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RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS AULA 3 Prof. Francisco von Hartenthal 2 CONVERSA INICIAL A mata ciliar tem esse nome porque exerce a função de proteger os rios, como os cílios protegem os olhos. Em algumas regiões do Brasil, ela também é chamada de mata ripária ou ribeirinha. Quando o corpo d’água é estreito, as copas das árvores que o margeiam se tocam, fechando a cobertura como em um túnel. Nesses casos, a mata ciliar recebe ainda outro nome: mata de galeria. O que nos importa aqui é saber que esse tipo de vegetação ocorre às margens de rios, igarapés, lagos, nascentes, represas etc. Em rios e lagos maiores, a vegetação é geralmente formada por espécies arbóreas. Em várzeas, encontramos uma vegetação composta principalmente por gramíneas e arbustos. Em todos os casos, temos plantas adaptadas a inundações cíclicas. A composição biótica e as características físicas (solo, clima etc.) variam muito entre as florestas ribeirinhas, pois elas são caracterizadas não por um tipo de vegetação específico, mas sim pela localização que ocupam. O Brasil é um país rico em corpos d’água e, consequentemente, em florestas que os cercam e os protegem. As matas ciliares sofrem grande pressão de desmatamento e o trabalho por sua preservação e recuperação é fundamental para a manutenção de um ambiente ecologicamente equilibrado. Entretanto, a sua extensão ideal ou original varia muito e dificilmente pode ser plenamente restaurada. Nesses casos, as orientações práticas acerca dos limites a serem preservados ou recuperados das matas ciliares são dadas, principalmente, pelo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012). TEMA 1 – MATAS CILIARES E A PRESERVAÇÃO DA ÁGUA O antigo Código Florestal brasileiro (Lei n. 4.771/1965) já previa a preservação das matas ciliares, mas ele não foi cumprido e a situação real tornou-se bem diferente do que a lei determinava. As áreas próximas a rios e lagos são, muitas vezes, tidas como nobres para a agricultura (por terem solo rico em nutrientes) e para a pecuária (por possuírem pasto natural e permitirem que o gado possa matar a sede). Por isso, a atividade agropecuária cresceu, em grande parte, avançando sobre elas. A expansão urbana é outra fonte de pressão sobre as matas ciliares. Historicamente, a criação de vilas em direção ao interior do país foi feita tendo 3 os rios como vias de acesso a novas áreas. Com o crescimento das cidades, os assentamentos invadiram as áreas vegetadas. Mais tarde, muitos rios foram canalizados e outras áreas alagáveis, como brejos e baixadas, foram drenadas por motivos sanitários. A partir da segunda metade do século XX, o baixo valor no mercado imobiliário e a falta de interesse do Poder Público estimularam a ocupação desregulada, sobrando atualmente poucas áreas preservadas nas grandes cidades. As florestas ajudam a manter a qualidade da água de diversas maneiras. A água das chuvas é parcialmente retida pelas plantas e, dessa forma, o volume de água que chega ao rio diminui, evitando enchentes. As raízes mantêm a estabilidade e a permeabilidade do solo, protegendo as margens de deslizamentos e erosão. As matas ciliares diminuem a temperatura e, com isso, ajudam a preservar nascentes e riachos em épocas de seca. Mesmo a poluição do solo e do ar são filtradas pelos ciclos de gases e água nas áreas verdes. TEMA 2 – ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE As faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais e as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes são definidas, pelo art. 4° da Lei 12.651/2012, como Áreas de Preservação Permanente (APPs). Restingas, manguezais, encostas de morros e outras áreas de vulnerabilidade ambiental são também declaradas como APPs pelo Código Florestal. As APPs são áreas protegidas legalmente e, caso a vegetação tenha sido suprimida, o proprietário, possuidor ou ocupante é obrigado a promover a sua recomposição. Caso o imóvel rural seja vendido ou transferido a outra pessoa, a obrigação de restaurar as APPs transmite-se ao novo dono ou ocupante. Isso constitui um importante passivo ambiental que pode desvalorizar consideravelmente o imóvel. O Código Florestal estabelece que as APPs têm “a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas” (Brasil, 2012, art. 3°, II). Essa definição é importante para os Planos de Recuperação de Área Degradada – PRAD que visem recuperar APPs. Ela orienta os objetivos prioritários do PRAD e quais os indicadores de qualidade ambiental a serem trabalhados 4 TEMA 3 – RESERVAS LEGAIS Além das APPs, todo imóvel rural deve manter áreas com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal (RL). A extensão da RL depende da área do imóvel e do bioma onde se localiza, conforme o art. 12 da Lei n. 12.651. Excepcionalmente, as APPs podem ser admitidas no cálculo do percentual da Reserva Legal. A Reserva Legal tem “a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção de fauna silvestre e da flora nativa” (Brasil, 2012, art. 3°, III). Para isso, deve-se buscar a conservação ou restauração da cobertura de vegetação nativa. No entanto, com o aval do órgão ambiental, admite-se a exploração econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável. Isso abre um grande leque para o uso de Sistemas Agroflorestais (SAFs) para a recuperação dessas áreas. TEMA 4 – INSTRUMENTOS ECONÔMICOS E FINANCEIROS Existem alguns instrumentos econômicos e financeiros que podem contribuir para a recuperação de matas ciliares e áreas florestais degradadas. A servidão ambiental é um exemplo previsto pela Lei n. 6.938/1981. Com ela, o proprietário limita o uso da sua propriedade a fim de conservar ou recuperar os recursos ambientais. O detentor da servidão ambiental pode, mediante determinadas condições, aliená-la ou cedê-la onerosamente a outro proprietário que precise compensar suas áreas de preservação. A compensação ambiental é outro instrumento econômico para a preservação. Ela é atrativa quando a recuperação da Reserva Legal apresenta custos impeditivos, geralmente por estar ocupada por uma atividade econômica. A Cota de Reserva Ambiental (CRA) e a doação ao poder público de área localizada no interior de Unidade de Conservação são outros instrumentos econômicos previstos para incentivar a conservação e recuperação da natureza. Existem, ainda, algumas linhas de financiamentos rurais ou de seguros de produção agrícola que oferecem menores taxas de juros para proprietários que 5 recuperam áreas florestais e corpos d’água. Também é possível descontos no pagamento de tributos, como o Imposto Territorial Rural (ITR) e o IPTU, em alguns municípios. TEMA 5 – MÉTODOS DE RECUPERAÇÃO Recuperar uma área degradada significa fazê-la retomar a capacidade de regeneração natural. Às vezes, isso requer apenas que a degradação seja contida, com obras de engenharia (como drenagens e contenções de solo), cercamentos (para evitar o pisoteamento pelo gado), ou o corte de espécies invasoras. Porém, o sucesso desse método depende da qualidade do solo, e da presença de focos de vegetação remanescente e de banco de sementes. Nos casos que exigem maiores intervenções, deve-se priorizar os métodos mais simples e baratos. Por exemplo, se houver alguma área preservada na propriedade, pode-se transplantar serapilheira e solo superficial para a área degradada. Existem métodos para recolher a chuva de sementes ou coletá-las diretamentedas plantas, para recompor o banco de sementes que se quer recuperar. Obviamente, deve-se ter o cuidado de não degradar a área preservada. Aves, répteis e mamíferos podem ser atraídos com a instalação de poleiros e refúgios. Eles aumentam a biodiversidade e suas fezes dispersam sementes e ajudam a recompor o solo. Minhocultura e meliponicultura são atividades acessórias para a recuperação do solo e para polinização, mas devem ser feitas sempre com espécies nativas. Para acelerar a recuperação, pode-se plantar mudas de espécies nativas. Nesse método, chamado enriquecimento, tenta-se reproduzir a sucessão ecológica da região, com espécies pioneiras e secundárias mais adaptadas às condições da degradação. Árvores e arbustos que produzam flores e frutos devem ser priorizados. É possível produzir mudas na mesma propriedade, por estaquia, por exemplo, ou compra-las em viveiros próximos. Quando o plantio e a recuperação concentram-se em pontos espaçados da área degradada, tem-se o método de nucleação. Os Sistemas Agroflorestais (SAF) são atrativos por permitirem a união de preservação e produção econômica. Há diversas composições possíveis, com espécies arbóreas, arbustivas, agrícolas, forrageiras, palmeiras e animais (Moraes; Resende; Amancio, 2011). Necessariamente, haverá espécies de 6 interesse econômico e outras de interesse exclusivamente ambiental; deve-se evitar o uso de espécies exóticas ou invasoras. NA PRÁTICA Imagine que você vai apresentar um PRAD para uma APP próxima a uma nascente. Para esse exercício, considere que existe um Programa de Investimentos para a recuperação de áreas degradadas, mantido por um município. Você se reuniu com outros profissionais e conhece uma área com as características necessárias. No entanto, o patrocínio é limitado e vários projetos serão apresentados. Com o objetivo de facilitar a aprovação do seu projeto, seguem abaixo algumas orientações básicas: 1. Justificativa – Com o objetivo de melhorar a qualidade ambiental do município, a Lei Municipal n. XX, de 2018, estabelece o Fundo Municipal para Recuperação de Nascentes (FMRN). Para ser elegível, a área a ser recuperada deve estar inserida inteiramente no território do município e possuir nascentes e corpos d’água que servem à população. As áreas de preservação permanente de nascentes propostas neste projeto foram cadastradas previamente para atendimento à diretiva mata ciliar. Brevemente, você revisou a legislação aplicável, demonstrando como aplicá-la. Para a seleção da área, foram utilizados os seguintes critérios: proximidade com remanescentes; pertencimento à microbacia de abastecimento de água; presença de pequenos produtores rurais na região; alto nível de degradação. Pretende-se contribuir para a recuperação da qualidade da água da microbacia e envolver os atores locais de modo que repliquem a ação em suas propriedades. Agora, você demonstrou os benefícios ambientais e socioeconômicos do seu projeto. 2. Metas – Em dois anos, pretende-se a recuperação de sete nascentes, com a extensão florestal correspondente a 70 ha, atravessando oito propriedades, conforme etapas estabelecidas no cronograma físico- financeiro. 3. Métodos de Recuperação. Para cada APP de nascente, foi definida uma técnica de recuperação: APP 1: Condução da regeneração natural por isolamento da área com cerca; 7 APP 2: Plantio total; APP 3: Plantio total com cercamento; APP 4: Enriquecimento com até 500 mudas/ha; APP 5: Enriquecimento com até 500 mudas/ha com cercamento; APP 6: Nucleação; APP 7: Nucleação com cercamento. FINALIZANDO Vimos a importância das matas ciliares para a preservação da biodiversidade e da qualidade da água. Pudemos compreender que essas florestas sofrem forte pressão, tanto em áreas rurais como urbanas. Aprendemos o que são as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as Reservas Legais (RLs). Revimos alguns pontos fundamentais do Código Florestal (Lei n. 12.651/2012) e da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981), com seus instrumentos econômicos e financeiros característicos. Ao final, retomamos o conteúdo em conjunto com matéria anterior, referente ao Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD). Saiba mais EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Estratégias de recuperação, S.d. Disponível em: <https://www.embrapa.br/codigo- florestal/estrategias-e-tecnicas-de-recuperacao>. Acesso em: 27 jul. 2018. _____. Espécies vegetais para recuperação, S.d. Disponível em: <https://www.embrapa.br/codigo-florestal/especies>. Acesso em: 27 jul. 2018. LIMA, V. B. F. IPTU "verde ou ecológico". Conteúdo Jurídico, 29 maio 2017. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.589148&se o=1>. Acesso em: 27 jul. 2018. MODOS de restaurar florestas. Pesquisa Fapesp, 20 jan. 2016. Disponível em: <https://youtu.be/a2ygqm4UOkI>. Acesso em: 27 jul. 2018. RIBEIRO, C. Como recuperar pastos degradados. Globo Rural, 7 jul. 2016. Disponível em: <https://revistagloborural.globo.com/Integracao/noticia/2016/07/ como-recuperar-pastos-degradados.html>. Acesso em: 27 jul. 2018. 8 REFERÊNCIAS BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 2 set. 1981. _____. Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 28 maio 2012. DA SILVA, J. A. A. et al. (Coord.). O Código Florestal e a ciência: contribuições para o diálogo. SBPC, 2012. Disponível em: <http://hdl.handle.net/20.500.11832/2634>. Acesso em: 27 jul. 2018. MORAES, L. F. D.; RESENDE, A. S.; AMANCIO, C. G. Sistemas agroflorestais para o uso sustentável do solo: considerações agroecológicas e socioeconômicas. Embrapa Agrobiologia, 2011. Disponível em: <https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/86793/1/DOC281- 11.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2018. NEPOMUCENO, A. N.; NACHORNICK, V. L. Estudos e técnicas de recuperação de áreas degradadas. Curitiba: InterSaberes, 2015.
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