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História da Psiquiatria e Reforma Psiquiátrica

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HISTÓRIA DA PSIQUIATRIA E DA 
REFORMA PSIQUIÁTRICA 
CRISTIANE DE CARVALHO GUIMARÃES 
 
 
 
 
Índice 
Aula 1: O que é loucura? ................................................................. 5 
Saúde .......................................................................................... 5 
Saúde mental ............................................................................... 6 
Transtornos mentais e comportamentais ........................................ 6 
A procura por uma classificação ..................................................... 7 
CID .............................................................................................. 7 
DSM ............................................................................................. 8 
A loucura fascina o homem ........................................................... 9 
A antiga Grécia ............................................................................. 9 
Roma antiga ............................................................................... 10 
Idade média ............................................................................... 10 
Renascimento ............................................................................. 11 
Iluminismo e Revolução Francesa ................................................ 11 
Evolução .................................................................................... 12 
Aula 2: O Nascimento da Psiquiatria e do Hospício .......................... 13 
Fim da Idade Média .................................................................... 13 
Hospitais Gerais .......................................................................... 14 
A Grande Internação ................................................................... 14 
Revolução Industrial.................................................................... 15 
Philippe Pinel .............................................................................. 15 
William Tuke ............................................................................... 15 
O hospício .................................................................................. 15 
Aula 3: Críticas ao saber psiquiátrico .............................................. 18 
Jean Esquirol .............................................................................. 18 
Década de 30 ao final da II Guerra .............................................. 19 
Aula 4: Reforma Italiana ................................................................ 22 
Críticas ao saber psiquiátrico ....................................................... 22 
Franco Basaglia .......................................................................... 23 
Paradigma clássico da Psiquiatria ................................................. 24 
Lei Basaglia ................................................................................ 24 
Desinstitucionalização ................................................................. 24 
Contexto Brasileiro ...................................................................... 25 
Reforma Psiquiátrica no Brasil ...................................................... 26 
Aula 5: Psiquiatria no Brasil ............................................................ 27 
Início da Psiquiatria no Brasil ....................................................... 27 
Extensão do espaço terapêutico ................................................... 29 
Higienismo ................................................................................. 30 
A explosão dos hospitais públicos ................................................ 30 
Aula 6: A indústria da loucura ........................................................ 32 
Contexto político pós-golpe de 1964............................................. 32 
Novas propostas ......................................................................... 34 
Movimento antimanicomial .......................................................... 34 
Aula 7: Reforma Psiquiátrica Brasileira ............................................ 36 
A trajetória alternativa ................................................................ 36 
Um novo projeto em Saúde Mental .............................................. 37 
A Lei Antimanicomial ................................................................... 38 
Aula 8: Desinstitucionalização no Brasil ........................................... 43 
Ministério da Saúde ..................................................................... 43 
Hospitais-dia ............................................................................... 43 
CAPS Professor Luiz da Rocha Cerqueira ...................................... 44 
NAPS Santos ............................................................................... 44 
CAPS Rubens Corrêa ................................................................... 45 
Paradigmas dos serviços de atenção psicossocial no Brasil ............ 45 
Residências terapêuticas ............................................................. 46 
Centros de Atenção Psicossocial ................................................... 47 
Programa "De volta para casa" .................................................... 48 
Residências terapêuticas ............................................................. 48 
Rede de atenção psicossocial ....................................................... 49 
 
Aula 1: O que é loucura? 
 
Na primeira aula de nossa disciplina, vamos nos dedicar a construir o atual 
conceito de loucura e contextualizar sua concepção. 
 
Partimos da compreensão do conceito de saúde mental proposto pela 
Organização Mundial de Saúde (OMS) para entender todas as suas dimensões 
além dos fatores que a influenciam. 
 
Vamos discutir o termo transtornos mentais e comportamentais e ver como ele 
se relaciona com "loucura" e "doença mental". 
 
Estabeleceremos as bases a partir das quais poderemos entender os graus de 
complexidade e variedade envolvidos nas manifestações de transtornos mentais 
e comportamentais além de duas abordagens para classificá-los utilizadas 
atualmente. 
 
Faremos uma viagem à antiga Grécia para observar como Hipócrates criou o 
primeiro conceito médico para loucura e como ela estava ligada a 
manifestações sobrenaturais. Avançando um pouco na linha do tempo, 
passaremos por Roma para entender a contribuição de Galeno. 
 
Chegando à Idade Média e passando por ela, vamos entender como o conceito 
de loucura se transforma no Renascimento e no contexto da Revolução 
Francesa. 
 
Saúde 
 
“Saúde não é simplesmente a ausência de doença ou enfermidade, mas sim um 
estado de completo bem-estar físico, mental e social” (Constituição da OMS, 
Nova Iorque, 19 a 22 de junho de 1946). 
 
O trecho anterior, elaborado por uma das mais importantes instituições 
mundiais com foco na saúde, propõe um entendimento bastante mais amplo do 
que a "não se estar doente". Saúde é uma condição, um estado que cria 
oportunidades de vida plena. 
 
Saúde Mental 
 
Quando abordamos o conceito de saúde mental, percebemos que este estado 
tem dimensões relacionadas ao bem-estar subjetivo, autoeficácia percebida, 
autonomia, competência, dependência intergeracional e autorrealização do 
potencial intelectual e emocional da pessoa. 
 
Isso acontece porque, ainda de acordo com a OMS: 
 
“(...) o funcionamento mental tem um substrato fisiológico e está 
indissociavelmente ligado com o funcionamento físico e social e aos ganhos em 
saúde” (OMS, Relatório Mundial da Saúde, 2001:32). 
 
Transtornos mentais e comportamentais 
 
Como são várias as dimensões relacionadas à saúde mental, há diversasmanifestações que resultam em condições que não consideramos saudáveis. 
Transtornos mentais e comportamentais é um termo que compreende este 
grande conjunto de manifestações. 
 
Esta é uma designação, um termo genérico para qualquer comprometimento, 
anormalidade ou sofrimento com impacto sobre a saúde mental. É esteo termo 
preferencialmente utilizado no lugar de "loucura" ou "doença mental". 
 
Encontramos, nesse variado conjunto de manifestações, problemas advindos de 
fatores tanto orgânicos quanto ambientais. O comportamento humano é 
resultado da interação da biologia com fatores sociais e, portanto, sua 
compreensão envolve diversas ciências e categorias profissionais. 
 
Na verdade, o conceito de loucura tem sido objeto de estudo profundo e 
contínuo de toda a comunidade científica envolvida com o tema. Isto acontece 
pois são inúmeros os fatores envolvidos e é enorme a variedade de 
manifestações. 
 
A procura por uma classificação 
 
Dada a amplitude de fatores e manifestações relacionados aos transtornos 
mentais e comportamentais, a tarefa de criar uma taxonomia que permita sua 
classificação tem se mostrado interminável. Podemos perceber claramente esta 
dificuldade, pois ela está relacionada à subjetividade do ser humano que 
julgamos infinita. 
 
Há duas classificações de transtornos mentais e comportamentais amplamente 
conhecidas e que são ainda objeto de contínuo estudo e revisão. Elas são 
respectivamente: 
 
 CID (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados 
com a Saúde); 
 O DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). 
 
Cada uma dessas propostas de classificação tem méritos e falhas, que são 
resultado natural de suas abordagens, foco e profissionais envolvidos. 
 
CID 
 
A Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a 
Saúde (CID) é o padrão de classificação criado e publicado pela OMS. Ele 
propõe uma taxonomia para: 
 
 Doenças; 
 Sinais; 
 Sintomas; 
 Aspectos anormais; 
 Queixas; 
 Circunstâncias sociais; 
 Causas externas para ferimentos ou doenças. 
 
Ou seja, a CID integra as mais diversas patologias. Seu objetivo é claramente 
ter a maior amplitude e abrangência possíveis. Ela está em sua décima revisão 
(CID-10), que foi publicada em 1992. 
 
Em seu quinto capítulo, encontramos as classes relacionadas aos transtornos 
mentais e comportamentais reunidas em 11 grupos. A CID, entretanto, não 
fornece um conceito genérico para transtornos mentais e comportamentais. 
 
DSM 
 
O DSM (DiagnosticandStatistical Manual of Mental Disorders) é um padrão de 
classificação de transtornos mentais e comportamentais que tem a forma de 
manual. Foi criado e é utilizado pelos profissionais de Saúde Mental nos EUA. 
 
Atualmente em sua quinta edição (DSM-5), publicada em 2013, essa 
classificação tem, ao contrário da CID, foco específico em transtornos mentais e 
comportamentais. E o DSM propõe: 
 
"(...) Apesar de nenhuma definição poder capturar todos os aspectos de todas 
as desordens no conjunto contido no DSM-5, os seguintes elementos são 
necessários:" 
 
"Um transtorno mental é uma síndrome caracterizada por um distúrbio 
clinicamente significativo no comportamento, regulação emocional ou cognição 
de um indivíduo que reflete uma disfunção de funções mentais básicas em 
processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento". 
 
"(...) Transtornos mentais estão usualmente associados a significativo 
sofrimento ou deficiência em atividades sociais, ocupacionais ou outras 
atividades importantes. Uma reação esperada ou que tenha aprovação cultural 
a uma perda ou fato estressor, como a morte de um ente querido, não é um 
transtorno mental". 
 
Adicionalmente: "(...) Comportamentos sociais desviados (ex.: políticos, 
religiosos ou sexuais) e conflitos que são primários entre o indivíduo e a 
sociedade não são transtornos mentais, a menos que o desvio ou conflito 
resulte de uma disfunção no indivíduo, como descrito acima." 
 
A loucura fascina o homem 
 
Observamos que, por toda a história humana, a loucura tem estado presente 
nas artes, na literatura, no senso comum e no discurso coloquial de todas as 
classes socioeconômicas. Sua essência é, entretanto, largamente desconhecida 
e sua compreensão varia de cultura para cultura. 
 
No mundo ocidental, ela já teve diversas formas, concepções políticas, 
religiosas, doutrinárias e ideológicas. Cada uma com sua respectiva abordagem 
terapêutica, isto quando é considerada doença, pois: 
 
“(...) a doença só tem realidade e valor de doença no interior de uma cultura 
que a reconhece como tal” (Foucault, 2008:71). 
 
A antiga Grécia 
 
Na Grécia antiga, que consideramos o ponto de origem de toda civilização 
ocidental, acreditava-se que a loucura tinha causas de ordem sobrenatural. Era 
resultado de ações e forças de natureza mística e, portanto, as intervenções 
eram promovidas por médicos-sacerdotes na forma de práticas médico-
religiosas. 
 
Hipócrates criou o primeiro conceito médico de loucura abandonando as 
explicações religiosas e metafísicas em prol de mecanismos orgânicos. Ele 
propôs que há quatro humores corporais (sangue, bílis negra, bílis amarela e 
fleuma) e quatro qualidades básicas da natureza (calor, frio, umidade e aridez). 
 
O desequilíbrio causava o excesso de alguns dos humores, o que resultava em 
um mau funcionamento da personalidade. A terapia consistia em restabelecer o 
equilíbrio através de drogas e regimes, além de explicar o contexto ao paciente. 
 
Roma antiga 
 
Na antiga Roma, o doente mental tinha limitada a liberdade de agir. Ele era 
considerado incompetente em questões tanto pessoais quanto econômicas. 
 
Nessa época, Galeno propõe que o cérebro ocupa o papel central dos 
fenômenos mentais e que sintomas físicos podem não expressar qual órgão ou 
parte do corpo é o local afetado. Segundo ele, a "alma racional" é dividida em 
duas partes: externa e interna. 
 
Idade Média 
 
Prisão e hostilidade eram associadas às manifestações de loucura na Idade 
média. Havia diferentes leituras, como feitiçaria e magia. Mas, como parte do 
contexto daquele tempo, o que não era compreendido não era obra de Deus. 
Assim, o louco era como a encarnação do mal e objeto de superstição e 
feitiçaria. 
 
Renascimento 
 
O Renascimento percebeu a loucura como experiência humana, cotidiana. 
Havia festas populares promovidas por associações de loucos e há, desta 
época, uma verdadeira profusão de obras iconográficas e literárias relacionadas 
à loucura. Destacamos, dentre elas: 
 
 A Nau dos Loucos - quadro de Hieronymus Bosch, que foi pintado por 
volta de 1500. Parte de uma obra com três partes (tríptico), este quadro 
é uma alegoria que retrata e critica costumes da época. O barco é parte 
da iconografia da época e está relacionado ao acaso do destino; 
 
 Elogio da Loucura - livro de Erasmo de Roterdã, publicado em 1511, 
que contém uma das mais brilhantes sátiras da história da literatura. 
Com críticas à mediocridade e hipocrisia do contexto social, a loucura é o 
personagem central e fala na primeira pessoa; 
 
 Margot, a Louca – quadro de Peter Bruegel, o Velho, pintado em 1562. 
Nele, uma camponesa louca, Margot, saqueia o inferno, retratando uma 
lenda do folclore holandês na qual a loucura dá a Margot o poder de 
enfrentar a morte. 
 
Iluminismo e Revolução Francesa 
 
A época do Iluminismo assistiu à queda do Absolutismo e ao nascimento de um 
racionalismo humanista, além da ascensão da burguesia. São os primórdios do 
capitalismo e oinício do mundo ocidental como é hoje. 
 
Com o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, a Revolução Francesa 
queria um mundo dessacralizado que viu novas formas de pobreza e novas 
práticas de Saúde Mental. A exclusão e o aprisionamento eram práticas comuns 
no Renascimento, assim como foram na Idade Média. 
 
Mas estas práticas não estavam ligadas especificamente à loucura: eram 
relacionadas a diversas formas de misérias. Loucura não era uma doença e não 
tinha a característica de periculosidade. 
 
Evolução 
 
Vimos que, ao longo da História, a loucura teve diversas origens. Oscilou entre 
divina, demoníaca e orgânica. Foi às vezes evitada e outras vezes exaltada. 
 
Mas até hoje discutimos a importância relativa de fatores sociais, psicológicos e 
biológicos. 
 
Aula 2: O Nascimento da Psiquiatria e do Hospício 
 
Nesta aula, investigamos o surgimento da instituição do hospício e como o 
saber psiquiátrico começou a ser construído. Vimos as primeiras abordagens de 
tratamento da loucura, como o tratamento moral, além do papel que a ciência 
médica passou a ocupar. 
 
Começamos por entender o contexto histórico que se segue à Idade Média 
através dos vários movimentos como Humanismo, Naturalismo, Iluminismo e a 
Revolução Científica. A partir deste cenário, entendemos o surgimento dos 
hospitais gerais, da Medicina Mental e do hospício. 
 
Em seguida, apresentamos as primeiras abordagens de tratamento da loucura, 
como o chamado “tratamento moral” e sua prática asilar para observarmos 
como se estabelece o paradigma psiquiátrico no mundo ocidental. 
 
Fim da Idade média 
 
A partir do século XVII, observamos uma mudança na orientação básica do ser 
humano. Há um deslocamento de importância e interesse do campo da religião 
para o da experiência humana. As evidências empíricas passam a ser 
consideradas e há uma progressiva valorização da cultura clássica (Roma/ 
Grécia), com foco no antropocentrismo e racionalismo. 
 
O Renascimento assiste a uma enorme variedade de transformações culturais, 
sociais, econômicas, políticas, artísticas, tecnológicas e religiosas, em 
movimentos como: 
 
 Humanismo - Homem como ponto central em busca da razão; 
 Naturalismo - Compreensão da natureza e do meio do homem; 
 Iluminismo - Pensamento crítico em toda experiência humana; 
 Revolução científica - Abandona a crença religiosa pela observação 
empírica. 
 
São tempos de questionamento, do surgimento do estado democrático, da 
Revolução Francesa com seu lema "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", e 
neste contexto está a valorização da razão, do racional e a consequente 
rejeição da loucura. 
 
Hospitais Gerais 
 
O surgimento dos Hospitais Gerais está relacionado com a missão de isolar. 
Eles não possuem caráter médico; apenas valorizam a ética do trabalho e 
simbolizam o investimento na razão. 
 
“Doravante, a loucura está exilada. Se o homem pode sempre ser louco, o 
pensamento, como exercício de soberania de um sujeito que se atribui o dever 
de perceber o verdadeiro, não pode ser insensato” (Foucault). 
 
A Grande Internação 
 
Através da internação nos hospitais gerais, o louco é excluído da sociedade. É 
asilado junto com pobres, desempregados e outros indesejados. Cria-se uma 
infraestrutura administrativa, legal e jurídica para lidar com esta prática. 
 
“De saída, um fato é evidente: o hospital geral não é um estabelecimento 
médico. É antes uma estrutura semijurídica, uma espécie de entidade 
administrativa que, ao lado dos poderes já constituídos, e além dos tribunais, 
decide, julga e executa” (Foucault). 
 
Mas é preciso ressaltar que a chamada “grande internação” não se limita à 
loucura. Ela não tinha a intenção de terapia ou cura e, como prática comum no 
Renascimento atendia à necessidade de organizar e valorizar o trabalho e, ao 
mesmo tempo, reprimir a ociosidade. 
 
Revolução Industrial 
 
No século XVIII, as sociedades burguesas/ contratuais criam o conceito do 
emprego. A loucura passa a ser “perigosa” e “lastimável”, pois transgride as 
leis, mas não é responsável por seus atos. 
 
Há a demanda por uma repressão diferente. Surge a Medicina Mental que, nos 
séculos XVIII e XIX, propõe-se à função de tratar, não apenas de excluir. 
 
A exclusão é fundamentada cientificamente com o status de tratamento. São 
promovidas pesquisas, criados métodos de tratamento, elaboradas definições 
de loucura. Neste contexto, surgem Philippe Pinel e William Tuke. 
 
Philippe Pinel 
 
Médico francês, ele é considerado o pai da Psiquiatria. Considerava loucura uma 
doença e foi o primeiro médico que praticou uma abordagem de descrever e 
classificar. 
 
 
William Tuke 
 
Empresário quaker inglês, Tuke desenvolveu métodos humanitários para o 
tratamento de pessoas com doenças mentais que ficariam conhecidos como 
“tratamento moral”. 
 
O Hospício 
 
É neste contexto que a Psiquiatria nascente vincula seu destino ao de uma 
instituição totalitária, o hospício. 
 
“É entre os muros do internamento que Pinel e a Psiquiatria do século XIX 
encontrarão os loucos; é lá – não nos esqueçamos – que eles os deixarão, não 
sem antes se vangloriarem por terem-nos ‘libertado’” (Foucault). 
 
Na então chamada Medicina Mental, o hospício era o centro. A figura do médico 
tinha posição fundamental enquanto articulador e mantenedor. Se nos hospitais 
gerais não havia a intenção terapêutica, nos hospícios a importância não é do 
corpo de conhecimento, mas sim do médico como representação de sabedoria, 
ordem, moral e família. 
 
A razão devia ser interiorizada pelo louco através do “tratamento moral”, cuja 
abordagem primária era de descrever, classificar, tratar e curar. Era o 
monólogo da razão sobre o alienismo. O louco não tinha nada a dizer por conta 
de seu status de doente mental. O ideal humanístico e científico resultou na 
perda da voz do doente mental. 
 
O hospício estava em harmonia com uma sociedade de ideais positivistas e 
racionalistas. Eram três as operações que fundamentavam a prática asilar: o 
isolamento terapêutico, a imposição de regras imutáveis dentro do ambiente 
asilar e a criação de uma relação de autoridade. 
 
O isolamento terapêutico retirava o louco do mundo exterior ao asilo, onde sua 
doença encontraria lugar para expressar sua desordem. A internação em local 
ordenado e disciplinado seria a única maneira de o louco voltar à razão que 
perdeu através da redução da loucura à sua verdade. 
 
A imposição de regras imutáveis dentro do ambiente asilar era parte da 
necessidade de ruptura com o mundo exterior, complementada pela 
construção, a partir do zero, de um novo laboratório social para a 
reprogramação de toda a experiência humana. 
 
A relação de autoridade seria desenvolvida através da interiorização, pelo 
alienado, de uma vontade racional em uma luta entre um polo "razão" e um 
polo "não razão". 
 
Psiquiatria e hospício surgem como “soluções” modelares para resolver as 
dificuldades trazidas pela alienação numa sociedade, agora racionalista, que 
deve ser capaz de dar uma resposta a esse enigma. A cura através da razão 
inculcada pelo médico cientista, dentro do hospício, é uma resposta. 
 
Aula 3: Críticas ao Saber Psiquiátrico 
Nesta aula, introduzimos a base do conceito de reforma na Psiquiatria e como 
ele está inserido na comunidade terapêutica, Psicoterapia Institucional, 
Psiquiatria de Setor e Psiquiatria Preventiva/ Comunitária. 
 
Vimos a progressiva degradação do modelo baseado no hospício, que chega ao 
final do século XIX superlotado e desacreditado quanto asua perspectiva de 
cura. 
 
Vimos também reformas que ocorreram até o final da II Guerra e como elas 
mantiveram a mesma orientação prática de reclusão e isolamento sem abordar 
origens, causas e consequência da doença mental. 
 
Conhecemos vários movimentos pós-guerra que iniciam rompimentos com o 
paradigma psiquiátrico vigente, buscando novas respostas para a questão. 
Apresentamos as comunidades terapêuticas, a Psicoterapia Institucional, a 
Psiquiatria de Setor, a Psiquiatria Preventiva e a Antipsiquiatria. 
 
Analisamos também a Revolução Farmacológica ocorrida na metade do século 
XX e a contribuição da Psicanálise. 
 
Jean Esquirol 
 
Discípulo de Pinel, Esquirol foi um reformista. Colocou em prática reformas 
delineadas por Pinel. 
 
No fim do século XIX, houve um aumento dramático no número de doentes 
mentais. Havia uma cultura da internação – deslocamento da família para o 
hospital psiquiátrico –, que ocorria por conta de diversos problemas sociais 
como neurossífilis e psicoses induzidas por álcool. 
 
O trabalho dos médicos psiquiatras concentrados nos manicômios vê um 
significativo aumento do número de internações que transformam os 
manicômios em armazéns de enfermidades mentais. Há superlotação de 
doentes crônicos, dementes e esquizofrênicos catatônicos, o que causa uma 
progressiva decepção com a cura pelo tratamento hospitalar. 
 
Há pouca ou nenhuma atenção com a realidade crônica da psicopatologia grave 
e um foco na etiologia hereditária, o que leva à exclusão por fatores 
socioambientais dentro da convicção de que a doença mental é incurável. 
 
 
Década de 30 ao final da II Guerra 
 
A primeira metade do século XX promove reformas assistenciais mas não 
conceituais. Há uma continuidade teórica, apesar de alguma melhoria na 
infraestrutura administrativa. Não há, entretanto, debate sobre origens, causas 
e consequências da doença mental e o paradigma ainda é a reclusão e o 
isolamento, ou seja, o acolhimento dos doentes nos asilos.0 
 
Os estados promovem um novo modus operandi para questões de ordem 
social. A loucura era um perigo para o Estado equilibrado e produtivo e passa a 
ser responsabilidade do Estado para com os cidadãos. 
 
Cria-se uma espécie de estatuto de fatalidade, que situa a loucura como “uma 
doença como outra qualquer”. Seu cuidado ou ausência deste não implica num 
atraso no progresso da ciência e da modernidade. É assim que o poder público 
estabelece um novo modo de se relacionar com os doentes e os médicos 
através de uma medicina eminentemente pública, oficial e burocrática. 
Mas mudanças estão por vir.... 
 
* Comunidades terapêuticas: termo consagrado em 1959 por Maxwel Jones, 
como uma série de experiências em um hospital psiquiátrico, inspirado nos 
trabalhos de Simon, Sullivan, Menninger, Bion e Reicheman. 
 
Constituíram-se como reformas institucionais restritas ao hospital psiquiátrico, 
medidas administrativas democráticas, participativas objetivando a 
transformação da dinâmica institucional asilar. Experiência inglesa do pós-
guerra, sua proposta principal centrava-se na terapia ocupacional, fundada por 
Herman Simon na década de 1920. 
 
* Psicoterapia Institucional: denominação utilizada por Dauzamezon e Koechlin 
em 1952 para caracterizar o trabalho de Tosquelhes no Hospital Saint-Alban na 
França. Novamente propõe o Hospital reformado, defende o tratamento da 
instituição. 
 
* Psiquiatria de Setor: inspira-se nas ideias de Bonnafé e de um grupo de 
psiquiatras progressistas que, também na França do pós-guerra, queria levar a 
Psiquiatria até a população. 
 
Com essa finalidade, esquadrinha o hospital e as áreas da comunidade de tal 
forma que a cada “divisão” hospitalar corresponda uma área geográfica e 
social. A partir dos anos 1960, esse movimento ganha o status de política 
oficial, novamente com o argumento de que a prática asilar é muito onerosa 
para o Estado. 
 
Psiquiatria Preventiva: surge nos Estados Unidos na década de 1960, tentando 
mais uma vez intervir nas supostas causas da doença mental antes mesmo que 
ela seja sintomática. 
 
Reduz-se, a partir desse movimento, a distância entre o conceito de distúrbio 
emocional e doença mental e estabelece-se a crença de que as doenças 
mentais devem ser detectadas precocemente, erradicando assim mais um mal 
da sociedade. 
 
Esse movimento define o indivíduo como uma unidade biopsicossocial, 
ignorando as contradições que esses três conceitos suscitam. 
 
* Antipsiquiatria: surgida na década de 1960 na Inglaterra simultaneamente 
aos movimentos de contracultura. Seus principais representantes foram Laing, 
Cooper e Aaron Esterson. 
 
Pela primeira vez, vemos aqui aparecer um movimento de reforma que colocou 
em questão a própria definição da loucura e o poder-saber médico exercido 
sobre ela. Sua principal preocupação é fazer uma análise do discurso, por meio 
do discurso do louco, que não deve ser reprimido. 
 
No entanto, embora a Antipsiquiatria inicie uma crítica radical ao saber 
psiquiátrico moderno, acaba por elaborar uma explicação causal da 
esquizofrenia calcada nos problemas de comunicação entre as pessoas, de 
acordo com uma experiência muito específica. 
 
No começo dos anos 1950, vemos também a Revolução Farmacológica, com o 
surgimento do primeiro neuroléptico em 1951. A etiologia biológica da loucura é 
ressaltada e se supõe a possível superação dos mecanismos de controle 
violentos e o desenclausuramento. 
 
A psicanálise freudiana também possibilita um novo olhar sobre a loucura, 
considerando o delírio como forma de dar sentido a uma experiência psíquica. 
 
Freud diferencia a neurose da psicose e propõe que em ambas há uma rebelião 
do id contra o mundo externo. Elas diferem quanto à reparação: na psicose há 
uma tentativa de criação de uma nova realidade, através do delírio. 
Aula 4: Reforma Italiana 
 
Na segunda metade do século XX, o psiquiatra Franco Basaglia promove uma 
série de transformações nos serviços de atenção à saúde mental do Hospital 
Psiquiátrico de Gorizia, na Itália. No centro destas transformações estava a 
iniciativa de criar encontros entre médicos e pacientes e reuniões entre 
pacientes. 
 
Basaglia procurava devolver ao doente a dignidade de cidadão e abrir espaços 
para que ele se reunisse com seus companheiros e, através de grupos 
organizados, influísse e decidisse sobre a vida institucional à qual estava 
submetido. 
 
Esse reposicionamento da relação médico-paciente no contexto dos cuidados de 
saúde mental devolviam, na prática, a palavra ao paciente. Pela primeira vez 
em cerca de dois séculos, havia uma tentativa de ouvir, entender e até mesmo 
atender às demandas do doente. 
 
Esse movimento viria a ser conhecido como Reforma Italiana. De grande 
influência no atual contexto de saúde mental e com especial relevância para o 
entendimento dos movimentos de Reforma Psiquiátrica brasileiros, a Reforma 
Italiana foi o movimento que causou uma profunda transformação no papel 
social do louco. 
 
Críticas ao saber psiquiátrico 
 
A segunda metade do século XX observa uma progressiva problematização e 
questionamento do modelo de tratamento e assistência psiquiátrica. A terapia 
meramente psicofarmacológica passa a ser considerada insuficiente, e o 
hospitalocentrismo é percebido como causa de iatrogenia. A sequência de 
internações é acompanhada de sequelas de ordem psicossocial. 
 
Franco Basaglia 
 
Com 12 anos de vida acadêmica, Basaglia assume em 1961 a direção do 
Hospital Psiquiátrico de Gorizia, na Itália. Sofre o impacto da violência da 
instituiçãoe questiona o poder da psiquiatria e o “tratamento” fornecido pelas 
instituições totalitárias. 
 
Promove, assim, transformações que definem o fim das ações institucionais de 
contenção e a criação de condições para reuniões e encontros entre pessoal 
médico e pacientes. O intuito é devolver ao doente a dignidade do cidadão, 
abrir espaços para reuniões entre os pacientes e criar uma influência e decisão 
dos mesmos sobre a vida institucional. 
 
O contexto social é de mudança. O ano de 1968 assiste a movimentos 
estudantis e operários em toda a Europa. A guerra do Vietnã, a proliferação de 
armas nucleares e biológicas, o questionamento do racismo, o movimento 
feminista e a greve geral na França (maio) são algumas das forças de 
mudança. 
 
Em Gorizia, a equipe técnica solicita o fechamento do hospital e a abertura de 
centros externos de atendimento. Há uma demissão em bloco da equipe, que 
emite uma declaração de cura para todos os internos. 
 
Basaglia parte para os Estados Unidos, de onde volta em 1970 para assumir a 
direção do Hospital de Trieste, onde desenvolve um trabalho que supera o de 
Gorizia. 
 
Com foco no conceito de comunidades terapêuticas, promove uma reforma da 
instituição, criando a possibilidade de convivência na comunidade real, com a 
intenção de construir algo realmente novo e superar o paradigma clássico da 
Psiquiatria. 
 
Paradigma clássico da Psiquiatria 
 
O paradigma estabelecido com o qual Basaglia rompe é do consenso 
compartilhado de que o louco é incapaz, perigoso e improdutivo; que precisa 
ser excluído para ser tratado. Basaglia põe a doença mental entre aspas para 
trazer à tona o sujeito em sofrimento. 
 
Através da desconstrução do hospital psiquiátrico, propõe assistência externa e 
territorial. A região onde reside o paciente torna-se critério para definição da 
equipe que o assistirá com um atendimento dentro da comunidade. 
 
A proposta tem repercussão internacional, e Brasil, Argentina, Iugoslávia, 
Grécia, Japão, Suécia, entre outros solicitam a colaboração técnica de Basaglia 
e sua equipe. 
 
Lei Basaglia 
 
Em 1978, a Itália aprova a Lei 180, que ficaria conhecida como Lei Basaglia. Ela 
proíbe novas admissões em hospitais psiquiátricos, a construção de novos 
asilos, a criação de novos serviços comunitários, como centros de saúde, e de 
unidades em hospitais gerais para a prática de novas alternativas terapêuticas. 
 
 
 
Desinstitucionalização 
 
Significa entender instituição no sentido dinâmico e necessariamente complexo 
das práticas e saberes que produzem determinadas formas de perceber, 
entender e relacionar-se com os fenômenos sociais e históricos. Não se 
confunde nem se restringe à desospitalização, pois esta se refere à 
transformação através da extinção dos manicômios. 
 
Contexto brasileiro 
 
O Brasil vivia o cenário posterior ao golpe de 1964, uma ditadura militar que 
promulgou a constituição de 1967 e o Ato Institucional 5 em 1968, dando 
plenos poderes ao Executivo, legalizando a censura, promovendo exílios e 
cassações em um período de exceção que duraria cerca de 20 anos. 
 
O quadro somente se reverteu na chamada redemocratização, que se iniciou na 
década de 1980 a partir da eleição de Tancredo Neves, que foi seguida da 
posse de José Sarney em 1985. O movimento de eleições diretas para 
Presidente (Diretas Já) tomou o país, questionando o Estado. 
 
O INPS sofreu uma reforma sanitária, por conta de um sistema de internações 
superlotado, miserável e carente que excluía e humilhava seus clientes. 
 
Surgiram as primeiras denúncias de violência e negligência nos asilos que foram 
originadas pelo Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), pelo Movimento 
de Renovação Médica (REME) e pelo Movimento dos Trabalhadores em Saúde 
Mental (MTSM). 
 
Partindo dos médicos, esses movimentos promoveram as primeiras mudanças, 
como as tentativas de resolver o problema da carência de mão de obra, criando 
propostas com o objetivo de manter o doente na comunidade, não afastá-lo de 
seu vínculo com o trabalho e controlar sua permanência nos hospitais através 
de supervisões dos médicos do INPS. Os ambulatórios passam a limitar as 
internações. 
 
A percepção do hospitalocentrismo como iatrogênico causa a redução do 
encaminhamento de pacientes à internação de 36% para 12% na década de 
1970. 
 
Reforma Psiquiátrica no Brasil 
 
A reforma no Brasil tem como dimensões o campo teórico-conceitual, o das 
novas tecnologias de cuidados, o jurídico-político e o cultural. Trata não só da 
superação do manicômio mas de construir uma nova maneira da sociedade 
lidar com a loucura. 
 
Aula 5: Psiquiatria no Brasil 
 
Apresentamos a história da Psiquiatria no mundo e, ao final, demos um foco 
especial à Reforma Italiana e sua influência no Brasil. Nesta aula, estudamos 
especificamente o cenário da Psiquiatria no Brasil: entendemos seu início e sua 
evolução até chegarmos à Reforma Psiquiátrica Brasileira e ao momento atual. 
 
Começamos esta aula investigando o que era a loucura antes dos hospícios no 
Brasil e como surgem a Psiquiatria nacional e os asilos. 
 
Em seguida, exploramos o movimento de Higiene Mental, a influência do 
surgimento dos psicofármacos na metade do século XX e por fim, como os 
movimentos estudantis de 1968 influenciaram este quadro. 
 
Início da Psiquiatria no Brasil 
 
“Vale dizer que, desde o surgimento da Psiquiatria enquanto disciplina 
específica se pensa e se fala em reforma da psiquiatria, embora sob outros 
títulos, sob outras concepções” (Amarante, 1996). 
 
A Psiquiatria surge em nosso país a partir da replicação de moldes europeus, ou 
seja, com o hospício como centro e a figura do médico como posição 
fundamental no contexto do “tratamento moral”. 
 
O louco é considerado doente mental, como aborda o relatório da Comissão de 
Salubridade da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro (1830): é um 
problema de saúde pública, sem maior destaque. A loucura era mais um 
espetáculo que não excluía a possibilidade de convivência. O doente mental 
transitava pelas cidades. 
 
A primeira reforma é essencialmente de caráter social, de controle e dá origem 
à Psiquiatria no país, com a criação de um espaço próprio para os loucos. Surge 
a partir de uma luta dos médicos para libertar os loucos de um “tratamento” 
desumano e assim aprisioná-los no tratamento moral. 
 
Em 1852, é criado o Hospício de Pedro II, ocupando o terreno da Santa Casa 
de Misericórdia. Ele funcionava como os grandes hospitais gerais da Europa, 
com a abordagem de reclusão dos loucos e classificação dos sintomas. 
 
Mas se na Europa a Psiquiatria nasce vinculada ao asilo, aqui o asilo precede a 
atividade psiquiátrica formal. É o poder religioso e do Estado. Somente em 
1890 o governo desanexa o hospício da Santa Casa, já no contexto da segunda 
reforma. 
 
Esta segunda reforma trata da apropriação médica do hospício. O médico 
Teixeira Brandão assume em 1887 a direção do Hospício de Pedro II e é o 
primeiro médico alienista com formação específica. 
 
Ele promove uma reforma imediata e a transformação do hospício em 
estabelecimento de tratamento de doenças. A apropriação, o domínio médico 
da loucura é seguido de uma legislação que ampare juridicamente esse 
domínio. 
 
Em 1903, é aprovada a primeira lei geral sobre a jurisprudência e assistência 
aos alienados no Brasil. Seu autor é o Deputado Teixeira Brandão, e a lei define 
que o hospício é o único lugar adequado para receber os loucos, que a 
internação é necessariamente decisão do médico responsável e que será 
seguida dosequestro de bens do alienado. 
 
A proclamação da República, que ocorre logo após a apropriação médica do 
hospício, cria novos ideais para os serviços de assistência. 
 
O modelo teórico francês, baseado nas práticas de Esquirol, com ênfase das 
causalidades morais, relacionando alienação e desordem comportamental, o 
tratamento moral, a prática psiquiátrica realizada dentro do hospício e o 
princípio do isolamento perduram até o início do século XX. 
 
Esse período vê surgir o Alienismo com uma nova fundamentação teórica 
científica, a degeneração com foco na hereditariedade e coloca a pobreza sob 
suspeita generalizada em uma perspectiva de cuidado com o que está por vir e 
explicações sobre criminalidade e baixa produtividade. 
 
Em 1902, no governo de Rodrigues Alves, o Hospício Nacional é revelado como 
uma prisão de loucos. Juliano Moreira é nomeado em 1903 diretor do Hospício 
Nacional de Alienados. Ele cria, então, um modelo de assistência para 
homogeneizar a intervenção médica sobre os indivíduos tidos como inúteis, 
loucos, desordeiros e prejudiciais ao bem-estar social. 
 
 
 
 
Extensão do espaço terapêutico 
 
Anteriormente restrito ao asilo, o novo modelo de assistência busca a 
prevenção da doença mental em toda a sociedade. Todos estão sob suspeita: 
anormais, degenerados (sifilíticos e alcoólatras), e o crime é visto como 
patologia. 
 
É criado o primeiro manicômio judiciário, e a Psiquiatria passa a exigir novas 
práticas assistenciais que abranjam os diversos tipos de anormalidades 
possíveis. 
 
Surgem assim as colônias agrícolas para o atendimento a alcoólatras e 
epiléticos ou crônicos e indigentes. Há um movimento de psiquiatrização nas 
escolas e nas forças armadas, nas quais são estabelecidas normas 
medicalizadas de educação. O trabalho é visto como uma forma de disciplinar 
os corpos e distrair as mentes. 
 
Higienismo 
 
Criada em 1923 pelo Dr. Gustavo Riedel, a Liga Brasileira de Higiene Mental 
surge com o objetivo de melhorar a assistência aos doentes mentais. Ela 
aprofunda a interpretação biologizante dos fatos sociais inaugurada por Juliano 
Moreira e é reconhecida como utilidade pública, passando a receber subvenção 
federal. 
 
Publica a revista “Arquivos Brasileiros de Higiene Mental” e sua atuação vai até 
sua extinção em 1947. 
 
Os trabalhos da Liga envolviam laboratórios de psicologia aplicada, testes em 
escolas e fábricas, semanas antialcoólicas e clínicas de eufrenia infantil. 
Tiveram repercussão nacional e internacional e participação em periódicos da 
América Latina e Europa. Havia uma permanente preocupação dos integrantes 
da Liga em escrever e publicar. 
 
Defendia-se a esterilização de doentes mentais, a proibição de casamentos 
mestiços, a inspiração na psiquiatria alemã, os ideais arianos de purificação 
racial e a moral de coletividade, ao contrário da moral católica individualista. 
 
O choque com a igreja era inevitável e causou a progressiva absorção dos 
serviços pelo governo, que criou as primeiras políticas de saúde pública a partir 
da década de 1930. 
 
A explosão dos hospitais públicos 
 
A presença do Estado, que passa a promover políticas de saúde pública, tem 
caráter essencialmente assistencial. Não há mudança na abordagem técnica; ao 
contrário, observa-se a total continuidade teórica com base na reclusão e 
isolamento com pouco avanço sobre as origens, causas e consequências da 
doença mental. 
 
Na gestão de Getúlio Vargas, acontece a criação de estruturas públicas como o 
Ministério da Saúde, do Trabalho, a CLT e é promovida uma nova abordagem 
para questões de ordem social. O atendimento à loucura é tido como 
responsabilidade do Estado para com seus cidadãos e é realizado através de 
uma medicina eminentemente pública, oficial e burocrática. 
 
Há uma notável expansão da rede hospitalar e do modelo de colônias agrícolas. 
Em 1941, é criado o SNDM (Serviço Nacional de Doentes Mentais), 
regulamentando por lei o atendimento a doentes mentais pelos Institutos e 
Caixas de Aposentadoria e Pensões. 
 
É também nessa época que o termo psiquiatra é incluído na legislação: o cargo 
de diretor de hospital psiquiátrico passa a ser exclusivo de médico psiquiatra 
concursado. A medicina privada é exclusiva de clientes abastados. 
 
Com o fim da II Guerra, há uma redefinição global de direitos, deveres e 
cidadania. Isto envolve toda a relação entre o indivíduo e o Estado. Neste 
contexto, o horror dos campos de concentração é relacionado com sua 
semelhança com os manicômios. 
 
Nos anos 1950-60, o Brasil assiste ao esgotamento dos hospitais públicos, que 
passam a ser privatizados. A Psicanálise chega ao país. 
 
 
 
Aula 6: A indústria da loucura 
 
Analisamos nesta aula o momento da história da loucura no Brasil, que 
antecede a Reforma Psiquiátrica brasileira. 
 
Vimos como se formou aquilo que ficou conhecido como “a indústria da 
loucura”, com seus atores e instituições. Entendemos como toda esta estrutura 
começou a ser impactada pela Reforma Italiana. 
 
Estamos em um contexto em que o Brasil inicia o processo de 
redemocratização, criando espaços para questionamentos e desconstruções. Se 
por um lado os asilos continuavam a ser o centro de atrocidades de sempre, 
novas abordagens como Antipsiquiatria e Psicanálise começavam a gerar 
relatos de outras experiências. 
 
O Estado, que organiza e financia a adoção de medicamentos psicotrópicos, 
não cumpre mais o seu papel em uma sociedade que se moderniza. 
 
Surgem então as clínicas, que são contratadas pelo governo para dar conta das 
internações. O investimento a ser feito é pequeno e os lucros altos. Cuidar do 
doente se restringia a ter algum espaço e muito remédio. 
 
Contexto político pós-golpe de 1964 
 
Após o golpe de 1964, o Brasil vive uma ditadura com regime militar e uma 
política tecnocrática e autoritária com forte repressão. Este cenário causa a 
falência do setor público e inicia a privatização da saúde no Brasil. 
 
Surgem as clínicas privadas, que são contratadas pelo governo. O negócio em 
si é altamente rentável, pois requer apenas pequeno investimento, pouco 
espaço e muito remédio. 
 
O fluxo de doentes é então para os hospitais privados (1965-70). A população 
dos hospitais públicos mantém-se estável, mas na rede privada salta de 14.000 
para 30.000. O marketing é de melhor qualidade de hotelaria e as clínicas são 
classificadas ou pontuadas como hotéis, sem haver relação com a qualidade do 
tratamento ou do pessoal. 
 
Assim, no início da década de 1970, o sistema de saúde público está 
superlotado, miserável e carente. A infraestrutura baseada em secretarias de 
saúde, Ministério da Saúde e no INPS assiste ao movimento dos trabalhadores 
de saúde mental e da população em geral pela manutenção do doente em sua 
comunidade e do vínculo com o trabalho. 
 
Na segunda metade dos anos 1970, o combate ao Estado autoritário, as críticas 
e a ineficácia da assistência pública em saúde são o quadro do caráter 
privativista da política de saúde do governo. Surgem as denúncias de fraudes 
no sistema de financiamento dos serviços, de abandono, violência e maus 
tratos aos pacientes. 
 
A Casa de Saúde de Barbacena, o maior hospício do Brasil, é revelada como um 
genocídio cometido sistematicamente pelo Estado brasileiro, com a conivência 
de médicos, funcionários e também da população, pois nenhuma violação dos 
direitos humanos mais básicos se sustenta por tanto tempo sem a omissão da 
sociedade. 
 
Surgem outros casos, como a Casa de Saúde Dr. Eiras (Paracambi, RJ) e o 
Hospital Psiquiátricode Juquery. 
 
É o momento político propício para críticas e mudanças. Há uma drástica 
redução de mão de obra, inclusive a de baixa qualificação. Todas as propostas, 
oficiais ou não, mencionam explicitamente o objetivo de manter o doente na 
comunidade, e não afastá-lo de seu vínculo com o trabalho. 
 
Novas propostas 
 
Em 1978, surge o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). Ele 
propõe uma reforma sanitária e a reformulação do sistema nacional de saúde. 
Apostava-se que o aperfeiçoamento técnico e o gerenciamento honesto e 
competente resolveriam o problema da má assistência em saúde, inclusive do 
setor psiquiátrico. 
 
A mudança do quadro político, com a eleição de governadores oposicionistas 
em 1982, e de um Presidente civil em 1984 (Tancredo Neves/ José Sarney), 
vem junto com iniciativas de racionalização, humanização e moralização dos 
asilos e da criação de ambulatórios como alternativa de tratamento. 
 
Aumentam as críticas ao modelo de prestação de serviços baseado em hospitais 
e clínicas “conveniados”. Os hospitais privados mantêm internação da clientela 
pública mediante a remuneração do Estado. Na época, 81% dos recursos eram 
destinados à internação, enquanto apenas 4% eram destinados aos 
ambulatórios. 
 
Em 1987, a I Conferência Nacional de Saúde Mental dá início à trajetória de 
desconstruir o cotidiano das instituições e da sociedade e as formas arraigadas 
de lidar com a loucura. O II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde 
Mental, também em 1987, institui o lema “Por uma sociedade sem 
manicômios”. 
 
Movimento Antimanicomial 
 
A própria natureza do saber, das práticas e das instituições psiquiátricas deve 
ser questionada na perspectiva da cidadania do louco. A escolha pela expressão 
“manicômio” aponta para o fato de que não existe diferença entre o manicômio 
judiciário e um hospital qualquer. 
 
A sociedade é convocada a discutir e reconstruir a relação com o louco e a 
loucura. Com a participação dos “usuários” dos serviços de saúde mental e seus 
familiares, são promovidos discussões, encontros e conferências. 
 
É instituído o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Não se trata de aperfeiçoar 
as estruturas tradicionais, mas sim de inventar novos dispositivos e tecnologias 
de cuidado. Exige-se a nova discussão da clínica psiquiátrica em suas bases. 
 
Em 1989, o Deputado Paulo Delgado apresenta o projeto de Lei n◦ 3.657/89, 
que viria a ser conhecido como “Lei da Reforma Psiquiátrica”. 
 
 
Aula 7: Reforma Psiquiátrica Brasileira 
 
As experiências de convivência em comunidades reais promovidas por Basaglia 
em Trieste ensejaram a superação do paradigma clássico da Psiquiatria. 
 
A reforma italiana encaminhou uma revolução científica ao superar o consenso 
compartilhado por diversos anos de que o louco era um ser incapaz, perigoso, 
improdutivo e por isso precisava ser excluído para ser tratado. 
 
A lei Basaglia de 1978 relativiza a doença mental, e o sujeito em sofrimento é 
trazido à tona com a desconstrução do hospital psiquiátrico em prol de uma 
assistência externa, territorial, que atende a todos dentro da comunidade. 
 
É nessa época que o Brasil inicia o processo de redemocratização, buscando 
também novas formas de entendimento e organização da saúde no país. A 
saúde passa a ser entendida como direito de cidadania, direito de todos e dever 
do estado; não como ausência de doença, mas antes como resultante de 
condições de trabalho, lazer e moradia. 
 
A experiência italiana encontrou no Brasil terreno fértil, provocando discussões 
e debates; colaborando decisivamente para a deflagração de um movimento de 
críticas às práticas psiquiátricas e ao saber que as fomenta: o Movimento 
Brasileiro de Reforma Psiquiátrica. 
 
Nesta aula, discutimos as dimensões da Reforma Psiquiátrica brasileira: teórica/ 
conceitual, técnica/ assistencial, jurídica/ política e sociocultural. Analisamos a 
relação entre estas dimensões, para a composição de um quadro geral do 
contexto da saúde mental no Brasil. 
 
A trajetória alternativa 
 
As dimensões da Reforma Psiquiátrica brasileira partem do pensamento crítico 
sobre a função social das práticas médicas, psiquiátricas e psicológicas. São 
constituídos os movimentos Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e 
Movimento de Renovação Médica (REME) em 1976. 
 
Em 1978, a denúncia dos trabalhadores de saúde mental da precariedade da 
assistência psiquiátrica, da falta de recursos e das péssimas condições de 
trabalho e de violência e negligência são respondidas pela demissão pelo 
Ministério da Saúde de 260 profissionais. 
 
É a “Crise da Dinsam” (Divisão Nacional de Saúde Mental do Ministério da 
Saúde), que leva, em abril de 1978, à primeira greve de trabalhadores públicos 
desde o início da ditadura. 
 
O primeiro encontro de trabalhadores da área de saúde mental acontece no 
Congresso Brasileiro de Psiquiatria em Camboriú, em outubro de 1978, que fica 
conhecido como o “Congresso da Abertura”. Neste congresso, o 
questionamento sai do campo técnico para ter repercussões externas ao campo 
psiquiátrico. 
 
Na década de 1980, parte da Reforma Psiquiátrica é encampada pelo Estado. 
Seus representantes usam a tática de ocupar espaços públicos de poder, 
causando a absorção do pensamento crítico no interior do sistema público. 
 
Um novo projeto em saúde mental 
 
A Reforma Psiquiátrica torna-se um movimento social que não tem mais o perfil 
de movimento de trabalhadores de saúde mental. Surge o lema “Por uma 
sociedade sem manicômios”. 
 
No fim da década de 1980, acontece o II Congresso Nacional dos 
Trabalhadores em Saúde Mental (1987) e são iniciadas novas experiências de 
assistência como o Centro de Atenção Psicossocial em São Paulo (1987) e o 
Núcleo de Atenção Psicossocial em Santos (1989). 
 
O Ministério da Saúde cria parâmetros que definem formalmente os serviços 
intermediários entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar. São 
normatizados os hospitais-dia e os Centros e Núcleos de Atenção Psicossocial 
(CAPS e NAPS). 
 
Essas instituições passam a funcionar como unidades de saúde locais 
integradas a uma rede descentralizada e hierarquizada de saúde mental. São 
desenvolvidos programas de cuidados intensivos por uma equipe 
multiprofissional. 
 
A Reforma é um movimento complexo e dinâmico com caráter ativo e 
processual em permanente construção nas dimensões teórica/ conceitual, 
técnica/ assistencial, jurídico-política e sociocultural: 
 
 Teórica/conceitual - Ruptura com o saber psiquiátrico enquanto 
possuidor da última “verdade” sobre a doença mental; 
 Técnica/assistencial - Transformação no campo assistencial e criação 
de novos serviços; 
 Jurídico-política - Foco no processo de mudança da legislação (lei 
Paulo Delgado), revisão da legislação que concerne aos direitos civis e 
de cidadania das pessoas portadoras de transtornos mentais; 
 Sociocultural - Constituição de um novo lugar social para a loucura. 
 
A Lei Antimanicomial 
 
Aprovada em 6 de abril de 2001 durante o governo Fernando Henrique, a Lei 
10.216 teve como proposta inicial o texto do Dep. Paulo Delgado. Sofreu várias 
emendas durante o processo, que resultou em um total de 13 artigos, de 
acordo com: 
 
Art. 1º Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, 
de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação 
quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, 
nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou 
tempo de evolução de seu transtorno,ou qualquer outra. 
 
Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e 
seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos 
enumerados no parágrafo único deste artigo. 
 
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental: 
 
I – ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas 
necessidades; 
II – ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de 
beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na 
família, no trabalho e na comunidade; 
III – ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração; 
IV – ter garantia de sigilo nas informações prestadas; 
V – ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a 
necessidade ou não de sua hospitalização involuntária; 
VI – ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis; VII – receber o 
maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; 
VIII – ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos 
possíveis; 
IX – ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. 
 
Art. 3º É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde 
mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de 
transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a 
qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as 
instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de 
transtornos mentais. 
 
Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada 
quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. 
 
1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do 
paciente em seu meio. 
 
2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer 
assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo 
serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e 
outros. 
 
3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em 
instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos 
recursos mencionados no § 2ºe que não assegurem aos pacientes os direitos 
enumerados no parágrafo único do art. 2º. 
 
Art. 5º O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize 
situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico 
ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta 
planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da 
autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo 
Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário. 
 
Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico 
circunstanciado que caracterize os seus motivos: 
 
I) internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; 
II) internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e 
a pedido de terceiro; 
III) internação compulsória: aquela determinada pela 
Justiça. 
 
Art. 7º A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a 
consente, deve assinar, no momento da admissão, uma declaração de que 
optou por esse regime de tratamento. 
 
Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação 
escrita do paciente ou por determinação do médico assistente. 
 
Art. 8º A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por 
médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina – CRM do 
Estado onde se localize o estabelecimento. 
 
1º A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas 
horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico 
do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento 
ser adotado quando da respectiva alta. 
 
2º O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do 
familiar, ou responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista 
responsável pelo tratamento. 
 
Art. 9º A internação compulsória é determinada de acordo com a legislação 
vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança 
do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados 
e funcionários. 
 
Art. 10º Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e 
falecimento serão comunicados pela direção do estabelecimento de saúde 
mental aos familiares, ou ao representante legal do paciente, bem como à 
autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da 
data da ocorrência. 
 
Art. 11º Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não 
poderão ser realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu 
representante legal, e sem a devida comunicação aos conselhos profissionais 
competentes e ao Conselho Nacional de Saúde. 
 
Art. 12º O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará 
comissão nacional para acompanhar a implementação desta Lei. 
 
Art. 13º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 
 
Aula 8: Desinstitucionalização no Brasil 
 
Analisamos nesta aula as bases conceituais que orientam os serviços de 
atenção psicossocial no Brasil, ou seja, a infraestrutura e as políticas de Saúde 
Mental criadas pelo Ministério da Saúde. 
 
Exploramos as experiências pioneiras de desinstitucionalização em nosso país, 
como o CAPS Professor Luiz da Rocha Cerqueira, o NAPS de Santos e o CAPS 
Rubens Corrêa no Rio de Janeiro. 
 
Entendemos como o profissional de saúde mental se insere neste cenário e os 
diversos tipos de instituição envolvidas no atendimento de Saúde Mental do 
Brasil. 
 
Terminamos, portanto, a disciplina apresentando um quadro do atual estado da 
atenção psicossocial em nosso país, com enfoque nos objetivos gerais e como 
eles podem ser alcançados. 
 
Ministério da Saúde 
 
Estabelece os parâmetros que definem formalmente os serviços intermediários 
entre o regime ambulatorial e a internação hospitalar (década de 1990). 
Normatizou os Hospitais-dia, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os 
Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS). 
 
Hospitais-dia 
 
São instituições que atualmente estão em processo de superação, sendo 
progressivamente substituídos/ transformados em CAPS. Ainda existem alguns 
a serem reestruturados. 
 
CAPS Professor Luiz da Rocha Cerqueira 
 
Foi a primeira experiência de assistência dentro do contexto da Reforma 
Psiquiátrica brasileira. Inaugurado em 1986, ficou conhecido como o “CAPS da 
Rua Itapeva” e é tido como um ícone da Reforma Psiquiátrica Brasileira. 
 
Provê atendimento psiquiátrico e medicação, programas de terapia individual e 
de grupo, atividades artísticas, oficinas de geração de renda, marcenaria, xerox, 
sebos de livros, reciclagem de papel, artesanato e desenvolve uma parceria 
com a Associação Franco-Basaglia. 
 
Desenvolve o projeto Café da Gente, que é gerido por um grupo de dez 
usuários que fazem as compras, cozinham e servem, com a ajuda de duas 
monitoras, além do projeto Marcenaria da Ponte. 
 
É gerenciado desde março de 2007 pela Associação Paulista Para o 
Desenvolvimento da Medicina (SPDM) e tem convênio com a Secretaria de 
Estado da Saúde do Governo do Estado de São Paulo. 
 
NAPS Santos 
 
Nasceu da intervenção decretada pela prefeita Telma de Souza na Casa de 
Saúde Anchieta de Santos, após vistoria realizada pela Prefeitura de Santos em 
1989.Promoveu a criação de um ambiente nas dependências do hospital, com 
condições mínimas de convivência, e o hospital foi dividido em cinco 
miniequipes, cada uma responsável por uma determinada região de Santos. 
 
As equipes organizaram-se a fim de construir os NAPS e realizar a desativação 
da Casa de Saúde Anchieta. O primeiro NAPS foi inaugurado em setembro de 
1989 na zona noroeste de Santos, e em junho de 1994 houve o fechamento 
definitivo da Casa de Saúde Anchieta. 
 
Após a intervenção, foram suspensas situações ou atos de violência, proibidas 
agressões verbais e físicas, o uso das celas fortes e dos aparelhos de 
eletrochoque. Foram também abertos espaços físicos internos do hospital para 
a circulação das pessoas e acesso das visitas aos internos. 
 
Foram recuperadas as condições de higiene e alimentação dos internos, bem 
como suas condições de saúde. 
 
O trabalho desenvolvido promoveu a reconstrução das identidades dos 
pacientes, com o uso contínuo de seus nomes próprios, a definição de locais 
(quarto e cama) para dormirem e foram resgatadas as histórias de vida dos 
internos, além da revisão de diagnósticos e medicação. 
 
Atualmente a Prefeitura de Santos fornece atendimento em: 
 
 5 NAPS com atendimento regionalizado; 
 2 serviços de residência terapêutica; 
 1 serviço de reabilitação psicossocial; 
 1 serviço de atenção ao toxicodependente; 
 1 centro de prevenção ao uso de substâncias psicoativas. 
 
CAPS Rubens Corrêa 
 
Inaugurado em 1986 pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, oferece 
atualmente 14 serviços extra-hospitalares para adultos, crianças e dependentes 
químicos. 
 
Paradigmas dos serviços de atenção psicossocial no Brasil 
 
A legislação atualmente vigente (Lei 10.216/2001) prevê a excepcionalidade da 
internação, a prevalência de assistência extra-hospitalar, a priorização de 
atendimento em centros de atenção psicossocial e a desinstitucionalização dos 
pacientes de longa permanência. 
 
São definidos três tipos de internação: 
 Voluntária - Por consentimento do paciente; 
 Involuntária - Por vontade do paciente ou a pedido de terceiros; 
 Compulsória - Por determinação da Justiça, por força do art. 6 da Lei. 
 
A internação compulsória só pode ocorrer mediante avaliação médica pericial, 
mediante laudo ou extremo risco de vida do detento e à integridade física de 
terceiros. Ainda assim, o juiz tem que fundamentar a necessidade da 
internação, sob pena de nulidade das constâncias avaliações periódicas que 
indiquem a superação do estado crítico. 
 
Residências terapêuticas 
 
Criam possibilidade de alta para pacientes sem suporte social que perderam os 
laços familiares, estabelecendo moradias destinadas a cuidar de até oito 
pessoas egressas de hospitais psiquiátricos. 
 
Ainda existem centenas de pacientes internados em condições desumanas, e o 
Ministério Público tem sido chamado a intervir para defender os direitos 
lesados. 
 
O encerramento das atividades dos manicômios somente é possível depois que 
os municípios criam estruturas locais de atenção extra-hospitalar. 
 
A solução, portanto, não é imediata e demanda a atuação conjunta dos 
Ministérios Públicos Federal e Estadual para que exijam que os municípios 
estruturem CAPS e residências terapêuticas em número suficiente para receber 
os egressos que recebem alta dos hospitais psiquiátricos. 
 
A União custeia os serviços e os estados fiscalizam e indicam aos municípios 
quais dispositivos eles precisam instalar. A Procuradoria Federal dos Direitos do 
Cidadão (PFDC) tem atuado no sentido incentivar o cumprimento da legislação. 
 
Centros de Atenção Psicossocial 
 
Os CAPs são a principal estratégia do processo de Reforma Psiquiátrica. Eles 
representam e operacionalizam a substituição do modelo hospitalocêntrico por 
um atendimento diuturno. O primeiro foi inaugurado em março de 1986 (CAPS 
Professor Luiz da Rocha Cerqueira). 
 
Os CAPS são instituições destinadas a acolher os pacientes com transtornos 
mentais, estimular sua integração social e familiar, apoiá-los em suas iniciativas 
de busca da autonomia e oferecer-lhes atendimento médico e psicológico. 
 
Como característica geral, os CAPs buscam integrar o paciente a um ambiente 
social e cultural concreto, designado como seu “território”, o espaço da cidade 
onde se desenvolve a vida quotidiana de usuários e familiares. 
 
Os CAPS I são um serviço com capacidade operacional para o atendimento em 
municípios com 20.000 a 70.000 habitantes. Preveem o atendimento individual, 
em grupos, à família, visitas domiciliares, atividades comunitárias e oficinas 
terapêuticas. 
 
Os CAPS II são um serviço com capacidade operacional para o atendimento em 
municípios com 70.000 a 200.000 habitantes e têm as mesmas 
responsabilidades e atividades do CAPS I. 
 
Os CAPS III são um serviço com capacidade operacional para o atendimento 
em municípios com mais de 200.000 habitantes. Além das atividades e 
responsabilidades dos outros CAPS, eles devem funcionar 24h, referenciar um 
serviço de urgência/ emergência da região e realizar o acolhimento noturno em 
feriados e finais de semana. 
 
Os CAPSi II prestam atendimento de crianças e adolescentes em municípios 
com mais de 200.000 habitantes e os CAPSad II prestam atendimento a 
pacientes com transtornos decorrentes do uso de álcool e drogas em municípios 
com mais de 70.000 habitantes. 
 
 
Programa "De volta para casa" 
 
Criado pela Lei 10.708 de 2003, este programa institui o auxílio-reabilitação 
psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de 
internações. Está previsto o pagamento de benefício assistencial mensal 
durante um ano, e é necessário que o município seja credenciado pelo 
Ministério da Saúde, de acordo com a Portaria nº 2077/GM de 31/10/03. 
 
Residências terapêuticas 
 
Criado pelas portarias GM/MS nº 106 de fevereiro de 2000 e nº 3090 de 
dezembro de 2011, este programa fornece serviços residenciais terapêuticos e 
é mantido com recursos financeiros anteriormente destinados aos leitos 
psiquiátricos. 
 
A cada morador de hospital psiquiátrico transferido para a residência 
terapêutica, um igual número de leitos psiquiátricos deve ser descredenciado. 
Há atualmente mais de 470 residências terapêuticas. 
 
Rede de atenção psicossocial 
 
Criada pela portaria nº 3088, de dezembro de 2011, presta atendimento para o 
sofrimento ou transtorno mental, necessidades decorrentes do uso de crack, 
álcool e outras drogas e atua no âmbito do Sistema Único de Saúde. 
 
Possui ênfase em serviços de base territorial e comunitária, cuidado com 
participação e controle social dos usuários e de seus familiares e integra CAPS, 
NAPS e Residências Terapêuticas. 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
AMARANTE, Paulo, org. Loucos pela vida: a trajetória da Reforma Psiquiátrica 
no Brasil. Rio de Janeiro; Panorama/ENSP, 2013. 
 
ASSIS, Machado de. O Alienista. Rio de Janeiro: Saraiva, 2007. 
 
BASAGLIA, Franco. A Instituição Negada. Rio de Janeiro: Graal, 2001. 
 
COSTA, Jurandir. História da Psiquiatria no Brasil: um corte ideológico. 
Rio de Janeiro: Garamond, 2006. 
 
DESVIAT, M. A Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999. 
 
FOUCAULT, Michel. História da Loucura. São Paulo: Perspectiva, 2013.

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