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Livro Teoria da Literatura (parte 4. 1)

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Gêneros literários: poesia e prosa
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
 Apresentar um breve panorama sobre gêneros literários.
 Diferenciar os gêneros em poesia e prosa.
 Identificar os elementos estruturantes do texto literário nos gêneros
em poesia e prosa.
Introdução
Neste capítulo, você vai estudar os gêneros literários, sua origem, sua evolução e seus recursos de expressividade. Como você sabe, a literatura tenta expressar em palavras aquilo que poetas e escritores em geral
percebem em sua individualidade e que compartilham de forma coletiva, já que todo texto envolve um outro, o leitor.
Quando se fala em gênero literário, você precisa considerar que se trata de um objeto acabado, construído a partir de uma forma e com uma função, em um contexto de produção que envolve o autor, a obra
e o leitor provável. Pelo conjunto das obras literárias produzidas ao longo dos séculos e pelas relações entre elas é que se podem definir, de modo geral, os gêneros literários e os seus aspectos estruturantes.
O percurso dos gêneros literários
Antes de você estudar a evolução dos gêneros literários e os seus elementos estruturantes,
é importante que tenha em mente alguns conceitos: de texto, discurso
e gênero. O texto é uma unidade linguística (oral ou escrita) que apresenta um sentido completo. Assim, pode ser desde uma placa de trânsito até um romance. 
Para que um texto se constitua como tal e atinja seus propósitos, outros aspectos precisam ser levados em consideração. Esses aspectos fazem parte do discurso: 
as ideologias, o contexto, a intencionalidade do texto, os efeitos pretendidos, o leitor a quem se destina. O discurso é a realização do texto, ou seja, é o texto em uma situação comunicativa, histórica, social, institucional. Para que esse
discurso seja compreendido e tenha sentido, ele adquire certa forma.
Para cada finalidade ou efeito de sentido, há uma forma correspondente.
Essa forma é o gênero textual. Mas não pense que o gênero corresponde a um conjunto de regras fixas, imutáveis. Não. Por serem historicamente construídos, por estarem associados à variação cultural, os gêneros podem adquirir várias formas, que vão se modificando. Os gêneros são modelos de comunicação. São híbridos, podem conter características de outros gêneros.
Essa reelaboração é particularmente fértil nos gêneros literários, ainda que possa se manifestar em qualquer tipo de texto.
Para compreender a noção de gênero e os seus meios de composição e significação, analise o texto a seguir, de Manuel Bandeira (1993, p. 313).
Excelentíssimo Prefeito,
Senhor Hildebrando de Góis,
Permiti que, rendido o preito
A que fazeis jus por quem sois
Um poeta já sexagenário,
Que não tem outra aspiração
Senão viver de seu salário
Na sua limpa solidão,
Peço vistoria e visita
A este pátio para onde dá
O apartamento que ele habita
No castelo há dois anos já.
[…]
Excelentíssimo Prefeito
Hildebrando Araújo de Góis,
A quem humilde rendo preito,
Por serdes vós, senhor, quem sois:
Mandai calçar a via pública
Que, sendo um vasto lagamar*, banhado, charco
Faz a vergonha da República
Junto à Avenida Beira-Mar!
Visualmente, pela presença do verso, você pode concluir que se trata de um poema. Há rimas, repetição de sons no interior dos versos e mesmo número de sílabas poéticas em todos os versos. No entanto, em termos de linguagem, há certo estranhamento (e isso é parte da intenção poética) em relação ao assunto.
Trata-se de uma petição, destinada ao prefeito, para que tome providências em relação ao problema do alagamento constante da rua e da sujeira. Inclusive, emprega-se toda a polidez que é praxe em documentos oficiais (“Excelentíssmo Prefeito”; “Peço vistoria e vista”). O assunto aparentemente banal e o meio de divulgação da demanda do eu lírico (via literatura) são características da poesia moderna, que eleva tudo a tema poético (ao contrário da tradição clássica, que cultiva o “belo” e os “temas elevados”). Mas por que se deve enquadrar esse texto como poema? É possível que alguém o confunda com
uma carta oficial ao prefeito?
O texto de Bandeira (1993) pertence ao gênero literário poema porque nele predomina a função poética, a inventividade. Nota-se que a preocupação com a forma e com a sonoridade do poema é tão ou mais importante do que a reclamação. É possível que o problema da rua tenha incomodado o poeta a ponto de levá-lo a compor o poema. O poema foi protocolado na prefeitura como uma reclamação oficial? Não. Ele foi publicado numa coletânea literária. É improvável que alguém confunda o poema com uma carta de reclamação, que é outro gênero (não literário) e que apresenta uma composição voltada
para a linguagem referencial, comunicativa, apenas. Mesmo que o poema pareça um texto informativo, a linguagem é empregada em sentido conotativo (como em “limpa solidão”). Nota-se certa subjetividade, no sentido de que o eu lírico se coloca como ser solitário, dependente de boas condições para produzir a sua obra. Bandeira (1993) pretendeu brincar com
os limites dos gêneros, algo que se tornou bastante recorrente a partir do século XX. E essa “brincadeira” já está anunciada no próprio título do poema, Carta-poema. Assim, o que determina a essência do gênero é um conjunto de aspectos, que envolve a linguagem, a intenção e o meio de divulgação do texto. Com a evolução das culturas e, em especial, a partir da escrita alfabética (século VII a.C.), muitos gêneros se formaram pela combinação de outros. A própria expansão da imprensa e das plataformas digitais tem gerado inúmeros gêneros textuais, muito provavelmente pelas diversas formas de comunicação
existentes. O leque de opções de gênero pode ser visto de modo bem evidente no desenvolvimento dos gêneros literários.
Que tal entender como surgiu a teorização sobre gêneros? O filósofo grego Aristóteles (384–322 a.C.) foi quem primeiro sistematizou, em sua Arte poética, três classes de gêneros, cada qual subdividida em “espécies”. As espécies são formas literárias que compartilham o mesmo gênero, mas que possuem diferenças entre si, em especial em relação ao tema (a ode é um poema lírico de amor, enquanto a elegia é um poema lírico de homenagem aos mortos). Para Aristóteles, essa rganização tinha como parâmetro o emprego da palavra. No Quadro 1, você pode ver um esquema dessa divisão em gêneros e espécies.
É importante você notar que a divisão apresentada por Aristóteles baseia-se em uma abordagem descritiva e analítica. O filósofo toma como parâmetros a preponderância dos gêneros conhecidos e apreciados à sua época. Com o tempo, novos arranjos surgiram, e o conceito de gênero literário passou a levar em consideração não apenas o tratamento dado à palavra (cantada, narrada ou representada), já que essa divisão básica tornou-se insuficiente para especificar as diferentes apresentações literárias. Tome como exemplo a diferença entre conto e romance. Em ambos, a palavra é narrada por um
contador de histórias. No entanto, isso não basta para individualizar esses gêneros. Nesse caso, é preciso acionar outros critérios para diferenciá-los, como trama, extensão e conflito.
Saiba mais
Acredita-se que a Arte poética, de Aristóteles, tenha sido escrita nos anos finais da vida
do filósofo. Inclusive, há indícios, no próprio texto, de que outro volume trataria da
poesia. Contudo, provavelmente Aristóteles não conseguiu produzi-lo a tempo. A Arte
poética apresenta as bases teóricas da literatura (considerando-a como mímese, como
representação criativa da realidade) e dos gêneros literários. No entanto, só ganhou
reconhecimento e divulgação no Renascimento (século XVI), com a primeira tradução
para o latim. A partir de então, tem sido uma referência para os estudos literários.
A importância desses conceitos aristotélicos está, basicamente, no reconhecimento de categorias e manifestações textuais que especificam os textos. Ao afirmar que as obras diferem entre si por meios diferentes (como som, ritmo, voz), objetos diferentes (tipos de personagens, desfechoalegre ou triste) e maneiras diferentes (épico, lírico e dramático), Aristóteles reconhece a importância da sistematização dos gêneros literários. Além disso, aponta as bases para o desenvolvimento da teoria de gêneros. 
A partir dessas ideias é que os gêneros evoluem. Se você partir da premissa de que a literatura é novidade, é imaginação e criatividade, também fazem parte desse processo a desconstrução desses gêneros e a criação de novas formas, mais ou menos próximas daquelas que serviram de modelo. Se a literatura é um fenômeno social, é natural que cada época produza seus estilos literários, que impactam seriamente a produção dos textos literários. Se, em um primeiro momento, os escritos de Aristóteles apontaram os elementos básicos do gênero literário, levando, em seguida, a uma distinção entre prosa e poesia, com seus gêneros correspondentes, há atualmente uma fusão desses dois tipos. Porém,
antes de você conhecer melhor tais aproximações, é importante que saiba reconhecer o que são e como se constituem os gêneros.
Gêneros literários em poesia e em prosa
Como você viu, um gênero literário é uma unidade que se caracteriza por um conjunto de aspectos defi nidores. Isso tanto em relação ao texto em si (linguagem, extensão, verso/prosa, tema) quanto em relação aos interlocutores (autor e leitor) e ao contexto. Desse modo, o gênero literário atende não só a fi ns composicionais, mas também a propósitos comunicativos e fi nalidades específi cas. Isso implica levar em consideração também os meios de divulgação desses gêneros. Mesmo que grande parte se destine a compor coletâneas e antologias, há algumas especifi cidades. Considere uma cantiga medieval. Esse gênero literário em verso destinava- se à música e à dança em grupos. Então, ao compor uma cantiga, o poeta levava em consideração que seria preferencialmente cantada, não lida. Outro exemplo: o texto dramático, o teatro. Em essência, é escrito com vistas a ser interpretado, não lido individualmente (mesmo que isso também possa ocorrer). Desse modo, o autor tem em mente a finalidade do texto dramático e os meios pelos quais ele se expressa (considerando os atores, o cenário, o diretor). 
As especificidades dos gêneros (que têm se transformado cada vez mais) partem de uma primeira e importante divisão — gêneros literários em poesia e gêneros literários em prosa. Cada gênero pertencente a um desses subgrupos apresenta aspectos que o englobam na categoria prosa ou poesia e, ao mesmo tempo, aspectos que o tornam único e exclusivo, como você vai ver a seguir.
Poesia
Que tal retornar a Aristóteles? Quando o fi lósofo apresenta sua teoria poética, uma das distinções propostas para os gêneros (épico, lírico e dramático) está associada ao tipo de verso empregado. Ou seja, este era um dos elementos distintivos entre os gêneros. E o próprio Aristóteles já alertava para o fato de que, em sua época, textos científicos eram escritos em verso, sem, contudo, receber o status de arte poética. Na Antiguidade Clássica, portanto, o verso (e o ritmo imposto por ele) era parte importante da escrita, muito provavelmente 
Gêneros li 6 terários: poesia e prosa
porque a escrita em verso facilita a leitura em voz alta e a memorização. Isso faz ainda mais sentido se você levar em consideração o grande número de analfabetos e a divulgação oral do conhecimento mediante leituras coletivas. A poesia nasce ligada ao canto. Daí que conserva, ainda hoje, traços da musicalidade — ritmo, métrica, rimas, repetições, paralelismo. Outra relação da poesia com a música, retomando a ideia de lirismo, é o grau de emocionalidade e subjetividade presente na poesia e na música. Trata-se, portanto, de uma representação de algo bastante vago, as emoções. Daí a grande demanda por
figuras de linguagem, que ajudam a expressar as emoções do eu lírico. Isso leva a outro elemento próprio da poesia: a extensão curta, como aponta D´Onofrio (2001, p. 57): “[...] os arroubos líricos só existem em fugazes momentos, não
podendo sustentar uma longa composição literária. Daí decorre que a lírica se manifesta através de poemas curtos [...]”. 
Naturalmente, é possível perceber a presença de certo lirismo inclusive em textos narrativos, mas, tendo em vista os elementos caracterizadores dos gêneros literários, o lirismo é predominante na poesia em verso. Com a evolução dos gêneros em verso, é possível perceber várias transformações em relação ao olhar do eu lírico. A ênfase passa do sujeito em si, suas questões internas, para o mundo à sua volta, com maior consciência do outro. Os gêneros literários sob a designação de poesia têm, portanto, em comum o fato de serem escritos em verso (o que implica uma disposição específica das
ideias no texto), o fato de apresentarem a subjetividade do eu lírico e um enfoque na estilística da língua, em sua sonoridade. Isoladamente, esses aspectos não são exclusivos da poesia, mas é a combinação deles que se manifesta mais na poesia. A seguir, veja alguns exemplos de gêneros literários derivados da lírica, cada qual definido por aspectos como número de versos, tamanho de verso, assunto, entre outros aspectos.
 Canção: poema escrito em redondilha maior (7 sílabas poéticas) ou
menor (5 sílabas poéticas); geralmente trata de amor ou faz uma sátira.
 Elegia: canto triste, de lamento pela morte de alguém.
 Soneto: forma poética composta por quatro estrofes (duas de quatro
versos e duas de três versos).
 Hino: poema de exaltação (Deus, pátria, heróis de guerra).
 Haicai: de origem japonesa, tem forma curta, busca relacionar som
e imagem.
 Formas livres: poemas modernos, que não apresentam necessariamente
rimas ou rigidez métrica.
A composição dos poemas é bastante variada. Como você viu, os temas são diversos e nem sempre o gênero literário se define pelo assunto. Por exemplo, uma elegia precisa, necessariamente, estar associada a um tema fúnebre. Já
um soneto, para se constituir como tal, tem de conter 14 versos, organizados em quatro estrofes (dois tercetos e dois quartetos). Portanto, cada caso deve ser considerado em suas especificidades e de acordo com a época. Atualmente, por
exemplo, as formas livres de poemas são muito mais populares e abundantes do que as elegias. O propósito aqui não é explicar cada uma dessas formas, mas apontar traços comuns. Para tanto, há que se mencionar, ainda, alguns elementos na análise do poema. Veja a seguir.
 Quanto ao ritmo do poema: como o poema é escrito em versos, a extensão do verso é essencial para a caracterização desse gênero literário.
Assim, os poemas podem ser classificados conforme o número de sílabas poéticas, que nem sempre correspondem à divisão silábica convencional. Os mais comuns são as redondilhas (5 e 7 sílabas poéticas), o decassílabo (10 sílabas poéticas), o dodecassílabo (12 sílabas poéticas) e o verso livre (que não segue um padrão de quantidade de sílabas,
havendo, no mesmo poema, diversos tamanhos de verso).
 Quanto à composição dos versos: um conjunto de versos forma uma estrofe (que pode variar de dois a inúmeros versos); também pode haver um refrão, que é uma estrofe que se repete mais de uma vez no mesmo poema.
 Quanto aos recursos sonoros: a sonoridade do poema pode se dar pela presença de rimas pobres (mais simples) ou ricas (mais elaboradas, combinando sons de palavras pertencentes a classes gramaticais distintas), ou mesmo pela ausência delas (verso branco). As rimas podem ser internas ao verso ou aparecerem apenas no final dos versos, apresentando esquemas diversos. Para analisar um poema, considere que cada som corresponde a uma letra. Assim é possível determinar o esquema de rimas. Ainda fazem parte dos recursos sonoros as repetições (palavras, sons, versos) e o uso de onomatopeias.
Prosa
Se o elemento defi nidor da poesia é a escrita em verso, no caso da prosa, o elemento definidor é a escrita continuada, organizada em parágrafos — a prosa. A prosa de ficção está associada à narração. Deriva do gênero épico e, por meio
de um narrador, que organiza o discurso, narra um evento ficcional. Além disso,implica a relação entre personagens que se relacionam no tempo e no espaço.
Fique atento
O gênero dramático, definido por Aristóteles, inicialmente dava conta da tragédia e da comédia. Na sequência, outros gêneros literários constituídos a partir da representação se formaram: a farsa, o auto, o drama, o monólogo, o musical. Todos têm em comum a ausência de um narrador e a finalidade primária da encenação. Além da palavra escrita, portanto, outros elementos, relacionados ao meio de execução, são mobilizados. É certo que um texto dramático também serve para ser lido, individualmente, mas essa
não é a sua finalidade primária. Pela leitura, você pode perceber que predomina o aspecto narrativo (aproximando o drama dos textos em prosa), mas também é muito comum que a escrita seja em verso (aproximando-o, nesse caso, da lírica). Por essas especificidades, aqui você não vai se ater a esse gênero. No entanto, caso você tenha interesse em aprofundar seus conhecimentos sobre teatro, pode ler O teatro épico, de Anatol Rosenfeld.
O primeiro ponto a respeito da prosa é a presença de um narrador. Assim como o eu lírico não é o poeta e não necessariamente expressa as emoções deste, também o narrador não é o autor, não está, necessariamente, vinculado às experiências deste. Esse ser ficcional é essencial para a condução do texto, já que determina como e em que ritmo a história é contada (de forma mais
abrupta, com suspense, começando pelo final). O narrador pode apresentar maior ou menor envolvimento com o narrado (narrador-personagem, narrador observador, intruso). Quanto aos tipos de narradores, podem se organizar em
primeira pessoa ou terceira pessoa. Além disso, podem interferir em maior ou menor grau na narração.
Quanto à construção das personagens — outro elemento constituinte dos gêneros em prosa —, a opção por determinadas representações também está relacionada ao tipo de gênero. As personagens, de modo geral, podem ser planas, ou seja, representar tipos ou funções sociais, ou mais complexas, evidenciando a própria complexidade humana, com suas inconsistências e valores. A existência de uma ou outra, por si só, já implica a delimitação de um gênero.
Tome como exemplo o conto. Há o conto popular, de tradição oral, cujo propósito é transmitir uma moral, um ensinamento. Há, ainda, o conto erudito, focado na trajetória de uma ou mais personagens, podendo envolver enredos distintos (aventura, drama psicológico, suspense). No primeiro caso, até para reforçar a moral, empregam-se personagens estereotipadas (o rei, a princesa, o
comerciante, o bom, o mau), que representam comportamentos bem evidentes e que permanecem com essas características ao longo de toda a história. Já no conto erudito, as personagens são mais elaboradas. Mesmo podendo haver uma identificação com tipos sociais, a finalidade de sua existência é outra, seu papel na história vai adquirindo novos significados e muitas vezes rompe expectativas. Da mesma forma que em relação aos poemas, os gêneros textuais em prosa possuem algumas características que os aproximam, mas muitas especificidades que os singularizam. A determinação de um gênero em prosa, tal como na poesia, envolve critérios distintos. Por exemplo, a distinção entre romance e conto está em sua extensão. A definição do gênero biografia ficcional está no assunto. A definição do gênero anedota está no emprego do humor. A seguir, veja alguns exemplos de gêneros literários em prosa derivados da épica.
 Romance: narrativa longa, envolvendo um ou mais personagens, que se relacionam no tempo e no espaço. O protagonista, ao contrário do que ocorre no texto épico que lhe dá origem, não precisa ser um herói ou semideus, mas o homem comum, envolvido em seus conflitos pessoais. 
 Conto: narrativa curta, em geral sem tantos personagens ou acontecimentos; condensa mais o conflito da história.
 Novela: sua extensão fica entre o romance e o conto. Em geral, apresenta episódios intercalados e independentes.
 Crônica: texto curto, que busca apreender, por meio da ficção, um momento do dia, uma impressão do cotidiano.
 Anedota: tem origem na tradição oral e envolve o relato de algo engraçado ou curioso.
Fique atento
Você deve notar que o gênero épico, apesar de narrativo, era escrito em verso. Mais uma vez, a especificidade dos gêneros deve ser considerada a partir de um conjunto de critérios e da predominância de formas.
Tendências contemporâneas: repensando os limites entre prosa e poesia
A evolução e o amadurecimento da literatura, por um lado, e a potencialização dos meios de comunicação, por outro, têm contribuído para uma fértil produção de novos gêneros literários. Ainda que a tríplice organização em épico, lírico e dramático de Aristóteles encontre espaço hoje tanto na teoria da literatura quanto entre os ficcionistas, os limites entre os gêneros estão cada vez mais fluidos. Isso leva os estudiosos a adotar uma postura um pouco diferente em relação a esses novos textos, que é a de reconhecer a capacidade sempre renovada da criação poética. Por isso, chega-se à conclusão de que, se não é impossível, talvez tenha se tornado secundária a identificação precisa de um gênero literário, mais ainda se você considerar a distinção (cada vez mais sutil) entre prosa e poesia, entre narrativa e lírica. Há pouco, foram referidas as formas livres e os versos brancos, quando se abordou a poesia. Trata-se de importantes inovações literárias, que obrigam a pensar o ritmo da poesia a partir de outros elementos que não aqueles tradicionalmente reconhecidos — o padrão de rimas e a regularidade do verso. Da mesma forma, são cada vez mais comuns os poemas em prosa e as narrativas em verso. Observe o caso a seguir, o poema O que se diz, de Carlos Drummond de Andrade (1985):
Que frio! Que vento! Que calor! Que caro! Que absurdo! Que bacana! Que tristeza! Que tarde! Que amor! Que besteira! Que esperança! Que modos! Que noite! Que graça! Que novidade! Que susto! Que pão! Que vexame! Que mentira! Que confusão! Que vida! Que coisa! Que talento! Que alívio! Que nada... […]
Estruturalmente, você pode perceber uma organização contínua na linha (que segue na linha seguinte), o que caracteriza a prosa. No entanto, trata-se de um poema. E como se chega a essa conceituação? Saber que é uma obra de um famoso poeta — Carlos Drummond de Andrade — já é uma pista inicial, que indica a grande possibilidade de ser um poema. Mas supondo que essa
informação fosse desconhecida, há aspectos estruturais a serem percebidos. Então, como chegar à conclusão de que se trata de um poema? Pela percepção da predominância da sonoridade, recurso da poesia. As frases empregadas têm a mesma estrutura. Há um paralelismo na repetição da interjeição “que” e no emprego repetido de apenas duas palavras em cada frase. Essa continuidade garante o ritmo e a circularidade do poema. Note ainda que a ordem das expressões não altera o sentido. Não há a intenção de contar uma história, de avançar em uma narrativa. 
Exemplos desse tipo são cada vez mais comuns na literatura. Desde o Romantismo, a reprodução de modelos clássicos cedeu espaço à liberdade de criação formal do artista, e isso fez proliferarem novas formas. Em especial após o Simbolismo, que rompeu com a ideia de que há temas próprios para a poesia e temas próprios para a prosa, surgiram diversas inovações em termos de gêneros, inclusive envolvendo a imagem e o texto publicitário. A poesia lírica passa a dividir espaço com uma poesia que não traz só a representação das emoções do sujeito, nem só a forma clássica do verso. Compete ao leitor não enquadrar essas composições neste ou naquele gênero literário predefinido, mas perceber as sobreposições e recriações de gêneros como parte natural e enriquecedora da obra estética.
Análise dos elementos estruturais
Até agora, você viu que um gênero literário é um constructo que envolve muitas formas de organização. Nesta seção, você vai colocar em prática o que já aprendeu para analisar textos em verso e em prosa. A ideia é que você observe como cada gênerose constitui a partir de elementos estruturantes comuns e específicos. Para compreender como se dá esse arranjo, você vai ver seis níveis de análise do texto literário (D´ONOFRIO, 2002), independentemente de seu gênero. É possível perceber que esses níveis são acionados em maior ou menor grau, dependendo do gênero literário. Sabe-se, por exemplo, que tanto na prosa quanto na poesia pode haver repetição de sons e palavras, ainda que tal manifestação seja mais comum na poesia.
Nível fabular
Neste nível, consideram-se os elementos que definem o modo como a história é contada, as situações, as sequências narrativas. Obviamente, é uma categoria essencial para o texto em prosa, mas que, em alguns poemas, também está presente. O poema Tabacaria, assinado por um dos heterônimos de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, começa com os seguintes versos:
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada (PESSOA, 2008, p. 362).
Um estilo bem poético, que envolve rima, verso, repetições e aliterações (nesse caso, a repetição do som nasal nas palavras iniciadas em n, no começo de cada verso). Na sequência, porém, surge uma organização fabular, que contrasta com a simbologia desses versos iniciais, opondo o sonho e o pensamento à realidade concreta:
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos (PESSOA, 2008, p. 366).
Nota-se a predominância da subjetividade, o foco na relação do eu lírico consigo mesmo, sem deixar de trazer certo enredo, um movimento, que aparece como moldura ao pensamento (homens na tabacaria, que entram e saem). Inclusive, o eu lírico desloca-se, em certo momento, do “eu” para pensar no outro, quando questiona o motivo de um homem ter entrado na tabacaria.
Para fins de comparação, veja o início do conto Fala-se russo, de Vladimir Nabokov (2013): “A tabacaria de Martin Martinich fica localizada num prédio de esquina. Não é de admirar que tabacarias tenham uma predileção por esquinas, porque o negócio de Martin está indo muito bem [...]”. A trama se inicia com uma descrição da tabacaria. Ao contrário do que acontece no poema de Pessoa, aqui ela é colocada em primeiro plano, a partir do qual se desenvolve a história. Não se sabe ainda, pela leitura das primeiras linhas do conto, o que acontecerá, mas o leitor conhece detalhes do espaço que contribuem para a expectativa inicial da narrativa.
Nível atorial
O nível atorial diz respeito à percepção que se tem das personagens no texto, suas funções e características físicas e/ou psicológicas. Mais uma vez, é prerrogativa do texto em prosa a descrição da personagem, como na apresentação do
herói indígena Peri, do romance O guarani, de José de Alencar: “Peri, com seu arco, companheiro inseparável e arma terrível, na sua mão destra, sentava-se longe, à beira do rio, numa das pontas mais altas do rochedo ou do galho de uma árvore [...]” (ALENCAR, 2001, p. 54). O índio é mostrado em sintonia com a natureza, mas, ao mesmo tempo, forte e guerreiro. Você pode ver uma descrição semelhante no poema narrativo I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias: 
Sou bravo, sou forte, Sou filho do Norte.
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi (DIAS, 2002, p. 48).
Nos dois casos, para que a narrativa se desenvolva, é essencial apresentar as personagens e as suas características. No caso do poema, obviamente, essa descrição é mais sugestiva do que concreta (“Sou filho do Norte”), mas igualmente permite perceber a coragem e a força guerreira do índio. Nos dois textos, a força física e os valores morais apresentados determinam os destinos
das personagens. Daí a importância de serem apresentados. 
Nível reflexivo
O nível reflexivo envolve os comentários e as reflexões sobre os fatos ou sobre a vida em geral. Nos textos narrativos, essa função implica o narrador e as personagens. No caso do poema, envolve o eu lírico e os seus modos de ver o mundo.
Tome como exemplo as reflexões sobre a escravidão. O narrador do conto Pai contra mãe, de Machado de Assis, inicia a história com uma reflexão: “A escravidão levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. [...] Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão [...]” (ASSIS, 2001, p. 19). No caso do poema Grito negro, do poeta moçambicano José Craveirinha (2003), essa reflexão também traz uma denúncia, porém isso se dá de forma mais simbólica, a partir da metáfora do carvão. O poema mostra um eu lírico
consciente de seu papel social:
Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão!
E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão (CRAVEIRINHA, 2003).
O nível reflexivo, no poema, expressa-se por imagens e metáforas, de forma mais condensada. Já na prosa, o pensamento de narrador e personagens dispõe de mais espaço para ser expresso.
 
Nível discursivo
O nível discursivo aborda as várias vozes presentes no texto literário, como elas se manifestam. Também nessa categoria enquadram-se as análises de elaboração linguística, em níveis lexical, sintático e semântico. Assim, trata- -se de uma categoria igualmente presente em todos os gêneros literários, mas com enfoques distintos. No texto em prosa, são perceptíveis os diferentes estilos de personagens, suas falas em discurso direto (mediante o uso de travessão), o foco narrativo predominante (primeira ou terceira pessoa) e os empregos da linguagem para atingir os propósitos pretendidos. Tome como referência o romance A hora da estrela, de Clarice Lispector. Nele, você pode perceber como, pelo estilo discursivo, há uma aproximação entre a organização sintática da prosa e a linguagem poética:
Com essa história eu vou me sensibilizar, e bem sei que cada dia é um
dia roubado da morte. Eu não sou um intelectual, escrevo com o corpo.
E o que escrevo é uma névoa úmida. As palavras são sons transfundidos
de sombras que se entrecruzam desiguais, estalactites, renda, música
transfigurada de órgão. Mal ouso clamar palavras a essa rede vibrante
e rica, mórbida e escura, tendo como contratom o baixo grosso da dor.
Alegro com brio. Tentarei tirar ouro do carvão. Sei que estou adiando a
história e que brinco de bola sem a bola. O fato é um ato? Juro que este
livro é feito sem palavras. É uma fotografia muda. Este livro é um silêncio.
Este livro é uma pergunta (LISPECTOR, 1981, p. 21).
As escolhas discursivas levam o leitor a sentir-se diante de uma poesia, com seus vários efeitos de sentido, com as metáforas e as figuras de linguagem ocupando o espaço da narrativa. Talvez a referência ao “brincar sem bola”seja uma forma de expressar a aproximação da prosa com algo que não é de sua essência, a poesia. O trecho leva a pensar, mais do que descreve ou narra
algo concreto. Essa é uma escolha discursiva.
Outro exemplo de construção discursiva a partir da ruptura dos parâmetros da prosa e da poesia é o poema de Manuel Bandeira (1993, p. 142) Irene no céu Veja:
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
— Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
Nesse caso, o poema é composto por duas estrofes. Na primeira, há a descrição de Irene, sem rimas e em versos livres. O ritmo se dá pela repetição do nome “Irene” e pela oposição entre os dois primeiros versos curtos e o último, mais longo e definitivo em relação à descrição da mulher. A segunda estrofe busca reproduzir a estrutura do texto narrativo pelo diálogo (vide travessões),
pelas diferenças dos falares (“Licença, meu branco!”) e pela presença de um narrador onisciente que indica os turnos da fala (“E São Pedro bonachão:”).
Nível descritivo
O nível descritivo relaciona-se às categorias de tempo e espaço. Busca organizar e apresentar aimagem que corresponde a um cenário, a um espaço, às vestimentas. Na narrativa, é parte fundamental para o desenvolvimento da ação. Já na poesia
aparece como um recurso que leva o eu lírico a evocar sentimentos e sensações. Considere outro poema de Manuel Bandeira (1993, p. 220), Natal sem sinos:
No pátio a noite é sem silêncio.
E que é a noite sem o silêncio?
A noite é sem silêncio e no entanto onde os sinos
Do meu Natal sem sinos?
Ah meninos sinos
De quando eu menino
A noite silenciosa e os sinos do Natal remetem à infância perdida e provocam um lamento, como você pode perceber nos dois últimos versos. Na prosa, por exemplo, também há o caráter evocativo de memórias pela descrição, mas esta aparece muito mais com a finalidade de justificar e contextualizar as ações das personagens. É o caso do romance O cortiço, de Aluísio Azevedo, que apresenta páginas e páginas de descrição do espaço em detalhes, porque é justamente esse espaço o responsável pelas ações das personagens que nele residem: 
Foi abaixo aquele grosso e velho muro da frente com o seu largo portão de cocheira, e a entrada da estalagem era agora dez braças mais para dentro, tendo entre ela e a rua um pequeno jardim com bancos e um modesto repuxo ao meio, de cimento, imitando pedra. Fora-se a pitoresca lanterna de vidros vermelhos; foram-se as iscas de fígado e as sardinhas preparadas ali mesmo à porta da venda sobre as brasas; e na tabuleta nova, muito maior que a primeira, em vez de “Estalagem de São Romão” lia-se em letras caprichosas: “Avenida São Romão” (AZEVEDO, 1999, p. 274). A descrição, em todo caso, deve atender a uma finalidade. Se for gratuita, torna o texto artificial. Comparando as duas descrições, você pode notar que, no caso da poesia, há maior grau de interpretabilidade. O leitor tem noção do que são a noite, o silêncio e os sinos, mas a descrição dessas ideias se dá de maneira bastante emocional, sob a óptica do eu lírico. Já na descrição no texto em prosa, é mais fácil para o leitor relacionar a imagem do que é descrito com elementos de seu cotidiano.
Nível fônico
O nível fônico envolve os elementos sonoros do texto, que se manifestam de várias maneiras (pela repetição de sons, pela repetição de palavras, pela repetição de sintagmas, pela oposição entre tamanhos de versos). O mais importante é a
estreita relação entre o som e o sentido. Tradicionalmente, o nível fônico é mais produtivo de ser observado em poemas, tais como A catedral, de Alphonsus de Guimaraens (2009, p. 103–104):
Entre brumas, ao longe, surge a aurora,
O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea* do meu sonho branca
como o marfim
Aparece na paz do céu risonho
Toda branca de sol.
E o sino canta em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O astro glorioso segue a eterna estrada.
Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a bênção de Jesus.
E o sino clama em lúgubres responsos:
"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"
O refrão “Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus” tende a reproduzir o som (“lúgubre”) melódico e repetitivo do sino. Da mesma forma, nas estrofes maiores, repete-se a ideia “A catedral ebúrnea do meu sonho”, relacionando o sonho à cor branca (do orvalho, da luz do sol). Note, por exemplo, a repetição do som /s/ nas sílabas tônicas, conferindo certa fluidez ao poema: sino, segue, astro, seta, cintila, recebe.
Na literatura moderna, porém, é cada vez mais comum que a sonoridade e a musicalidade ajudem a compor também os traços do texto em prosa, como você pode ver trecho do conto Cara de Bronze, de Guimarães Rosa (2001, p. 140):
O vaqueiro José Uéua: Assim: — mel se sente é na ponta da língua…
O desafã. Por exemplos: — A rosação das roseiras. O ensol do sol nas pedras e folhas. O coqueiro coqueirando. As sombras do vermelho no branqueado do azul. A baba de boi da aranha. O que a gente havia de ver, se fosse galopando em garupa de ema. Luaral. As estrelas. Urubús e as nuvens em alto vento: quando eles remam em voo. O virar, vazio por si, dos lugares. A brotação das coisas. A narração de festa de rico e de horas pobrezinhas alegres em casa de gente pobre…
O personagem vaqueiro José Uéua (já há sonoridade no nome) considera como seria ver os pequenos acontecimentos da vida de um ângulo inusitado. Assim, as palavras são empregadas em sentidos mais figurativos do que costumam aparecer
em um texto em prosa. O que seria, por exemplo, “Um coqueiro coqueirando” ou as “horas pobrezinhas alegres”? Perceba não só o aprofundamento semântico das palavras, mas também a sonoridade (“rosação das roseiras”, “ensol do sol”), as oposições (“festa de rico”, “horas pobrezinhas em casa de gente pobre”), a contextualização do léxico (“remam em voo”, considerando que o remar ocorre na água, não no céu) e as aliterações (“virar, vazio”).
Do ponto de vista sintático, as ideias são sugestivas, não são completas. Predominam as frases nominais, sem verbos, e o uso de reticências. Ou seja, mais do que descrever ou narrar um episódio (premissa dos gêneros narrativo vos em prosa), o trecho atém-se à subjetividade do eu e à expressão de uma sensação em relação ao mundo (premissa dos gêneros narrativos em versos).
Daí o encanto promovido pela leitura.

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