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BARROS, Diana Luz Pessoa de Teoria do Discurso, Fundamentos semióticos (doc) (rev)

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TEORIA DO 
DISCURSO 
 
Fundamentos Semióticos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
USP - UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO 
Reitor. Adolpho José Melfi 
Vice-Reitor: Prof. Dr. hélio Nogueira da Cruz 
 
 
 
FFLCH - FACULDADE DE FILOSOFIA, 
LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS 
Diretor: Prof. Dr. Francis Henrik Aubert 
Vice-Diretor: Prof. Dr. Renato da Silva Queiroz 
 
 
 
CONSELHO EDITORIAL DA HUMANITAS 
Presidente Prof., Dr. Milton Meira do Nascimento (Filosofia) 
Membros Profa. Dra, Lourdes Sola (Ciências Sociais) 
Prof. Dr. Carlos Alberto Ribeiro de Moura (Filosofia) 
Profa. Dra. Sueli Angelo Furlan (Geografia) 
Prof. Dr. Elias Thomé Saliba (História) 
Profa. Dra. Beth Brait detras) 
 
Vendas 
Livrarias Humanitas-Discurso 
Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 — Cid. Universitária 
05508-900 — São Paulo — SP — Brasil 
Tel.: 3091-3728/ 3091-3796 
 
Humanitas – distribuição 
Rua do Lago, 717 
05508-900 — São Paulo — SP – Brasil 
Telefax: 3091-4589 
e-mail: pubfflch@edu.usp.br 
http//www.fflch.usp.br/hunianitas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Humanitas FFLCH/USP março 2002 
 
Diana Luz Pessoa de Barros. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEORIA DO 
DISCURSO 
 
Fundamentos Semióticos 
 
 
3ª. edição 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo, 2002 
 
 
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO • FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS 
 
Copyright 2002 da Humanitas FFLCH/USP 
 
É proibida a reprodução parcial ou integral, 
sem autorização prévia dos detentores do Copyright. 
 
Serviço de Biblioteca e Documentação da FFLCH/USP 
Ficha catalográfica: Márcia Elisa Garcia de Grandi — CRB 3608 
____________________________________________________________ 
 
B276 Barros, Diana Luz Pessoa de 
 Teoria do discurso: Fundamentos semióticos / Diana Luz 
pessoa de Barros. — 3. ed. – São Paulo : Humanitas / FLLCH 
/ USP, 2001 
 
172p. 
 
ISBN 85-7506-059-7 
 
 1. Análise do discurso 2. Lingüística 3. Semiótica 1. I 
Título 
 
CDD 410 
 
 
 
 
 
 
HUMANITAS FFLCH/USP 
e-mail: editflch@edu.usp.br 
Telefax: 309 1-4593 
 
Editor Responsável 
Prof. Dr. Milton Meira do Nascimento 
 
Coordenação Editorial 
Mª. Helena G. Rodrigues — MTb n. 28.840 
 
Composição 
Diarte Composição e Arte Gráfica 
 
Emendas 
Selma Mª. Consoli Jacintho — MTb n. 28.839 
 
Capa 
Diana Oliveira dos Santos 
 
Revisão de emendas 
Simone D’Alevedo 
 
[página 4] 
 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 1 
 Teoria do discurso ......................................................................... 1 
 Plano do livro ................................................................................ 6 
I — NARRATIVIDADE: À PROCURA DE VALORES ................... 7 
 Considerações iniciais ................................................................... 7 
 Estruturas sintático-semânticas subjacentes .................................. 8 
 A gramática de casos de Fillmore ....................................... 8 
Análise estrutural da narrativa ............................................ 10 
 A gramática sêmio-narrativa ........................................................ 12 
 Uma proposta semiótica ...................................................... 13 
 Análise interna .......................................................... 14 
 Análise imanente ...................................................... 14 
 Percurso gerativo ...................................................... 15 
Gramática fundamental ................................................................. 20 
 Sintaxe fundamental ............................................................ 20 
 Semântica fundamental ....................................................... 24 
 Conversão das estruturas fundamentais 
 em estruturas narrativas ....................................................... 27 
Gramática narrativa ....................................................................... 28 
 Sintaxe narrativa .................................................................. 28 
 Enunciado elementar ................................................. 29 
 Sintagma elementar: programa 
 narrativo .................................................................... 31 
 Percurso narrativo ..................................................... 35 
 Esquema narrativo canônico ..................................... 41 
 Estratégia narrativa ................................................... 43 
 Intencionalidade narrativa ........................................ 44 
Semântica narrativa ............................................................ 45 
 Modalização e modalidades ..................................... 49 
Paixões e apaixonados ............................................. 60 
Notas ...................................................................................................... 70 
 
II — DISCURSO: A ASSUNÇÃO DE VALORES ............................. 72 
 Considerações iniciais .................................................................. 72 
 Sintaxe discursiva ......................................................................... 73 
 Projeções da enunciação ..................................................... 73 
 Desembreagem e embreagem actancial 
e teorias do foco narrativo ........................................ 74 
Temporalização e espacialização ............................. 88 
 Relações entre enunciador e enunciatário .......................... 92 
 Contrato de veridicção e verdade 
 discursiva ................................................................. 92 
 Argumentação .......................................................... 95 
 Semântica discursiva .................................................................... 113 
 Elementos de semântica estrutural ..................................... 113 
 Tematização e figurativização ............................................ 115 
 Isotopia ............................................................................... 124 
 Coerência textual ................................................................ 131 
 Notas ............................................................................................ 132 
 
III — ENUNCIAÇÃO: A MANIPULAÇÃO 
 DE VALORES ............................................................................. 135 
 Considerações iniciais .................................................................. 135 
 Estruturas narrativas e discursivas 
 da enunciação ............................................................................... 136 
 Tema de comunicação ........................................................ 137 
 Tema de produção .............................................................. 139 
 Intertextual idade .......................................................................... 142 
 Discurso e classes sociais ............................................................. 146 
 Discurso e ideologia ..................................................................... 148 
 Texto e problemas de expressão ................................................... 152 
 Notas ............................................................................................ 155 
 
BIBLIOGRAFIA .................................................................................... 157 
ÍNDICE ANALÍTICO ............................................................................ 165 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À Mariana 
que descobrea escrita. 
 
À Flávia 
que aprende a falar. 
 
INTRODUÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Este livro retoma, com algumas adaptações, a primeira 
parte da tese de livre-docência A festa do discurso. Teoria do 
discurso e análise de redações de vestibulandos, apresentada e 
defendida na Universidade de São Paulo, em 1985. 
Propôs-se, no trabalho, costurar e dar forma a um texto que 
apresentasse uma visão de conjunto da teoria semiótica de análise do 
discurso e que servisse a pós-graduandos de lingüística e a todos os que 
pelo discurso se interessam. Em segundo lugar, tencionou-se contribuir 
para o desenvolvimento da teoria, de cujo projeto temos participado de 
vários modos. Finalmente, deu-se destaque ao objetivo de conciliar as 
análises externa e interna do texto, em um mesmo quadro teórico. 
 
TEORIA DO DISCURSO 
 
Situemos, como primeiro passo, os objetivos e interesses deste 
trabalho, no contexto das atuais preocupações lingüísticas. 
A lingüística, a partir de Saussure e, sobretudo, com a teoria 
distribucional, toma a língua como seu objeto, quase sempre sem 
ultrapassar a dimensão da frase. Alguns lingüistas estabeleceram 
claramente esse limite, outros não o determinaram com igual clareza, 
outros ainda reconheceram a necessidade de se ir além da frase, mas não o 
puderam ou souberam fazer. 
 O interesse pelo texto como um todo, principalmente com o 
desenvolvimento dos estudos de semântica, e a aceitação do fato de o texto 
não ser, como já se sabe há muito, a sim- [página 1] ples soma de frases, 
tornou necessária uma lingüística do texto ou do discurso. 
As tão discutidas dicotomias saussurianas, de reconhecida 
importância para situar a lingüística entre as ciências humanas, para 
estabelecer seu objeto, limitaram, por outro lado — por má interpretação do 
mestre, dizem alguns, por necessidade do momento histórico em que se 
transformavam os estudos da linguagem, afirmam outros, ou por razões 
ideológicas, consideradas as condições de produção do texto de Saussure, 
acreditam terceiros —, o campo de possível interesse do lingüista, 
preocupado em ser objetivo em suas abordagens. Língua e fala, lingüístico 
e extralingüístico fizeram da lingüística a ciência da língua — “social, 
essencial, tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos 
pertencentes à mesma comunidade” (SAUSSURE, 1969, p. 21) —, 
relegando ao extralingüístico a fala — “acessória e mais ou menos 
acidental, ato individual de vontade e inteligência” (p. 22) — e suas 
relações com a “etimologia”, com a “história política”, com “instituições de 
toda espécie, a Igreja, a escola, etc.” (p. 29). 
A lingüística do discurso pode ser, assim, considerada como uma 
tentativa de ruptura de duas barreiras: a que impede a passagem da frase ao 
discurso e a que separa a língua da fala, ou melhor, dos fatores sócio-
históricos que a envolvem. 
Harris (1969), por exemplo, sem fugir dos pressupostos 
epistemológicos da teoria distribucional, tenta derrubar a primeira barreira, 
propondo um processo de estruturação global do texto pela integração das 
frases em unidades maiores. Já outros lingüistas do texto, como Pêcheux, 
Verón, Slakta, Ducrot, estão mais interessados em vencer a segunda 
fronteira e retomar ao extralingüístico elementos situacionais 
indispensáveis à construção do sentido do texto lingüístico. 
Estabelecidas, em grandes linhas, a necessidade e as pretensões de 
uma lingüística do discurso, reconhece-se que, nesse projeto, não é fácil 
delimitar o que é da alçada da lingüística. Constata-se, facilmente, quando 
se examina o discurso, sua localização na encruzilhada entre preocupações 
da lingüística e das demais ciências humanas (MAINGUENEAU, 1976, p. 
19). Ao deixar a proteção das limitações de uma lingüística pura e lançar-
se no caos do extralingüístico, sente-se a lingüística um tanto atordoada, 
pois ora se vê fortemente solicitada por aqueles que exigem que ela lhes 
ensine a ler textos como meio de acesso ao homem, ora é confrontada com 
ofertas diversas, do historiador, do psicólogo, do sociólogo, que sugerem a 
sua leitura do discurso. [página 2] 
A primeira preocupação é a de estabelecer um denominador comum 
às varias definições do termo discurso, bastante polissêmico, segundo 
Maingueneau (1976, p. 7), e muito usado em textos sobre a linguagem. O 
ponto de interseção pode ser encontrado na remissão que diferentes 
teóricos da linguagem fazem à enunciação ou às condições de produção do 
discurso. E preciso distinguir, com a clareza possível, as variadas 
colocações a respeito das relações mantidas pelo discurso com seu quadro 
enunciativo ou com as condições de sua produção. Mesmo assim, pretende-
se tomá-las, enunciação e condições de produção, reunidas, como elemento 
comum, caracterizador do discurso nas várias abordagens. 
Para Benveniste (1966, p. 253-66) é no discurso que a língua, 
sistema social, é assumida por uma instância individual, sem, porém, se 
dispersar em infinitas falas particulares. O autor caracteriza o discurso 
pelas relações que se estabelecem entre indicadores de pessoa, tempo, 
espaço do enunciado e a instância de sua enunciação. 
Ducrot (1980) distingue o texto, abstrato, do discurso, realizado, 
cabendo à enunciação transformar o texto em discurso e por ele se 
responsabilizar. 
Para a análise automática do discurso, de Pêcheux, as formações 
discursivas são componentes de formações ideológicas, por sua vez 
relacionadas a condições de produção específicas (PECHEUX & FUCHS, 
1975, p. 11), que englobam o mecanismo de colocação dos protagonistas e 
do objeto do discurso e as características múltiplas de uma situação 
concreta. 
Guespin (1971) considera que um olhar lançado a um texto do ponto 
de vista de sua estruturação em língua faz dele um enunciado e que o 
estudo das suas condições de produção o torna um discurso. 
Segundo Greimas, enunciação é a instância de mediação que produz 
o discurso, ou seja, que realiza a passagem das estruturas semióticas 
narrativas às estruturas discursivas (GREIMAS & COURTÉS, s.d.). 
Outros autores poderiam ser aqui arrolados, mas, das citações 
transcritas, se extraem já três pontos decisivos para a concepção de 
discurso e sua análise: a relação do discurso com a enunciação e com as 
condições de produção e de recepção; o discurso como lugar, ao mesmo 
tempo, do social e do individual; a articulação entre narrativa e discurso, 
isto é, o discurso constituído sobre estruturas narrativas que o sustentam. 
As estruturas narrativas, entendidas como suporte sintático-semântico das 
estruturas discursivas, de qualquer tipo de discurso, serão examinadas no 
capítulo 1. [página 3] 
Antes de se focalizar a questão central da enunciação, algumas 
observações devem ser feitas sobre o caráter individual e social do 
discurso. Há dois modos distintos de encarar o problema. Lingüistas como 
Benveniste, Ducrot ou Greimas acatam as dicotomias social vs. individual, 
lingüístico vs. retórico, competência vs. performance, que, mesmo não 
recobrindo a oposição língua vs. fala, podem ser a ela referidas. Para 
Benveniste, por exemplo, coexistem no discurso o sistema da língua e as 
marcas da opção individual de sua realização que, muito apropriadamente, 
denominou subjetividade na língua. A segunda forma de abordar a questão 
está bem colocada por Robin, que não aceita a liberdade discursiva 
individual do sujeito “sem inconsciente, sem pertencer a uma classe, sem 
ideologia, que fala, que se fala” (1977, p. 41). Afirma a autora que 
 
“esta liberdade atribuída ao domínio da fala inscrevia-se numa 
Filosofia do sujeito neutro, transparente a si próprio (uma 
Filosofia de antes da descoberta freudiana), e naquela de um 
sujeito sem determinações sócio-ideológicas (uma Filosofia de 
antes de Marx)” (p. 25). 
 
Cabe retomar,nessa perspectiva, o problema da co-presença do 
social e do individual no discurso, afirmando que, nele, coexistem a 
invariável sistêmica social e as variáveis, também sociais, de realização, 
forjadas pelas determinações sócio-ideológicas. Se a significação nasce da 
variação, como propuseram Barthes (1964 e 1966) e Greimas (1966), é da 
relação entre a invariante do sistema e a variação social que surge o sentido 
do discurso. A articulação do discurso com a formação social não é, por 
conseguinte, fortuita e ocasional ou secundária e acessória. 
Poucos são os teóricos do discurso que deixam de reconhecer a 
estreita vinculação existente entre discurso e enunciação. Harris é um deles, 
pois, com método puramente formal, prescinde do conteúdo na análise do 
discurso. Os estudiosos, que, de alguma forma, atentam para o sentido, se 
vêem obrigados a recuperar elementos da enunciação, sem o que deixarão 
de lado muitos aspectos da significação do discurso ou estarão até mesmo 
impossibilitados de construí-la. Não se pretende invalidar análises 
realizadas de fatias do sentido, pois se reconhecem as dificuldades de 
apreendê-lo todo. E preciso, porém, concordar com Ducrot, quando afirma 
que cabe à análise lingüística, atualmente, fornecer pistas, dar instruções, 
ser uma fonte de hipóteses pala os analistas do discurso (1980, p. 12). 
[página 4] 
A mudança de objete dos estudos lingüísticos, graças ao problema da 
enunciação, ocorre pouco a pouco na reflexão lingüística que, 
genericamente, se pode denominar semântica da enunciação. Rotulam-se 
assim orientações diversas como a teoria semântica intencional de Ducrot, 
os projetos da pragmática conversacional de Grice e da teoria dos atos de 
linguagem de Austin e Searle, as propostas para uma teoria da 
argumentação e os esforços da semiótica de Greimas na construção de uma 
sintaxe e de uma semântica da enunciação. Essas reflexões, mais 
lingüísticas em sentido restrito, consideram apenas a enunciação 
pressuposta no discurso, seu objeto-resultante. Distinguem-se, portanto, de 
orientações que tentam recuperar para a análise do discurso não apenas os 
elementos da instância enunciativa implícita, mas também as variáveis 
sócio-históricas ou condições de produção, que engendram, com as 
lingüísticas, o sentido do discurso. 
Reconhecendo a pertinência da dimensão histórica para a análise do 
discurso, mas também as muitas dificuldades encontradas na determinação 
das relações entre formações sócio-ideológicas e formações discursivas, 
propõe-se, neste trabalho, a hipótese, conciliatória entre os dois grupos, de 
que essas relações podem e devem ser estabelecidas pela mediação 
lingüística da enunciação. Tenta-se, assim, definir enunciação pelo duplo 
papel de mediação ao converter as estruturas narrativas em estruturas 
discursivas e ao relacionar o texto com as condições sócio-históricas de sua 
produção e de sua recepção. 
O objetivo é integrar, por meio da enunciação, uma abordagem 
interna do texto, indispensável para que se reconheçam os mecanismos e 
regras de engendramento do discurso, com a análise externa do contexto 
sócio-histórico, em que o texto se insere e de que, em última instância, 
cobra sentido. Para tanto, parte-se da teoria semiótica desenvolvida pelo 
grupo de investigações sêmio-lingüísticas, sob a direção de Greimas, por 
razões que, embora aqui resumidas, serão lembradas e mais bem sentidas 
no decorrer do trabalho. Em síntese, são três os motivos da escolha: a teoria 
sêmio-lingüística de análise do discurso está suficientemente avançada para 
oferecer princípios, métodos e técnicas adequados de análise interna do 
discurso, apreendido em níveis diferentes de geração e de abstração, que 
serão examinados nos capítulos 1 e 2; ela constitui, no momento atual, um 
dos poucos e mais completos modelos de abordagem das estruturas 
narrativas; embora a semiótica não tenha tratado ainda, satisfatoriamente, 
[página 5] das relações entre discurso e contexto, acredita-se que, sem 
contradições teóricas, o projeto avance nessa direção, já que a enunciação, 
mediadora entre formações sociais e discursivas, encontrou, há muito, 
espaço na proposta semiótica. Tenciona-se, dessa forma, promover a 
conciliação complementar das análises interna e externa do texto, no 
quadro epistemo-metodológico da semiótica, recorrendo sempre que 
possível e necessário a outras propostas e estudos que, sem incoerências 
teóricas ou contradições, ajudem a construir o sentido do discurso, tal qual 
foi aqui entendido. Não se pode esquecer o caráter fronteiriço do discurso, 
entre as ciências humanas, mas tampouco se pode desconhecer o princípio 
de que não se somam técnicas ignorando as teorias que implicam. 
 
PLANO DO LIVRO 
 
O livro divide-se em três capítulos: o primeiro, para estudo das 
estruturas narrativas, o segundo, das organizações discursivas, e o terceiro, 
da enunciação e das relações intertextuais. 
No primeiro capítulo serão examinados os princípios fundamentais 
da teoria semiótica e a sintaxe e a semântica narrativas, com ênfase no 
caráter modal da sintaxe e na definição passional da semântica. 
O segundo capítulo será dedicado à sintaxe e à semântica do 
discurso. A sintaxe tratará das relações que se estabelecem entre a instância 
da enunciação e o discurso enunciado e para sua elaboração serão 
retomadas as teorias do foco narrativo e os estudos de semântica da 
enunciação sobre questões de argumentação, pressuposição e atos de 
linguagem. No exame da semântica serão abordados os aspectos de 
tematização e figurativização do discurso. Tenciona-se verificar quais os 
procedimentos discursivos que se empregam para criar ilusões de 
enunciação e de realidade e, a partir daí, efeitos de verdade do discurso. 
Caberá ao terceiro capítulo a tarefa de rever a enunciação como 
articuladora entre formações discursivas e sociais e de efetuar a integração 
das análises interna e externa, conciliação apontada como a finalidade 
principal deste trabalho. A inserção contextual será considerada a partir das 
relações de intertextualidade e serão distinguidos os contextos situacional, 
interno e externo. [página 6] 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
I — NARRATIVIDADE: 
À PROCURA DE VALORES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
 
Duas razões levaram-nos a tratar a narratividade, de maneira 
sistemática, neste trabalho. A primeira delas foi a concepção de discurso 
assumida e apresentada na Introdução: o discurso caracteriza-se por 
estruturas sintático-semânticas narrativas que o sustentam e organizam. Em 
segundo lugar, ainda que não pretendêssemos atribuir papel privilegiado à 
organização narrativa na teoria do discurso, seríamos obrigados a 
reconhecer que os modelos de descrição e explicação da narrativa são 
marcos fundamentais na história da análise do discurso. 
Procurou-se ressaltar inicialmente, neste capítulo, a necessidade de 
dar atenção às estruturas sintático-semânticas narrativas, tanto na análise 
lingüística da frase quanto no exame de discursos, e apresentar, de forma 
sucinta, algumas propostas precursoras. Em seguida, tratou-se de firmar 
posição em certos pontos da semiótica narrativa, considerados 
imprescindíveis para a explicação da narratividade. Optou-se por não 
apresentar exaustivamente a teoria greimasiana de análise narrativa, a 
respeito de que há muitos textos publicados, e restringiu-se a exposição a 
uma apreciação de conjunto da teoria. [página 7] 
 
 
 
 
 
ESTRUTURAS SINTÁTICO-SEMÂNTICAS 
SUBJACENTES 
 
A gramática de casos de Fillmore1 
 
Examinaram-se, para o nível da frase, as elaborações da gramática 
de casos de Fillmore (1968). Não interessa retomar a proposta de Fillmore 
em sua totalidade, mas fazer ver que é forçoso reconhecer, o que nemsempre aceitam as teorias lingüísticas, a existência de estruturas profundas 
mais distanciadas da estrutura de superfície, em que se definem papéis 
sintático-semânticos. 
Em nossa tese de doutoramento (1976), apresentamos e discutimos a 
gramática de casos, tentando pôr em evidência sobretudo as diferenças 
básicas encontradas entre o modelo de Fillmore e o de Chomsky, já que 
Fillmore se declarava então, explicitamente, um seguidor da teoria 
gerativa. A principal divergência entre eles consiste no fato de Chomsky 
desenvolver uma gramática de “sujeito-predicado”, enquanto Fillmore 
exclui do componente de base as noções funcionais de sujeito e de objeto 
direto e propõe colocar em seu lugar as relações casuais, concebidas como 
relações sintáticas, semanticamente relevantes, que envolvem os nomes e 
as estruturas que os contêm. O autor reconhece, dessa forma, um suporte 
sintático-semântico subjacente à organização da frase, num modelo gerador 
de frases. As relações casuais, ou casos, formam um conjunto de conceitos 
universais, provavelmente inatos e correspondentes a certos julgamentos 
que os homens fazem sobre os acontecimentos: Quem fez isso? Com o 
quê? A quem isso aconteceu? Em que lugar? Na análise de uma frase, 
como “João joga bola”, importa determinar, no componente de base, que 
João manifesta o caso agentivo e bola o objetivo e, só após transformações 
e já em nível intermediário entre estrutura profunda e de superfície, definir 
suas funções de sujeito e de objeto direto. 
Essas observações têm a finalidade de mostrar que, ao lado das 
semânticas lógicas, das semânticas formais, preocupadas com os valores de 
verdade e de falsidade das proposições, a lingüística pratica, no quadro da 
semântica gerativa, uma semântica de caráter antropológico, para muitos 
mais ingênua, capaz de explicar os recortes semânticos culturais. A análise 
semântica da frase, assim concebida, aproxima-se da dos mitos, da dos 
contos populares e da dos textos em geral, bastando pensar nas propostas 
de Lévi-Strauss, de Propp ou dos formalistas russos. [página 8] 
Em 1977, em resposta a uma serie de criticas e de sugestões feitas à 
gramática de casos, Fillmore publica ‘The case for case reopened’, onde 
firma dois pontos fundamentais da teoria, já implícitos em seus textos 
anteriores. Um deles é a concepção do sentido relativizado em cenas ou, 
como preferimos, em um espetáculo. O reconhecimento da dimensão 
espetacular da sintaxe (ou da sintaxe-semântica), que ocorre também em 
Tesnière (1959), vem corroborar as convergências acima apontadas e 
constitui a maior atração de sua teoria, para este trabalho. Os papéis 
sintático-semânticos casuais, que simulam o espetáculo do homem no 
mundo, constituem, já no nível da frase, organizações “narrativas” e fazem 
a ponte entre as estruturas oracionais e as textuais, ou narrativas 
propriamente ditas. 
Apreendida a organização sintático-semântica profunda, o autor 
desenvolve jogos de perspectivas e pontos de vista sobre a cena, que 
permitem caracterizar recortes culturais e sócio-históricos da língua e de 
seu uso. 
As objeções que podem ser feitas à gramática de casos não se 
aplicam ao nível geral de interesses e objetivos em que aqui nos colocamos. 
Uma única observação é cabível: como a gramática de casos procura 
explicar, no nível da oração, o espetáculo do homem agindo no mundo, não 
deve esquecer que tal espetáculo é visto, através da língua, no texto, ou 
seja, uma teoria que examina os papéis sintático-semânticos oracionais 
precisa pressupor uma teoria do texto, no interior da qual encontre seu 
lugar. 
O segundo esclarecimento do texto de 1977 é o de que a gramática 
de casos, apesar do nome, não é um modelo de gramática e sim uma 
proposta de descrição e explicação sintático-semântica de um nível da 
geração da oração, tornando-se necessário examinar a gramática em que 
tal instância se insere. A intenção do autor é localizá-la na gramática 
gerativa. 
Halliday (1974, 1976) e Slakta (l971a, 1971b e 1974) discordam, de 
certa forma, de Fillmore quanto à gramática em que são reconhecidos os 
papéis sintático-semânticos. Halliday parte da hipótese de que o 
funcionamento social da língua está refletido na estrutura lingüística e 
determina três funções, das quais derivam as estruturas constitutivas da 
oração: função ideacional (vs. estrutura da transitividade), função 
interpessoal (vs. estrutura do modo) e função textual (vs. estrutura temática 
e, indiretamente, estrutura da informação). A primeira das funções 
compara-se facilmente com o nível sintático-semântico dos casos, pois 
expressa o sentido cognitivo, a experiência que o falante tem do mundo, 
através do sistema da transitividade. As demais funções acrescentam à 
[página 9] proposta de Fillmore variáveis da instância da enunciação 
função interpessoal, manifestada pelas distinções de modo, de topicalização 
— e da organização textual — função textual, marcada sobretudo pela 
entoação. Slakta interessa-se pela gramática de casos porque tal teoria 
pensa, ao mesmo tempo, sintaxe e semântica, e julga que, embora Fillmore 
não o reconheça, o discurso e seu verdadeiro campo de aplicação. O único 
reparo que faz a gramática de casos deve-se ao fato de ela não levar em 
conta o social, ou melhor, as relações do texto com os elementos sócio-
históricos de produção e de recepção, ainda que preencha as condições 
mínimas necessárias seu caráter sintático-semântico — para atingir tais 
objetivos mais amplos. Prevê a análise do discurso em três níveis: o nível 
teórico-abstrato, que explicita regras especificamente lingüísticas por meio 
da gramática de casos, o nível das realizações concretas e o nível retórico, 
que dizem respeito, ambos, a competência ideológica e para cuja 
explicação recorre a teoria das ideologias de Althusser. 
Tanto Slakta quanto Halliday consideram a gramática de casos como 
uma das etapas da análise do discurso ou da frase — instância de 
explicação sintático-semântica a que devem ser somados níveis que 
examinem, de outro ponto de vista e com novos elementos, as relações 
entre discurso e enunciação, entre texto e contexto. Deixam de ter sentido 
as objeções que, a respeito de contexto, se podem fazer a gramática de 
casos, desde que a concebamos como uma etapa no interior de proposta 
mais ampla, a de Halliday ou a de Slakta, entre outras. 
Não cremos, e nesse ponto discordamos de Slakta, que a gramática 
de casos, como foi proposta, explicitamente o nível da oração, seja o 
modelo mais adequado, atualmente, para explicar o suporte sintático-
semântico narrativo do texto. Há, para o texto, modelos mais desenvolvidos 
de análise narrativa, que prescindem de todo um trabalho de adaptação de 
propostas localizadas, como a de Fillmore, e que serão examinados nos 
próximos itens. 
 
Análise estrutural da narrativa 
 
Para a análise da narrativa propriamente dita, diferentes 
caminhos podem ser seguidos. Escolher se o da gramática narrativa 
estrutural, principal fonte da semiótica narratológica.2 
A gramática narrativa, além de herdar da lingüística, mais 
especificamente da semântica, Schnaiderman chama consciência semiótica 
ou estrutural, dois veios de ori- [página 10] gem bem marcados: os estudos 
dos formalistas russos, sobretudo sobre o folclore, e os trabalhos de Propp, 
de um lado, e as abordagens das mitologias, essencialmente na perspectiva 
de Lévi-Strauss, do outro. 
Os textos precursores dos formalistas russos trouxeram para a análise 
narrativa a preocupação, em primeiro lugar, com a análise imanente do 
texto, ao mostrarem a necessidade de compreender as estruturas objetivas 
da obra, interrogada em si mesma. Seria, no entanto, no mínimo um engano 
não reconhecer que os formalistas, além de terem aos poucos alargado suas 
perspectivas, não chegaram nunca a eliminar os falos sociais da 
compreensão lingüística.Propp, folclorista e etnólogo, não pertenceu ao grupo dos formalistas, 
mas seus trabalhos têm muito em comum com os estudos dos elementos 
dessa escola. A morfologia do conto de Propp é, sem sombra de dúvida, 
uma das obras sobre as quais repousa a análise estrutural da narrativa, 
representada, nos Estados Unidos, pelos estudos do folclore e, na França, 
pelos trabalhos de Bremond, Todorov, Barthes e Greimas. Ao conceber 
invariantes narrativas, como as funções e as esferas de ação, distinguindo, 
por exemplo, o doador do objeto mágico do pássaro que oferece uma pena 
ao herói, do peixe que lhe dá uma escama ou do velho que lhe cede um 
bastão que bate, Propp revelou as regularidades subjacentes à variedade 
dos contos maravilhosos russos. Os métodos e técnicas propostos foram, 
posteriormente, estendidos a outros tipos de textos3: os da “grande 
literatura”, os não-figurativos, como os discursos políticos e científicos, os 
não-verbais. 
Se Propp apreendeu unidades sintagmáticas constantes sob a 
diversidade do texto, coube à antropologia, de visão estrutural, desenvolver 
as pesquisas taxionômicas, como por exemplo a descrição das 
terminologias do parentesco. A elaboração metodológica das 
etnotaxionomias e as análises paradigmáticas, de Lévi-Strauss sobretudo, 
procuraram explicar as regularidades estruturais subjacentes e são 
comparáveis ao modelo lógico-conceptual constituído por Greimas para a 
representação das estruturas profundas. 
Aos esforços precursores dos formalistas russos e dos antropólogos 
seguem-se, principalmente na França, trabalhos que marcaram época nos 
estudos da narratividade, como a ‘Introdução à análise estrutural da 
narrativa’, de Barthes. Este, a partir de Benveniste (1974), reconhece níveis 
de descrição lingüística e mostra que a distribuição, ou relação de mesmo 
nível, não basta para a construção do sentido do texto, sendo necessário 
considerar também as relações que inte- [página 11] gram níveis 
hierarquicamente diferentes. Distingue assim, pela primeira vez, funções 
distribucionais, que foram desenvolvidas por Bremond (1966, 1973), ao 
deduzir regras dos possíveis narrativos, e funções integrativas, como os 
indícios e os informantes. Essa distinção teve larga aceitação entre os 
estudiosos da narrativa, O texto instigante de Barthes, de 1966, levantou 
muitos problemas, em sua maioria já resolvidos, ao menos 
provisoriamente, pelas pesquisas que a ele se seguiram. A unidade 
sintagmática da função, por exemplo, foi reformulada em termos de 
enunciado narrativo, caracterizado pela relação entre actantes, o que 
permitiu a construção de uma sintaxe narrativa. 
Entre os trabalhos sobre a narratividade, não podem ser ignoradas as 
contribuições de Bremond, ainda bastante presas à etnoliteratura, de 
Todorov, no campo dos estudos literários, e dos semioticistas da Escola de 
Tartu4. A vinculação entre os formalistas e os atuais semioticistas russos é 
motivo de controvérsias. Enquanto alguns estabelecem uma relação de 
continuidade direta entre formalistas (período de 1914 a 1930) e 
semioticistas (a partir de 1960), para outros, como Lévi-Strauss, a ruptura é 
completa. Schnaiderman não acredita em nenhuma das colocações 
extremistas e mostra “marcos essenciais no desenvolvimento de uma 
consciência semiótica” na URSS — um dos quais seria o formalismo —, 
responsáveis pelo aparecimento da semiótica de Tartu 
(SCHNAIDERMAN, 1979, p. 26). São principalmente os textos de 
semiótica da literatura que fazem a ponte entre os formalistas, poetas em 
sua maioria, e os semioticistas, lingüistas e cibernéticos. 
A apresentação que se acabou de fazer teve por objetivo, em 
primeiro lugar, ressaltar a necessidade de explicar a estrutura sintático-
semântica subjacente ao texto, seja no quadro da frase, seja na instância do 
discurso. Em segundo lugar, pretendeu-se, ao tratar da gramática narrativa 
estrutural, expor alguns elementos — a ênfase formalista na análise interna 
e imanente do texto; as unidades sintagmáticas constantes ou invariantes 
narrativas de Propp; as regularidades paradigmáticas subjacentes da 
antropologia estrutural; as relações distribucionais e integrativas e a 
questão dos níveis de descrição textual — cuja contribuição foi inegável 
para a elaboração de uma teoria semiótica da narratividade. 
 
A GRAMÁTICA SÊMIO-NARRATIVA 
 
A opção feita neste trabalho pela abordagem sêmio-lingüística5 do 
discurso deve-se, essencialmente, conforme foi [página 12] apresentado na 
Introdução, à concepção de discurso que, a partir de vários autores, 
discutimos e fizemos nossa: tal enfoque descreve e explica 
satisfatoriamente o componente narrativo do discurso; é, sem dúvida 
alguma, a proposta mais desenvolvida, atualmente, de análise interna e 
imanente do texto; acredita-se, finalmente, que tal modelo permita, pela 
mediação da enunciação, articular o discurso com suas condições de 
produção. Ao conceber um sistema de regras capaz de explicar, com os 
mesmos princípios epistemo-metodológicos, tanto as estruturas narrativas 
quanto as discursivas, a semiótica deu já os primeiros passos para a 
construção de um modelo que, sem abandonar a análise do texto, examine 
também sua inserção no contexto. Pretende-se, portanto, fazer o projeto 
avançar nessa direção, sem contradições teóricas, pois a enunciação, que se 
tomará como elemento mediador entre formações discursivas e sociais, tem 
já lugar na proposta semiótica. 
 
Uma proposta semiótica 
 
A semiótica, como a vê Greimas, tenta determinar as condições em 
que um objeto se torna objeto significante para o homem. Herdeira de 
Saussure e de Hjelmslev, não toma a linguagem como sistema de signos e 
sim como sistema de significações, ou melhor, de relações, pois a 
significação decorre da relação. Falar da significação é falar do sentido 
negativo decorrente do postulado saussuriano da “diferença”. Uma 
grandeza semiótica qualquer é, por conseguinte, uma rede de relações e 
nunca um termo isolado. 
 
A teoria semiótica caracteriza-se por: 
 
a) construir métodos e técnicas adequadas de análise interna, 
procurando chegar ao sujeito por meio do texto; 
b) propor uma análise imanente, ao reconhecer o objeto textual como 
uma máscara, sob a qual é preciso procurar as leis que regem o 
discurso; 
c) considerar o trabalho de construção do sentido, da imanência à 
aparência, como um percurso gerativo, que vai do mais simples e 
abstrato ao mais complexo e concreto, em que cada nível de 
profundidade é passível de descrições autônomas; 
d) entender o percurso gerativo como um percurso do conteúdo, 
independente da manifestação, lingüística ou não, e anterior a ela. 
[página 13] 
 
Análise interna 
 
O enfoque semiótico procura organizar o texto como uma totalidade 
de sentido e determinar o modo de produção desse sentido, isto é, como o 
texto diz o que diz (GROUPE D’ENTREVERNES, 1979, p. 7). Para atingir 
tais objetivos, a semiótica tem-se esforçado por elaborar procedimentos 
operatórios e por construir modelos adequados à análise interna. 
A crença na necessidade de análise interna, ou seja, de descrição e 
explicação dos mecanismos e regras que engendram o texto, constitui uma 
das razões da escolha teórica feita. Como foi bem salientado na Introdução, 
não se acredita, porém, que termine aí a construção do sentido do discurso. 
Pretende-se, assim, cobrar da semiótica a explicação dos mecanismos de 
produção do sentido, produção que não se fecha no texto, mas vai do texto 
à cultura, ao mesmo tempo que dela depende. 
 
Análise imanente 
 
Hoje, na lingüística, da frase ou do discurso, poucos são os enfoques 
que não distinguem a imanência da aparência, ou estruturas profundas de 
estruturas de superfície, ou ainda macroestruturas de estruturas textuais, O 
texto, objeto da enunciação, é uma ilusão — referencial e enunciativa— e, 
para ser explicado, precisa ser desbastado dos efeitos de sentido aparentes. 
Sob a aparência, busca-se a imanência do discurso; sob a máscara, as leis 
que o produzem. Depois de cumpridos os procedimentos de abstração, é 
necessário efetuar o percurso inverso e reconstruir, a partir de estruturas 
imanentes, as estruturas aparentes da manifestação. 
Imanência e aparência são níveis diferentes de abstração e 
dependem, portanto, da perspectiva adotada, o que dificulta ou mesmo 
impede a tarefa de precisar o que são instância profunda e instância de 
superfície. Construções metalingüísticas, estrutura profunda e estrutura de 
superfície designam os pontos de partida e de chegada de uma cadeia de 
transformações (GREIMAS & COURTÉS, s.d., p. 352), tendo assim 
caráter puramente operatório. A título de exemplo, podem-se comparar as 
concepções de estrutura profunda em Fillmore e em Chomsky: a estrutura 
profunda em Fillmore, com seus papéis sintático-semânticos ou casos, é 
“mais profunda” que a estrutura profunda em Chomsky, ou melhor, está 
mais distante da manifestação. São as estruturas intermediárias, em 
Fillmore, resultantes de transformações ao menos de subjetivação e 
objetivação, que podem ser comparadas, por se encon- [página 14] trarem 
no mesmo nível de descrição, com a estrutura profunda em Chomsky. 
Em semiótica, as estruturas profundas são as estruturas mais simples 
que geram as estruturas mais complexas. A maior complexidade deve ser 
entendida também como uma “complementação” ou um “enriquecimento” 
do sentido, já que novas articulações são introduzidas em cada etapa do 
percurso e a significação nada mais é que articulação. Considera-se, 
portanto, o trabalho de construção do sentido, da imanência à aparência, 
como um percurso gerativo. 
 
Percurso gerativo 
 
O discurso é encarado pela semiótica como uma superposição de 
níveis de profundidade diferente, que se articulam segundo um percurso 
“que vai do mais simples ao mais complexo, do mais abstrato ao mais 
concreto” (GREIMAS & COURTÉS, s.d., p. 206). 
A noção de percurso gerativo é fundamental para a teoria semiótica. 
Prevê-se a apreensão do texto em diferentes instâncias de abstração e, em 
decorrência, determinam-se etapas entre a imanência e a aparência e 
elaboram-se descrições autônomas de cada um dos patamares de 
profundidade estabelecidos no percurso gerativo. As razões que levaram à 
escolha de certas etapas e não de outras, igualmente possíveis, resultam da 
concepção de discurso e de construção de sentido assumidas e serão 
percebidas, mais claramente, na explicação de cada patamar. 
O nível propriamente semiótico, imanente, compreende o percurso 
gerativo todo e distingue-se do nível lingüístico (ou pictórico, gestual, etc.) 
aparente, que se situa fora do percurso gerativo e em que se reconhecem as 
estruturas textuais. 
O nível semiótico comporta três etapas julgadas necessárias para a 
clareza da explicação do percurso: a das estruturas fundamentais, instância 
mais profunda, em que são determinadas as estruturas elementares do 
discurso, a das estruturas narrativas, nível sintático-semântico 
intermediário, e a das estruturas discursivas, mais próximas da 
manifestação textual. São lugares diferentes de articulação do sentido, que 
pedem a construção, no interior da gramática semiótica, de três gramáticas 
— fundamental, narrativa e discursiva —, cada qual com dois 
componentes, ou seja, uma sintaxe e uma semântica. 
A sintaxe e a semântica complementam-se na gramática semiótica. A 
sintaxe semiótica deve ser considerada uma sintaxe conceptual, em que as 
relações, ainda que reconhecidamente abstratas, são significantes, e a 
semântica, uma semân- [página 15] tica gerativa — ‘concebida sob a forma 
de investimentos sucessivos, dos mais abstratos aos mais concretos e 
figurativos” —, sintagmática, e não apenas taxionômica, e geral 
(GREIMAS & COURTÉS, s.d., p. 431 e 396). 
No nível das estruturas fundamentais, uma sintaxe explica as 
primeiras articulações da substância semântica e das operações sobre elas 
efetuadas e uma semântica surge como um inventário de categorias sêmicas 
com representação sintagmática assegurada pela sintaxe; na instância das 
estruturas narrativas, uma sintaxe regulamenta o fazer — simulacro do 
fazer do homem no mundo e das suas relações com os outros homens — e 
uma semântica atribui estatuto de valor aos objetos do fazer; na etapa mais 
superficial das estruturas discursivas, uma sintaxe organiza as relações 
entre enunciação e discurso e uma semântica estabelece percursos 
temáticos e reveste figurativamente os conteúdos da semântica narrativa. 
Passa-se, assim, do lógico-conceptual ao narrativo graças à ação do 
homem, sujeito do fazer, e do narrativo ao discursivo pela intervenção do 
sujeito da enunciação. 
 
 
 
Texto da imagem: 
 
 
Tomando-se o texto de João Cabral de Melo Neto ‘O vento no 
canavial’, em análise de rápidas pinceladas, pode-se entender melhor a 
noção de percurso gerativo. 
 
 
O vento no canavial 
 
Não se vê no canavial É como um grande lençol 
nenhuma planta com nome, sem dobras e sem bainha; 
nenhuma planta maria, penugem de moça ao sol, 
planta com nome de homem. roupa lavada estendida. 
 
É anônimo o canavial, Contudo há no canavial 
sem feições, como a campina; oculta fisionomia: 
é como um mar sem navios, como em pulso de relógio 
papel em branco de escrita. há possível melodia. 
 
 
[página 16] 
 
 
 
ou como de um avião É solta sua simetria: 
a paisagem se organiza, como a das ondas na areia 
ou há finos desenhos nas ou as ondas da multidão 
pedras da praça vazia. lutando na praça cheia. 
 
Se venta no canavial Então, é da praça cheia 
estendido sob o sol que o canavial é a imagem: 
seu tecido inanimado vêem-se as mesmas correntes 
faz-se sensível lençol, que se fazem e desfazem, 
Gramática semiótica Sintaxe Semântica 
Gramática fundamental 
(lógico-conceptual) Sintaxe fundamental Semântica fundamental
Gramática narrativa 
(antropomórfica) Sintaxe narrativa Semântica narrativa 
Gramática discursiva 
(da enunciação) Sintaxe discursiva Semântica discursiva 
 
se muda em bandeira viva, voragens que se desatam, 
de cor verde sobre verde, redemoinhos iguais, 
com estrelas verdes que estrelas iguais àquelas 
no verde nascem, se perdem. que o povo na praça faz. 
 
Não lembra o canavial (MELO NETO, 1975, p. 148-9) 
então, as praças vazias: 
não tem, como têm as pedras, 
disciplina de milícias. 
 
 
 
 
Os conceitos empregados, nesse rápido exercício, estarão mais bem 
desenvolvidos no corpo do trabalho. Não serão distinguidos, com nitidez, 
os fatos sintáticos dos semânticos. 
No nível das estruturas fundamentais, primeira etapa na geração do 
sentido, as categorias semânticas /anônimo vs. com nome/, /em branco vs. 
Escrito/, /sem feições vs. com cara/, podem-se reduzir à relação 
fundamental /não marcado vs. Marcado/ ou /continuo vs. descontínuo/. 
Lembrando a lição da semântica de que o sentido nasce da 
descontinuidade, da ruptura, da percepção da diferença, tem-se a oposição 
entre a significação da marca, do nome, da feição, do traço e a ausência de 
significação do anonimato, da diluição, da continuidade ou, em última 
instância, entre o sentido da vida (“sensível lençol”, “bandeira viva”, “no 
verde nascem”) e o sem-sentido da morte (“tecido inanimado”)6. 
Acrescente-se a relação de /estaticidade vs. dinamicidade/ ou 
/conservação—manutenção vs. mudança—transformação/ ou /ordem vs. 
desordem/ e, muito provavelmente, estarão arroladas as categorias 
semânticas sobre as quais se constrói o poema. 
Ainda no patamar das estruturas fundamentais, cabe explicação das 
operações sintáticas que põem em movimento as [página 17] relações 
acima estabelecidas.As operações lógicas de negação e de asserção 
determinam os seguintes percursos: 
 
1 2 3 
continuidade descontinuidade ruptura 
morte (sem-sentido) não-morte vida (sentido) 
estaticidade (conservação) não-estaticidade dinamicidade 
 
cujas etapas (1, 2 e 3) podem ser reconhecidas no texto: 
 
1: anônimo; sem feições; mar sem navios; papel em branco de escrita; 
lençol sem dobras e sem bainha; tecido inanimado; 
2: oculta fisionomia; possível melodia; a paisagem se organiza; finos 
desenhos nas pedras da praça vazia; sensível lençol; estrelas verdes 
que no verde nascem; não lembra as praças vazias; não tem 
disciplina de milícias; 
3: ondas da multidão; praça cheia; mesmas correntes que se fazem e 
desfazem; voragens que se desatam; redemoinhos que o povo na 
praça faz. 
 
O texto trata, portanto, do surgimento da vida, do movimento, da 
transformação, da ruptura ou do aparecimento da tensão entre estados de 
distensão e de relaxamento. 
No segundo patamar do percurso gerativo, o das estruturas 
narrativas, é preciso reconhecer sujeitos humanos que realizam as 
mudanças descritas como operações lógicas, no nível fundamental. No 
poema, há um sujeito que transforma estados, ou seja, que altera a relação 
de outros sujeitos com os objetos-valor. Nesse caso específico, transforma-
se a competência do sujeito para a ação: o sujeito sem nome, feições ou 
marcas, que nada quer, sabe ou pode fazer, torna-se um sujeito determinado 
ou “qualificado”, que aspira às mudanças (faz “estrelas”), é capaz de operá-
las e, finalmente, age (“correntes que se fazem e desfazem”; “que o povo 
na praça faz”). O sujeito responsável pela alteração das qualidades do 
sujeito da ação é denominado, na teoria semiótica, destinador. Destinador é 
aquele que determina a competência e os valores do sujeito que age, aquele 
que, em suma, estabelece as regras do jogo. No texto em exame, o 
destinador aparece sob a figura do vento que muda o canavial, que lhe dá 
voz e vez, O canavial, graças ao vento, coloca-se como sujeito operador das 
mudanças de estado e como sujeito “apaixonado”, que espera, que confia e 
desconfia, que se desilude e se aflige, que não se conforma e se revolta. 
A terceira e última etapa do percurso gerativo, a mais próxima da 
manifestação, é a das estruturas discursivas. Exa- [página 18] mina-se o 
texto como resultado da enunciação, como discurso, enfim. Retomam-se as 
estruturas narrativas na perspectiva da instância de enunciação que as 
assume. Instala-se, no poema, um observador, sujeito cognitivo delegado 
do sujeito da enunciação, que “filtra”, que conduz o discurso. Nada mais 
justo, portanto, que nesse texto a dimensão do saber esteja figurativizada 
pela visão (“não se vê no canavial”; “oculta fisionomia”; “o canavial é a 
imagem”; etc.) e que seja claro o jogo de veridicção entre o ser e o 
parecer: o canavial mente, pois parece, mas não é estático e sem feições, e 
esconde segredos, pois, embora não pareça, tem “fisionomia”. O 
observador, ao assumir diferentes posições e perspectivas, ao fazer variar o 
ponto de vista, conhece ou reconhece as voragens ocultas, os redemoinhos 
escondidos, a melodia possível. 
Sendo o observador (e não o narrador) o condutor do discurso, 
aparecem fortes recursos de aspectualização, que garantem a passagem das 
transformações narrativas a processos com começo, meio e fim. A 
descontinuidade aspectual rompe a duratividade do “papel em branco”, da 
“campina” ou do “grande lençol” e o aspecto incoativo da mudança dá 
início a uma nova duratividade. 
Também no nível do discurso, a semiótica examina os temas e as 
figuras que os recobrem. As relações e operações elementares do nível 
fundamental, já retomadas como transformações, valores e paixões 
narrativas, apresentam-se, no nível discursivo, como percursos temáticos e 
figurativos. Em ‘O vento no canavial’, várias linhas temático-figurativas 
podem ser estabelecidas. Uma primeira leitura é, sem dúvida, a do vento 
que mexe com o canavial. Outras são possíveis e não se pensa em esgotá-
las aqui: 
 
a) leitura sócio-política das transformações sociais, com a presença de 
elemento desencadeador das mudanças operadas pelo povo “lutando 
na praça” (não se pode esquecer do papel transformador da praça, 
muito bem reconhecido pelos antropólogos); 
b) leitura sócio-econômica do anonimato e do conformismo 
do homem do Nordeste, submetido às injunções da política 
econômica e à natureza e com ela confundido, mas que, se 
soprar o “vento forte”, pode mudar-se em “bandeira viva”; 
c) leitura existencial e cíclica da vida, da fecundação e do nas cimento. 
 
A apreensão vertical dessas linhas temáticas (e figurativas) cria 
metáforas: o povo, o Nordeste, o homem confundem-se com o canavial; o 
líder, o herói, o fecundador misturam-se com o vento; os movimentos da 
cana balançada pelo vento [página 19] equivalem, na leitura vertical, ao 
nascimento ou às lutas na praça cheia. 
Percorridas, rapidamente, as etapas de geração do sentido propostas 
pela semiótica, resta, ainda, a possibilidade de considerar o texto nas suas 
relações com o significante — lingüístico, visual, etc. —, já fora do 
percurso gerativo. Cabe lembrar que, a partir de Hjelmslev, a semiótica 
condiciona a construção de uma metalinguagem descritiva à separação dos 
planos da expressão e do conteúdo, sem que isso signifique deixar de 
reconhecer a implicação mútua que os define. Entende-se o percurso 
gerativo, portanto, como um percurso do conteúdo, independente de sua 
manifestação e anterior a ela. A manifestação tem implicações diversas, 
como a linearidade e a organização no espaço, a escolha lexical, as marcas 
estilísticas, de que a semiótica não se ocupa. No caso da manifestação 
verbal, o nível textual desdobra-se, por sua vez, em instância das estruturas 
de superfície e instância das estruturas profundas, estudadas pela 
lingüística. 
 
 
 
GRAMÁTICA FUNDAMENTAL 
 
A sintaxe e a semântica fundamentais constituem o nível profundo da 
gramática sêmio-narrativa, a instância ab quo do percurso de geração do 
sentido de um discurso (GREIMAS & COURTÉS, s.d., p. 432-3). 
 
 
Sintaxe fundamental 
 
A sintaxe fundamental articula-se nos subcomponentes taxionômico 
ou morfológico e operacional ou sintático. Em decorrência do caráter 
relacional da sintaxe semiótica, os termos do subcomponente taxionômico 
são interseções ou redes de relações e as operações do subcomponente 
sintático, stricto sensu, “atos que estabelecem relações” (GREIMAS & 
COURTÉS, s.d., p. 433). 
O subcomponente taxionômico ou morfológico descreve e explica o 
modo de existência da significação como um microssistema relacional não 
orientado, ou melhor, como estrutura elementar. Com a noção de estrutura 
elementar, procurou-se dotar a semiótica de uma definição de estrutura 
capai de incluir relações que “constituem o essencial da herança Sobre a 
qual repousa o cálculo lingüístico desde 1827” (GREI- [página 20] MAS, 
1981a, p 44). Organização estrutural mínima, a estrutura elementar define-
se, em primeiro lugar, corno a relação que se estabelece entre dois termos-
objetos — um só termo não significa —, devendo a relação manifestar sua 
dupla natureza de conjunção e de disjunção. Tal estrutura necessita, porém, 
ser precisada e interpretada por um modelo lógico que traduza bem suas 
relações em oposições de contradição, contrariedade e complementaridade, 
e que a torne operatória, no plano metodológico. O quadrado semiótico foi 
concebido como a representação lógica, “tão simples quanto possível” 
(RICOEUR, 1980, p. 6), da estrutura elementar7. 
 
 
 
 
 
 
 S�1 S�2 
 
 
 
 
 
 
 
 S2 S1 
 
 
 
 
 
relação de contrariedade 
relação de contradição 
relação de complementaridadeOs termos da categoria elementar s1 e s2, mantêm entre si relação de 
oposição por contraste, no interior de um mesmo eixo semântico, e podem, 
cada um deles, projetar, por uma operação de negação, um novo termo, seu 
contraditório (s�1 e s�2). Só é possível pensar em estrutura elementar 
quando s1 e s2 forem termos polares de uma mesma categoria semântica. 
Retoma-se, como ilustração, o texto ‘O vento no canavial’, já 
utilizado no item sobre o percurso gerativo, para melhor situar os conceitos 
da gramática fundamental. Investindo o quadrado semiótico com as 
categorias semânticas do poema citado, tem-se: 
 
 
 
Texto da imagem: 
 
S1 S2 
continuidade ruptura 
morte vida 
estaticidade dinamicidade 
 
 
 
S�2 S�1 
não-ruptura descontinuidade 
não-vida não-morte 
não-dinamicidade não-estaticidade 
 
 
[página 21] 
 
Percebe-se facilmente que /continuidade vs. ruptura/, /morte vs. 
vida/, /estaticidade vs. dinamicidade/ são termos de uma mesma categoria 
semântica: temporal, existencial e de movimento, respectivamente. 
Além das relações categoriais (s1 vs. s2 e s�2 vs. s�1 são contrários; 
s1 vs. s�1 e s2 vs. s�2 são contraditórios; s�1 vs. s1 e s�2 vs. s1 são 
complementares), o modelo acima define seis dimensões: 
 
dois eixos: s1 + s2 e s�1 + s�2 
dois esquemas: s1 + s�1 e s2 + s�2 
duas dêixis: s1+ s�2 e s2 + s�1 
 
Os termos categoriais (s1, s2, s�1, e s�2) resultam de urna primeira 
geração de termos, graças às operações de negação e asserção. O quadrado 
semiótico permite ainda uma segunda geração, em que são obtidos os 
metatermos contraditórios e contrários, e uma terceira geração que produz 
os termos complexo e neutro. Os metatermos contraditórios são dois 
esquemas (s1 + s�1 e s2 + s�2) que contraem relação de contradição (por 
exemplo, imanência e manifestação, no quadrado das modalidades 
veridictórias)8 e os metatermos contrários, duas dêixis (s1 + s�2 e s2 + s�1) 
que mantêm entre si relação de contrariedade (como a mentira e o segredo, 
no mesmo quadrado das modalidades veridictórias). Os termos complexo e 
neutro caracterizam-se, respectivamente, pela reunião dos termos do eixo 
dos contrários (S (sexualidade) = s1 (macho) + s2 (fêmea)) e dos termos do 
eixo dos subcontrários (S� (assexualidade) = s�1 (não-macho) + s�2 (não-
fêmea)). 
Com esse modelo, traduz-se estaticamente a organização relacional 
do conteúdo, a taxionomia do subcomponente morfológico. Enquanto o 
subcomponente morfológico ocupa-se do modo de existência da 
significação, cabe ao subcomponente operatório ou sintático descrever e 
explicar o seu modo de funcionamento. A dinamização do modelo 
taxionômico da estrutura elementar — as relações são tratadas como 
operações orientadas — permite passar ao ponto de vista sintático. A 
orientação rias relações é a primeira condição da narratividade e pressupõe 
já um sujeito produtor do sentido. Reúnem-se aí — relações da estrutura 
elementar da significação e seqüência ordenada de operações sintáticas — 
as condições mínimas de ou discurso (GREIMAS, 1981a, p. 42-6). 
O quadrado semiótico, por meio da reformulação das ralações em 
operações, responde também pela representação dinâmica da estrutura 
elementar. [página 22] 
 
 
 
 
 
 * 
 ** 
 ** * 
 
 
 
 
(texto da imagem: * asserção; ** negação) 
 
As operações são de dois tipos: a negação e a asserção. A operação 
de negação, efetuada sobre s1 ou sobre s2, considerados como termos 
primitivos, produz seus contraditórios, respectivamente s�1 e s�2; a 
operação de asserção aplica-se aos termos s�1 e s�2 e faz aparecer os 
termos primitivos afirmativos, s1 e s2. 
 
 
 
as
se
rç
ão
 
 
asserção
 
As operações realizadas no quadrado semiótico negam um conteúdo 
e afirmam outro, engendrando a significação e tornando-a, como vimos, 
passível de narrativização. 
No poema de Cabral que se está usando como exemplo, a 
dinamização das relações fundamentais em percursos orientados resulta no 
esquema abaixo: 
 
 
s1 s2 
continuidade ruptura 
morte ** vida 
estaticidade * dinamicidade 
 
 s�1 
descontinuidade 
não-morte 
não-estaticidade 
(texto da imagem: * asserção; ** negação) 
 
 
Nega-se a /continuidade/, a /morte/ e a /estaticidade/ e afirma-se a /ruptura/, 
a /vida/, a /dinamicidade/. 
Duas tarefas, entre outras, foram confiadas ao modelo quaternário 
que acabamos de definir: a primeira é a de modelo constitucional, ponto de 
partida do percurso de geração de todo discurso, lingüístico ou não; a 
segunda, que de certa forma incluiria a primeira, é a de representar as 
relações semânticas em sua dimensão paradigmática e propiciar-lhes a 
sintagmatização pelas operações orientadas, em qualquer etapa de 
descrição. O quadrado semiótico pertence ao nível metalingüístico da 
semiótica. Ressalte-se, ainda, qualquer que seja a tarefa cumprida, a 
eficácia heurística do quadrado, enquanto modelo de previsibilidade. 
[página 23] 
Resumiu-se, em grandes linhas, a sintaxe fundamental. Foram 
apresentados apenas os elementos de consenso entre os estudiosos da 
semiótica. No item sobre a semântica fundamental, serão analisadas 
algumas reformulações possíveis, sobretudo a partir do trabalho de 
Zilberberg (1981). 
 
Semântica fundamental 
 
A semântica fundamental define-se por seu caráter abstrato e 
constitui, com a sintaxe fundamental, o ponto inicial da geração do 
discurso. 
 
as
se
rç
ão
 
Todo semantismo articula-se em categorias semânticas que, 
representadas pelo quadrado semiótico, se tornam operatórias e adquirem 
estatuto lógico-semântico (GREIMAS, 1979b, p. 9). Em princípio, uma 
única categoria é suficiente para produzir um microuniverso semântico, 
mas prevêem-se também, em sua geração, categorias hierarquizadas. Esse 
inventário ou taxionomia de categorias semânticas é sintagmatizado pelas 
operações sintáticas descritas. 
As categorias semânticas podem ser axiologizadas na instância das 
estruturas fundamentais pela projeção, sobre o quadrado que as articula, da 
categoria tímica /euforia/ X /disforia/. 
 
“Trata-se de uma categoria ‘primitiva’, dita também 
proprioceptiva, com a qual se procura formular, muito 
sumariamente, o modo como todo ser vivo, inscrito em um 
contexto, ‘se sente’ e reage a seu meio, considerado o ser vivo 
como ‘um sistema de atrações e repulsões’.” (GREIMAS, 
l979b, p. 9). 
 
Eufórica é a relação de conformidade do ser vivo com o meio 
ambiente, e disfórica, sua não-conformidade. Os termos da categoria 
semântica assim investidos são ditos valores axiológicos, e não apenas 
valores descritivos, e surgem, em relação à semântica narrativa, como 
valores virtuais, ou seja, não relacionados ainda a um sujeito. A atualização 
só ocorre na instância superior da semântica narrativa, quando tais valores 
são assumidos por um sujeito. 
Em ‘O vento no canavial’, as categorias semânticas geradoras do 
poema são axiologizadas: a /continuidade/, a /morte/ e a /estaticidade/ são 
disfóricas e opõem-se à euforia da /ruptura/, da /vida/, da /dinamicidade/. 
Passa-se, portanto, da disforia à euforia, em texto euforizante. [página 24] 
 
 
 
 
 
Texto da imagem: 
 
 
s1 s2 
 continuidade ruptura 
disforia morte vida euforia 
estaticidade dinamicidade 
 
s�1 
descontinuidade 
não-morte não-disforia 
não-estaticidade 
 
 
A aplicação do tímico sobre o descritivo e os valores axiológicos 
resultantes, além de constituírem sistemas de valores virtuais a serem 
explorados pelo sujeito da enunciação, têm especial interesse para 
explicarem-se, na instância narrativa, as articulações modo-passionais queregem as relações entre os sujeitos e os objetos. A categoria tímica /euforia/ 
vs. /disforia/, para Greimas (1979b), está por detrás, ou melhor, de acordo 
com a metáfora do percurso gerativo, por baixo das organizações modais 
que definem as paixões. 
Zilberberg (1981) sugere mudanças nas relações entre o tímico e o 
passional e alterações no próprio percurso gerativo “clássico”, de forma 
geral mantido neste trabalho. Não se discutirão aqui o interesse e o alcance 
de todas as sugestões de Zilberberg, mas serão retomados alguns pontos de 
sua proposta que se acredita poderem contribuir para melhor explicar o 
modo de produção do sentido. 
O ponto de partida das inovações de Zilberberg é a categoria /tensão/ 
vs. /relaxamento/, apresentada como oposição-matriz, correspondente à 
oposição /elevado/ vs. /reduzido/ do modelo fonológico acústico, e que 
instalaria a descontinuidade na unidade contínua do sema. 
 
“Em outras palavras, se o sema é mantido, para satisfazer o 
princípio da continuidade, como compacto ou contínuo, é 
preciso, para satisfazer agora o princípio da descontinuidade, 
instalar nessa continuidade uma ‘descontinuidade sistêmica’. 
Esta última manterá o sema como unidade, mas, ao mesmo 
tempo, o esvaziará, o escavará, roerá sua substância para 
conservar-lhe apenas a forma ou, melhor ainda e segundo a 
bela expressão de Valéry, ‘a figura da forma’.” 
(ZILBERBERG, 1981, p. 6). 
 
Cada sema tem, nessa perspectiva, dupla definição, em relaxamento 
e em tensão, ou seja, o sema varia entre um estado tenso e outro relaxado. 
Os percursos de tensão e de relaxamento são denominados modalidades 
tensivas. [página 25] 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Texto da imagem: 
 
 tensão (t) relaxamento (r) 
 
 
 
intensão (r�) distensão 
(t�) 
 
 
Zilberberg ilustra bastante bem sua proposta: o operador ou, por 
exemplo, engloba tanto o ou tenso das oposições quanto o ou relaxado das 
analogias; em La Rochefoucauld, a distinção entre avareza e economia é 
uma variação de intensidade e não de qualidade, ao contrário do que ocorre 
com avareza e prodigalidade, ambos termos tensos que se separam por 
“qualidade semântica”; os universos semânticos também se determinam 
pela tensividade: o de Baudelaire, tenso, o de Verlaine, relaxado 
(ZILBERBERG, 1981, p. 22-3). 
Se as modalidades tensivas subjazem a toda unidade de sentido, 
podem ser consideradas como termos de uma categoria que modaliza as 
categorias semânticas, no nível das estruturas fundamentais, papel que 
Greimas atribui à categoria tímica. 
Neste trabalho, pretende-se empregar a categoria da tensividade, 
articulada em tensão e relaxamento, mesmo sem acompanhar as demais 
contribuições de Zilberberg à semiótica. A categoria da tensividade poderá 
levar a melhor caracterizar a categoria tímica /euforia/ vs. /disforia/, 
responsável, como foi visto, pela axiologização das categorias semânticas 
fundamentais. A categoria tímica será redefinida como categoria fá rica. A 
troca de nomes, de timia para foria, explicita o caráter articulador da 
categoria, a ser entendida, a partir daí, não só pela oposição tímica de /bem, 
benéfico (eu-)/ vs. /mal, maléfico (dis-)/, mas também pela relação de 
/tenso/ vs. /relaxado/. A euforia define-se, assim, como uma tensão 
decrescente e um relaxamento crescente; a disforia, como aumento de 
tensão e diminuição de relaxamento. 
A tensividade, para Zilberberg, é uma propriedade do ser vivo ou, 
mais exatamente, do encontro do ser vivo com o não-vivo, concepção que 
lhe permite homologar a forja ao princípio do prazer de Freud, à pulsão. 
Retoma-se, uma vez mais e indiretamente, a categoria tímica, tal qual a 
propôs Greimas, como a categoria que articula as reações do ser vivo a seu 
contexto. 
Pode-se concluir que a tensividade, ou melhor, a variação e a 
conservação tensiva organizam os conteúdos no nível das estruturas 
fundamentais e correspondem à metacategoria semântica, tímica ou fórica, 
que determina o descritivo e o torna valor axiológico. Metacategoria 
definidora das catego- [página 26] rias semânticas ou relação sintática 
responsável pela organização, conservação ou redução das diferenças 
semânticas, como prefere Zilberberg, a tensividade tem, inegavelmente, um 
papel a cumprir na instância fundamental do percurso de geração do 
sentido, além de iluminar um pouco as obscuras regras de passagem de um 
nível semiótico a outro. 
 
Conversão das estruturas fundamentais 
em estruturas narrativas 
 
Caracterizada a gramática Fundamental, Cumpre tratar da conversão 
das estruturas profundas em estruturas narrativas, etapa imediatamente 
superior no percurso gerativo. O problema colocado pela passagem de um 
nível a outro, quaisquer que sejam eles, não encontrou ainda real solução. 
O reconhecimento dos procedimentos de conversão e o estabelecimento de 
suas regras estão apenas começando. Sabe-se, no momento, que a 
conversão9 diz respeito à manutenção e não à ruptura, introduzindo a 
continuidade na descontinuidade das etapas. A equivalência ao modelo 
inicial deve ser mantida, ao mesmo tempo que a estrutura se torna mais 
complexa e o sentido mais “rico”. 
Quanto à passagem específica do nível fundamental ao narrativo, é 
possível reconhecer certos elementos. As operações da sintaxe fundamental 
convertem-se, na sintaxe narrativa e graças ao sujeito do fazer, em 
enunciados do fazer que regem enunciados de estado. Pode-se dizer que a 
conversão das operações lógicas em transformações narrativas é uma 
antropomorfização, em que a sintaxe narrativa, de caráter antropomórfico, 
substitui as operações lógicas da sintaxe fundamental por sujeitos do fazer 
e define sujeitos de estado pela junção com objetos-valor, formulando, 
portanto, sintaticamente, a relação básica do homem com o mundo. 
Há semioticistas, como Zilberberg, que, em lugar de definirem a 
narrativa pela antropomorfização das operações lógicas fundamentais, 
preferem determiná-la pela intencionalidade. Entende-se a intencionalidade 
como a tensividade fundamental com um começo e um fim. Em outras 
palavras, a intencionalidade narrativa decorre da aspectualização10 da 
variação e da conservação tensiva das estruturas fundamentais. 
Pela conversão semântica, os valores virtuais, isto é, ainda não 
assumidos por uru sujeito na instância fundamental, são selecionados e 
atualizados na instância narrativa. A atualização realiza-se em duas etapas: 
inscrição dos valores em objetos, que se tornam objetos-valor, e junção dos 
objetos-valor com os sujeitos. Os valores axiológicos virtuais conver- 
[página 27] tem-se, dessa forma, em valores ideológicos, entendidos como 
valores assumidos por um sujeito, a partir de seleção no interior dos 
sistemas axiológicos. 
 
GRAMÁTICA NARRATIVA 
 
A gramática narrativa descreve e explica o modo de existência e de 
funcionamento das estruturas narrativas ou superficiais que constituem a 
etapa imediatamente superior, no percurso de geração do sentido, à das 
estruturas fundamentais. 
 
Sintaxe narrativa 
 
Retomando a concepção espetacular da sintaxe, entende-se a sintaxe 
narrativa como o simulacro do fazer do homem que transforma o mundo. 
Desvendar a organização narrativa consiste, portanto, em descrever e 
explicar as relações e funções do espetáculo, assim como em determinar 
seus participantes. Para tanto, a análise narrativa procura utilizar o quadro 
geral e rigoroso da teoria semiótica, buscando mostrar e analisar a 
especificidade de cada texto e não, como acreditam alguns criar uma 
camisa-de-força, uma fôrma, em que devam obrigatoriamente entrar os 
mais diversos discursos. A proposição de modelos de enunciados 
narrativos, de programas, de percursos e mesmo de um esquema narrativo 
canônico, que serão vistos em seguida, só tem sentido se tais modelos 
forem entendidos como instrumentos deanálise e de previsão, que facilitam 
a decomposição do discurso e a explicação coerente das transformações e 
dos estados e que possibilitam a comparação, por exemplo, de narrativas 
diferentes. Enquanto instrumentos de previsão, permitem reconhecer, por 
catálise — explicitação dos pressupostos —, elementos narrativos 
implícitos. 
Parte-se de duas concepções complementares de narratividade: 
narratividade como transformação de estados, de situações, operada pelo 
fazer transformador de um sujeito, que age no e sobre o mundo em busca 
de certos valores investidos objetos; narratividade como sucessão de 
estabelecimentos e de rupturas de contratos entre um destinador e um 
destinatário, de que decorrem a comunicação e os conflitos entre sujeitos e 
a circulação de objetos-valor. Em outros termos, as estruturas narrativas 
simulam a história da busca de valores, da procura de sentido. [página 28] 
 
Enunciado elementar 
 
O enunciado elementar da sintaxe narrativa será definido pela 
relação-função entre pelo menos dois actantes. Função está sendo tomada 
no sentido lógico-matemático de relação entre duas variáveis. Com base 
nessa concepção de sintaxe relacional, deve-se rever a noção de actante de 
Tesnière, pois, para a semiótica, actante é o termo-resultante da relação-
função ou, em outras palavras, a relação-função é constitutiva dos actantes, 
seus funtivos. 
A relação que caracteriza o enunciado elementar é a de transitividade 
— relação que comporta um investimento semântico mínimo —, e os 
actantes, definidos por tal relação, são o actante sujeito e o actante objeto. 
A relação transitiva entre sujeito e objeto dá-lhes existência. 
Investimentos semânticos complementares à relação de transitividade 
permitem estabelecer distinção entre duas diferentes funções, a junção e a 
transformação, e entre duas formas canônicas de enunciados elementares. 
A fábula ‘A Galinha dos ovos de ouro’, de Millôr Fernandes, será 
utilizada para ilustrar os diferentes tipos de enunciados e outros conceitos 
da gramática narrativa. 
 
A Galinha dos ovos de ouro 
 
Era uma vez um homem que tinha uma Galinha. Subitamente, 
em dia inesperado, a Galinha pôs um ovo de ouro. Ouro! Outro 
dia, outro ovo. Outro ovo de ouro! O homem mal podia 
dormir. Esperava todas as manhãs pelo ovo de ouro — clara, 
gema, gala, tudo de ouro! — que o tirava da miséria aos 
poucos, e aos poucos o ia guindando ao milionarismo. O fato, 
que antigamente poderia passar despercebido, na data de hoje 
atraía verdadeiras multidões.: E não só multidões. Rádios, 
jornais, televisão, tudo entrevistava o homem, pedindo-lhe 
impressões, querendo saber detalhes de como acontecera o 
espantoso acontecimento. E a Galinha, também, ia dando aqui 
e ali seus shows diante dos jornais, câmaras, microfones. Certa 
vez até, num esforço de reportagem, conseguiu pôr um ovo 
diante da câmara da TV Tupi. Porém o tempo passou e muito 
antes que o homem conseguisse ficar rico, a Galinha deixou de 
botar ovos de ouro. Desesperado, o homem foi ocultando o 
fato, até que, certo dia, não se contendo mais, abriu a galinha 
para apanhar os ovos que ela tivesse lá dentro. Para sua 
decepção não havia mais nenhum. [página 29] 
Então o homem — espírito bem moderno — resolveu 
explorar o nome que lhe ficara do acontecimento e abriu um 
enorme restaurante, com o sugestivo nome de Aos Ovos de 
Ouro. E isso lhe deu muito mais dinheiro do que a Galinha 
propriamente dita. 
 
MORAL: CRIA GALINHAS E DEITA-TE NO NINHO. 
(FERNANDES, 1975, p. 99) 
 
As duas formas canônicas de enunciados elementares, definidas 
pelas funções de junção e de transformação, são: 
 
enunciado de estado.... F junção (S,O) 
 Ex.: “Era uma vez um homem que tinha uma 
Galinha” 
enunciado de fazer.... F transformação (S,O) 
 Ex.: “Subitamente, em dia inesperado, a Galinha pôs um 
ovo de ouro”. 
 
A junção é a relação que determina o “estado” do sujeito em relação 
a um objeto qualquer. Articula-se em conjunção e disjunção: 
 
enunciado de estado conjuntivo....S ⋂ O 
 Ex.: O homem tinha a Galinha dos ovos de ouro. 
enunciado de estado disjuntivo....S ⋃ O 
 Ex.: O homem não tinha mais a Galinha dos ovos de 
ouro. 
 
Os enunciados de fazer operam a passagem de uni estado a outro, ou 
seja, de um estado conjuntivo a um estado disjuntivo e vice-versa. O objeto 
da transformação e, portanto, um enunciado de estado. Na fábula, ao matar 
a galinha (enunciado de fazer) o sujeito do fazer “homem” muda seu estado 
de conjunção com o objeto “galinha e ovos de ouro” em estado de 
disjunção. 
Retomando a definição de actantes, pode-se dizer que o sujeito não 
existe nem semântica nem semioticamente se não for determinado pela 
relação transitiva com um objeto. Se a relação que os liga for de disjunção, 
serão chamados de sujeitos (e objetos) atualizados, se de conjunção,serão 
ditos realizados. Anteriormente à junção, os sujeitos serão virtuais. A 
natureza da função constitutiva do enunciado permite, ainda, distinguir 
sujeitos e objetos do estado, de sujeitos e objetos [página 30] do lazer. O 
objeto, enquanto objeto sintático, caracteriza-se como uma posição 
actancial que pode receber investimentos de projetos do sujeito (objeto do 
fazer) e de suas determinações (objeto do estado) (GREIMAS & 
COURTÉS, s.d., p. 313). Tais investimentos fazem do objeto um objeto-
valor. 
No texto-exemplo, o sujeito (homem) define-se pela relação 
transitiva com o objeto (ovos de ouro, dinheiro), que, investido pelos 
projetos e pelas determinações do sujeito (em busca de dinheiro, fama e 
prestígio), torna-se um objeto-valor. O sujeito apresenta-se ora como 
sujeito virtual (antes de a galinha botar ovos de ouro, não mantém relação 
juntiva com o objeto), ora como sujeito realizado (quando “sua” galinha 
põe ovos de ouro, o sujeito passa a estar em conjunção com o objeto), ora 
como sujeito atualizado (quando a galinha deixa de botar ovos de ouro e é 
morta, o sujeito se relaciona por disjunção com o objeto). 
Conclui-se, a partir da apresentação das duas formas de enunciados 
elementares, que a sintaxe narrativa não é uma sintaxe de sujeito-
predicado, como as da gramática gerativa ou da sintaxe distribucional, mas 
uma sintaxe semelhante à de Tesnière ou Fillmore, em que o núcleo é o 
“verbo”, que define a relação entre actantes. Os dois tipos de enunciados 
marcam no discurso a diferença entre estado e transformação, cujo 
reconhecimento e distinção constituem o primeiro trabalho da análise 
narrativa. A narratividade deve ser entendida como a sucessão de estados e 
de transformações, responsável, nessa instância, pela produção do sentido. 
Em ‘A Galinha dos ovos de ouro’, seguem-se estados de disjunção e 
de conjunção do sujeito com o objeto-valor (ovos de ouro, dinheiro), sendo 
as mudanças ocasionadas por transformações (enunciados de fazer): a 
galinha começa a botar ovos de ouro; a galinha deixa de pôr ovos de ouro e 
é morta; o homem abre um restaurante que lhe dá muito dinheiro. 
 
Sintagma elementar: programa narrativo 
 
O sintagma elementar da sintaxe narrativa é denominado programa 
narrativo. O programa narrativo constitui-se de um enunciado de fazer que 
rege um enunciado de estado. Ao integrar os estados e as transformações, o 
programa narrativo, e não o enunciado, deve ser considerado a unidade 
operatória elementar da sintaxe narrativa. [página 31] 
 
 
No programa narrativo abaixo representado, o enunciado de estado é 
o enunciado resultante da transformação, a partir do qual se pode 
reconstituir o estado inicial. 
 
F = função 
→ = transformação 
S1 = sujeito do fazer 
S2 = sujeito do estado 
⋂ = conjunção 
⋃ = disjunção 
Ov = objeto-valor 
 
 
 
Pelo fato de transformar estados, o sujeito do fazer altera a junção do 
sujeito do estado com os valores e, portanto,

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