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Biogeografia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Adriana Furlan Revisão Textual: Profa. Ms. Alessandra Fabiana Cavalcanti Amazônia • Introdução • A Floresta Amazônica · Caracterizar a Amazônia, considerando a interligação entre os ele- mentos físicos e humanos e a posição estratégica que esta ocupou e ocupa no âmbito nacional e internacional. OBJETIVO DE APRENDIZADO As discussões desta Unidade – Amazônia - têm como propósito caracterizar a Amazônia, considerando a interligação entre os elementos físicos e humanos e a posição estratégica que esta ocupou e ocupa no âmbito nacional, buscando lhe proporcionar, a partir dos temas tratados, momentos de leitura – textual e audiovisual – e reflexão sobre os temas que serão aqui discutidos, contribuindo com sua formação continuada e trajetória profissional. Após o contato com o conteúdo proposto, realize com atenção as atividades propostas e se dedique a conhecer o material complementar. Busque ampliar seu conhecimento a partir de outras fontes que tenha acesso. Lembre-se: você é responsável pelo seu processo de estudo. Por isso, aproveite ao máximo! ORIENTAÇÕES Amazônia UNIDADE Amazônia Contextualização Observe atentamente as figuras e leia o texto a seguir. A ocupação da Amazônia remonta há milhares de anos, quando os primeiros habitantes ali chegaram, provavelmente, migrando do hemisfério norte. Desde esta primeira ocupação a floresta passou por transformações, tanto de ordem natural quanto humana. Para entendermos toda essa dinâmica que ali se instalou, precisamos analisar em conjunto os fatores naturais e humanos desde épocas remotas até os dias atuais. Figura 1 – Desmatamento na Amazônia para atividade agropecuária Fonte: iStock/Getty Images Figura 2 – Garimpo de diamantes Lajes, dentro da terra indígena Roosevelt, dos índios Cinta Larga, em Rondônia Fonte: www.ligaoperaria.org.br 6 7 Conquista e ocupação da Amazônia: a fronteira Norte do Brasil Da parte da documentação portuguesa, um dos primeiros documentos conhecidos sobre o vale amazônico é a Carta de Diogo Nuñes (1553?), dirigida ao rei de Portugal, D. João III (Cortesão, 1956: I, 5-8, docs. 58:258-63) (6). Afirma esse português haver em 1538, descido o Amazonas desde o Peru, acompanhando a expedição de um mercador espanhol. Pede autorização a D. João III para empreender nova expedição à região, com a finalidade de conquistar e de colonizar aquelas terras de Espanha, em troca das mesmas concessões que recebiam os espanhóis do seu rei. Mais tarde, três movimentos (sertanistas paulistas, baianos e pernambucanos) desbravaram os sertões do Maranhão, as águas e as florestas do Grão-Pará, ou seja, a Amazônia. Os franceses e os holandeses comerciavam com as tribos locais, desde 1612 e, especialmente, os franceses prosseguiam na descoberta e na conquista daquelas “terras do Rio das Amazonas”. Esse exemplo é essencial para a compreensão da ocupação inicial da região norte pelos europeus, pois a expulsão dos franceses é o verdadeiro marco da conquista do litoral, no sentido leste-oeste, e do início da ocupação do Grão-Pará. Adaptado de: http://goo.gl/JYVkra No final do século XIX, a valorização da borracha no mercado internacional fez com que um grande contingente populacional se dirigisse para a região amazônica e consequentemente se instalasse ali, abrindo estradas e construindo vilas e cidades. Estima-se que entre as décadas de 1870 e 1900, cerca de 300 mil nordestinos migraram para a região. No século XX, temendo uma possível internacionalização da floresta, os militares promoveram diversas obras de infraestrutura para integrar a Amazônia ao restante do país, a principal delas foi a Transamazônica. A ordem era “Integrar para não Entregar”. As diversas políticas públicas de ocupação da porção oeste do território brasileiro refletiram diretamente no aumento do contingente populacional da região e, em 1970, a Amazônia atingiu sete milhões de habitantes. Como consequência dessa ocupação, sem o devido planejamento, começaram a surgir os primeiros problemas ambientais significativos, sendo que 14 milhões de hectares foram desmatados. Os desmatamentos intensificaram-se, impulsionados pela venda de madeiras e pela expansão das atividades agropecuárias. A soja passou a ser cultivada na região, sobretudo por migrantes do Sul e do Sudeste do Brasil. A área desmatada atingiu a marca de 41 milhões de hectares. A pecuária foi introduzida em larga escala, também. Os inúmeros conflitos entre estes novos ocupantes da floresta e os povos e comunidades tradicionais levaram à criação de diversas políticas públicas de preservação ambiental. Porém, a luta pela redução do desmatamento e a manutenção dos povos e das comunidades na floresta persiste e podemos acompanhar pelos noticiários os conflitos recorrentes nesta região. Adaptado de: http://goo.gl/zJ2Vgx 7 UNIDADE Amazônia Introdução A Amazônia, longe de ser homogênea, é uma região extremamente complexa e diversificada, tanto do ponto de vista da natureza quanto das sociedades que nela vivem. Há a Amazônia das várzeas e de terras firmes, dos rios de águas brancas e escuras, das planícies e terrenos elevados das serras, dos manguezais, cerrados, das campinaramas e das florestas. Habitar esses espaços tem se mostrado um desafio a ser vencido há milhares de anos, desde que os primeiros habitantes se instalaram neste ambiente diverso. Há um acervo de um vasto conhecimento em plantas medicinais, domesticação de animais e plantas, na culinária, nas crenças e nas formas de sobrevivência atreladas a este ambiente. Há, ainda, a Amazônia da natureza dessacralizada, onde imperam os interesses capitalistas de exploração dos recursos que gera conflitos de toda ordem entre os diferentes atores e seus distintos interesses em relação ao destino a ser dado aos recursos e aos espaços desta área. Vamos analisar, primeiramente, algumas das características dos aspectos naturais desse domínio e a partir dessa discussão refletiremos sobre as comunidades que vivem nesta área e as transformações pelas quais ambas (comunidades e florestas) estão passando. A Floresta Amazônica A formação de uma floresta tão densa e biodiversa como a Amazônia está intimamente relacionada às mudanças climáticas globais, ao surguimento da Cordilheira dos Andes com a formação da bacia sedimentar amazônica e a mudança de direção do Rio Amazonas. Observe na figura 3 a formação do Rio Amazonas. No início, de 23 a 10 milhões de anos atrás não existia ainda a Cordilheira dos Andes e havia um rio que corria de leste para oeste (considerado como um paleo – antigo – Amazonas). Havia, ainda, uma série de lagos e de pântanos de água doce, que foram, conforme registros geológicos, invadidos por, pelo menos duas vezes, por água do oceano, em momentos de elevação do nível global dos mares (fim de eras glacias) – entre 24 e 12 milhões de anos. Com base neste fato pode ser explicada a existência, na Região Amazônica, de animais que tiveram sua origem nos oceanos e se adaptaram para a vida na água doce, como os botos (espécie de golfinho fluvial), que são parentes dos golfinhos marinhos. 8 9 Com o surgimento da Cordilheira dos Andes, os lagos e os pântanos começaram a ser preenchidos por sedimentos retirados destas montanhas, por processo erosivo e de formação de cursos de água que começaram a correr de oeste para leste. Neste momento, começa a ser formar o Rio Amazonas em sua configuração e em seu trajeto atual, além da extensa bacia sedimentar amazônica. Este fato explica o porquê da maior parte dos solos da região amazônica ser pobre, pois estes são formados por sedimentos, predominantemente arenosos (retirados dos Andes que são uma formação, basicamente, sedimentar) carregados pelos cursos de água e sujeitos ao processo de lixiviação (lavagem) ao longo do tempo. Um dos fatos que atestam esta explicação é o estudo de pólen encontrado na foz do Rio Amazonas. Estudosrevelaram a presença de pólen de pinheiros, plantas adaptadas ao frio, na foz desse rio. O fato desse material ter sido encontrado em área que não são de sua origem indica que o rio surgiu juntamente com a formação dos andes, correndo de oeste para leste, fato ocorrido entre 10 e 7 milhões de anos atrás. Figura 3 – Formação do Rio Amazonas Fonte: revistapesquisa.fapesp.br O início da formação da Floresta Amazônica ocorreu há cerca de 6 milhões de anos e suas características não são fruto somente das mudanças climáticas e das interações entre as espécies, mas da formação da Cordilheira dos Andes e do surgimento do Rio Amazonas. A origem da vegetação da floresta e sua biodiversidade estão relacionadas a diversos acontecimentos pelos quais os continentes e a América do Sul passaram. Os continentes estavam inicialmente unidos (Pangea), em uma massa continental gigante, para então fragmentar-se durante o Mesozoico no início do Terciário. No momento e após a fragmentação deste supercontinente, ocorreram mudanças em alguns aspectos evolutivos de muitos animais e plantas terrestres, em função de um isolamento por conta da separação dos continentes. Com a mudança do clima de árido para úmido (ao longo do tempo geológico) e a presença de uma abundância de umidade, a vegetação encontrou condições para se desenvolver e assim foi, paulatinamente, sendo formada a imensa biodiversidade encontrada hoje na Amazônia. 9 UNIDADE Amazônia Esta biodiversidade se deve, também, às diversas sociedades que há milhares de anos habitam esta região. A partir de seus experimentos e de deslocamentos, esses povos contribuíram para o aumento da biodiversidade tanto animal quanto vegetal. A diversidade de vegetação, na Amazônia atual, ocorre, também, em função da mesma ser ou não atingida pelas cheias dos rios, sazonal ou permanentemente. Em relação a essas características determinadas pelos períodos de inundação, podemos citar: mata de igapó, mata de várzea e mata de terra firme (figura 4). Nível das águas altas (enchete) Depressão marginal sul-amazônica e planaltos residuais sul-amazônicos Planalto norte-amazônico Mata de terra �rmePlanlto das Guianas Serras Solos sedimentar recente de várzea Mata de igapó Rios Amazonas Depósitos sedimentares terciários de terra �rme Mata de várzea Sedimentos N S Figura 4 – Perfil do relevo e da vegetação da Região Amazônica Mata de igapó Cerca de 15% da Amazônia é ocupada pelos rios ou inundada em caráter permanente ou sazonal. Dentro deste percentual encontra-se a mata de igapó que ocorre em áreas de baixo relevo próximas aos rios, permanecendo, constantemente alagada. As plantas são adaptadas a este ambiente constituído por terrações das planícies quaternárias (figura 5). O igapó é caracterizado pela acidez da água e pela pobreza de nutrientes. Figura 5 – Mata de igapó – constantemente alagada Fonte: Wikimedia Commons 10 11 Mata de várzea São áreas mais elevadas em relação às matas de igapó, mesmo assim sofrem com inundações nos períodos de cheias. A vegetação é adaptada a essa situação e as árvores presentes possuem, em média, 20 metros de altura, sendo que muitas delas contam com uma imensa quantidade de galhos repletos de espinhos, o que torna essa região de difícil acesso por ser muito fechada (figura 6). A floresta de várzea é caracterizada pela maior riqueza em nutrientes do que as matas de igapó. Figura 6 – Mata de várzea – alagada sazonalmente Fonte: Wikimedia Commons Mata de terra firme Ocorre em áreas não sujeitas à inundação e as árvores apresentam alturas superiores a 30 metros, desenvolvendo-se muito próximas (figura 7). Em razão desse fato, não há plantas menores, pois o interior dessas matas é escuro, impossibilitando a reprodução de vegetais por não ocorrer o processo de fotossíntese. O conjunto das florestas de terra-firme representa cerca de 80% da vegetação da região. Figura 7 – Mata de terra fi rme Fonte: Wikimedia Commons 11 UNIDADE Amazônia É nesta área que se desenvolvem as atividades de extração do látex das seringueiras (figura 8) e o trabalho dos castanheiros. Figura 8 – Seringueiro da Amazônia – extração do látex Fonte: iStock/Getty Images A rede hidrográfica da região amazônica é a mais extensa do planeta, formada por centenas de bacias de drenagem. Essa característica é resultado direto da excepcional pluviosidade que atinge a gigantesca depressão topográfica regional, sendo que na Bacia Amazônica circulam 20% das águas doces existentes no planeta, com mais de 20 mil quilômetros de cursos navegáveis. O atual Rio Amazonas nasce na Cordilheira dos Andes e atravessa toda a região, apresentando profundidades que variam de 30 a 120 metros. Conforme afirma Aziz Ab´Saber, a nomenclatura popular para diferentes cursos de água é muito rica, ao mesmo tempo que expressa uma grande significação científica, como por exemplo os rios brancos, negros e verdes. Rios brancos – transportam grande carga de sedimentos finos (argilas e siltes em solução), ao mesmo tempo em que arrasta e rola areais na base de sua coluna de água. Rios negros – coloração em tons de marrom escuro, sendo totalmente desprovidos de material clástico em suspensão. Rios verdes – água ligeiramente esverdeada e quase sempre vem de longe. Abandonaram areias na faixa de transição entre cerrados e as primeiras grandes matas. Uma das características importantes desta bacia hidrográfica é a existência de “furos”. O furo (figura 9) é sempre um canal fluvial sem correnteza própria, que secciona uma ilha fluvial ou interliga componentes internos de uma planície de inundação. Observe na figura 9 que os furos recebem nome, pois são caminhos fluviais (atalhos) utilizados pela população local. 12 13 Figura 9 – Furos na Amazônia Fonte: marcelokatsuki.blogfolha.uol.com.br Nesta região, as temperaturas são constantemente altas e as chuvas são rápidas e concentradas. Em direção às áreas periféricas deste domínio ocorre sazonalmente um fenômeno conhecido como “friagem”, quando, no inverno, a massa de ar Polar Atlântica consegue penetrar na área da Amazônia Ocidental (figura 10). Neste momento, ocorre uma queda brusca de temperatura e os ventos sopram razoavelmente frios. Figura 10 – Observe o alcance da Massa Polar Atlântica associada ao avanço de uma frente fria que atinge a região amazônica (friagem) Fonte: Adaptado de Clima Tempo Localizada no entorno da Linha do Equador, apresenta temperaturas e níveis de precipitação elevados (este é o cinturão de máxima diversidade biológica do planeta). Destaca-se, ainda, a presença de uma imensa rede hidrográfica, de variações de ecossistemas em nível regional e de altitude dentro deste bioma e a enorme diversidade étnico-cultural das comunidades que habitam este domínio. (Figuras 11 e 12). 13 UNIDADE Amazônia Observe na figura 11, a variedade de formações vegetais existentes no domínio da Floresta Amazônica. É muito importante que seja percebida esta variação, pois a floresta é um grande mosaico de vegetação que tem como fatores a diferenciação dos microclimas, formas de relevo e tipos de solo, igualmente, distintos em toda esta região. Não podemos considerar desta forma, que a floresta seja homogênea, o que nos leva à preocupação de que sua preservação deve considerar estes aspectos distintos, pois isso demonstra que a biodiversidade presente neste bioma é maior do que tem sido considerado. Figura 11 – Diferentes formações vegetais presentes no bioma amazônico Fonte: www.florestal.gov.br Associado a esta enorme diversidade de formações florestais, encontramos centenas de comunidades que vivem e sobrevivem deste bioma, como as indígenas (figura 12), seringueiros, castanheiros, ribeirinhos e quilombolas. 14 15 Figura 12 – Terras indígenas delimitadas e áreas de conservação na Amazônia. Fonte: www.alcance.cnpm.embrapa.br Importante! Chico Mendes Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes, nasceu em Xapuri, Acre, (1944-1988) eali foi um líder seringueiro, sindicalista e ativista ambiental. Lutou pela preservação da Floresta Amazônica e suas seringueiras nativas. Recebeu prêmios da ONU e reconhecimento nacional e internacional. Em 1975, iniciou sua atuação como sindicalista, foi nomeado secretário geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Basileia. No ano seguinte, iniciou sua luta em defesa da posse de terra para os habitantes nativos da região. Sua luta continuou por muitos anos, tendo se candidatado em 1982 a deputado federal pelo PT, sem ter sido eleito. Como resultado de suas lutas foi criada a primeira reserva extrativista do Acre, com a fi nalidade de garantir a posse da terra para os seringueiros e acabar com os confl itos e as mortes da região. Após a desapropriação das terras do fazendeiro Darly Alves da Silva, Chico Mendes recebe ameaças de morte por prejudicar o progresso da região e denuncia o fato às autoridades, pedindo proteção. No dia 22 de dezembro de 1988, ao sair de sua casa em Xapuri, Chico Mendes é assassinado. Em dezembro de 1990, a justiça brasileira condenou o fazendeiro Darly Alves a dezenove anos de prisão pela morte de Chico Mendes. Mesmo após sua morte, a luta dos seringueiros continuou e outras reservas extrativistas foram criadas na região. Figura 13 – Chico Mendes Fonte: Wikimedia Commons Você Sabia? Fonte: Adaptado de http://goo.gl/Nu6YWp 15 UNIDADE Amazônia Vamos retomar agora a reflexão sobre de que forma podemos explicar a existência de uma biodiversidade tão imensa neste bioma. Estudos das características etnográficas, nas áreas de florestas como na região amazônica, demonstram a existência de uma vasta quantidade de práticas (significativamente diversas) de pensar, de relacionar-se, de construir e de realizar experimentos com os elementos naturais (plantas e animais). Estudos recentes vêm mostrando que a influência do homem sobre a cobertura vegetal na Amazônia há 11 mil anos, no mínimo, conforme afirma Magalhães (2008). Isso nos leva a refletir sobre o isolamento relativo que muitas dessas populações viveram e que com isso desenvolveram modos de vida particulares e respostas distintas para as suas necessidades de sobrevivência. Os experimentos realizados com os elementos naturais resultaram em uma maior diversidade biológica do que a encontrada por esses povos inicialmente. Assim, a grande biodiversidade encontrada na Região Amazônica se deve não somente a fatores naturais, mas também a fatores humanos. Os povos que habitam essa região, há milhares de anos, foram por muito tempo negligenciados e suas terras foram usurpadas de várias formas. A ideia muito divulgada até recentemente (até mesmo nos dias atuais) de que a Amazônia se constitui em um “vazio demográfico” fez com que diversos atores sociais interessados em obter terras e lucros com os recursos desta região a ocupassem ignorando a existência de populações tradicionais que ali vivem e da floresta dependem para retirar seu sustento. Somente após a explosão e a divulgação de muitos conflitos instalados entre os povos da floresta e os agentes do capitalismo é que providências começaram a ser tomadas, mas os conflitos ainda estão longe de serem resolvidos e a segurança destas populações garantida. Em contra partida a essa forma de analisar a região amazônica estão movimentos ambientalistas que, aplicando a forma norte-americana de criação de parques (sem habitantes) leva à expulsão dessas populações de suas terras, em favor da preservação da floresta, com um discurso dos benefícios ou dos malefícios da destruição da vegetação, emitindo pareceres incorretos como a afirmação de que a Amazônia é o “pulmão do mundo” e precisa ser preservada. De onde vem a maior parte do oxigênio que respiramos, das árvores ou das algas marinhas? Das algas. “Se somarmos o oxigênio produzido pela fotossíntese de toda a população de algas de todos os oceanos, teremos mais gás do que aquele produzido pelas florestas”, garante a oceanógrafa Elizabete de Santis Braga, da Universidade de São Paulo. O oxigênio produzido pelas algas passa para o ar porque, quando há gás demais na água, ele extravasa para a atmosfera. Portanto, o grande pulmão do mundo são os oceanos e não a Amazônia. 16 17 Poderíamos citar, ainda, em termos de ocupação e de transformação da Floresta Amazônica que vem ocorrendo há décadas, os grandes projetos agropecuários (a maioria resultando em grandes fracassos), a construção de ferrovias e de rodovias (igualmente abandonadas), a expansão da atividade mineradora, surgimento de novas cidades, construção de hidrelétricas, criação de áreas de preservação, entre outros. Todas essas formas de ocupação entram em conflito com o modo de vida das populações locais. Ocupação recente da Amazônia O momento de maior ocupação e devastação de grandes áreas da Floresta Amazônica ocorreu a partir da década de 1950, se acelerando sob o Regime Militar brasileiro, de 1960 em diante, momento em que os governos temiam que ocorresse uma internacionalização da Amazônia (sem desconsiderarmos os ciclos da borracha que, desde o final do século XIX, propiciou a ocupação e a destruição de partes da floresta). Desta forma, com a lógica do lema “integrar para não entregar” e depois “exportar é o que importa” criou-se uma imensa infraestrutura de transporte, de comunicação, de habitação e de exploração das potencialidades regionais, estabelecendo assim, os Grandes Projetos de exploração na região, gerando impactos ambientais e sociais irreversíveis, pois abriu-se caminho para a rápida destruição da floresta e dos povos que nela viviam. Estes projetos se deram através do PIN – Programa de Integração Nacional e do I e II PND – Plano de Desenvolvimento Nacional (1968-1972 e 1975-1979), mas tiveram início anteriormente com a ideologia desenvolvimentista dos Planos de Metas do governo de Juscelino Kubitschek, da qual fazia parte, em relação à região Norte, a ocupação de um imenso “vazio demográfico”, celebrizado pela frase do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici “quero abrir uma estrada que leve homens sem terra para uma terra sem homens”. Esta Ideologia atraiu um grande fluxo migratório para a região, em grande parte camponeses do nordeste e do sul do Brasil, causando grandes impactos nas frentes de expansão no norte do país, sendo que esses migrantes se deslocavam para essa fronteira sem encontrar qualquer infraestrutura. O papel do Estado na Amazônia, baseado na reafirmação de sua soberania territorial, para garantir a segurança nacional, se deu por meio da exploração dos recursos naturais para o pagamento da dívida externa brasileira, para isso criou a sua “operação Amazônica” que consistiu na criação de uma poderosa infraestrutura de transporte, comunicação, habitação e exploração das potencialidades regionais. Para tanto foram se estabelecendo os Grandes Projetos, sendo estes empreendimentos com investimentos superiores a 1 bilhão de dólares, subsidiados pelo Estado, com grandes extensões de terra, excelente infraestrutura e logística, estando ligados muito mais à realidade nacional e internacional do que local, gerando problemas socioambientais na região e estimulando uma intensa migração desordenada. 17 UNIDADE Amazônia Para que todos os Grandes Projetos fossem organizados e efetivados foram criadas a SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia, em 1966 (em especial para a cidade de Manaus, foi criada a SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus, em 1967), o INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, em 1970 (para organizar a política de distribuição de terra) e o BASA – Banco da Amazônia S/A, criado em 1950 (financiamento desses Grandes Projetos, privilegiando o grande capital nacional e internacional, em detrimento dos pequenos produtores, excluídos dos planos de créditos desse banco). Estes três órgãos (SUDAM, BASA e INCRA) atuaram em conjunto para estimular os investimentos e proporcionar a ocupaçãoe o desenvolvimento da Amazônia. Os primeiros Grandes Projetos da Amazônia foram: Projeto Manganês (exploração de minérios na Serra do Navio, no Amapá), Projeto Jari (exploração de celulose para produção de papel, no rio Jari – foz do Rio Amazonas) e o POLAMAZÔNIA (Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia, para explorar as potencialidades naturais da região). Com a implantação dos Programas de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia inúmeras mudanças ocorreram no espaço amazônico, com a presença do capital nacional e estrangeiro, acarretando a apropriação monopolista da terra com a intensificação dos conflitos fundiários (envolvendo diversos povos: posseiros, grileiros, empresas, latifundiários, Estado, entre outros), além da enorme degradação ambiental e impactos (negativos) sobre a vida da população local. Por causa de tantos problemas, a maioria desses Polos fracassou. Juntamente com as construções das ferrovias e das rodovias realizaram-se os programas de colonização, os quais sob o slogan de “desenvolvimento” foram dizimando as populações indígenas e outros povos da floresta, invadindo suas terras e confinando-os em reservas e parques. Destacamos alguns elementos que contribuíram para a ocupação da região Norte, relacionados a estes Grandes Projetos: Rodovia Transamazônica: Cortando sete estados, com mais de quatro mil quilômetros de extensão, seu primeiro trecho foi inaugurado em 1972, mas até hoje, metade da Transamazônica ainda não recebeu asfalto (figuras 14). Figura 14 – Traçado da Rodovia Transamazônica Fonte: Wikimedia Commons 18 19 A abertura da Transamazônica levou à abertura de estradas transversais e paralelas para a atividade madeireira, principalmente, de caráter ilegal. Observe na figura 15 a forma como se dá a abertura de estradas para se adentrar na floresta. Essa forma vista em imagem de satélite recebe o nome de “espinha de peixe”, pois apresenta semelhança com esta. As estradas são abertas com uma extensão não muito grande para que o trajeto realizado pelos caminhos que carregam a madeira não seja extenso. Assim, abandona-se uma estrada e abre-se outra, geralmente transversalmente a uma estrada maior. Figura 15 – Abertura de estradas e desmatamento, formato “espinha de peixe”, na Amazônia Fonte: Wikimedia Commons A abertura da rodovia proporcionou o surgimento de novas ocupações (vilas e cidades) na região e também de novas atividades econômicas, aumentando a pressão sobre as áreas florestadas. Estrada de Ferro Madeira-Mamoré Esta estrada foi construída às margens dos rios Mamoré e Madeira, em Rondônia e possuía 364 quilômetros de extensão, indo de Porto Velho a Guajará-Mirim. Figura 16 – Inauguração da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré Fonte: Wikimedia Commons 19 UNIDADE Amazônia A ideia era abrir um caminho de acesso ao Oceano Atlântico para os bolivianos e uma alternativa ao Rio Paraguai para os brasileiros, contornando trechos do Rio Madeira, levando a borracha produzida na região para ser exportada para a Europa, especialmente. Em 1846, começaram as discussões sobre a melhor forma de escoamento da produção de borracha, tanto da Bolívia quanto do Brasil. Chegou-se a pensar em transportá-la via fluvial, subindo os rios Mamoré, em solo boliviano, e Madeira, no Brasil. Mas esse trecho não era totalmente navegável, por conta de muitas corredeiras e cachoeiras. Assim, a opção encontrada foi a construção de uma estrada de ferro que cobrisse por terra o trecho problemático (de relevo acidentado e cerca de 20 cachoeiras). Iniciada em 1872, as obras começaram e foram interrompidas por três vezes, durante 40 anos, tendo sido finalizada em 1907, sendo inaugurada oficialmente em 1912. Durante as obras, uma parcela significativa de operários morreu devido a malária, tifo e beribéri, além de ataques de índios. Todos esses fatores contribuíram para o atraso na construção. Por certo período de tempo, durante o auge de seu funcionamento levou prosperidade a algumas localidades ao longo de seu traçado, mas a estrada acabou sendo desativada em 1972. Atualmente, somente um pequeno trecho da estrada de ferro funciona, pois foi recuperado, bem como uma locomotiva que leva turistas ao longo desse curto trajeto. A ocupação da Amazônia por projetos agropecuários levou ao desmatamento de enormes áreas da floresta que persistem até os dias atuais. Projetos de Colonização da Amazônia Estes projetos podem ser considerados como os instrumentos geopolíticos mais importantes para a ocupação de Rondônia e da Amazônia Meridional. Através da implantação do Programa de Integração Nacional (PIN), o Estado brasileiro buscou conduzir e disciplinar o assentamento de camponeses na Amazônia, fixando uma parcela da população (especialmente do Nordeste), utilizando para tanto, terras devolutas da região pertencentes ao governo federal. Em 1970, durante o Governo Militar, o INCRA criou três Projetos Integrados de Colonização (PICs), os quais ocuparam uma faixa de 100 quilômetros de cada lado da BR-364, cortada em lotes de aproximadamente de 100 hectares. Esses projetos incrementaram os conflitos e a degradação ambiental existentes na região. Segundo Aziz Ab´Saber (2003), ocorreram muitos impactos negativos para os recursos naturais, decorrentes da implantação dos Projetos Integrados de Colonização (PICs), como no Centro de Rondônia, por exemplo. Isso ocorreu, pois grupos formados pela associação de pecuaristas com madeireiros, aproveitando-se das estradas vicinais inseridas nos sistemas de “linhões” construídos pelos PICs, 20 21 avançaram para o interior e promoveram uma política de “terra arrasada” em grandes áreas, fazendo com que alguns municípios perdessem cerca de 90% de sua cobertura vegetal. Projetos Extrativistas Além das Reservas Extrativistas com suas atividades, já existentes na Amazônia, Fundações e Organizações Não Governamentais (ONGs) propõem a criação de atividades ligadas ao fortalecimento da produção extrativista em seis estados, nos quais já existe trabalho extrativista. Observe no quadro a seguir, quais são os estados e os produtos elencados para o desenvolvimento das atividades econômicas pela população local. Tabela 1 – Atividades extrativistas na região amazônica (Resex – Reseva Extrativista) Estado Município Território Atividade Econômica Acre Sena Madureira Resex Cazumbá Borracha e castanha do Brasil Amapá Mazagão e Laranjal do Jari Resex Rio Cajari Castanha do Brasil Rondônia Porto Velho Resex Lago de Cuniã Manejo de peixe e jacaré Pará Santarém-Aveiro Resex Tapajós-Arapiuns Castanha e pescado Pará Gurupá e Melgaço Resex Gurupá/Melgaço Madeira, açaí e borracha Pará Breves Resex Mapuá Açaí Fonte: http://memorialchicomendes.org/projeto-2 Segundo o Conselho Nacional de Populações Extrativistas nas áreas destacadas no quadro anterior abrigam uma população de 7.537 famílias, totalizando mais de 37 mil pessoas (dados de 2016), sendo que este projeto tem o apoio da Fundação Banco do Brasil desde 2012. Para encerrarmos nossas discussões sobre a Amazônia, vamos acrescentar um tema importante, que é a criação da Amazônia Legal e a Amazônia Internacional. Amazônia Legal Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Amazônia Legal foi criada inicialmente como área de atuação da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), em 1953. Atualmente, ela corresponde à área dos Estados da Região Norte (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins), acrescidos da totalidade do Estado de Mato Grosso e dos municípios do Estado do Maranhão, situados a oeste do meridiano 44º O (figura 17). Em sua configuração atual, equivale à área de atuação da SUDAM, correspondendo a 59% do território brasileiro onde reside 56% da população indígena brasileira. A finalidade de criação desta área foi proporcionar um melhor planejamento e execução de projetos econômicos dentro da região delimitada. 21 UNIDADE AmazôniaRondônia Mato Grosso Tocantins Maranhão Pará Amapá Acre Roraima Amazonas Amazônia Legal Figura 17 – Área de abrangência da Amazônia Legal Fora de atuação do Estado brasileiro há uma continuidade do bioma amazônico. Vale ressaltar que a floresta já existia muito antes dos estados modernos se apropriarem dos territórios de sua existência e a dividirem. Para os povos primitivos que viveram nesta floresta, antes da chegada do colonizados europeu, as fronteiras eram outras. Não havia a rigidez das fronteiras atuais e as populações podiam circular livremente pela floresta, considerando-se, sua dinâmica de relações sociais que estabeleciam entre os diversos grupos ali residentes. Observe na figura 18 a extensão da Amazônia e os países que detêm parcelas deste bioma. A maior parte desta floresta está localizada no Brasil em sua fronteira interna, de difícil vigilância. Assim, contrabando e outras atividades ilícitas são realizadas nesta região fronteiriça em função da dificuldade de acesso a ela. Amazônia Internacional Bolívia Peru Equador Colômbia Venezuela Guiana Suriname Guiana Francesa Rondônia Mato Grosso Tocantins Maranhão Pará Amapá Acre Roraima Amazonas Figura 18 – Extensão da Amazônia Internacional 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Assista aos vídeos sobre Chico Mendes – muito interessante para entender a luta de dos povos da floresta: Chico Mendes - 20 Anos de sua morte Documentário feito 20 anos após a morte de Chico Mendes, mostrando como está a área da floresta atualmente e a luta desse povo pela preservação de seu modo de vida. Mostra o que aconteceu com os assassinos dele após sua morte e de que forma foram encontradas pelos seringueiros dessa área para sobreviver. https://goo.gl/NU2iiO Repercussão da morte de Chico Mendes na TV Globo O vídeo apresenta a notícia de um telejornal da Rede Globo, quando Chico Mendes foi morto. https://goo.gl/6e32ii Filmes Amazônia - Heranças de uma Utopia (2005) O documentário aborda as diversas tentativas de colonização da Amazônia brasileira durante o século XX. Adotando um recorte histórico de longa duração - 100 anos - o documentário expõe fatos, iniciativas e ações que resultaram em impactos ou mudanças ecológicas, demográficas, políticas e econômicas, como o Projeto Jari e a cidade de Fordlândia. https://goo.gl/TziZMy Leitura Antigos colonos tiveram que derrubar selva virgem durante a ocupação da Amazônia Relato interessante da ocupação da Amazônia e a visão (atual) de um ex-colono. https://goo.gl/7gFsEz Soldados que defendem fronteiras da Amazônia vivem na “idade da pedra” O artigo, muito interessante, trata da realidade dos militares que vivem em bases isoladas nas fronteiras para defender a Amazônia, apontando as dificuldades na realização desta tarefa. http://goo.gl/JnTqG8 23 UNIDADE Amazônia Referências ARBEX JÚNIOR, J. “Terra sem povo”, crime sem castigo. In: TORRES, Maurício (org.). Amazônia revelada: os descaminhos ao longo da BR-163. Brasília: CNPq, 2005. AZIZ, N. AB’SÁBER. Os Domínios de Natureza no Brasil: Potencialidades Paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. BECKER, B.; STENNER, C. Um futuro para a Amazônia. São Paulo: Oficina de Textos, 2008. DIEGUES, A. C.; ARRUDA, R. S.V. (Orgs.). Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente; São Paulo: USP, 2001. FERREIRA, M. R. A ferrovia do Diabo. São Paulo: Melhoramentos, 2005. GONÇALVES, C. W. P. Amazônia, Amazônias. São Paulo: Contexto, 2005. OLIVEIRA, A. U. Integrar para não entregar: políticas públicas e Amazônia. Campinas: Papirus, 1988. _________ . Amazônia: monopólio, expropriação e conflitos. Campinas: Papirus, 1990. 24
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