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A INTERFERÊNCIA DA IMAGEM NO COMPORTAMENTO Susana Vieira UFSC, Departamento de Expressão Gráfica Vieira.su@gmail.com Diego Spagnuelo UFSC, Departamento de Expressão Gráfica di.spagnuelo@gmail.com Richard Perassi UFSC, Departamento de Expressão Gráfica Richard.perassi@uol.com.br Resumo Este artigo analisa, segundo a semiótica de Peirce, as manifestações e as interferências possibilitadas pelo Design sobre a propaganda vinculada às carteiras de cigarros vendidas no Brasil, investigando a influência de tais imagens sobre seus consumidores. Para tanto, trabalhou-se com as três categorias universais peircianas e com a tricotomia: Ícone, Índice, Símbolo. Buscou-se investigar e compreender o processo cognitivo gerado pelas imagens presentes na campanha de redução ao consumo de cigarro, com base nos aspectos da cultura, desencadeados pelos aparatos sensoriais humanos. Além disso, pretende-se averiguar sob o ponto de vista da Semiótica a eficácia comunicativa da campanha nacional anti-fumo do Ministério da Saúde com o INCA, no que tange à definição dos signos (imagem, cor, texto, conceito) propostos e estruturados pelo Design. Palavras-chave: semiótica, cigarro, propaganda, comportamento. Abstract/resumen This article analyzes, according to Peirce’s semiotics, manifestations and interferences made possible by Design on advertising linked to cigarette packs sold in Brazil, investigating the influence of such images on its consumers. For this purpose, the universal categories of Peirce and trichotomy: Icon, Index, and Symbol were approached. Were investigated and understood the cognitive processes present in the images generated by the campaign to reduce cigarette consumption, based on aspects of culture, triggered by the human sensory apparatus. In order to determine the point of view of semiotics communicative effectiveness of national anti-smoking campaign proposed by the Ministry of Health in partnership with INCA, regarding the definition of signs (images, colors, text, and concepts) proposed and structured by Design. Keywords: semiotics, cigarrette, advertising, behavior. 1 Introdução Diariamente indivíduos são alvo de campanhas que estimulam o consumo de bens diversos, desde alimentos e bebidas, até objetos do vestuário, cosméticos e aparatos eletrônicos. Em termos gerais, cada um dos conjuntos de expressões (imagens, luzes, textos, sons ou mesmo cheiros) que constituem um projeto comunicacional, atendem a um público específico, suscitando sensações, questionamentos e reflexões relacionadas ao seu contexto de vida e cultura, ainda que sua eficiência possa em muitos casos ser questionada. Em oposição a esse tipo de comunicação, encontram- se as campanhas de cunho educativo ou mesmo proibitivo, cuja função seria evocar na consciência dos usuários de determinado produto os seus malefícios. Por exemplo: o consumo de alimentos chamado fast-food; o consumo exagerado de álcool e dos perigos provocados por sua combinação com a direção; a utilização de drogas ilícitas; a prática de bullying nas escolas; o uso do cigarro; entre outros. O presente artigo tem como objetivo compreender o modo como o Design, por meio de sua atuação focada na composição da forma, reflete sobre os artefatos da propaganda, tomando como objeto de estudo as imagens da campanha de redução ao consumo de cigarros, aplicada às embalagens do produto. Para tanto, pretende-se observar a influência que estas podem causar no comportamento de seus usuários, com base na Teoria Semiótica proposta por Charles Sanders Peirce (1839-1914). Por Semiótica entende-se a ciência que estuda “os signos e os processos significativos na natureza e na cultura” (NOTH, 1995, p.17), possibilitando, até certo ponto, a análise e identificação de valores codificados e comunicados pelos objetos. É a ciência que investiga os fenômenos e como podem ser comunicados e compreendidos. A partir da Semiótica torna-se possível formar um panorama lógico a respeito de como as imagens são percebidas e interpretadas por indivíduos e de que modo, cada uma das partes que as constituem favorecem as reflexões gerais a seu respeito. Este artigo apresenta uma análise das imagens vinculadas às embalagens de cigarro comercializadas no Brasil objetivando avaliar os reflexos causados por sua divulgação nos seus consumidores diretos. Considerando que cada produto na sua configuração apresenta uma capacidade de comunicação, algo estritamente relacionado às “suas qualidades e características, ao seu modo de produção, ao que serve, para quem se dirige” (NIEMEYER, 2009, p.21), não é possível ignorar a relação comunicativa existente entre o produto e o consumidor. Porém pode-se dizer que as sensações, interpretações e o comportamento das pessoas podem ser modificados na medida em que o objeto (as imagens vinculadas às carteiras de cigarro) significa. Deste modo, as imagens vinculadas às carteiras de cigarro comunicam por meio de um processo de codificação influenciado pela maneira como se estrutura a forma, atuando, portanto, como símbolo. Assim geram informação, com base no contexto cultural dos indivíduos, concedendo ao mundo e ao objeto um significado e uma função e permitindo que as relações entre o homem e o objeto/mundo se transformem. 2 Apresentação do objeto de estudo De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no mundo existem 1,3 bilhão de usuários de produtos derivados do tabaco. Nos países, em desenvolvimento, desta soma, 48% correspondem ao total da população masculina e 7% ao total da população feminina. No cenário brasileiro, pesquisas conduzidas pelo Ministério da Saúde e pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA) apontam que 18,8% da população do país é fumante (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012). Entre os produtos derivados do tabaco, destacam-se os cigarros manufaturados e os provenientes de processos industriais. Os primeiros são feitos a partir de uma pequena porção de tabaco seco e moído, enrolada manualmente em papel fino ou palha de milho; os segundos são produzidos em escala industrial, sem contato manual, podendo contar com um sistema de filtragem de fibras de celulose e outros ingredientes. No processo de industrialização, o tabaco utilizado na produção dos cigarros é submetido a diversos tratamentos, os quais introduzem doses significativas de substâncias cancerígenas ativadas principalmente durante a combustão do produto. Segundo a OMS, o número de mortes anuais causadas pelo uso de tabaco é de 4,9 milhões, podendo atingir, por volta do ano 2030, a taxa de 10 milhões de mortes anuais, se mantidas as tendências de crescimento do produto no mundo (INCA, 2012). Ciente do crescimento do consumo de produtos derivados de tabaco, no Brasil e, dos reflexos negativos à saúde provocados pelo fumo, o Ministério da Saúde em parceria com o INCA vem desenvolvendo campanhas midiáticas (rádio, televisão, cartazes, outdoors). Estas são de abrangência regional e nacional com o intuito de conscientizar fumantes ativos e passivos dos riscos provocados pelo tabaco. A campanha (Fig.1), veiculada em caráter obrigatório nas embalagens de cigarro comercializadas em território nacional, consiste essencialmente no emprego de fotos e de alertas. Tal manifestação ocupa uma das faces da carteira de cigarros e emprega teor sensacionalista em sua abordagem, na intenção de despertar a atenção dos usuários – e também de seus usuários em potencial – para os riscos do fumo. Os alertas textuais vão de encontro às fotos e partem da afirmação de que são advertências de cunho oficial, provindas do Ministério da Saúde brasileiro. Figura 1: Imagens da campanha de redução ao consumo decigarros As composições fotográficas que constituem a campanha de redução ao consumo de cigarros, no âmbito nacional, são o objeto de estudo deste artigo, que investiga e interpreta, a partir da semiótica de Peirce, a influência exercida nos indivíduos. 3 Teoria semiótica de Peirce De acordo com Santaella (2007), a Semiótica pode ser compreendida como a ciência geral de todas as linguagens. Tais linguagens, os signos, compreendem não apenas as manifestações pertinentes à língua, mas também os intrincados meios utilizados pelos seres humanos para criar relações de comunicação. Assim, imagens, sinais, esquemas, gráficos, luzes, objetos, sons, gestos, cheiros – tudo o que se faz perceber por intermédio da visão, do olfato, da audição, do paladar e do tato – pode ser utilizado pelos indivíduos para estabelecer a comunicação. Encontra-se nesse contexto composta pelo aparato comunicativo e pela significação nos seres humanos a essência da linguagem, a qual se estende, inclusive, à linguagem dos surdos-mudos e aos códigos de culinária, por exemplo, passando ainda por linguagens ditas inumanas, como a binária, utilizada pelas máquinas e computadores e à dos sinais da natureza, os quais podem ser sentidos e interpretados pelo homem (SANTAELLA, 2007). Partindo-se das linguagens possíveis, a Semiótica propõe um exame aos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como agente gerador de significação e sentido. A palavra grega phaneron, da qual deriva o termo fenômeno, pode ser traduzida como a totalidade de coisas capazes de aparecer à percepção e à mente humanas (SANTAELLA, 2002), o que constitui o objeto de estudo da Fenomenologia, um ramo científico cuja "função é apresentar as categorias formais e universais dos modos como os fenômenos são apreendidos pela mente" (SANTAELLA, 2002, p.7). Conhecido como um dos mais importantes fundadores da Semiótica Geral (NÖTH, 1995, p.60), o filósofo, cientista e matemático americano Peirce, interessado pelos estudos da Lógica, um ramo por ele considerado pertencente ao da teoria dos signos, dedicou os últimos trinta anos de sua vida aos estudos da Semiótica, a qual entendia como um sistema lógico, abrangente de toda e qualquer produção, realização e expressão humana. Peirce empreendeu estudos aprofundados nas mais diversas vertentes do conhecimento humano presentes em sua época, contribuindo especialmente para a Fenomenologia, ciência que permeava toda sua Semiótica. Segundo Peirce (1999) semiótica considera a existência de três elementos formais em todos os fenômenos percebidos. Juntos compõem as Três Categorias Universais de Peirce, nomeadas: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade. Na Primeiridade compreende-se "tudo o que estiver relacionado ao acaso, à possibilidade, à qualidade, ao sentimento, à originalidade, à liberdade, à mônada" (SANTAELLA, 2002, p.7). É também caracterizada como a categoria abrangente do conjunto de sensações imediatas percebidas em um fenômeno. É a natureza própria daquilo que se observa – que se sente –, tal como é, sem relação com outras coisas no mundo. Reflete uma percepção imediata, livre, não reflexiva, de qualidade ainda não distinguida (NOTH, 1995). De maneira ampla, pode ser entendida como a categoria das sensações incutidas no sujeito e apenas nele. A Secundidade é iniciada quando a um primeiro fenômeno é atribuída relação com um segundo fenômeno. Segundo Noth (1995, p.63-64), pode ser entendida como "a categoria da comparação, da ação, do fato, da realidade e da experiência no tempo e no espaço". Enquanto a Primeiridade se associa à ideia de independência, a Secundidade reflete o oposto, caracterizando ainda aspectos como: dualidade, surpresa e dúvida. É compreendida, amplamente, como a categoria dos indícios, das indagações, das sensações que se expressam no mundo (PEIRCE, 1999). A relação triádica se consolida nos fenômenos com a Terceiridade. É a relação estabelecida entre um segundo fenômeno e um terceiro. De acordo com Noth (1995, p.63-64), a Terceiridade ”é a categoria da mediação, do hábito, da memória, da continuidade, da síntese, da comunicação, da representação, da semiose e dos signos". Reflete os efeitos fenomenológicos provocados sobre um indivíduo. Está relacionada ao pensamento, às reflexões estabelecidas tanto com os conhecimentos e entendimentos de um indivíduo, quanto com os preceitos estabelecidos pelo contexto que o cerca e especialmente pela cultura em que se encontra inserido (PEIRCE, 1999). Este trabalho se fundamenta na teoria semiótica de Peirce para embasar a análise de uma imagem constituinte da campanha anti-fumo brasileira. Partindo-se da Primeiridade, da Secundidade e da Terceiridade, pretende-se investigar como os signos utilizados na citada campanha se manifestam nos âmbitos da sensação, dos indícios e da cultura, a fim de compreender a efetividade, positiva ou negativa, de tal intervenção nas embalagens destes produtos. 4 Análise semiótica A análise semiótica foi desenvolvida com base nas categorias universais de Peirce, apresentadas no item anterior. Utilizaram-se nesta análise as três categorias fenomenológicas do signo: Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, fazendo-se uso também da tricotomia (dos níveis de classificação sígnica): ícone, índice e símbolo. Assim, ao observar a imagem da Fig. 2, o objeto de estudo a ser analisado, tem- se imediatamente a Primeridade, determinada pelo conjunto de sensações que propõem qualidades como as sensações de mancha, horror, variação cromática, profundidade, afastamento, angústia, clausura, complexidade, dualidade, aprisionamento e conformidade. Em seguida, antes mesmo de uma percepção consciente, está-se relacionando o observado com o que se apresenta no mundo, pois a Secundidade é a consequência da visão sobre os elementos que a cultura (Terceiridade) denominada como: variação luminosa, índice de superfície tridimensional, índice de cartaz, índice de mulher, índice de velho, índice de novo. Figura 2: Horror: imagem da campanha anti-fumo. Quando o observador passa a interpretar a imagem e seus componentes, significa que está na Terceiridade, onde o reflexo das sensações é estabelecido no âmbito da Primeiridade, associando-se, por exemplo, às sensações de mancha, memória e cultura de um indivíduo. Além disso, no âmbito da Secundidade, as sensações percebidas pelo individuo apresentam indícios no mundo resultantes das percepções externas à mente. A partir das manifestações icônica e indicial da imagem em estudo, estabelecem-se as relações com as situações vividas e a cultura individual. A composição analisada, assim, passa a ser compreendida também como uma projeção luminosa amparada pela superfície plana e transparente da tela de um computador. Tal projeção está intimamente relacionada, na materialidade, com a composição comunicacional presente nos maços de cigarro, impressa em papel. As sensações percebidas pela mente são combinadas com aspectos e nomes propostos pela cultura, passando a representar: 1. Um retângulo preto na vertical compondo o fundo. 2. Uma composição fotográfica retangular, centralizada sobre o fundo, apresentando à direita do observador a metade esquerda de um rosto humano com traços arredondados e textura lisa e tonalidade uniforme. À esquerda do observador percebe-se uma outra forma retangular limitando a metade direita de um rosto humano com traços arredondados e textura irregular e povoada por diversos agrupamentos cromáticos que variam entre o marrom e o roxo. Enquanto a forma que remete a um olho posicionada no lado direito da imagem apresenta coloração castanha ao centro e brancaao redor, o olho visto no lado esquerdo da imagem apresenta coloração castanha coberta por uma mancha central branca e um entorno amarelo e avermelhado. No lado direito da imagem, a área escura e longilínea refere-se aos cabelos, contando com coloração castanha enquanto a área referente aos cabelos no lado esquerdo apresenta fios cinzentos e brancos, ainda que a predominância seja também do tom castanho. Na extrema esquerda da composição fotográfica há o que por associação julgam-se ser dedos tocando a forma retangular posicionada no lado esquerdo da imagem. Todo esse conjunto encontra-se situado sobre um fundo cinza claro. 3. Na parte superior da imagem analisada, em alinhamento central, há signos brancos cuja associação com os conhecimentos da língua portuguesa permitem compreender tratar-se da palavra “HORROR” composta unicamente em letras maiúsculas. 4. Na parte inferior da imagem, também em posicionamento central, podem-se observar signos brancos estruturados e organizados de modo tal que, por meio dos conhecimentos em língua portuguesa, geram a leitura: “O Ministério da Saúde adverte/ Este produto causa envelhecimento precoce da pele/ Pare de fumar/ Disque Saúde/ 0800 61 1997”. 5. Do lado esquerdo dos três últimos conjuntos de palavras, junto ao limite inferior da imagem analisada, há um círculo vermelho coberto por outro círculo, dessa vez branco. Um retângulo ligeiramente comprido e fino, branco, amarelo e cinza, encontra- se localizado no centro dos dois círculos e está sobreposto por uma linha na diagonal que se inicia de baixo, na esquerda, e vai até a parte de cima, na direita. Na parte voltada para cima, a linha na diagonal apresenta um pequeno trecho descontinuado. Na parte voltada para baixo a linha é levemente arredondada. A totalidade destes elementos, na Primeiridade, com base na cultura e por analogia, é interpretada como constituinte da campanha anti-fumo presente no verso dos maços de cigarro. Os rostos observados na composição fotográfica se associam, por semelhança, aos de uma mulher e, pelas variações de textura e tonalidade, pode- se considerar a face presente no lado direito jovem e a face presente no lado esquerdo velha. O rosto envelhecido, devido à composição, que está enclausurada em um retângulo com volume, é lida como pertencente a um objeto, a um maço de cigarros segurado pela mão no lado esquerdo da composição. Culturalmente, os textos presentes na imagem analisada dizem respeito às recomendações do Ministério da Saúde ao consumo do fumo e a composição simbólica na linha inferior da composição diz respeito ao signo de proibido fumar. Pode-se, assim, relacionar a composição analisada a uma das imagens comunicacionais presentes nos maços de cigarro com o objetivo de estimular a redução do fumo, pelos elementos formais que a constituem: (1) Fundo preto; (2) Título em caixa alta na parte superior; (3) Composição fotográfica; (4) Recomendações do Ministério da Saúde na parte inferior. Reconhece-se a figura humana e, especificamente, feminina na composição pela relação estabelecida entre esta e os elementos biologicamente presentes nas mulheres da espécie Homo sapiens: (1) Pele livre de pelos e barba; (2) Olhos com parte central pigmentada e entorno branco; (3) Nariz projetado para fora e com narinas; (4) Boca com lábios; (5) Cabelos compridos; (6) Traços arredondados. Na terceridade tem-se a imagem de uma mulher segurando uma carteira de cigarros sobre seu rosto. Nesta carteira de cigarros é apresentada a mesma mulher após alguns anos, com a pele envelhecida e manchada devido o uso de cigarros. Acompanhando esse conjunto de imagens estão os textos: “Horror”, acima da imagem; e, “O Ministério da Saúde adverte/ Este produto causa envelhecimento precoce da pele/ Pare de fumar/ Disque Saúde/ 0800 61 1997”, abaixo da imagem. Os textos complementam a ideia que se quer passar com as imagens (conscientizar aqueles que fazem uso do cigarro a pararem de fumar, acentuando pelo texto o significado, a mensagem da imagem). Assim, pode-se dizer que a imagem disposta dessa forma é um símbolo de campanha contra o tabagismo. No entanto, a interpretação das imagens nas carteiras de cigarro não se esgota neste estudo, pois as relações semióticas são continuamente refeitas e dependem, refletem e referenciam o contexto, o histórico de vida do sujeito que observa. Ou seja, o observador ao manter-se observando a imagem, voltará a ter novas sensações, que poderão levá-lo a fazer relações com o mundo externo e consequentemente o farão interpretar, criando novas ideias acerca do observado (da imagem), que serão denominadas de acordo com os códigos culturais. Ao se analisar a imagem, relaciona-se o ícone e o índice à interpretação simbólica. No nível icônico, as sensações de horror, profundidade, afastamento, angústia, clausura, dualidade, aprisionamento sentidas diante da imagem (primeridade), provêm do interior de cada observador, que será afetado, influenciado por essas sensações, possibilitando mudanças na forma de agir e pensar (Terceiridade). A composição visual dos textos acrescida da imagem do rosto da mulher, expressando a dualidade entre o velho e o novo, além da sensação de angústia (Primeridade), por exemplo, podem remeter também a algo externo ao sujeito, ao físico, ao aparente, ao índice de mulher (Secundidade), possibilitando o surgimento do símbolo de envelhecimento precoce (Terceiridade). A interpretação do símbolo depende, não só, do repertório de vida do observador, mas também da forma como se configuram os elementos e características componentes da imagem estudada. Deve-se considerar a maneira como estão dispostos os elementos, qual a relação entre eles, pois, ao fim, valores serão comunicados. Ou seja, embora, o cigarro prejudique a saúde, no Brasil a sua venda é legal. Mas, a fim de diminuir os efeitos maléficos deste produto, que causa além de prejuízo individual, prejuízo coletivo nacional, devido à quantidade de doenças desencadeadas pelo cigarro, o que cria uma necessidade governamental de investimento em saúde. A campanha contra o fumo é uma alternativa positiva, embora remetam a sensações negativas, como: sofrimento, angústia, clausura, afastamento. Tal campanha está vinculada aos produtos, ou seja, toda vez que se compra uma carteira de cigarros, no seu verso há uma das imagens da campanha anti-fumo. Assim, pretende-se transmitir, diretamente, mas não só, ao grupo de fumantes a que consequências podem-se chegar com o hábito de fumar, pois quanto mais o cigarro é consumido, mais divulgada é a propaganda. Desse modo, ao interpretar a imagem, o observador pode compreender e entender quanto mal aquele produto o faz e tomar a decisão de parar de fumar. Pode-se afirmar que um conjunto de símbolos de imagens direcionadas para uma mesma campanha, como no caso da campanha contra o consumo de cigarros, assim como outros conjuntos de signos, quando criados com uma mesma finalidade, por uma mesma origem, buscam seguir e apresentar um mesmo estilo gráfico. 5 Reflexos da campanha de redução do consumo de cigarros A comercialização das carteiras de cigarro no Brasil só é permitida com a inclusão, na sua embalagem, de uma das imagens de conscientização desenvolvidas pelo Ministério da Saúde. Tais imagens apresentam um mesmo padrão: fundo preto, sobreposto por texto na cor branca servindo para enfatizar o sentido pretendido com as fotografias, as quais representam os danos ocasionados pelo consumo de cigarros. A campanha contra o fumo, vinculada ao próprio produto é uma estratégia importante para combater os danos causados pelo consumo de cigarros, poispossibilita um contato direto das peças comunicacionais com seu público-alvo no momento da compra e também uma relação que se estende para o cotidiano de uso quando o consumidor utiliza o produto e se depara com as imagens a ele associadas. No Brasil, o cigarro nada mais é que um produto de consumo cuja embalagem traz estampada expressas recomendações para que não seja consumido; qualquer propaganda comercial com enfoque na apologia ao cigarro e ao fumo é proibida. Não há muito tempo, porém, a imagem do cigarro era associada à liberdade, segurança, saúde, independência, poder. Hoje, na essência, a imagem do produto deve despertar sensações negativas, demonstrando os malefícios de seu consumo nos seres humanos. Assim, um aspecto crucial da campanha anti-fumo é a insistência sobre os valores daquilo que é desejável e do sucesso social. Ou seja, a propaganda apresenta o fumo não somente como um potencial agente de morte, mas também como algo que afeta as prestações na vida publica cotidiana, onde os sujeitos “têm” que ser bonitos ou sexualmente ativos (veja-se o anuncio sobre a impotência). Apesar de caracterizarem um conjunto de peças com o objetivo comum de conscientizar os consumidores a respeito das consequências do uso dos cigarros, as imagens comunicacionais propostas pelo Ministério da Saúde representam cada uma delas um diferente traço simbólico, estritamente embasado nas construções icônicas, tornando-as individuais em sua efetividade. Assim, não é incomum observar usuários do sexo masculino recusando-se a comprar um maço de cigarro cuja embalagem traga impressa a mensagem "Impotência/ O uso deste produto diminui, dificulta ou impede a ereção". Do mesmo modo, há mulheres que evitam os produtos com a mensagem "Vítima deste produto/ Este produto intoxica a mãe e o bebê, causando parto prematuro e morte". Tais mensagens têm caráter intimamente impactante. Relacionando a imagem de malefício presente em um maço de cigarro em específico com o malefício real, os usuários atribuem diferentes "culpas" a diferentes produtos. No caso específico da mensagem: "Horror/ Este produto causa envelhecimento precoce da pele", observa-se um teor essencialmente simbólico, pois parte de compreensões possíveis somente a partir de conhecimentos prévios e relacionados à cultura. A ideia do recorte de imagem da mulher velha sobre a mulher jovem como uma lente que espelha o futuro próximo, a associação de velhice com algo a ser postergado ou até mesmo evitado, etc. O conjunto imagem e texto investe no conceito de que o fumo acelera o processo de envelhecimento natural da pele. A escolha da imagem da mulher é, nesse caso, acertada, haja vista a noção consolidada de que o público feminino seja fortemente adepto dos assuntos que dizem respeito aos cuidados com o corpo e a pele, o que pode, porém, gerar atitudes semelhantes às tomadas pelos homens que evitam a mensagem sobre impotência sexual. Por outro lado, a peça "Horror" pode ser interpretada de maneira banalizada, inevitável, tendo em vista que todo e qualquer ser humano está sujeito ao envelhecimento. Assim, se todos os seres humanos ficarão um dia com a aparência velha, não haverá razão para, em um primeiro momento, resguardar-se de um produto cujo malefício seja acelerar esse processo natural. Observa-se que as leituras embutidas nas imagens e nos textos comunicacionais dos produtos em geral podem ser utilizadas tanto para alertar, quanto para induzir comportamentos, atitudes, escolhas e ações. O caso das antigas propagandas de cigarro, por exemplo, evidencia tal raciocínio. As mensagens preconizavam o uso do produto, ainda que este causasse males ao usuário. Nas imagens utilizadas surgem figuras maternas (bebês conversando com suas mães), acolhedoras e simpáticas (Papai Noel como uma figura de carne e osso, degustando seu cigarro), elegantes e refinadas (mulheres materializando os preceitos vigentes da moda) ou mesmo selvagens e viris (o cowboy símbolo da marca Marlboro), associadas a situações positivas de prazer e independência (Fig.3). Figura 3: Imagens vinculadas às carteiras de cigarro, na campanha anti-fumo. 6 Conclusão Este artigo investigou as imagens utilizadas na campanha de redução ao consumo de cigarro no Brasil vinculadas às embalagens do produto e a influência que estas podem causar no comportamento de seus usuários. A análise semiótica, desenvolvida segundo estudos de Peirce, apresentou pontos relevantes, corroborando que as diferentes imagens componentes da campanha suscitam diferentes interpretações e sensações, como horror, nojo, medo, colaborando para a modificação dos hábitos de consumo do produto no país. Pode-se considerar que o processo cognitivo, estudado segundo a Semiótica, mostra-se importante, principalmente pela necessidade de se acompanhar os efeitos que a comunicação expressa, seja no âmbito visual, tátil, olfativo, degustativo ou sonoro. A cultura está em constante mudança e por isso a interpretação sobre coisas e aspectos presentes no mundo também muda, assim é necessário manter análises periódicas e identificação dos valores codificados, possibilitando a alteração dos signos para gerar novos símbolos e significados, segundo a natureza e a cultura. Ainda que possa gerar distintos pesos de relevância em seus usuários, a campanha anti-tabagista é eficaz no que diz respeito a levantar discussões sobre o tema. As mensagens reforçam os malefícios causados pelo uso de cigarros, alertando para as consequências provocadas. De maneira global, a campanha parte de duas fontes de expressividade principais, primeiramente por meio da imagem, o primeiro contato do observador e depois pela leitura do texto, que sintetiza e reforça a ideia expressa nas fotos. A escolha por diversas imagens para a campanha em vez de apenas uma, demonstra que os agentes responsáveis por sua criação e divulgação compreendem a diversidade cultural em que seus usuários se veem inseridos, mesmo que isso signifique enfraquecer a mensagem principal, diluindo seu conteúdo em diferentes abordagens individuais. Por fim, espera-se que esse estudo contribua para a compreensão da necessidade de se acompanhar campanhas publicitárias, propagandas, entre outros para se alcançar da forma cada vez mais proveitosa resultados na sociedade e nos indivíduos que a compõe. Referências INCA. Instituto Nacional de Câncer. Tabagismo no mundo. Disponível em: <http://www.inca.gov.br/tabagismo/>. Acesso em: 16 de setembro de 2012. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Tabagismo. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=29479>. Acesso em: 16 de setembro de 2012. NIEMEYER, Lucy. Elementos de semiótica aplicados ao design. Rio de Janeiro: 2AB, 2009. NÖTH, Winfried. Panorama da Semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 1995. PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1999. SANTAELLA, Lucia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2007. SANTAELLA, Lucia. Semiótica aplicada. Ed. Thomson, São Paulo: 2002.
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