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USO DO FLÚOR E CONTROLE DA CÁRIE COMO DOENÇA2 Jaime Aparecido Cury INTRODUÇÃO A Odontologia passou por grandes mudanças con- ceituais no século XX. Entre elas, uma das mais signifi- cativas em termos de saúde foi o entendimento da cá- rie dental como doença, seu tratamento e prevenção. Sendo o desenvolvimento da cárie dental decor- rente do acúmulo de bactérias sobre os dentes e da in- gestão freqüente de açúcar, as medidas primárias para o seu controle seriam a desorganização periódica da placa dental bacteriana e a disciplina no consumo de carboidratos fermentáveis. Entretanto, a medida de maior impacto para o con- trole do desenvolvimento da cárie tem sido o uso de flúor.1* Embora seu uso isolado não impeça o desenvol- vimento da cárie, apenas reduza a sua progressão, o declínio mundial da manifestação desta doença tem sido atribuído ao uso abrangente de uma ou mais formas de utilização do flúor. Em acréscimo ao efeito relevante, porém limitado, do benefício do uso isolado de flúor, um aumento da prevalência de fluorose dental tem geralmente sido observado concomitante com a redução de cárie atual- mente constatada. Logo, considerando o presente e as perspectivas quanto ao século XXI, os desafios deste capítulo são: � Devemos continuar usando flúor da mesma forma que fazíamos há pouco tempo no passado? � Considerando que o uso isolado de flúor só reduz a cárie dental, quais associações devem ser feitas com outras medidas preventivas (controle mecâni- co e/ou químico da placa e da dieta) para impedir a cárie primária ou evitar a cárie secundária? � Como o flúor deve ser utilizado sem preocupações com a fluorose dental? � Quais são as implicações clínicas na forma de usar flúor, considerando o seu mecanismo de ação, o atual declínio da cárie e o aumento da prevalência de fluorose dental? Para abordar estes aspectos, e por questão didática, este capítulo foi dividido em tópicos, os quais, embora não tenham como objetivo esgotar o assunto, estão em uma seqüência buscando coerência de informações. COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO ESMALTE– DENTINA E IMPLICAÇÕES CLÍNICAS Durante muito tempo, o enfoque foi a composição química do esmalte; em função de ser esta a estrutura dental que primeiro se expõe na cavidade bucal, fican- do sujeita às variações do meio ambiente. Atualmente, com as perspectivas de controle de cárie de esmalte e com o aumento da expectativa de vida das populações, o fenômeno de retração gengival expõe a dentina radi- cular, que passa a merecer considerações em termos do seu comportamento no meio bucal. Tanto o esmalte como a dentina são compostos de minerais à base de apatita (sais contendo cálcio e fos- fato), os quais são extremamente dinâmicos, quer seja quando do desenvolvimento dental como após a erup- ção. Assim, durante muito tempo o conceito que per- sistiu foi a estratégia de tentar melhorar a estrutura cris- talina dos dentes para torná-los mais resistentes aos desafios do meio ambiente e, por conseguinte, à cárie dental. Durante a mineralização dos dentes, duas subs- tâncias, flúor e carbonato, entram naturalmente na es- trutura dental. Estas substâncias, por suas proprieda- des antagônicas, ainda despertam a atenção dos pesqui- sadores na tentativa de tornar o dente mais resistente à cárie dental. Com relação ao flúor, por muito tempo predomi- nou o conceito de que incorporando-se ao dente forma- ria fluorapatita (FA), a qual sendo menos solúvel que a hidroxiapatita (HA), não só explicaria a menor ocorrên- *Termo genérico para definir as formas químicas iônica (fluoreto ou íon flúor), ionizável (mineralizada, na forma de MFP) e não- ionizável (ligado covalentemente) do elemento flúor. null Odontologia Restauradora – Fundamentos e Possibilidades34 cia de cárie quando da ingestão de água fluoretada, co- mo justificaria o uso de flúor sistêmico (suplementos, p.ex., medicamentos fluoretados). Na realidade, quan- do se ingere flúor durante a formação dos dentes, não se forma FA, mas incorpora-se uma quantidade de flúor correspondente a aproximadamente apenas 10% de substituição de HA por FA. Esta concentração de flúor (Tabela 2-1) não torna o esmalte mais resistente aos ácidos produzidos pelas bactérias, pois para ficar me- nos solúvel seriam necessários 30.000 ppm de F. Des- sa forma, considerando-se que no esmalte de quem ingere flúor não se forma FA e sim apatita fluoretada (AF), a necessidade de considerar a ingestão de flúor como indispensável para controlar a cárie deveria ser questionada. Isto será abordado nos próximos tópicos deste capítulo com relação à indicação de flúor sistêmico. Enquanto o flúor incorporado ao dente poderia, a princípio, contribuir para uma maior resistência ao de- senvolvimento de cárie, o carbonato tem propriedades antagônicas. Assim, ele participa da composição quími- ca dos dentes formando apatita carbonatada. Esta, sen- do mais solúvel aos ácidos que a HA (ou AF) explica- ria por que a cárie se desenvolve mais rapidamente na dentina que no esmalte, devido à dissolução destes mi- nerais mais solúveis. A concentração maior de carbo- nato no esmalte dos dentes decíduos que no dos perma- nentes também seria a melhor explicação do porquê há uma progressão mais rápida da cárie nos primeiros. Por outro lado, isto não implica dizer que a cárie não pode ser controlada em dentina ou nos decíduos. Em adi- ção, a concentração de carbonato é alta no dente re- cém-erupcionado, sendo que o desenvolvimento da cá- rie se inicia através da dissolução deste mineral. Deste modo, menor concentração de carbonato deveria ser desejável, e isto tem sido observado quando da minera- lização do esmalte na presença de flúor. Assim, se existe algum efeito sistêmico devido ao flúor ingerido, isto poderia ser atribuído mais a uma diminuição de carbo- nato do que à quantidade de AF no dente. Entretanto, isto também ocorreria independentemente da ingestão de flúor. Deste modo, quando é feita uma aplicação tópica de flúor profissional em um dente recém-erup- cionado, ou na dentina logo após uma raspagem radi- cular, há uma dissolução da apatita carbonatada com reestruturação mineral do dente. O mesmo ocorreria quando do uso regular de dentifrício fluoretado. Ainda com relação à composição química dos den- tes e particularmente do esmalte, deve ser enfatizado que este, embora sendo extremamente duro, é um sóli- do poroso. Essa porosidade é devida a água e proteínas do esmalte, permitindo que essa estrutura calcificada seja permeável e troque matéria com o meio ambiente. Essa porosidade pode ser aumentada se houver no es- malte uma maior concentração de proteínas. Assim, quando o flúor é ingerido, durante a amelogênese have- rá menor reabsorção de proteínas, formando um esmalte mais poroso, refletindo-se em opacidade que caracte- riza a fluorose dental. Embora o esmalte mais poroso devido à ingestão de flúor não seja necessariamente mais suscetível à cárie, dados atuais sugerem que defei- tos de formação do esmalte por outras causas podem explicar uma maior atividade ou risco à doença. Outro aspecto básico da composição orgânica pro- téica do esmalte, que merece breve comentário, é com relação às tentativas de remineralizar um esmalte que perdeu mineral pelo processo de cárie. Durante o cha- mado “tratamento de manchas brancas”, a estratégia tem sido permeabilizar com ácido a zona superficial da lesão de cárie. Por outro lado, um dente com lesão de mancha branca apresenta dissolução de minerais no corpo da lesão com exposição das proteínas. Estas, por inibirem crescimento de cristal, poderiam ser uma das explicações do insucesso dos procedimentos clínicos utilizados. Sem entrar no mérito da maior importância de se controlar a doença ao invés de tratar seus sinais, parece ser mais racional remover as proteínas do inte- rior do esmalte do que “furar” sua superfície com áci- do. Deve ser enfatizado que, independentemente do procedimentoutilizado, ao se tentar tratar isoladamen- te uma mancha branca é cometido o mesmo erro do passado, quando se acreditava que restaurando um den- te se estaria “curando” o paciente da doença cárie. Deste modo, embora a composição química do dente seja importante, o seu comportamento vai de- pender de fatores do meio ambiente bucal. FÍSICO-QUÍMICA DO ESMALTE–DENTINA– SALIVA E IMPLICAÇÕES CLÍNICAS Quando um dente erupciona, ou quando há expo- sição radicular, as estruturas minerais do esmalte e/ou dentina ficam sujeitas às variações do meio ambiente Tabela 2-1 Concentração de flúor no esmalte em função da distância da superfície dental. Flúor no esmalte Distância da superfície Estudos (ppm) (µm) 600,0 10,0 CURY & USBERTI, 1982 1020,0 5,5 CURY et al., 1985 1801,0 2,7 ROSALEN & CURY, 1991 Uso do Flúor e Controle da Cárie como Doença 35 bucal. A saliva, por apresentar cálcio e fosfato – os principais minerais componentes da estrutura cristali- na dos dentes, protege naturalmente tanto o esmalte como a dentina. Por outro lado, essa propriedade bio- lógica da saliva é dependente do pH. Assim, variações de pH devido a produtos da dieta ou da conversão de açúcar em ácido pela placa dental determinarão o limi- te da capacidade da saliva de proteger os dentes. Neste aspecto, a dentina é muito mais sensível às variações de pH que o esmalte, considerando sua composição e pelo fato de que ela naturalmente deveria estar em con- tato com o fluido tecidual e não com a saliva. Assim, o conceito de pH crítico tem sido estabele- cido em Odontologia para definir quando a saliva não tem mais capacidade de proteger a estrutura mineral dos dentes. Por outro lado, considerando-se que nos dias atuais as pessoas estão expostas ao flúor, seja pela ingestão de água e/ou pelo uso de dentifrícios fluoreta- dos, a presença constante de flúor na saliva muda suas propriedades físico-químicas com relação ao chamado pH crítico de dissolução do dente. A Tabela 2-2 sintetiza essas relações entre pH do meio, presença ou ausência de flúor na saliva, efeito na estrutura mineral dos dentes e conseqüências clíni- cas para o esmalte e/ou dentina. O primeiro aspecto relevante da tabela, tendo em vista as implicações clíni- cas, é que o pH crítico para o esmalte é diferente do da dentina. Assim, enquanto a saliva consegue proteger o esmalte até que o pH não seja inferior a 5,5, a dentina é mais sensível e não resiste a um pH inferior a 6,5. Isto é relevante quando se discute cariogenicidade de alimentos, considerando o chamado pH mínimo atin- gido na placa dental. Desse modo, produtos que a prin- cípio não são considerados cariogênicos para o esmal- te, por não atingir pH inferior ao crítico, podem ser cariogênicos para a dentina radicular. Assim, o clínico deve estar preparado para orientar a dieta de adultos envolvendo desde produtos amiláceos até o uso de ado- çantes em pó contendo lactose. O segundo aspecto que deve ser enfatizado na Ta- bela 2-2, é que o pH crítico não é o mesmo quando da presença de flúor. Assim, quando água fluoretada é ingerida continuamente ou dentifrício fluoretado é usa- do regularmente, só será crítico para o esmalte um pH inferior a 4,5. Deste modo, há uma “faixa de segurança” entre pH 4,5 e 5,5, na qual o flúor exerce um dos seus efeitos para controlar o desenvolvimento da cárie den- tal. Na sua ausência, e quando de um pH menor que 5,5, porém maior que 4,5, haverá dissolução de minerais do esmalte. Embora na presença de flúor a dissolução de minerais tipo HA ou AF não seja evitada, uma certa quantidade de cálcio e fosfato é simultaneamente re- posta para o esmalte na forma de FA. Assim, o resulta- do da simples presença de flúor no meio ambiente bu- cal será uma redução de perda de minerais, interferin- do diretamente com a desmineralização do esmalte. Este conhecimento tem uma série de implicações clí- nicas. A primeira delas é quanto à margem de seguran- ça entre pH 4,5–5,5, ilustrada na Fig. 2-1. Embora isto seja um fator físico-químico, não se deve supor que o uso de flúor possa compensar qual- quer consumo de açúcar. Tendo em vista que o flúor não impede a perda de mineral, mas a reduz de manei- ra significativa, a ausência total de cárie seria mais bem explicada quando simultaneamente ao uso de flúor, e seguida uma disciplina de consumo de açúcar. A segun- da seria o fato de que nesta reestruturação de mineral com troca de HA por FA, a deposição ocorre basica- mente na superfície dental. Isto explicaria a ocorrência de uma lesão subsuperficial e a posterior resistência à progressão da cárie. A terceira implicação clínica é que o uso de flúor leva a uma redução significativa da per- da de mineral, que pode manter-se num estágio subclí- nico ou se manifestar como lesão de mancha branca de Tabela 2-2 pH do meio, presença ou ausência de flúor, efeitos físico-químicos e conseqüências para a estrutura dental. Efeito Físico-Químico Conseqüências para pH Flúor no Dissolução de Dissolução Formação Dissolução meio minerais mais de de de Esmalte Dentina solúveis* HA e AF FA FA 7,0 Não Não Não Não Não Re Re 7,0 Sim Não Não Sim Não Re+ Re+ <6,5>5,5 Não Sim Não Não Não Re Des <6,5>5,5 Sim Sim Não Sim Não Re+ Des- <5,5>4,5 Não Sim Sim Não Não Des Des+ <5,5>4,5 Sim Sim Sim Sim Não Des– Des <4,5 Indiferente Sim Sim Não Sim Cárie aguda/Erosão *Apatita carbonatada e fosfato de cálcio amorfo; Re = Remineralização; Re+ = Remineralização ativada; Des = Desmineralização; Des– = Desmineralização reduzida; Des+ = Desmineralização aumentada. Odontologia Restauradora – Fundamentos e Possibilidades36 cárie paralisada. Como isto pode ter reflexos clínicos do ponto de vista estético, estratégias de associação de flúor com controle químico de placa dental são reco- mendadas em determinadas situações de risco de cá- rie. Outro aspecto relevante da Tabela 2-2 diz respeito à ação remineralizante da saliva. Quando o pH está aci- ma de 5,5 ou 6,5, respectivamente com relação ao es- malte ou à dentina, a saliva tenta repor minerais perdi- dos pelos dentes. Essa capacidade remineralizante da saliva é melhorada pelo aumento do fluxo salivar e é ativada pela presença de flúor. Assim, o flúor aumenta de 2 a 4 vezes a capacidade da saliva de repor minerais perdidos pelos dentes. Uma das implicações clínicas deste conhecimento é que, embora isto seja verdade, nem todo mineral perdido é reposto. Cabe aduzir que o flúor é mais eficiente para repor pequenas perdas de minerais do que para remineralizar manchas brancas. Deste modo, é mais importante controlar a progressão da cárie escovando os dentes regularmente com denti- frício fluoretado do que tentar “curar” o dente de uma mancha branca usando aplicação tópica de flúor pro- fissional. Em conclusão, há um dinamismo entre a composi- ção dos dentes, suas propriedades físico-químicas e o meio ambiente bucal. Os fatores que determinarão o que ocorrerá com a estrutura mineral dos dentes são as flutuações de pH e a presença ou não de flúor no meio. Por outro lado, as variações de pH relacionadas com a progressão da cárie dental dependem da formação de uma placa dental cariogênica e da conversão de carboi- dratos (açúcares) em ácidos. FORMAÇÃO DA PLACA DENTAL CARIOGÊNICA E SUAS IMPLICAÇÕES CLÍNICAS Na saliva humana convivem milhões de bactérias, e algumas delas escolheram a superfície dura dos dentes como seu hábitat. Desde os primórdios da humanidade, as bactérias sempre aderiram aos dentes formando pla- ca dental. Entretanto, tudo mudou nesta relação entre as bactérias e o homem quando a sacarose (açúcar da cana e da beterraba) passou a ser industrializada e usada fre- qüentemente. As bactérias, particularmente as do grupo mutans, possuem enzimas chamadas genericamente de glicosiltransferases, as quais estão presentes na superfí- cie bacteriana e na películaadquirida do esmalte. A par- tir da sacarose, exclusivamente, essas enzimas produ- zem substâncias pegajosas (polissacarídeos insolúveis) que facilitam a aderência das bactérias, mesmo às super- fícies lisas. Simultaneamente, a sacarose fornece ener- gia para as bactérias se multiplicarem, ficando entre elas esses polissacarídeos extracelulares (PEC). Assim, a sacarose facilita a formação de placa, a qual sendo mais porosa devido a essa rede (matriz) de polissacarídeos, torna a placa dental mais cariogênica. Isto facilita a difu- são de açúcares por essa matriz, levando a quedas mais acentuadas de pH na interface dente–placa. Adicional- mente, a placa dental formada pela presença de sacarose tem menores concentrações inorgânicas de cálcio, fosfato e flúor. A Tabela 2-3 mostra a composição de placas dentais formadas na ausência de sacarose (Controle), na presença dos carboidratos componentes da sacarose (Glicose e Frutose) e quando da exposição à sacarose, 8 vezes por dia. A implicação clínica desta propriedade da sacarose está no fato de que sua presença pode tornar alimentos anticariogênicos em cariogênicos. Este é o caso do lei- te, que perde suas propriedades anticariogênicas quan- do é açucarado, devido a mudanças na estrutura da placa dental. Outra relevância clínica no uso da sacarose diz respeito a produtos amiláceos. Estes podem ser consi- derados de baixa cariogenicidade para a dentina e não- cariogênicos para o esmalte. Entretanto, quando a saca- rose é usada ao mesmo tempo que o amido, o potencial cariogênico deste aumenta. Isto é relevante quando a sacarose passa a fazer parte de uma cultura dietética antes só à base de amido, mudando a qualidade da pla- ca dental formada. Outro aspecto a considerar é que o uso de derivados de amido para “engrossar o leite” da mamadeira é muito comum. Se isto ocorrer simultanea- mente com uma dieta rica em sacarose, esses produtos amiláceos poderão manifestar cariogenicidade mesmo para o esmalte. Outra relevância clínica da capacidade da sacarose de formar produtos implicados com a formação da placa dental, seria a pesquisa por substâncias que inibam a formação desses polissacarídeos insolúveis. Assim, a clo- Fig. 2-1 Quedas de pH na placa dental em função do tempo após a exposição ao açúcar. Valores não-críticos (a); valores críticos quando da ausência de flúor (b); valores não-críticos quando da presença de flúor (c); valores críticos mesmo na presença de flúor (d). Uso do Flúor e Controle da Cárie como Doença 37 rexidina reduz a formação de placa mesmo na presença de sacarose e ausência de escovação; mecanismo esse que pode estar relacionado com a inibição da síntese de produtos de aderência. Na pesquisa por produtos naturais, descobriu-se que o extrato de algumas variedades de pró- polis inibem as glicosiltransferases que formam gluca- nos insolúveis, o que é extremamente promissor em termos de desenvolvimento e cultura popular. Esta alteração qualitativa e quantitativa da placa dental formada na presença de sacarose foi confirma- da clinicamente com relação à atividade de cárie, como mostra a Tabela 2-4. Observa-se que a maior atividade de cárie está associada com a menor concentração inor- gânica de íons na placa dental e maior concentração de polissacarídeos extracelulares (PEC). Em acréscimo, a Tabela 2-4 também mostra um dese- quilíbrio microbiológico da placa dental com um aumen- to de bactérias do grupo mutans. Assim, considerando a cárie como doença infecciosa, quando indicadas, medi- das como o controle químico e terapêutico da placa vi- sando o restabelecimento do equilíbrio da microbiota deveriam fazer parte dos procedimentos clínicos. Em conclusão, a placa dental formada na presença de sacarose apresenta particularidades bioquímicas (ilustradas no Diagrama 2-1), de tal modo que uma que- da não tão acentuada de pH pode ser crítica em termos de desenvolvimento da cárie dental. DINÂMICA DO DESENVOLVIMENTO DA CÁRIE DENTAL E IMPLICAÇÕES CLÍNICAS Os fatores responsáveis pelo desenvolvimento da cárie dental são: o acúmulo de bactérias sobre os den- tes e a ingestão freqüente de açúcar, o que está ilustra- do no Diagrama 2-2. Assim, toda vez que açúcar é inge- rido, penetra na placa dental onde é convertido em áci- do, provocando uma queda instantânea do pH. Como foi descrito no item 2, atingidos os pH críticos para esmalte ou dentina, estes perderão cálcio (Ca) e fosfato (P) sofrendo desmineralização. O pH permanece críti- co por um tempo que varia de 20 minutos a horas, e então retorna ao normal. O tempo para haver a rever- são do pH depende da forma como o açúcar é ingerido em que período do dia, sendo também relevante a ação da saliva. Assim, se o açúcar for ingerido na forma líqui- da, o pH volta ao normal mais rapidamente do que se “alimentos” sólidos forem consumidos. Isto é relevan- te com a mudança de hábitos alimentares, pois embora a população tenha conhecimento de que a cárie é decor- rente do consumo de doces, biscoito recheado é sinô- nimo de alimento. Este, por ser retentivo é 45% mais cariogênica que açúcar puro. Do mesmo modo, o pH retorna ao normal mais rapidamente se o açúcar for ingerido logo após as refeições do que à noite, antes de dormir. Assim, a conseqüência da amamentação no- Tabela 2-3 Composição da placa dental em função dos tratamentos. Tratamentos* Análises Controle Glicose + frutose Sacarose Peso úmido (mg) 4,5a 7,3a 13,2b Flúor (µg/g) 140,6a 27,4b 5,6b Fósforo (mg/g) 11,5a 0,5b 0,3b Cálcio (mg/g) 17,0a 1,9b 0,6b PEC (mg/g) 6,5a 11,8a 35,0b *Médias seguidas por letras distintas diferem estatisticamente; polissacarídeo extracelular. Tabela 2-4 Composição da placa dental e cárie na dentição decídua. Padrão de cárie* Análises Livre Oclusal "Mamadeira" ceod 0 2,4a 5,6b Flúor (µg/g) 58,2a 32,5b 6,2c Fósforo (mg/g) 6,1a 4,0b 2,6b Cálcio (mg/g) 10,6a 7,9a 3,3b PEC (mg/g) 39,2a 47,4b 55,6b Açúcar/dia 2,9a 3,9b 5,3c S.mutans-logUFC/mg 8,6a 11,3b 14,3b *Médias seguidas por letras distintas diferem estatisticamente; PEC = polissacarídeo extracelular. Odontologia Restauradora – Fundamentos e Possibilidades38 turna com leite açucarado é ainda um dos problemas de cárie precoce na infância que exige um enfoque mul- tiprofissional. Nesse aspecto, deve ser ressaltada a im- portância da simples ação mecânica da saliva. Esta passa pelos dentes em diferentes velocidades, diluindo o açúcar e o ácido produzido, o que explicaria o fato de a cárie se manifestar de maneira localizada. Isto ex- plicaria, por ex., por que a prevalência de cárie é maior nos dentes anteriores superiores que nos inferiores. De alguma forma, isto também contribuiria para o aumen- to da atividade de cárie em volta de braquetes ortodôn- ticos ou de qualquer coisa que interfira com o livre movimento unidirecional da saliva (por ex., grampos protéticos). Deste modo, o clínico deve estar atento não só para diagnosticar a ocorrência de hipossalivação nos pacientes, como para remover fatores retentivos das su- perfícies dentais ou minimizar seu efeito com medidas individualizadas. De qualquer forma, como ilustrado no Diagrama 2-1, o pH retornando a valores acima de 5,5 ou 6,5, respectivamente, com relação a esmalte ou dentina, a saliva tentará a repor os minerais perdidos pelo dente, havendo sua remineralização. Entretanto, embora a saliva tenha esta propriedade, ela não é eficiente em 100%, e perdas líquidas de minerais vão ocorrendo pro- gressivamente até atingir um estágio clínico visível. Os fatores responsáveis por este desequilíbrio de perda e ganho de minerais são o acúmulo de placa dental, a fre- qüência no consumo de açúcar e o uso ou não de flúor. Assim, a Fig. 2-2 mostra a perda progressiva de mine- rais em esmalte submetido à sacarose de 0 a 8 vezes por dia e a não remoção de placa dental por 28 dias. Perdas de translucidez do esmalte são claramente visíveiscom o aumento da freqüência de exposição à sacarose. Por outro lado, as principais perdas de minerais são subsu- perficiais e seccionando os blocos (Fig. 2-3), para ana- Diagrama 2-1 Desequilíbrio ecológico bacteriano e alteração da matriz da placa dental quando da exposição à sacarose (modi- ficado de Marsh, 1994). ESM = estreptococos do grupo mutans. PEC = polissacarídeos extracelulares. Diagrama 2-2 Dinâmica do desen- volvimento de cárie. Acúmulo de bactérias sobre os dentes (1); in- gestão de açúcar (2); produção de ácido (3); quedas de pH (4) com perdas de minerais das estruturas dentais (4 a); retorno do pH a nor- malidade (5) para esmalte-dentina (6); remineralização (6 a); repeti- ção do ciclo (7); manifestação da doença cárie (8). Sacarose Ácidos + PEC pH neutro Proteínas Alterações ambientais e da matriz da placa pH baixo + PEC Remineralização Desmineralização aumentada S. oralis S. sanguis Porosidade Alterações ecológicas e da estrutura da placa ESM Lactobacillus sp. ″ Porosidade Conc. inorgânica Uso do Flúor e Controle da Cárie como Doença 39 lisar a extensão da lesão, constata-se um desequilíbrio significativo quando sacarose foi usada 8 vezes por dia (Tabela 2-5). Deve ser enfatizado que os voluntários desta pes- quisa estavam bebendo água adequadamente fluoretada, mas a placa dental não foi sequer desorganizada nenhu- ma vez por dia. Assim, considerando a dinâmica do desenvolvimento da cárie, é possível sugerir que quan- do a sacarose for ingerida de 2 a 4 vezes por dia, na presença de flúor, a perda de mineral será pequena. En- tretanto, quando da exposição à sacarose 8 vezes por dia e na presença de placa acumulada, o desequilíbrio é to- talmente deslocado no sentido de perda de mineral. As- sim, é fundamental interferir nos fatores que levam ao desenvolvimento da cárie, isto é, desorganizar regular- mente a placa formada e reduzir o consumo de açúcar. Ainda no contexto de que a cárie é um processo dinâ- mico alternante de perdas e ganhos de minerais, deve ser resgatado o trabalho clássico de cárie experimental em humanos idealizado por von der Feher (1970). Os estudantes que interromperam a escovação dental por 23 dias e bochecharam sacarose 9 vezes por dia apre- sentaram no período lesões iniciais de cárie. Porém, quan- do retomaram a escovação e reduziram a exposição à sacarose, as lesões desapareceram. Na época, concluiu- se que houve remineralização das lesões, a qual foi ati- vada pelo bochecho de flúor que os voluntários passa- ram a utilizar. Este estudo mostrou que a cárie é uma doença totalmente controlável e que interferindo-se nos fatores responsáveis pelo seu desenvolvimento, isto é, acúmulo de placa e alto consumo de açúcar, é possível inclusive reverter e/ou paralisar sua progressão. Assim, considerando-se que a manifestação clíni- ca inicial da doença cárie é uma opacidade localizada em superfícies de acúmulo de placa dental, a probabi- lidade do seu controle estará na capacidade de o profis- sional fazer o diagnóstico mais precoce da manifesta- ção da doença. Deste modo, o profissional poderá tra- balhar no sentido da reparação e/ou paralisação da pro- gressão da doença. Neste contexto, o flúor tem sido um aliado importante, não no sentido de “tratamento de manchas brancas” ou para impedir a iniciação da doen- ça, mas pela sua capacidade de efetivamente interferir no seu desenvolvimento, reduzindo sua progressão. AÇÃO DO FLÚOR NO CONTROLE DA DOENÇA CÁRIE E IMPLICAÇÕES CLÍNICAS Atualmente, há um consenso de que o flúor impor- tante é aquele mantido constante na cavidade bucal, o qual é capaz de interferir com a dinâmica do processo de cárie, reduzindo a quantidade de minerais perdidos quando do fenômeno da desmineralização e ativando a quantidade reposta quando da remineralização salivar. Fig. 2-2 Lesão de cárie (mancha branca) em função da fre- qüência de exposição à sacarose (0 a 8 x/dia). � 0 � 2x � 4x � 8x Fig. 2-3 Lesão de cárie quando da exposição à sacarose 8 vezes por dia. R = Resina de embutimento; S = Superfície do esmalte dental; L = Extensão da lesão subsuperficial; E = Esmalte íntegro. Tabela 2-5 Porcentagem de perda de mineral em função dos tratamentos. Tratamentos Perda de mineral* (%) Controle – Sacarose 2 x/dia 5 Sacarose 4 x/dia 11 Sacarose 8 x/dia 41 *Em relação ao controle. Odontologia Restauradora – Fundamentos e Possibilidades40 Isto está ilustrado no Diagrama 2-3, o qual enfatiza o principal mecanismo de ação do flúor e as limitações do seu uso isolado. Assim, o flúor não é capaz de interferir nos fatores responsáveis pela doença, isto é, a formação de placa dental e a transformação de açúcares em ácido. A pri- meira relevância clínica deste conceito é que o flúor isoladamente não impede a doença cárie. Isto mostra a importância dos controles da placa dental e/ou dieta para que um efeito máximo seja obtido. Por outro lado, embora o flúor não impeça a inicia- ção da doença, ele é extremamente eficiente em redu- zir sua progressão. Esta redução da manifestação da doença, em termos dos seus sinais, é um fenômeno es- sencialmente físico-químico. Quando o açúcar é con- vertido em ácidos pela placa dental, atinge-se pH críti- co para a dissolução dos minerais à base de apatita, porém devido à presença de flúor, uma certa quantida- de desses minerais é simultaneamente reposta na for- ma de fluorapatita. Isto ocorre porque em determinado pH, o meio é subsaturante (deficiente) em relação a um tipo de mineral (HA) que assim dissolve-se, porém sendo super-saturante (excesso) em relação a outro (FA) este forma-se. Em acréscimo, quando o pH retorna ao normal, a saliva naturalmente tenta repor os minerais perdidos pelo dente, sendo esta propriedade reminera- lizante ativada pela simples presença de flúor no meio (saliva, placa ou fluido do esmalte–dentina). Como resultado do efeito do flúor reduzindo a desminerali- zação e ativando a remineralização, há uma perda lí- quida de mineral menor do que se não houvesse flúor presente. A segunda repercussão clínica deste efeito é que usando flúor, as pessoas poderão viver toda a vida com todos os dentes. Entretanto, seqüelas da doença cárie poderão ter ou não manifestação clínica. Assim, estas reduções significativas de perdas de minerais poderão ficar num estágio subclínico ou se manifestar como uma lesão de cárie paralisada (Fig. 2-4). Deste modo, o profissional deve estar preparado para fazer o diagnostico diferencial entre uma lesão de cárie ativa de uma inativa. Embora, a lesão inativa não exija intervenção, ela pode representar um problema estético dependendo da sua localização. Daí o uso de flúor estar associado ao controle dos fatores responsá- veis pela doença. Cabe assinalar, por ex., que quando da deficiência ou ausência do controle mecânico da placa, há a opção do uso de substâncias antimicrobianas para o controle da doença. Por outro lado, a maior repercussão do conceito atual da ação do flúor está no questionamento que fa- zíamos até pouco tempo no passado: “Flúor sistêmico ou tópico?” “Qual deles?” Nesta linha de raciocínio, ilustrada no Diagrama 2-3, seria indiferente ingerir ou não flúor, pois o importante é manter quantidades pe- quenas e constantes de flúor na cavidade bucal. O uso de qual via e as associações mais adequadas a cada situação concreta, vão depender desde a indicação em termos de saúde pública até a necessidade em função de indicadores de atividade ou risco de cárie. Por uma questão didática, serão abordados em se- qüência as vias (“métodos”) sistêmica e tópica de usar flúor, considerando os vários meios, benefício e segu- rança. A apresentação estará centrada no desafio atual relacionado a como obter uma exposição apropriada ao flúor, que garanta os benefícios de redução de cárie sem maiores preocupações com riscos. FLÚOR SISTÊMICO – MEIOS DE USAR E BENEFÍCIOS Generalidades O termo “sistêmico” está relacionadoao fato de que o flúor ao ser ingerido e, circulando pelo organis- Diagrama 2-3 Efeito do flúor na dinâmica do desenvolvimento de cárie dental, reduzindo a progres- são da doença. (Modificado de Patta, N.) Uso do Flúor e Controle da Cárie como Doença 41 mo, atingiria os dentes em formação, onde se incorpo- raria entrando na mineralização dos dentes através de um efeito pré-eruptivo. Por muito tempo se acreditou que este seria o mecanismo pelo qual, por ex., a água fluoretada reduziria a cárie dental. Atualmente, é reco- nhecido que a fluoretação da água é um dos meios de saúde pública para manter flúor constante na cavidade bucal. Assim, o flúor ingerido é absorvido pelo estôma- go, atinge o sangue e é distribuído para o organismo. Ele atinge tecidos mineralizados, onde se incorpora; porém, reciclado pelos tecidos moles, atinge, por ex., as glândulas salivares quando retorna para a cavidade bucal. Assim, para garantir o efeito do flúor sistêmico, este teria que ser utilizado durante toda a vida e não só até os 13 anos, como se acreditava. Cabe enfatizar que quando se interrompe a ingestão de flúor, o organismo não tem mecanismos para manter sua constância em qualquer dos seus compartimentos. Assim, quando da interrupção ou paralisação da agregação de flúor ao tratamento da água, a concentração de flúor na saliva não é mais mantida constante. Deste modo, como mostra a Tabela 2-6, houve um decréscimo da concentração de flúor na placa dental quando do episódio de paralisação da fluoretação da água. Porém, quando o flúor foi novamente agregado ao tratamento da água, a concentração na placa foi re- posta devido à ingestão contínua e conseqüente manu- tenção da constância nos líquidos corporais. A impli- cação clínica atual desta observação é que se um indi- víduo ou a população depende exclusivamente de flúor sistêmico para controlar a cárie dental, este deverá ser utilizado continuamente. Isto foi extremamente relevan- te até pouco tempo no passado, quando água fluoretada era a única forma abrangente de usar flúor. No presen- te, para algumas populações que usam dentifrício fluo- retado, não tem sido constatada diminuição da concen- tração de flúor na placa dental quando é interrompida a agregação de flúor ao tratamento da água. Por outro lado, quando se analisa flúor na placa dental, deve ser muito bem esclarecida esta relação heterodoxa. Assim, na ausência de placa dental ou consumo de açúcar não há necessidade de flúor. Porém, quando do uso de flúor, e mesmo na presença de placa, ou resíduos desta, haverá redução de cárie. Isto se deve ao efeito do flúor ao ní- vel da placa. Entretanto, em termos práticos, é fun- damental não considerar a necessidade da existên- cia de placa dental para que o flúor tenha ação. Nesta discussão polarizada, iniciada em 1981, de efeito sistêmico (necessidade de ingerir) versus tópico (uso local) do flúor, os que então defendiam exclusiva- mente a existência do primeiro já aceitam o segundo. Por outro lado, como continua sendo discutido um pos- sível efeito sistêmico, especula-se que para indivíduos com alto risco de cárie, a ingestão de flúor poderia ain- da ter algum significado. Assim, existem vários meios de usar flúor sistê- mico, e sua indicação deveria diferenciar-se em ter- mos de importância quanto a saúde coletiva ou uso in- dividual. Meios de usar flúor sistêmico Água fluoretada Trata-se de um método de uso coletivo do flúor, consagrado no século XX como uma das principais me- didas de saúde pública, em função do seu impacto em reduzir os níveis de cárie na população. A eficiência deste método foi comprovada em dezenas de países através de centenas de avaliações. Isto também se con- firmou no Brasil, e a Tabela 2-7 mostra os resultados na redução da prevalência de cárie em escolares de qua- tro cidades, em função do tempo decorrido após o início da agregação de flúor ao tratamento da água, e tendo como indicador o índice CPOD aos 12 anos de idade. Fig. 2-4 Lesão de cárie paralisada na proximal do molar decíduo, que cumpriu todo o seu ciclo biológico. Tabela 2-6 Concentração de flúor na placa dental (ppm) em função das condições de fluoretação da água de Piracicaba, SP. Condições da fluoretação da água Flúor na placa dental (ppm)* Fluoretada (0,80 ppm) 21,7 Paralisada (0,06 ppm F) 1,7 Refluoretada (0,70 ppm) 17,3 *µg F/g de peso seco de placa. Odontologia Restauradora – Fundamentos e Possibilidades42 Os dados da Tabela 2-7, e de muitos outros estu- dos, mostram que a prevalência de cárie dental no Bra- sil era muito alta antes da fluoretação da água, e decres- ceu atingindo índices moderados no início da década de 90. Isto mostra a força do método que isoladamente reduziu em 50% a prevalência de cárie. Por outro lado, é possível constatar que após 1990, a redução foi mais rápida atingindo em 1995 valores de CPOD12 simila- res aos encontrados nos países desenvolvidos. Isto pode ser visto de uma maneira mais clara na Fig. 2-5. Os dados dessa figura podem ser interpretados à luz do conhecimento atual do mecanismo de ação do flúor no controle da cárie como doença. Assim, o uso isolado de flúor pela água, de 1970 a 1990, foi capaz de reduzir em 50% a manifestação da doença. Entretanto, após 1990 ela se reduziu mais ain- da, e isto obviamente não aconteceu porque as crian- ças de Piracicaba, passaram a beber mais água. O fato comum, observado também em outras cidades, foi a implantação de programas para o controle da doença. A educação para a saúde bucal com escovação com dentifrício fluoretado foi uma conquista do Sistema Único de Saúde (SUS), e os Municípios que tornaram isto possível podem orgulhar-se de ter hoje uma popu- lação infantil com dentes mais saudáveis. De acordo com análise feita por Capel et al. (1999), a combina- ção de fluoretação da água + dentifrícios fluoretados + programas também explicaria a redução de cárie em termos de Brasil. Por outro lado, ao mesmo tempo em que a desorga- nização regular da placa dental se somaria ao efeito do flúor, e tendo em vista que atualmente todos os dentifrí- cios são fluoretados, o impacto da fluoretação da água pode não ser o mesmo de há 20 anos. Assim, enquanto para alguns países a fluoretação da água é considerada um método dispensável, para outros, ela ainda é impor- tante medida em termos de saúde pública. Deste modo, quando no passado se agregava flúor ao tratamento da água, reduções da prevalência de cárie da ordem de aproximadamente 50% eram constatadas. Atualmente, o efeito da fluoretação da água tem sido diluído por outras medidas para o controle da doença, e o impacto se reduziu para valores de 20% com tendência à de- crescer. É o que os sanitaristas denominam “atenuação relativa da força do método”. Na hipótese de remoção das variáveis que atuam concomitantemente, a “força do método” voltaria a ser observada por inteiro. Embora a relevância da fluoretação da água tenha Tabela 2-7 Prevalência de cárie dental (CPOD)12 em crianças de 12 anos de idade em função do tempo após a fluoretação da água, em municípios brasileiros selecionados. Ano Cidades H 2 OF* 71 75 77 80 81 89 92 93 94 95 96 97 Curitiba, PR 1958 – – – – 10,1 6,0 – 3,5 – – 2,2 1,8 Piracicaba, SP 1971 8,6 – 7,4 6,2 – – 3,5 – – – – 2,2 Paulínia, SP 1980 – – – 8,2 – – – – 3,0 – 2,1 – Santos, SP 1983 – 8,9 – – – 5,1 – 3,5 – 1,7 – – Basting et al., 1998; *Inicio da agregação de flúor ao tratamento da água. Fig. 2-5 Prevalência de cárie den- tal em escolares de 10 anos de ida- de em função do tempo após a fluoretação da água de abasteci- mento público de Piracicaba, SP. Uso do Flúor e Controle da Cárie como Doença 43 diminuído, o método continua sendo importante para vários países (por ex., EUA, Reino Unido), e dados preliminares mostram menor prevalência de cárie no Brasil onde a água é fluoretada (Tabela 2-8). Os resultados da Tabela 2-8 foram recentemente con- firmados através de um levantamento de cáriefeito no estado de São Paulo, o qual mostrou declínio de cárie independentemente de fluoretação da água (Narvai & Castellano, 1999). Porém, a condição de saúde bucal nas cidades onde esse método tem sido utilizado era me- lhor, registrando-se diferença de 1 dente a mais atacado por cárie, aos 12 anos, nos municípios sem água fluore- tada. Deste modo, ratifica-se a importância da agrega- ção de flúor ao tratamento da água no Brasil, em termos de saúde pública, nas décadas iniciais do século XXI. Um dos problemas mundiais para o sucesso da fluo- retação da água é o controle da concentração adequada. Isto é uma prerrogativa das Secretarias de Saúde, e quan- do estas assumiram seu papel, houve solução. Um bom exemplo, pioneiro, é a cidade de São Paulo, que em 1990 implantou com êxito um Programa de Heterocontrole da Fluoretação da Água, decorrente do empenho da en- tão Coordenação de Saúde Bucal. Isto tem servido de estímulo para outras cidades que procuraram garantir os benefícios da fluoretação da água para toda a popula- ção. A Tabela 2-9 mostra o exemplo de Santos, SP. Quando das dificuldades para agregar flúor ao tra- tamento da água, como método de saúde pública para reduzir a cárie dental quando indicado, métodos alter- nativos têm sido idealizados. Assim, a fluoretação do sal de cozinha tem sido sugerida como o método ideal para países da América Latina, Central e outros, hoje denominados de economia de mercado não-estabiliza- da. Tendo em vista o episódio de uma tentativa de fluore- tação do sal no Brasil, do qual há pouca documentação, seria oportuno usar este capítulo para alguns esclareci- mentos. Fluoretação do sal de cozinha Este método tem sido enfaticamente sugerido pela Organização Pan-Americana de Saúde como ideal para os países das Américas, considerados de economia de mercado não-estabilizada. O sucesso da fluoretação do sal na Suíça e um estudo piloto feito na Colômbia têm sido a base para a sua recomendação, a qual deve ser vista com ceticismo. Assim, em 1990 houve uma tentativa de implemen- tação desta estratégia de prevenção no Brasil, com a argumentação de que seria eficiente e mais abrangente nas regiões Norte–Nordeste, as quais têm apresentado dificuldades históricas com a fluoretação da água. Co- mo consultor da Coordenação de Saúde Bucal do Mi- nistério da Saúde avaliei o programa proposto e acom- panhei uma tentativa das empresas interessadas em fluo- retar o sal do Rio Grande do Norte. As principais obser- vações indicadas no relatório foram: � Aproximadamente 50% do sal das regiões Norte– Nordeste não poderia ser fluoretado para se atingir a concentração “ótima” estimada de 250 mg F/kg (+10%), pois não é refinado. Este sal é simples- mente moído e em condições técnicas que inviabi- lizam a agregação de flúor. Considerando que este sal é consumido pela população de menor poder aquisitivo, o método deixaria de ter seu principal atributo que seria o impacto social. � Nas regiões Norte–Nordeste já há flúor natural na água em concentração “ótima” (Cury, 1991), o que fatalmente levaria a uma sobredosagem de flúor sistêmico. Isto foi confirmado posteriormente (Sampaio, 1993). � Seria adicionado fluoreto de potássio ao sal de co- zinha, o qual seria vendido ao governo como uma Tabela 2-8 Prevalência e redução de cárie no Brasil em 10 anos. Regiões H 2 OF 1986 1996 Diferença (%) Norte – 7,50 3,52 53,1 Nordeste – 6,90 3,13 54,6 Centro-Oeste +/- 8,53 2,82 66,9 Sudeste + 5,95 2,34 60,7 Sul + 6,31 2,41 61,8 Média nacional +/- 7,04 2,84 59,6 Tabela 2-9 Porcentagem de amostras de água com con- centração ótima de flúor. % de amostras com concentração Ano ótima (0,6–0,8 ppm F) 1990 61 1991 68 1992 94 1993 100 1994 96 Fonte: Manfredini, 1995. Odontologia Restauradora – Fundamentos e Possibilidades44 solução a 20%. Este, seria subsidiado pelo gover- no e transportado de São Paulo, Rio de Janeiro e/ ou Santa Catarina para as regiões Norte–Nordeste. A princípio seria inconcebível pagar para transpor- tar 80% de água e para as mesmas firmas que já monopolizavam a venda de iodato para o governo federal. � A concentração de flúor no sal deveria ser 250,0 mg F/kg, considerando o consumo nacional de 10- 15 g de sal/dia. Tendo em vista que o Brasil é um país continental, poderia haver grande variabilida- de de consumo em função dos hábitos regionais de alimentação. Esta possibilidade foi comprovada 4 anos antes (Simone Gil et al., 1989), quando a excreção urinária de íons flúor foi determinada em crianças de Piracicaba que ingeriam refeições pre- paradas com sal fluoretado ou bebiam água fluo- retada. A excreção de íons flúor foi 20% menor no grupo de crianças que ingeriram sal fluoretado. As- sim, a concentração de flúor no sal deveria ser 300,0 mg F/kg para manter o mesmo nível metabólico que a água fluoretada. Deste modo, estabelecer uma concentração ótima de flúor no sal para o país se- ria muito difícil. Em acréscimo, durante muito tempo os programas para determinado país têm sido decididos por outros. Entretanto, as mudanças políticas devido a conquista da democracia em países como o nosso, colocou em reflexão a imposição de decisões externas. Assim, além da restrição técnica (Cury, 1991) e de uma publicação científica (Silva, 1991), com relação às limitações do programa de fluoretação do sal no Brasil, houve tam- bém muitas manifestações políticas (Neder e Manfre- dini, 1991; Enatespo, 1992). Por outro lado, parece ha- ver tanta convicção de que as soluções para um país podem ser decididas por outros, que uma publicação recente (Cirino e Scantlebury, 1998) relata que um pro- grama de fluoretação do sal está sendo conduzido no Brasil. Entretanto, programas de fluoretação do sal vêm sendo implementados em alguns países. Resultados sig- nificativos de redução de cárie têm sido descritos na Costa Rica (Salas, 1995) embora seja interessante abor- dar dois aspectos: a) impacto do programa em termos sociais; b) prevalência de fluorose dental. Em acrésci- mo, enquanto na Costa Rica a concentração de flúor no sal produzido por três companhias está de acordo com o esperado (Gomes Salgado, 1991), no México está abaixo do valor estabelecido por lei (Maupomé Carvantes et al., 1995). Deve ser esclarecido que a fluoretação da água ou do sal são meios coletivos de usar flúor sistêmico. As- sim, quando da inexistência destes, tem sido ainda dis- cutida a indicação de suplementos de flúor para uso individual. Suplementos pré-natal A indicação de flúor pré-natal foi fundamentada no conceito de que seria indispensável fazer suplemen- tação se a concentração na água não fosse “ótima”. Assim, medicamentos ainda têm sido indicados pelos médicos para gestantes; entretanto, esta indicação é to- talmente empírica e não há razão de ser, uma vez que não há fundamentação quanto a: ����� Mecanismo de ação do flúor. Não há necessida- de de ingerir flúor para se ter redução de cárie. Par- ticularmente, no caso de pré-natal, deve ser desta- cado que a placenta não funciona como uma bar- reira à passagem de flúor como se acreditava. ����� Dose. Todos os medicamentos contêm 1,0 mg F, quantidade esta recomendada de forma empírica. Assim, se a ingestão de flúor fosse importante, de- veria haver uma dose para se atingir o benefício, e não há. Em acréscimo, se o suplemento pré-natal é indispensável, uma gestante que vive em região de água não-fluoretada deveria receber uma dose de flúor igual da de uma gestante que ingere água fluo- retada e alimentos preparados com ela. Este varia de 2 a 4 mg F/dia. Deste modo, além da quantida- de ser empírica, os suplementos pré-natais são pres- critos na forma de complexos. Como eles contêm cálcio, este complexo o flúor reduzindo sua absor- ção em 50%. Assim, mesmo se a ingestão de flúor fosse importante em termos de incorporação ao dente, a quantidade administrada seria deficiente. ����� Benefícios. A literatura era carente de um estudo adequadamente delineadopara avaliar os suple- mentos pré-natais. Porém, estudo recentemente pu- blicado mostrou que não houve redução de cárie nos dentes decíduos dos filhos de gestantes que ingeriram esses medicamentos. Em conclusão, não há razão para a prescrição de flúor pré-natal e, esses produtos deveriam ser retirados do mercado, porque além de não trazerem benefício, são deseducativos. A Odontologia deveria estar inserida numa equipe de saúde que preparasse a futura mãe para o controle da doença e não para acreditar em uma me- dicação inócua. Suplementos pós-natal Embora os suplementos de flúor pós-natal tenham sido usados no passado em programas escolares em termos de saúde coletiva, atualmente eles são basica- mente de indicação individual. Assim, são oferecidos ao consumidor na forma de medicamentos na maioria das vezes contendo flúor associado a outras substân- cias. Não há segurança para o uso destes suplementos, tendo em vista que: Uso do Flúor e Controle da Cárie como Doença 45 � Posologia. A dose de flúor prescrita leva em consi- deração a idade da criança e o teor de flúor na água de abastecimento público. Estas posologias foram estabelecidas empiricamente, pois não há uma dose de flúor sistêmico relacionada com efeito de bene- fício de redução de cárie. Assim, desde 1972 essas posologias têm sofrido contínuas mudanças para satisfazer risco/benefício. Atualmente, enquanto alguns países têm sugerido uma posologia mais conservadora, outros estão optando pela não indica- ção desses medicamentos contendo flúor. Isto tem sido decorrência de três fatores: a) declínio da cá- rie dental; b) aumento da prevalência de fluorose dental; c) mecanismo de ação do flúor. Entretanto, no Brasil ainda se segue uma posologia sugerida em 1979. A análise dos produtos do mercado bra- sileiro permitiu concluir que quem administra es- ses suplementos provocará: 1) uma sobredose em crianças de 0 a 3 anos de idade, em termos do risco de fluorose dental; 2) uma subdosagem em crian- ças com mais de 2 anos, considerando o benefício de redução de cárie. � Produtos de livre mercado. A venda desses medi- camentos não tem controle (lei da “empurrotera- pia”) e há estímulo para o consumo. Propagandas nas farmácias, inclusive em cidades com água fluo- retada, com o apelo tipo, “Cálcio deixa o osso duro” e “flúor torna o dente forte” induzem ao seu uso abusivo. Em acréscimo, considerando-se um profis- sional conscientizado da importância da fluoretação da água, e que prescreve porque a criança bebe água mineral, o risco é maior ainda. Análise em mais de 100 marcas de água mineral vendidas no Brasil mos- trou concentrações significativas de flúor natural, em termos de risco/benefício. Deve ser enfatizado que muitas vezes isto era ou é omitido no rótulo. � Prescrição empírica. Além das bulas deixarem a desejar em termos de orientação ao consumidor, o conhecimento de quem prescreve não está basea- do em ciência. Assim, a Tabela 2-10 mostra a for- ma de prescrição de médicos pediatras a um dos suplementos mais vendidos no Brasil. Merece destaque a falta de uniformidade na forma de prescrever. O medicamento é vendido na forma líqui- da, contendo um conta-gotas para a sua administração. Até pouco tempo o fabricante indicava “1 conta-go- tas/dia” independentemente da idade da criança. Atual- mente, ele sugere “encher o conta-gotas até a marca indicada pelo médico”. Porém, só há uma marca! Assim, conclui-se que não há segurança para se pres- crever suplementos de flúor pós-natal. Adicionalmente, trata-se de um dos métodos de uso individual de flúor de difícil controle, sendo comum a interrupção da sua atualização. Deste modo: a) não é indispensável ingerir flúor para o controle da cárie; b) flúor interfere com a progressão da cárie e não com os fatores responsáveis pela doença; c) por que não desorganizar regularmente a placa dental e, simultaneamente, usar flúor? FLÚOR TÓPICO – MEIOS DE USAR E BENEFÍCIOS Generalidades Dos meios de usar flúor tópico, o que melhor se enquadra em termos do controle da cárie como doença é o dentifrício fluoretado. Assim, ao mesmo tempo que a placa dental é desorganizada periodicamente pelo ato da escovação, o flúor é usado de forma regular, constan- te. Por outro lado, existem outros meios de usar flúor tópico, cada um apresentando particularidades na sua indicação clínica, devendo ser analisados separadamente. A expressão “flúor tópico” é ainda hoje utilizada não para diferenciar o efeito do flúor no controle da cárie, mas simplesmente para indicar que ele não pre- cisa ser ingerido para ter ação na cavidade bucal. Por outro lado, o entendimento de como o flúor tópico age no controle da cárie ainda gera dúvidas, porque é mais fácil relacionar flúor incorporado, dente perfeito e, con- seqüentemente, resistência aos ácidos produzidos pe- las bactérias da placa quando da ingestão de açúcar. O efeito de um método tópico ocorreria por dois mecanismos que tentam manter a constância de flúor no meio para o controle da cárie. O primeiro seria decor- rente da manutenção da concentração de flúor na sali- va pelo uso do método, e o segundo pela formação de produtos de reação no esmalte–dentina. Assim, toda vez que os dentes são escovados com dentifrício fluoretado, a concentração de flúor na sali- va aumenta, permanece elevada por um tempo de 30- 40 minutos e volta ao normal. O mesmo ocorre após o uso de bochecho fluoretado ou aplicação tópica de flúor profissional. Por outro lado, esses meios são utilizados em diferentes freqüências. Deste modo, o efeito do dentifrício fluoretado poderia ser explicado pela fre- qüência diária de escovação. Entretanto, isto não expli- caria o efeito da aplicação tópica de flúor profissional, tendo em vista a freqüência de retorno do paciente. Tabela 2-10 Porcentagem de médicos em relação ao modo de prescrição. Modo de prescrever % 0,3 ml/dia até 6 meses e 0,6 após 42 0,3 ml/dia 29 0,6 ml/dia 8 10 gotas/dia 8 2 gotas/dia 4 5 gotas/dia 4 1 gota/dia/kg 4 Fonte: Hanah et al., 1998. Odontologia Restauradora – Fundamentos e Possibilidades46 Entretanto, toda vez que o flúor tópico é utilizado, ocorre uma reação química com a estrutura minerali- zada dos dentes, formando produtos que interferem com a posterior progressão da cárie. Destes produtos, o res- ponsável pelo efeito do flúor tópico é um mineral tipo fluoreto de cálcio (“CaF 2 ”), o qual funcionando como um reservatório, tentaria manter o flúor constante no meio para interferir com o desenvolvimento da cárie (Diagrama 2-4). A formação de “CaF 2 ” depende de uma série de fatores que podem ter implicação clínica no efeito do flúor, dependendo de como o método é utilizado. A Tabela 2-11 relaciona fatores envolvidos com a forma- ção de “CaF 2 ” no dente. Os dados dessa tabela devem ser criteriosamente analisados em termos da sua repercussão clínica. As- sim: 1) embora a concentração de “CaF 2 ” seja propor- cional à concentração de flúor no meio de aplicação, isto poderia levar à conclusão de que a aplicação tópi- ca de flúor profissional seria mais eficiente que o uso de dentifrício fluoretado. De fato, ao se fazer uma apli- cação de flúor em gel, 12.300 ppm F estariam reagin- do com o dente, contra 1000–1100 ppm do dentifrício. Entretanto, embora pouco “CaF 2 ” se forme quando de uma escovação, isto é compensado pela freqüência da escovação em relação à aplicação profissional. Outra implicação clínica é o risco previsível de acreditar em “quanto maior melhor” e fazer o uso indevido de flúor. Assim, produto contendo 145.000 ppm F foi usado para aplicação profissional, levando uma criança à intoxica- ção aguda letal. Isto será abordado em tópico oportuno deste capítulo, quanto aos riscos de uso de flúor; 2) com relação ao pH, forma-se mais “CaF 2 ” em pH áci- do (3,5) que em neutro (7,0). Assim, o fluorfosfato aci- dulado é mais reativo que o neutro, o que poderáter repercussão clínica em função da freqüência com que são utilizados. Entretanto, tendo em vista que a princí- pio se forma mais “CaF 2 ” quanto menor o pH, pode- ria-se pensar no uso de produto com pH 1-2. Tem-se comprovado que deve haver um limite, e nesses pH extremos não se forma mais “CaF 2 ” que o convencio- nal 3-4; 3) com relação ao tempo de aplicação, há a tendência de formar mais “CaF 2 ” em função do tempo de aplicação. Entretanto, isto não tem qualquer reper- cussão clínica, porque dentro do intervalo de aplica- ção (1-4 minutos) não há diferença de efeito; 4) a den- tina é mais reativa que o esmalte devido à fonte disponí- vel de cálcio, na forma de apatita carbonatada e fosfato Tabela 2-11 Fatores relacionados com a reação do flúor tópico com o dente. Fatores/Condições Formação de “CaF 2 ” 1. Concentração de flúor da aplicação Maior/diretamente proporcional 2. pH do meio durante a aplicação Menor/inversamente proporcional 3. Tempo de aplicação Maior/diretamente proporcional 4. Estrutura mineralizada Maior na dentina que no esmalte 5. Tempo de erupção dental Maior no dente recém-erupcionado 6. Condição dental Maior no dente com lesão de cárie que no íntegro 7. Detergente (LSS) Menor formação Diagrama 2-4 Reatividade do flúor tópico com esmalte–dentina, formação de “CaF 2 ” e sua interfe- rência na dinâmica do desenvolvi- mento da cárie. Uso do Flúor e Controle da Cárie como Doença 47 de cálcio amorfo, os quais, ao serem solubilizados, rea- gem com o flúor e se reprecipitam como “CaF 2 ”. Isto pode ter repercussão clínica, que vai desde uma ação mecânica, reduzindo sensibilidade dentinária, até redu- ção da progressão da cárie; 5) o dente recém-erupcio- nado é rico em minerais à base de carbonato, os quais são dissolvidos pelo flúor tópico com formação de “CaF 2 ”. Isto tem implicação clínica, tanto na importân- cia da escovação diária com dentifrício fluoretado, des- de a erupção dental, para o controle da cárie, como na indicação de aplicação tópica de flúor profissional em função de indicadores de risco ou atividade de cárie na criança. Por outro lado, isto não quer dizer que a aplica- ção tópica de flúor profissional só funcione em crian- ças. Quando indicado, o profissional deve aplicar flúor nos dentes de pacientes adultos; 6) forma-se mais “CaF 2 ” quando da reação de qualquer tipo flúor tópico no esmalte com lesão de cárie do que no íntegro. Isto tem repercussão clínica, pois o “CaF 2 ” formado dentro da lesão de cárie reduz a sua posterior progressão. As- sim, quando das aplicações de flúor, o profissional in- tuitivamente estaria “curando” lesões de cárie; muitas delas ainda não clinicamente visíveis; 7) o detergente laurilsulfato de sódio (LSS) se adsorve na superfície dental podendo reduzir a reatividade do flúor. Isto é particularmente importante quando ele é usado em bochechos pré-escovação, pois reduz a formação de “CaF 2 ” no esmalte quando do posterior tratamento com flúor. Assim, a reatividade do flúor de um dentifrício pode ser diminuída se um enxagüatório bucal conten- do LSS for usado previamente. Por outro lado, o LSS está presente nos dentifrícios fluoretados, os quais são eficientes no controle da cárie. Isto seria explicável pelo fato de que quando ambos reagem ao mesmo tempo com a superfície dental, o flúor ganha a competição por ser mais reativo. Entretanto, existem vários meios de uso de flúor tópico, quer seja de competência do profissional ou de auto-uso pelo paciente. Em função das particularida- des de cada um, esses meios serão revisados. Meios de usar flúor tópico Dentifrícios fluoretados A importância deste meio de usar flúor foi resgatada a partir da década de 80, quando surgiram os primeiros dados de redução da cárie dental, independente, de fluo- retação da água, que era um método considerado indis- pensável. Simultaneamente, foi comprovado haver uma correlação entre o declínio da cárie dental, ocorrido em 16 países, e a agregação de flúor em mais de 90% dos dentifrícios comercializados. Assim, tem sido atri- buído aos dentifrícios fluoretados a razão principal para o declínio da cárie dental constatado na maioria dos países desenvolvidos. Em termos de Brasil, mudanças qualitativas e quan- titativas ocorreram com os dentifrícios a partir de setem- bro de 1988. Além de ser agregado flúor aos dentifrí- cios mais vendidos, passando os fluoretados a contri- buir com 90% das vendas, a reforma sanitária ocorrida no Brasil e a implantação de programas de educação para a saúde nas escolas permitiram que um outro seg- mento da sociedade pudesse também ser beneficiado por este meio de usar flúor. Isto teve impacto na redu- ção da cárie em escolares no Brasil, independentemente da fluoretação da água. Assim, a Fig. 2-6 mostra a di- ferença de prevalência de cárie entre escolares de Pira- cicaba, onde a água é fluoretada, e da cidade vizinha de Iracemápolis, que não tinha fluoretação da água. Em 1991, as crianças de Piracicaba tinham uma preva- lência de cárie 50% menor, mas a diferença foi redu- zindo-se chegando a 30% em 1997. Esta diferença po- Fig. 2-6 Redução da prevalência de cárie, em função do tempo, em es- colares quando da presença (Piraci- caba, SP) ou ausência (Iracemá- polis, SP) de água de abastecimen- to público fluoretada. Odontologia Restauradora – Fundamentos e Possibilidades48 deria ser ainda menor se a prevalência de cárie em Pi- racicaba não estivesse também em declínio. Estes da- dos confirmam outros levantamentos que apontam para uma redução da cárie dental no Brasil, e sugerem que dentifrícios os fluoretados de alguma forma têm tido participação nesta tendência. Embora hoje tenhamos aproximadamente 30 mar- cas de dentifrícios fluoretados no mercado, o assunto é ainda cercado de mitos e ceticismo. Todos os dentifrí- cios vêm sendo adequadamente fluoretados mas ape- nas cinco deles representam 90% das vendas. Por ou- tro lado, todos esses dentifrícios são fabricados no es- tado de São Paulo, e havia dúvidas quanto a eventuais modificações em sua composição durante o transpor- te, de tal modo que nem todos os brasileiros teriam o mesmo benefício. A Tabela 2-12 mostra a concentração de flúor solúvel (ativo) total (NaF ou MFP) nos denti- frícios mais consumidos nas cinco regiões brasileiras (Revista da ABOPREV, 1999). Comprova-se que de norte a sul do Brasil quem escova os dentes está usan- do flúor para o controle do desenvolvimento da cárie dental. Deve ser enfatizado que as diferenças na con- centração de 100-200 ppm F entre os produtos encon- trados nas várias regiões não implicam efeito propor- cional menor ou maior na redução da cárie. Isto é decor- rente do fato de que o efeito do flúor não é diretamente proporcional à concentração. Assim, se um produto con- tém 1000 ppm F e o outro 800, isto não quer dizer que o primeiro será 25% mais eficiente na redução da cárie. Ao mesmo tempo que hoje podemos afirmar que no Brasil quem escova os dentes tem flúor em condições de controlar a progressão da cárie, isto pode ser com- provado através da atividade do mesmo no dentifrício. Assim é possível demonstrar que o flúor do denti- frício é capaz de reduzir a perda de mineral do esmalte do dente íntegro, ou ativar a reposição de mineral do dente com lesão de cárie. A Fig. 2-7 mostra blocos de esmalte dental humano submetidos ou não a um alto desafio cariogênico, e tratados ou não com dentifrício fluoretado. Esse modelo reproduz a situação clínica de um paciente que tem retenção de placa e ingere açúcar, apresentando depois de 30 dias lesões de cárie com aspecto de mancha branca. Os blocos dentais que não foram submetidos ao desafio cariogênico (CI) mostram um esmalte normal, translúcido; porém, os blocos sub- metidos ao desafio cariogênico e tratados com denti- frício não-fluoretado (CC) mostram uma grande perda de mineral clinicamente visível. Por outro lado, os blo- cos que foram tratadoscom dentifrício fluoretado (D) tiveram menor perda de mineral, constatada visualmen- te (mancha branca) e quantificada com aparelhos para medir perda de dureza. Este trabalho mostra que o flúor do dentifrício é extremamente eficiente para interferir na progressão da cárie reduzindo a quantidade de mi- neral perdido. Entretanto, ele não impediu o desenvol- vimento da doença porque foi simulada uma condição de não-remoção da placa e alta freqüência de ingestão de açúcar (os blocos dentais ficaram diariamente 6 ho- ras em pH 4,3). Utilizando um outro modelo laborato- rial, foi possível demonstrar que o flúor do dentifrício aumenta em 2 vezes a capacidade da saliva em repor mineral na superfície do esmalte desmineralizado. Com este mesmo dentifrício, foi feito um estudo in situ. Blo- cos dentais com lesão de cárie foram colocados em pla- cas palatinas (Fig. 2-8), as quais foram utilizadas por voluntários que usaram diariamente dentifrício sem flúor ou fluoretado. Este modelo de estudo é aceito in- ternacionalmente para a aprovação de dentifrícios para o controle da cárie, e mostra que o dentifrício fluo- retado é eficiente em repor mineral na lesão de cárie. A Tabela 2-13 resume os resultados desses dois estudos. Estes resultados mostram que o flúor do dentifrício é eficiente para ajudar a saliva a repor minerais perdi- dos pelo dente, entretanto, o efeito é parcial. Por outro lado, deve ser levado em consideração que se tentou remi- neralizar o esmalte que havia perdido uma grande quan- tidade de mineral e que a eficiência do flúor é maior quanto menor a quantidade de mineral a ser reposta. Deste modo, a eficiência do dentifrício fluoretado as- senta-se na regularidade da escovação, uma vez que o flúor interfere na dinâmica do processo de cárie. Assim, ao mesmo tempo em que a placa dental é desorganizada periodicamente, diminuindo seu potencial patogênico, o flúor ajuda a saliva a repor as pequenas quantidades Tabela 2-12 Concentração (ppm F) de flúor solúvel total nos dentifrícios mais consumidos de acordo com as regiões brasileiras, e analizados assim que comprados, 1996. Dentifrícios Regiões Média Comprados Norte Nordeste C.Oeste Sudeste Sul Nacional Kolynos Super Branco* 968,8 938,4 987,9 1.014,1 1.050,9 995,3 (30)** Colgate MFP Ca 1.024,2 1.106,2 1.082,5 1.000,0 1.097,3 1.061,7 (30) Signal Original 1.331,3 1.255,4 1.446,4 1.381,3 1.361,8 1.365,4 (26) Close-Up 1.036,2 1.039,0 1.095,5 1.059,0 1.074,7 1.063,9 (28) Gessy Lever 1.256,8 1.146,7 1.377,6 1.272,2 1.284,8 1.259,4 (24) *Atualmente denominado Sorriso. **Número de amostras. Uso do Flúor e Controle da Cárie como Doença 49 de minerais perdidas pelo dente. A presença de flúor nos dentifrícios, em termos de controle da doença cárie, tem sido considerada tão relevante que foi feita a se- guinte comparação: “A importância da adição de flúor aos dentifrícios deve ser entendida como semelhante à suplementação de vitaminas ao leite, à manteiga e ao pão” O flúor dos dentifrícios, à semelhança de qualquer forma de uso de flúor, é importante tanto para crianças como para adultos e age tanto no esmalte como na den- tina. Estudo com voluntários de mais de 50 anos de idade constatou menos 41% de cárie em esmalte e menos 67% de cárie em dentina radicular quando os dentes foram escovados com dentifrício fluoretado em relação à escovação com pasta não-fluoretada. Por outro lado, a maioria dos estudos tem sido fei- ta em termos do efeito do flúor de dentifrícios interfe- rir com a cárie primária. A cárie secundária é ainda um dos grandes desafios da clínica, e tem levado à tentati- va de desenvolvimento de materiais que possam redu- zir o seu desenvolvimento. Para avaliar o efeito do flúor de dentifrícios neste tipo de lesão, blocos de esmalte dental humano foram restaurados com resina compos- ta para um estudo in situ. Esses blocos foram coloca- dos em placas palatinas, semelhantes à Fig. 2-8, com a diferença de que ficaram a 1,0 mm da superfície do acrílico para permitir o acúmulo de placa dental, por 28 dias. Durante esse período, os voluntários goteja- ram, 8 vezes por dia, açúcar sobre os blocos de esmalte e aplicaram, 3 vezes por dia, dentifrício com ou sem flúor. Após 28 dias de alto desafio cariogênico, repre- sentado pela não-desorganização da placa dental e alta freqüência de uso de sacarose, os blocos foram remo- vidos dos aparelhos, limpados e avaliados quanto à ma- nifestação da doença cárie. Como pode ser visto na Fig. 2-9, nos blocos superiores há perda de mineral cli- nicamente visível (mancha branca) em volta das restau- rações. Por outro lado, os blocos inferiores estão aparen- temente íntegros do ponto de vista clínico. Todos fo- ram submetidos ao mesmo desafio cariogênico e utili- zados pelo mesmo voluntário, com a diferença de que dentifrício fluoretado foi usado nos blocos inferiores e não-fluoretado nos superiores. Por outro lado, ao seccio- nar longitudinalmente os blocos, passando pelo centro da restauração, foi possível ver e quantificar a extensão da lesão. Isto é visto nas Figs. 2-9 e 2-10. A Fig. 2-10 corresponde a um dos blocos superiores da Fig. 2-8. É possível visualizar a extensão da lesão com perda de mineral da ordem de 60%. Considerando que os voluntários estavam utilizan- do água fluoretada, percebe-se a limitação do efeito do uso isolado de flúor frente a não-desorganização da Fig. 2-7 Blocos de esmalte dental não submetidos (CI) a de- safio cariogênico em relação aos submetidos, mas tratados com dentifrício não-fluoretado (CC) ou fluoretado (D). Fig. 2-8 Placa palatina com blocos de esmalte dental apre- sentando lesão de cárie. Tabela 2-13 Remineralização do esmalte dental por dentifrício fluoretado. Remineralização Tratamentos (%) In vitro* In situ** Dentifrício não-fluoretado 15 42 Dentifrício fluoretado*** 36 73 *Maia, Souza & Cury, 1997. **Nobre dos Santos, Koo & Cury, 1998. ***1100 ppmF (NaF). Odontologia Restauradora – Fundamentos e Possibilidades50 placa e alta freqüência de exposição ao açúcar. Entretan- to, embora nos dentes inferiores da Fig. 2-8 não hou- vesse manifestação clínica da doença cárie, no corte desses dentes, visto na Fig. 2-11, é possível detectar uma lesão subsuperficial com perda de 10% de mine- ral. Estes dados permitem uma série de reflexões em termos de implicação clínica. Em primeiro lugar, mos- tram a importância de medidas para o controle da doen- ça, enfatizando a remoção e/ou desorganização periódi- ca de placa dental para aperfeiçoar o efeito isolado do flúor. Em segundo lugar, mostram que recidivas de cá- rie podem também ser evitadas sem a necessidade de material liberador de flúor. Se o profissional–paciente estiverem comprometidos com o controle da doença, até a cárie secundária pode ser evitada com benefício da estética. Em se tratando de estética, a presença de um siste- ma abrasivo em um dentifrício é fundamental para ga- rantir a limpeza e o polimento dental. Por outro lado, entre os mitos sobre dentifrícios, os clínicos associam o desgaste dental ao abrasivo dos dentifrícios. Entre- tanto, o material abrasivo é fundamental para remover do esmalte a película adquirida e reduzir o mancha- mento dental. Pesquisas mostraram que 81% dos volun- tários que estavam escovando os dentes com dentifrí- cio sem abrasivo abandonaram o estudo 3 meses após, devido ao manchamento dental. Por outro lado, a abra- sividade de um dentifrício não deve superar um limite de desgaste da dentina e, ao mesmo tempo, deve ter po- tencial de limpeza–polimento. A Tabela 2-14 mostra a relação entre abrasividade de dentina (RDA) e potencial de limpeza dos dentifrícios do mercado brasileiro. Esse estudo mostrou uma grande variabilidade do índice de abrasividade entre os dentifrícios: variando de 15 a 233; entretanto, nenhum deles superou o máxi- mo permitido que é 250. Estes dados têm duas repercus- sões clínicas: aprimeira, é que nenhum dentifrício pode ser responsabilizado pelo desgaste dental. Assim, o pro- fissional deveria indicá-los de acordo com o grau de manchamento dental dos pacientes. Por outro lado, o grau de abrasividade não é anunciado pelo fabricante devido, talvez, ao receio da reação do profissional não muito bem informado. Assim, as empresas têm prefe- rido destacar nos apelos publicitários quando o grau de abrasividade não é alto; em acréscimo, não há regu- lamentação sobre o assunto. A outra repercussão clíni- ca é que se o desgaste dental não pode ser atribuído aos dentifrícios, o clínico deve pesquisar outras cau- sas; por ex., os ácidos não originados da placa dental provocam erosão dental. O mineral perdido é parcial- mente revertido pela saliva em 40%; entretanto, se for removido mecanicamente, o resultado será uma abrasão dental. Deste modo, o profissional deve avaliar não só o modo de escovar do paciente, como a dureza da escova, hábitos dietéticos e uso de exaguatórios bucais ácidos. Pode parecer estranho discutir limpeza e polimen- to dental neste tópico de dentifrício fluoretado, mas, se estamos, neste capítulo, descrevendo o uso de flúor no controle da cárie como doença isto faz sentido. Assim, em termos de escovação feita habitualmente pela po- pulação, o indivíduo que escova o dente com dentifrí- cio remove mais placa dental do que aquele que não usa dentifrício. Isto pode ser uma simples conseqüên- cia de hábito cultural, em que a pessoa usando dentifrí- cio teria mais prazer e escovaria os dentes por mais tempo. Por outro lado, comparando-se a quantidade de placa dental formada 12 horas após os indivíduos te- rem escovado os dentes com ou sem dentifrício, aque- les que usaram tiveram índice de neoformação de pla- ca 45% menor. Isto pode ser conseqüência do agente abrasivo presente nos dentifrícios, os quais removeriam não só as microcolônias bacterianas da superfície dental (as quais seriam verdadeiros inóculos para o neocres- cimento de placa) como removeriam a película adquiri- Fig. 2-9 Fig. 2-10 Fig. 2-11 Fig. 2-9 Blocos de esmalte restaurados com resina e submetidos in situ a alto desafio cariogênico, e tratado com dentifrício não-fluoretado (em cima) ou fluoretado (embaixo). Fig. 2-10 Lesão de cárie (L) em esmalte (E) ao redor da restauração (R), quando tratado com dentifrício não-fluoretado. Fig. 2-11 Lesão superficial de cárie (L) em esmalte (E) de bloco dental restaurado com resina (R), mas tratado com dentifrício fluoretado. Uso do Flúor e Controle da Cárie como Doença 51 da e, por conseqüência, enzimas bacterianas (glico- siltransferases) responsáveis pela aderência bacteriana. A importância do esquema “controle da placa + uso de flúor”, fazendo com que escovação com dentifrí- cio fluoretado seja considerada a forma mais racional de usar flúor, pode ser assim resumida: � Má higiene bucal + Flúor = Proteção parcial. Isto pode ser explicado pelo fato de uma placa es- pessa ser mais cariogênica e limitar o efeito remi- neralizante da saliva. Por outro lado: � Higiene bucal regular + Flúor = Proteção total. Isto implica dizer que mesmo o indivíduo não con- siga uma escovação perfeita, o fato de desorganizar a placa periodicamente já diminui seu potencial patogênico e aperfeiçoa o efeito do flúor. Em con- trapartida, se o indivíduo fosse perfeito no controle absoluto da placa, não seria necessário o uso de flúor. Por outro lado, isto é muito difícil de ser consegui- do em termos populacionais e, assim, é enfatizada a importância de escovar os dentes usando flúor. Finalizando esta discussão sobre dentifrícios fluo- retados, seria pertinente fazer algumas recomendações: � Dentifrício fluoretado é importante não só para crianças como para adultos. Em acréscimo, ele é fundamental para controlar tanto a cárie de esmal- te como de dentina. � Considerando-se que crianças menores que 6 anos de idade ingerem involuntariamente dentifrício quando escovam os dentes, medidas devem ser to- madas para a sua redução, o que será abordado no tópico deste capítulo relativo à toxicidade do flúor. � A concentração de flúor de um dentifrício deve es- tar entre 1000-1100 ppm, pois, em termos de efi- ciência, há pouca justificativa para um concentrado maior; assim como não existem dados, até o mo- mento, que justifiquem uma menor concentração. Neste aspecto, deve ser esclarecido por que exis- tem no Brasil dentifrícios com 1500 ppm F. Em primeiro lugar, isto está de acordo com as normas brasileiras em termos da concentração máxima de flúor em dentifrícios (0,15% de F). Por outro lado, isto é fundamental para garantir que os dentifríci- os mais vendidos no Brasil (Colgate Anticárie, Gessy, Signal e Sorriso) mantenham suas concen- trações de flúor ativo durante o prazo de validade; pois esses dentifrícios contêm carbonato de cálcio como abrasivo, o qual reage com o flúor diminuin- do a quantidade ativa no produto. Por outro lado, como esses dentifrícios contêm MFP (monofluor- fosfato de sódio), isto garante maior quantidade de flúor ativo no produto, como pode ser visto na Ta- bela 2-11. � As principais formas de flúor usado nos dentifrí- cios são o NaF e o MFP. Ambos são considerados eficientes no controle da cárie, tendo em vista deze- nas de estudos clínicos. Dentifrícios com SnF 2 ou fluoreto de amina podem ser encontrados. Entre- tanto, poucos estudos existem até o momento so- bre sua eficácia no controle da cárie. O MFP é fun- damental para o Brasil, considerando que os denti- frícios populares contêm cálcio que inativaria gran- de parte do flúor do dentifrício se este tivesse NaF. � Usar uma grande quantidade de água para lavar a boca após a escovação com dentifrício fluoretado reduz seu benefício no controle da cárie. Duas su- gestões são feitas: a) usar pequena quantidade de água; b) em pacientes com alto risco ou atividade de cárie, usar o bochecho de NaF a 0,05% para lavar a boca. Isto poderia ser feito pelo menos uma vez ao dia, de preferência antes de dormir, quando estiver indicada a associação “dentifrício + boche- cho fluoretado”. � Embora tenha sido considerado que bastaria esco- var os dentes uma vez por dia para o controle da cárie, investigações epidemiológicas mostram que as crianças que escovam os dentes mais de uma vez por dia com dentifrício fluoretado têm melhor redução de cárie do que quem escova menos. Por outro lado, escovar os dentes com dentifrício fluo- retado antes de dormir garantiria concentração de flúor na saliva por um período maior, propiciando melhor efeito no controle da cárie. � Alguns dentifrícios contêm flúor associado a subs- tâncias antibacterianas (triclosan+gantrez ou zinco) para o controle de placa dental. Estas substâncias estão mais associadas ao controle da placa–gengivite que a um efeito somatório do flúor no controle de cárie. Embora não haja consenso na literatura a res- peito do melhor desses dentifrícios no controle de cárie, dados preliminares sugerem que em pacien- tes com maior risco de cárie (aparelho ortodôntico), Tabela 2-14 Abrasividade (RDA) e potencial de limpeza de dentifrícios do mercado brasileiro. RDA Potencial de limpeza % de dentifrícios do mercado < 50 Baixo 31 >50 <100 Médio 49 >100 Alto 20 Dados gentilmente cedidos pela Dra. Saiki, do IPEN–CNEN, SP. Odontologia Restauradora – Fundamentos e Possibilidades52 a associação flúor + substâncias antibacterianas pode ser mais eficaz que o uso só de flúor. Por outro lado, em muitas situações clínicas o uso isolado de dentifrício fluoretado não permite o contro- le da cárie dental. Assim, a associação com outros meios de usar flúor, e/ou controle químico de placa dental, tem sido recomendada. Bochechos com flúor Trata-se de um meio de usar flúor que foi extrema- mente relevante até pouco tempo, antes do impacto do uso do dentifrício no controle da cárie. Sua indicação no presente é muito mais individual, em termos de risco
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