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Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 1 Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora: Conceição Costa Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 2 SUMÁRIO A FAMÍLIA E O SERVIÇO SOCIAL ................................................................ 3 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................... 3 2. METODOLOGIAS NA INTERVENÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL NO TRABALHO COM FAMÍLIAS .................................................................... 8 2.1. SERVIÇO SOCIAL E PROCESSO DE TRABALHO COM FAMÍLIAS ................ 8 3. REVISANDO: A FAMÍLIA E A PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA ......................... 17 4. CUIDADOS COM A FAMÍLIA E GRUPOS VULNERÁVEIS ............................. 23 5. TRABALHO SOCIAL COM FAMÍLIAS: ELEMENTOS PARA SUA RECONSTRUÇÃO EM BASES CRÍTICAS ............................................................................... 29 QUESTÕES DE PROVAS COMENTADAS ...................................................... 36 QUESTÕES DE PROVAS EBSERH ............................................................... 46 GABARITOS ........................................................................................... 50 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................... 51 Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 3 A FAMÍLIA E O SERVIÇO SOCIAL 1. INTRODUÇÃO Analisando a história do Serviço Social vê-se, que o trabalho com famílias sempre foi uma preocupação do profissional. De acordo com SILVA (1987): “Já Mary Richmond, em seu Diagnóstico Social, mostrava a importância de se considerar o cliente em suas múltiplas relações sociais, em especial com sua família de origem, considerando este, ‘muitas vezes’ o único caminho para obter resultados completos e duradouros. Enfatizava também a necessidade de proceder a um estudo da família, de suas características básicas, de sua importância na gênese e no desenvolvimento dos problemas apresentados pelo cliente e das interferências do meio social sobre esta família caracterizada como ‘unidade integradora’. A partir dessa época, toda a literatura do Serviço Social reafirma a necessidade de não se isolar o indivíduo de seu contexto familiar. ” (SILVA, 1987. p.84). A família era tomada como unidade a partir das disfunções sociais apresentadas. A proposta de intervenção baseava-se no ajustamento social, e este foi o enfoque dado ao universo familiar, para ajustar a família aos princípios propostos pelas classes sociais dominantes e manter assim a ordem social vigente. Nessa perspectiva, o Estado foi fundamental, apresentando o papel de trabalhar as famílias, especialmente às oriundas das classes empobrecidas. A ação do Estado e de muitos profissionais que estavam a seu serviço, partia do pressuposto de que algumas famílias eram incapazes de educar as crianças e os adolescentes, em função de sua estrutura considerada inadequada para permitir o bom desenvolvimento destes. Até o Movimento de Reconceituação, a questão da família foi tratada de maneira relativa, em função da atuação junto a comunidades e movimentos sociais. A partir de 1965, o Serviço Social passou pelo Movimento de Reconceituação, que se desdobrou em várias tendências; dentre elas, sobretudo, a modernização Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 4 (funcionalista, fenomenológica e eclética) das correntes marxistas e socialistas de vários matizes. O Serviço Social tem seu surgimento marcado pela consolidação do sistema capitalista no momento de sua manifestação como monopólios, momento este marcado pelo afloramento da “questão social”. Entendida aqui como afirma IAMAMOTO (2007): “[...] conjunto das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter coletivo da produção contraposto à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho -, das condições necessárias à sua realização, assim como de seus frutos. É indissociável da emergência do ‘trabalhador livre’, que depende de venda de sua força de trabalho com meio de satisfação de suas necessidades vitais. A questão social expressa, portanto, disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, colocando e, causa as relações entre amplos segmentos da sociedade cível e o poder estatal”. (IAMAMOTO, 2007. p.16,17). A “questão social”, objeto do Serviço Social tem uma relação com o Serviço Social desde sua gênese como profissão, ela sustenta sua base de intervenção. Todavia, não se coloca de imediato nesta relação, pois “as conexões genéticas do Serviço Social profissional não se entretecem com a questão social, mas com suas peculiaridades no âmbito da sociedade burguesa fundada na organização monopólica” (NETTO, 2000:18). Essa forma de conceber o Serviço Social é entender que o mesmo se constitui a partir de um momento histórico determinado, assim, a profissão é determinada sócio historicamente, a mesma se constrói sustentada pela contradição. Seu significado social se dá, segundo IAMAMOTO (1992) na vinculação concreta que esta profissão vai ter na sociedade capitalista, ou seja, na contradição entre quem paga e quem demanda seus serviços. É importante destacar que a profissão não se dá de forma aleatória. O que ocorre é um reordenamento interno do capitalismo evidenciando um espaço concreto para institucionalização da profissão. Desta forma, entende-se que esse processo se constitui em um processo de ruptura, conforme analisa NETTO (1992), devido à condição de assalariamento que este profissional assume, tornando-se este momento fundamental para que posteriormente este sujeito se compreenda Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 5 enquanto membro da classe trabalhadora. Isto provoca um avanço na construção da categoria profissional, ou seja, na sua trajetória histórica. Os assistentes sociais no final da década de 70 e início dos anos 80 construíram aliança com as classes trabalhadoras, tentando dar à prática uma nova direção. Esse posicionamento permitiu perceber a família no interior da questão mais ampla, contraditória e complexa do conflito de classes, sujeitando o entendimento da realidade social a todas as determinações, condicionamentos e influências decorrentes do novo enfoque. Mas essa mudança de percepção não atingiu as políticas sociais, que deveriam voltar para o atendimento familiar. Essa trajetória histórica delineada a partir das lutas sociais desenvolvidas em torno das questões da família, não favoreceu a construção de uma política especifica de atenção, na época. Para TAKASHIMA (1994), a família brasileira sempre foi tratada através de políticas sociais de atendimento centradas nas figuras da “maternidade e infância”, “menor abandonado; delinquente”, “menino de rua”, “excepcional” e “idoso”.Para a autora, a agravante disso, é que todos esses foram vistos de forma isolada e descontextualizada até mesmo de seus valores socioculturais. Embora não exista política especifica de atenção à família, esta, se insere, ainda que de forma fragmentada, nas distintas políticas públicas de áreas como saúde, educação e habitação, por exemplo, através dos diferentes segmentos que compõem, tais como, mulher, criança, adolescente e idoso. Estas transformações societárias vêm implicando, não só a emergência de novas demandas para o Serviço Social, como na necessidade premente de redimensionar a formação profissional a partir de procedimentos investigativos que tomem como objeto as mudanças do espaço ocupacional do Assistente Social. Esta contradição, que dá materialidade ao significado social da profissão e marca sua identidade profissional, é concebida como parte integrante de sua organização como profissão, isto é “não se revela de imediato, não se revela no próprio relato do fazer profissional, das dificuldades que vivenciamos cotidianamente” (IAMAMOTO, 1992:120). Ela é compreendida e adquire sentido no espaço das relações sociais concretas da sociedade da qual é parte. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 6 Ao compreender esse movimento, pode-se dizer que a profissão avançou. No sentido de romper com antigas concepções da mesma, deslocadas da realidade, numa visão endógena do Serviço Social (IAMAMOTO, 1999) que não compreendia essa forma histórica de reconhecer a profissão no rol de profissões que surgem a partir de um determinante histórico que é a questão social. Conforme NETTO (2000): “[...] a base própria da sua profissionalidade, as políticas sociais, conformam um terreno de conflitos – e este é o aspecto decisivo- constituídas como respostas tanto às exigências da ordem monopólica como ao protagonismo proletário, elas se mostram como territórios de confrontos nos quais a atividade profissional é tensionada pelas contradições e antagonismos que as atravessam enquanto respostas”. (NETTO, 2000:78). A profissão ao defender os interesses da classe trabalhadora, ao buscar fundamentação teórica para compreender essa realidade contraditória onde se insere, passou a produzir novos conhecimentos e dar novas respostas para seu exercício profissional no sentido de atender as demandas postas pela questão social, tanto as já existentes como as novas, requerendo. Segundo IAMAMOTO (2007): “[...] no seu enfrentamento, as prevalências das necessidades da coletividade dos trabalhadores, o chamamento à responsabilidade do Estado e a afirmação de políticas sociais de caráter universal, voltadas aos interesses das grandes maiorias, condensando um processo histórico de lutas pela democratização da economia, da política, da cultura na construção de uma esfera pública”. (IAMAMOTO, 2007: 10,11). Assim compreender a questão social a partir das transformações societárias pós-setenta é, como expõe IAMAMOTO (2007): “Uma sociedade em que a igualdade jurídica dos cidadãos convive contraditoriamente, com a realização da desigualdade. Assim dar conta da questão social, hoje, é decifrar as desigualdades sociais - de classes - em seus recortes de gênero, raça, etnia, religião, nacionalidade, meio-ambiente, etc. Mas decifrar, também, as formas de resistência e rebeldia com que são vivenciadas pelos sujeitos sociais” (IAMAMOTO, 2007. p. 114). Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 7 Essas novas expressões da questão social apresentam uma demanda por serviços anteriormente inexistentes e que precisam receber respostas eficientes, seja via ações públicas ou privadas. Para responder a essas demandas apresentadas pela família, exige-se um profissional que, nos dizeres de IAMAMOTO (2007), seja: “Exige-se um profissional qualificado, que reforce e amplie a sua competência crítica; não só executivo, mas que pensa, analisa, pesquisa e decifra a realidade. Alimentado por uma atitude investigativa, o exercício profissional cotidiano tem ampliadas as possibilidades de vislumbrar novas alternativas de trabalho nesse momento de profundas alterações na vida em sociedade. O novo perfil que se busca construir é de um profissional afinado com a análise dos processos sociais, tanto em suas dimensões macroscópicas quanto em suas manifestações quotidianas; um profissional criativo e inventivo, capaz de entender “o tempo presente, os homens presentes, a vida presente” e nela atuar, contribuindo, também para moldar os rumos de sua história” (IAMAMOTO, 2007. p. 49). O Assistente Social é um profissional solicitado para atuar em diversas áreas, onde se apresenta as expressões da questão social, tais como: Conselhos Tutelares, CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), Empresas, Prefeituras (Secretaria de Assistência Social), INSS (Instituto Nacional da Seguridade Social), Escolas, Área Judiciária, APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), PSF (Programa Saúde da Família), Programa Sentinela, CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), Unidades Hospitalares, dentre outras. Em todas essas áreas, o Assistente Social reporta grande parte da sua intervenção ao trabalho com famílias, pois a está presente nas diferentes demandas apresentadas nas instituições que atendem as questões sociais. O Assistente Social analisa, investiga a realidade nos aspectos sociocultural e econômico, fundamentado no seu projeto ético-político, e se apropria como referência às técnicas participativas, em oposição às práticas que articulam as questões sociais. Para tanto, o desenvolvimento de uma metodologia no processo de trabalho com famílias é necessário, bem como a análise desta. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 8 2. Metodologias na Intervenção Profissional do Assistente Social no Trabalho com Famílias 2.1. Serviço Social e processo de trabalho com famílias A profissão do Assistente Social é regulamentada pela Lei n. 8.662, de 07/06/93. Esta Lei tem o objetivo de reger os procedimentos e a natureza dos serviços profissionais, por meio dos quais se realizam os princípios constitucionais da assistência social; assim como da saúde, previdência social e demais atividades sociais. Para isso institui a profissão de Assistente Social, de um lado exigindo-lhe determinados deveres e, de outro, assegurando-lhe certas competências e atribuições privativas em conformidade com o Código de Ética da Profissão, que reafirma os seus valores fundantes – a liberdade e a justiça social. O projeto profissional do Serviço Social, pensa a ética como um pressuposto teórico-político que remete para o enfrentamento das contradições postas à profissão, a partir de uma visão crítica, e fundamentada teoricamente, das derivações ético- políticas do agir profissional. O reconhecimento da importância da família no contexto da vida social está explícito no artigo 226, da Constituição Federal do Brasil, quando declara que: “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, endossando assim, o artigo 16, da Declaração dos Direitos Humanos, que traduz a família como sendo o núcleo natural e fundamental da sociedade, e com direito a proteção da sociedade e do Estado. No Brasil, tal reconhecimento se reafirma nas legislações especificas da Assistência Social – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Estatuto do Idoso e na própria Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), entre outras.Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 9 Para MIOTO (1997): “A família é uma instituição Social historicamente condicionada e dialeticamente articulada com a sociedade na qual está inserida. Isto pressupõe compreender as diferentes formas de famílias em diferentes espaços de tempo, em diferentes lugares, além de percebê-las como diferentes dentro de um mesmo espaço social e num mesmo espaço de tempo. Esta percepção leva a pensar as famílias sempre numa perspectiva de mudança, dentro da qual se descarta a ideia dos modelos cristalizados para se refletir as possibilidades em relação ao futuro”. (MIOTO, 1997, p.128). Sabe-se que não só para o Serviço Social, mas que em todas as profissões o tema “FAMÍLIA” não é desconhecido, intervém-se nesta dinâmica a todo instante. Porém poucos profissionais são preparados para trabalhar as relações familiares e as mudanças ocorridas na estrutura familiar ao longo da história. Atualmente os processos de intervenção com as famílias são pensados apenas no âmbito do atendimento direto. Não são vislumbradas, no universo das ações profissionais, outras possibilidades de se trabalhar com famílias; não são considerados especialmente os espaços da proposição, articulação e avaliação das Políticas Sociais, nem a organização e articulação de serviços como campos fundamentais de intervenção na área da família. Abordar a problemática familiar constitui-se em uma tarefa difícil e complexa, já que a família contemporânea pode ser vista como um desafio, que envolve problemas de ordem cultural, ética, econômica, política e social. A miséria e a falta de oportunidades de vida digna impedem as famílias de expressarem suas opiniões próprias e faz com que elas sejam submissas e não ocupem seus espaços de cidadãos. Gerando uma ausência de protagonismo que por sua vez colabora para que esta situação de exclusão se perdure por toda vida. Na maioria das vezes a cultura apreendida era apenas de proibições, cumprimento de ordens e obediência, nunca a cidadania ou criatividade. Muitas vezes ao dizer o que se pensava, retaliações e punições eram geradas, demonstrando a política do clientelismo, - ainda presente nos dias atuais. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 10 A organização familiar atua como ressonância, vítima e reprodutora de todo esse sistema de cultura o que se reverte nas seguintes demandas: O trabalho infantil deixa de ser problema e passar a ser solução uma vez que os pais educam seus filhos com o pensamento de que “criança que não trabalha cresce vagabundo”, não visualizando a escola de forma necessária para o enfrentamento da vida, e a criança não é vista com o respectivo direito de estudar, e brincar. As pessoas vêm se objetos e não sujeitos da história, das políticas, dos projetos e programas públicos, a mentalidade já estar determinada a pensar assim o que os impede de lutar para mudar tal situação. Em decorrência disso, as diversas expressões da questão social colocam limites e desafios de intervenção para o Assistente Social, exigindo um exame atento no mundo do trabalho, particularmente, em instituições que lidam com o binômio saúde-doença, onde as contradições e mazelas de uma sociedade com elevados níveis de exclusão social emergem com força. É de extrema importância que o profissional, ao trabalhar com famílias, adote uma postura socioeducativa, de trocas, numa relação horizontal, tendo sempre em mente que a realidade social e a dinâmica familiar requerem que o profissional respeite a individualidade de cada família, procurando não fazer julgamento de valor. A dimensão técnica não autoriza a tomada de decisões ou escolha de condutas: isto cabe à família. Os conhecimentos científicos ou os valores moralistas não podem servir de pretexto para o julgamento das famílias, mas de base para ações socioeducativas, cultura da tutela e as atitudes paternalistas fortalecem a exclusão das mesmas, a democratização das informações, o saber ouvir, a divulgação dos critérios de atendimento, o esclarecimento quanto ao papel dos familiares no processo são atitudes necessárias e éticas. É necessário que o profissional utilize uma linguagem clara, criando atmosfera aberta e informal que permita aos usuários se sentirem à vontade para se colocarem, fazer perguntas, esclarecer dúvidas. O diálogo de discussão de Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 11 alternativas com as famílias estará contribuindo para desenvolver mecanismos de reflexão e assumindo um papel mais de ajudá-la a refletir do que pensar nela, mais de questionar do que discursar. Como um mediador, é importante que o profissional se questione sempre sobre a sua prática, de que forma ela está sendo efetivada. O desafio está em o Assistente Social aprender a lidar com as dramáticas respostas que as famílias vêm apresentando e assim estabelecer processos de atenção, à família, que as auxiliem a enfrentar desafios e que proponham novas articulações visando uma condição humana melhor. Segundo SILVA “a prática profissional, volta-se para orientações e prestação de serviço ou implantação de programas que beneficiem o grupo familiar” (SILVA, 1987, p.145). A organização institucional trabalha com o modelo assistencial cuja preocupação central está na resolução de problemas do indivíduo fragilizado (ex: criança violentada ou portadora de necessidades especiais, etc.) e não na perspectiva da intervenção familiar. Sabe-se que este modelo, embora tenha cada vez mais recursos disponíveis, tem uma leitura limitada das demandas que lhe são colocadas. Assim, muitos profissionais trabalham com as famílias no sentido de atender o objetivo da instituição, tentando resolver o caso do usuário. Sem contar que muitas vezes são as mesmas famílias que circulam por diferentes instituições, levando para elas o mesmo usuário. E a trajetória se repete, a instituição se preocupa em dar um atendimento específico não conseguindo perceber que é a família como um todo e não apenas um membro dela que necessita de atenção. Se o profissional tornar o usuário fragilizado como expressão de um contexto familiar comprometido, o eixo da atenção profissional estará alterado. Esta alteração se dará tanto no nível da compreensão do problema como no nível da ação profissional. Desenvolve-se o sentido de ajudar a família a identificar as duas dificuldades e realizar mudanças para que possam alterar esta situação. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 12 “Assim torna-se prioritário que a família perceba que a mudança de sua vida depende muito da sua participação em movimentos reivindicatórios organizados, em busca de melhores condições de vida” (MIOTO, 1997, p.125). Conforme TAKASHIMA (1994): “A setorização das políticas sociais e a existência de canais de integração entre elas têm gerado uma inoperância em relação às famílias. Dentro delas, a família é sempre vista pelo retrovisor, e não como foco de atenção” (TAKASHIMA 1994). Já para MIOTO (1997): “A família enquanto unidade nos remete basicamente a duas ponderações sobre as inter-relações entre políticas sociais e família. A primeira relaciona-se ao fato de que, como estão organizadas, as políticas sociais não incluem a ideia da família como uma totalidade: aocontrário, são implementadas em função de indivíduos. Elas não incluem nenhuma previsão dos impactos que terão sobre as famílias e nas suas avaliações também não são considerados indicadores de análise sobre os efeitos que as políticas têm na vida familiar” (BARROS, 1995; MIOTO 1997). Tendo em conta a fragmentação dentro da qual a família é retratada, é necessário esforço no sentido de articular e integrar as políticas setoriais, para que possam facilitar e melhorar a qualidade de vida das famílias. A reafirmação da importância que as políticas sociais, particularmente as públicas, têm no cotidiano da vida familiar. São elas que, num contexto de pobreza como o brasileiro, pode garantir condições objetivas de sobrevivência. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 13 Como se sabe, as condições externas dadas pela política econômica vigente constituem-se numa fonte importante do estresse familiar. Por isso, a viabilização de políticas assistenciais tem de ser priorizada. Nessa perspectiva assinala-se a responsabilidade que os profissionais que trabalham diretamente com as famílias têm no direcionamento das políticas sociais. Ou seja, se o objetivo é ter políticas sociais integradas que atendam as reais necessidades das famílias usuárias do serviço social, é necessária prática profissional competente, não só no sentido de atender as famílias dentro de suas especificidades, mas também no sentido de fazer da prática cotidiana uma prática de natureza investigativa. Esta poderá subsidiar a implementação e a avaliação de políticas e programas sociais que atendam aos ideais já propostos na formulação de algumas políticas sociais e que sejam adequadas à realidade. Além disso, tais estudos e análises poderão ser elementos importantes para a contraposição de propostas incongruentes com as necessidades das famílias e ou que firmam a autonomia delas. Segundo IAMAMOTO (2007): “Um dos maiores desafios que o assistente social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo. (...) Requer, pois, ir além das rotinas institucionais e buscar apreender o movimento da realidade para detectar tendências e possibilidades nela presentes passíveis de serem impulsionadas pelo profissional” (IAMAMOTO, 2007, p. 20-21). A família sempre esteve inserida na área de atuação do Serviço Social, porém na maioria dos serviços, ela vem sendo contemplada de maneira fragmentada, ou seja, cada integrante da unidade familiar é visto de forma individualizada, descontextualizada e portador de um problema. Em vista disso, um dos desafios da profissão é a busca de metodologias para trabalhar a família como um grupo com necessidades próprias e únicas. Para IAMAMOTO (2004), a prática profissional permite a oportunidade de pensar em si e no seu fazer profissional. Isto requer disposição para analisar e refletir, de forma aberta e transparente, suas ações, seus dilemas e falsos dilemas, imbuídos pelo interesse em desenvolver uma ação planejada, resultante daquela reflexão, permitindo o enfrentamento de suas questões operativas Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 14 principais. A intenção de desvelar as práticas ocultas do cotidiano só pode efetivar-se a partir da e na ação profissional. Este momento caracteriza-se pelo encontro com o desconhecido. Isto significa ir além do discurso parcial, fragmentado, pela simples reprodução do já produzido, mas descobrir algo que ainda não foi partilhado na construção do saber. Deste modo, a ultrapassagem da totalidade parcial para totalidade mais complexa no interior da prática se faz pela relação pensamento/realidade. É na própria ação cotidiana dos profissionais que se busca resgatar as categorias particulares, empíricas que dão movimento à sua intervenção, que antes parecia descontínuo, dando-lhe uma dimensão histórica. Assim, a categoria da mediação é apreendida como expressão concreta do processo de passagem que o profissional realiza na medida em que supera a leitura do aparente imediato para imprimir uma direção crítica ao conjunto de suas práticas cotidianas. Segundo GOMES (1999), a família é um grupo de pessoas com características distintas formando um sistema social, baseado numa proposta de ligação efetiva duradoura, estabelecendo relação de cuidado dentro de um processo histórico de vida. O Assistente Social auxilia e estimula a família a adquirir o controle da situação, através da busca das suas próprias demandas e desafios em cada etapa do processo. Assim, a família pode se tornar mais bem adaptada e competente para cuidar do doente e conseguir administrar a situação, que toda a família vivencia, com um sofrimento menos intenso. É importante ressaltar, que o Assistente Social, enquanto partícipe da divisão social e técnica do trabalho, é um profissional especializado que está inserido no mercado de trabalho para realizar a prestação de serviços sociais, principalmente, através das políticas implementadas pelo Estado. Trabalhar com as famílias é uma fonte de preocupação para os profissionais que militam nesta área, dado a complexidade do tema que envolve vários Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 15 aspectos, dentre os quais estão as diferentes configurações familiares, as relações que esta estabelece com outras esferas da sociedade, como o Estado, Sociedade Civil e Mercado, e também os processos familiares. Já no âmbito do Serviço Social, os processos de atenção às famílias fazem parte da história da profissão. Os assistentes sociais são profissionais que tem a família como objeto de intervenção durante toda sua trajetória histórica. Ainda hoje as ações dos assistentes sociais, são movidas por lógicas arcaicas e enraizadas culturalmente, e não pela lógica da racionalidade dada pelo arcabouço teórico-metodológico da profissão pós-reconceituação. Por isso, o exercício profissional com famílias ainda é pautado nos padrões de normatividade e estabilidade. Como assinala MIOTO (2004): “Na perspectiva da análise do discurso dos assistentes sociais no cotidiano profissional, Guimarães (1996) observou a existência de quatro construções discursivas. A primeira, denominada de pré-construída, refere-se ao discurso pautado na suposição do senso comum. A segunda, que é a linha de pensamento umbilicado, caracteriza-se pela permanência de um pensamento pré-estabelecido do início ao final da intervenção. A terceira, que a autora chamou de kit-discurso, considera que o assistente social realiza a sua prática a partir dos dois procedimentos anteriores, tornando a intervenção um ato altamente mecânico. Finalmente, a quarta construção discursiva se caracteriza pela dicotomia entre ação e fala. Ao discursarem sobre suas respectivas práticas, os assistentes sociais apresentam tal distância entre ação e fala que muitas vezes se apresentam como contraditórias, sem que geralmente as contradições sejam percebidas. Esse tipo de análise demonstra a fragilidade do processo de intervenção. ” Estas reflexões, fortalecem as discussões efetuadas a partir das análises sobre a construção sócio histórica do Serviço Social na divisão sociotécnica do trabalho Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 16 onde o assistente social aparece como o profissional da coerção e do consenso. Para MIOTO (2004): “O desafio da superação dessa situação, considerando a urgência de consolidação do projeto ético-político da profissão, que só poderá acontecer através de uma prática profissional crítica e altamente qualificada em áreas de intervenção profissional consolidadas historicamente e da expansão do mercado de trabalho para os assistentes sociais. Além disso, não pode ser esquecido o projeto de formação profissional que, através das diretrizes curriculares, coloca como um de seus eixos os fundamentos do trabalho profissional”. MIOTO (2004) ainda afirma que: “É justamente este desafio que nos conduz a recolocar algumas questões que acreditamos estarem contribuindo para a perpetuação do conservadorismo nas intervenções com famílias, numa tentativa de resgatar da própria ação profissional os elementos necessários para sua reconstrução. Como afirma GUERRA (2000), é necessário resgatar a dimensão emancipatória da instrumentalidade do exercício profissional, pois é através dela que a profissão poderá superar o seu caráter eminentemente operativo e manipulatório dado pela condição histórica do surgimento da profissão. ” A transformação dos processos de intervenção com famílias implica mais do que a crítica feita pelos profissionais sobre a realidade, mas a consciência que a solução das demandas não está nos limites dos serviços. A contradição entre conhecimento e ação, pode estar relacionada às formas de capacitação profissional para intervenção com famílias. Quando as famílias procuram projetos ou atendimentos, já tem os seus processos relacionais comprometidos. Partindo desta demanda, os profissionais têm que incluir ações direcionadas à formulação e implementação de políticas sociais que ofereçam o mínimo de condições para a sobrevivência do grupo familiar. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 17 Conforme MIOTO (2000): “Os serviços também desenvolvem suas ações sob a lógica da incapacidade e da falência das famílias em seus papéis sociais, atendendo às situações limites e às solicitações mais emergentes trazidas pelas mesmas, ao invés de atuar no sentido de prevenir os conflitos e as crises. Essa forma de atendimento é fruto do contexto político-econômico vigente, no qual as políticas públicas sociais são pontuais e visam, prioritariamente, à resolução do problema aparente, e não das questões que o motivaram” (MIOTO, 2000, p. 43). As características desse reordenamento das políticas sociais negam os princípios do direito à saúde, esses contrapõem com a veemência ao Projeto Ético Político Profissional do Serviço Social, de defesa da Democracia e dos Direitos das Políticas Sociais transmutam a lógica do direito, na “lógica do favor”, do bem de consumo ou simplesmente na exclusão propriamente dita. Como afirma IAMAMOTO (1998) e NETTO (1996): “Diante dos desafios é imprescindível que o profissional do Serviço Social tenha competência teórico crítica, coragem cívica e intelectual”. Tendo essa convicção os profissionais do Serviço Social, apresentaram uma prática autêntica e plena de cidadania, perante os usuários. 3. Revisando: A Família e a Proteção Social Básica O CRAS atua com famílias e indivíduos em seu contexto comunitário, visando a orientação e o convívio sociofamiliar e comunitário. Neste sentido é responsável pela oferta do Programa de Atenção Integral às Famílias. Na proteção básica, o trabalho com famílias deve considerar novas referências para a compreensão dos diferentes arranjos familiares, superando o reconhecimento de um modelo único baseado na família nuclear, e partindo do suposto de que são funções básicas das famílias: Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 18 * Prover a proteção e a socialização dos seus membros; * Constituir-se como referências morais, de vínculos afetivos e sociais; * De identidade grupal, além de ser mediadora das relações dos seus membros com outras instituições sociais e com o Estado. O grupo familiar pode ou não se mostrar capaz de desempenhar suas funções básicas. O importante é notar que esta capacidade resulta não de uma forma ideal e sim de sua relação com a sociedade, sua organização interna, seu universo de valores, entre outros fatores, enfim, do estatuto mesmo da família como grupo cidadão. Em consequência, qualquer forma de atenção e, ou, de intervenção no grupo familiar precisa levar em conta sua singularidade, sua vulnerabilidade no contexto social, além de seus recursos simbólicos e afetivos, bem como sua disponibilidade para se transformar e dar conta de suas atribuições. Além de ser responsável pelo desenvolvimento do Programa de Atenção Integral às Famílias – com referência territorializada, que valorize as heterogeneidades, as particularidades de cada grupo familiar, a diversidade de culturas e que promova o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários –, a equipe do CRAS deve prestar informação e orientação para a população de sua área de abrangência, bem como se articular com a rede de proteção social local no que se refere aos direitos de cidadania, mantendo ativo um serviço de vigilância da exclusão social na produção, sistematização e divulgação de indicadores da área de abrangência do CRAS, em conexão com outros territórios. Realiza, ainda, sob orientação do gestor municipal de Assistência Social, o mapeamento e a organização da rede socioassistencial de proteção básica e promove a inserção das famílias nos serviços de assistência social local. Promove também o encaminhamento da população local para as demais políticas públicas e sociais, possibilitando o desenvolvimento de ações Inter setoriais que visem a sustentabilidade, de forma a romper com o ciclo de reprodução Inter geracional do processo de exclusão social, e evitar que estas famílias e indivíduos tenham seus direitos violados, recaindo em situações de vulnerabilidades e riscos. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 19 São considerados serviços de proteção básica de assistência social aqueles que potencializam a família como unidade de referência, fortalecendo seus vínculos internos e externos de solidariedade, através do protagonismo de seus membros e da oferta de um conjunto de serviços locais que visam à convivência, a socialização e o acolhimento, em famílias cujos vínculos familiar e comunitário não foram rompidos, bem como a promoção da integração ao mercado de trabalho, tais como: Programa de Atenção Integral às Famílias. Programa de inclusão produtiva e projetos de enfrentamento da pobreza. Centros de Convivência para Idosos. Serviços para crianças de 0 a 6 anos, que visem o fortalecimento dos vínculos familiares, o direito de brincar, ações de socialização e de sensibilização para a defesa dos direitos das crianças. Serviços socioeducativos para crianças, adolescentes e jovens na faixa etária de 6 a 24 anos, visando sua proteção, socialização e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Programas de incentivo ao protagonismo juvenil, e de fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Centros de informação e de educação para o trabalho, voltados para jovens e adultos.Proteção Social Especial Além de privações e diferenciais de acesso a bens e serviços, a pobreza associada à desigualdade social e a perversa concentração de renda, revela-se numa dimensão mais complexa: a exclusão social. O termo exclusão social confunde-se, comumente, com desigualdade, miséria, indigência, pobreza (relativa ou absoluta), apartação social, dentre outras. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 20 Naturalmente existem diferenças e semelhanças entre alguns desses conceitos, embora não exista consenso entre os diversos autores que se dedicam ao tema. Entretanto, diferentemente de pobreza, miséria, desigualdade e indigência, que são situações, a exclusão social é um processo que pode levar ao acirramento da desigualdade e da pobreza e, enquanto tal apresenta-se heterogênea no tempo e no espaço. A realidade brasileira nos mostra que existem famílias com as mais diversas situações socioeconômicas que induzem à violação dos direitos de seus membros, em especial, de suas crianças, adolescentes, jovens, idosos e pessoas com deficiência, além da geração de outros fenômenos como, por exemplo, pessoas em situação de rua, migrantes, idosos abandonados que estão nesta condição não pela ausência de renda, mas por outras variáveis da exclusão social. Percebe- se que estas situações se agravam justamente nas parcelas da população onde há maiores índices de desemprego e de baixa renda dos adultos. As dificuldades em cumprir com funções de proteção básica, socialização e mediação, fragilizam, também, a identidade do grupo familiar, tornando mais vulneráveis seus vínculos simbólicos e afetivos. A vida dessas famílias não é regida apenas pela pressão dos fatores socioeconômicos e necessidade de sobrevivência. Elas precisam ser compreendidas em seu contexto cultural, inclusive ao se tratar da análise das origens e dos resultados de sua situação de risco e de suas dificuldades de auto-organização e de participação social. Assim, as linhas de atuação com as famílias em situação de risco devem abranger desde o provimento de seu acesso a serviços de apoio e sobrevivência, até sua inclusão em redes sociais de atendimento e de solidariedade. As situações de risco demandarão intervenções em problemas específicos e, ou, abrangentes. Nesse sentido, é preciso desencadear estratégias de atenção sociofamiliar que visem à reestruturação do grupo familiar e a elaboração de novas referências morais e afetivas, no sentido de fortalecê- lo para o exercício de suas funções de proteção básica ao lado de sua auto- organização e conquista de autonomia. Longe de significar um retorno à visão tradicional, e considerando a família como uma instituição em transformação, a ética da atenção da proteção especial pressupõe o respeito à cidadania, o reconhecimento do grupo familiar como referência afetiva e moral e a reestruturação das redes de reciprocidade social. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 21 A ênfase da proteção social especial deve priorizar a reestruturação dos serviços de abrigamento dos indivíduos que, por uma série de fatores, não contam mais com a proteção e o cuidado de suas famílias, para as novas modalidades de atendimento. A história dos abrigos e asilos é antiga no Brasil. A colocação de crianças, adolescentes, pessoas com deficiência e idosos em instituições para protegê-los ou afastá-los do convívio social e familiar foi, durante muito tempo, materializada em grandes instituições de longa permanência, ou seja, espaços que atendiam a um grande número de pessoas, que lá permaneciam por longo período – às vezes a vida toda. São os chamados, popularmente, como orfanatos, internatos, educandários, asilos, entre outros. São destinados, por exemplo, às crianças, aos adolescentes, aos jovens, aos idosos, às pessoas com deficiência e às pessoas em situação de rua que tiverem seus direitos violados e, ou, ameaçados e cuja convivência com a família de origem seja considerada a sua proteção e ao seu desenvolvimento. No caso da proteção social especial, à população em situação de rua serão priorizados os serviços que possibilitem a organização de um novo projeto de vida, visando criar condições para adquirirem referências na sociedade brasileira, enquanto sujeitos de direito. A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras. São serviços que requerem acompanhamento individual e maior flexibilidade nas soluções protetivas. Da mesma forma, comportam encaminhamentos monitorados, apoios e processos que assegurem qualidade na atenção protetiva e efetividade na reinserção almejada. Os serviços de proteção especial têm estreita interface com o sistema de garantia de direito exigindo, muitas vezes, uma gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério Público e outros órgãos e ações do Executivo. Vale destacar programas que, pactuados e assumidos pelos três entes federados, surtiram efeitos concretos na sociedade brasileira, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI e o Programa de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 22 Proteção Social Especial de Média Complexidade São considerados serviços de média complexidade aqueles que oferecem atendimentos às famílias e indivíduos com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiar e comunitário não foram rompidos. Neste sentido, requerem maior estruturação técnica operacional e atenção especializada e mais individualizada, e, ou, de acompanhamento sistemático e monitorado, tais como: Serviço de orientação e apoio sociofamiliar. Plantão Social. Abordagem de Rua. Cuidado no Domicílio. Serviço de Habilitação e Reabilitação na comunidade das pessoas com deficiência. Medidas socioeducativas em meio-aberto (Prestação de Serviços à Comunidade-PSC e Liberdade Assistida – LA). A proteção especial de média complexidade envolve também o Centro de Referência Especializado da Assistência Social, visando a orientação e o convívio sociofamiliar e comunitário. Difere-se da proteção básica por se tratar de um atendimento dirigido às situações de violação de direitos. Proteção Social Especial de Alta Complexidade Os serviços de proteção social especial de alta complexidade são aqueles que garantem proteção integral – moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se encontram sem referência e, ou, em situação de ameaça, necessitando ser retirados de seu núcleo familiar e, ou, comunitário. Tais como: Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 23 Atendimento Integral Institucional. Casa Lar. República. Casa de Passagem. Albergue. Família Substituta. Família Acolhedora. Medidas socioeducativas restritivas e privativas de liberdade (semiliberdade, internação provisória e sentenciada). Trabalho protegido. 4.Cuidados com a Família e Grupos Vulneráveis Segundo Mioto (2000), o cuidado com famílias e grupos vulneráveis necessita de propostas e ações interdependentes e com comunicação contínua. Há três níveis de atuação/ação propostas: Proposição, articulação e avaliação de políticas sociais; Organização e articulação de serviços; Intervenção em situações familiares. A proposição, articulação e avaliação das políticas sociais têm o objetivo de dar sustentabilidade às famílias. Envolve propostas de políticas sociais, não apenas compensatórias, para possibilitar a convivência familiar em patamares condizentes com as expectativas que a sociedade tem em relação às famílias. Aponta a necessidade não eleger um modelo de família, uma vez que poderá estereotipar e provocar discriminação com outros grupos familiares (MIOTO, 2000). A organização e a articulação de serviços são fundamentais para a sustentabilidade das famílias e, por isso, é urgente estabelecer novas pautas de Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 24 relacionamento entre famílias e serviços. O objetivo institucional é o de estar a serviço das famílias (MIOTO, 2000). A intervenção em situações familiares refere-se às ações dos assistentes sociais diretamente com as famílias, o objetivo principal é identificar as fontes de mudanças e todos os recursos (tanto das famílias como os do meio social) que contribuam para que as famílias consigam articularem respostas compatíveis com uma melhor qualidade de vida (MIOTO, 2000). O pressuposto ou fundamento do trabalho social com famílias, previsto na legislação da assistência social, como PNAS, SUAS, e, em especial, no principal programa desenvolvido nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Programas de Atenção Integral à Família (PAIF) é a concepção de família. Quanto ao arcabouço conceitual da PNAS e SUAS, é visível, ao lado da modernização conceitual, no que diz respeito à concepção, composição e estruturação das famílias, o conservadorismo nas expectativas em relação às funções da família. A PNAS (BRASIL, 2004, p. 28), tendo como referência o PAIF, destaca a concepção de família que o rege e à política, definindo-a do seguinte modo: “estamos diante de uma família, quando encontramos um conjunto de pessoas que se acham unidas por laços consanguíneos, afetivos e/ou de solidariedade”; portanto, partem de uma visão ampliada de família. Reconhece, ainda, que “não existe família enquanto modelo idealizado, e sim família resultante de uma pluralidade de arranjos e rearranjos estabelecidos pelos integrantes dessa família”. Pode-se, então, afirmar que a política (e o Estado) assume uma posição que contribui para enfraquecer os estigmas associados à maternidade sem casamento, às famílias reconstituídas, às vezes, sem vínculos formais, às uniões consensuais, ao divórcio, assumindo todos esses grupos como unidade familiar e sujeitos à proteção social da assistência social, desde que dela necessitem. Mas também se observa no desenho da política que a proteção oferecida exige contrapartidas; qual seja, que a família cumpra suas clássicas funções, sobrecarregando de responsabilizações à família e reproduzindo estereótipos acerca dos papéis familiares. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 25 Isso porque, apesar de a PNAS reconhecer teoricamente e assim superar o modelo único baseado na família nuclear, ainda tem expectativas quanto às funções básicas da família desse modelo: “prover a proteção e a socialização dos seus membros, constituir-se como referências morais, de vínculos afetivos e sociais; de identidade grupal, além de mediadora das relações dos seus membros com outras instituições sociais e com o Estado” (BRASIL, 2004, p. 35). Embora essa concepção supere o conceito de família como unidade econômica (NOB/SUAS), mera referência de cálculo de rendimento per capita, e parta de uma visão ampliada de família, com formato plural, historicamente situada, e inclua a ideia de que esta deve ser apoiada, o objetivo, na verdade, é apoiar para que esta possa desempenhar o seu papel de sustento, na guarda, na socialização e na educação de suas crianças, adolescentes, no cuidado de seus idosos e portadores de deficiência. Logo, a noção de matricialidade sociofamiliar desvela seu verdadeiro significado, de ampliar e contar – mediante estratégias de racionalização e orientação – com a proteção da família, reforçando a tendência familista da política social brasileira. Assim, apesar de o reconhecimento da pluralidade de formas familiares, as homogeneízam em suas funções, papéis e relações internas, trata-a, a priori, como os lócus da felicidade, do refúgio da vida desumana do mercado, da proteção social. O PAIF tem como pressuposto que a família é o núcleo básico de afetividade, acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e referência no processo de desenvolvimento e reconhecimento do cidadão; e, de outro, que o Estado tem o dever de prover proteção social respeitada à autonomia dos arranjos familiares (BRASIL, 2006, p. 28). Portanto, reconhece os diferentes arranjos familiares e o papel integrador da família, apostando nessa capacidade das famílias para maximizar a proteção oferecida. É essa ambiguidade de reforço das funções protetivas da família de um lado; e, de outro, como alvo de proteção social que denota a dimensão da parceria público/privada na proteção social, e sua dimensão estratégica em contexto de redução de gastos sociais, posto que se possa contar com a parceria da família para potencializar a proteção social oferecida, mesmo quando não ocorre em Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 26 quantidade nem qualidade suficiente para suprir todas as atenções necessárias e demandadas. Essa concepção de família direciona e tem impactos nas indicações e recomendações do Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS) para o trabalho social com famílias a ser desenvolvido na proteção social básica, sendo seus lócus principal os CRAS. O trabalho socioassistencial desenvolvido nos CRAS, que se relaciona a toda a ação de provimento e de sustentação para o atendimento das famílias usuárias, é acompanhado das ações de acolhimento, escuta qualificada e encaminhamento, e também de ações socioeducativas, que, segundo Mioto (2004b, p.10), “estão relacionadas àquelas que, através da informação, da reflexão, ou mesmo da relação, visam provocar mudanças (valores, modo de vida) ”. Esse trabalho, denominado de “núcleos socioeducativos” com famílias ou seus representantes, está previsto e é financiado pelo piso fixo básico, seja efetivado no CRAS seja em outras unidades operacionais da assistência social do município, onde também são ofertados outros serviços complementares de proteção social básica, nos quais se trabalham com as famílias dos segmentos atendidos ou em grupos de famílias. As normas técnicas (BRASIL, 2006, p. 42) definem os núcleos socioeducativos como espaço de discussão, vivências e reflexões, e há indicação para a abordagem de questões relacionadas às etapas dos ciclos de vida familiar. Sugere-se: Criar situações em que as famílias possam expressar coletivamente suas dúvidas e conflitos, construindo soluções para os problemas cotidianos, relacionados ao cuidado de suas crianças, adolescentes, jovens, adultos, idosos e pessoas com deficiência. Refletir com a família sobre asmudanças em sua dinâmica e redistribuição de papéis, a partir do desenvolvimento de seus filhos. Desenvolver habilidades de cuidado, orientação e acompanhamento das crianças. Debater aspectos relacionados ao desenvolvimento infantil, às necessidades de estimulação nessa fase da vida, à importância de proporcionar espaços e oportunidades voltadas e orientadas pelas necessidades infantis e desafiadoras [...]. Debater temas relacionados ao Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 27 desenvolvimento da criança, do adolescente e do jovem, características e interesses. Refletir sobre a necessidade de proteção aos seus membros idosos e de valorização do seu saber. Discutir as estratégias para o desenvolvimento das competências da pessoa com deficiência, destacando o papel fundamental das famílias e da comunidade no processo de reabilitação e inclusão das pessoas com deficiências. Estas sugestões dão a nítida dimensão do trabalho socioeducativo; ele se volta majoritariamente para a discussão de questões internas à família, no sentido de gerar habilidades para o cuidado doméstico, para o reforço das responsabilidades familiares, a partir dos novos conhecimentos adquiridos e da discussão e reflexão do seu cotidiano. Portanto, tais práticas são herdeiras da educação disciplinadora e normatizadora da família, que assumem versões modernizadoras que escamoteiam sua dimensão normativa, em nome de processos educativos que visam aquisição, junto à família, de novos conhecimentos, atitudes, posturas e poder de decisão, ou seja, sua “autonomia”. Essas recomendações materializam a noção de matricialidade sociofamiliar definidas na política e nas orientações de sua implementação e vice-versa, esta orienta o trabalho social com famílias; ambos não poderão superar, pelas suas limitações conceituais e práticas, as históricas tendências do modo de trabalhar com famílias, como a perspectiva psicologizante individual. Assim, a grande inovação do conceito de família subjacente à legislação não encontra formas de materialização. Admite-se a pluralidade de arranjos familiares, mas os trata como homogêneos em necessidades e em funções. Apesar de essas recomendações incorrerem em uma dimensão conservadora do trabalho com famílias, verifica-se a potencialidade do trabalho social nos CRAS, em especial, com grupos, como antídoto à sua transformação em serviço cartorial, de cadastramento, recadastramento, acesso a benefícios, mas de oferta de serviços de suporte à família, que envolve a família e seus representantes com serviços de orientação, informação, conscientização sobre direitos, modos de acessá-los e garanti-los, e reflexão sobre suas dificuldades cotidianas. Podem-se destacar também como inovadores os objetivos do trabalho social na proteção social básica, de fortalecer os vínculos familiares antes de sua dissolução, trabalhar de forma preventiva para evitar riscos e violação de direitos, por meio dos benefícios, programas e trabalho socioeducativo, que visam a Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 28 autonomia e o protagonismo desses sujeitos. Esses termos – autonomia, empoderamento, protagonismo, emancipação – são ainda trabalhados de forma muito abstrata, e dificilmente são alcançados nos marcos de programas específicos. É preciso superar a noção de autonomia, protagonismo social, empoderamento e outras expressões tomadas no aspecto individual, que se constroem pelo aconselhamento individual ou grupal, centradas na mudança da subjetividade individual ou do grupo, como forma de libertá-lo da dependência dos benefícios sociais, de ensiná-lo a “andar com as próprias pernas”, mediante processos profissionais que fortalecem a autoestima, a capacidade produtiva, dando-lhe condições de empregabilidade, como se a ausência de trabalho se devesse apenas a não capacitação ou falta de vontade, de crença nas suas potencialidades. A noção de autonomia como a capacidade de cada sujeito dar conta de sua vida, dos cuidados necessários para que ele caminhe sem a necessidade de benefícios sociais, de aconselhamento e acompanhamentos pode induzi-lo a buscar saídas nele mesmo, em suas capacidades, potencialidades, inclusive do reforço de suas responsabilidades familiares e individuais, e não na luta pelo benefício como um direito, inclusive, universal, como dever do Estado de prover certo padrão digno de vida a todo cidadão, cujas condições são reflexos das desigualdades e que afetam as relações familiares. É preciso direcionar o trabalho socioeducativo com famílias para além dessa dimensão liberal, individual e subjetivista de autonomia, no sentido de articular significados e práticas; ou seja, partir da compreensão de que as subjetividades se alteram pelas práticas sociais e não por simples conscientização. Daí ser fundamental o acesso a condições objetivas, fornecidas pelas políticas públicas como direitos. Nisso se incluem a apropriação e produção de novos sentidos pessoais e a inserção da pessoa no engajamento coletivo por melhores condições de vida (KAHHALE, 2004), de modo que é indispensável o processo de informação, reflexão, mas também de organização dos diferentes grupos que compõem o território para que seus direitos sejam garantidos e novas conquistas sejam inseridas nas políticas públicas, a partir de suas demandas. Assim, a constituição de sujeitos de direitos se dá no processo de compreensão das determinações sociais de suas condições de vida, material e afetiva; no reconhecimento da força do coletivo; e nas possibilidades concretas de acesso aos bens e serviços produzidos socialmente. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 29 5. Trabalho Social com Famílias: elementos para sua reconstrução em bases críticas Entre os novos pressupostos para o trabalho social com família, destaca- se a concepção de família. Para a compreensão ampla do termo e que dê conta da variedade de organizações familiares, é preciso analisá-la não como uma instituição natural, mas social e histórica, podendo assumir configurações diversificadas em sociedades ou no interior de uma mesma sociedade, conforme as classes e grupos sociais heterogêneos. Para Mioto (1997, p. 116), essa compreensão “se contrapõe ao entendimento de que a família é um grupo natural, limitado à essência biológica do homem e à sua continuidade através da consanguinidade e da filiação”, assim como da naturalização da divisão sexual do trabalho, dos papéis, da identificação do grupo conjugal como forma básica elementar de toda família, dentre outras. O segundo passo é romper com as concepções que tratam a família como interiormente homogênea e apreciável em qualquer contexto social e histórico (SARACENO, 1992). Os estudos antropológicos têm apontado uma variedade de experiências familiares ao longo da história e na contemporaneidade, modos de organizações plurais, assim como modos diferentes de atribuir significados aos agrupamentos familiares. Conforme destaca Saraceno (1992, p. 210), “as famílias realmente existentes não são de modo nenhum homogêneas entre si no que diz respeito a recursos, fase do ciclo de vida, mas também modelos culturais e organizativos”. Também internamente, a família não é homogênea, as relações entre seus membros são assimétricas, conservam diferenciações de gênero e de geração, e são hierarquizadas. Não se trata de um bloco homogêneo nem necessariamenteharmonioso (SARACENO, 1992; CAMPOS, 2008). O termo unitário família alude a uma forte unidade e homogeneidade, porém oculta uma realidade marcada por interesses divergentes, modelos hierárquicos, Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 30 relações de poder e força, mas também processos de negociação, de cooperação e de solidariedade. Saraceno (1992, p. 14) afirma que a família também é o espaço histórico e simbólico no qual e a partir do qual se desenvolve a divisão do trabalho, dos espaços, das competências, dos valores, dos destinos de homens e mulheres, ainda que isso assuma formas diversas nas várias sociedades. Considerando essa diversidade, a família pode ser definida “como um núcleo de pessoas que convivem em determinado lugar, durante um lapso de tempo mais ou menos longo e que se acham unidas, ou não, por laços consanguíneos” (MIOTO, 1997, p.120); ou ainda, como destaca a autora: “estamos diante de uma família quando encontramos um espaço constituído de pessoas que se empenhem umas com as outras, de modo contínuo, estável e não casual [...] quando subsiste um empenho real entre as diversas gerações” (MIOTO, 2004a, p. 14-15). Trata-se de uma visão ampliada e atual de família, posto que as pessoas que convivem em uma ligação afetiva duradoura podem ser um homem e uma mulher e seus filhos biológicos; mas também um casal do mesmo sexo, ou apenas a mulher com seus filhos legítimos ou adotados, e outra infinidade de arranjos. O que dá unidade a essa síntese de múltiplas determinações que permite usar o termo família, apesar da diversidade que a comporta, da pluralidade de formas, experiências e significados é o fato de esta ser (MIOTO, 2000, p. 1) o espaço privilegiado da história da humanidade, no qual aprendemos a ser e a conviver; ou seja, ela é a matriz da identidade individual e social, portanto, geradora de formas comunitárias de vida e espaços de proteção primária aos seus membros. Essa concepção, portanto, contrapõe-se àquelas concepções que: - tratam a família a partir de uma determinada estrutura, tomada como ideal (casal com seus filhos) e com papéis predefinidos; - tomam a família como a principal responsável pelo bem-estar de seus membros, desconsiderando em grande medida as mudanças ocorridas na sociedade (MIOTO, 2010). A partir desse eixo alternativo, as necessidades trazidas por sujeitos singulares não mais são compreendidas como problemas individuais/familiares, ou tratados como casos de famílias. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 31 Segundo Mioto (2004b, p.12), as “condutas, dificuldades e problemas expressos pelas famílias são interpretados como expressão de conflitos instaurados no contexto de uma dinâmica familiar [...] profundamente marcada pelas contradições de uma sociedade em um determinado momento histórico”. Nessa perspectiva, o trabalho socioeducativo com famílias ultrapassa a indução de reflexões internas e o uso do grupo como troca de experiências e ajuda mútua, para se transformar em instrumento de construção de um novo conhecimento, partilhado e crítico, que os leva a sair do imediatismo de suas necessidades, para entendê-las enquanto coletivas, enquanto necessidades sociais de classe, que devem ser atendidas pelo poder público, como condição fundamental para a garantia de direitos e de qualidade de vida. O que não significa que os temas relacionados às vivências, sofrimentos, violências, decorrentes da situação de vulnerabilidade ou risco social que compartilham não sejam debatidos, refletidos, mas deve-se evitar o que Sawaya (2004) denomina “ditadura da intimidade” ou “ditadura da privacidade”, que expressa o fortalecimento da família apartheid, pois isola seus membros de outras formas de associação e grupos, fechando temas de interesse no espaço doméstico e a cargo das famílias. Esse fechamento da família em si mesma e nas soluções domésticas aumentaria o sofrimento de não poder cumprir os papéis sociais exigidos por ela, como, por exemplo, tirar os filhos da rua, da criminalidade, da delinquência, das drogas, além de dar sustentabilidade material, afetiva, proteção e cuidados a seus membros, sem compreender o porquê da redução de seu poder e autoridade perante as gerações mais jovens, da redução do tempo dedicado ao lar, do endurecimento das relações afetivas e até da violência no seio familiar. Nessa perspectiva, o foco das ações socioassistenciais e socioeducativas deve ser as necessidades das famílias e a garantia dos direitos de cidadania, cujas propostas e ações perpassam o âmbito específico de uma política, para uma perspectiva intersetorial, integrada e articulada. No âmbito específico da assistência social, essas ações devem ser Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 32 guiadas pela efetivação de direitos e da responsabilidade pública, que deve ser o norte do trabalho social com famílias ou grupos de famílias. Os objetivos do trabalho social com famílias devem ser a autonomia e o protagonismo, compreendidos na perspectiva de participação social e do coletivo. Assim, é essencial superar a visão liberal de autonomia, do “ensinar a pescar”, do “andar com suas próprias pernas” sem que seja garantido como direito o acesso às condições materiais e subjetivas necessárias para tal. Para superar essa dimensão individualista do conceito de autonomia, Kahhale (2004, p. 105) sugere a sua complementação com o conceito de cidadania, que indica acesso a direito e participação ativa nos rumos da sociedade, utilizando o conceito de Sposati (2004, p. 04), que considera cidadania como: O reconhecimento de acesso a um conjunto de condições básicas para que a identidade do morador de um lugar se construa pela dignidade, solidariedade [...]. Esta dignidade supõe não só o usufruto de um padrão básico de vida, com a condição de presença, interferência e decisão na esfera pública da vida coletiva. Nessa perspectiva, o trabalho socioeducativo em grupo se encaminha para o reconhecimento das famílias e seus membros como sujeitos de direitos. A pessoa participante do grupo de famílias é levada a ver-se como representante de uma família, cujos problemas vivenciados são comuns a muitas outras famílias que sofrem as mesmas determinações, e que participa de um grupo maior com situações semelhantes. O grupo deve se enxergar enquanto tal, identificar e encaminhar demandas e visualizar suas possíveis soluções, como ainda superar a responsabilização individual pelo bem-estar social, para incluir a dimensão pública e social destas, mediante articulação de serviços e políticas que promovam a proteção social. Acredita-se que, com essa perspectiva, se ultrapasse a noção de subjetividade individual para a dimensão coletiva, e se promova a organização social, a participação popular, e a passagem da necessidade ao direito, como possibilidades concretas de construção de novos significados e práticas, inclusive a de sujeitos de direitos. Assim, a autonomia como capacidade de decidir, optar, eleger objetivos, metas, crenças é condição fundamental para que se alcancem objetivos de participação social, principalmente, para o reconhecimento da força do grupo, da organização e lutas coletivas. A noção de autonomia das famílias não se deve restringir à busca de respostas e soluções dos problemas por si mesmas, em especial, mediante recursos internos; antes, implica o desenvolvimento da capacidade dediscernir Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 33 as mudanças possíveis de serem realizadas no âmbito dos grupos familiares e de suas redes daquelas que exigem o engajamento deles, organizados em coletivos, em processos sociais mais amplos para que ocorram transformações mais gerais e a efetivação de direitos. Assim, envolve capacidade de opinar, escolher, decidir e agir intencionalmente, mediante suportes oferecidos, construídas, situações refletidas, informadas, debatidas, devendo ser esses os objetivos da educação que visa à emancipação. Para efetivar essas potencialidades, é preciso ainda superar o trabalho socioeducativo em grupo como espaço terapêutico, clínico, de tratamento pela troca de experiências comuns. O trabalho socioeducativo com grupos de famílias, ou grupos de segmentos atendidos, que algumas vezes envolve suas famílias, funciona como espaço de reflexão e troca de experiências, utilizado em muitas situações como um recurso terapêutico, cuja direção do que é discutido e refletido se encaminha, predominantemente, para questões internas às famílias, seus conflitos, como exercer seus papéis, ou empregado para prestar informações. Esse reducionismo das funções socioeducativas pode fortalecer práticas normativas e disciplinadoras que se dirigem a ensinar as famílias a gerir recursos, a disciplinar os filhos, a exercer as funções de cuidado, proteção e educação, sem alterar as situações que as impedem de exercê-las como há cinquenta anos. É preciso compreender as mudanças, inclusive de valores, culturais e sociais sobre a família, e buscar estratégias de como conviver com elas, a partir, principalmente, do apoio do poder público, da rede social com acesso igualitário de oportunidades e aos recursos públicos e privados. Apesar das mudanças que o termo terapia tem passado, ainda significa “tratamento de doença, desordem, defeito etc., por algum tipo de processo curativo ou que remedie” (PENGUIN apud CAMPOS; REIS, 2009, p. 60); seu uso é, portanto, inapropriado para a proteção social básica, seja individual ou coletiva. Sem dúvida, o grupo é um espaço de potencialidades, em que se realizam a escuta, a reflexão, o diálogo e a troca de experiências; um espaço de comunicação e aprendizagem (Cf. GUIMARÃES; ALMEIDA, 2007, p. 132). Todavia, não deve ser utilizado como instrumento de busca de enfrentamento das situações de carência de modo individualizado nem por meio dos recursos da família e da comunidade, eximindo o poder público da responsabilidade pelo enfrentamento da questão social, nem responsabilizando as famílias pela busca Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 34 de soluções de problemas que extrapolam suas possibilidades de respostas, nem com fins terapêuticos e subjetivistas. O trabalho socioeducativo é cada vez mais necessário, visto que, na expressão de Mioto (2004b), a cidadania não se restringe ao acesso a benefício monetário, embora sua inclusão como beneficiário seja uma das condições para sua realização, mas a cidadania envolve também ações em direção à informação, à educação, à cultura, entre outras, implicando o desenvolvimento da capacidade de refletir, de analisar, de decidir, de mobilizar-se e de participar pelo bem comum. Contudo, para cumprir essa dimensão educativa em uma perspectiva emancipatória, não se deve restringir a responsabilizar as famílias, ou a ensiná- las a gerir seus conflitos, seus parcos recursos, sua vida, como se tudo dependesse de um processo de racionalização e planejamento, de cumprimento de papéis e normas e não de carências coletivas. Logo, deve-se evitar essa dimensão disciplinadora e levar as famílias a refletirem sobre sua realidade, conhecer serviços e recursos do território, mobilizar-se e incluir-se em processos organizativos, coletivos, na busca de garantia dos seus direitos. Os objetivos do trabalho socioeducativo devem ser: Fortalecimento do processo organizativo dos usuários, do coletivo; Desenvolvimento do sentimento comum na família, nos grupos de família, naquele território; Necessidade da participação e do controle social. Educação que visa à emancipação social. Logo, o oposto às recomendações do MDS e as dimensões da noção de matricialidade sociofamiliar, incapazes de superar a subalternidade histórica dos usuários da assistência social. Os processos de escuta qualificada, de acolhimento, de acompanhamento não devem ser compreendidos como terapêuticos nem domínios da Psicologia, mas modos de trato do usuário como cidadão, como sujeito de direito, o direito a ter atendimento respeitoso, atencioso, que informa, orienta, acolhe e escuta. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 35 As alternativas metodológicas devem ser pensadas e executadas, buscando superar a dicotomia entre assuntos interno e externo à família, sem hipertrofiar um em detrimento do outro, mas trabalhar sua dialética, entendendo o interno não fechado nos muros domésticos, mas decorrentes da estruturação da sociedade e de suas dinâmicas de transformações, e a necessidade do fortalecimento do coletivo na luta pela garantia de respostas públicas às suas necessidades. Guimarães (2004, p. 115) salienta os passos metodológicos do trabalho socioeducativo com famílias: São acolhidas e consideradas as dúvidas, os problemas, as preocupações e o sofrimento trazido pelos integrantes do grupo. Ao mesmo tempo, procura-se auxiliar o participante e o conjunto das pessoas a situarem a questão em seu contexto social mais amplo, informando, debatendo, orientando a discussão para a compreensão do que é vivido e sofrido subjetivamente, articulado ao contexto mais amplo e comum aos membros do grupo: os direitos do cidadão. Essas estratégias metodológicas poderão contribuir para a construção de propostas de trabalho comprometidas com a lógica do direito, da construção de sujeitos sociais conscientes e participativos, sem negligenciar as preocupações imediatas das famílias, inclusive seus conflitos familiares, seus sofrimentos, mas sem cair no psicologismo dos problemas sociais. Trabalhar dialeticamente as questões internas e externas às famílias, de forma articulada e numa perspectiva de totalidade, como recomendação de “não dar à questão social um tratamento de exterioridade à vida pessoal cotidiana” (SAWAYA, apud CAMPOS, 2004, p. 33), mas sem supervalorizar as questões subjetivas ou internas às famílias, cujo objetivo deve ser sempre o alargamento da percepção das situações pessoais e sociais e a luta pela garantia dos direitos. O trabalho socioeducativo com famílias ou grupos de famílias, bem como os procedimentos individuais de acolhimento, escuta qualificada, encaminhamentos e acompanhamentos devem buscar a inserção desses sujeitos no circuito do território e da rede de segurança social e articular o individual e o familiar no contexto social, levando-os a ultrapassar o imediatismo de suas concepções, mas tendo como princípio que subjetividades transformadas só provocam mudanças com ações coletivas, com acesso a serviços, benefícios, ou seja, com condições objetivas. Serviço Social – Conhecimentos Específicos - EBSERH Aula 8.2 A Família e o Serviço Social Professora Conceição Costa www.pontodosconcursos.com.br | Professora Conceição Costa 36 QUESTÕES DE PROVAS COMENTADAS 1. CESGRANRIO/2015. A família tornou-se central nos programas sociais e,
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