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FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS APLICADAS DE PRESIDENTE PRUDENTE-SP CURSO DE DIREITO LEONARDO DE ALMEIDA FERREIRA LINGUAGEM CORPORAL COMO MEIO DE PROVA Presidente Prudente – SP 2021 FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS APLICADAS DE PRESIDENTE PRUDENTE-SP CURSO DE DIREITO LEONARDO DE ALMEIDA FERREIRA LINGUAGEM CORPORAL COMO MEIO DE PROVA Trabalho de Conclusão, apresentado a Faculdade de Direito, Universidade do Oeste Paulista, como parte dos requisitos para a sua conclusão. Orientador: Prof.º Me. Lucas Ferreira Furlan Presidente Prudente – SP 2021 LEONARDO DE ALMEIDA FERREIRA LINGUAGEM CORPORAL COMO MEIO DE PROVA Trabalho de Conclusão, apresentado a Faculdade de Direito, Universidade do Oeste Paulista, como parte dos requisitos para a sua conclusão. Presidente Prudente, ... de .......... de 2021. BANCA EXAMINADORA _______________________________________________ Prof.º Me. Lucas Ferreira Furlan Universidade do Oeste Paulista – Unoeste Presidente Prudente-SP _______________________________________________ Prof. Universidade do Oeste Paulista – Unoeste Presidente Prudente-SP _______________________________________________ Prof. Dr. Universidade do Oeste Paulista – Unoeste Presidente Prudente-SP DEDICATÓRIA Dedico este trabalho primeiramente a Deus, razão da minha existência, meu fôlego de vida e o que me sustenta a cada dia em minha caminhada. E também às pessoas mais importantes em minha vida, que contribuíram na formação do meu caráter, integridade e tudo que sou, a minha família, meus pais, meu irmão e amigos. AGRADECIMENTOS Não poderia deixar de iniciar novamente agradecendo a Deus, que me proporcionou a oportunidade de realizar este curso e me fortaleceu a seguir sem desistir em meio as dificuldades. Agradeço a minha querida família, meu pai José, minha mãe Sônia e irmão Alex, que são minha base emocional, importantíssima em meio aos momentos de inconstância. Agradeço ao meu orientador Prof. Dr. Lucas Furlan, por acreditar no meu potencial e me auxiliar durante todo o estudo, bem como a todos os professores deste curso que se preocuparam não somente no conteúdo das aulas, mas também em formar o caráter dos alunos. E por fim aos meus amigos, a Jeniffer, que muito me incentivou e colegas de sala, em especial a Williane, que desde o início do curso me auxiliaram nas dificuldades e fizeram com que os estudos se tornassem mais agradáveis. “E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê.” (Marcos 9:23) RESUMO LINGUAGEM CORPORAL COMO MEIO DE PROVA A comunicação é intrínseca a sociedade e se dá de várias maneiras, dentre estas, destaca-se a comunicação não verbal, responsável pela maior parte dos sinais emitidos em uma mensagem. Assim, denotaremos as principais características da comunicação e como a leitura corporal pode ser eficaz na verificação da veracidade de um discurso. Discorreremos a respeito das provas no processo penal, suas espécies e características, fazendo um adendo a um novo conceito e valoração disseminados ao inquérito policial, destacando também, as provas orais no processo penal e seus aspectos passíveis de discussões. Partindo desses pressupostos, verificaremos a possibilidade da utilização da linguagem corporal durante a persecução criminal como meio de prova. Nesse sentido, discutiremos a utilização da linguagem corporal em casos concretos em âmbito nacional e internacional, bem como, com base nas disposições do CTB e Resoluções do Contran, demonstrar que a linguagem corporal já foi elevada a meio de prova no Brasil. Palavras-chave: Comunicação não verbal. Linguagem Corporal. Microexpressões Faciais. Meio de Prova. Detenção e apreensão. ABSTRACT BODY LANGUAGE AS MEANS OF PROOF Communication is intrinsic to society and occurs in several ways, among these, non- verbal communication stands out, which is responsible for most of the signals emitted in a message. Thus, we will denote the main features of communication and how body reading can be effective in verifying the veracity of a speech. Based on this assumption, we will verify the possibility of using body language during criminal prosecution as a means of proof. We will discourse about the evidence in the criminal process, its kinds and characteristics, making an addendum to a new concept and valuation disseminated to the police investigation, also highlighting the oral evidence in the criminal process and its aspects subject to discussion. Based on these assumptions, we will discuss the use of body language in specific cases at national and international level, as well as, based on the provisions of the Brazilian Traffic Code and Brazil’s National Transit Council Resolutions, to demonstrate that body language has already been elevated as a means of proof in Brazil. Key words: Non-verbal communication; Body Language; Facial micro-expressions; Means of proof; Arrest and apprehension. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................... 10 2 PROVAS NO PROCESSO PENAL.................................................... 12 2.1 Origem e evolução histórica............................................................ 12 2.2 Conceito de prova............................................................................. 13 2.3 Objetos de prova............................................................................... 14 2.3.1 Fatos que independem de provas....................................................... 15 2.4 Sistemas de valoração das provas.................................................. 15 2.5 Meios de prova x Inquérito policial.................................................. 16 2.5.1 Provas ilícitas...................................................................................... 19 2.6 Espécies de prova............................................................................. 19 2.6.1 Perícia e exame de corpo de delito...................................................... 20 2.6.2 Da prova oral....................................................................................... 21 3 COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL E LINGUAGEM CORPORAL.... 26 3.1 Comunicação interpessoal.............................................................. 26 3.2 Elementos da comunicação............................................................. 27 3.3 Tipos de comunicação: verbal e não verbal.................................... 27 3.3.1 Linguagem corporal: o corpo fala........................................................ 29 3.3.2 3.3.2.1 3.3.2.2 3.3.2.3 3.3.2.4 3.3.2.5 3.3.2.6 3.3.2.7 Microexpressões................................................................................. Raiva................................................................................................... Supresa............................................................................................... Medo................................................................................................... Nojo..................................................................................................... Desprezo............................................................................................. Felicidade............................................................................................ Tristeza...............................................................................................31 32 33 34 36 37 38 39 4 LINGUAGEM CORPORAL COMO MEIO DE PROVA....................... 42 4.1 Linguagem corporal em âmbito jurídico ......................................... 42 4.2 CTB e a linguagem corporal............................................................. 46 5 CONCLUSÃO..................................................................................... 50 REFERÊNCIAS.................................................................................. 52 10 1 INTRODUÇÃO Atualmente no processo penal brasileiro, as provas são formadas através de atos das partes, do juiz em casos excepcionais e por terceiros como peritos, a fim de convencer o magistrado quanto à existência ou inexistência de determinado fato, bem como da veracidade ou falsidade de determinada afirmação. As provas são de extrema importância para a dialética processual, exigindo assim idoneidade e validade para que tenham o objeto a ser discutido (CAPEZ, 2016). Dentre os meios de provas existentes, destacam-se aqueles produzidos oralmente através de oitiva das partes e testemunhas. Segundo Nucci (2016), testemunhas são aqueles que viram ou ouviram acerca da ocorrência de fatos e assim depõe sobre eles. No entanto, é provável que a testemunha não conte exatamente tudo que aconteceu, necessitando assim de uma boa interpretação de quem o avalia. Levantada essa questão, torna-se importante uma análise comportamental e comparativa para que se possa buscar a verdade, segundo Dimitrius e Mazzarella (2009, p. 181) “... temos que observar de perto o modo como as pessoas se comportam sobre os outros se quisermos obter uma impressão correta delas”. Segundo Ekman (2011), nosso corpo tende a reagir naturalmente e a emitir sinais mediante as emoções que são desenvolvidas, a fim de lidar com as situações em que nos deparamos. Diante do exposto, a problemática a ser levantada é como a linguagem corporal poderia ser utilizada no âmbito jurídico. A hipótese a ser trabalhada é que sejam feitas análises por peritos em linguagem corporal, por meio de vídeos contendo as oitivas das partes e ou testemunhas, na fase pré-processual (investigatória) e fase processual (ação penal). O objetivo geral deste estudo é demonstrar a possibilidade das expressões corporais e faciais serem utilizadas em âmbito jurídico como meio de prova. Destacam-se também os principais tipos de comunicação humana, suas características e como podem auxiliar na busca pela verdade real. E por fim, demonstrar a aplicabilidade da linguagem corporal em âmbito jurídico internacional e nacional. A presente pesquisa é relevante visto a quantidade de casos com provas insuficientes e contraditórias, quer seja, para acusar ou mesmo inocentar um indivíduo. Dá-se sua importância acadêmica e científica também, visto que o entendimento da 11 linguagem corporal é importante não só para o meio jurídico, mas para toda a sociedade na forma em que alcançar. O presente estudo será desenvolvido a partir de pesquisa bibliográfica, com o método de pesquisa hipotético-dedutivo. 12 2 PROVAS NO PROCESSO PENAL As provas são os alicerces que sustentam todo o deslinde processual e é mister que sejam fidedignas na busca pela verdade dos fatos. Abordaremos neste capítulo inicial, sua origem, conceito, características e algumas espécies de provas relacionadas ao tema do presente do estudo. Há discussões a respeito do valor probatório atribuído ao inquérito policial, diante disso, daremos vazão a um novo entendimento sobre seu conceito e valoração, bem como também discutiremos os aspectos das provas orais e possíveis fragilidades destas. 2.1 Origem e evolução histórica A palavra prova originou-se do latim probatio, que significa confirmação, verificação de algo. E dela deriva o termo probare, verbo provar, que significa reconhecer por experiência, aprovar, levar alguém ao conhecimento de determinada coisa (NUCCI, 2016). Conforme Mittermaier (2008), na antiguidade não necessariamente se utilizavam provas no processo penal, a exemplo dos antigos povos romanos, onde as pessoas eram julgadas apenas pela convicção dos julgadores baseando-se em sentimentos e algumas outras influências. Segundo o autor supracitado, no período do Império romano deu-se início aos meios de prova, com estabelecimento de algumas regras pelos juízes e permitindo a prova testemunhal. Juntamente com este Império, surgiu o Direito Canônico, onde deram início ao Sistema Probatório, admitindo então o princípio das provas por indícios e provas em geral. Ainda segundo Mittermaier (2008), no fim do século XVIII na Europa, os criminalistas davam importância à íntima convicção do magistrado, que era baseada na Lex Carolina, obra do Direito Germânico que permitia a tortura a fim de obter do suspeito, a confissão da verdade. No entanto, outros criminalistas se mostraram contrários à esta forma de julgamento. Então, a fim de suprir esses conflitos, eis que surge o Júri na Alemanha. 13 Nesta mesma época, houve a Revolução Francesa, que modificou o sistema probatório penal, empoderando o juiz a julgar conforme sua livre convicção, desde que a justificasse através da motivação da sentença (MOURA, 2009). Conforme diz Capez (2016), atualmente no processo penal brasileiro, as provas são formadas através de atos das partes, do juiz em casos excepcionais e por terceiros como peritos, a fim de convencer o magistrado quanto à existência ou inexistência de determinado fato, bem como da veracidade ou falsidade de determinada afirmação. 2.2 Conceito de prova Há, vários conceitos para o termo prova, dentre esses, Nucci (2016, p. 234) define três sentidos fundamentais: a) ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou a verdade do fato alegado pela parte no processo (ex.: fase probatória); b) meio: trata- se do instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo (ex.: prova testemunhal); c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando a verdade de um fato. Neste último senso, pode dizer o juiz, ao chegar à sentença: “Fez-se prova de que o réu é autor do crime”. Portanto, é o clímax do processo. Segundo ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO, os dois primeiros sentidos dizem respeito à ótica objetiva, enquanto o terceiro refere-se à ótica subjetiva, decorrente da atividade probatória desenvolvida (Direito à prova no processo penal, p. 33-34). Ainda conforme o autor supracitado, ao atentarmos para provas, buscamos a verdade, no entanto esta é relativa, visto que algo verdadeiro para alguém, pode não ser para outro. Desta maneira, o que as partes precisam exatamente é deixar o magistrado convencido sobre a realidade daquilo que alegam. Assim, a convicção do juiz será verdadeira ou errônea, correspondendo a realidade ou não respectivamente, mas nunca será falsa, pois assim dizendo, haveria um contrassenso, visto que é necessário a certeza do juiz como precedente da condenação prolatada. O processo penal busca uma reconstrução aproximada de um fato histórico. Esta reconstrução visa instruir o julgador bem como dar conhecimento ao juiz acerca do fato. Diante disso, as provas são os meios pelos quais se darão essas reconstruções do fato criminoso (LOPES JR, 2016). 14 Segundo Machado, A. (2014), a prova é basicamente uma busca pela verdade. E como nem sempre é possível atingir um juízo com absoluta certeza, esta busca se torna extremamente angustiante. Nesta busca pela verdade, destaca-se o princípio da verdade real. Sobre este princípio Mossin (2010, p. 298) assim destaca: O princípio da verdade real ou processual está diretamente vinculado ao sistema de produção da prova. Descobrir a verdade real ou material é catalisar elementos probatícios aptos a demonstrar com segurança imutável quem realmentepraticou o crime (autoria, coautoria ou participação), o modo e o meio como foi executado. Consiste, no dizer de Fenech “que o julgador penal tende a adequar seu pensamento com os fatos tais como foram e como são. As provas são a base de todo o processo penal, sobre a qual discorrerá toda a dialética do processo. As provas válidas e idôneas são essências para que hajam os objetos que fundamentarão os debates jurídicos (CAPEZ, 2016). Por fim, é importante fazermos menção aos elementos de informação, que não se confundem com as provas. Os elementos de informação são os elementos resultados da investigação dos fatos. São obtidos somente na fase pré-processual, através do inquérito policial ou procedimento administrativo que o substitua. Possuem conteúdo informativo, mas podem auxiliar na formação da convicção do juiz para decretação da sentença, desde que tenha apoio nas demais provas produzidas na fase judicial (MACHADO, V. 2011). 2.3 Objetos de prova Segundo Capez (2016), o objeto da prova é todo fato ou circunstâncias relacionadas ao crime, que não resta comprovada certeza da causa. São fatos que influenciam em todo o processo e, portanto, necessitam de comprovação. Os fatos desimportantes e em que não restam dúvida, não necessitam ser provados atendendo ao princípio da economia processual. Nesse mesmo sentido entende Marcão (2018, p. 444): Objeto da prova, portanto, é a veracidade, ou não, da imputação; é a alegação ou o que deve ser demonstrado nos autos do processo a fim de que o juiz possa conhecê-lo fato e sobre ele emitir juízo de valor quando for decidir a respeito. Em síntese: só devem constituir objeto de prova as alegações e os fatos pertinentes e relevantes, assim compreendidos aqueles que têm relação 15 com a causa e realmente podem influenciar na análise da imputação formulada, contribuindo para o julgamento da ação penal, cumprindo que a atividade probatória se desenvolva conforme o ordenamento jurídico vigente. A validação do objeto da prova é de extrema relevância ao processo, contribuindo para um bom andamento processual e permitindo ao o juiz, emitir seu parecer com fundamento e clareza. 2.3.1 Fatos que independem de provas Conforme diz Capez (2016), alguns fatos não necessitam ser provados, quais sejam: a) fatos axiomáticos: são aqueles evidentes em si, em que já há uma certeza sobre seu conhecimento. Exemplo: uma pessoa que é atropelada e tem todo o corpo dilacerado em determinado acidente, é evidente qual o foi a causa da morte; b) fatos notórios: são aqueles de conhecimento de todos, a exemplo de um feriado nacional, conhecido em todo o país; c) fatos de presunções legais: são aqueles que estão expressamente descritos em lei, a exemplo de que um menor é expressamente classificado como incapaz, não podendo existir prova em contrário; d) fatos inúteis: são aqueles que não acrescentam no processo. Exemplo. Uma pessoa que diz ter ocorrido um crime próximo ao horário do jantar e o magistrado pergunta-lhe quais tipos de pratos foram usados. O direito também não necessita ser provado em regra, exceto quando se dá em razão de leis municipais, estaduais, consuetudinárias ou alienígenas. Segundo o autor supracitado, por exclusão, os demais fatos restantes deverão ser provados, incluindo aqueles admitidos pelas partes, assim denominados como fatos incontroversos. Se faz necessário a produção de provas para que o magistrado possa esclarecer qualquer fato duvidoso ao seu entender. E para que possam ser produzidas, elas necessitam ser permitidas em lei, conexas ao processo, visar esclarecimento, e ser de possível realização. 2.4 Sistemas de valoração das provas 16 Conforme Lima (2020, p. 681), “são basicamente três sistemas acerca do assunto, a saber: 1) Sistema da íntima convicção; 2) Sistema da prova tarifada; 3) Sistema da persuasão racional do juiz (convencimento motivado). ” Segundo o autor supracitado, no Sistema da íntima convicção, o magistrado tem a liberdade de julgar conforme sua consciência, podendo se valer de provas foras dos autos e desobrigado de fundamentar sua decisão, o que abre margem para que seja até mesmo contrária aos autos. No sistema da prova tarifada ou legal, ocorre o oposto do anteriormente citado, as provas possuem seus valores específicos e toda decisão do magistrado deve estar vinculada às provas apresentadas (GRECO, 2012). No Sistema da persuasão racional do juiz ou livre convencimento, o magistrado não está vinculado rigorosamente às regras de valoração, podendo apreciar livremente as provas produzidas conforme suas experiências, desde que fundamente sua decisão sem desdenhar dos autos (MARCÃO, 2016). Este último é o sistema adotado no Brasil, como ainda explica Marcão (2016, pg. 357): Para a generalidade dos casos, o CPP adotou o sistema da livre-convicção do juiz, persuasão racional ou livre-convencimento fundamentado, e isso está expresso na sua Exposição de Motivos, item VII, onde está escrito que “Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo ou necessariamente maior prestígio que outra. Se é certo que o juiz fica adstrito à prova constante dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência”. Portanto, pode o juiz, apreciar as provas do processo de acordo com sua convicção e experiências em julgados anteriores sem se atrelar a regras, desde a decisão esteja devidamente fundamentada. 2.5 Meios de provas x Inquérito Policial Para que de fato se tenham as provas, são necessários os meios de prova, que são meios para proporcionar convencimento ao magistrado, remontando o fato criminoso. São definidos por Lopes Jr (2016, p. 317) da seguinte maneira: Meio de prova: é o meio através do qual se oferece ao juiz meios de conhecimentos, de formação da história do crime, cujos resultados 17 probatórios podem ser utilizados diretamente na decisão. São exemplos de meios de prova: a prova testemunhal, os documentos, as perícias etc. No mesmo sentido do autor supracitado, segundo Silva (apud Távora, 2012, p.379) os meios de provas são “os recursos de percepção da verdade e formação do convencimento. É tudo aquilo que pode ser utilizado, direta ou indiretamente, para demonstrar o que se alega no processo”. Há que se destacar também, os meios de obtenção de provas, que são os instrumentos a fim de se chegar às provas. Não são provas em si, mas são os caminhos para se chegar a elas, a exemplo de delações premiadas e interceptações telefônicas. (LOPES JR., 2016) Sob o prisma do princípio da verdade real e do interesse estatal, não há limitação à prova com a devida aplicação da lei. Desta feita, entende-se totalmente possível que haja produção de provas além do rol contido no código de processo penal, em razão deste ser apenas exemplificativo (CAPEZ, 2016). Há divergências de entendimento a respeito de o inquérito policial constituir prova ou ser apenas informativo. Segundo tradicional entendimento doutrinário, sua principal função é reunir elementos que embasem a pretensão acusatória do titular da ação. A exemplo disso, Mirabete (p.78, 2004) destaca que a investigação visa “a apuração de fato que configure infração penal e respectiva autoria, para servir de base à ação penal ou às providências cautelares”. Essa visão reducionista sobre inquérito policial o classificou como um procedimento administrativo meramente informativo, dispensável e inquisitorial (CAPEZ, 2016). Um processo administrativo seria cabível como classificação do inquérito policial. Embora não judicial, há imputação em sentido amplo, decisões da autoridade policial como prisão em flagrante e apreensão de bens, atos que podem afetar direitos fundamentais. O termomais adequado para indicar a característica do inquérito policial seria apuratório ao invés de inquisitório, por se tratar de uma apuração criminal, imparcial e que resguarda direitos fundamentais. Além do mais, o inquérito se assemelha mais ao sistema acusatório do que o sistema inquisitório, pois suas funções não ficam adstritas somente a uma autoridade e não são ignorados os direitos do investigado (HOFFMANN, 2017). Esses direitos fundamentais do investigado, lhe são garantidos, como bem explica Passos (2012, p. 29): 18 O fato de se tratar de fase que antecede à processual não quer dizer que deva ser deixado de lado os preceitos constitucionais, pelo contrário, os direitos fundamentais do investigado também devem ser preservados e a polícia judiciária deve zelar pelo seu cumprimento, uma vez que é ela a responsável pela condução das investigações, nos termos do art. 144 da Constituição brasileira. O inquérito é não somente informativo, mas também probatório, haja vista a produção de elementos informativos que posteriormente serão confirmados em juízo, bem como a produção de elementos probatórios amparados pelo contraditório como a exemplo das oitivas (HOFFMANN, 2017). A doutrina comumente peca por reducionismo ao afirmar que o inquérito policial não possibilita o direito de defesa e contraditório. Pois, é possível ao investigado, exercer sua autodefesa positiva quando expõe sua versão dos fatos ou negativa quando decide permanecer em silêncio. Além de ser possível fazer a defesa técnica quando acompanhado de seu advogado, defesa exógena por meio de habeas corpus, bem como juntar documentos e pleitear diligências (LOPES JR., 2016). Nesse mesmo sentido, entende Greco Filho (2012, p. 85): A Constituição não exige, nem jamais exigiu, que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato. Há atos privativos de cada uma das partes, como há atos privativos do juiz, sem a participação das partes. Todavia, o que assegura o contraditório é a oportunidade de se contrapor a ele por meio de manifestação contrária que tenha eficácia prática antes da decisão. Assim, por exemplo, é válida a prova pericial realizada na fase do inquérito policial, por determinação da autoridade policial, desde que, em juízo, possa ser impugnada e, se estiver errada, possa ser refeita. Assim, segundo as palavras de Hoffmann (2017, não paginado): Em outras palavras, inquérito policial consiste no processo administrativo apuratório levado a efeito pela polícia judiciária, sob presidência do delegado de polícia natural; em que se busca a produção de elementos informativos e probatórios acerca da materialidade e autoria de infração penal, admitindo que o investigado tenha ciência dos atos investigativos após sua conclusão e se defenda da imputação; indispensável para evitar acusações infundadas, servindo como filtro processual; e que tem a finalidade de buscar a verdade, amparando a acusação ao fornecer substrato mínimo para a ação penal ou auxiliando a própria defesa ao documentar elementos em favor do investigado que possibilitem o arquivamento, sempre resguardando direitos fundamentais dos envolvidos. Concluímos, portanto, que o inquérito policial não pode ser meramente dispensável, dada sua importância para proteção contra iniciais erros de juízes, 19 funcionando como um filtro processual. É um meio para alinhar a investigação, afastando dúvidas ao judiciário e possibilitando ao Estado, maior assertividade na eleição da autoria criminal ao valer-se de elementos confiáveis desde o início (NUCCI, 2016). 2.5.1 Provas ilícitas A prova ilícita é aquela que viola a lei e que, portanto, deve ser removida do processo como prevê o art.157 do Código Processo Penal e confirma Tourinho Filho (2012, p. 293): Uma prova conseguida por infração à norma pena l (ex. confissão obtida por tortura) ou alcançada violando-se norma processual penal (laudo produzido por um só perito não oficial) constitui prova ilícita e deve ser desentranhada do processo. É importante distinguirmos a prova ilegítima da ilícita, segundo Lopes Jr (2016), a primeira se dá em virtude do descumprimento de uma regra no processo, a exemplo de provas produzidas sem o contraditório; já a segunda, ocorre com a violação de direito ou a Constituição, como por exemplo, ferindo a privacidade de alguém com interceptação telefônica. O art. 5º, LVI da Constituição Federal, dá a entender ser impossível a admissão de qualquer prova ilícita. Greco (2012), entende, porém, que em razão de princípios também constitucionais e outras regras, inexistem normas absolutas. Assim, devendo valorar os bens jurídicos em apreço quando garantidos constitucionalmente. Como a exemplo do princípio da liberdade da pessoa, outras situações poderão prevalecer, quando o princípio constitucional for de maior valor do que a restrição da prova ilícita. 2.6 Espécies de prova Dentre as espécies de provas no processo penal, abordaremos a prova pericial, o exame de corpo de delito e as provas orais tais como interrogatórios, confissão, declaração do ofendido e testemunhas. Embora algumas dessas 20 tradicionalmente apresentarem maior valoração que as demais, todas são aptas na busca pela verdade real dos fatos. Na mesma linha do que já abordamos anteriormente, independentemente das espécies de provas, pode o juiz apreciá-las e decidir sem se ater a regras, conforme sua convicção, desde fundamentada a decisão. 2.6.1 Prova pericial e exame de corpo de delito Tangente às espécies de provas, especificamente o corpo de delito, segundo Nucci (2016), diz respeito à materialidade do crime e são todos os vestígios existentes em razão do delito. Já o exame de corpo de delito é basicamente a verificação da existência desses vestígios, por meio de peritos, tanto diretamente, quanto por outros meios, quando os vestígios materiais desaparecem. Conforme o autor acima mencionado, existem os vestígios materiais, que são aqueles que podem ser constatados através dos sentidos humanos, como visualizar um feto morto em decorrência de aborto; e há também os vestígios imateriais, que são aqueles que desaparecem em um curto período, não sendo possível sua captação por sentidos. Com relação aos vestígios materiais, Nucci (2016, p. 241) diz: Em crimes que deixam vestígios materiais deve haver, sempre, exame de corpo de delito. Preferencialmente, os peritos devem analisar o rastro deixado pessoalmente. Em caráter excepcional, no entanto, admite-se que o façam por outros meios de prova em direito admitidos, tais como o exame da ficha clínica do hospital que atendeu a vítima, fotografias, filmes, atestados de outros médicos, entre outros. É o que se chama de exame de corpo de delito indireto. Essa situação pode ser necessária quando, por exemplo, o feto desaparece, após o aborto, mas a gestante foi devidamente atendida por um médico, que tudo registrou em fichas próprias. O perito do juiz, então, avalia os dados constantes dessas fichas, produzindo o seu laudo, embora de forma indireta. Registre-se, ainda, o disposto na Lei 11.340/2006 (Violência Doméstica): “Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde” (art. 12, § 3.º). A despeito de vestígios imateriais, temos como exemplo o caso de abuso de autoridade. O ofendido ou acusado poderá comprovar os vestígios do fato através de testemunhas qualificadas, bem como requerer dentro do prazo legal, a verificação através de perito (NUCCI, 2016). 21 Existem duas modalidades de exame de corpo de delito, a direta e a indireta. A primeira se dá através de peritos que examinam os vestígios diretamente, sem intermediação; já a segunda se dá através de uma análise de vestígios paralelos, como fotografias, prontuário médico etc. (REIS; GONÇALVES, 2013). Nucci (2016, p.245), destaca os requisitos do exame pericial: A regra passa a ser, com o advento da Lei 11.690/2008, que as perícias em geral, onde se insere o exame de corpo de delito, sejam realizadas por um perito oficial, portador de diploma de curso superior (art. 159, caput, CPP). Não havendo, é possível a sua realização por duas pessoas idôneas, com diploma de curso superior, preferencialmente na área específica, escolhidas dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada à natureza do exame (art. 159, § 1.º, CPP). Quando os peritos não forem oficiais deverão prestar o compromisso de bem desenvolver sua atividade (art. 159, § 2.º, CPP). A perícia em regra, salvo exceções, é realizada por profissional, com formação e conhecimento técnico além da área de atuação do magistrado, a fim de auxiliá-lo, como pode ser conferido nas palavras de Capez (2016, p. 444) “[...] trata- se de um juízo de valoração científico, artístico, contábil, avaliatório ou técnico, exercido por especialista, com o propósito de prestar auxílio ao magistrado em questões fora de sua área de conhecimento profissional”. 2.6.2 Da prova oral Inicialmente falaremos acerca do interrogatório, que segundo Capez (2016, p. 451): É o ato judicial no qual o juiz ouve o acusado sobre a imputação contra ele formulada. É ato privativo do juiz e personalíssimo do acusado, possibilitando a este último o exercício da sua defesa, da sua autodefesa. A respeito de sua natureza jurídica, há uma divergência entre os doutrinadores. Para uma corrente, trata-se de um meio de defesa, em razão de que embora haja possibilidade de o réu fornecer elementos pelos quais se cheguem à verdade, a sua finalidade é apenas contestar a acusação que lhe é imputada. Já por outra corrente, trata-se não somente de um meio de defesa, mas também, de um meio de prova, que facultaria ao acusado, explicar ou negar os fatos, porém possibilitando a colheita de elementos para a convicção do magistrado (REIS; GONÇALVES, 2013). 22 Esta última é a posição adotada por Nucci (2016), para ele, o interrogatório é primeiramente um meio de defesa, garantindo ao acusado o direito de permanecer em silêncio, sem consequências. Todavia, caso se abstenha do direito ao silêncio, o que disser poderá ser levado em consideração para absolvição ou condenação, constituindo, portanto, um meio de prova em segundo plano. Conforme o autor supracitado, o interrogatório pode ser realizado em qualquer momento desde o início da ação penal até o trânsito em julgado de decisão, seja ela absolutória ou condenatória, de 1º ou 2º grau. Ainda que o réu goze do direito ao silêncio, é indispensável que tenha a oportunidade de ser ouvido, tanto para qualificação, quanto para apresentação de sua versão dos fatos que lhe são imputados. O interrogatório é personalíssimo, devendo ser realizado somente pelo acusado, salvo exceções em que será exercido pelo representante legal como em caso de pessoa jurídica (LIMA, 2020). Em alguns casos será realizado de modo diverso é o que destaca Capez (2016, p. 466): a) interrogatório do analfabeto com deficiência de se comunicar, no qual “intervirá no ato, como intérprete e sob compromisso, pessoa habilitada a entendê-lo” (CPP, art. 192, parágrafo único); b) do estrangeiro desconhecedor da língua portuguesa, que será realizado com o auxílio de um intérprete (CPP, art. 193); c) do mudo, do surdo e do surdo-mudo: ao surdo endereçam-se as perguntas por escrito e ele responde oralmente; ao mudo as perguntas são orais e ele responde por escrito; no caso de surdo-mudo as perguntas e respostas são escritas (CPP, art. 192, I a III). Há também o interrogatório no inquérito policial, abordado anteriormente, que se dá em sua fase final, onde o delegado de polícia ouvirá o acusado acerca dos fatos, após indícios suficientes de autoria delitiva. A formalização do indiciamento é pressuposto para a realização do interrogatório, pois deverá estar embasado em elementos nos autos que justifiquem a convicção da autoridade policial acerca da materialidade e autoria (ANSELMO, 2017). Tratando agora da confissão, ela não é um meio de prova como tradicionalmente tendo sido definida. Na verdade, trata-se da prova em si, quando o próprio réu admite a autoria do delito em que é acusado. O meio de prova relacionado a confissão é o interrogatório ou audiência pelos quais ela será obtida (GRECO, 2012). No entanto Lopes Jr (2016, p. 401) destaca: 23 A própria Exposição de Motivos do CPP, ao falar sobre as provas, diz categoricamente que a própria confissão do acusado não constitui, fatalmente, prova plena de sua culpabilidade. Todas as provas são relativas; nenhuma delas terá, ex vi legis, valor decisivo, ou necessariamente maior prestígio que outra. Em suma, a confissão não é mais, felizmente, a rainha das provas, como no processo inquisitório medieval. Não deve mais ser buscada a todo custo, pois seu valor é relativo e não goza de maior prestígio que as demais provas. Dentre as espécies de confissão, temos: a confissão simples, quando o réu simplesmente reconhece autoria do crime; qualificada, quando reconhece a autoria do crime, porém acrescenta fato suscetível de excludente de ilicitude, culpabilidade ou punibilidade; complexa, quando o réu admite simplesmente várias imputações; judicial, quando adquirido em juízo competente sem qualquer nulidade; extrajudicial, são todas as que não são judiciais, sejam por meio de inquérito ou fora da ação penal; Explícita, quando o réu admite expressamente e espontaneamente o delito lhe imputado; implícita, quando o provável criminoso busca reparar os prejuízos da infração ao ofendido (CAPEZ, 2016). A confissão deve ser um ato personalíssimo, somente ao acusado; livre e espontâneo, sem constrangimentos morais ou físicos para obtê-lo; retratável, podendo o acusado voltar atrás no que havia dito; e divisível, podendo o acusado negar um delito e confessor o cometimento de outro ao mesmo tempo (LIMA, 2020). Abordaremos agora sobre o ofendido, que nada mais é que a vítima do crime, que teve seu bem jurídico ou interesse violado (NUCCI, 2016). O ofendido não se confunde com a testemunha, como pode ser conferido nas palavras de Lima (2020, p. 762): Pela própria disposição do Código de Processo Penal, percebe-se que o ofendido não deve ser confundido com as testemunhas. O ofendido está previsto no Capítulo V do Título VII (“Da prova”) do CPP; a prova testemunhal está prevista no Capítulo VI (“Das testemunhas”) do mesmo Título. Logo, ofendido não é testemunha, razão pela qual não presta compromisso legal de dizer a verdade, não sendo computado para efeito do número máximo de testemunhas, e nem tampouco respondendo pelo crime de falso testemunho. Segundo Marcão (2016), a natureza jurídica das declarações do ofendido tem sido classificada como meio de prova. E sua inquirição via de regra parte da acusação ou defesa para arrolamento da oitiva, o que não impede que o magistrado a faça em caso de inércia das partes, a fim de se chegar à verdade real. 24 Como bem destaca Lima (2020), o ofendido não responde pelo crime de falso testemunho, no entanto, nada obsta que responda pelo crime de denunciação caluniosa art. 339 CP, se em decorrência de suas declarações, for instaurado qualquer investigação criminal, acusando alguém, em que sabia de sua inocência. A respeito da testemunha, Capez (2016) a conceitua como todo aquele que sem relação ao feito, distinto às partes, expõe sobre os fatos que foram percebidos por seus sentidos. É necessário que seja idônea e imparcial, convocada a depor sobre os fatos relacionados à causa. Segundo Reis e Gonçalves (2013, p. 366), as classificações doutrinárias das testemunhas são: a) Testemunhas diretas — quando não há intermediação entre o fato e o testemunho, ou seja, aquelas que presenciaram os fatos. b)Testemunhas indiretas — aquelas que souberam dos fatos por intermédio de outrem sem, no entanto, os terem presenciado. c) Testemunhas próprias — as que prestam depoimento sobre o fato apurado no processo. d) Testemunhas impróprias — as que prestam depoimento sobre um ato do processo, como, por exemplo, as pessoas que presenciaram o interrogatório policial do acusado (art. 6º, V, do CPP) e são chamadas a juízo para atestar a regularidade do ato. e) Testemunhas numerárias — são as que, arroladas pelas partes de acordo com o limite procedimental, prestam compromisso. f) Testemunhas extranumerárias ou judiciais — assim denominadas porque ouvidas por iniciativa do juiz (art. 209, caput, do CPP). g) Testemunhas referidas — são aquelas que, embora não arroladas pelas partes, são ouvidas por determinação judicial em razão de a elas outras testemunhas terem feito referência (art. 209, § 1º, do CPP). h) Testemunhas fedatárias — são aquelas que presenciam a leitura do auto de prisão em flagrante, na presença do acusado, e nele lança sua assinatura, quando o autuado recusa-se a assiná-lo, não sabe ou não pode fazê-lo (art. 304, § 3º, do CPP). i) Informantes ou declarantes — são as testemunhas que não realizam a promessa de dizer a verdade. A prova testemunhal tem como características a: judicialidade, ser produzida em juízo; oralidade, colhida verbalmente perante o juiz e as partes como dispõe o art.204 do CPP; objetividade, a testemunha não expõe opinião, exceto quando necessário juízo de valor ou em relação a peritos que por natureza do depoimento emitem sua opinião; retrospectividade, testemunha relata apenas os fatos ocorridos, sem achismo sobre o que pode acontecer; imediação, a testemunha relata o que conseguiu captar imediatamente; individualidade, as testemunhas depõem isoladamente às outras (CAPEZ, 2016). 25 Conforme o autor supracitado, as características das testemunhas devem ser: pessoa humana; pessoa fora do processo e sem impedimentos ou suspeitas em relação às partes; capacidade mental e jurídica da pessoa; testemunha convocada pelas partes ou juiz; testemunha relata apenas o que foi captado por seus sentidos; testemunha relata apenas fatos pertinentes ao processo. Com relação ao valor probatório da prova testemunhal, Lopes JR (2016, p. 405) chama a atenção no sentido de que: Com as restrições técnicas que infelizmente a polícia judiciária brasileira – em regra – tem, a prova testemunhal acaba por ser o principal meio de prova do nosso processo criminal. Em que pese a imensa fragilidade e pouca credibilidade que tem (ou deveria ter), a prova testemunhal culmina por ser a base da imensa maioria das sentenças condenatórias ou absolutórias proferidas Tendo em vista esse valor probatório atribuído a prova testemunhal, é necessária uma boa análise de quem a avalia, como destaca Nucci (2016, p. 276) “Lembremos, sempre, que qualquer depoimento implica uma dose de interpretação indissociável da avaliação de quem o faz, significando, pois, que, apesar de ter visto, não significa que irá contar, exatamente, o que e como tudo ocorreu. ” Isso ocorre devido ao fenômeno intitulado como falsas memórias, que não se confunde com a mentira, como pode ser conferido nas palavras de Lopes Jr. (2016, p. 423) As falsas memórias se diferenciam da mentira, essencialmente, porque, nas primeiras, o agente crê honestamente no que está relatando, pois a sugestão é externa (ou interna, mas inconsciente), chegando a sofrer com isso. Já a mentira é um ato consciente, em que a pessoa tem noção do seu espaço de criação e manipulação. Diante exposto, considerando os fatores de dissimulação ou falsas memórias atreladas a prova testemunhal, bem como seu valor probatório comumente atribuído, é certo que, a cautela deve ser um pressuposto antes de um juízo de valor. E nesse sentido que a análise da linguagem corporal em provas orais, pode ser uma grande aliada na busca pela verdade dos fatos. 26 3 COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL E LINGUAGEM CORPORAL Inicialmente é importante destacarmos que a comunicação é essencialmente necessária para o ser humano, precisamos dela para sobreviver e a desenvolvemos conforme convivemos com nossos semelhantes. Essa necessidade é evidenciada tão logo na tenra idade e ao passar dos anos, concluímos que é impossível viver sem sociedade. A comunicação é intrínseca à sociedade, e vice-versa, ambas formam uma coisa só, inexistindo uma na ausência da outra. A comunicação interpessoal está incorporada na troca de mensagens entre indivíduos e essa interação pode ser dada de várias formas, seja verbal, escrita, por sinais, gestos. Contudo, a maior parte da comunicação humana se dá de forma não verbal, sendo a verbal responsável por apenas 7%. É nesse sentido que abordaremos a importância de compreender a linguagem corporal para verificação da veracidade de um discurso e sua aplicabilidade no âmbito jurídico que será abordado nos próximos capítulos. 3.1 Comunicação interpessoal A comunicação interpessoal, como já mencionado anteriormente, é basicamente a troca de mensagens entre indivíduos. Essa interação se dá através da tentativa do indivíduo de compreender e ser compreendido, que não se resume a comunicação em mídias sociais, mas em algo substancial, uma necessidade básica do homem enquanto ser social (DELFINO, 2018). Segundo Watzlawick (1993), é impossível ao homem não se comunicar. Até mesmo o esquizofrênico em seu silêncio ou tentativa de renunciar uma comunicação, vive o dilema da “tarefa impossível de negar que está comunicando e, ao mesmo tempo, negar que a sua negação é uma comunicação” (WATZLAWICK, 1993, p.44). Segundo Silva (2014, p. 18): A comunicação interpessoal está inextricavelmente ligada à transmissão de mensagens entre indivíduos que possuem o interesse de emitir ou receber uma determinada informação, ou seja, travar uma interação, uma troca para alcançar determinado objetivo. O homem, como ser comunicativo por excelência, vive em constante interação com o seu meio, envolvendo-se em um compêndio de fenômenos, com elementos psicossociais entre pessoas e individualmente a cada uma delas, em situações interpessoais, grupais e de 27 massa. Em todas essas formas de comunicação, há manipulação de sinais, símbolos ou signos que influenciam a relação com o outro. Evidentemente percebemos que a comunicação interpessoal não se dá apenas de forma oral, embora esta seja a mais perceptível, a interação entre os indivíduos demanda um conjunto de códigos no processo de compreender e ser compreendido. 3.2 Elementos da Comunicação Os elementos que compõem a comunicação podem ser classificados como emissor, receptor, mensagem, código, canal de comunicação, contexto, ruído na comunicação e feedback (RAMSTHALER, 2004). O emissor nada mais é do que aquele que transmite a mensagem, enquanto o receptor é quem a recebe, sendo, portanto, os interlocutores na comunicação (DELFINO, 2018). Segundo Diana (2019), a mensagem é simplesmente o conteúdo, as informações a que se pretende transmitir. E essa mensagem é transmitida através do canal de comunicação, ou seja, o local, meio, podendo ser revistas, telefone, livros, dentre outros. Já o código, diz respeito a um conjunto de sinais (verbais ou não verbais) nas mensagens, com significados comuns a determinados povos (TEIXEIRA, 2010). Ainda para que seja efetivada a comunicação é preciso atentar ao contexto, as variáveis e influências ligadas aos interlocutores. Nesse processo ainda há os ruídos que são as barreiras, os impedimentos para a eficácia da comunicação. Esses ruídos podem ser barulhos ou mesmo ideias ou sentimentos perturbantes à comunicação (RAMSTHALER, 2004). Por fim, temos o feedback, que é o responsável por sintonizar a comunicação. Segundo Ramsthaler (2004, p. 3) “o feedback é a mensagem que é enviadaao emissor e que lhe transmite como as suas comunicações e atitudes foram percebidas e sentidas pelo receptor. 3.3 Tipos de Comunicação: verbal e não verbal 28 Findado o tema sobre os elementos da comunicação, analisaremos agora os dois principais tipos de comunicação, quais sejam a comunicação verbal e não verbal, o que permitirá aprofundarmos sobre a linguagem corporal, subespécie da linguagem não verbal e objeto do presente estudo. A linguagem verbal é baseada nos códigos das palavras, seja oral ou por meio da escrita. É como define Ramsthaler (2004, p. 7): “Quando emitimos uma mensagem, podemos utilizar vários códigos, entre esses existem as palavras. Quando a comunicação é realizada por meio das palavras, estamos utilizando a linguagem verbal”. O código, como já abordado anteriormente, representa um contexto social e histórico, responsável por formar as palavras e signos linguísticos, portanto é de suma importância para que de fato haja a comunicação verbal (CASTRO, [entre 2010 e 2021]). Ainda segundo a autora supracitada e em concordância com o exposto anteriormente, a linguagem verbal pode ser dada através da fala, dos textos escritos, livros, propagandas, dentre outras situações. A respeito da comunicação não verbal, ela nos possibilita comunicar até mesmo pelas roupas que vestimos, como destaca Ramsthaler (2004, p. 7): Nós comunicamos utilizando a linguagem não-verbal por meio dos nossos gestos, posturas, expressões faciais, tom de voz, silêncio, etc. Comunicamos, igualmente, pela roupa que vestimos e dos complementos que usamos. É mediante a comunicação não-verbal que transmitimos muitas das nossas emoções e dos nossos sentimentos. Albert Mehrabian (1972), através de seus estudos apurou a que maior parte da comunicação do homem se dá através da linguagem não verbal, 55% (incluindo gestos, postura, expressões faciais e corporais...), 38% em relação à voz, (incluindo entonação, ritmo, volume...) e apenas 7% referente às palavras. É um entendimento predominante entre autores de que, a comunicação não verbal resumidamente é tudo aquilo que é inexpressivo em palavras e tenha algum significado entre os interlocutores. Assim temos: a cinésica (expressões próprias do corpo, expressões faciais, gestos, dentre outros); paralinguagem (a respeito de tudo relacionado a voz, seja entonação, intensidade, ritmo e etc.); proxêmica (a distância 29 física e espontânea entre os interlocutores); particularidades físicas (aparência e forma); tacêsica (relacionado a todos os efeitos do toque) (SILVA, 2014). A comunicação não verbal tem como uma de suas principais funções, ser um complemento da comunicação verbal. Além disso, Marques (2019, não paginado) elenca suas demais funções: Substituir uma expressão ou frase; atribuir ajustes à fala, pausas e gestos, dando maior compreensão ao que é dito; expor relações de poder e influências interpessoais; contradizer o que está sendo dito; complementar uma mensagem. Diante do exposto, percebemos a importância da linguagem verbal e principalmente da não verbal para o meio social. Importâncias essas, que recaem também no meio jurídico, pois através desses tipos de comunicações, podemos decifrar informações valiosas sobre o indivíduo e consequentemente para o processo penal, como veremos a seguir. 3.3.1 Linguagem corporal: o corpo fala O nosso organismo é formado por nosso corpo e cérebro, emitindo sinais um para outro e interagindo com o ambiente externo. São estas interações que produzem em nós, as emoções e reações. Toda reação externada pelo corpo é intimamente ligada com as emoções produzidas na mente (DAMÁSIO, 1994). As emoções provocam mudanças no cérebro, afetando o sistema nervoso, sendo este responsável por regular a respiração e batimentos cardíacos. Mas além disso, “as emoções também alteram as nossas expressões faciais, a nossa voz e a nossa linguagem corporal. ” (FEXEUS, 2018, p. 95). Diante disso, Fexeus (2018, p. 17) cita o seguinte exemplo: Ao pensar, um processo eletroquímico ocorre no seu cérebro. Para criar um pensamento, algumas células cerebrais precisam enviar mensagens entre si, de acordo com certos padrões. Se você já teve determinado pensamento antes, o padrão já foi estabelecido. Tudo o que você está fazendo é repeti-lo. Se for um pensamento inteiramente novo, você cria um inédito padrão ou estabelece novas conexões entre as células no cérebro. Esse modelo também influencia o corpo e pode mudar a disseminação de hormônios (como as endorfinas) em todo o organismo, assim como no sistema nervoso autônomo. O sistema nervoso autônomo controla funções como a respiração, tamanho das pupilas, fluxo sanguíneo, suor, rubor, etc. (…) isso significa que, simplesmente observando as mudanças físicas que ocorrem em uma pessoa, 30 podemos perceber como ela se sente, quais são as suas emoções e no que está pensando. Segundo Weil (2009), através da linguagem corporal, podemos dar muitas informações sobre nós, bem como os outros também nos dão. Nosso corpo é repleto de informações e não mente. Através do corpo expressamos gestos inconscientemente, o que não afasta a ligação com nosso íntimo, como pode ser conferido nas palavras de Weil (2009, p. 15): Alguém à sua frente cruza ou descruza os braços, muda a posição do pé esquerdo ou vira as palmas das mãos para cima. Tudo isso são gestos inconscientes e que, por isso mesmo, se relacionam com o que passa no íntimo das pessoas. Essa relação entre emoções e reações estão presentes em todas as nossas ações, sejam elas conscientes ou inconscientes. Nossos comportamentos, ações corporais são grandemente influenciadas por nossas emoções. Elas estão presentes em todos os nossos relacionamentos, podendo chegar ao ápice de fazer com que salvemos vidas, mas também com que causemos danos (EKMAN, 2011). O nosso corpo fala e nesse sentido, Allan e Pease (2005, p. 12) dizem: Como qualquer outra linguagem, o do corpo tem também palavras, frases e pontuação. Cada gesto é como uma só palavra e uma palavra pode ter vários significados. Só quando a palavra forma parte de uma frase, pode se saber seu significado correto. Ainda conforme os autores supracitados, ao analisar a linguagem corporal de alguém, é necessário se ater a proporção existente entre os gestos e posturas. Uma pessoa pode estar sentada inerte, somente escutando, mas se no mesmo instante, mover todo o seu corpo, passará a impressão de estar atenta, mais ainda do que se estivesse movimentando constantemente apenas alguma parte do corpo como os pés por exemplo. Além de observar a congruência entres os gestos e o que é dito, é necessário considerar o contexto em que ocorrem. É nesse diapasão que Allan e Bárbara Pease (2005, p. 13) citam o seguinte exemplo: Por exemplo, se alguém estiver de pé na parada do ônibus, com os braços e as pernas cruzados e o queixo baixo, em um dia de inverno, o mais provável 31 é que tenha frio e não que esteja na defensiva. Mas se essa pessoa faz os mesmos gestos quando está sentada em frente a um homem, com uma mesa entre os dois, e esse homem está tentando convencer o outro de algo, de lhe vender uma ideia, um produto ou um serviço, a interpretação correta é que a pessoa está na defensiva e com atitude negativa. Podemos transmitir informações em diferente gêneros e graus de compreensão. A comunicação transcende a linguagem simplesmente falada ou escrita. Nesse processo de comunicação a mensagem pode ser compreendida ou não, mas isso independe do conteúdo, da maneira em que é dito e pensamentos por trás de cada mensagem. Isso acontece, porque segundo Ramsthaler (2004, pg.7-8) “ [...] a recepção da sua comunicação depende do grau de empatia que a outra pessoa sente com a sua comunicação não verbal. ” Analisando os gestos, a congruência entres os canais de comunicaçãoe o contexto, certamente teremos a chave para a interpretação da linguagem corporal do nosso interlocutor. Além disso é importante destacar que segundo Ekman (2011) através de seus estudos em diversos países, há expressões corporais involuntárias que são universais, o que facilita, portanto, a decifração da mensagem, como veremos a seguir. 3.3.2 Microexpressões Em 1978, foi publicado por Paul Ekman e Wallace Friesen, o Facial Action Coding System (FACS), um sistema cientifico para codificação dos movimentos faciais. Ao utilizar o FACS, Ekman identificou sinais faciais que indicavam que uma pessoa estava mentindo, posteriormente os denominando como microexpressões faciais. Essas microexpressões segundo Ekman (2011, p.32) consistem em: [..] movimentos faciais muito rápidos, que duram menos de um quinto de segundo – são fonte importante de escapamento, revelando uma emoção que a pessoa está tentando ocultar. Uma expressão falsa pode ser denunciada de diversas maneiras: em geral, é levemente assimétrica e carece de uniformidade da forma que flui de vez em quando da face. Como já abordado anteriormente, essas expressões que emitimos pelo corpo, são reflexos das emoções vivenciadas em nosso amago. Segundo estudos científicos, existem 7 emoções que causam expressões faciais universais, a saber: a raiva, surpresa, aversão (nojo), desprezo, felicidade, medo e tristeza. (EKMAN, 2011) 32 Desse rol das expressões faciais universais, cinco delas sãos comuns em atos de dissimulação quais sejam: o medo, nojo, desprezo, felicidade e a tristeza por incrível que pareça. Segundo Santos (2019, p.8) “ essas são notadas, quando tendem a aparecer em um contexto “incongruente”, ou seja, quando o valor dessa emoção não combina/concorda com o valor do contexto. ” Abordaremos agora cada uma das expressões faciais universais, destacando aquelas comuns em atos de dissimulação. 3.3.2.1 Raiva Em relação a raiva, há uma abrangência de várias experiências relacionadas ela. As reações podem ser desde um ligeiro irritamento até um estado de fúria. A diferença não está somente na intensidade dos sentimentos, mas também nos tipos de raiva. A raiva pode se apresentar em sentimentos como passivos, orgulhosos e contidos. (EKMAN, 2011) A raiva pode provocar reações capazes de destruir relacionamentos, contudo se fizermos uma reavaliação sobre nosso comportamento, podemos regular essas reações e planejar melhor quais ações tomar sobre a fonte de nossa raiva. (MAGALHÃES, 2013) As experiências em comum que geralmente despertam raiva, estão associadas a obstáculos que enfrentamos. Os reflexos da emoção são estampados em nossa face, voz, aceleramento dos batimentos cardíacos e mãos mais quentes. (EKMAN, 2011) As expressões faciais provocadas pela raiva são facilmente identificáveis, como destaca Oliveira (2011, p. 53): A expressão da raiva é cheia de detalhes fáceis de serem percebidos. O corrugador é o principal músculo envolvido no processo, mas também a o franzimento da testa, a contração dos lábios e platisma, que fica no pescoço que, às vezes, também participa desse processo. A figura a seguir evidencia essas características: 33 Figura 1: Raiva Fonte: dieguim288.wordpress.com, 2011. 3.3.2.2 Surpresa A surpresa pode ser provocada por qualquer coisa, desde que o evento seja de maneira súbita e inesperada. Algumas características sentimentais estão associadas a ela como o sobressalto, o espanto e a perplexidade. Segundo Magalhães (2013, p.185) “as reações psicofisiológicas caracterizam-se pelo erguer acentuado das sobrancelhas, com consequente aumento de incidência de luz nos olhos. ” A surpresa é a emoção mais breve que podemos sentir. Dura pouquíssimos segundos, somente o tempo até entendermos o que acontece, logo após, ela cessa e pode passar a ser alivio, raiva, diversão, aversão, dentre outras emoções dependendo do que a ocasionou. Também pode não ser sucedida de outra emoção se não houver consequências ao que foi surpreendente. (EKMAN, 2011) Segundo Magalhães (2013, p. 186-187) as expressões faciais características da surpresa são: 34 - Os olhos e pálpebras ficam semiabertos; - A raiz do nariz encorrilha; - Ocorre uma dilatação das narinas; - As bochechas elevam- se; - A boca ficar aberta em forma de elipse; - O queixo eleva-se. A figura a seguir mostra uma expressão de espanto, sentimento associado à surpresa. Figura 2: Surpresa (espanto) Fonte: dieguim288.wordpress.com, 2011. 3.3.2.3 Medo O medo é a primeira emoção comumente expressada em mentirosos que abordaremos. Ele se associa a uma ameaça de dano, seja ele físico ou psicológico. Segundo Ekman (2011, p. 164): O tema é perigo de dano físico, e as variações podem ser qualquer coisa que aprendemos que pode nos fazer mal, ameaças, por exemplo, físicas ou 35 psicológicas. Da mesma forma que a restrição física é um gatilho desaprendido para a raiva, há gatilhos desaprendidos para o medo: algo arremessado através do espaço rapidamente que nos atingirá se não nos esquivarmos; a perda inesperada de apoio, causando a queda. A ameaça de dor física é um gatilho desaprendido para o medo, embora durante o momento da dor nenhum medo é sentido Ainda segundo Ekman, é possível que haja algum gatilho universal para o medo, contudo há sempre alguém que não demonstra uma reação comumente vista em quase todas as pessoas por fatores subjetivos. O medo é aprendido e, portanto, qualquer coisa pode ser objeto de medo ainda que não represente perigo de fato. É um comportamento emocional bem característico em mentirosos. Ao sentir o risco de ser pego mentindo, eles tendem a emitir sinais de medo como as microexpressões faciais. O mentiroso demonstra medo incongruente quando sente insegurança sobre o que diz, seja afirmando ou confessando e ao sentir que quem o interroga, sabe de verdades das quais quer ocultar. De acordo com Santos (2019, p.10) os critérios do medo são: A boca geralmente se afina e se estica horizontalmente (ou apenas os cantos dos lábios se esticam lateralmente). Os olhos se arregalam mais que em qualquer outra expressão facial emocional, e é possível ver boa parte da esclera (a parte “branca” dos olhos) no medo, do que em qualquer outra expressão emocional. Pode haver também queda da mandíbula, juntamente com elevação total das sobrancelhas. No medo vemos mais “tensão” muscular na face, do que na Surpresa. A figura a seguir, elucida: 36 Figura 3: Medo Fonte: Faces da Mentira, 2019. 3.3.2.4 Nojo A aversão ou nojo, resumidamente é um sentimento de repulsa por alguém ou coisa. A aversão pode estar associada: ao paladar, ao comer algo desagradável, ainda que somente na imaginação; ao cheiro, que também pode ser motivo de intensa aversão; a visão de algo considerado desagradável ao nosso paladar ou olfato; os sons relacionados a um evento desagradável; o tato, ao sentir algo que pode enoja- lo; e as ações, a aparência e ideias das pessoas, também podem ser motivo de aversão. (EKMAN, 2011) A expressões faciais de nojo também são comumente vistas em mentirosos. Isso ocorre porque segundo Santos (2019, p. 10, tradução nossa): Como o Nojo também é uma emoção associada a “preservação do nosso corpo, ante estímulos potencialmente nocivos” (assim como medo), podemos visualizar também; expressões faciais de nojo, seguidas/antecedidas por expressões faciais de Medo, afirmando a sensação de “Detenção e Apreensão1”. 1 Detection Apprehension”. 37 Lábios superiores levantados e inferiores também em aversão mais intensa. Dobra profunda acima das narinas até os cantos da boca, formando um U invertido. Laterais das narinas erguidas, bochechas elevadas e pés de galinha formados pelo abaixamento das sobrancelhas, são característica de aversão intensa. (EKMAN, 2011)Podemos verificar essas expressões na figura a seguir: Figura 4: Aversão (nojo) Fonte: dieguim288.wordpress.com, 2011. 3.3.2.5 Desprezo A emoção do desprezo é similar à aversão, porém só ocorre em relação a pessoas ou ações. A ideia de pisar em fezes ou comer algo considerado repugnante, pode causar aversão, porém nunca desprezo. No entanto, é possível sentir desprezo pela pessoa que come algo considerado repulsivo, pois segundo Ekman (2011, pg. 192) “no desprezo há um elemento de condescendência a respeito do objeto de desprezo. Ao não gostar de pessoas ou de suas ações por desprezo, você se sente 38 superior (em geral, moralmente) a elas”. Contudo, diferente da aversão, você não sente a necessidade de se afastar. O desprezo incongruente ocorre quando apresentado em um contexto positivo. Vejamos as características das expressões faciais relacionadas ao desprezo, Santos (2019, p. 9): Elevação unilateral do canto dos lábios. Enrugamento no canto dos lábios (de forma unilateral), a ruga pode dar a impressão de ser uma “covinha”, ou ter uma forma mais “semi-circular”, ondulada. Esse canto do lábio, que está contraído, pode aparentar estar se apertando pra dentro da boca (para dentro e para o canto, como se fosse entrar nos dentes). Essas expressões são evidenciadas na figura a seguir: Figura 5: Desprezo Fonte: Faces da Mentira, (2019) 3.3.2.6 Felicidade Quando falamos de felicidade, surge uma problemática, pois ela é não específica em si. A felicidade está associada a diversas emoções agradáveis podendo haver grandes diferença entre as experiências que as provocam. O sorriso no rosto é característico das emoções agradáveis e pode ser desencadeado ao sentir satisfação, 39 entusiasmo, êxtase ou mesmo um bem-estar subjetivo. As variações da felicidade podem ser expressas na face, contudo, a voz ainda é o sistema primário para identificá-la (EKMAN, 2011). A emoção de felicidade também pode surgir em atos de dissimulação. Nesse caso, as microexpressões faciais ocorrem quando o indivíduo acredita estar se safando com a sua mentira ou enganando alguém que não gosta muito. (SANTOS, 2019). A Felicidade se torna incongruente quando apresentada em um contexto considerado negativo. Para Santos (2019, p. 9), as expressões características da felicidade são: Elevação bilateral dos cantos dos lábios, o famoso “sorriso”. Possível enrugamento no sulco nasolabial, saliência de pele no topo da região das bochechas. Olhos apertados, e musculatura orbicular (ao redor dos olhos) contraída, pés de galinha geralmente se formam. A figura a seguir, elucida o exposto acima: Figura 6: Felicidade Fonte: Faces da Mentira, 2019. 3.3.2.7 Tristeza 40 Em relação a emoção tristeza, há caraterísticas psicológicas associadas a ela, tais como sofrimento, melancolia e mágoa. A diminuição do entusiasmo a diversão, convívio e prazer são reações psicofisiológicas causadas pela tristeza. (Magalhães, 2013) Segundo Ekman (2011), através de seus estudos em várias culturas, constatou que em todas elas, o gatilho para a tristeza foi a perda de algo considerado importante. Considerando o fator subjetivo, há vários tipos de perda que podem causar a tristeza, como destaca Magalhães (2013, p.177) A literatura atesta que há muitos tipos de perda que podem provocar tristeza, como a rejeição de um amigo, a perda de autoestima pelo fracasso de um objetivo falhado, a perda de admiração de um superior, a perda de saúde, a perda de alguma parte do corpo ou função provocada por um acidente ou doença e, também, a perda de objetos considerados valiosos para a pessoa. A tristeza provoca resignação e desespero, desagrado, desilusão, rejeição, desencorajamento e culpa. O sentimento de culpa também é derivado da tristeza. Quando esse sentimento está relacionado a mentira, o indivíduo vive um embate interno, que por vezes é causado por uma auto avaliação negativa, ao comparar-se com outra pessoa ou consigo mesmo em outro momento. A exemplo de um homem que sempre abominou a traição e posteriormente vem a trair sua esposa, quando confrontado sobre essa situação, poderá sentir culpa e apresentar sinais faciais de tristeza ainda que esteja mentindo. (SANTOS, 2019) A tristeza é considerada incongruente quando ocorre em momentos positivos, ou quando não é acompanhada de cargas emocionais que a justifiquem. As expressões faciais da tristeza são, segundo Santos (2019, p. 11): A boca assume a forma de um “arco” (com a “barriga” apontada pra cima e os cantos para baixo). Os cantos dos lábios são puxados para o canto e para os lados (em diagonal), e podem haver rugas nos cantos dos lábios ou abaixo do lábio inferior. A Região interior das sobrancelhas se eleva causando até mesmo algumas rugas no meio da testa. Observemos a figura a seguir: 41 Figura 7: Tristeza Fonte: Faces da Mentira, 2019. As expressões faciais universais são decorrentes de um programa neurológico que herdamos de antepassados. Considerando os gatilhos emocionais que a provocam, podemos utilizar a comunicação não verbal para detectar a falsidade em discursos, basta que nos apliquemos em estudar o tema. Nesse sentido, finalizamos trazendo a afirmação de Ekman (2011, p.225) a respeito da leitura corporal: A maioria das pessoas não percebe as Microexpressões durante uma conversa, quando ela se mistura às palavras, tom da voz e gestos. Também não são percebidas, pois nos distraímos frequentemente pensando no que dizer a seguir, em vez de observar atentamente as Microexpressões. Mesmo quando mostrei Microexpressões fora de contexto - com o som desligado e sem necessidade de pensar a respeito de respostas - a maioria das pessoas não instruídas informou não tê-las visto. Como não somos bons na observação das Microexpressões por nossa conta, quando tentei ensinar sua localização pela primeira vez, surpreendi-me com a rapidez do aprendizado. Com apenas uma hora de instrução, as pessoas são capazes de aprimorar consideravelmente a capacidade de localizar Microexpressões. Acredito que os elementos essenciais que permitem esse aprendizado tão rápido são o feedback imediato de seu julgamento, a repetição da prática e a comparação visual das expressões frequentemente confundidas, especificamente a raiva com a aversão e o medo com a surpresa. (Grifo nosso) 42 4. LINGUAGEM CORPORAL COMO MEIO PROVA Nos capítulos anteriores, abordamos as temáticas sobre as provas no Processo Penal e como a linguagem corporal, através da teoria do gatilho, pode ser eficaz na detecção de falsos discursos. Adentraremos agora, na temática sobre a aplicabilidade da linguagem corporal como meio prova. No mesmo sentido dos primeiros capítulos de nosso estudo, analisaremos questões relacionadas a princípios possivelmente confrontados na coleta de provas, destacaremos casos concretos de aplicação da linguagem corporal em âmbito jurídico, além de discorrermos sobre a linguagem corporal no Código de Trânsito Brasileiro. Inicialmente, vale ressaltar o que estudamos até aqui. O princípio da verdade real é um dos princípios que norteiam o processo penal. Considerando este princípio, há um unanime entendimento doutrinário e jurisprudencial, que CPP não apresenta um rol taxativo sobre os meios de provas, apenas exemplificativo, possibilitando assim a produção de provas além das disposta no mesmo dispositivo legal. Vimos também que apenas 7% da comunicação humana se dá de forma verbal, sendo 38% referente as variações da voz e 55% não verbal. Como enfatizamos anteriormente, as expressões corporais, derivadas da linguagem não verbal, estão estritamente ligadas as nossas emoções e que segundo Ekman, existem emoções que despertam expressões faciais universais, que dificilmente conseguimos ocultar. Nós, a todo tempo, fazemos leitura corporaldas pessoas ao nosso redor, seja consciente ou inconscientemente. Nessa linha de raciocínio, surge a questão: a linguagem corporal também entra no jogo processual? É o que veremos a seguir. 4.1 Linguagem corporal em âmbito jurídico Em âmbito internacional, as análises de expressões corporais já são utilizadas há décadas na busca pela verdade real. Além do FACS, no qual abordamos anteriormente, destaca-se também o METT (Micro Expression Training Tool), que consiste em um sistema para aprimoramento em reconhecer microexpressões faciais também desenvolvido por Paul Ekman. (EKMAN, 2011) Nos Estados Unidos os estudiosos em linguagem corporal e especialistas em criminologia Jo Ellan Dimitrius e Mark Mazzarella, com base em suas experiências, analisando a linguagem não verbal, foram capazes de escolher inúmeros jurados que 43 vieram a absolver seus clientes. No entanto, suas analises não se limitam somente aos jurados como se depreende na citação abaixo: No tribunal, observo constantemente os jurados, as testemunhas, os advogados, os espectadores, até o juiz, procurando qualquer pista de como estão respondendo ao caso e às pessoas que o apresentam. Ouço cuidadosamente as palavras que são ditas, e o modo como são ditas. Dou atenção à maneira como as pessoas respiram, suspiram, tamborilam os dedos, mexem os pés, ou mudam de posição na cadeira. Quando os jurados entram, sinto qualquer cheiro incomum perfume forte, odor corporal, cheiro de remédio. Quando aperto a mão de alguém, percebo a sensação deste aperto de mãos. Eu uso todos os meus sentidos, o tempo todo. (DIMITRIUS e MAZZARELLA, 2009, pg.8) Nos aeroportos internacionais, a observação comportamental, implica em um novo nível de segurança, além dos sistemas já utilizados. A partir de programas como o FACS e METT, foi projetado para os departamentos norte-americanos e britânicos do TSA – Transportation Security Administration, o (Screening Passengers by Observational Techniques — SPOT), um programa que consiste em técnicas de observação comportamental, pelo qual identificam pessoas suspeitas, que representam potenciais riscos de segurança, e que então, são interrogadas enquanto permanecem na fila. (EKMAN, 2011) Já em âmbito nacional, o magistrado Alexandre Morais da Rosa destaca que “desde as abordagens policiais até no ambiente de interação da audiência de instrução e julgamento, boa parte da comunicação não verbal opera nos sentidos atribuídos nos contextos, muitas vezes sem que percebamos”. (MORAIS DA ROSA, 2016, arquivo não paginado). Apesar de ser um tema não muito disseminado no meio jurídico brasileiro, já temos decisões fundamentadas na linguagem corporal. Foi o caso da decisão do Juiz Max Carrion Brueckner da 6ª Vara do Trabalho de Porto Alegre ao desqualificar o depoimento de uma testemunha com base em sua linguagem corporal. (REVISTA ELETRÔNICA nº 186 do TRT da 4ª Região, 2015) Segue trecho da decisão do aludido magistrado: Muitas vezes, ocorre de a testemunha relatar determinada situação, mas sua atitude corporal (linguagem não-verbal) não corresponder à informação verbalizada. Essas hipóteses, bastante comuns, não são palpite do Juiz, mas observação que leva em conta as técnicas atuais de coleta da prova oral, conforme cursos preparatórios ministrados na Escola Judicial deste TRT pelo agente da Polícia Federal Oscar Marcelo Silveira de Silveira. Em outras palavras, a dissonância entre as linguagens verbal e corporal da testemunha 44 pode ser comparada à situação de quando perguntamos algo e a pessoa verbaliza "sim", mas, concomitantemente, faz o gesto de "não". (Revista Eletrônica nº 186 do TRT da 4ª Região, 2015, p. 46). Segundo o juiz, a testemunha gesticulou de maneira incongruente ao que dizia, além de mudar o depoimento posteriormente aos questionamentos do advogado, assim induzida a beneficiar a ex-colega de trabalho. Explicou ainda o magistrado que, suas impressões quanto a linguagem não verbal das testemunhas era referente ao valor da prova oral e que nada impede a observância de tais aspectos, desde que sejam relevantes e a decisão seja fundamentada. Ora, tendo em vista o caso citado, é certo que em uma próxima audiência com o mesmo juiz, o jogador processual deverá se preparar a ela. É nesse sentido que Morais da Rosa (2016) defende a utilização da leitura corporal nos processos com base na teoria dos jogos. No processo penal como em qualquer tipo de jogo, os jogadores necessitam analisar situações, propor estratégias e escolher diferentes ações a fim de obter melhor retorno. São traçadas estratégias em cada situação que indiquem expectativas de comportamentos de cada sujeito do processo. (ARQUIMEDES, 2019) Ainda seguindo a teoria dos jogos, a utilização da linguagem corporal não busca obter vantagens a todo custo, mas sim, mecanismos para conter manipulações e compreender melhor o que diz o corpo. É nesse diapasão que o Magistrado Alexandre Morais da Rosa defende a utilização da linguagem corporal para facilitamento do jogo processual: O comportamento não verbal pode ser fonte de indicativos relevantes no decorrer do jogo processual. E o corpo nos entrega muitas vezes, pois uma parcela significativa de nossas ações não passa pelo sistema reflexivo, pois são automáticas e intuitivas. Desde cruzar os braços, arregalar os olhos, fazer cara de espanto, expor sarcasmo, jogar o corpo para trás, cruzar os braços, tudo passa pelo o que dissemos e fundamentalmente pelo o que nosso corpo diz, mesmo quando estamos despistando. Sabemos, todavia, a diferença entre um sorriso sincero e um falso/forçado. (MORAIS DA ROSA, 2016, arquivo não paginado) Antes de darmos seguimento a discussão sobre a aplicabilidade da linguagem corporal como meio de prova, é importante ressaltarmos o que se entende sobre meios de provas. Seguindo o que já abordamos anteriormente, os meios de provas são conjuntos de elementos a fim de elucidar os fatos e formar a convicção do juiz. Consoante ao mesmo entendimento, segundo Greco Filho (2012, p. 284) os meios de 45 provas “são instrumentos pessoais ou materiais aptos a trazer ao processo a convicção da existência de um fato”. Segundo Capez (2016, p. 433) “os meios de prova elencados no Código de Processo Penal são meramente exemplificativos, sendo perfeitamente possível a produção de outras provas, distintas daquelas ali enumeradas”. Diante disso, nada obsta a utilização da linguagem corporal como meio prova por não se enquadrar no rol prescrito. Todavia a liberdade probatória, assim como qualquer princípio, não é absoluta. Logo, a prova poderá ser proibida quando “sua produção implique violação da lei ou de princípios de direito material ou processual”. (SILVA apud TÁVORA, 2012, p. 380 e 381). Destarte, ainda que a utilização da linguagem corporal como meio de prova, se dê através de uma perícia (leitura corporal por perito capacitado), a inexigibilidade da autoincriminação e o direito ao silêncio do acusado ou indiciado, estariam enfraquecidos. Como bem destaca Delfino apud (TÁVORA e ALENCAR 2016, p. 95) “ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo”. Corroborando a esse entendimento, segundo Lima (2020, p.76) “sempre que a produção da prova tiver como pressuposto uma ação por parte do acusado (v.g., acareação, reconstituição do crime, exame grafotécnico, etc.), será indispensável seu consentimento”. Assim, para que haja o que denominamos de exame pericial de linguagem corporal, é necessário o prévio consentimento do acusado ou indiciado para tanto. Em relação a leitura corporal das testemunhas, trago o entendimento do já mencionado magistrado Max Carrion Brueckner, que aponta em sua decisão que “nada impede que o Juiz, durante a tomada dos depoimentos, anote aspectos relevantes, ligados ao discurso não-verbal da testemunha". (REVISTA ELETRÔNICA nº 186 do
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