito em deuses que não saibam dançar”: a festa do candomblé, território encarnador da cultura. In: CORRÊA, R. L; ROSENDAHL, Z. Geografia Cultural: uma antologia, volume II. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013. DIAS, João. Festejos de São Jorge na Arquidiocese de Niterói. Disponível em: <http://arqnit.org.br/arqnitfinal/festejos-de-sao-jorge-na-arquidiocese-de-niteroi/>. Acesso em: 05 out. 2016. GUARINELLO, N.L. Festa, trabalho e cotidiano, in, Festa: Cultura e Sociabilidade na América Portuguesa. Jancsó, I; Kantor,I. (orgs) – São Paulo: Editora Hucitec/ Edusp, 2001. Volume II. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 28 SAHR, W. D. O mundo de São Jorge e Ogum: contribuição para uma geografia da religiosidade sincrética. In: CORRÊA, R. L; ROSENDAHL, Z. Geografia Cultural: uma antologia, volume II. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013. Uma análise contrastiva do discurso católico sobre Astrologia Milena Lepsch da Costa¹ A Sociolinguística Interacional: Conceitos Fundamentais Para existir linguagem é necessário que haja interação entre, no mínimo, dois falantes que compartilhem atenção e tenham a mesma intenção comunicativa. A Linguística, entretanto, passou por um longo período desconsiderando o contexto de comunicação e as influências que a linguagem provocava na sociedade, bem como as que recebia dela. O estruturalismo e o gerativismo), abordagens de natureza formalista, deixaram de lado, também, a questão da variação e da mudança linguística, pois consideravam que a língua era um sistema homogêneo e que esses processos não seriam passíveis de estruturação. (cf. MONTEIRO, 2002). Contudo, as línguas são vivas e heterogêneas, assim como seus falantes, portanto, é de fundamental importância que elas sejam consideradas em relação às sociedades que as utilizam. Nesses termos, a língua influencia a sociedade e é influenciada por ela. Conforme salienta Labov, em 1968, pela sua obra em parceria com Weinreich e Herzog (Emperical foundations for a theory of language change), que representa o início da Sociolinguística Variacionista, ciência que considera a língua como um processo heterogêneo que passa por processos regulares de variação e mudança, ocasionados por fatores intra e extralinguísticos, isto é, da própria língua e da sociedade, respectivamente. Para Goffman (1980) o conceito de face é desenvolvido da seguinte maneira: sempre nos esforçamos para desempenhar uma atitude coerente diante dos outros, um papel, uma face positiva para o nosso interlocutor. De modo tal, que estamos a todo o momento representando papéis sociais, como se fôssemos atores em um teatro. Na interação face a face e no primeiro capítulo clássico, de seu Ritual de Interação, o autor analisa o esforço que fazemos para preservar a fachada, uma atitude coerente diante dos outros. A partir desta ideia, o teórico desenvolve o conceito de linha, caracterizando-se como uma atividade composta por atos verbais e não verbais, sobre o qual podemos expressar coerentemente uma opinião sobre uma dada informação, um dito alinhamento. Esta atitude se dá através de participantes da interação e passa principalmente pelo próprio interlocutor. ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 29 Nesta seção um importante conceito também é desenvolvido: o de fachada, descrito como o valor positivo que uma pessoa reclama para si mesma, através da linha que os outros pressupõem que determinada pessoa assume, em um contexto particular. Todos os conceitos aqui desenvolvidos por Goffman (1980), como antes descrito, estão acontecendo na interação social, de forma real, face a face, com sujeitos sociais situados, culturais e contextualizados. Sendo assim, o sujeito também é refém de imagens criadas pelos outros, das quais o autor descreve como fachadas, também resultado da vida social em interação. O sociólogo demonstra uma rica análise de como se constituiria a vida cotidiana e quais as regras que “invisivelmente” a formaria. O constrangimento, nesses termos, seria uma marca clara da qual quebramos uma regra social pré-estabelecida. Ainda, desenvolve a teoria de que o ator social não só interpretaria um papel que melhor lhe convém, como também se caracteriza deste papel, atravésde vestimentas, gestos e comportamentos, alinhando-se a um determinado comportamento e padrão social. Segundo o autor, em seu texto Elaboração da Face: “Toda pessoa tende a experimentar uma resposta imediata à face que lhe é proporcionada, por um contato com outros, sua face é catexizada, seus “sentimentos” ficam ligados a ela. Se a imagem sustentada pelo encontro há muito tempo é considerada pela pessoa como algo natural, provavelmente a questão não envolverá uma grande carga de sentimentos. Se os eventos estabelecem para uma pessoa uma face melhor do que a que seria de se esperar essa pessoa tende a se sentir bem. ” Partindo-se desta citação, e considerando o esforço que todos nós fazemos para nos apresentarmos favoravelmente aos demais, presumi que seria “desafiador” e “interessante” questionar Isabela sobre sua crença em Astrologia. Metodologia de Pesquisa A análise contrastiva dos dois excertos parte da Sociolinguística Interacional, nos termos de Goffman (1980) e seu conceito de face e alinhamento. A entrevista foi realizada no dia 08/06/16, na casa da entrevistada, na Zona sul do Rio de Janeiro. Para a gravação, utilizei- me apenas do gravador do iPhone. A entrevista foi facilitada, por ser amiga do filho da entrevistada. O corpus é dividido em dois excertos. O primeiro, em que o seminarista se encontra presente, com duração de 06’ 34’’. E o segundo, em que se ausenta, com duração de 18’ 58’’. Tal saída não foi combinada, o mesmo acreditou, “espontaneamente” que estava interferindo na entrevista e saiu da interação. Percebendo esta atitude, resolvi gravar ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 30 novamente, para observar como se estruturaria minha conversa com Isabela. A abordagem é qualitativa e considera o discurso pela abordagem macro (social) e micro (discurso). Aporte Teórico Com base em Goffman (1980) e no modo como o mesmo define o comportamento social em seu texto “Elaboração da Face”, compreendo que todos nós seguimos uma linha lógica para nos apresentarmos à sociedade. Desenvolve conceitos relevantes considerados neste trabalho e em muitas investigações em ciências humanas, como: face, sentimentos associados à face, a face do self e a face do outro; ter, manter, estar em face; perder X salvar a face; face social e mútua; elaboração da face e interação falada. Além dos atributos já conhecidos de apresentação que sabemos como: aparência, aspecto externo, o termo face pode ampliar para um sentido conotativo de expressão de dignidade, auto-respeito e prestígio. Esse duplo sentido é explorado pelo autor ao empregar a terminologia “shamefaced” (perder a face, desacreditar-se) ou “to save face” (salvar a face). A face do self e a face do outro são demonstradas como construtos sociais, elaboradas na mesma ordem. Análise dos dados Nesta seção, discutirei o conceito de face, alinhamento e enquadre, propostos por Goffman (1980), partindo do meu corpus de análise. Observarei os trechos nos excertos 1 e 2 e descreverei, por partes, como a nossa entrevistada utiliza-se das estratégias de mitigação para preservação da face no excerto 1 e como observamos a ausência de traços mitigadores no excerto 2. O trecho abaixo, aconteceu no primeiro excerto de gravação (duração de 2’ 27’’), anteriormente, a entrevistada afirmava sua crença católica, tradição de família, e seu esforço em permanecer neste segmento religioso, frequentando missas e encontros diocesanos. Por se tratar de uma questão “contraditória”, pelo fato de geralmente pessoas religiosas não acreditarem em questões místicas, eu, propositalmente, pergunto à Isabela sua crença em horóscopos, neste ponto. Dado essa contextualização, vamos aos dados: ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 31 Trecho 1: “Não sou fanática, tenho que ler o horóscopo. ” 1 2 Milena (2’27’’) E a questão do horóscopo me:smo para a senhora (.) como que é importa:nte, como é que é hh 3 4 5 6 7 8 Isabela Olha o horóscopo é assim não é importa:nte assim, eu via meu pai li:a escutava horóscopo eu gosto de dar uma olhad:inha assim (.) entrar na internet e v:er. Às vezes eu não me identifico muito bem = com uma pessoa de um signo, com outras eu já não bato bem assim (.) entendeu? Algumas coisas batem certo, outras não, assim questão de tempo mesmo não sou fanática tenho que ler o horóscopo. Assim (.) quando eu tenho um tempi:nho eu dou uma olhadi:nha Neste excerto, podemos observar que eu, ao entrevistá-la, fico desconsertada ao perguntar sobre a questão do horóscopo (linhas 1-2) por saber que se tratava de uma relação “contraditória” em relação à sua crença, desafiando, dessa forma, sua face e o alinhamento católico que segue em sua vida e discurso, até então. Nesse sentido, não consigo desenvolver a pergunta. Como pode-se observar na linha 2: “Como que é importante, como que é hh. ” Há um momento de hesitação. Em seguida, mostra-se meu constrangimento pelos “risos” (“hh”). Segundo Goffman (1980, 79) “Quando uma pessoa está na face errada ou fora de face, o encontro está sendo enriquecido por eventos expressivos que não podem ser prontamente urdidos na trama expressiva da ocasião.” Em seguida, na linha 3, quando Isabela responde, primeiramente, utiliza-se do marcador discursivo “olha”, demonstrando que também entendeu a pergunta como desconcertante e precisou de um tempo para elaborá-la. Em seguida, afirma que o horóscopo não é importante para sua vida e tenta mitigar este fato, pela presença do diminutivo e do alongamento, marcado no verbo no particípio: “olhadi:nha”, nas linhas 4-5: “Eu gosto de dar uma olhad:inha assim, entrar na internet.” Outra característica que podemos citar é que nossa entrevistada se esforça, neste primeiro excerto, diante de seu filho, representante da igreja católica e um estudioso para minorar seu interesse em horóscopos, e possivelmente, diminuir as críticas que receberia dele. Marca-se linguisticamente essa estratégia através do advérbio de tempo, na linha 5: “às vezes”, demonstrando-me que nem sempre os horóscopos são confiáveis, e que não possui uma regularidade certa ao visualizá-lo. A mesma interpretação segue para o termo “algumas coisas”. Às vezes eu não me identifico muito bem com uma pessoa de um signo, com ..............V SEMANA DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO - II CONACIR.............. ..........RELIGIÃO E VIOLÊNCIA: configurações contemporâneas.......... Anais do CONACIR, Juiz de Fora (MG), ano 2, v. 1, dez. 2016 32 outras eu já não bato bem assim (.) entendeu? Algumas coisas batem certo, outras não, assim questão de tempo mesmo. (grifo meu) Após esta primeira conversa, Isabela mostra-me propriamente na linguagem que não performa-se como “fanática”, como ela mesma diz, e usa apenas o horóscopo por curisosidade. Em seguida, observa-se novamente estratégias de diminuição de importância pelos diminutivos e alongamento nas palavras: “tempinho” e “olhadinha”. Linhas 7,8: “Não sou fanática, tenho que ler o horóscopo. Assim (.) quando eu tenho um temp:inho, dou uma olhad:inha.” Observando essas estratégias, continuo a pergunta-la se seu interesse em horóscopos e Astrologia realmente é diminuto. Pode-se observar esse questionamento a seguir: Análise do excerto 2 Contextualização: Após a primeira fase da entrevista, agora, sem a presença de seu filho, seguimos com a conversa (18’58’’). A primeira fase do excerto 2 retoma o contexto católico, e a entrevistada conta-me várias narrativas sobre sua infância religiosa
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