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Leitura de Imagens Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Dr.ª Maria Jose Spiteri Tavolaro Passos Revisão Textual: Prof. Esp. Claudio Pereira do Nascimento Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual • Introdução; • Os Estudos Culturais e a Cultura Visual; • Um Grafitti na Paisagem da Cidade sob o Ponto de Vista Positivista; • Entre a Película Cinematográfica e a Embalagem do DVD: um Olhar Historicista; • O Fotojornalismo em uma Perspectiva Sociológica; • Viajando no Tempo para a Análise Fenomenológica de uma Imagem Publicitária; • Análise Semiótica; • Análises Híbridas; • Outras Possibilidades de Leitura – Roteiros... • Estudar as relações entre a leitura de imagens e a cultura visual. • Aplicar os conteúdos estudados em análise de imagens. • Compreender as relações entre forma e conteúdo na leitura e entendimento de ima- gens em diferentes contextos. OBJETIVO DE APRENDIZADO Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual Introdução Ao longo dos nossos estudos, temos verificado que todas as imagens podem ser lidas. Assim, embora estejamos trabalhando predominantemente em torno do universo da fotografia, é importante destacar que uma obra de arte, uma cena de filme, um videogame, a capa de um caderno, uma ilustração em um livro, a emba- lagem de um sabão em pó, tudo pode ser lido e interpretado sob diferentes pontos de vista. Considerando que, ainda bebês, vemos o que nos cerca antes mesmo de verba- lizar de modo racional as nossas ideias, é possível imaginar o quanto as imagens estão presentes no nosso modo de nos relacionar e compreender o mundo. Os estudos relacionados à Cultura Visual passaram a ser desenvolvidos nas úl- timas décadas do século XX, no sentido de se buscar uma maior compreensão a respeito dos aspectos visuais como um campo para a transmissão de conhecimen- tos, de cultura e como os próprios sistemas culturais podem interferir no processo de entendimento da realidade. Nesta unidade, vamos retomar algumas das propostas metodológicas dirigidas à leitura de imagens já estudadas, porém, desta vez buscaremos aplicá-las não ape- nas à fotografia, mas também inserindo esta e outras linguagens no amplo campo da cultura visual e, assim, dirigiremos nosso olhar para o mundo do grafitti, carta- zes, capas de revista, anúncios de publicidade etc. É interessante pensar que essas imagens convivem conosco, fazem parte do nosso dia a dia, porém, podem até passar despercebidas, o que reforça a necessidade de uma educação visual que nos torne mais críticos, inclusive em relação ao nosso entorno visual. No final desta unidade teremos ainda dois roteiros de análise propostos por teóricos contemporâneos que vêm se dedicando ao estudo das imagens em dife- rentes contextos. Convido você a embarcar nesta jornada e, talvez, olhar com “outros olhos” para esse universo que nos cerca. Vamos lá?! Os Estudos Culturais e a Cultura Visual Surgida da década de 1950, a área dos Estudos Culturais tem um caráter inter- disciplinar dirigido ao estudo do processo social, da evolução da cultura etc., nas sociedades atuais. Para os pesquisadores dessa linha de estudos, a cultura envolve as práticas sociais e as suas inter-relações, os significados e os valores presentes na sociedade, bem como onde e como se expressam. [...] os estudos culturais tratam de compreender de que maneira os sujeitos buscam dar sentido ao consumo na cultura de massas, a cultura visual dá prio- ridade à experiência cotidiana do visual, interessa- se pelos acontecimentos 8 9 visuais nos quais o consumidor busca informação, significado e/ou prazer conectados com a tecnologia visual. (SARDELICH, 2006, p. 462). Os estudos relacionados à Cultura Visual são entendidos por muitos autores como um campo que se insere nos Estudos Culturais e como uma proposta de análise do universo visual que nos cerca baseada em uma esfera mais abrangente do que um olhar concentrado apenas em aspectos formais, históricos, psicológicos etc. Essa abordagem fundamenta-se em uma base socioantropológica, o que significa focalizar o conhecimento tanto nos produtores dessas ex- periências quanto no contexto sociocultural em que são produzidas. (SARDELICH, 2006, p. 462). Mas, por que cultura “visual”? Para tentar entender do que se trata esse “visu- al” nesse campo de investigação, Pablo Petit Passos Sérvio, em seu texto “O que estudam os estudos da cultura visual”, fala-nos de dois conceitos importantes – vi- sualidade e visão – e nos coloca em contato com a interpretação de Hal Foster a esse respeito: O que Foster chama de “visual” está dividido em dois planos. Esses planos não atuam de modo separado, mas tampouco são idênticos. 1) visão trata da percepção como operação física, trata de seus mecanismos e dados; e 2) visualidade trata da percepção como fato social, suas técnicas históricas e determinações discursivas. Enquanto a visão foca na parcela biológica da experiência visual, o corpo e a psique, a visualidade trata da parcela cultural da experiência visual, aquilo que é aprendido social e historica- mente. (SERVIO, 2014, p. 197) Enquanto as análises mais tradicionalmente relacionadas à leitura de imagem estejam bastante atreladas ao campo da História da Arte, os estudos ligados à Cul- tura Visual envolvem uma multiplicidade de entendimentos a partir das imagens, propondo que se construa um novo olhar sobre as imagens que não se incluem no campo das obras de arte; afinal, todas as imagens têm seu valor porque indepen- dente de transmitir ideias, cada um de nós lhes damos sentidos. Cada pessoa tem seus valores próprios, suas verdades construídas a partir de um repertório pessoal que envolve a sua cultura em todos os sentidos e tal diver- sidade tornaria impossível haver uma só verdade, uma só leitura a respeito de uma única imagem. Assim, para uma análise pessoal de uma imagem, é preciso considerar as nossas características pessoais de formação, crenças e experiências; refletir criticamente sobre como, quando, por quem e por que determinada imagemfoi produzida; e considerar criticamente o posicionamento do outro, que também se pauta em características individuais, fazendo escolhas e recortes dentro do código comparti- lhado para construir sua compreensão da imagem. Veja que não se trata de um estudo desenvolvido com base em “acho que”, mas sim associando o repertório pessoal daquele que analisa a imagem a outros 9 UNIDADE Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual conteúdos que podem envolver aspectos históricos, sociais, antropológicos etc., e, assim, a Cultura Visual admite que estudemos as diversas formas de expressão, desde uma escultura até a embalagem de um bombom, já que ambos serão vistos por diferentes pessoas e desencadearão significados diferentes para cada uma. Portanto, procura-se pensar de modo crítico as imagens que nos cercam, sejam elas capas de revistas ou outdoors, capas de discos ou placas de vendedores ambu- lantes. O importante é ver essas imagens sob diferentes ângulos, buscando o que está por trás delas, a intenção com que foram produzidas. Vamos agora verificar como metodologias como a Positivista, Historicista, Feno- menológica, Sociológica e Semiótica podem contribuir para um estudo da Cultura Visual e até como trabalhar uma leitura com base no hibridismo de referências teóricas através de elementos extraídos de correntes como a Semiótica, o Estru- turalismo e a Fenomenologia, entendendo assim que as metodologias podem se complementar e contribuir até para a construção de leituras subjetivas, mas sempre calçadas por uma base teórica consistente. Um Grafitti na Paisagem da Cidade sob o Ponto de Vista Positivista Alexandre Orion é um artista contemporâneo, multimídia, que ganhou visibilida- de por seus trabalhos ligados ao universo do grafitti. Vamos aplicar a proposta de base positivista a uma de suas obras e verificar uma das diferentes possibilidades de estudo a respeito de um de seus trabalhos (link a seguir). Alexandre Orion – Metabiótica 8, 2004 – intervenção urbana seguida de fotografia, acervo da Pinacoteca de São Paulo. Disponível em: https://goo.gl/1VKNDSEx pl or O nome de Orion se tornou muito popular quando em 2006 fez uma intervenção em túneis da capital paulista. As paredes desses túneis ficavam cobertas pela fuligem produzida pelos veículos que ali passavam e Alexandre Orion, utilizando-se de pedaços de tecido, começou a limpar seletivamente aquela poluição que escurecia as paredes. Como se fosse uma borra- cha aplicada sobre uma camada de grafite, a limpeza de Orion formou figuras (caveiras) e, assim, o artista criou grandes painéis nesses espaços. A intervenção foi polêmica, atraindo os olhares da mídia e da própria prefeitura da cidade. Saiba mais a respeito deste e de outros projetos desse artista visitando o seu website em: https://goo.gl/r2SwuJ Ex pl or 10 11 Ênfase Formal O trabalho em questão começa como grafitti e se finaliza em fotografia. A inter- venção inicial foi realizada em uma parede da cidade e, em seguida, buscou-se pelo momento exato da passagem de um motociclista que acaba interagindo de modo indireto com a imagem fixada na parede. Observa-se aqui uma oposição entre a indefinição da forma do motociclista e seu veículo em deslocamento real e a imagem na parede. Enquanto o motociclista tem ên- fase na mancha cromática, sem traços definidos, indicando movimento, a imagem na parede, executada em estêncil, é pura linearidade. Não há planos, há apenas um traço simples e preciso, evidenciando as diferenças entre os dois elementos da imagem. Plano x Profundidade A composição fotográfica é aqui constituída de dois planos: o do motociclista e o da intervenção feita em estêncil ao fundo. A imagem fotográfica se constrói pela sobreposição entre o volume do primeiro plano e a rigidez bidimensional e muito definida da imagem na parede. História Concreta Em Metabiótica, Alexandre Orion escolhe um local da cidade, realiza uma pintura na parede e, com a câmera em punho, aguarda pelo momento em que as pessoas interagem espontaneamente com suas pinturas. Orion atri- bui à intervenção urbana uma dimensão na vida real e promove o encontro (ou o confronto) entre realidade e ficção dentro do campo fotográfico. É no momento decisivo de interação entre o pedestre e a imagem pintada que a fotografia de Metabiótica é gerada, contrapondo-se aos tradicionais quadros fotográficos que nos transmitem a falsa ideia de que tudo o que é fotográfico é real. Em Metabiótica, a veracidade é posta em dúvida: as pinturas estão de fato nas paredes, as pessoas realmente passaram por ali e agiram espontaneamente, no entanto, o que se vê nos sugere um tipo de montagem que não existiu. É tudo verdade, é tudo mentira.1 Unidade Dependendo da posição do fotógrafo e do motociclista em relação à parede, talvez essa imagem não tivesse o mesmo impacto. Quem garante a unidade nesta obra é a escala cromática, a proporcionalidade aqui aplicada. Mesmo distinguindo dois elementos de forma muito clara, há uma harmonia e uma complementaridade nascida da interação desses dois elementos. 1 Disponível em: <https://goo.gl/5WhtHR>. Acesso em: 20/10/2018. 11 UNIDADE Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual A luz da imagem fotográfica cria sombras bem delineadas que ajudam a criar a identificação de cada objeto e a brincar com a complementaridade captada entre tais elementos. Aguardar o momento certo para o clique fotográfico é parte importante do mé- rito desse trabalho. Comentário Final Em outros momentos da história da fotografia, uma imagem como esta talvez só fosse possível por meio de uma montagem, mas estamos tratando de uma imagem do século XXI. Dificilmente se poderia realizar uma tomada como esta se estivés- semos considerando os recursos técnicos disponíveis no século XIX ou, ainda, nos primeiros tempos do século XX, quando o tempo de exposição necessário para se registrar uma imagem ainda era longo. No entanto, com o desenvolvimento dos equipamentos, as possibilidades de registros tornaram-se muito maiores, permitin- do ao fotografo explorar ao máximo os recursos de seu equipamento. Trata-se de um artista urbano, envolvido com as questões que afligem os grandes centros: o espaço, a velocidade, o tempo e até mesmo a perda de referenciais que podem fazer com que às vezes as pessoas se sintam “fora” de sintonia com a realidade. Entre a Película Cinematográfica e a Embalagem do DVD: um Olhar Historicista Identificação das Obras Este é um dos mais célebres e paradigmáticos filmes de Ingmar Bergman. O DVD reproduz a imagem de cartaz do clássico filme Det Sjunde Inseglet (O Sétimo Selo) de Ingmar Bergman, 1957, e reúne por meio da fotomontagem ce- nas emblemáticas do longa-metragem. Na ima- gem, o cavaleiro e a morte estão jogando xa- drez, na disputa pela vida do cavaleiro, enquanto na parte superior da imagem, um grupo de seis pessoas se desloca em fila, de mãos dadas, sen- do guiadas por uma que traja uma capa esvoa- çante, levando na mão um instrumento que nos remete à foice, símbolo da morte. O roteiro trata basicamente a história de um cavaleiro que, após dez anos, retorna das Cruzadas, vê o seu país físico e espiritualmente Figura 1 – Capa do filme “O sétimo selo”Fonte: Wikimedia Commons 12 13 devastado pela peste negra. Encontra então uma estranha e enigmática figura, trata-se da Morte que vem avisá-lo da chegada de “sua hora”. Com o objetivo de ganhar tempo em vida, o protagonista convida a Morte para uma longa partida de xadrez no qual será realizado o intento do vencedor (a permanência em vida ou a partida para o mundo dos mortos). É durante esse longo embate que ambos discutem diversas questões, sobre a fé e a dúvida, que permanecem sem resposta. O Contexto e o Lugar para qual ela foi Realizada O roteiro do filme foi produzido tendo por base o contexto da Suécia (terra natal do diretor) no período pós Segunda Guerra Mundial, quando a polarização do mun-do entre capitalismo e socialismo deixava todos preocupados com uma potencial hecatombe nuclear. Estabelecimento de Cronologias A imagem em questão provavelmente não corresponda àquelas que circularam divulgando o filme quando de seu lançamento, na década de 1950. Trata-se da capa elaborada para um DVD, onde foram utilizados padrões estéticos mais próxi- mos da virada do milênio. Veja a capa completa do DVD box disponível em: https://goo.gl/ui4WXz Ex pl or O sétimo selo compõe a obra de um diretor/autor que tem como alguns dos temas centrais das suas obras um estudo psicológico dos personagens e a influência da religião na vida das pessoas, o que nem sempre ocorre de modo positivo. A imagem se refere a um filme que, ao retratar a Idade Média e o homem amea- çado pelas mazelas da época em questão, o faz enquanto alegoria para seu tempo: o final dos anos 50, onde o mundo sente o peso da grande ameaça de uma guerra nuclear. Ou seja, o filme trata da onipresença da morte quando o sentimento de uma destruição de mundo imanente também é onipresente. Esse premiado fi lme de Ingmar Bergman teve uma serie de cartazes com composições das mais diversas e você poderá ver algumas delas em: https://goo.gl/CNerxREx pl or Interpretações Gerais A capa do DVD, enquanto imagem, é uma ponte de conexão com a obra cine- matográfica de Bergman. O cartaz materializa parte das inquietações apresentadas pelo cinema transcendental do diretor. O tema é a proximidade entre a morte e 13 UNIDADE Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual a batalha que será travada com o cavaleiro. Sua figura é representada de forma clássica, permitindo ao observador não só reconhecê-la enquanto personagem, mas também a estabelecer uma interpretação sobre sua natureza fria e sombria como sempre foi retratada na cultura ocidental. Se nos concentrarmos apenas na imagem, sem assistir o filme, identificaremos claramente o protagonismo dos dois personagens na história e também a sobrieda- de que a temática evoca, bem como os sentimentos que afligirão os personagens. Era urgente, para Bergman, expressar a angústia do mundo em que vivia, comum a estes dois períodos históricos [idade média e anos 1950]. Em- bora seu foco principal não fosse a reconstituição do passado, suas inves- tigações da época e a reconstrução da sociedade de então são preciosas e bem elaboradas. No enredo, o protagonista Antonius Block, interpretado magistralmente por Max Von Sydow, tem um encontro com a Morte assim que volta das Cruzadas e vê sua terra natal completamente arrasada pela peste. Seu momento também parece ter chegado, mas ele rejeita o fim da existência antes de realmente compreender o significado da vida. Determinado, ele convida a Morte para ser sua parceira em um jogo de xadrez, com o ob- jetivo também de driblá-la.2 O filme evoca uma possibilidade de confronto, colocando a morte e o cavaleiro em pé de igualdade e a imagem retrata essa possibilidade. É um prenúncio do que se desenrolará sem, no entanto, revelar a trama. Experimentações Metodológicas Neste caso específico, para uma melhor interpretação da imagem (Figura 2), é conveniente que se agregue a análise do filme. Desse modo, podemos ampliar o contexto da obra e traçar relações entre imagem do DVD e o enredo, aumentando as possibilidades de análise e interpretações da imagem. O Fotojornalismo em uma Perspectiva Sociológica Passemos aqui a um exercício de análise com base em um direcionamento so- ciológico e, para tanto, utilizaremos uma imagem de fotojornalismo, realizada em 2013, quando ocorreram muitos protestos contra os grandes gastos que se reali- zavam, entre outras, durante os preparativos para a Copa do Mundo que ocorreria no Brasil em 2014. 2 SANTANA, Ana Lúcia. “O Sétimo Selo”. Disponível em: http://www.infoescola.com/cinema/o-setimo-selo/ 14 15 Figura 2 – José Cruz (Agência Brasil) Fonte: Wikimedia Commons Nota: Protestos de 2013 no Brasil - junho de 2013, manifestantes protestam em frente ao Congresso Nacional contra gastos na Copa, corrupção e por melho- rias no transporte, na saúde e educação – fotojornalismo. Descrição sumária dos elementos linguísticos: temáticos, técnicos, formais Aspectos temáticos • Gênero artístico: fotojornalismo; • Reconhecimento do tema: histórico. Registro dos movimentos ocorridos no Brasil em junho de 2013 contra a corrupção e por melhorias no transporte, saúde etc. Aspectos Técnicos • Materiais e Técnicas: fotografia digital; • Elementos arquitetônicos: o espaço da rampa do Congresso Nacional, onde se concentravam muitas pessoas empunhando bandeiras do Brasil. Ao fundo, é possível ver as duas torres do Congresso; • Suportes e procedimentos: a obra tanto pode ser vista em suportes digitais quanto impressa em alguns jornais da época. Aspectos Formais • Espacialidade: Ao analisar o espaço registrado, vemos dois planos composi- tivos que ainda poderiam ser subdivididos. Ao fundo, iluminadas, as torres do Congresso Nacional. Ao longo da rampa que liga o passeio às torres, temos um grupo de manifestantes em primeiro plano. Pela redução da luminosidade 15 UNIDADE Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual na rampa, a imagem perde gradativamente a nitidez e o grupo se transforma em uma massa densa, sem que se possa identificar com facilidade os indivídu- os, como ocorre no primeiro plano; • Tipo de composição: a composição, embora não muito clássica, é muito usa- da em fotografia. Cria-se uma diagonal que se desenvolve da esquerda para a direita e em um movimento de baixo para cima; • Tipo de iluminação: realista, captada do ambiente em que a imagem foi ti- rada. Há uma luminosidade acentuada no primeiro plano e na parte inferior da rampa. Uma luz um pouco menos intensa surge no plano de fundo, junto às torres. O restante do campo, por apresentar baixa luminosidade, contrasta com essas áreas. É provável que no momento da tomada da fotografia, o equipamento (fotômetro da câmera) tenha considerado como referência a luz na base da rampa. Relação destes elementos com outras linguagens Anteriores ou Posteriores Um dos objetivos do fotojornalismo é registrar, por meio de imagens, fatos que ocorrem em uma sociedade, em um determinado contexto. Atualmente, com a po- pularização dos equipamentos e a facilidade do acesso à fotografia (hoje qualquer criança fotografa com um aparelho celular, por exemplo), acompanhamos uma certa banalização do registro fotográfico, o trabalho do fotojornalista se destaca ao buscar ângulos e enquadramentos exclusivos e inusitados. Ao posicionar-se de baixo para cima, agigantando tanto manifestantes como o próprio edifício do Congresso Nacional, o autor agregou ao registro jornalístico um simbolismo que se constrói junto ao observador. Sob o ponto de vista do qual foi tomada a foto, seu autor conferiu simbolicamente à cena uma monumentalidade que ultrapassa sua mera configuração formal. Conexões Entre o Tema e o Meio – Vinculação Sócio-Histórica No primeiro semestre de 2013, uma série de manifestações populares ocor- reu nas ruas de centenas de cidades brasileiras. Tendo inicialmente como foco de reivindicação a redução das tarifas do transporte coletivo, as manifestações ampliaram-se ganhando um número imensamente maior de pessoas e também novas reivindicações. A imagem em questão foi capturada quando, durante uma dessas manifestações, centenas de jovens invadiram o prédio do Congresso Na- cional em Brasília. Não se tratava de entrar no prédio e sim se tomar seu entor- no. Ao que tudo indica, o ato não foi previamente articulado por nenhuma força específica. Jovens entenderam que suas reinvindicações permitiam tomar posse da “casa do povo”. 16 17 Análise das Conexões Entre Signifi cado e Meio Histórico Este registro fotográfico retrata uma tomada de poder, ainda que momentâ- nea. Registrou-se (com uma certa teatralidade, há de se reconhecer) um momento que, como outros na históriado Brasil, a população toma as ruas reivindicando uma causa. O ponto de vista adotado pelo fotógrafo, o foco nas duas bandeiras brasileiras carregadas pelos manifestantes, o Congresso Nacional ao fundo, como único objeto iluminado na noite brasiliense, apontam para a construção de uma legitimação do ato. Ao julgar apenas por essa imagem, poderíamos concluir que as manifestações de julho de 2013 são um ato de democracia, onde o poder do povo se sobrepõe ao poder estatal. Viajando no Tempo para a Análise Fenomenológica de uma Imagem Publicitária A abordagem fenomenológica considera que uma imagem pode ser constituída por planos interdependentes. Para este exercício, selecionamos uma imagem de divulgação de um refrigerante criado nos Estados Unidos nas últimas décadas do século XIX. Figura 4 – Autor desconhecido – Anúncio da Coca-Cola, 1890 – ilustração (peça publicitária) Fonte: Divulgação 17 UNIDADE Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual Plano Terrestre (A Matéria) • O Material: Trata-se de uma impressão (possivelmente litográfica) realizada sobre papel. A superfície apresenta fisicamente uma textura lisa e regular; • O Sensível: O papel, enquanto suporte para representações bidimensionais, recebe com facilidade as imagens que lhes são aplicadas, desde que sejam consideradas as qualidades específicas do suporte (papel) como porosidade, gramatura etc., e dos materiais que lhe forem aplicados (tipos de tinta etc). Desse modo, respeitando suas condições físicas, o papel pode atender satisfa- toriamente à condição de servir como suporte para que sejam simuladas visual- mente, texturas e volumes tridimensionais sem que de fato sejam apresentados (o desenho, determinadas modalidades de pintura, a fotografia, a gravura etc são basicamente expressões bidimensionais). Plano Cósmico (A Forma) Fatores Representativos – espaciais e temporais • Espaciais: Ao retratar um ambiente luxuoso por meio da ilustração, a peça simula uma iluminação naturalista onde se destacam o brilho e a transparên- cia do jarro de flores e as pérolas do colar. As cores usadas, bem como a luz que banha uniformemente toda a composição, trazem ainda uma sensação de maciez e de viço tanto à pele da jovem, às pétalas das fores e aos materiais de que se veste a personagem (plumas, tecidos); • Temporais: A ilustração data de 1890. A personagem traja a moda da épo- ca, trazendo ícones de sofisticação e bom gosto como as pérolas, as luvas, o chapéu e o babado da gola. O bordado da roupa também é uma referência de elegância para o período. Fatores significativos – miméticos, expressivos e sugestivos • Miméticos: No que diz respeito à ideia de mímesis, um elemento se sobressai na ilustração: o vaso de flores. Observe a transparência e os reflexos repre- sentados no vaso de rosas amarelas; busca-se uma construção que simule a luz natural e a reação daquele tipo de material a ela; • Expressivos: O destaque dado à marca e ao preço mostram a função publi- citária da peça que busca associar a marca em questão com o hábito de ser consumida por uma pessoa de “bom gosto”. Também sobre a mesa, observa- -se uma folha com as seguintes inscrições: “Home Office, The Coca-Cola Co. Atlanta, Ga. Branches: Chicago, Philadelphia, Los Angeles, Dallas”, tal qual um cartão de visitas, contendo indicacões dos escritórios da empresa, reforçando assim a função publicitária da imagem; • Sugestivos: A imagem é uma peça publicitária, então já sabemos de ante- mão que ela tem como missão principal estabelecer uma conexão positiva entre a marca e o espectador. Ao retratar uma mulher jovem, feliz e elegante 18 19 (de acordo com os padrões da época), a marca quer associar a ideia de beleza, elegância, felicidade e inovação, ao seu consumo. Importante! Ao longo de sua história, a Coca-Cola investiu signifi cativamente no campo da divulgação de seu produto e de sua imagem, sempre a relacionando à cultura norte-americana, per- manecendo desde sua criação como um dos produtos mais emblemáticos da cultura popu- lar no Ocidente. Sua imagem e alcance já fi zeram com que se tornasse tema de fi lmes, além de estar presente também em obras como as do estadunidense Andy Warhol e do brasileiro Cildo Meirelles. Você Sabia? Análise Semiótica Segundo Jesús Viñuales (1986, p. 146), há diferentes caminhos para se realizar uma leitura semiótica de uma imagem e um deles foi proposto por Moles em sua obra Psicología del espacio, estruturado a partir de cinco pontos de vista: uma análise sociológica, uma psicológica, uma física (calcada nos aspectos sobretudo compositivos), uma informativa e uma interpretativa. Figura 5 – Taurus, Sisley: Fashion Junkie, 2007 Fonte: Divulgação A imagem analisada foi extraída de uma campanha denominada Fashion Junkie, desenvolvida para a marca italiana Sisley em 2007. Análise Sociológica A imagem aqui apresentada nos remete a um ponto que historicamente desper- ta o debate nas mais diversas sociedades: o dos vícios e das compulsões. Frequentemente, acompanhamos nos meios de comunicação campanhas de combate ao uso de drogas, principalmente aquelas que mais facilmente podem 19 UNIDADE Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual conduzir a quadros de dependência como é o caso dos derivados de coca. Usuários da droga costumam valer-se de canudos para aspirá-la transformada em pó. A imagem que aqui vemos faz uma alusão a essa prática, no entanto, em lugar da tradicional “carreira de pó” (nome popular dado a fileiras formadas com cocaí- na), vemos uma peça de vestuário feminino, de cor branca. Análise Psicológica É interessante observar que a peça publicitária foi direcionada ao público jovem, urbano, consumidor de moda e que se relaciona com mídias como o cinema, a televisão e a internet. É provável que o discurso de fundo neste caso não seja uma apologia às drogas ou ao consumismo, mas sim uma reflexão a respeito de uma possível associação entre ambos como algo que possa levar à dependência. Certamente trata-se de uma campanha bastante ousada, já que a imagem pode, em um primeiro momento, esbarrar em preconceitos que conduziriam o consumidor a rejeitar o produto em lugar de refletir a respeito do discurso por trás da imagem. É difícil intuir o resultado que se espera de uma peça polêmica quanto essa. Ela faz uso de elementos que claramente associam o produto a uma experiência que tanto pode ser vista como libertadora, quanto opressora. Análise Formal Vemos duas jovens vestidas com trajes de festa, debruçadas sobre uma mesa onde se estende uma peça de roupa branca (provavelmente um vestido sem mangas). Por meio de um canudo, uma delas cheira a peça de roupa enquan- to a outra olha na direção da câmera com uma expressão vazia (como que se estivesse em um efeito alterado de consciência). Uma clara alusão ao consumo de cocaína. O fundo escuro se mistura com a superfície da mesa. As jovens têm pele clara e usam uma maquiagem escura em torno dos olhos, o que acentua o aspecto de aparentemente drogadas. No meio da imagem observa-se o nome da marca “Sisley”. Análise da Informação A mensagem aqui é direcionada a um público consumidor de moda. Ao estabelecer um paralelo entre a roupa e o consumo de drogas, a mensagem da marca é a de que a moda pode se tornar um vício. 20 21 Análise Interpretativa A droga utilizada por muitos com intenções recreativas pode gerar um bem-estar imediato que um viciado procurará repetir até a exaustão. A partir do exposto, podemos concluir que a principal mensagem do anúncio é a de que a moda vicia, porém, enquanto a experiência proporcionada pelas drogas possa ser tão passageira, porém com consequências ruins, o contato com a moda pode ser mais duradouro e positivo. No entanto, para que o espectador chegue a essa conclusão, é preciso libertar-se de preconceitos e, com “bom humor” e acuidade perceptiva, para realizar tal leitura. É interessante observar que a marca sepermitiu expor ao risco de ser associada a esse lado devastador. Porém, no meio publicitário, a polêmica pode favorecer discussões mais aprofundadas como as aqui apontadas a respeito do consumo de moda e sobre como nossa sociedade pode lidar com o vício de um consumismo sem limites. Cabe aqui resgatar a ideia de primeiridade, secundidade e terceiridade, estuda- das na abordagem Semiótica. Cada nível de interpretação lhe permitirá abordar o mote da campanha por uma perspectiva distinta da outra: desde o estranhamento do primeiro contato com a imagem, a identificação racional dos signos que a cons- tituem, chegando até a interpretação dos significados. Análises Híbridas Conforme estudamos desde o início desta disciplina, as metodologias podem contribuir para ampliar nosso conhecimento para um estudo mais profundo das imagens. Verificamos que, de acordo com os seus princípios teóricos, as diferen- tes propostas metodológicas tendem a privilegiar determinados aspectos de uma imagem, porém, se somados, esses diferentes olhares podem no conduzir a uma rede de elementos que instigam o pensamento crítico e analítico das imagens que nos cercam. Para concluirmos esta unidade, vamos apresentar duas análises de imagem que mesclam diferentes elementos de metodologias e teorias distintas. As duas últimas análises referem-se a dois exemplos de imagens que estão inseridas em nossa Cultura Visual: a primeira é uma publicidade de moda, da marca francesa Marithé et François Girbaud; a segunda é uma capa da revista Superinteressante. Ambas imagens nos levam à reflexão sobre temas relaciona- dos ao universo feminino, tão polêmicos e pertinentes nos dias de hoje. Veremos que estas análises são híbridas, mesclando elementos provenientes da Semiótica, da Iconologia, da Gestalt, da Fenomenologia e do Estruturalismo. 21 UNIDADE Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual Análise Híbrida – Campanha Publicitária Contexto Em 2002, a marca francesa Marithé et François Girbaud veiculou em uma de suas campanhas uma imagem (Figura 5) que claramente faz uma alusão “A Última Ceia” de Leonardo da Vinci (Figura 6). Por ter sido considerada pelo público fran- cês como ofensiva, teve sua veiculação proibida na França. Figura 5 – Campanha publicitária da marca de roupas francesa Marithé et François Girbaud, 2002 Fonte: Divulgação Figura 6 – Leonardo Da Vinci, A Última Ceia, 1495-98 Fonte: Wikimedia Commons Composição e simbolismo A imagem apresenta uma composição clássica do Renascimento italiano: privi- legia a horizontalidade, distribuindo simetricamente os elementos ao longo de um eixo central. O centro perceptivo da imagem (ponto de maior atenção visual) recai na figura da jovem de longos cabelos, posicionada ao centro da imagem (Figura 7). Ela traz 22 23 as mãos voltadas para cima, numa posição muito associada às orações, ao ato de receber uma inspiração divina ou ainda de entrega a Deus. Seu olhar cabisbaixo nos remete à ideia de humildade e serenidade. O cabelo longo e a pele clara tam- bém nos remete a representações tradicionais de Jesus Cristo, em particular a de Leonardo da Vinci (Figura 6). Figura 7 – Estudo da composição Observe a jovem posicionada no centro da imagem e como as demais fi guras se distribuem simetricamente ao longo da mesa. Assim como na obra de Da Vinci, a figura central está isolada. Convém observar que há um espaço entre ela e os outros dois grupos que a cercam. Esses dois gru- pos de personagens por sua vez estão tão próxi- mos que é difícil identificar espaços vazios entre eles. A composição foi construída de maneira que não consigamos separar cada um desses personagens. Isolados eles perdem o sentido. Embora sejam dois grupos, é clara a relação e a referência à composição de Da Vinci, a qual é estruturada por 4 grupos de 3 apóstolos. A única figura menos vestida é também o único homem da foto. Notem que ele também é o único de costas para o observador. Não vemos seu rosto. Poderíamos diante disso entendê-lo como um “não pessoa”, um objeto, um pedaço de carne (já que tem sua “carne” exposta), sem rosto, sem identidade. Seria isso uma crítica a maneira como as mulheres são retratadas pela publicidade de moda? Seria isso uma alusão à necessidade de se reverter o machismo e colo- car a mulher como figura central? Figura 8 – Detalhe: única fi gura masculina presente na imagem, posicionada de costas 23 UNIDADE Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual Fazendo a conexão com a imagem clássica que claramente a peça publicitária tenta referenciar, os papéis de gênero se inverteram. Os “apóstolos” dessa imagem são mulheres e o homem faz o papel de Maria Madalena. Nesse mesmo recorte, vemos a imagem da única personagem da cena que olha diretamente para o observador. Seria possível estabelecer um diálogo com essa personagem? Seria ela a nossa ponte para com a cena? Atente que ela é a única que segura uma bolsa. Quem mais nesse contexto carregaria uma bolsa que não o próprio Judas que acabara de vender Cristo? Se apenas Judas se conecta com o expectador, em que lugar a imagem nos coloca enquanto observador? Seria Judas nosso único ponto de conexão com o quadro da Santa Ceia da moda? Figura 9 – Detalhe: mão com pomba Outro ponto interessante da composição é o que se passa “sob a mesa”. Note que não há uma coerência entre a quantidade de personagens e as “pernas” dispo- níveis. Não há banco, embora muitas delas pareçam estar sentadas. E já no canto direito, há uma pomba. Podemos aludir aqui a duas possíveis conexões simbólicas, a pomba da paz ou, a mais provável, o “Espírito Santo”. Colocar qualquer um desses símbolos “debaixo da mesa” lhes atribui um caráter inferior a todo o resto da composição. Seria um indicativo de presença, mesmo que furtiva, ou um claro rebaixamento da figura? A moda, o observador, a marca Como poderíamos avaliar a imagem veiculada pela marca? Trata-se de uma peça publicitária que vem utilizar instrumentos diversos para despertar o interesse do consumidor pela marca. A imagem referência, a Santa Ceia, é tão presente na cultura ocidental que os consumidores poderiam se sentir diretamente atraídos pela imagem, seja de que forma fosse, aprovando-a ou não. Há uma ligação forte entre a imagem e o espectador, isso é inegável. Dessa forma, a polêmica era certa e aí nos questionamos se os resultados da apreensão poderiam ser previstos e controlados. O resultado obtido, ao menos na 24 25 França, foi que os cristãos se sentiram ofendidos por algo tão mundano, superficial e materialista como a moda subverter a proposição sacra da Santa Ceia. Ao mesmo tempo, se avaliada despida de preconceitos, podemos inferir algumas discussões que essa imagem levanta. Questões de gênero, a posição da religião na vida das pessoas, a relação da devoção ao Cristianismo e a devoção a moda ou a simples vontade de provocar. Apenas com a imagem e o histórico da marca é impossível afirmar sua intenção, mas é possível identificar esses pontos para a discussão. Análise Híbrida – Capa de Revista Contexto A imagem em questão foi a capa de uma revista de circulação nacional, a Superinteressante, publicada mensalmente pela Editora Abril desde setembro de 1987. A imagem da capa se refere a uma das matérias publicadas na edição de número 349, que tinha como tema o estupro de mulheres e como é tratado no Brasil. Figura 10 – Revista Superinteressante - Edição 349 - Julho de 2015 Fonte: Divulgação Composição e simbolismo A capa usa uma composição clássica aplicada aos retratos, colocando o elemen- to principal centralizado em uma estrutura triangular, conforme podemos ver no esquema gráfico (Figura 11). Protagonizando a composição, temos uma mulher, jovem, com os cabelos aver- melhados, olhando fixamente para frente (na direção de um horizonte indefinido), um olhar assustado. Ela é o único ponto de fato iluminado da capa da revista. Em torno dela, mãos masculinastensionadas se aproximam de seu corpo tentando 25 UNIDADE Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual tocá-la por todos os lados. Uma mão puxa-lhe os cabelos, a outra apalpa o seio es- querdo, outra vai em direção ao pescoço, outra segura-lhe fortemente o colarinho da blusa, dando-nos a clara sensação de que a jovem será despida, provavelmente sem o seu consentimento. Seu olhar fixo e o tônus corporal captados pela fotogra- fia nos mostram que ela está paralisada diante do ataque. Analisando a escolha da modelo que ilustra a capa, podemos elencar uma série de elementos que funcionam como índices de uma situação: a imagem feminina da juventude ali exposta é de grande fragilidade e impotência. Seu cabelo é vermelho, ela usa uma franja, seu rosto é sardento, sua boca carnuda e de batom vermelho, sua roupa (uma camisa) faz referência ao que ainda povoa nosso imaginário como “uniforme de colégio” (reforça a ideia de que é muito jovem, inexperiente e indefesa). Todos esses elementos aí reunidos nos fazem oscilar entre uma jovem ou uma ado- lescente. Só isso já lhe atribui, instintivamente, um ar de fragilidade, de desproteção. Figura 11 – Análise da composição onde se observa o elemento central posicionado em uma estrutura triangular, destacada ainda pela maior concentração de luminosidade Figura 12 – Hierarquia de leitura dos elementos textuais Outro elemento importante nessa capa é o conteúdo verbal ali presente e como é apresentado. Verificamos uma hierarquia de informações, que por sua vez geram uma linha de leitura: a primeira palavra, de mais peso, usada em fonte de corpo maior é a palavra “estupro”. Se trocarmos essa palavra por “pesadelo”, “ameaça”, “sequestro”, “pedofilia” ou qualquer outra situação de tensão que possa ocorrer com uma jovem, a imagem descrita anteriormente muda de sentido. Ou seja, sem o auxílio de informação verbal ali presente, a associação feita à imagem fica mais solta e mais aberta. Por tratar-se de uma capa de revista, a imagem ilustra uma reportagem e seu objetivo é provocar a curiosidade do leitor, levando-o a adquirir a revista e ler o conteúdo. Assim, a associação entre imagem e texto é aqui de suma importância. 26 27 A leitura segue pela página e é conduzida pelo peso visual do texto. Mesmo que tradicionalmente leiamos em formato de “z”, da direita para a esquerda e de cima para baixo, o peso visual da palavra “estupro” chama a nossa atenção. Em seguida, lemos o texto em zig-zag acima: “o mais acobertado dos crimes”. A opção por construir esse texto de forma irregular, ladeando a imagem, nos remete à ideia de “envolver”. O texto, assim como as mãos masculinas, envolve a garota. Não é cla- ro, linear, nem direto, ele paira em torno dela numa clara alusão à maneira como o estupro se dá em nossa sociedade. A escolha da iluminação traz para a imagem o mesmo ar de enevoamento, talvez uma luz artificial, noturna, como a luz de um poste no meio de uma rua escura, onde nosso imaginário poderia nos conduzir a uma associação com situ- ações de perigo. Estamos à noite, isso é claro, justamente porque “é a hora” em que os estupros ocorrem. A capa constrói uma aura que o senso comum acredita estar ligada ao es- tupro: a vítima jovem de batom avermelhado, o ambiente escuro, cabelos e roupas também joviais, a sensação de paralisia ante ao perigo, à violência. O fora de quadro A capa tem a clara função de nos instigar a ler a reportagem no interior da revis- ta. Além do texto, a reportagem traz uma série de imagens que fazem alusão a um comportamento muito comum em nossa sociedade quando o assunto é o estupro. Leia a reportagem na íntegra, compare com a imagem, refl ita e tire as suas próprias conclu- sões a respeito do discurso apresentado pela imagem da capa e aquele presente no texto. HUECK, Karin. Como silenciamos o estupro. Disponível em: https://goo.gl/gqcGKR Ex pl or Outras Possibilidades de Leitura – Roteiros... Como já comentamos anteriormente, com o intuito de aprofundar as nossas leituras, é possível associar pontos de vista de diferentes metodologias. Assim, para finalizar este nosso estudo, compartilho duas propostas de roteiros para análises das imagens apresentadas. Ver, compreender e analisar as imagens O primeiro roteiro de análise está construído a partir da proposta de Laurent Gervereau (2004), publicada em seu livro Ver, compreender e analisar as imagens. Para esse autor, a análise de imagens deve passar por três etapas básicas: a primeira delas tem um caráter descritivo, a segunda um estudo do contexto e a terceira e mais conclusiva, envolve a interpretação. 27 UNIDADE Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual Embora o estudo de Laurent Gervereau tenha sido direcionado à análise de obras de arte, entendo que sua proposta pode ser adaptada e direcionada a outros tipos de imagens. Para facilitar a compreensão, elaboramos um quadro contendo uma síntese do que o autor denominou “grelha de análise”. Veja a seguir como ele subdivide cada uma das etapas: Quadro 1 - grelha de análise SÍNTESE DA GRELHA DE DESCRIÇÃO Técnica – Nome do(s) emissor(es). – Modo de identificação do(s) emissor(es). – Data de produção. – Tipo de suporte e técnica. – Formato. – Localização (onde a obra está). Estilística – Cores e predominância. – Tratamento de volume e intensidade do volume. – Organização icônica. Temática – Título e relação texto-imagem. – Inventário dos elementos apresentados. – Símbolos. – Temáticas de conjunto. SINTESE DA GRELHA DE ESTUDO DO CONTEXTO Contexto a Montante – Em que meio técnico, estilístico, temático tem origem a imagem. – Quem realizou e que relação existe entre a obra e sua história pessoal. – Quem encomendou a obra e qual a sua relação com a história da sociedade de então? Contexto a Jusante – Como foi a difusão da obra à época de sua criação? E posteriormente? – O que se sabe acerca de sua recepção ao longo de sua existência? SÍNTESE DA GRELHA DE INTERPRETAÇÃO Significações Iniciais, Significações Posteriores – Relação (ou não) entre a mensagem pretendida pelo artista e o título. – A interpretação do próprio artista e de seus contemporâneos. – Resultados das análises realizadas posteriormente. Balanço e Apreciações Pessoais – A somatória dos dados obtidos a partir dos estudos descritivos, de contextualização e das diferentes interpretações realizadas acerca do objeto ao longo do tempo. – Como vemos a imagem hoje. – Interpretações subjetivas acerca da imagem. Fonte: Elaborado pela autora 28 29 Uma proposta metodológica para a análise de fotografi as Considerando a relevância de metodologias como as com ênfase em aspectos biográficos do autor, aspectos históricos, sociológicos, os estudos da Semiótica etc., mas sem eleger definitivamente nenhuma delas, Javier Marzal Felici propõe uma estrutura de análise que mescla diferentes abordagens. Felici (2009, p.173-229) divide a análise em quatro níveis: o contextual, o mor- fológico, o compositivo, o enunciativo e, por último, chegamos à interpretação da imagem fotográfica. Quadro 2 – Roteiro para análise de imagens fotográfi cas 1. Nível Contextual Dados Gerais • Título; • Autor; • Nacionalidade; • Ano; • Procedência da imagem; • Gênero; • Movimento. Parâmetros técnicos • P/b ou Cor; • Formato; • Câmera; • Suporte; • Objetivo; • Outras informações. Dados biográficos e críticos • Fatos relacionados à biografia do autor (incluindo comentários críticos). 2. Nível morfológico Descrição do motivo da fotografia Elementos morfológicos • Ponto; • Linha; • Planos (espaço); • Escala; • Forma; • Textura; • Nitidez da imagem; • Iluminação; • Contraste; • Tonalidade / p/b / cor; • Outros. Reflexão geral 3. Nível compositivo Sistema compositivo • Perspectiva; • Ritmo; • Tensão; • Proporção; • Profundidade; • Distribuição de pesos; • Lei dos terços; • Ordem icônica; • Estaticidade/dinâmica; • Pose; • Outros. 29 UNIDADE Estudos de Caso: Leiturasde Imagens contatos com Cultura Visual 3. Nível compositivo Espaço da representação • Campo/fora do campo; • Aberto/fechado; • Interior/exterior; • Concreto/abstrato; • Profundidade/ plano; • Habitabilidade; • Posição na cena; • Outros. Tempo da representação • Instantaneidade; • Duração; • Atemporalidade; • Tempo simbólico; • Tempo subjetivo; • Sequencialidade/narratividade; • Outros. Reflexão geral 4. Nível enunciativo Articulação do ponto de vista • Ponto de vista físico; • Atualidade dos personagens; • Qualificadores; • Transparência/verossimilhança; • Marcas textuais; • Olhar dos personagens; • Relações intertextuais; • Outros. Interpretação global do texto fotográfico. Fonte: Adaptado de FELICI (2009) Fechando o discurso Muito bem, chegamos ao fim de mais uma unidade desta disciplina. Desta vez, a ideia foi oferecer a você diferentes possibilidades de leituras e aná- lises de imagens e, pela diversidade de exemplos, aproximá-las do universo da Cultura Visual. Observe que tanto Gervereau quanto Felici estruturam suas propostas de leitura de imagens a partir de um movimento que aos poucos aproxima o leitor do seu objeto de estudo: inicialmente o contato se dá a partir de elementos mais objeti- vos como aspectos técnicos e contextuais, passando a questões mais técnicas e formais, e, gradativamente, nos dirigimos a aspectos mais subjetivos, portanto, ligados à interpretação desse objeto (imagem). Veja, ainda, que as diferentes possibilidades metodológicas nos trazem um signi- ficativo embasamento teórico para que a nossa interpretação das imagens ocorra de modo estruturado e racional, por mais poético que seja o nosso objeto de es- tudo. Afinal, “eu acho que” não condiz com o discurso de um profissional, certo? Espero que a experiência tenha sido bastante produtiva, enriquecedora e que assim possa ter ampliado o seu repertório teórico acerca do estudo crítico do uni- verso das imagens. 30 31 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Analisis fotográfica https://goo.gl/N2nYCb Livros História da arte GOMBRICH, E.H. História da arte. Rio de Janeiro: Guanabara: 1978. Significado nas artes visuais PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. Ed. Perspectiva, São Paulo, 1964. Filmes A Vida Secreta de Walter Mitty A Vida Secreta de Walter Mitty (Dir.: Ben Stiller, 2013, EUA) Nascidos em Bordéis Nascidos em Bordéis (Dir.: Zana Briski, 2006, EUA) Leitura Metabiótica https://goo.gl/5WhtHR O Sétimo Selo https://goo.gl/igk1FC Revista Superinteressante https://goo.gl/gqcGKR Cómo se lee una fotografía: interpretaciones de la mirada https://goo.gl/4Hi1A6 31 UNIDADE Estudos de Caso: Leituras de Imagens contatos com Cultura Visual Referências ARGAN, G. C.; FAGIOLO, M. Guia de História da Arte. Lisboa: Editorial Estam- pa, 1994. AUMONT, J. A imagem. Campinas: Papirus, 2011 COSTELLA, A. F. Para apreciar a arte: Roteiro Didático. 3. ed. São Paulo: Se- nac, 2002. FARTHING, S. Tudo sobre Arte. Rio de Janeiro. Editora Sextante, 2010. FELICI, Javier Marzal. Cómo se lee una fotografía: interpretaciones de la mirada. Madrid: Cátedra, 2009. GERVEREAU, L. Ver, compreender e analisar as imagens. Portugal: Edições 70, 2007. HACKING, Juliet (ed.) Tudo sobre fotografia. Rio de Janeiro: Sextante, 2012 HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de tra- balho. Porto Alegre: Artmed, 2000. JOLY, M. Introdução a análise da Imagem. 9. ed. Campinas: Papirus, 2005. SARDELICH, Maria Emília. Leitura de imagens, cultura visual e prática educativa. In: Cadernos de Pesquisa, v. 36, n. 128, p. 451-472. mai/ago. 2006. Disponí- vel em: http://www.scielo.br/pdf/cp/v36n128/v36n128a09.pdf. Acesso em: 27 ou7. 2018. SÉRVIO, Pablo Petit Passos. O que estudam os estudos de cultura visual? In: Re- vista Digital do LAV - Santa Maria - vol. 7, n.2, p. 196-215 - mai./ago.2014. TREVISAN, A. Como Apreciar a Arte: Do Saber ao Sabor: Uma Síntese Possí- vel. 3. ed. Porto Alegre: Age, 2002. VIÑUALES, Jesús. El comentário de La obra de arte. Espanha: UND, 1986. 32
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