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1 Khilver Doanne Sousa Soares Síndromes Cerebelares Problema 10; 5º período; “Tristeza que quase matou”; 1. Revisar a anatomia do cerebelo; 2. Compreender a fisiopatologia da síndrome cerebelar; 3. Entender as manifestações clínicas da patologia. O cerebelo, segunda maior estrutura encefálica (perdendo apenas para o telencéfalo [cérebro]), ocupa as regiões inferior e posterior da cavidade craniana. Assim como o telencéfalo (cérebro), o cerebelo tem uma superfície com vários giros que aumenta muito a área do córtex (substância cinzenta), permitindo a presença de um número maior de neurônios. Ele é responsável por cerca de um décimo da massa encefálica, embora contenha quase a metade dos neurônios de todo o encéfalo. O cerebelo se localiza posteriormente ao bulbo e à ponte e inferiormente à parte posterior do telencéfalo (cérebro). Um grande sulco conhecido como fissura transversa do cérebro, junto com o tentório do cerebelo – que sustenta a parte posterior do telencéfalo (cérebro) – separa o cerebelo do telencéfalo (cérebro). Nas vistas superior e inferior, o cerebelo tem um formato que lembra o de uma borboleta. A área central menor é conhecida como verme do cerebelo, e as “asas” ou lobos laterais, como hemisférios do cerebelo. Cada hemisfério é composto por lobos separados por profundas e distintas fissuras. Os lobos anterior e posterior controlam aspectos subconscientes dos movimentos da musculatura esquelética. O lobo floculonodular da parte inferior contribui com o equilíbrio. A camada superficial do cerebelo, chamada de córtex do cerebelo, é formada por substância cinzenta disposta em uma série de dobras finas e paralelas conhecidas como folhas do cerebelo. Abaixo da substância cinzenta encontram-se tratos de substância branca chamados de árvore da vida, que se assemelham a galhos de uma árvore. Na substância branca estão localizados os núcleos do cerebelo, regiões de substância cinzenta onde se situam os neurônios que conduzem impulsos nervosos do cerebelo para outros centros encefálicos. Três pares de pedúnculos cerebelares conectam o cerebelo com o tronco encefálico Estes feixes de substância branca são compostos por axônios que conduzem impulsos entre o cerebelo e outras partes do encéfalo. Os pedúnculos cerebelares superiores contêm axônios que se estendem do cerebelo para o núcleo rubro e vários núcleos talâmicos. Os pedúnculos cerebelares médios são os maiores; seus axônios transmitem impulsos para movimentos voluntários dos núcleos pontinos (que recebem informações de áreas motoras do córtex cerebral) em direção ao cerebelo. Os pedúnculos cerebelares inferiores são formados por (1) axônios dos tratos espinocerebelares que trazem informações sensitivas procedentes de proprioceptores no tronco e nos membros; (2) axônios do aparelho vestibular e dos núcleos vestibulares do bulbo que trazem informações de proprioceptores da cabeça; (3) axônios do núcleo olivar inferior que entram no cerebelo e regulam a atividade dos neurônios cerebelares; (4) axônios que se projetam do cerebelo para os núcleos vestibulares do bulbo e da ponte; e (5) axônios que se estendem do cerebelo até a formação reticular. A função primária do cerebelo é avaliar como os movimentos iniciados nas áreas motoras do telencéfalo (cérebro) estão sendo executados. Quando estes movimentos não estão sendo executados corretamente, o cerebelo corrige estas discrepâncias. A seguir, ele envia sinais de retroalimentação para áreas motoras do córtex cerebral por meio de conexões com o tálamo. 2 Khilver Doanne Sousa Soares Estes sinais ajudam a corrigir os erros, tornam os movimentos mais naturais e coordenam sequências complexas de contrações da musculatura esquelética. Além da coordenação de movimentos complexos, o cerebelo é a principal região encefálica que controla a postura e o equilíbrio. Estes aspectos da função cerebelar permitem a execução de várias atividades musculares específicas, desde pegar uma bola de beisebol até dançar e falar. A presença de conexões recíprocas com áreas associativas do córtex cerebral sugere que o cerebelo também possa exercer funções não motoras, como a cognição (aquisição de conhecimento) e o processamento da linguagem. Esta teoria é fundamentada por exames de imagem utilizando RM e TEP (tomografia por emissão de pósitrons; em inglês, PET). Alguns estudos também sugerem que o cerebelo tenha um papel no processamento de informações sensitivas. Fonte: TORTORA, Gerard J.; DERRICKSON, Bryan. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. 3 Khilver Doanne Sousa Soares Vias Aferentes da Periferia. O cerebelo também recebe importantes sinais sensoriais, diretamente, das partes periféricas do corpo, em grande parte, por meio de quatro tratos de cada lado da medula espinal, dois dos quais têm localização dorsal e dois ventrais. Os dois tratos mais importantes: o trato espinocerebelar dorsal e o trato espinocerebelar ventral. O trato dorsal chega ao cerebelo pelo pedúnculo cerebelar inferior e termina no verme e na zona intermediária do cerebelo, no mesmo lado de sua origem. O trato ventral entra no cerebelo pelo pedúnculo cerebelar superior, mas termina em ambos os lados do cerebelo. Os sinais transmitidos pelos tratos espinocerebelares dorsais vêm principalmente dos fusos musculares e, em menor grau, de outros receptores somáticos, em todo o corpo, como os órgãos tendinosos de Golgi, grandes receptores táteis da pele e receptores articulares. Todos esses sinais notificam o cerebelo sobre as condições momentâneas: (1) da contração muscular; (2) do grau de tensão sobre os tendões musculares; (3) das posições e velocidades de movimento das diferentes partes do corpo; e (4) das forças que agem sobre a superfície do corpo. Os tratos espinocerebelares ventrais recebem muito menos informações dos receptores periféricos. Em vez disso, eles são excitados, principalmente, por sinais motores que chegam aos cornos anteriores da medula espinal vindos (1) do encéfalo pelos tratos corticoespinal e rubroespinal; e (2) dos geradores de padrão motor interno, na própria medula. Desse modo, essa via ventral de fibras diz ao cerebelo quais sinais motores chegaram aos cornos anteriores; essa informação, levada ao cerebelo, é chamada cópia de eferência, ou seja, de todo o comando exercido, sobre o corno anterior da medula espinal. Fonte: GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. Tratos espinocerebelares. Sinais Eferentes Cerebelares Núcleos Cerebelares Profundos e Vias Eferentes. Localizados profundamente na massa cerebelar, a cada lado, estão três núcleos cerebelares profundos — o denteado, o interpósito e o fastígio (os núcleos vestibulares no bulbo também funcionam, em alguns aspectos, como se fossem núcleos cerebelares profundos, devido às suas conexões diretas com o córtex do lobo floculonodular). Todos os núcleos cerebelares profundos recebem sinais de duas fontes: (1) do córtex cerebelar; e (2) dos tratos sensoriais profundos aferentes para o cerebelo. Cada vez em que o sinal chega ao cerebelo, ele se divide e segue em duas direções: (1) diretamente, para um dos núcleos profundos cerebelares; e (2) para a área correspondente do córtex cerebelar, que recobre o núcleo profundo. Depois, na fração de segundo mais tarde, o córtex cerebelar retransmite sinal de saída inibitório, para o núcleo profundo. Desse modo, todos os sinais de entrada para o cerebelo, finalmente, terminam nos núcleos profundos, sob a forma de 4 Khilver Doanne Sousa Soares sinais excitatórios iniciais seguidos, a fração de segundo mais tarde, por sinais inibitórios. Dos núcleos profundos, os sinais de saída partem do cerebelo e são distribuídos para outras partes do sistema nervoso central. O plano geral das grandes vias eferentes que levam ossinais efetores do cerebelo consiste no seguinte: 1. A via que se origina nas estruturas medianas do cerebelo (o verme) e, depois, passa pelos núcleos fastígios dirige-se para as regiões bulbares e pontinas do tronco encefálico. Esse circuito funciona em íntima associação às estruturas envolvidas com o equilíbrio e com os núcleos vestibulares do tronco encefálico, para controlar o equilíbrio, e, também, em associação à formação reticular do tronco encefálico, para controlar as atitudes posturais do corpo; 2. A via que se origina em: (1) a zona intermediária do hemisfério cerebelar e depois passa pelo (2) núcleo interpósito para (3) os núcleos ventrolateral e ventroanterior do tálamo e, então, para (4) o córtex cerebral, para (5) várias estruturas da linha média do tálamo e em seguida para (6) os núcleos da base e (7) o núcleo rubro e a formação reticular da parte alta do tronco encefálico. Esse circuito complexo ajuda principalmente a coordenar, em especial, as contrações recíprocas de músculos agonistas e antagonistas nas partes periféricas das extremidades particularmente nas mãos, dedos e polegares; 3. A via começa no córtex cerebelar, da zona lateral do hemisfério cerebelar e, então, passa para o núcleo denteado, a seguir para os núcleos ventrolateral e ventroanterior do tálamo e, finalmente, para o córtex cerebral. Essa via desempenha papel importante de ajudar a coordenar atividades motoras sequenciais, iniciadas pelo córtex cerebral. Fonte: GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. Principais tratos eferentes do cerebelo. Unidade Funcional do Córtex Cerebelar — As Células de Purkinje e as Células Nucleares Profundas Essa unidade funcional é centralizada em célula única de Purkinje, muito grande, e em célula nuclear profunda, correspondente. Serão mostradas as três grandes camadas do córtex cerebelar: a camada molecular, a camada de células de Purkinje e a camada de células granulosas. Abaixo dessas camadas corticais, no centro da massa cerebelar, estão os núcleos cerebelares profundos que enviam sinais de saída para outras partes do sistema nervoso. Fonte: GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. As células nucleares profundas recebem aferências excitatórias e 5 Khilver Doanne Sousa Soares inibitórias. O lado esquerdo dessa figura mostra o circuito neuronal básico do cerebelo, com neurônios excitatórios mostrados em vermelho, e a célula de Purkinje (um neurônio inibitório) mostrada em preto. À direita, evidencia-se a relação física dos núcleos cerebelares profundos com o córtex cerebelar e suas três camadas. Circuito Neuronal da Unidade Funcional. É mostrado, na metade esquerda da figura acima, o circuito neuronal da unidade funcional, que é repetido, com pouca variação, 30 milhões de vezes no cerebelo. A saída da unidade funcional se dá por célula nuclear profunda. Essa célula está continuamente sob influências excitatórias e inibitórias. As influências excitatórias se originam de conexões diretas com fibras aferentes que entram no cerebelo vindas do sistema nervoso central ou da periferia. A influência inibitória se origina, inteiramente, da célula de Purkinje, no córtex cerebelar. As aferências para o cerebelo são, em grande parte, de dois tipos de fibras, as fibras trepadoras e as fibras musgosas. As fibras trepadoras se originam, todas, das olivas inferiores do bulbo. Existe uma fibra trepadora para cerca de 5 a 10 células de Purkinje. Depois de enviar ramos, para várias células nucleares profundas, a fibra trepadora continua por todo o trajeto, até as camadas externas do córtex cerebelar, onde faz cerca de 300 sinapses com o corpo celular e os dendritos de cada célula de Purkinje. Essa fibra trepadora se distingue pelo fato de que um só impulso nela sempre causará, em cada célula de Purkinje, um único potencial de ação peculiar, característico e prolongado (até 1 segundo), começando por grande potencial de ação seguido por série de potenciais em ponta secundários, mais fracos. Esse potencial de ação característico é chamado espícula complexa. As fibras musgosas são todas as outras fibras que entram no cerebelo, originadas, todavia, de múltiplas fontes: de porções prosencefálicas, do tronco cerebral e da medula espinal. Essas fibras também enviam colaterais para excitar as células nucleares profundas. Depois, prosseguem para a camada das células granulosas do córtex, onde fazem sinapses com centenas a milhares de células granulosas. Por sua vez, as células granulosas enviam axônios muito delgados, com menos de 1 micrômetro de diâmetro, até a camada molecular, na superfície externa do córtex cerebelar. Aí, os axônios se dividem em dois ramos que se estendem por 1 a 2 milímetros em cada direção paralelamente às folhas. Há muitos milhões dessas fibras nervosas paralelas por existirem em torno de 500 a 1.000 células granulosas, para cada célula de Purkinje. É para essa camada molecular que os dendritos das células de Purkinje se projetam, e 80.000 a 200.000 fibras paralelas fazem sinapse com cada célula de Purkinje. A aferência da fibra musgosa para a célula de Purkinje é bem diferente da aferência de fibra trepadora, porque as conexões sinápticas são fracas; por isso, grande número de fibras musgosas precisa ser estimulado, simultaneamente, para excitar a célula de Purkinje. Além disso, a ativação, em geral, assume a forma de potencial de ação da célula de Purkinje, com curta duração e muito mais fraco, a chamada espícula simples, diferente do potencial de ação complexo e prolongado, causado pela aferência da fibra trepadora. Característica das células de Purkinje e das células nucleares profundas é que, normalmente, ambas disparam de maneira contínua; a célula de Purkinje dispara cerca de 50 a 100 potenciais de ação por segundo, e as células nucleares profundas em frequências muito mais altas. Além disso, a atividade eferente de ambas as células pode ser modulada, tanto positiva, como negativamente. A estimulação direta das células nucleares profundas, pelas fibras trepadoras e musgosas provoca a excitação do circuito. Ao contrário, sinais que chegam das células de Purkinje as inibem. Em geral, o equilíbrio entre esses dois efeitos é levemente favorável à excitação, de modo que, sob condições de repouso, a eferência da célula nuclear profunda continua 6 Khilver Doanne Sousa Soares relativamente constante em nível moderado de excitação contínua. Na execução de movimento motor rápido, o sinal iniciador do córtex motor cerebral ou do tronco encefálico, a princípio, aumenta muito a excitação das células nucleares profundas. Depois, alguns milissegundos mais tarde, chegam sinais inibitórios de feedback, provenientes do circuito das células de Purkinje. Desse modo, ocorre primeiro um sinal de excitação rápida, enviado pelas células nucleares profundas, para a via eferente motora de modo a aumentar o movimento, seguido por sinal inibitório em pequena fração de segundo. Esse sinal inibitório se assemelha ao sinal de feedback negativo de “circuito de retardo”, do tipo que é eficaz para produzir amortecimento. Isso significa que, quando o sistema motor está excitado, ocorre sinal de feedback negativo, após curto retardo, para impedir que o movimento muscular ultrapasse a dimensão programada. Se assim não fosse, ocorreria oscilação do movimento. Sinais Eferentes do Tipo Liga/Desliga e Desliga/Liga do Cerebelo. A função típica do cerebelo é ajudar a emitir sinais rápidos de ligar para os músculos agonistas e sinais de desligar recíprocos, simultâneos, para os músculos antagonistas, no início de um movimento. Depois, quando se aproxima o término do movimento, o cerebelo é responsável, principalmente, por dar o ritmo e executar sinais de desligar para os agonistas e de ligar paraos antagonistas. Suponhamos que o padrão de liga/desliga de contração de agonistas/antagonistas, no início do movimento, comece com sinais do córtex cerebral. Esses sinais passam por vias não cerebelares do tronco cerebral e da medula espinal indo diretamente para o músculo agonista, a fim de começar a contração. Ao mesmo tempo, sinais paralelos são enviados, por meio das fibras musgosas da ponte, para o cerebelo. Um ramo de cada fibra musgosa vai diretamente para células nucleares profundas, no núcleo denteado ou em outros núcleos cerebelares profundos, que, instantaneamente, enviam um sinal excitatório de volta para o sistema motor corticoespinal cerebral, seja por meio de sinais de retorno pelo tálamo para o córtex cerebral ou por meio de circuito neuronal, no tronco encefálico, para sustentar o sinal de contração muscular que já tinha sido começado pelo córtex cerebral. Como consequência, o sinal de ligar, depois de alguns milissegundos, fica ainda mais potente do que era no início, pois passa a ser de soma de sinais corticais e cerebelares. Esse é o efeito normal quando o cerebelo está intacto, mas na ausência do cerebelo falta o sinal de suporte secundário extra. Esse suporte cerebelar faz a contração do músculo de ligação ficar muito mais forte do que ficaria se o cerebelo não existisse. Agora, o que causa o sinal de desligar para os músculos agonistas, ao término do movimento? Lembre-se de que todas as fibras musgosas têm um segundo ramo que transmite sinais, por meio das células granulosas, para o córtex cerebelar e, por fim, por meio de fibras “paralelas” para as células de Purkinje. As células de Purkinje, por sua vez, inibem as células nucleares profundas. Essa via é constituída por algumas das menores fibras nervosas de condução mais lenta no sistema nervoso, isto é, as fibras paralelas da camada molecular cortical cerebelar, com diâmetros de apenas fração de milímetro. Igualmente, os sinais dessas fibras são fracos e, assim, exigem período finito para acumular excitação suficiente nos dendritos da célula de Purkinje para estimulá-la. Entretanto, uma vez estimulada a célula de Purkinje, ela envia um forte sinal inibitório para a mesma célula nuclear profunda que originalmente havia ajudado a iniciar o movimento. Portanto, esse sinal ajuda a desligar o movimento após curto intervalo de tempo. Desse modo, pode-se ver como o circuito cerebelar completo poderia causar o rápido ligar da contração do músculo agonista no começo do movimento e, ainda assim, causar também o desligar no tempo preciso da contração do mesmo agonista, depois de dado período. 7 Khilver Doanne Sousa Soares Agora, vamos especular sobre o circuito para os músculos antagonistas. O mais importante é lembrar que existe inervação recíproca entre agonistas e antagonistas em toda a medula espinal para, praticamente, todos os movimentos que a medula pode iniciar. Portanto, esses circuitos fazem parte da base para o desligar dos antagonistas, no início do movimento, e depois para o seu ligar ao término do movimento, refletindo o que quer que ocorra nos músculos agonistas. O grau em que o cerebelo sustenta o início e o término das contrações musculares, bem como a temporização das contrações, precisam ser aprendidos pelo cerebelo. Tipicamente, quando a pessoa realiza pela primeira vez novo ato motor, o grau de realce motor pelo cerebelo, no início da contração, e a temporização das contrações são quase sempre incorretos para o desempenho preciso do movimento. Entretanto, depois do ato ter sido realizado muitas vezes, os eventos individuais se tornam cada vez mais precisos, algumas vezes, exigindo apenas alguns movimentos, antes de ser obtido o resultado desejado, mas, em outras vezes, exigindo centenas de movimentos. FUNÇÃO DO CEREBELO NO CONTROLE MOTOR O sistema nervoso usa o cerebelo para coordenar as funções de controle motor em três níveis, que são os seguintes: 1. O vestibulocerebelo. Este nível consiste principalmente nos pequenos lobos floculonodulares, que se situam sob o cerebelo posterior e nas porções adjacentes do verme. Proporciona circuitos neurais para a maioria dos movimentos associados ao equilíbrio do corpo. 2. O espinocerebelo. Este nível consiste na maior parte do verme do cerebelo posterior e anterior mais as zonas intermediárias adjacentes em ambos os lados do verme. Fornece os circuitos responsáveis principalmente pela coordenação dos movimentos das partes distais das extremidades, em especial as mãos e os dedos. 3. O cerebrocerebelo. Este nível é formado pelas grandes zonas laterais dos hemisférios cerebelares, situadas laterais às zonas intermediárias. Recebe, praticamente, toda a sua aferência dos córtices motor cerebral e prémotores adjacentes e do córtex somatossensorial. Transmite suas informações de saída para cima de volta ao prosencéfalo, funcionando em modo de feedback com o sistema sensório-motor cortical, para planejar movimentos voluntários sequenciais do corpo e das extremidades. Esses movimentos são planejados em décimos de segundo antes dos movimentos reais. Esse processo é chamado desenvolvimento de “imagens motoras” dos movimentos a serem realizados. Funções do Vestibulocerebelo em Associação com o Tronco Cerebral e Medula Espinal para Controlar o Equilíbrio e os Movimentos Posturais. O vestibulocerebelo se origina, filogeneticamente, mais ou menos ao mesmo tempo em que se desenvolve o aparelho vestibular do ouvido interno. Além disso a perda dos lobos floculonodulares e de partes adjacentes do verme do cerebelo, que constituem o vestibulocerebelo, causa distúrbio extremo do equilíbrio e dos movimentos posturais. Nas pessoas com disfunção vestibulocerebelar, o equilíbrio é muito mais perturbado, durante o desempenho de movimentos rápidos, do que durante a estase. Esse fenômeno sugere que o vestibulocerebelo seja importante para controlar o equilíbrio, entre contrações musculares de agonistas e antagonistas de coluna, quadris e ombros, durante alterações rápidas das posições corporais como exigido pelo sistema vestibular. Um dos maiores problemas para controlar esse equilíbrio consiste em quanto tempo é necessário para transmitir sinais de posição e sinais de velocidade do movimento das diferentes partes do corpo para o cérebro. 8 Khilver Doanne Sousa Soares Mesmo quando são usadas as vias de condução mais rápida, até 120 m/s, nos tratos aferentes espinocerebelares, o retardo da transmissão dos pés ao cérebro ainda é de 15 a 20 milissegundos. Os pés de pessoa que corre rapidamente podem se movimentar por até 25 centímetros durante esse tempo. Portanto, nunca é possível que os sinais de retorno, das partes periféricas do corpo, cheguem ao cérebro ao mesmo tempo em que os movimentos realmente ocorrem. Como então é possível que o cérebro saiba quando parar um movimento e realizar o ato sequencial a seguir, quando os movimentos são executados rapidamente? A resposta é que os sinais da periferia dizem ao cérebro com que rapidez e em que direções as partes do corpo estão se movimentando. É, então, função do vestibulocerebelo calcular antecipadamente, a partir dessas velocidades e direções, onde as diferentes partes estarão durante os próximos milissegundos. Os resultados desses cálculos são a chave para a progressão do cérebro para o próximo movimento sequencial. Desse modo, durante o controle do equilíbrio, supõe-se que a informação da periferia do corpo e do sistema vestibular seja usada por circuito de controle por feedback típico, a fim de fornecer correção antecipatória dos sinais motores posturais, necessários para manter o equilíbrio, mesmo durante a movimentação extremamente rápida. Cerebrocerebelo — Função da Grande Zona Lateral do Hemisfério Cerebelar para Planejar, Sequenciar e Temporizar os Movimentos Complexos. Nos seres humanos, as zonas laterais dos dois hemisférios cerebelaressão muito desenvolvidas, com volume bastante aumentado. Essa característica se dá, junto com as capacidades humanas de planejar e realizar padrões sequenciais intrincados de movimento, especialmente com as mãos e dedos, e de falar. De igual modo, quase toda a comunicação entre essas áreas cerebelares laterais e o córtex cerebral não é com o córtex motor primário, mas, Fonte: GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. Controle cerebral e cerebelar dos movimentos voluntários, envolvendo especialmente a zona intermediária do cerebelo. em lugar disso, com a área pré-motora e áreas somatossensorial primária e de associação. Mesmo assim, a destruição das zonas laterais dos hemisférios cerebelares, junto com seus núcleos profundos, os núcleos denteados, pode levar à falha extrema de coordenação dos movimentos complexos intencionais das mãos, dedos e pés e do aparelho fonador. É usual a distinção de três síndromes principais, de acordo com a divisão funcional do cerebelo: síndromes do vestíbulo, do espino e do cerebrocerebelo. 9 Khilver Doanne Sousa Soares Síndrome do Vestibulocerebelo Na lesão do vestibulocerebelo, ocorre perda da capacidade de usar informações vestibulares para o movimento do corpo durante a marcha ou na postura de pé, e perda do controle dos movimentos oculares durante a rotação da cabeça. Ocorre marcha com base alargada e movimentos irregulares das pernas (ataxia), tanto com olhos abertos como fechados, e tendências a quedas. Não há dificuldade no movimento preciso de braços e pernas se o indivíduo estiver deitado ou apoiado, pois o cerebelo pode usar as informações proprioceptivas dos tratos espinocerebelares Síndrome do Espinocerebelo Lesões no espinocerebelo levam a erros na execução motora porque a área afetada deixa de processar informações proprioceptivas dos feixes espinocerebelares e não é mais capaz de influenciar as vias descendentes. O espinocerebelo atua através de mecanismos de antero-alimentação, ou seja, são ações antecipatórias executadas antes do movimento, guiadas por informações sobre o corpo e os objetos no espaço o espinocerebelo pode atuar após o início do movimento através de informações proprioceptivas do movimento em execução. Estas ações atuam pelas vias descendentes. O movimento de uma articulação é iniciado pela contração do agonista, e desacelerada pelo antagonista. Isto é temporalmente graduado. A perda deste controle faz com que a contração antecipada do antagonista não ocorra e o movimento só é interrompido após ultrapassar o alvo, substituída por uma contração retroalimentada, ou seja, após o término do movimento para reajustá-lo. A correção resulta em novo erro e outro ajuste, causando o tremor terminal. A lesão do núcleo interpósito reduz a ativação dos tratos rubroespinhal e corticoespinhal e consequente redução do tônus muscular. Reduz também a precisão do movimento devido a erros na cronologia, direção e extensão do movimento, sintomas estes conhecidos como dismetria. Observa-se ataxia de membros em que a tentativa de alcançar um objeto se faz por um caminho sinuoso. A tentativa de corrigir resulta em novos erros e oscilação da mão ao redor do alvo, tremor terminal. Lesões do espinocerebelo podem causar nistagmo e alteração da fala, como fala arrastada por lesão do vérmis ou núcleo fastigial (o controle vocal está no vérmis). Síndrome do Cerebrocerebelo Ocorre principalmente por lesão da zona lateral e manifesta-se por sinais e sintomas ligados ao movimento e que vão descritos a seguir: a) atraso no início do movimento; b) decomposição do movimento multiarticular - movimentos complexos, que normalmente são feitos simultaneamente por várias articulações, são decompostos, ou seja, realizados em etapas sucessivas por cada uma das articulações; c) disdiadococinesia - é a dificuldade de fazer movimentos rápidos e alternados, como, por exemplo, tocar rapidamente a ponta do polegar com os dedos indicador e médio, alternadamente; d) rechaço - verifica-se esse sinal mandando o paciente forçar a flexão do antebraço contra uma resistência que se faz no pulso. No indivíduo normal, quando se retira essa resistência, a flexão para por imediata ação dos músculos extensores, coordenada pelo cerebelo. Entretanto, no doente neocerebelar, essa coordenação não existe, os músculos extensores custam a agir e o movimento é muito violento, levando quase sempre o paciente a dar um tapa no próprio rosto; e) tremor - trata-se de um tremor característico, que se acentua ao final do movimento ou quando 10 Khilver Doanne Sousa Soares o paciente está prestes a atingir um objetivo, como, por exemplo, apanhar um objeto; f) dismetria - consiste na execução defeituosa de movimentos que visam atingir um alvo, pois o indivíduo não consegue dosar exatamente a ‘quantidade’ de movimentos necessários para isso. Pode-se testar esse sinal pedindo ao paciente para colocar o dedo na ponta do nariz e verificando se ele é capaz de executar a ordem. ------------------------------ Os distúrbios cerebelares podem estar associados a inúmeras causas: malformações congénitas, hereditárias, infecciosas, neoplásicas vasculares e outras. Uma das principais características é que as lesões cerebelares causam sintomas ipsilaterais. As síndromes do vestibulocerebelo, do espinocerebelo e do cerebrocerebelo nem sempre são observadas de forma isolada na prática clínica. Do ponto de vista puramente clínico, e tendo em vista principalmente a localização de tumores cerebelares, os neurologistas costumam distinguir dois quadros patológicos do cerebelo: lesões do vérmis e lesões dos hemisférios. As lesões hemisféricas manifestam-se nos membros do lado lesado e dão sintomatologia relacionada, pois, à coordenação dos movimentos. Já a lesão do vérmis manifesta-se principalmente por perda do equilíbrio, com alargamento da base de sustentação e alterações na marcha (marcha atáxica) e na fala. HISTÓRIA CLÍNICA Devem ser observados os seguintes aspectos: modo de herança, idade e início da doença, progressão, sintomas que se associam e exposição a toxinas. Uma história familiar sugere uma forma de ataxia hereditária. Desordens atáxicas diferentes começam na infância e adolescência. Deve-se perguntar a paciente e parente sobre a performance motora e desempenho atlético na escola. O curso da doença pode ser agudo (minutos ou horas), ou subagudo (dias ou semanas), início não progressivo desde a infância ou episódica ou lenta progressão (meses ou anos). Ataxias congênitas são frequentemente não progressiva após o nascimento. O início agudo de uma cefaleia com ataxia sugere um hematoma ou isquemia cerebelar. Uma história de trauma recente com queda para trás sugere hematoma. Início subagudo é encontrado em encefalite viral, esclerose múltipla, paraneoplasia, tumor ou abscesso de fossa posterior, encefalopatias espongiformes, e degeneração alcoólica. Ataxia episódica em adultos pode ser causada por ingestão de drogas, esclerose múltipla, ataque isquêmico transitório de tronco cerebral, compressão do forame magno, obstrução intermitente do sistema ventricular, e ataxia episódica hereditária dominante. Ataxia progressiva crônica sugere ataxia degenerativa esporádica ou hereditária. Deve-se perguntar ao paciente se os sintomas estão piorando. Ataxia devido à perda sensitiva tipicamente aumenta pela falta da visão. Paralisia facial, vertigem, perda auditiva, dormência ou diplopia associada com ataxia sugere desordem do tronco cerebral. A história de perda visual monocular subaguda prévia sugere esclerose múltipla. Algumas ataxias degenerativas estão associadas com perda visual gradual. Cefaleia occipital e vômito em jato com ataxia associado com hipertensão intracraniana na presença de lesão da fossa posterior. Cefaleia e vômito são comumente piorna tosse, curvando- se, andando e pela manhã. Incontinência associado com demência e distúrbio da marcha sugere hidrocefalia de pressão normal. Hipotensão postural, disfunção de bexiga e sinais extrapiramidais sugere atrofia de múltiplos sistemas. Anormalidades esqueléticas como escoliose e pés cavus, diabete e sintomas cardíacos sugerem ataxia de Friedriech. Infecções repetidas estão associadas com ataxia telangiectasia. Ainda deve-se perguntar ao paciente se eles estão usando antiepilépticos (fenitoína), drogas citotóxicas (fluorouracil e citarabina), ou litium. Devem ser questionados 11 Khilver Doanne Sousa Soares sobre o uso de bebida alcoólica e se estão expostos a toxinas (metais pesados ou solventes). MANIFESTAÇÃO CLÍNICA DA DISFUNÇÃO CEREBELAR Serão descritas algumas das mais importantes disfunções nas doenças cerebelares puras: Ataxia é a incoordenação dos diferentes movimentos entre diferentes partes do corpo. Envolve particularmente os músculos axiais e grupos de músculos em torno do ombro e da cintura escapular. Esse distúrbio fica evidente durante a marcha e é caracterizado por contrações musculares com força, amplitude e direção e direção altamente irregulares que ocorrem assincronicamente em diferentes partes do corpo. A ataxia pode ser da marcha, dos membros superiores ou do tronco ou postural com o paciente em pé ou deambulando. A ataxia ocorre por lesão no circuito que envolve os núcleos vestibulares, o lobo FN, lobo anterior do cerebelo e o núcleo fastigial. Sua etiologia mais comum é o alcoolismo crônico. Dismetria é a incapacidade de efetuar movimentos com a distância apropriada. Pode consistir em hipometria ou hipermetria. Os pacientes cerebelares apresentam hipermetria durante a execução dos movimentos rápidos e hipometria durante a execução dos movimentos lentos. Durante a execução de um movimento contraem-se os músculos agonistas que o realizam e, antes de terminar sua contração, ativam-se os antagonistas para finalizar o movimento exatamente sobre o alvo. Essa sequência temporal, na qual intervêm os núcleos interpósito e denteado, realiza-se automaticamente. Nos pacientes cerebelares, o músculo antagonista pode ativar-se tardiamente, o que produz hipermetria, ou prematuramente, o que gera hipometria. Para corrigir esse erro de aproximação, o paciente realiza múltiplas e pequenas contrações dos antagonistas e, algumas vezes, dos agonistas, levando à produção de oscilações de grande amplitude do membro, conhecidas como tremor intencional ou de movimento. As lesões do núcleo denteado isoladas ou associadas ao núcleo interpósito, assim como as do neocerebelo, produzem dismetria. Assinergia consiste na incoordenação dos movimentos e, do ponto de vista genérico, envolve a ataxia, a dismetria e a adiadococinesia, mas nas patologias cerebelares esse termo refere-se exclusivamente na incoordenação dos deslocamentos de segmentos individuais de um membro durante a realização de movimentos multiarticulares ou complexos. É encontrada nas lesões do núcleo denteado ou neocerebelo quando o indivíduo efetua essa classe de movimentos, já que são menos afetados os movimentos simples ou uniarticulares. No movimento complexo, o SN deve compensar previamente a interação da torção e da força gerada sobre uma articulação quando um segmento direta ou indiretamente envolvido com ela é movimentado. Os pacientes com lesão do núcleo denteado ou do neocerebelo não pode corrigir e compensar essas interações, o que gera assinergia e origina movimentos atáxicos e imprecisos. Para compensar isso o paciente decompõe o movimento complexo em cada um dos movimentos simples que o interagem. Quando o paciente é solicitado para tocar a ponta de seu nariz com o dedo indicador, flexiona primeiro o antebraço, logo o braço, depois o pulso e por último os dedos. Quando o paciente quer pegar um lápis entre o indicado e o polegar: primeiro apoia o indicador sobre o lápis e depois o polegar. Uma pessoa normal segura o lápis simultaneamente, com ambos os dedos. Outro exemplo é o fenômeno do rebote, observado quando se segura o braço do paciente e solicita- se que ele faça flexão do braço, caso o braço seja solte, bate contra o tórax, já que o paciente não pode frear o movimento a tempo. Outra consequência da assinergia é a falta de coordenação motora observada na articulação das palavras: o paciente pronuncia lentamente as palavras, como se tivesse de pensar como articular e, em certos extremos, o paciente 12 Khilver Doanne Sousa Soares fraciona as palavras em sílabas, fenômeno conhecido como disartria. Na prova da extensão do tronco uma pessoa normal ao se inclinar para trás flete ambos os pés e os joelhos para compensar a inclinação do corpo e não perder o equilíbrio, no paciente com doença cerebelar, ele não inclina e cai para trás como uma estaca. Hipotonia fundamenta-se na diminuição do tônus muscular. O membro torna-se flácido. Quando o membro é movimentado passivamente e logo solto, balança livremente. A disfunção cerebelar resulta em uma diminuição do tônus na saída dos núcleos cerebelares, causando perda da facilitação cerebelar para o córtex motor. Aparece na etapa aguda de lesão do neocerebelo, é difícil na fase crônica de doenças cerebelares. Tremor intencional ou de ação é uma oscilação involuntária, de grande amplitude e baixa frequência (3 a 5 Hz), que ocorre quando um paciente cerebelar efetua um movimento voluntário e que desaparece em repouso. Tremor cerebelar com frequência envolve os músculos proximais. Quando severo pode envolver a cabeça ou o corpo inteiro. Ocorre por lesão isolada do núcleo denteado ou associada ao núcleo interpósito, ou do neocerebelo, envolvendo as vias denteadorubral, denteadotalâmica ou o PCS. Nistagmo é um movimento ocular rítmico e involuntário normal. É constituído por um movimento com componente lento ou de perseguição seguido por um componente rápido ou sacádico em sentido contrário para corrigir o desvio. É o que realizamos durante a leitura ou quando giramos a cabeça. Embora o nistagmo observado com patologia cerebelar seja considerado uma expressão de fenômenos assinérgicos nos músculos extraoculares, muitos processos patológicos que afetam o cerebelo também envolvem o tronco cerebral subjacente e os núcleos vestibulares. É patológico quando surge espontaneamente sem estímulos e aumenta a amplitude quando o paciente olha para o lado afetado. A doença cerebelar pode causar nistagmo parético. O paciente é incapaz de manter um olhar excêntrico e requer repetidas sacadas para conseguir olhar. Com a lesão de um hemisfério os olhos em repouso podem ser desviados de 10 a 30 graus, na direção do lado não afetado. Quando o paciente tenta olhar para outro lugar, as sacadas aparecem em direção ao ponto de fixação com movimentos de retorno lento para o ponto de repouso. Os movimentos são mais marcados e de grande amplitude quando o paciente olha no sentido do lado afetado. Nos pacientes com lesão vestibulocerebelar observa-se nistagmo com o componente rápido para o lado da lesão. Em caso de tumor do ângulo ponto cerebelar o nistagmo é grosseiro no sentido da lesão e leve e rápido no sentido oposto (nistagmo de Bruns). Existe um nistagmo em repercussão que é característico de doença cerebelar; o componente rápido está no sentido do olhar lateral, mas transitoriamente muda de sentido quando os olhos voltam para a posição primária. Fala Fluência e clareza da fala testa-se pedindo ao paciente para repetir várias vezes uma frase padrão, por exemplo: “Um espetáculo danoso na Tchecoslováquia”, e pela tarefa na repetição de sílabas. Articulação, fonação e respiração estão perturbadas. Subsequentemente, os aspectos melódicos da fala tornam-se anormais (disprosodia). Compreensão e expressão dos significados pelas palavras permanecem normais. Pacientes mostram precisão articulatóriareduzida resultando em consoantes imprecisas e distúrbios de vogais. Déficit articulatório com frequência resulta em descontrole articulatório irregular. O tempo da fala é lento tanto nas tarefas com fala corrida como nas com repetição de sílabas. Pode haver aumento da separação de sílabas com excesso e estresse iguais (fala escandida). A fonação pode ser monótona com voz rouca. Flutuação na altura e no tremor da voz pode estar presente. A fala cerebelar com frequência torna-se mais elaborada. 13 Khilver Doanne Sousa Soares Discronometria Caracteriza-se pela existência de um atraso no começo e no fim do movimento. Quando se ordena a um paciente com hemisíndrome cerebelar que pegue um prato com ambas as mãos, observa-se que o braço doente se coloca em movimento e alcança o objeto com retardo. Se o doente for instruído para pegar com suas mãos as mãos do médico e, a uma ordem determinada, apertá-las, observa-se que a mão do lado doente executa o movimento de pressão com notável retardo em relação à do lado sadio. DIAGNÓSTICO SINDRÔMICO DOS ELEMENTOS CEREBELARES A síndrome cerebelar está constituída por uma série de sinais estudados quase todos por Duchenne de Boulogne, Babinski e André Thomas. Esses sinais são de duas ordens: subjetivos e objetivos. Os sinais subjetivos têm como o mais importante a vertigem. Esse é um sintoma é muito constante nas lesões cerebelares. Ás vezes aparece quando o paciente se encontra em pé, mas outras vezes, se apresenta em decúbito dorsal e nesse caso se produz principalmente em determinado decúbito, em geral, quando o paciente está deitado do lado oposto da lesão. Os sinais objetivos se classificam em quatro grupos: 1) transtornos estáticos, 2) transtornos cinéticos, 3) transtornos dos movimentos passivos, 4) outros transtornos. 1) Os transtornos estáticos: a) em pé, o paciente oscila e apresenta aumento da base de sustentação para equilibrar- se em pé (se fechar os olhos o paciente não cai, os pacientes cerebelares não têm sinal de Romberg). b) Tremor estático - se observa quando o paciente estende o membro superior na posição de juramento. É um tremor de pequena amplitude e rápido. c) Desvios – Na posição de pé o paciente tende a cair para frente (propulsão) ou para trás (retropulsão), ou para o lado (lateropulsão). d) Hipotonia muscular – os músculos do lado doente são mais flácidos do que do lado sadio e os movimentos passivos mais amplos. e) Catalepsia cerebelar – consiste no seguinte: o paciente fica em decúbito dorsal com as coxas em flexão com a pelve e as pernas em extensão em ângulo de 90 graus com as coxas e os pés separados. O paciente com lesão cerebelar se mantém nessa posição durante um tempo muito maior do que um sujeito normal. A imobilidade que se mantém o paciente cerebelar chama a atenção pela perfeição. É um sinal inconstante. 2) Transtornos cinéticos: a) Grande assinergia do tronco – pode-se tentar ao deambular. O paciente ao caminhar levanta mais do que o necessário o pé do chão, porque exagera na flexão da coxa; leva o pé para frente, mas não muito porque o tronco não avançou ao mesmo tempo, ficou para trás com relação aos membros; para poder seguir a marcha, o paciente necessita de ajuda, alguém precisa sustentar e impulsionar o tronco para frente. Às vezes anda sozinho, se escorando na parede ou se sustentando nas muletas. A grande assinergia do tronco ocorre pela falta de coordenação simultânea que deve existir entre distintos grupos musculares que intervêm na marcha. b) Marcha titubeante ou de ébrio – Se o paciente pode caminhar observa-se a titubeação da cabeça e tronco oscila e o paciente é incapaz de andar em linha reta, caminha em zigue-zague e a cada passo parece que vai cair. Os passos são curtos, desiguais e irregulares. As pernas com frequência são elevadas e batidas no chão com força. Quando o membro inferior avança o corpo não segue adequadamente o movimento, mas fica para trás. Em casos muito acentuados o doente, para poder avançar, precisa de um ajudante que o empurre por trás ou que, se estiver à sua frente, o sustente com as mãos ou o puxe para si, quando o mesmo levanta o membro inferior. Em algumas ocasiões, durante a 14 Khilver Doanne Sousa Soares marcha, se observa desvios com tendência a queda, com lateropulsão, para direita ou esquerda, e retropulsão, raramente propulsão. c) Hipermetria – ocorre quando um movimento ultrapassa o alvo. É o resultado da atonia e a falta de sinergia entre os músculos que devem se contrair e os que devem relaxar. Pode ser comprovada por meio de certas manobras como: 1) Prova do índice – pede-se ao paciente que leve seu índice até a ponta do nariz ou ao lobo da orelha. Observa-se que o dedo ultrapassa o nariz ou o lobo da orelha se chocando com força; 2) Prova do calcanhar- joelho – com o paciente deitado pede-se que ele toque com o calcanhar no joelho oposto e escorra pela crista da tíbia. Observa-se que o calcanhar passa do joelho e bate na coxa e, numa segunda tentativa, o calcanhar toca o joelho; 3) Prova da linha horizontal – traça-se num papel duas linhas paralelas verticais, separadas com 10 cm, e pede- se ao paciente que trace linhas horizontais unindo uma linha a outra. O paciente traçará linhas horizontais que passaram da segunda linha vertical. 4) Provas de dismetria de André Thomas: 1) prova da apreensão do copo – quando se pede ao paciente para segurar um copo ele abre a mão mais do que o necessário e quando solta o copo sua mão se abre mais do que o normal. 2) prova da inversão da mão – pede-se ao paciente que estenda os membros superiores na frente do corpo e, que subitamente, prone ambas as mãos. O paciente não inverte com a mesma rapidez que a outra, mas desce muito mais, principalmente o dedo polegar. d) Pequena assinergia: é a falta de contração muscular simultânea entre os distintos grupos de músculos que intervêm no movimento mais ou menos complexo. Existem algumas provas: 1) prova da flexão do tronco – o paciente em decúbito dorsal, com os braços cruzados pede-se que ele se sente. 2) prova da flexão da coxa – pede-se ao sujeito deitado que flexione o membro inferior até que o calcanhar toque na região glútea. O paciente decompõe os movimentos: primeiro flexiona a coxa sobre a pelve, deixando a perna estendida, em segundo lugar, eleva muito o calcanhar sobre o plano horizontal, flexiona a perna bruscamente e bate o calcanhar no chão. 3) prova da inversão do tronco – estando o sujeito em pé, pede-se para inclinar para trás. O paciente permanece com as pernas rígidas sem fletir os joelhos e perde o equilíbrio. e) Adiadococinesia: é a inabilidade para realizar movimentos alternantes rápidos com os membros: pronar e supinar rapidamente a mão. Sua causa reside em uma coordenação temporal defeituosa da atividade dos músculos agonistas e antagonistas. É observada na lesão isolada do núcleo interpósito ou associada ao núcleo denteado. Isso se dá devido à descontração de grupos de músculos que eram antagonistas e passaram a ser agonistas e vice-versa. O paciente deve realizar movimentos de pronação e supinação primeiro com uma mão, depois com a outra e, em seguida, com as duas. Ou, tocar cada dedo no polegar, em cada mão. Todos os dedos do paciente cerebelar tendem a fletir simultaneamente, e a capacidade de manter o polegar na postura correta é prejudicada. Ou, na realização da prova das marionetes, que o paciente realiza mal esse movimento e com atraso do lado doente. Para que esse sinal tenha valor clínico é indispensável que o indivíduo possa realizar corretamente os movimentos elementares; no cerebelar só se encontra alterada sua sucessão rápida. Ao se examinar esse sinal deve-se levar em conta a inferioridade fisiológica da mão esquerda. A prova da pronação – supinação realiza- se de maneira deficiente, mesmo na ausência de lesão cerebelar, nas síndromesextrapiramidais, na miotonia de Thomsen, nos distúrbios da sensibilidade profunda e nas paresias de qualquer causa. Segundo Cohn, da mesma forma que ocorre no fenômeno de extinção, quando o indivíduo percebe apenas um estímulo dos dois estímulos voluntários simultâneos realizados. Similar ocorre quando um dos braços está parético, os movimentos do braço saudável se tornam mais difíceis. 15 Khilver Doanne Sousa Soares f) Tremor cinético: ocorre quando o paciente realiza movimento, principalmente no início e no final e, é tanto mais pronunciado, quanto mais rapidamente se executa o movimento. Além do mais, o tremor cinético é mais intenso quando o paciente usa a visão para guiar o movimento. g) Bradteleocinesia ou decomposição de movimento: consiste que o paciente realiza um ato ou movimento complexo, dissociando-se em seus movimentos mais simples. Em decúbito dorsal, pede-se ao paciente para estender o membro superior verticalmente e toque o seu nariz com o indicador. O normal é fletir o cotovelo e tocar o nariz com o dedo. O paciente desce o braço estendido até colocá-lo no mesmo plano e flete o cotovelo na horizontal e toca o nariz com o dedo. 2) Transtornos dos movimentos passivos: a) prova de passividade dos membros superiores – o paciente em pé, coloca-se as mãos acima da cintura e imprime movimentos alternativos de rotação para esquerda e direita. Observa-se que o braço doente apresenta movimentos mais amplos. Ou, se pega o punho e sacode-se no sentido flexão e extensão. Observa- se que no lado doente o punho é muito mais solto do que o outro punho. b) Prova de Stewart-Holmes – pede-se ao paciente que flexione o antebraço sobre o braço e ao mesmo tempo o observador se opõe a ele, sustentando o punho fortemente e, subitamente, é solto. O normal é deter o antebraço e recobrar a posição anterior. No paciente cerebelar o braço segue seu curso, flete e bate no ombro. Isso ocorre devido à contração tônica do músculo antagonista (tríceps). 3) Outros transtornos: a) transtorno da escrita – são tremor, dismetria e perturbações de movimentos voluntários; a escrita é irregular, apicular, desigual, ondulante. A dismetria pode ocasionar a macrografia. b) transtorno da palavra – a palavra é escandida, monótona, lenta; se atribui aos tremores das cordas vocais. c) nistagmo – horizontal ou rotatório persistente, atribuído à hipotonia dos músculos oculares. d) transtorno da barognosia – pede-se para o paciente dizer o peso de um objeto colocado em sua mão. No paciente cerebelar a mão doente sempre percebe menos do que a sadia. REFERÊNCIAS MACHADO, A.B.M. Neuroanatomia Funcional. 3 ed. São Paulo: Atheneu, 2014. TORTORA, Gerard J.; DERRICKSON, Bryan. Princípios de Anatomia e Fisiologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2017. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________
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