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DEFINIÇÃO Relação entre o Estado e a iniciativa privada. Conceitos e principais teorias do terceiro e do segundo setor. PROPÓSITO Entender a relação desempenhada pelo setor público na articulação e na coordenação tanto do segundo como do terceiro setores, bem como a evolução dessas relações em outros países e, em especial, no Brasil OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever a relação entre Estado e terceiro setor MÓDULO 2 Definir a relação entre Estado e iniciativa privada INTRODUÇÃO Neste tema, trataremos da relação do Estado com a sociedade civil a partir de diferentes tipos de parceria. Começaremos pelo estudo dos diferentes atores do terceiro setor e de seus diálogos e práticas com o Estado e a sociedade. Em seguida, abordaremos a iniciativa privada com fins lucrativos, estabelecendo como ela se comunica, coopera e dialoga com o Estado. Na gestão pública contemporânea, estados em todo o mundo se utilizam de parcerias com a sociedade civil para ofertar serviços de mais qualidade, estabelecer ambientes de colaboração e promover, em última análise, o bem-estar da população. Dessa maneira, é fundamental entendermos essas relações para podermos ter uma visão ampla sobre o papel do Estado na economia contemporânea e a estrutura do setor público atual. SOCIEDADE CIVIL O termo sociedade civil pode ser entendido a partir de várias definições. Para fins didáticos, o consideraremos o conjunto de organizações e instituições cívicas voluntárias que caracteriza a base de uma sociedade em oposição a estruturas apoiadas no Estado. javascript:void(0) MÓDULO 1 Descrever a relação entre Estado e terceiro setor RELAÇÕES ENTRE ESTADO E TERCEIRO SETOR Neste módulo, analisaremos a vinculação existente entre o chamado Estado contemporâneo e o terceiro setor. Antes disso, devemos, contudo, entender o significado de um setor em relação ao Estado e à sociedade. Podemos dividir as sociedades em três setores: PRIMEIRO SETOR SEGUNDO SETOR TERCEIRO SETOR PRIMEIRO SETOR Estado e todos os seus órgãos e instituições. SEGUNDO SETOR Iniciativa privada com fins lucrativos, que é representada por empresas e outras organizações afins. TERCEIRO SETOR Setor privado sem fins lucrativos, sendo representado por organizações não governamentais (ONGs), fundações, entidades beneficentes, fundos comunitários, entidades sem fins lucrativos etc. A partir dessa classificação, podemos entender o terceiro setor como o ramo da sociedade que não corresponde ao setor público nem à iniciativa privada com fins lucrativos. Apesar de existente há séculos, esse ramo começou a ser estudado e sistematizado de maneira mais profunda no decorrer da década de 1970. Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock A partir da origem do terceiro setor e de teorias distintas que surgiram para explicá-lo — tópicos que serão tratadas a seguir—, poderemos estabelecer o seu fenômeno em termos gerais. Ainda analisaremos como ele surgiu em diferentes países, ou seja, quais são suas especificidades em diferentes contextos sociais e culturais. Em um segundo momento, para identificar seus diferentes atores, nosso conceito de terceiro setor será, de certa forma, refinado. Também exibiremos alguns exemplos e práticas dele ao redor do mundo, nos aprofundando especificamente no caso brasileiro. Buscaremos, portanto, entender como o terceiro setor dialoga e coopera com o Estado nos países selecionados, delineando seus principais destaques tanto local como globalmente. TERCEIRO SETOR: ORIGENS E TEORIAS Apesar de o terceiro setor existir há muitos anos (em especial na Europa), teorias e sistematizações das suas funções e características começaram a surgir apenas no decorrer da década de 1970. Nesta seção, apresentaremos as três teorias principais estabelecidas a partir de uma sistematização elaborada por Defourny (2013). Primeiramente, falaremos da teoria do setor não lucrativo; depois, da que aborda a economia social; e, por fim, da que entende o terceiro setor como intermediário. TEORIA DO SETOR NÃO LUCRATIVO Com origem nos Estados Unidos, a primeira teoria é caracterizada pela definição do terceiro setor como “não lucrativo” (non-profit sector). Nos Estados Unidos, organizações sem fins lucrativos existem desde o final do século XVIII, ou seja, no período após a sua independência em 1776. Salamon (1997) argumenta que essas organizações voluntárias surgiram com os religiosos não conformistas que, povoando as colônias americanas, se opunham fortemente ao Imperialismo e à centralização do poder pelo Estado. No entanto, foi somente no final do século XIX que um setor não lucrativo atingiu uma abrangência mais significativa e uma maior relevância social e econômica. Antes, o debate acerca dos atores dos mercados estava muito focado na dualidade entre o Estado e a iniciativa privada com fins lucrativos, como, por exemplo, organizações e empresas. A sistematização teórica de um setor não lucrativo independente feita nessa época nos ajuda a compreender o terceiro setor atualmente. Nesse contexto, entendê-lo como não lucrativo nos leva também a uma ideia de setor independente, ou seja, um setor separado e autônomo em relação aos outros dois (Estado e iniciativa privada com fins lucrativos). Com isso, prevalece a ideia de que o terceiro setor não depende de ações do Estado e/ou da iniciativa privada com fins lucrativos, mesmo que coopere com elas em alguns momentos. Muito se discute na literatura acadêmica sobre o motivo de haver organizações do terceiro setor e o porquê de elas terem surgido nos Estados Unidos dessa maneira. COMENTÁRIO Apesar de ainda não haver uma teoria única e dominante, alguns autores argumentam que um bom motivo para isso é o da provisão de serviços públicos que os outros dois setores não têm interesse em produzir. Além disso, existe a ideia de que o terceiro setor passa maior confiança ao consumidor que os outros dois. Em outras palavras, argumenta-se que o motivo da existência do terceiro setor na economia norte-americana se deve tanto à necessidade da provisão de serviços essenciais que o Estado não providencia quanto à ideia de que tais organizações são mais confiáveis que as entidades públicas e privadas com fins lucrativos justamente por não buscarem o lucro. A partir de estudos comparativos, a teoria de “não lucrativo” apresenta algumas características comuns que permeiam suas organizações, que são, portanto: FORMAIS A institucionalização, regras e termos legais determinam seu funcionamento. PRIVADAS São distintas do Estado e de seus órgãos, o que não quer dizer que não possam receber sua ajuda ou cooperar com ele. Elas, na verdade, são privadas em sua estrutura. AUTOGOVERNADAS E INDEPENDENTES Têm regras e regulações próprias e internas à organização. NÃO DISTRIBUIDORAS DE LUCROS PARA SEUS MEMBROS Seus lucros são reinvestidos em forma de mais provisão de serviços e atividades. FUNCIONAM COM CONTRIBUIÇÃO VOLUNTÁRIA EM TEMPO DE SERVIÇO E EM DOAÇÕES O serviço comunitário e a filantropia são estimulados. TEORIA DO SETOR COMO ECONOMIA SOCIAL (SOCIAL ECONOMY) Esta teoria tem sua origem na França. Contando com inúmeros países de diferentes realidades sociais, políticas e culturais, o continente europeu teve um desenvolvimento do terceiro setor mais difícil de se sistematizar justamente por haver sido mais difuso. No entanto, autores puderam observar um desenvolvimento gradual do setor caracterizado por organizações mútuas e cooperativas, assim como pela presença de iniciativas econômicas baseadas em associações. ORGANIZAÇÕES MÚTUAS E COOPERATIVAS Essas organizações tinham diferentes faces nos países europeus. Enquanto no Reino Unido houve uma maior presença da filantropia demarcada em atividades de caridade e serviços comunitários, nos países escandinavos (Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia) se fez mais presente o dever cívico por meio de serviços comunitários que buscavam a igualdade. Movimentos religiosos, por sua vez, eram mais característicos empaíses como a Itália, a Bélgica e a França. Já as iniciativas diretas da Igreja também estavam presentes em nações como a Alemanha e a Bélgica. Também teve destaque o importante papel de alguns círculos familiares na provisão de serviços pessoais, como a assistência a crianças e idosos, realizada na Espanha, em Portugal e na Grécia. Como podemos observar, o fenômeno do terceiro setor tomou diferentes contornos históricos nesses países. Entretanto, durante o século XX, houve um movimento comum a todos eles: o fenômeno das organizações cooperativas. No decorrer deste século, as cooperativas se desenvolveram com o objetivo de melhorar as condições de seus membros em atividades diretamente ligadas à iniciativa privada com fins lucrativos. Isso foi feito em oposição à grande parte do terceiro setor tradicional, que estava concentrado em serviços e atividades não relacionadas ao mercado competitivo, como, por exemplo, assistência e provisão de serviços públicos. Durante as últimas décadas do século XX, as associações adotaram estratégias de mercado. Isso propiciou o surgimento de organizações sociais com novos objetivos. Destacaremos alguns deles a seguir: javascript:void(0) Reduzir o desemprego a partir de empresas sociais focadas na integração do trabalho; Combater a exclusão social por conta de iniciativas de revitalização urbana e provisão de serviços a populações em vulnerabilidade; Promover o desenvolvimento local de áreas remotas. Fonte: Alexander Limbach/Shutterstock Com isso, podemos notar que as ações tomadas a partir das novas organizações sociais levaram ao crescente interesse do setor público. Isso se deve ao fato de todas as suas atividades objetivarem a redução da desigualdade e a melhora da qualidade de vida dos cidadãos, objetivos comuns a este setor. Em muitos países europeus, acordos entre o primeiro (Estado) e o terceiro setor resultaram em legislações específicas e em sistemas de financiamento especial. Cooperativas tomaram um caráter legal em países como Itália e França, assim como empresas sociais com objetivos comunitários ou sociais também o ganharam, por exemplo, no Reino Unido e na Bélgica. A partir da teoria da economia social, as principais características do terceiro setor, incluindo cooperativas, associações e empresas sociais, são as seguintes: O objetivo central é servir a membros da comunidade, e não estar voltado ao lucro; A administração é independente. Isso promove distanciamento do setor público; O processo de decisão é democrático; Pessoas e trabalho são valorizados na distribuição de renda. Há limite à remuneração do capital, enquanto os lucros são redistribuídos aos membros ou destinados às atividades sociais. Em suma, podemos observar que o terceiro setor europeu se desenvolveu ao longo dos anos, contando hoje em dia com uma série de diferentes atores que desempenham funções, como a caridade, o serviço social e a provisão de educação e saúde. Ademais, estão presentes cooperativas e empresas sociais que, tendo se atualizado com as novas demandas de mercados de trabalho, buscam reduzir o desemprego, combater a exclusão social e promover o desenvolvimento regional. TEORIA DO SETOR COMO INTERMEDIÁRIO A terceira teoria, por sua vez, é uma síntese de diversas definições que entendem a economia como tripolar e defendem a visão do terceiro setor como um espaço intermediário a unir os três polos. Organizações do terceiro setor, em grande medida, são responsáveis pela provisão de serviços e atividades complementares àqueles oferecidos pelos outros dois setores. No entanto, a depender da cultura e do contexto social dos países, os papéis do serviço social e das empresas sociais variam. O terceiro setor ajuda a influenciar o Estado e a iniciativa privada da mesma forma que tais atores o influenciam, criando, dessa forma, tensões e fronteiras entre esses ramos da sociedade. A partir desse conceito, o autor Victor Pestoff (1998) criou uma representação gráfica para ilustrar de que maneira o terceiro setor se enquadra como um ator intermediário em uma sociedade cujo Estado esteja voltado para as políticas de bem-estar social, um traço, aliás, característico dos estados europeus. javascript:void(0) BEM-ESTAR SOCIAL Forma de organização do Estado adotada por países desenvolvidos capitalistas após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o estado de bem-estar social tem quatro pilares básicos: educação primária pública e compulsória; saúde universal e gratuita; sistema de seguridade social, com seguro-desemprego; serviços sociais e auxílio à população mais vulnerável. Figura: O terceiro setor no triângulo do estado de bem-estar social. Fonte: (PESTOFF, 1998) Como podemos observar, existe uma constante relação entre o terceiro setor e os demais segmentos da sociedade representados pela comunidade, pelo Estado e pelo mercado (iniciativa privada com fins lucrativos). Dessa maneira, o terceiro setor é visto como aquele que coopera e realiza a intermediação entre os setores. Ele também supre as lacunas de serviços e atividades deixadas pelos demais. As tensões ou limites comportamentais são estabelecidos pelas linhas tracejadas na figura acima. Descreveremos a seguir cada relação estabelecida nela: Tensões entre os valores de mercado e a constante busca do lucro com os valores sociais e democráticos do terceiro setor e do Estado. Tensões entre os valores universais do Estado e os interesses particulares dos mercados. Tensões entre a formalidade de instituições e a informalidade das comunidades. Com isso, é possível perceber a natureza híbrida das organizações do terceiro setor com seus múltiplos objetivos simultâneos. Observando de forma mais atenta a figura anterior, podemos estabelecer e situar diferentes organizações dentro desse campo no que tange à sua proximidade com os diferentes atores da economia. Dessa forma, temos a área de interseção entre: O MERCADO E O TERCEIRO SETOR As organizações sociais são regidas pelas regras deste setor, mas seus objetivos sociais são bem definidos, como, por exemplo, as fundações criadas por bancos privados ou as de indivíduos dotados de grandes fortunas. O ESTADO E O TERCEIRO SETOR As organizações quase públicas são compostas por elementos dos setores público e privado simultaneamente, como é o caso de escolas e hospitais que operam em parceria com o setor público. A COMUNIDADE E O TERCEIRO SETOR Possui organizações mistas variadas, como, por exemplo, ONGs e instituições informais de voluntariado. Essa teoria, portanto, é complementar (e não exclusiva) em relação às duas primeiras. É possível analisá-las como intermediárias das relações entre os setores em uma sociedade. Por fim, verificamos que as principais diferenças entre a teoria da economia social e a do terceiro setor não lucrativo estão relacionadas à forma como as organizações lidam com lucros e ao seu processo de decisão. Enquanto a economia social permite a distribuição de lucro entre membros e estabelece um processo de decisão democrático, o terceiro setor não lucrativo veda a distribuição de lucros aos membros e não exige deliberação democrática no processo de decisão. Entretanto, vale destacar que essas são apenas diretrizes gerais, podendo haver exceções e diferentes perspectivas. ESTUDOS DE CASOS RELAÇÃO ENTRE ESTADO E TERCEIRO SETOR NA ALEMANHA, NO REINO UNIDO E NO BRASIL Depois de compreendermos os elementos fundamentais do terceiro setor e da sua relação com o Estado e a iniciativa privada a partir de diferentes perspectivas teóricas, vamos conhecer agora, a partir de um extenso estudo desenvolvido por Salamon e Anheier (1992), alguns exemplos do escopo e da atuação deste setor em três países distintos. Esses autores utilizam a tipologia destacada na teoria do terceiro setor como não lucrativa. Dessa forma, incluem em seus estudos organizações com estas cinco características: formais, privadas, autogovernadas/independentes, sem distribuir lucros aosseus membros e com contribuições voluntárias. A partir dessas características, Salamon e Anheier (1992) criaram grupos de organizações do terceiro setor a serem incluídas em seu estudo: GRUPO 1: CULTURA E RECREAÇÃO Cultura, artes, recreação e serviços de clubes. GRUPO 2: EDUCAÇÃO E PESQUISA Educação primária, secundária e superior, além de outras atividades de educação e pesquisa. GRUPO 3: SAÚDE Hospitais, clínicas de reabilitação, enfermagem, intervenções de saúde mental e outros serviços de saúde. GRUPO 4: SERVIÇOS SOCIAIS Emergências e suporte para manutenção de empregos e renda. GRUPO 5: AMBIENTE Ambiente e proteção animal. GRUPO 6: DESENVOLVIMENTO E MORADIA Desenvolvimento econômico, social e comunitário, além de moradia, emprego e treinamento. GRUPO 7: DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS Organizações cívicas e de advocacy, além de serviços legais e jurídicos e partidos políticos. GRUPO 8: INTERMEDIÁRIOS DE FILANTROPIA E SERVIÇOS VOLUNTÁRIOS javascript:void(0) GRUPO 9: INTERNACIONAL GRUPO 10: ASSOCIAÇÕES PROFISSIONAIS E UNIÕES GRUPO 11: RELIGIÃO GRUPO 12: NÃO CLASSIFICADOS ADVOCACY Apoio público a uma causa, incluindo frequentemente a defesa de determinadas políticas públicas com o poder público. Diante dessa visão, percebe-se a ampla gama de serviço e atividades que o terceiro setor pode oferecer. Entretanto, sua abrangência e tipo de oferta dependem de fatores culturais e históricos, assim como dos legais e práticos. Por conta disso, analisaremos agora cada caso ocorrido no Reino Unido, na Alemanha e no Brasil: O CASO DO REINO UNIDO O Reino Unido tem um dos mais sofisticados e desenvolvidos setores sem fins lucrativos do mundo. Uma das razões para isso é que os sistemas legais nos quais seus países integrantes (País de Gales, Inglaterra, Irlanda e Escócia) estão inseridos são diferentes. Fonte: Popartic/Shutterstock Por questões históricas, a base legal do Reino Unido permite a existência de uma maior flexibilidade e de menos regras e instituições formais. Isso se reflete na organização e na estrutura dos entes do terceiro setor, já que há menos regras formais a serem seguidas. BASE LEGAL DO REINO UNIDO Common-law é a prática de direito centrada na decisão dos tribunais, e não em leis e procedimentos rígidos. Decisões são tomadas em casos anteriores e no costume. No Reino Unido, os principais atores do terceiro setor são as instituições de caridade. Elas não pagam impostos e são pouco formais quanto às suas regras de funcionamento, possuindo quatro frentes de atuação principais: Redução da pobreza. Melhorias da educação. Expansão da religião. Outras demandas benéficas à sociedade. javascript:void(0) Elas representam pouco menos da metade do terceiro setor do Reino Unido, ou seja, constituem boa parte dele. Essas instituições são bastante diferentes em suas estruturas e seu funcionamento. Em contrapartida, quando analisamos este setor como um todo, notamos a ausência de definições legais que enquadrem suas diferentes atividades, assim como uma fraca base legal. Contudo, podemos pensar nos diferentes critérios de definição do setor para tentarmos sistematizá-lo melhor. Do ponto de vista formal, essas instituições se diferenciam das chamadas atividades voluntárias, ou seja, as que são desempenhadas de maneira informal e pouco estruturada. Além disso, notamos a emergência de organizações acopladas ao Estado, ainda que autogovernadas, a partir de sociedades e cooperativas diversas. Muitas das cooperativas no Reino Unido se aproximaram bastante das práticas de mercado competitivo: empregando atualmente suas práticas, elas vêm abandonando a definição até então utilizada de setor não lucrativo. Isso também vale para muitas empresas na área de seguro social que pagam profissionais baseados em performance. Atualmente, o Reino Unido conta com diferentes organizações que compõem o terceiro setor. Elas vão desde instituições religiosas a organizações que, a despeito de se aproximarem das práticas de mercado, buscam objetivos sociais. EXEMPLO Podemos citar a Stockport Homes Group, organização de moradia que se aproxima das práticas de mercado, embora seu foco esteja em clientes idosos que moram em abrigos, deficientes e moradores de rua. Entre as instituições de caridade, destaca-se a Macmillan Cancer Support, que oferece assistência médica especializada a pacientes com câncer. O CASO DA ALEMANHA A Alemanha distingue em seu processo legal os sistemas público e privado de forma mais definitiva e clara que a do Reino Unido. Seus dois processos legais regulamentam o terceiro setor. Além disso, o sistema de organizações não lucrativas alemão está baseado em dois conceitos principais. Fonte: Savvapanf Photo/Shutterstock SUBSIDIARIEDADE AUTOGOVERNANÇA SUBSIDIARIEDADE Prioriza as atividades privadas (e não as públicas) nas áreas distintas de políticas sociais. AUTOGOVERNANÇA Traz independência ao terceiro setor em relação ao Estado. Caracterizado pelo civil law, o sistema legal alemão estabelece uma série de formas legais que as organizações desse setor podem assumir, em contraste com a quase inexistência de formas bem definidas no Reino Unido. javascript:void(0) CIVIL LAW Tipo de sistema jurídico adotado pela Alemanha e por países como o Brasil. Sua característica principal é a utilização de normas, leis e processos jurídicos bem definidos. Entre elas, destacam-se as associações não comerciais e não lucrativas e as público- privadas, além de fundações privadas, fundações e agências públicas e sociedades cooperativas. Entretanto, não necessariamente os órgãos que se enquadrem nessas características são do terceiro setor. Portanto, os conceitos de subsidiariedade e autogovernança nos ajudam a qualificar de forma mais correta o setor alemão e entender quais organizações podem ser enquadradas como aquelas do terceiro setor. Do ponto de vista da subsidiariedade, há conglomerados de organizações não lucrativas responsáveis pela provisão de diversos serviços tanto de saúde quanto sociais. Eles possuem entidades legais distintas, como é o caso da Diocese Protestante, que conta, por exemplo, com associações, fundações e companhias limitadas. Já do ponto de vista da autogovernança, estão incluídas as corporações públicas e as fundações, sendo algumas delas braços diretos do Estado e outras ligadas à mídia e à educação. COMENTÁRIO Considerando a definição que utilizamos do terceiro setor como uma atividade privada, podemos considerar as organizações baseadas em leis privadas e leis públicas independentes como diferentes das organizações da iniciativa privada com fins lucrativos, como, por exemplo, cooperativas e associações de moradia. A partir desse conceito, portanto, notamos que, na Alemanha, o que diferencia o setor público (primeiro) do terceiro é que o último possui independência e é privado, mesmo que muitas vezes esteja subordinado a leis parecidas com as do setor público. Assim como no Reino Unido, a Alemanha conta atualmente com inúmeras organizações do terceiro setor, que, apesar de histórica e legalmente diferentes, desempenham papéis parecidos. A título de exemplo, destacamos a Associação Alemã para Proteção de Crianças e a Organização de Reabilitação e Suporte para Refugiados. O CASO DO BRASIL O caso brasileiro é bastante particular e radicalmente diferente dos outros dois citados acima. O terceiro setor começou a florescer no país a partir do processo de redemocratização após o fim do Governo Militar, em 1985, e da Constituição Federal de 1988. Segundo Fischer e Falconer (1998), sua formação teve origem em grupos formais e informais (muitos deles ligados a igrejas cristãs) que buscavam uma mobilização civil tanto para a garantia dos direitos democráticos quanto para a criação de organizações provedoras de serviços básicos essenciais aos segmentos mais vulneráveis da população. Fonte: e X p o s e/Shutterstock Os desafios para a equidade e a distribuiçãode renda aqui eram (e ainda são) enormes. Essas organizações surgiram com o objetivo principal de suprir a falta de oferta de serviços básicos essenciais às comunidades. Pela sua grande dimensão e complexidade, as organizações descentralizadas e independentes do governo são capazes de articular e atender a demandas locais muitas vezes com mais eficiência e rapidez que os governos. Desde o processo de redemocratização, estão presentes no terceiro setor brasileiro associações profissionais, como, por exemplo, sindicatos, associações para a construção de uma sociedade civil e cooperativas baseadas nas necessidades de comunidades. Fonte: Juliana F Rodrigues/Shutterstock Além desse movimento, vale destacar a importante participação de inúmeros grupos comunitários informais e associações cujo objetivo é desenvolver as atividades locais e promover o desenvolvimento regional. O mais importante, porém, é ressaltar a presença das organizações de naturezas distintas cunhadas como as ONGs. Apesar de sua grande popularidade, conforme apontam Fischer e Falconer (1998), o termo ONG não é suficiente para descrever as diferentes organizações que compõem o terceiro setor no Brasil, já que muitas delas atuam em parceria com o governo. A atividade do terceiro setor no Brasil só foi regulamentada e virou lei em 2014. No chamado Marco Regulatório das Organizações de Sociedade Civil (MROSC), Lei nº 13.019/2014, estabeleceu-se o regime jurídico das parcerias entre Estado e terceiro setor a partir do regime de cooperação. Esta lei é de extrema importância para o setor, pois a base jurídica brasileira segue a mesma ideia da alemã, ou seja, o civil law, como vimos anteriormente. O MROSC considera como organizações do terceiro setor as seguintes atividades: Entidade privada sem fins lucrativos que não distribua lucros aos seus membros; Sociedades cooperativas que tenham como integrantes pessoas em vulnerabilidade ou necessitadas de algum serviço rural, de saúde, de educação ou de um projeto social; Organizações religiosas que se dediquem a atividades de interesse público e de cunho social destinadas a fins religiosos. Na prática, atualmente, temos como principais organizações: Fundações; Entidades beneficentes; Fundos comunitários; Entidades sem fins lucrativos; ONGs. Neste vídeo, falaremos sobre cada uma dessas organizações. Nesta seção, vimos que o desenvolvimento do terceiro setor, mesmo em países muito distintos, possui aspectos consistentes, tornando-o, desse modo, essencial para qualquer economia capitalista contemporânea. O terceiro setor pode contribuir para uma sociedade mais equitativa e mais justa, cooperando com os governos e a iniciativa privada na provisão de serviços e atividades essenciais às comunidades. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. DE ACORDO COM A TEORIA DO TERCEIRO SETOR COMO UM INTERMEDIÁRIO, TRÊS TENSÕES COMPORTAMENTAIS ENTRE OS SETORES DA SOCIEDADE SE DESTACAM DAS DEMAIS. APONTE A ALTERNATIVA QUE NÃO CORRESPONDE A UMA DESSAS TENSÕES. A) Tensões entre os valores de mercado e a constante busca do lucro com os valores sociais e democráticos do terceiro setor e do Estado. B) Tensões entre valores universais do Estado e os interesses particulares dos mercados. C) Tensões entre os valores autoritários do Estado e os da busca do lucro pelo mercado. D) Tensões entre a formalidade de instituições e a informalidade das comunidades. 2. QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE AS TEORIAS DA ECONOMIA SOCIAL E DO TERCEIRO SETOR NÃO LUCRATIVO? A) Geralmente, a economia social abre espaço para a distribuição de lucro entre membros e busca um processo de decisão democrático. O terceiro setor não lucrativo, por sua vez, veda sua distribuição aos membros e não exige deliberação democrática no processo de decisão. B) Geralmente, o terceiro setor não lucrativo abre espaço para a distribuição de lucro entre membros e busca um processo de decisão democrático. A economia social, por sua vez, veda sua distribuição aos membros e não exige deliberação democrática no processo de decisão. C) Geralmente, a economia social abre espaço para a distribuição de lucro entre membros e busca um processo de decisão monocrático. O terceiro setor não lucrativo, por sua vez, veda sua distribuição aos membros e exige deliberação democrática no processo de decisão. D) Geralmente, a economia busca apenas o lucro. O terceiro setor não lucrativo, por sua vez, veda a distribuição de lucros aos membros e exige deliberação democrática no processo de decisão. GABARITO 1. De acordo com a teoria do terceiro setor como um intermediário, três tensões comportamentais entre os setores da sociedade se destacam das demais. Aponte a alternativa que não corresponde a uma dessas tensões. A alternativa "C " está correta. As tensões entre diferentes atores da sociedade estão ligadas à característica universalista do Estado em relação aos interesses particulares do mercado, e não à tensão entre os valores autoritários do Estado e a busca do lucro pelos mercados. 2. Quais são as principais diferenças entre as teorias da economia social e do terceiro setor não lucrativo? A alternativa "A " está correta. Apesar de terem muitas semelhanças, as duas teorias diferem especificamente na distribuição de lucros aos membros e no processo de tomada de decisão. De um lado, a economia social permite sua distribuição entre os membros e exige um processo democrático de decisão. Por outro, a teoria do terceiro setor não lucrativo veda essa distribuição entre os membros e não exige um processo de deliberação democrático. MÓDULO 2 Definir a relação entre Estado e iniciativa privada RELAÇÃO ENTRE ESTADO E INICIATIVA PRIVADA No primeiro módulo, destacamos a existência de três setores principais de atividade em qualquer sociedade. Nesta seção, analisaremos a relação entre o primeiro setor, que corresponde ao Estado, e o segundo, que trata da iniciativa privada com fins lucrativos. O segundo pode ser definido setor como o conjunto de todas as instituições e atividades de natureza física ou jurídica que não envolvem a participação direta do Estado, que se submetem ao regime jurídico privado e que, em grande medida, visam ao lucro. Com isso, conseguimos pensar em diversos exemplos: pequenas empresas locais, restaurantes, shoppings, fabricantes de roupas, grandes multinacionais, fábricas de carros, eletrodomésticos. Há uma infinidade de atividades incluídas neste setor, que é o mais dinâmico de qualquer economia. Nele, empreendedores podem inovar, criando tecnologias e tendências a todo momento. Já podemos notar, desse modo, a primeira relação entre o setor público e o privado: todas (ou quase todas) as atividades e todos os serviços da iniciativa privada estão sujeitos a normas e regras criadas e reguladas pelo Estado, estando a iniciativa privada obrigada a seguir leis trabalhistas e a respeitar os direitos dos cidadãos. Fonte: Orlando Neto/Shutterstock Dessa maneira, existe uma “regra do jogo” para organizações privadas, com direitos e deveres a serem seguidos. No entanto, nosso objeto de estudo, neste módulo, é entender em que momento a iniciativa privada com fins lucrativos (ou segundo setor) se relaciona e coopera diretamente com o Estado por meio de diferentes tipos de serviços. No Brasil (e em muitos países ao redor do mundo), a década de 1990 foi um período de reorganização patrimonial do setor público. Houve, durante esse período, um processo de desestatização promovido pela venda de ativos outrora públicos (movimento caracterizado pela privatização, que abordaremos mais à frente) e uma terceirização da oferta de serviços públicos (movimento caracterizado por concessões e parcerias, sobre o qual também falaremos adiante). Na América Latina, isso foi uma consequência das fortes crises econômicas e da dificuldade financeira que seus governos atravessavam. Com isso, a administração pública se viu forçada a adotar medidas de corte de gastos públicose a cada vez mais aderir a convenções internacionais de austeridade, adotando medidas econômicas propostas por organismos internacionais, como, por exemplo, o Fundo Monetário Internacional (FMI). Com isso, muitos dos serviços públicos oferecidos apenas pelo Estado tiveram seu financiamento restringido. Como consequência, a oferta deles foi bastante prejudicada. COMENTÁRIO Para Brito e Silveira (2005), é desse movimento que surge a introdução de acordos entre as iniciativas públicas e privadas a fim de providenciar uma alternativa às crises fiscais e viabilizar projetos de infraestrutura e de provisão de serviços públicos de qualidade. Do ponto de vista jurídico, isso propiciou o surgimento da modalidade de contratos entre a administração pública e a iniciativa privada. É importante, porém, estabelecer as diferenças dos contratos de convênios no âmbito da administração pública. Assim estabelece o art. 2º da Lei nº 8666/93: Convênios Acordos ou ajustes celebrados entre diferentes entes da administração pública, ou seja, dentro do primeiro setor. Contratos Todo e qualquer ajuste entre alguma entidade da administração pública e atores particulares (ou seja, da iniciativa privada), em que haja acordo e formação de vínculo com obrigações recíprocas. Neste módulo, portanto, nos voltaremos apenas aos contratos estabelecidos entre a administração pública e a iniciativa privada. Eles sempre são precedidos de licitação, procedimento que procura escolher a melhor empresa para a administração pública contratar (há algumas exceções estabelecidas na Lei de Licitações, a Lei nº 8666/93). O processo de licitação envolve: Escolher o serviço que melhor atenda à necessidade da administração com relação ao valor que ela pode pagar; Analisar se os serviços a serem ofertados são de qualidade; Igualar o procedimento de escolha, o que significa dar oportunidade para todo mundo e evitar que haja uma escolha viciada, ou seja, que um agente público favoreça injustamente um provedor do serviço. Fonte: boonchoke/Shutterstock Nas próximas seções, estudaremos a relação dos contratos entre a administração pública e a iniciativa privada em dois principais tópicos: privatizações e concessões (que incluem as parcerias público-privadas). PRIVATIZAÇÕES As privatizações podem ser entendidas, de forma muito simples, como uma venda de ativos do poder público para a iniciativa privada. O processo de privatização está previsto no artigo 17 da Lei de Licitações e Contratos (Lei no 8.666/93). Esta lei prevê a possibilidade de que ativos ou instituições do Estado sejam transferidos permanentemente para a iniciativa privada. Ela faz referência especialmente ao processo de alienação ou de transferência da propriedade de um bem. Os bens considerados imóveis são, em grande medida, empresas públicas. Para que a privatização aconteça, não é necessário um processo legislativo, ou seja, o poder executivo tem autonomia para elaborar e executá-lo. javascript:void(0) BENS CONSIDERADOS IMÓVEIS Trata-se dos bens que não podem ser transportados sem serem danificados. Nesse contexto, esses bens são referidos por determinação legal, o que inclui as empresas públicas. No entanto, para justificar a privatização de um bem, é preciso que estejam presentes as seguintes condições: O interesse público deve ser devidamente justificado, havendo a necessidade de uma avaliação prévia e de abertura de um processo de licitação na modalidade de concorrência, salvo exceções especificadas na lei. Já no caso dos bens móveis, ela depende de avaliação prévia e licitação, salvo algumas exceções estabelecidas na lei. Para a venda de bens móveis, existe ainda a possibilidade de leilão, respeitado o limite máximo de R$1,43 milhão. BENS MÓVEIS Bens móveis são os que podem ser transportados sem serem danificados. Eles podem ser, por exemplo, materiais de construção ou automóveis. No Brasil, o processo de privatização é mais caracterizado pela venda de empresas estatais, ou seja, aquelas controladas total (as chamadas empresas públicas) ou parcialmente pelo Estado (as mistas). O processo de privatização das empresas estatais segue a Lei nº 9.491, de 1997, que inclui a venda total da empresa, a abertura para mercados de capitais privados (como é o caso atual da Petrobras), a renúncia do direito às atividades de direito do Estado, a venda de propriedades e bens parciais e a aquisição permanente de propriedades. javascript:void(0) Fonte: Donatas Dabravolskas/Shutterstock Por fim, destacamos a mais nova lei sobre a privatização: a Lei nº 13.303, de 2016, estabelece que, até o ano de 2026, as empresas estatais deverão ter 25% de suas ações vendidas no mercado de capitais privado. O processo de privatização está constantemente no centro do debate político e econômico brasileiro. Por um lado, a venda de ativos públicos reduz a participação do Estado na economia e o desonera. Por outro, a venda de empresas estratégicas de desenvolvimento pode gerar uma perda de soberania e arrecadação. Não há um consenso sobre o tema, que deve ser constantemente debatido. A tomada de decisão sobre a privatização (ou não) de uma empresa estatal precisa ser analisada em cada caso. Nesse processo de análise, devem valer ideias como o ganho de eficiência, a precificação correta e uma avaliação adequada. Exibiremos a seguir o histórico de privatizações no Brasil, destacando a atuação de seus presidentes em cada período: 1990-1992 Desde o governo de Fernando Collor de Mello (presidente entre 1990 e 1992), a prática de privatização começou a ser implementada no Brasil por meio da introdução do Plano Nacional de Desestatização (PND). Do plano original de privatizar 68 empresas, apenas 18 o foram de fato. A primeira empresa privatizada no período foi a siderúrgica Usiminas. 1992-1995 No período governador por Itamar Franco (1992-1995), as privatizações mais destacadas foram as da Companhia Siderúrgica Nacional e da Embraer. 1995-2002 É no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), porém, que a mais emblemática privatização foi realizada: a da Companhia Vale do Rio Doce. O processo de privatização da empresa, que posteriormente adotou apenas o nome Vale, durou anos, gerando grande deliberação e debate. Não houve (e ainda não há) acordo sobre a efetividade da sua venda. Dessa forma, é importante destacar o papel político-ideológico de todo o processo de privatização. Afinal, há visões distintas do papel que o Estado deve desempenhar na economia. 2003-2010 / 2011-2016 Durante os governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), o processo de privatizações foi refreado. Ambos aumentaram a quantidade de concessões de estradas e rodovias. 2016-2018 / 2019 Já os governos Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (desde 2019) retomaram o processo de privatizações, que, desde então, tem sido intensificado. CONCESSÕES Concessões ocorrem quando o poder público transfere a um ente privado o direito de realizar uma atividade que originalmente era sua função. No caso das concessões de serviços públicos, há sempre a participação de três atores: O CONCEDENTE O ator concedente é o órgão da administração pública que outrora ofertava o serviço ou a atividade pública. Em caso de não cumprimento do contrato ou de violações nas suas regras, o poder concedente tem o direito de revogar o contrato. O CONCESSIONÁRIO O ator concessionário é a entidade da iniciativa privada que adquiriu, por meio do contrato de concessão, a responsabilidade e o direito de ofertar o serviço ou atividade. Entre suas obrigações, estão incluídas as seguintes atividades: fazer a gestão eficiente dos serviços, desempenhar obras de melhoria quando necessário e realizar outros investimentos. O USUÁRIO O ator usuário é o agente que se beneficia dos serviços prestados, ou seja, o consumidor final. Incidem nele as cobranças pelos serviços prestados. Como falamos anteriormente,o processo de concessão surgiu da necessidade de melhorar a provisão de serviços públicos sem onerar os cofres do Estado. Outra razão para a concessão pode ser a falta de capacidade técnica do governo, concedendo, desse modo, a atividade para entes mais preparados que ofertarão o serviço com uma eficiência maior. Diferentemente das privatizações que tratamos anteriormente, as concessões têm, em seu contrato, um limite temporal de exploração da atividade. Ou seja, a iniciativa privada não toma posse da oferta do serviço, mas ganha apenas o direito temporário de exploração e oferta da atividade ou do serviço. Citaremos a seguir dois exemplos que ilustram bem o regime de concessões. EXEMPLO 1 Uma rodovia federal foi construída pelo Estado muitos anos atrás, mas, hoje em dia, precisa de manutenção de asfalto e pintura de linhas de acostamento. No entanto, o Estado não dispõe dos recursos necessários e decide conceder o direito de gerenciar a via a alguma concessionária da iniciativa privada. O primeiro passo para o governo é, portanto, criar uma chamada pública e, por meio do processo de licitação (que falamos anteriormente), escolher a melhor concessionária. Depois dessa escolha, concedente e concessionária assinam o contrato de concessão. Estão estabelecidos nele o prazo em que o contrato vai vigorar e os direitos e deveres de cada agente. Com isso, a concessionária ganha direitos de explorar a atividade econômica da via a partir da cobrança de pedágios aos usuários, mas se compromete a melhorá-la, investir em infraestrutura, refazer o asfalto e manter um padrão de qualidade. EXEMPLO 2 No processo de concessão do metrô carioca, o sistema das linhas metroviárias é de propriedade do estado do Rio de Janeiro, que concede sua atividade a uma empresa concessionária: o Metrô Rio. O contrato de concessão foi estabelecido em 1998 por um período de vinte anos, o qual, em seguida, foi estendido por mais vinte, vigorando até 2038. Com isso, a empresa passou a ter o direito (temporário) de cobrar de seus usuários (cidadãos que necessitam de transporte) uma tarifa. Em contrapartida, ela precisa, entre outras obrigações, atingir certos padrões de qualidade do serviço e aumentar as frotas de vagões de metrô. PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS (PPP) Em 2004, uma nova lei brasileira criou um regime de concessões já implementado anteriormente nos países desenvolvidos. Apesar de as PPPs serem uma forma de concessão, elas se diferenciam do modelo tradicional estabelecido na lei de 1993 em algumas dimensões. De acordo com a Lei no 11079/2004, a PPP é definida como uma: FORMA DE PROVISÃO DE INFRAESTRUTURAS E SERVIÇOS PÚBLICOS EM QUE O PARCEIRO PRIVADO É RESPONSÁVEL PELA ELABORAÇÃO DO PROJETO, FINANCIAMENTO, CONSTRUÇÃO E OPERAÇÃO DE ATIVOS, QUE POSTERIORMENTE SÃO TRANSFERIDOS AO ESTADO. O SETOR PÚBLICO TORNA-SE PARCEIRO NA MEDIDA EM QUE ELE É COMPRADOR, NO TODO OU EM PARTE, DO SERVIÇO DISPONIBILIZADO. O CONTROLE DO CONTRATO PASSA A SER POR MEIO DE INDICADORES RELACIONADOS AO DESEMPENHO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, E NÃO MAIS AO CONTROLE FÍSICO-FINANCEIRO DE OBRA. (BRASIL, 2004) Com isso, ao contrário das privatizações, os serviços, uma vez concluídos, são cedidos ao Estado. De acordo com Brito e Silveira (2005), o mais importante – e a diferença principal em relação às concessões tradicionais – é o fato de, no contrato das PPPs, estar estabelecido que o Estado pode complementar as receitas para tornar o empreendimento viável. Há dois fundamentos econômicos por trás do estabelecimento das PPPs: ESPAÇO ORÇAMENTÁRIO EFICIÊNCIA ESPAÇO ORÇAMENTÁRIO Permite que a iniciativa privada financie serviços públicos em diversas áreas. Se bem implementados, eles podem não onerar o Estado. Em contrapartida, caso a PPP seja mal desenhada e/ou a iniciativa privada não arque com seus compromissos, pode haver uma acentuação da crise fiscal do setor público. EFICIÊNCIA O principal objetivo deve ser a eficiência da oferta do serviço – e não sua capacidade de financiamento. Por eficiência, entende-se a destinação de recursos ao seu melhor uso a fim de melhorar a oferta dos serviços públicos. Retomando as principais características dos contratos de PPP, portanto, podemos perceber que se trata de um modelo de concessão de serviços públicos no qual a remuneração é feita, parcial ou integralmente, pelo Estado. O modelo brasileiro estabelece a repartição dos riscos entre as entidades públicas e privadas, delimitando as atividades relacionadas à oferta de serviços. Em sua maioria, isso é feito em projetos de grande escala por meio de contratos administrativos nas modalidades patrocinada (o pagamento é feito por usuários e pela administração pública) ou administrativa (ele é responsabilidade apenas da administração pública). Os contratos têm prazo entre 5 e 35 anos e um investimento mínimo de R$20 milhões. Fonte: wutzkohphoto/Shutterstock Por fim, vale considerar que, a cada contrato, são definidos fatores, como a alocação dos riscos, os mecanismos de incentivo, as metas e os padrões de desempenho, que tornam possível a avaliação da eficiência da PPP. Destacaremos neste vídeo dois exemplos de PPPs. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. QUAL É A PRINCIPAL CARACTERÍSTICA DOS CONTRATOS PÚBLICOS QUE OS DIFERENCIAM DOS CONVÊNIOS? A) Contratos são mais longos. B) Contratos são celebrados entre a administração pública e a iniciativa privada. C) Contratos são mais curtos. D) Contratos são celebrados entre entes da administração pública. 2. O QUE DIFERENCIA AS CONCESSÕES TRADICIONAIS DAQUELAS FEITAS EM FORMATO DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA (PPP)? A) A PPP funciona como uma forma de privatização, enquanto as concessões mantêm os serviços públicos. B) A PPP conta com ajuda financeira (total ou parcial) do setor público, enquanto as concessões contam com o pagamento dos usuários/consumidores de serviços e atividades ofertados. C) A PPP é uma forma de terceirização das atividades do Estado para a iniciativa privada, enquanto as concessões são feitas inteiramente pelo setor público, sem a participação do setor privado. D) A PPP é celebrada por contratos, enquanto as concessões tradicionais o são por convênios. GABARITO 1. Qual é a principal característica dos contratos públicos que os diferenciam dos convênios? A alternativa "B " está correta. A principal diferença que caracteriza os contratos é que eles são celebrados entre entes da administração pública e da iniciativa privada. Os convênios, por sua vez, são celebrados apenas entre entes públicos. 2. O que diferencia as concessões tradicionais daquelas feitas em formato de parceria público-privada (PPP)? A alternativa "B " está correta. As concessões têm três atores principais. Trata-se dos órgãos concedente (Estado), concessionário (iniciativa privada) e usuário (o consumidor final). No caso da PPP, o Estado é o usuário principal. Ele é o responsável por arcar com parte ou toda a despesa, gerando receita para o ente privado. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS No decorrer deste tema, estudamos as relações que o Estado desempenha com o segundo e o terceiro setores. Entendemos a formação e o surgimento do terceiro setor nos Estados Unidos e na Europa, trazendo a teoria para a prática por meio de três estudos de caso: Reino Unido, Alemanha e Brasil. Com isso, observamos detalhadamente o funcionamento do setor privado sem fins lucrativos, já que ele é fundamental para a oferta de atividades e serviços essenciais às comunidades. Estudamos ainda o segundo setor, cuja relação possui três faces fundamentais: privatização, concessão e PPPs. Com isso, seu entendimento acerca das funções do Estado e da estrutura do serviço público foi aprimorado. Você agora é capaz de articular de que forma o Estado pode moldar a economia e a sociedade em parceria com outros setores da sociedade. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Institui normas para licitações e contratos da administraçãopública e dá outras providências. BRASIL. Lei nº 11079, de 30 de dezembro de 2004. Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública. BRASIL. Lei no 13.303, de 30 de junho de 2016. Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. BRITO, B. M. B. de; SILVEIRA, A. H. P. Parceria público-privada: compreendendo o modelo brasileiro. In: Revista do serviço público. v. 56. n. 1. 2005. p. 7-21. DEFOURNY, J. Third sector. In: BRUNI, L.; ZAMAGNI, S. Handbook on the economics of reciprocity and social enterprise. Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2013. FISCHER, R. M.; FALCONER, A. P. Desafios da parceria governo no terceiro setor. In: RAUSP management jornal. v. 33. n. 1. 1998. p. 12-19. PESTOFF, V. A. Beyond the market and state: social enterprises and civil democracy in a welfare society hardcover. Aldershot, Brookfield, Singapore & Sydney: Ashgate, 1998. SALAMON, L. M.; ANHEIER, H. K. In search of the non-profit sector: the question of definitions. In: Voluntas: international journal of voluntary and non-profit organizations. v. 3. n. 2. 1992. p. 125-151. SALAMON, L. M. The United States. In: SALAMON, L.; ANHEIER, H. K. (Ed.). Defining the non-profit sector: a cross-national analysis. Manchester: Manchester University Press, Manchester, 1997. EXPLORE+ Consulte o site oficial da PPP e busque suas principais medidas, documentos oficiais, benefícios e contratos, para saber mais sobre esta forma de relação entre Estado e iniciativa privada. Pesquise na internet sobre as PPPs que envolveram alguns estádios da Copa do Mundo de 201, como o Mineirão. CONTEUDISTA Bernardo Andretti de Mello CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
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