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Manuel Diégues Júnidr. li /\ .. O BANGUE NP{S AlAGOAS TRAÇOS DA INFLU~NCIA DO SISTEMA ECONÔMICO DO ENGENHO DE AÇÚCAR NA VIDA E NA CULTURA REGIONAL • lFAL Ed i t o ras de oi t o universidades federa is nordestinas uniram-se, em 1999, numa rede regional que teve, corno primeira iniciativa, compor uma coleção destinada a publicar ou republicar obras representativas da produção intelectual da Região. A temática dos livros selecionados é abrangente, incluindo áreas corno a Literatura, as Ciências Sociais, o Folclore, a Antropologia e outras. Importa que essas publicações representem a (re)descoberta de um autor ou o resgate de um texto que, embora portad or de mensagem atual, de há muito desaparecera das livrarias. Assim nasceu a Coleção Nordestina, cujo objetivo é constituir-se, aos poucos, em repositório bibliográfico da Arte, da Cultura e da Ciência regionais, apto a preservar esse patrimônio e difundi-lo, permanentemente, em escala nocional. Atualmente, a rede Nordeste conta com 22 Editoras filiadas, que divulgam a Arte, a Ciência e a Cultura de seus Estados. ( OFAL ' BIBIYHE':A CENTRAL CO .. E.Çô .:. 5 t ~PECIAIS Manuel Diégucs júnior O Bangüê nas Alagoas TRAÇOS DA lNFLUÊNCL\ DO SISTEMA ECONÔMICO DO ENGENHO DE CANA DE AÇÚCAR ~A V1DA E NA CULTURI\ REG IONAL EDUfAL, 2006 J,C, .. ~ UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS ~J4 Reitorfl Conselbo Edttortal Ana Dayse Reze11de Dorea Sheila Diab Mnluf (Presidenle) Cícero l'éricles de Oliveira Carvalho Vice-reiwr E11rico de Barros lôbo Fi/11<> Jtaria do Socorro 11guiar de Oliveira C11vafcarite Roberlo Sarmento Lima Diretora da Edufal Slu:ifa Diab M.aluf /roei/da :\faria de Moura Lima Li11demberg Medeiros de .4rafijo Flávio ,l/1/ôt1io Mirt111da de Souza eurico Pi1110 de Lemos rlntonic de Pádua Cavalca11/e Cristia11e CJ1·i110 E.1/evão Olivi>irn Catalogação na fonte Universidade Federal de Alagoas Biblioteca Central • Divisão de Tratamento Técnico Bibliotecária Responsável: Helena Cristina Pimentel do Vale - - - -D559e Diéguesjúnior, Manuel, 1912-1991. O bangüê nas alagoas : traços da influência 1!0 sistema econômico do engenho de cana de açúcar aa vida e na cultura regional.- 3.ed. /Manuel Diégues Júnior. -Maceió: llDUfAL, 2006 341 p. : il. - (Coleção Nordestina) J. Engenhos -Alagoas. 2. Cana-de-açúcar - Alagoas. 3. Alagoas - História Social. 4. Brasil - História. 1. Freyre, Gilberto, 1900·1987. li. Título. Ili. Série. (Coleção Nordestina) CDl: 39:66'\.!(813.5) _. 'Jl"~:=:lil\lllõiiô= ISBN 85-7177-116·2 Direitos desta edição reservados à Edufal. Etfüora da t:nivcrsidade Federal de Alagoas Campus A. C. Simões, BR 104, Km, 97,6- Fone/Fax: (82) 3214.1111 'làbulciro do Martins· CEP: 57.072·970- Maceió· Alagoas E-mail:cdufal@edufal.ufal.br Site: "''~w.cdufal.ufal.br - / SUMARIO APRESENTAÇÃO 07 l'HEFÁCIO 1 09 -~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~-~- 1' H E FÁ CIO 2 17 l'HEFÁCIO 3 21 INTRODUÇÃO 25 Cttp. J: O BANGÜÊ E A FORMÀÇÃO DA SOCIEDADE ALAGOANA 41 ----- ºambiente geográfico. O papel dos rios. A ma_ta. ·os rum?s da colonização. Os primeiros núcleos de povoamento. O povoamento do Norte. Os engenhos de Cristóvão Lins. Rodrigo de Barros Pimentel no povoamento do vale do Santo Antônio Grande. A divisão da sesmaria. O povoamento das lagoas. A sesmaria de Diogo Soares. Os engenhos da Lagoa do Sul. Gabriel Soares. · Miguel Gonçalves Vieira e aocupaçãodesuasesmaria. Os engenhos da Lagoa do Norte. O povoamento das margens d? Iio ~1undaú. Fundamentos de Penedo. Os engenhos de açúcar na região, e particularmente em Coruripe e Poxim. O engenho na formação social das Alagoas. O cruzamento demográfico. O índio. O negro. O problema da colonização. Tentativas de imigração. Influência do engenho. O petíodo holandês nas Alagoas. A invasão e a conquista. Os engenhos durante o domínio holandês. Destruição de engenhos. Os senhores de engenho na rest.auração. A economia açucareira na época. Cap. II: O BANGÜÊ E A ECONOMIAALAGOANA 109 Os sistemas do bangüê. A necessidade d'água. A barcaça e sua importância na economia açucareira. O carro de boi e o cavalo. 3 A exclusividade da cultura. As culturas ancilares. O tabaco. O algodão. A farinha de mandioca. Período de crise. A evolução dos engenhos. Seu número em várias épocas. Fausto e decadência do bangüê. O engenho a vapor. A cultura da cana. O trabalho nos engenhos. O braço escravo. Melhoramentos introduzidos na agricultura açucareira. A estrada de ferro. O rio no comércio do açúcar. O comércio açucareiro no século XIX. Falsificação do produto. O "açúcar enforcado". As estradas. A navegação marítima. As safras e a exportação de escravos. O engenho central, seu aparecimento. Como se Manifestaram os presidentes da Província. O bangüê e o Engenho central. O problema da mecanização da lavoura. A rotina e suas causas. A abolição da escravatura e o bangüê. A situação do trabalho nos engenhos. Idéias surgidas. O espírito associativo. O Comício Agrícola do Quitunde e jetituba, suas realizações. A Sociedade de Agricultura~ Congressos Agrícolas. A crise agrícola nos princípios do século XX. O engenho e a usina. O comércio do açúcar. A crise de 1929. O Instituto do Açúcar e do Álcool e sua repercussão na economia açucareira. O Congresso dos Bangüezeiros e Fornecedores de Cana. Cooperativismo. Cap. Ili : O BANGÜÊ E O ESCRAVO NEGRO -------- 161 Os primeiros escravos nas Alagoas. População geral e população escrava. Os tipos étnicos introduzidos. Palmares. Os negros palmarinos e os engenhos. As entradas contra os quilombos. Outros quilombos. Notícias de jornais. Negros fugidos. Os motivos da fuga. O escravo e o senhor de engenho. O tratamento ao escravo. Negros doentes. Negros marcados. Doenças de carência. Defeitos ffsicos. O que revelam anúncios de jornais do Século XIX. 4 Cores de escravos que aparecem em anúncios. Habilidades do negro. A negra doceira, cozinheira e ama de leite. A população escrava no século XIX. A aplicação da quota de em~cipação. Manumissões espontâneas. A falta de braços na agncultura. O que dizem as falas presidenciais. O trabalho livre. Cap. IV: O BANGÜÊ E VIDA SOCIAL __________ 193 Esplendor social do bangüê. A família. Os entrelaçamentos de família entre os engenhos. Os nomes nativistas e os senhores de engenho. Movimentos políticos e sua repercussão no bangüê. 1817 e 1824 e os senhores de engenho. D. Ana Lins. O engenho Sinimbu trincheira republicana. ' A política regional e o engenho. A cabanada. Os Mendonça. A sedição de 1844. Senhores de engenho entre "lisos" e "cabeludos". As questões de terra. Suas causas principais. Os conflitos do engenho Oriente. O caso de Manuel Isidoro, do Malvano. Os proprietários rurais e os partidos. Arquitetura do engenho. A casa-grande. O engenho Buenos Aires e suas tradições. Capelas de engenho. Batizados. Casamento. Morte. Enterros nas capelas de engenho. Notícias e crônicas de jornais. Festas nos engenhos. Alimentação. A utilização da mandioca. Comidas de milho. Frutas. Os doces. Bolos e quitutes. Artes domésticas. Crochê. Renda. Uso de jóias e adereços. Venda de jóias falsificadas. Reuniões sociais. O piano. Visitas. Passar-o-dia. Banhos de rio. D,oenças. As endemias rurais. As epidemias e os engenhos. o colera de 1856; senhores de engenho vitimados. Cap. V: O BANGÜÊ EA CULTURA ----------235 Relações entre a economia, a arte e a literatura. Fins econômicos da formação territorial das Alagoas. Manifestações culturais. Revistas e jornais de natureza agrícola. 5 ... O complexo "açúcar'' na literatura.al~a. Estudos econômicos sobre o açúcar. l'\'lemórias e relatórioo. O açúcar nas sínteses históricas do E.5tado. Os poetas e os assuntos regionais. Poesias sobre motivos de engenho. Poetas de Viçosa. Evocações do Buenos Aires. Manifestações artísticas. Pintores que procuram temas nos engenhos. Outras manifestações culturais. Figuras ilustres provindas de engenhos. Políticos,juristas, sacerdotes, soldados, intelectuais. A agricultura e o filho doutor. O ensino: carência do ensino rural. Influência dos cursos superiores na vida rural. Expoentes do bangüê na cultura alagoana. Cap. VI: O BANGÜÊ E O FOLCLORE 285 .Manifestações folclóricas sobre engenho e açúcar. O engenho e o folclore. O ciclo do açúcar. O coco, dança originária de engenho. Versos de coco referentes a assuntos de açúcar e de engenho. Poesia popular. Emboladas. Cantigas. Lendas e superstições. Medicina popular. Adivinhações. Festas tradicionais nos engenhos. A botada. A peja. Costumes ligados à vida dos bangüês. Aspectos lingüísticos do engenho alagoano. Brasileirismos da área canavieira. FONTES BIBLIOGRÁFICAS O Fontes Fundamentais li) Fontes Complementares Nota da revisora 6 317 317 320 333 APRESENTAÇÃO Muito tem se falado, comentado e opinado sobre à produção de cana- de-açúcar em Alagoas. Alguns de forma competente e vibrante demonstram a relação íntima dessa atividade com o bem estar dos alagoanos. Outros, não rnxergam essas virtudes decantadas e até arriscam atribuir à atividade, causas J)ara o pouco desenvolvimento de Alagoas. Esse debate está recheado de extremismos, de ideologias, de fanatismos e até fundamentalismo, em alguns casos. Mas, em raras ocasiões ele é travado cm bases desapaixonadas serenas e comparativas, como deveria ser. Esse livro não pretende e não se propõe, até pelo aspecto temporal de $ua primeira edição, assumir nenhum papel elucidativo e conclusivo para a :málise dessa matéria. Contudo, questionar e debater esse importante segmento de atividade econômica que beira os 400 anos, requer, em nome da serenidade e da seriedade de propósitos visitar a sua preciosa e rica história. Nesse contexto, o livro " O Bangüê das Alagoas " contribui de forma definitiva para uma introdução na saga da cana-de-açúcar em Alagoas. O lançamento de mais uma renovada edição desse rico conjunto de fundamentos que extrapolam à atividade da cana e ampara bases importantes da nossa verdadeira história, acontece num momento de grande visibilidade da produção canavieira alagoana no cenário nacional. Por outro lado, essa 3ª edição vem ratificar a parceria existente dessa Importante. atividade econômica representada pelo Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Alagoas e a Universidade Federal de Alagoas, que representa o que temos de mais denso no nosso segmento cultural. 7 A reedição " O Bangüê das Alagoas" conduz o leitor a revisitar essa bela passagem da nossa história civilizatória , além de, sobretudo, demonstrar o compromisso dos que fazem a produção de cana em Alagoas com a difusão da cultura e dos aspectos relevantes da nossa história. Pedro Robério de Melo Nogueira Presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Alagoas • 8 ; . PREFACIO 1 Manuel Diégues júnior foi do grupo de estudantes que, no Recife de 1933, / fJ 1 ·I, J 935, reuniam-se comigo todas as tardes, na Biblioteca Pública, par:JJ..juntos l\'llllli11armos papéis e jornais velhos. Foi como alguns deles adquiriram o gosto (1ctft1 /1csqr1isa de biblioteca e de arquivo. Mas por uma pesquisa de biblioteca e de tm11111lo que fosse uma com1ante aventura de descobrimento de fatos socialmente 11.~n{ficc.1ttvos, tantas vezes desprezados por cronistas e até historiadores voltados 11/1111tfl.\' para os conhecimentos mais ostensivos e vistosos do passado político e 1111/lltlr do Brasil. Copiavam os estudantes o que o companheiro mais velho de f't'l'</lllsa lbes pedia para copiarem de MSS e jornais antigos, verificando sempre, , 11111 olhos vigilantes de mestre de noviços,até onde iam a pachorra, o esmero de 111/1Mt1, o gosto de exatidão, a vocação de historiador, de cada um dos aprendizes; "''' ~ c11piavam também o que ia despertando ~eu interesse particular. Pois um já se f''''º"upava principalmente com o domínio holandês no Norte do Brasil; outro com 111 homens e as coisas antigas das Alagoas. Desse grupo faziam parte jovens que começam a ser hoje notáveis homens "'' 1wt11do em suas especialidades: josé Antônio Gonsalves de Melo, neto, e josé i11f111/11res, por exemplo; Diogo de Melo Menezes, que vem reunindo material para um c111saio sobre atividades norte-americanas no Nordeste do Brasil durante o século \1\, 11ccrca do que já publicou sugestiva nota prévia; Ivan Seixas, que é hoje o f 11 mdpat colaborador do Professor Amaro Quintas em suas pesquisas sobre aspectos tJlt1m•t1dos ou desprezados da Revolução Praieira; e Manuel Dtégues júnior, que surge 1W il'<I com um ensaio sobre O BANGÜÊ NAS ALAGOAS verdadeiramente excepcional f 11'/tJ q11c jtmta de interpretação sociológica ao esforço honesto e paciente de n1nmstlt1,ição de largo trecho da história alagoana. Tão largo que é quase como se incluísse tudo que, na história das Alagoas, ti ,1'11cltl/111e11te importante. Pois da história da gente alagoana se pode generalizar, 1 '"''" do passado do carioca, que é a história de uma gente quase anftbia. Apenas 1111 ludo das águas já amorosamente estudadas em trabalho de mocidade - que, 11/ltt1', vslá a ped1r nova edição - por Otávio Brandão, não se deve deixar de 1 on.~idcrar a grande influência, sobre a formação do alagoano, que vem sendo o 9 .. açúcar através do latifúndio, da monocultura e da escravidão. Através do sistema patriarcal e quase feudal de relações de senhores de terras com lavradores; de donos de casas-grandes com escravos de senzalas ou quilombos de mucambos; de homens com mulheres,- de brancos com pretos,- de europeus com indígenas; do homem com a natureza - com as terr~~ com as matas, com as águas. É um sistema de que ninguém consegue separar a formação brasileira, tal a sua repercussão sobre as próprias áreas pastoris e de mineração, também atingidas pelo drama do regime patriarcal de família, de religião, de política,· e não apenas de economia. O Brasil inteiro sofreu a influência imediata ou remota do sistema que teve seu centro no Nordeste. O aspecto alagoano desse drama que foi - repita-se - durante todo um período o do Brasil quase inteiro, estuda-o agora Manuel Diéguesjúnior nas páginas de um ensaio realmente notável. Retrata de perto a gente alagoana em várias situações e atitudes, das que o açúcar, mais do que qualquer outra influência isolada ou só. criou menos para indivíduos que para familias numerosas e compactas,- as ramalhudasfamílias das casas-grandes. Dessas famílias convém nos lembrarmos que os próprios escravos se tornavam sociológica e cu/turalmenw 11um1bros. Tanto é certo que nas Alagoas, como noutras partes do Brasi~ muitos foram os escravos que tomaram não só os nomes como os característicos das famílias senhoriais, tornando-se sociologicamente Mendmzças, Wanderleys, Meles, Cava/cantis, Uns e Machados; seguindo Mendonças, Wanderleys, Meios, Cava/cantis, Uns e Machados em suas peculiaridades de fala, de andar, de gesto, de recreação, de devolução religiosa, de sentimento ou de compromisso político. É um aspecto do sistema de relações patriarcais no Brasil que eu quisera ver estudado um dia por pesquisador da aptidão e dos recursos de Manuel Diégues f únior. Pois nesse aspecto se refletem alguns dos principais característicos que aquele sistema assumiu entre nós confundindo interesses de classe ou de raça com os de soltdariedade ou coesão de família. Os escravos do Capitão Machado, devoto de Nossa Senhora da Conceição, por exemple, empenharam-se em lutas com os escravos do Coronel Mendonça, devotos da madona ou santa rival - Nossa Senhora da Guia - por .fidelidade à devoção da família ou da casa de que se sentiam sociolegicamente membros,- e com um entusiasmo que talvez lhes faltasse para lutarem por Nossa . Senhora do Rosário ou por São Benedito dos Pretos. Ou empenhavam-se em debates sangrentos pelo Partido Conservador (o dos seus senhores) contra escravos que 10 /111111•11111 a faca ou a cacete pela vitória doPartido Liberal - por ser os de seus tv11/wctivos senhores- com um fervor que não se confundia, segundo testemunhas i l/JnNJS, com os dos merce11ários º"o dos capangasº" cangaceiros de aluguel. Um fii11·11r que vinha de identificação profunda do escravo com os sentimentos, os {11/1'"''·\~çe~~ os compromissos do seu senhor ou da casa da família que considerava "'' sua casa ou fam(/ia sociológica - com prejuízo de sentimentos de dasse ou de 1~111~dôncia de raça.1 •É claro que houve exceções importantes a essa tendência. Que houve , , , 11t1os cuja devoção verdadeira não era nem Nossa Senhora da Conceição, nem m1•.1mo a do Rosário, mas o Xangô ou a Exu. E cuja identificação foi com a gente ,/1• ·''"' classe (escrava ou operária) ou de sua raça (africana) nos movimentos ltllf·rtários que mais de uma vez chegaram da Bahia ou de Pernambuco até Alagoas, /1111ocupando capitães-generais e inquietando senhores de engenho. Mas não nos 1l1·1>t1111os esquecer de que nas Alagoas, como noutras partes do Brasil, a tendência ,/11111f 11ante foi para o escravo sentir-se membro da fam(/ia de que era escravo, a p11nlo de identificar-se com os seus sentimentos, sua linguagem, seus gestos, seus ,/1111.1·os domésticos, suas devoções e seus s(mbolos. Sabe-se que houve escravos, fw t!Sfe Brasil, de tal modo identificados com a política dos seus senhores, que, bomons feitos, usavam, como os senhores, o cavanhaque ou a pêra que se tornara /11.1lt.:11ia dos membros do Partido Conservador. &se aspecto do sistema de relações patriarcais no Brasil é pena que não tlf111r<:ça entre aqueles de que Diegues júnior trata mais sugestivamente no seu ;t11.mlo de agora, onde reconhece: "A economia açucareira, que era a grande lfwo11ra de Alagoas como do Nordeste, se mantinha ligada ao escravo negro: tanto ,, 11/1• como ao patriarca/ismo e à monocultura" (pág.11 7) . Poderia ir além. Poderia N1co11becer que o patriarcado, no Brasil, não só tornou o senhor dependente do """""ºe o escravo dependente do senhor como criou entre senhor e escravo, nos 1llt1s normais e não apenas nos de guerra, sentimentos de solidariedade mais de """' vez superiores aos da classe ou da raça de cada um daqueles elementos. IJOflde podermos concluir que tais elementos nem sempre foram antagônicos mas, '"'contrário, sob mais de um aspecto, simbióticos. Se hotwe mais de um Palmares 1111 quilombo, houve numerosos engenhos brasileiros - e não apenas alagoanos - mulo senhores e escravos viveram vida antes de acomodação que de oposição; 1111tcs de simbiose que de inadaptação. Que não nos ouça, porém, nenhum m11r:i:sista dos inflexivelmente·ortodoxos. Ll Aliás Manuel Diégues júnior aproxima-se do assunto ao recordar que, na luta contra os holandeses, "o escravo negro acompanhou o senhor de engenho no seu sofrimento e 11a sua recreação" (pág.143) ... "Moradores e cabras de engenho, gente do eito e da bagaceira, pessoal da moenda e da casa-grande, juntaram-se todos no mesmo sentímento de confraternização com os proprietários rurais, reagindo contra os holandeses". Isto, porém, - repita-se - em dias anormais. O fato mais interessante é o de ter se verificado, senão confraternização, acomodação, em dias normais, daqueles dois elementos aparentemente antagônicos: senhores e escravos. Um alagoano nascido em Wçosa nos dias de trabalho escravo, - o velho historiador Alfredo Brandão - pôde escrever as palavras que o autor de o BANGÜÊ NAS ALAGOAS recolhe numa de suas páginas: "As novenas de açoutes, os bancos e . as gargalheíras nunca medraram em minha terra", isto é, Viçosa. O que não significa que o cativeiro tenha sido em Viçosa, ou em qualquer parte do Brasil escravocrata, uma vida ideal para o trabalhad01; por mais acomodatício e menos necessitado de ou-tra assistência senão a elementarmente material que ele fosse. Manuel Diégues júnior salienta, no seu ensaio, ter chegado a tais extremos entre os alagoanos o hábito, nada cristão nem sequer humano, do senhor lançar fora de casa o escravo, por velhice ou enfermidade, que, em 1833, o Governo da Província viu-se obrigado a tomar medidas no sentido de moderar esse requinte de crueldade da parte de donos de negros. Crueldade pior, talvez, que as novenas ou gargalheiras. Apenas menos ostensiva. A respeito do que foi o tipo dominante de escravo de engenho nas Alagoas, valeu-se Diégues júnior de valiosa material antropológico: o oferecido pelos anúncios de jornal de negros à venda e de pretos fugidos. Encontrou aí evidência de suplícios, castigos e doenças, que caracterizam os corpos de escravos nas Alagoas; marcas de propriedade; traços de vícios; sinais de procedência africana; indícios de subnutrição,· característicos de cor, aparência e conformação de corpo; informações sobre trajos, oflcios, profissões, artes, habilidades. \É claro que o escravo por assim dizer ideal encontrou-o só uma vez no Diário das 'Alagoas de 29 de abril de 1879, e na pessoa de certo escravo fugido da casa do Padre Daltro. Ao Padre Daltro esse negro desaparecido deve ter feito enorme falta, pois era, ao que parece, o mais completo homem orquestra que já se viu em figura de escravo no Brasil: "sabe ler, ajuda missa, corta cabelo, é bom cozinheiro, copeiro, sapateiro, conversa bem, entende ginástica, trabalha em trapézio, é bom pajem". 12 Recorda Diegues júnior que, nas Alagoas, como noutras partes do Brasil, mmtt•rrisas familias patriarcais acrescentaram aos velhos nomes portugueses ou rmv/wu .. \, nomes indígenas. Às vezes os nomes dos próprifü e11grnhos Ou dn.'i rios ou dils /1 iqoas dos engenhos. O nativismo ligando-se ao patriarca/ismo tias casas-gra 1ules, 11110 Já tive ocasião de salientar. O caboclismo ou o telurismo patriótico, sugerido /lfllm nomes da fam#ia, dando aos senhores a impressão de serem mais donos das wm1..\ 0 das águas do que se conservassem os velhos nomes europeus. Oiticicas, 1~11m.~tlS, Gejuibas tornaram-se nomes de grandes famflias patria~is das Alagoas. / 111111 f.lns Vieira juntou ao nome português o de Cansanção de Simmbu. E um dos ''"""'·ç mais ilustres que Alagoas deu ao Brasil nos dias de Império foi o dessa gente de e ~ 111 grande que quis sentir-se tão da terra quanto suas próprias terras. Nas Alagoas encontram-se ainda boas casas-grandes do tempo do Império e "''''"'Colônia. Sempre me recordo de urna, assobradada e vasta de Wanderkys antigos ,,., 1~~rf ão. Conheci-a há anos, vindo das Alagoas para Pernambuco ~orvelho caminho 1•11/bo e pouco movimentado hoje: talvez até com assombraçoes do tempo dos 011111,.ngos - que atravessa alguma das melhores e mais doces te"as de engenhos e Ll/llllll'iais de Porto Calvo. Porto Calvo f()f,, como salienta Manuel Diégues júnior, 11 0 /irlrrwlro núcleo de povoamento"das Alagoas; e esse povoamento se fez em torno de ""~"·11/Jos de açúcar, de casas-grandes, de capelas patriarcais e, principalmente, com f,mulias ou individuos vitulos de Pernambuco. Do Pernambuco de Duarte Coelho. Que, nas Alagoas, engenhos, casas-grandes e capelas patriarcais foram omwços de povoa<;ões inteiras: Pilar (hoje Manguaba), São Lufs do Qtutun:18, :asso fht <~11111aragibe, a própria cidade de Maceió. E é curioso notar-se - se;a dito. de r am~~rm-que vários nomes de engenhos, quando nomes de santo ou de p~d~ros ,tlltm1ram-se nestas, como noutras partes do Brasil, com a transferencia da • ==,=,,.=,,prlcdade rural de uma família para outra. O engenho que se chamava Nossa ~C'lllmra do Escurial, com uma família, passou a chamar-se Nossa Senhora da f 111in1içiio com a nova família de proprietários. Sinal de que ~s pró~rios ~an~os 111 11111/)tmbavam as famílias patriarcais em suas mudanças de situaçao temt?nal "'"'· nllo raro, eram, também, mudanças de situação socí~l. E[etto de ~eclímo ou tl••nltlfülCia. Ou de simples urbanização através da burocratizaçao: atraves dos filhos /Hlthtlrdts oufancionários públicos que abandonavam as casas-grandes para trem 1 ,,.,.,.nas capitais ou tomarem rumo do Sulonde um Albuquerque Lins das Alagoas '''"Rº" li Presidente do Estado de São Paulo. Em Porto Calvo, Li11s, Holandas, tt"r/11/)0S, Gomes de Melo e Wanderleys foram, quase todos, substituídos ou 13 • absorvidos por Mendonças como senhores dos melhores engenhos ou das melhores terras E pelo que se conhece de alguns casos concretos, pode-se esboçar a 1:1.meralização - que daqui sugtro a Manuel Diegues júnior estudar ou consulerar numa das próximas pesquisas - de que tais substituições ou absorções importaram, em numerosos casos, em mudanças dos nomes dos santos padroeiros senão dos engenhos, das capelas patriarcais. Parece que a fam(/ia adventícia fazia do seu padroeiro uma de suas insígnias de domínio ou de conquista, uma de suas demonstrações de prestígio patriarcal. Se um Mendonça opulento substituía um Wanderley decadente na posse de um engenho, considerava-se natural que, na capela da casa-grande, o santo de devoção da famílía antiga fosse substituído pelo da nova e rica. Donde se pode dizer que santos e não apenas capelães, eram antes membros que senhores das famílias patriarcais. Os patriarcas eram todo-poderosos em relação com os próprios santos. Se do Brasil inteiro que se formou à sombra dos engenhos patriarcais de açúcar, pode-se dizer que a água foi um dos elementos mais nobres de sua paisagem, nas Alagoas- terra de tantas lagoas, tantos rios, tantos riachos - a importância da água foi máxima na caracterização do complexo agrário. Muitos foram os engenhos alagoanos que, em vez de tomarem das familias proprietárias, nomes de santos ou de mulheres.foram buscar um tanto pagãmente na água suas denominações. Manuel Diegues júnior recorda vários: Riachão, Poço,Ribeíra, Água Comprida, Água Fria, Âgua Clara, Riacho Branco. E mais.foi na água dos rios - dos ''pequenos rios" - que o senhor de engenho alagoano eruxmtrou, como nenhum outro, o que Diégues fúnior chama "o melhor colaborador para sua organização econômica". Força para movimentar a moenda da fábrica. Humidade para fecundar o solo. Transporte para a produção e para a gente. Banho para os animais. Banho para as pessoas. Nenhuma sub-região do açúcar no Brasil poderia oferecer melhor confirmação que a alagoana da sugestão, por mim esboçada em ensaio já antigo com aprovação de um geógrafo da competência do professor francês Pierre Monbeig: a de que o rio pequeno teve influência considerável na formação agrária do Brasil. São vários os aspectos ou traços do complexo social representado pelo bangüê, ou pelo açúcar, nas Alagoas, que Manuel Diégues júntor examina no seu ensaio: vendas de engenhos anunciadas nos jornais, introdução de engenhos a vapor, relações dos principais traçados de estradas de ferro com a lavoura da cana e a indústria do açúcar, epidemias, crises, a repercussão dos trabalhos da lavoura de mna e da indústria do ru;úcarno folclore, os primeiros reflexos dos engenhos centrais 14 11a situação dos bangüês, o complexo "açúcar"na literatura e na arte alagoanas, os homens ilustres vindos dos engenhos, as festas de engenho ou de casa-grande, a cozinha das casas-grandes que o ensaista alagoano supõe, a meu ver erradamente, ter sido farta em todos os engenhos, quando essa fartura parece ter sido o característico apenas de alguns, a falta de adaptação do ensino às necessidades agrárias do que resultou o afastamento de tanto filho de engenho das velhas casas- ((randes, os efeitos da Abolição sobre a economia açucareira das Alagoas, a transformação do bangüenzeiro em simples fornecedor de cana sob a pressão da concorrência técnica, industrial e comercial do usineiro poderoso e muitas vezes ausente da terra: residente nas capitais. Reconhece o autor, com outros alagoanos empenhados em deter a descaracterização da paisagem, da economia e da vida social de sua boa província causada pelo avanço imoderado das usinas que, ''no cooperativismo repousa a possibilidade de salvação do bangüê"(pág. 127). Velha idéia minha durante anos lida por puro romantismo, pelos chamados homens práticos, que tive a satisfação de ver adotada pelo grupo de senhores de engenho do Vale do São Miguel que, em 1943,fundaram a Cooperativa dos Plantadores de engenho de Cana de São Miguel tios Campos, estabelecendo aí a Usina Caeté. A ''primeira fábrica de açúcar, pelo 1'/stetna cooperativista - destaca Diéguesjúnior- inaugurada não apenas no Brasil mas em toda a América do Suf' (pág.127). Para essa experiência alagoana, têm os nlhos voltados brasileiros de outros Estados, onde o dono do bangüê enraizado à f1•rra, vem sendo esmagado pelo usineiro novo - quase sempre homem de cidade e de espírito apenas comercia/ quando não vilão; e cuja superioridade sobre o antigo {t1bricante de açúcar decorre, principalmente, da imensa superioridade técnica da 11~i11a sobre o bangüê. " O ensaio de Manuel Diégues júnior, sólido com é na documentação que 11/erece sobre aspectos ignorados ou pouco conhecidos da história social das Alagoas, 11 lambém valioso pelas sugestões de que o autor anima esse rico documentário, f mcientemente desentranhado por ele de velhas crônicas, de publicações antigas e 1116 de MSS raros. É um ensaio que obriga o leitor a pensar; que provoca reações noutros estudiosos do assunto,- que sugere novas pesquisas a outros pesquisadores. St1t1 orientação - a de juntar a interpretação sociológica da história do Brasil agrário 11 patriarcal ao estudo das fontes regionais dessa história, abundantes em terras rnmo a das Alagoas - sem ser a que merece a inteira aprovação dos ortodoxos da rr(}nica histórica, parece a mais capaz de enriquecer o conhecimento do passado 15 bl'asileiro de perspectivas largamente sociais. Não é uma orientação fáci./ de ser soguida. Ao contrário: dificílima. Como o chamado "modernismo" nas artes e nas letras, presta-se esse sociologismo arriscado ao sacrifíci.o da substânoia à aparência para efeitos de novidade ou de sensação. fá chega a ser mesmo considerável, entre nós, certa sociologia apenas cenográfica feita precipitadamente à sombra da história. Não é, porém, o caso de Manuel Diégues júnior - sempre contido em seus pendores para a abstração sociológica, pelo conhecimento da história concretamente regional e pelo contacto quase cotidiano com os arquivos, com os documentos, com as fontes da história social do açúcar no Brasil e, particularmente, nas Alagoas. Seu trabalho se junta aos de Alberto Ribeiro Lamego, josé Antônio Gonçalves de Melo, neto, Wanderley Pinho, Afonso Várzea, Gileno Dé Carli,josé Calazam~ isto é, aos melhores estudos de economia, sociologia e ecologia ultimamente aparecidos em torno do complexo brasileiro do açúcar. *** A.cabo de reler o prefácio que, a pedido de Professor Manuel Diéguesjúnior, escrevi para seu notável O Bangüê nas Alagoas, em ano já distante: 1948. Impressiona-me no prefácio o que nele permanece atual Como me impressionava agradavelmente o fato de O Bangüê nas Alagoas ter sido o início de uma brilhante sucessão de estudos sobre assuntos antroposociais brasileiros, marcados pela inteligência e pelo saber de um hoje mestre de renorrw internacional. GILBERTO FREYRB Rio, setembro de 1948- agosto 1978. 16 ,, PREFACIO 2 A obra de Manuel Díégues Júnior, "o BANGÜÊ NAS ALAGOAS", toma-se pela sua própria especificidade, uma obra clássica para quem deseja melhor compreender a natureza e a própria essência da formação histórica de Alagoas, Identificada com a cultura da cana-de-açúcar. Somam-se à obra de Manuel Diegues Júnior - , para compreensão das sociedades que se gestaram a partir da monocultura da cana-de-açúcar, as obras do historiador Moacir Medeiros de Sant'Ana, "Contribuição à História do Açúcar cm Alagoas", publicado na década de 70, pelo Museu do Açúcar, e a do geógrafo Manuel Correia de Andrade, "Usinas e Destilarias das Alagoas ... ", na década de 1990, pela Editora da Universidade de Alagoas. Essas obras desnudam a natureza e a própria essência da monocultura da cana-de-açúcarem Alagoas. O caráter pioneiro e, ao mesmo tempo, inédito da obra da Manuel Oiégues Júnior revela-se não apenas pela utilização dos jornais como fonte de 1Jesquisa histórica, mas também na abordagem antropo-sociológica como elemento explicativo do processo de construção da formação e consolidação da sociedade alagoana que orbitou em tomo dos engenhos bangüês. A "análise" que Diégues Júnior faz do processo de formação de sociedade ttlagoana baseia-se inicialmente na descrição e na análise das condições naturais do espaço geográfico alagoano e pelo papel desempenhado pelos rios, lagoas e das matas no processo de instalação dos primeiros engenhos bangüês nas regiões de Porto Calvo dos Quatro Rios (hoje Porto Calvo), Alagoas do Norte (hoje Santa Luzia do Norte) e Santa Maria Madalena de Alagoas do Sul (hoje Matcchal Deodoro). A única das quatro vilas fundadas inicialmente em Alagoas - Porto Calvo, Santa Luzia do Norte e Marechal Deodoro atualmente - apenas 11ma1 a Vila do Penedo do São Francisco, não teve a sua origem e consolidação econômica cm função dos engenhos bangüês, mas sim de\'ido a sua localização geográfica cstr.atégica, próximo à foz do rio S. Francisco, assentada sobre um bloco rochoso, 17 bastante conhecido pelos seus habitantes com "a rocheira" que teria sido o núcleo geo histórico da formação da Vila do Penedo que cresceu em função da sua pos1çao geografica excepcional como porta de entrada e saída para o interior do Brasil, consolidando-se com a expansão dos currais, e mais tarde do algodão pelo interior dos sertões do rio São Francisco. Para que se concretizasse o processo de instalação dos primeiros engenhos bangüês e a própria ação colonizatória européia em território alagoano, ela foi bastante retardada, dado à resistência ferrenha que as populações indígena caetés, potiguares e de outras tribos que reagiam às tentativas de implantação das primeiras vilas em território alagoano. Entretanto um fato histórico - a morte do Bispo D. Pero Fernandes Sardinha e demais tripulantes do navio que naufragou próximo ao litoral de Coruripe - atribuída aos índios caetés, pré-determinou a oficialização por parte da Coroa Portuguesa da escravidão indígena a partir de 1562, e o processo gradativo, e cada vez mais acelerado, de extennínio das populações indígenas do litoral de Alagoas. A presença holandesa não passou despercebida na obra de Diégues Júnior que faz uma análise dos impactos econômicos e sócio-culturais que a guerra do açúcar teve sobre o território alagoano, destacando o papel que Alagoas teve como área produtora de alimentos de subsistência, víveres (gado, pcixe- seco etc) e de produtos de exportação para o mercado internacional - açúcar, fumo, pau-brasil, resinas vegetais, etc. A importância que a cana-de-açúcar teve sobre a economia alagoana - e ainda tem como elemento absorvedor da grande quantidade de mão de obra rural - é analisada a partir de montagem dos primeiros engenhos bangüês, da sua evolução tecnológica, da convivência nem sempre harmoniosa com outras culturas agrícolas tais como o milho, feijão, mandioca, o fumo e o algodão e ainda dos cíclicos períodos de crise e prosperidade decorrentes das oscilações de preços do açúcar no mercado internacional, assim como, a transição dos decadentes engenhos bangüês para o aparecimento das primeiras Usinas de Açúcar e o impacto que a crise estrutural de sistema capitalista em 1929 teve ~obre o setor açucareiro em Alagoas. 18 Sobre a atualização de mão de obra escrava africana, Diégues júnior apóia-se nos documentos analisados pelo Barão de Studaurt, Ernesto Encs e 11~ publicações de Edison Carneiro que resgatam a historiddadc do 11cgro como agente de história-embora lhes negasse essa condição a historiografia tradicional, reforçando a inconsistência do "mito do senhor bondoso"e apoiando-se cm manuscritos da época sobre a escravidão e no le\1antamento das condições de vida dos escravos, segundo anúncios de jornais do século XIX, demonstrando o caráter insurgente dos escravos africanos contra o sistema que os oprimia, lutando individualmente ou coletivamente contra o sistema escravista, cuja forma mais organizada de protesto coletivo foi a constituição dos Quilombos. A interrelação umbilical existente entre os engenhos bangüês, a vida social e as diversas expressões ou manifestações da cultura "erudita"e a "popular" são analisadas a partir da auto-identificação da terra com os processos de formação das tradicionais famílias alagoanas, identificadas com as estruturas oligárquicas ou de mando ainda sobreviventes nos tempos atuais; cujas manifestações materiais ou espirituais produzidos pelo homem do povo, ou "folk", permaneceram integradas a esse processo direta ou indiretamente. José Roberto Santos Lima Prof. Depto de História da Ufa! Maceió-AL, Abril de 2002 19 , PREFACIO 3 Na 2• Edição de "O Bangüê nas Alagoas", feita pela EOUFAL, em 1980, Gilberto Freyre, que havia prefaciado a sua l3 edição, há mais de trinta anos, a pedido cio autor, acrescenta, ao prefácio original, que, além da atualidade do que foi, àquela .1ltura, identificado no notável trabalho de Manuel Diégues Júnior, o "impressionava 11gradavelmente o fato de O Bangüê nas Alagoas ter sido o início de uma brilhante \Ucessão de estudos sobre assuntos antroposociais brasileiros, marcados pela luteligência e pelo saber de um hoje mestre de renome internacional". Eloqüente .uestado este-sobretudo vindo de quem veio- já por si só suficiente como apresentação do trabalho inaugural de tamanho fôlego para um jovem mestre de 37 anos na difícil e 1lclicada tarefa de desvelar a gênese social de um grupo humano e os elementos e motivos que agregam elementos e situações tão díspares em um todo social que alguns denominam de gente alagoana, sem que houvesse, àquela altura, sobre Alagoas, qualquer produção na vertente teórico-metodológica por ele seguida. Moacir Palmeira, por sua vez, ao apresentar 'O Engenho de Açúcar no Nordeste'', outro trabalho magistral do Mestre Oiégues Júnior, escrito menos de três mos depois de "O Bangüê nas Alagoas", afinna que "o plus d ' O Engenho de ~çtícar no Nordeste, aquilo que Jaz a sua diferença e que lhe dá um encanto 1•1pecífico é o seu modo de usar o método etnográfico': Sem contradizer essa afinnaçáo, 1•11 diria que, na verdade, esse encanto, de uma certa forma, já se faz presente cm "O lltmgüê nas Alagoas" e é o que neste identifico como o mais rico e o mais inovador. Explico-me: ainda que em "O Bangiiê nas Alagoas", Diégues Júnior se tllsponha a apresentar .. os traços da influência do sistema econômico do engenho de rtçtícar na vida e na cultura regional", sendo esse, inclusive, o sub-título de seu estudo, u que ele consegue com maestria inigualável é ultrapassar as fronteiras de uma produção 'óciohistórica comumente produzida em Alagoas e sobre Alagoas até 1949 e mesmo 1lcpols, demolindo, para isso, os muros que cercavam outras disciplinas do campo ·.ocial vistas sob uma ótica tradicional e ortodoxa, sem jamais abrir mão do rigor científico. Com isso, penso que é possível afirmar ser Oiégues Júnior um precursor dos estudos hlslórico-sociais sobre as Alagoas numa perspectiva inovadora, através de uma obra 11ue pode ser tranqüilamente filiada ao movimento da chamada "Notwelle Htstoire", 21 .1lnda revolucionária na Europa na década de 40 do século XX, que, não se contentando cm ser apenas História, no sentido tradicional, dialoga com a economia, com a sociologia, com a antropologia e mesmo com a psicologia e destas ciências particulares incorpora categorias. métodos e técnicas. Sob essa perspectiva, não é apenas o germe da etnografia que se encontra presente em "O Bangüê nas Alagoas". Ali é possível já ver pulsando a dinâmica social que se desenvolve e dá substância aos modos de vida da gente alagoana até os tempos presentes e, nesse sentido, penso ser possível já afirmar sobre "O Bangüê" o mesmo que foi dito por Palmeirasobre "O Engenho de Açúcar no Nordeste". Assim sendo, somente por "O Bangüê nas Alagoas" já seria possível classificar o genial Manuel Diégues Júnior como um clássico no campo das ciências sociais produzidas em terras brasileiras e não apenas cm Alagoas. Minai, tendo mergulhado nos modos de organizar a vida social em um quinhão do território nacional, desde que aqui se estabeleceram os colonizadores, Diégues Júnior foi capaz de extrair, dos mitos e dos ritos por esses engendrados, os significados e as regras de convívio que ainda hoje produzem o cimento social que dá coesão e sentido às ações dominantes, estabelecendo de forma bem viva os grupos, cuja hegemonia faz de Alagoas - e, por via das permanências, também de extensas porções do nosso imenso Brasil - um espaço de unidade em meio a tanta e tão cruel disparidade. Quando Roberto Da Matta, em seu exemplar ensaio intitulado "Carnaval, Malandros e Heróis", de 1979, sobretudo no capítulo denominado "Você sabe com quem está falando?" -cujo sub-títiulo é "para uma sociologia do dilema brasileiro", discute a prevalêncía, na cultura nacional, do público sobre o privado, da pessoa sobre o indivíduo, da casa sobre a rua -e que já se encontrava, cm germe, em Sérgio Buarque de Holanda, em "Raízes do Brasil", de 1936, quando ele opõe, por exemplo, "modo de vida" a 'meio de vida", na sua referência à modernização dos estilos de vida dos barões do café - toma corpo, como fonte caudalosa, nas análises feitas por Diégues Júnior, já em 1949, em "O Bangüê nas Alagoas'', a presença firme e forte do patrimoniatismo, com a conseqüente estrutura social patriarcal que se nutre do filhotismo, do familismo e dafamulagem. Ali encontram-se vivas e vicejantes, nas análises de Diégues Júnior sobre como se organizou a vida colonial e como foi estruturado o espaço de convivência, as relações de trabalho e de poder numa região que deu origem à própria sociedade brasileira que se vai espraiar por todas as outras regiões e que vai atravessar o Império e todas as "Repúblicas", até esta em que vivemos. 22 Se o que faz de um pensador um clássico é, sobretudo, a perenidade das lll<'~tões que ele levanta, a par das pistas que abre para os que pretendem, depois dele, 11\íutçar no desvendamento dos temas e obietos sobre os quais se debruçou, não há l'fllllO negar a Diégues Júnior e ao seu "Bangüê nas Alagoas" a denominação de t IJ sicos. Tendo mergulhado fundo na trama social que foi urdida para formar as Alagoas, 1IJ1 extraindo o ethos profundo da vida social alagoana, este trabalho do mestre Diégues 11111for representa uma obra seminal para quem quer que pretenda entender aquilo •111r se costuma chamar de alagoanidade, cujos traços de arraigada permanência 11111ente recentemente vêm sendo retomados pelos estudiosos desta sociedade. Por tudo isso, merecem os mais vivos elogios a Editora da Universidade Federal .1 .. Alagoas, seus patrocinadores e sua Diretora, Prof'. Dr. Sheíla Diab Maluf - a quem ·'W ;tdeço pelo honroso convite para fazer essa apresentação-, pela iniciativa em reeditar 1.111 Importante obra, não somente para Alagoas, mas para o desvendamento do que H11hcrto Da ri-tatta denomina de "dilema brasileiro'', frente à necessidade de se 111111lantar uma sociedade minimamente democrática, ainda que nos limites que o 1 Apltalismo e suas metamorfoses nos impõem. Dito isto, tomo a liberdade de, sem mais delongas, parafraseando Moacir l'plincira, convidar todos e todas que se interessam por entender esta terra e sua gente, 111l1•sfrutar da prazerosa e elucidativa visita a'O Bangiiê nas Alagoas. Maceió, 06 de abril de 2006. Elcio de Gusmão Verçosa Coordenador do Grupo de Pesquisa "CAMINHOS DA EDUCAÇÃO EM ALAGOAS", do Programa de Pós-Graduação em Educação do CEDU/UFAL 23 ' INTRODUÇÃO A história dos engenhos de açúcar nas Alagoas quase se confunde com " p1 ópria história do hoje Estado, antiga Capitania e Província. A evolução de um 11111111 e condicionou a do outro;~acompanha a história do Estado, o th"lll'tlVolvimento da cultura da cana e da indústria do açúcar. As dificuldades 111w sofre o açúcar, refletem-se na história regional. Os seus dias de esplendor Jn os dias áureos da terra - vilas, comarca, capitania, província ou Estado. : Desbravando o território, as primeiras bandeiras que o explórâfám, \ ,1s~\111tam na construção de engenhos os fundamentos da colonização. Saem \ tldcs os núcleos de povoamento, expandindo-se em blocos, às vezes, dispersos, , 1wla disseminação dos engenhos.l A seguir o desenvolvimento da cultura da l t 1 ;llt:l de açúcar adensa a população que vive, ou que vegeta, em derredor da 1 1•\ploração do açúcar. Não só do açúcar; do próprio homem também. Do escravo, f1 111ais tarde do assalariado, este em condições talvez piores que aquele. ~ - --, Excetuado Penedo, cuja fundação se iniciou como arraial fortificado, e c·111 parte Atalaia, os demais núcleos populacionais das Alagoas nasceram e 1 n•sceram em derredor dos engenhos de fabricar açúcar. Porto Calvo, primeiro, ft , J desdobrando-se mais tarde em São Bento, Camaragibe, Porto de Pedras e São / ~ \)' '=:==!!~ l.uís do Quitunde, e Alagoas, logo depois, multiplicando-se a seguir em Pilar, , ~ .~ Snnta Luzia, Maceió, São Miguel, Anadia, e!!contraram nas fábricas de açúcar o , 1 O' ponto de partida da sua colonização. Do seu povoamento, pode-se dizer também,1 porque ele só se fez regular mediante a expansão dos centros demográficos e 11ociais que eram os bangüês. Em Atalaia, mesmo, cujos fundamentos remontam aos fins do século XVll, como ponto de referência no combate aos negros palmarinos, encontrou o bangüê habitat satisfatório; e mal surgia o povoado de que Domingos jorge Velho lançou os alicerces, começaram a aparecer os engenhos, alastrando-se rapidamente pelo vale riquíssimo do Paraíba. Capela, Viçosa, União vão encontrar, 25 igualmente, no açúcar o elemento pro ulsor d . de '};iiogresso. • . p . _""ª nqueza, de seu c~me~, " - f De modo que o açucar se irmano , , . . , . . . C mtegrando de tal fo :- , , ~ ª propna historra regional, neliCsê "r- . rma que nao e poss1vel isohr d ;t, história política e social e a histo' . d , , um a outra; completam-se a na o açucar Estas muitas · , 1. mostra-lhe a evolução, quando não a d '. . vezes exp ica aquela; -- ~ - etermma, acentua-lhe os contornos r or isso mesmo não 12arece acreditá Llj ' · ·- ... -:-- _ Y -- as, agoas sem o a~úcar1Do ban .. A • • Ye - 11e possa exí.SJ!r uma llistõ!@ termo e evõfução não podendo ~u: rirmc1p~lmente. Se este já chegou ao seu por haver concluíd~ s ciclo n exigi:- le ;~ai~ nov;is energias e nova vitalidade, lhe deve tudo. eve ao ba;güê ~·~<!_li!, Qo passado, Alagoas r-~íxõSql1eãS situações alterna~~ª c~:~:J~ºt ~~o~omi~a, inclu~ive com ~tõs'e amda as linhas de formação de sua socied~;e'.1ª o aç,ucar registram; deve-lhe l vigas mestras dentro das qua1·s n ' e tambem lhe deve a fixação das . . . asceu e cresceu 0 ru d , d1st_n~uiç_ão, sua_~ondensa~ão,_sua~ -~º o povo~t~ :ua Reclamava portanto 0 ban .. A al de maneira que nã~ se apagu' e gufe agoano que se escrevesse a sua história m, no uturo suas tradiÇ 1- h · ' os engenhos resistindo à invasão holand ' fr oes ªº,c. e1as de beleza: consecutivos; senhores de engenho bate~sda, ~ so endo os martmos ~e incêndios martirizados, como é o caso do velhQ G ~ .s~ ~or Deus e por sua patria, alguns Ana Lins fazendo do seu Sini . a . ne oares trateado nas Alagoas; D. festas religiosas, as de batizad:budtrmche1ra republicai:a em 1817 e 1824; as senhores de engenl10 ou se e, e casdamentos, tambem as reuniões sociais· - - - n 1oras e engenh d · ' trancelins de ouro mo'vei's de . d. , O CL'<ando em testamentos • - 1. Jacaran a voltas e 1 ·• · . vmd_as dê Portugal, escravos sadios e fi 't pu senas de prata, imagens ainda emancipando os negros b or es, ou_tros doentes e maltratados ou "'"" indõ à praça por dívidas, outros se~~o v~~~i~erviam c~rn dedicação;engenhos senhores mantê-los. donos de en h os por na.o poderem mais ·os seus para a recepção do !~pera.dor ou~:~~ ~ ·c~~tri~uindo com donativos financeiros - o caso do mais tarde coO-:end d co cn o-o nos seus solares tradicionais 'tv a or e senador do lm , · J . --:- lendonça, recebendo D. Pedro ll em 1859 . peno, acmto Pais de que em 160 I recebera o govern~or S 1 '~o Buenos ~res, o ;nesmo engenho , ava or Correia de Sa; as vicissitudes 26 •' 1111<i111icas oriundas das crises de açúcar, nem sempre suportadas pelos senhores ili· 1·11genho, alguns ~o a outras mãos a propriedade herdada de seus 111111passados;,tilhos de senhÕres de engenho1>acharéis ilustres e erudi~o~ \ th1·~:111do ~ns a Ministros do Supremo Tribunal, como o bacharel lnac10 ) \ll'lra de Mendonça Uchoa ou o bacharel Esperidíão Elói de Barros Pimentel, 111111os ocupando posições no Ministério, chefe de gabinete ministerial, coru.cl 111l111bu. / --- é..esta..llis .. !Qrta-'JOOr-füts-sYaslinbíb'i gerajs, aqui procurEPOS con~gnar, I• 11L111do levantau..exdaíleiro~IJ.&O de tudo quanto o bangüê realizou na vida 11~~ Al1tgoas. Os.aspectos que envolvem a sua ex1.~~~ci~ fEen~o com quêe1~ ) ,..,._ 1111'~ o centr{Lem..red..Qu!Q...qua.Lgiram a.oco~a..Yida.social, a existência ""' ~ ,r •. ~ 1•scravos, as manifestações culturais, são a,Quj cewJ!:.ados no que foi Q.Qi~lV~ IM11'111cnorizar. Além do material encontrado em livros, artigos de revistas ou de 1w11.lls..r em11e~rno-n9.§ _ew pr.ofunda_Q_esquisa ~ documentãÇão ainda- h1111llta; sobre e base assenta muito do ue oden~.~:2!]§.entaLD!)_pr_c§en~~ ti 1h:1lho .. ;fÍÍfel~zmenTe, neste ,pÕnto os ãrguivos alagoan;; são de uma pobre~ 1111·11tá~ De modo geral são destruídos. Ao que se conta, certa ocasião, um h1 f11 ele Estado mandou tocar fogo na papelada quase tricentenária existente 1111• • . 1rquivos da vetusta cidade das Alagoas, para desocupar lugar. O escrivão, ll1111cnte, apenas começou a vender os menos estragados, para embrulho de 1lhl0, charques, latas de manteiga. Isto deu oportunidade a um particular 11111prar, por preço módico, toda aquela riqueza de papéis guardados em trê 111 quatro grandes arcas. Este particular, se bem que lhe faltasse a necessária 111111prcensão de todo o valor daqueles papéis, deu-se ao trabalho de ler, se não 11.uluzlr, grande parte ofereceu ao Instituto Histórico de Alagoas, rejeitando. •"·'~ ' no que merece os melhores aplausos, valiosa oferta para venda a uma 111prcsa publicitária; de outros extraiu apenas assinaturas, para fazer uma 111h·ç:lo de autógrafos jogando o resto fora. Ainda assim este particular foi 11m IH·111·111érito; Muita coisa foi salva, e graças a ele cujo nome, Bonifácio Siiveira, 11·11110 agora as minhas homenagens, tanto mais sentidas quanto é recente o r11 falecimento, tive contacto com um rico manancial, quer pelos dorn111cntos l7 publicados (procurei sempre confrontar a publicação com o original) , quer po outros inéditos, doados ao Instituto Histórico de Alagoas ou a mim gentilment oferecidos. De Porto Calvo como de Atalaia e aindar em grande- i:>arte; de Penedo ~ ' ninguém sabe por onde andam os velhos at(lujy__os. É certo que estes três ilmnicípios foram erigidos em comarca muito tarde, já no século XIX, pois primeira, a das Alagoas, criada em 1706, somente em 1833 começou a se desdobrada. Mas os próprios arquivos eclesiásticos são novos. E em Porto Calv que foi freguesia, segundo todas as probabilidades, nos últimos anos do sécul XVI, como em Penedo, já paróquia na época da invasão holandesa, só s encontram documentos de tempos mais recentes. Documentos civis o eclesiásticos de Atalaia, Poxim, Camaragibe, dos primitivos tempos, sã igualmente desconhecidos, pois o mais antigo que há, pode andar pelos ce1 anos. ~sta ~arência de documentos dificulta, em grande parte, a reconstituiça \ do passa~o ªl..a~ºª9?2 pr~pal~ente ~o que se re~er<;3,o .eng~ê Contudo, e poss1vel hgar mwta c01sa da v1da alagóana a h1stona de Pernambuco, unidos como estiveram os respectivos territórios por longo tempo. Só em 170 Alagoas foi erigida em comarca,não se conhecendo, aliás, o respectivo documento se bem que Pedro Paulino lhe cite até o füa e o mês, o que indica tê-lo conhecido. Como capitania independente só se constituiu em 16 de setembro de 1817. Até esta data, e principalmente até 1711, ou suas imediações, a históri das Alagoas se incorpora à de Pernambuco. É certo que em muita coisa j aparece então a importância do território sul da capitania duartina. Documento há referindo-se, particularizadamente à sua importância e desenvolvimento outros falam em tropas alagoanas, isto no último combate ao quilombo negr da Serra da Barriga. A partir de 1700, principalmente, as informações sobt Alagoas já se encontram mais emancipadas do total de Pernambuco; geralment os elementos se baseiam na freguesia como subdivisão da vila. ~~~~e inicialme,nte _da vila a c~nstituição social de Alagoas. Dela irradia \ - ---__ VJsoes: as paroqmas. De tres pontos saem os focos fundamentais d 28 v1 ~.y1ização administrativa e política, e ainda social e econômica: as vilas de· l 11110 Calvo, Alagoas e Pene__ilo...} Só em 1711 estes centros de irradiação unificam-se com a constitmçao 1L1 comarca em que se fundamenta a unidade territorial. Assim, as vilas 11111stituem-se certos propulsores que se desenvolvem pelas paróquias; estas luram perfeitas subdivisões das vilas. w.n:oJases distintas enco tram~ história .alagoan~_eara ~xar os 11111tornos de ~uaformação políti_c ~ N'' primeira, ... constituição sociaj e.t~J!itorlal ......_ p 11W das três vilas, por meio da paróquia; Porto Calvo tem a ação central. A .1·~1111da começa a instalação da comarca em 1711 embora criada desde 1706; a 111111arca centraliza a citada constituição, unificando nas Alagoas, sua sede, o 11111110 de irradiação central.Vem a seguir a terceira fase que se abre com a criação 111 rnpitania em 1817. Ela estabelece a unidade pela administração política, 11J11tinuando, porém, a comarca a representar a unidade territorial que, até então 1111ll1cada, vem a se diversificar em 1833 com o desdobramento da comarca 1111lrn cm quatro outras. Em 1822, com a independência política do país, inicia- \' ,1 quarta fase. Cria-se a província, e nela firma-se a unidade. As comarcas continuam 11111tl:tdc territorial, através dos Municípios de seus tennos. As paróquias começfün , 1 lrrnnscrever-se a um só Município, embora alguns abranjam mais de uma I' 1rnquia; em pouco tempo, porém, essa informação uniformiza-se, vindo, l 1111 l'lanto,a alterar-se com as modificações oriundas da criação ou da supressão tk Mt1nicípios, ou anexação de uns a outros, mormente a partir do regime 11 pt1hllcano. Em 1835, ao instalarem-se as Assembléias Provinciais, a situação t 111011tra-sc definitivamente fixada. Parte da unidade administrativa (Província) I' 11 1 unidade territorial (Comarca), subdividida em Municípios, e estes, por sua \1 11 t•m Paróquias. A paróquia é a unidade primária na organização social das Al.w,oas como, de resto, nas demais províncias do Brasil. Esta unidade foi, de fato, a base não só eclesiástica, mas tamhém às \Ot'~ política - os eleitores exemplo, se distribuíam pelas freguesias - sobre que 29 l se erigiu a organização brasileira, em virtude de circunstâncias ligadas à vid jurídica da colônia portuguesa. Cumpre destacar, de começo, que a noss condição de terra pertencente à Ordem de Cristo, e não à coroa portuguesa, impediu maior elasticidade à fonnação dos núcleos administrativos do território. E pelo fato de que as vilas somente podiam ser erigidas em terras emancipadas, não alodiais; sendo o território brasileiro de propriedade da Ordem de Cristo, era necessário antes de dar vida administrativa aos núcleos populacionais - os povoados - emancipar a terra, comprá-la a seu dono. Evidentemente estas dificuldades foram sobremaneira vencidas durante o domínio holandês. Incorporando Portugala Espanha, o território brasileiro passou também à jurisdição dos Filipes; neste período, e verificada a invasão holandesa, afastaram-se, ou mesmo não se lhes deu importância, aquelas dificuldades existentes até então. É..justamente durante_o_~odo de invasão holandes~e se erigem as três vilas alagoanas - Porto Calvo, Alagoâs e Peflêdõ. ' Restaura.do inteiramente o domínio lusitano em 1654, somente mais de um século depois, cm 1764, é que se cria a quarta vila em território alagoano: a de Atalaia. ----Oê~t~ modo~ e voltafld0 ao principal do assunto que vim<;>s focalizando, a freguest:fera.ahasede re-ferênciaJla vida colonial. (l(s cômputos QQ.12Ul~nais se baseiam na freguesia, e contam-se "almas" e não pessoas. As discriminações econômicas se fundam, igualmente, no território paroquial: número de engenhos, de fogos, de companhias militares, etc. - Não s_e.conhece com exatidão a data em que foi criada a primeira fregu~sia nÇAlagoas.Sàbe-se que foi orto Calvo, orquanto já figura na Folha ~ral que aeompanha o alvará de 1 o de JUn 10 de 1617(1). Quando, porém? Não há notícia exata; pode-se admitir, entretanto, que date dos últimos anos -do século XVI, pois a esta época Cristóvão Lins já tinha engenhos de açúcar na região portocalvense, mantinha capela nos seus engenhos, e em 1600!era feito Alcaide-mor de Porto Calvo. rncr. Anais da Biblioteca Nacional, \'OI. XXVll, 1905, Rio de janeiro, 1906. página 365. 30 - A scgun~oÍ-a~ -Pene~ qual também não se conhece a '" dnc ser'porém, dos primeiros--ãnos do século XVII, e talvez 1615, não 1111111110 na Folha Geral citada, pelo fato de não ter vigário colado. Da mesma l1t1111111no se sabe a data de criação da das Alagoas. Penedo e Alagoas, porém, já 111 ll1•guesias em 1631, quando começa a invasão holandesa. Nos meados do século XVII cria-se a uarta freguesia, a de Santa Luzia tka Nurll', e nos fins do mesmo século,..a..de~ Mi~ ~am~cer •1•I\1110 seguinte sucedem-se as novas freguesias erigidas: <:amaragibe em 1708, •~tt.i 1•111 1713, Traipu em 1714, Sã Bento e Poxim em' 1718. Daí até 1760, QUR111l11 ~ criada a de Porto Real do Colégio, nenhuma outra aparece, datando a 1j111l11lt', que é a de Atalaia de 1763. Ao findar o século XVII já possuía Alagoas, flllhll'l'a desde o primeiro decênio da centúria, 12 freguesias. O número em si é 11 11111•110, sem significativo, entretanto, em relação ao território, à massa W11111Rráílca, às possibilidades econômicas da região. Enquanto isso, decorreu morosa a evolução no sentido de criação das v1h111 nas três primeiras vão nascendo, em desdobramentos, as seguintes. Atalaia, li 111t•rnbrada da das Alagoas, foi criada em 1764: a esta época a definição li r 1 l111rlal já estava realizada, inclusive com o conhecimento da região do oeste, 1111h• NC encontravam aldeias indígenas. Ao se constituir a capitania independente, para a qual passou a unidade \ I" l,1 11<hni~istração política, existiam, além daquelas quatro, mais três vilas; I"" 1.111to, sete ao todo, as i:nesmas existentes anos depois, quando foi criada a 1 11111\lllCfa. A oitava vila só se erige em 1830; é ela Santa Luzia do Norte, vetusto jt11\111tdo que já aparece na história regional nos primeiros anos do século XVII. / As extensões territoriais que cada Município abarca, com as agravantes 11.1•, cllílculdades de transportes e comunicações da época, contribuem para maior ~11l11rliação da paróquia como unidade elementar no organismo regional. Dentro 1kl.1s vão fixando-se os núcleos humanos, espalhados em derredor dos engenhos, c1·111ro de convergência de todas as atividades econômicas, sociais e políticas. ~m.a..pt'GGlamaçãô"tla-Repúbliça,.separadaaigreja do Estado, vR- ~ que essa ltnidade se fixa no MunicíQio,_ surgindo neste as subdivisões em 1ll~lrlto. A ev~luç!_o política-e administrativa vai acentuando essa nova situação, ---- 31 .11 de modo a dar o distrito administrativo e judiciário, e não somente territorial, caráter de núcleo primário da vida regional. A legislação de 1938, com a lei 311 fixou, de modo geral, este princípio. ' I O bàngüê se situa nesta paisagem histórica com admirável colorido / que transcende da importância puramente econômica, para projetar-se e importância cultural, aí compreendidos os diversos aspectos de vida no period \ colonial através de suas man. ifestações em vários campos de atividade: a instrução J sociedade, administração, política, escravidão, organização econômica. Procurando reconstituir neste estudo a existência do bangüê alagoano cujo começo fomos buscar na colonização do território para trazê-lo na su evolução até os nossos dias, fazemo-lo na certeza de não se tratar de cois definitiva. Preferimos considerar o presente trabalho apenas um ensaio, um tentativa, talvez mesmo uma experiência. .A__falta de qualquer estudo an~rior ª-1espeito dQ engenhe-AtlS-Aiagoas e mesmo a ificxistenéia de estudos mais gerais sobre o bangüê em outras áre açucareiras do país, fazem com que se possa considerar em aberto, no camp · de estudos regionais, um tema como esse:..Pe fato, as monografias ou ensai qt~exis~m, cm g~ral sobre a cana de açúcar o_p o_açúcar1 e uâo SQQrJ!..Q.ÇDgenh são quase sempre técmcõSõoirtstõrícos; a memória de Pereira da Costa sob as origens da indústria açucareíracm Pcfnambuco ou a do Dr. Messias de Gusmã sobre a indústria açucareira alagoana estão nesse caso. Aquele, mais históric este, eminentemente técnico, apontam-se corno exemplos do fato indicado. \. Não conhecemos, e creio que não existem, monografias com a arnplitu que demos a este trabalho. Ou seja, estudando, algumas vezes em traços rápido todof os aspectos que se relacionan1 com o bangüê; não só a história ou a técnic portanto, mas, igualmente, a vida social, as manifestações culturais a repercussões folclóricas, o papel do escravo negro, a própria formação d sociedade alagoana sob a influência do engenh~) O plano, sejamos justos em reconhecê-lo, é ousado; e somos, por iss os primeiros a admitir não tenhamos atingido ao ideal de um trabalho pcrfeit completo, sem lacunas. Ao contrário, parece-nos que é coisa constante a assinai 32 111'litC estudo: as lacunas. Esperamos, porém, possam outros melhor cntcndluos ou mais cultos cobrí-las, indicando-as e apontando os assuntos que as remcdlcm Se bem que nos afigure falho ou lacunoso, o plano que adotamos p1m•ce o único a permitir o estudo das relações do bangüê alagoano com o homem alagoano; ou mais especificamente o conhecimento de sua história .111 avés de seus variados contornos. Dentro do plano que adotamos, tornou-se p11ssível dar, talvez em pinceladas largas, mas nem por isso menos exatas, os 1·1pcctos históricos e econômicos da evolução do bangüê alagoano, ao lado do 111glstro dos fatos ou de nomes que aparecem nas suas manifestações sociais 1111 cu lturais. Perdoem-nos aqueles que virem nestas lacunas ou senões erros li n•1máveis, capazes de prejudicar a todo o conjunto. Permitam-nos que nos 1rnlhamos às palavras de Schirer referindo-se a Jacob Grimm, e que certa 11• ,111ião Carolina Michaelis repetiu a propósito de Teófilo Braga: "Quem não ousou 11.10 ganhou nem perdeu. É preciso que tenha a coragem de errar quem cultiva 1rrrcnos virgens. Trabalhos esmerados e circunspectos, acabados em todas as 111lnúcias, até os últimos pontinhos sobre os ii, tão perfeitos que seja preciso 1111•clf·los pela bitola mais alta, mostram as culminâncias a que se pode e deve ' h•var o trabalho do investigador. Mas, ao mesmo tempo, obras assim feitas têm 11111 car~r severo de intangibilidade que repele, descoroçoa, humilha e abate". IA influência do engenho bangüê na vida alagoana estendeu-se 1 1111ncipalmente até as últimas décadas do século XIX, quando a revolução l111h1strial da técnica de produção do açúcar começou a penetrar nas Alagoas. ~"ªvitória, a da técnica industrial, se verificava coincidenternente com a extinção tio braço escravcl, o per~odo era de evolução, sobretudo de transição:a J il1•,agregação do primado. n.tral; a quebra do tradicionalismo de família; a \ 1h•rndência do patriarcalisrrio e, em parte, do patrimonialism~Com a novtt \ h·111kade produção e de trabalho-a do trabalho livre em substituição ao trabalho \ ··~navo - surgia igualmente nova técnica de relações econômicas e sociais cntrl~ 11 wnhor e os trabalhadores; entre o senhor de engenho e os moradores; entre o J 11 ~lnelro e os lavradores, aparecendo um novo tipo humano na paisagem da J l11•a açucareira: o fornecedor. --~------- 33 ( A rotina agrícola, de que se servia o engenho bangüê, não se con~il~a~a com progresso da usina; daí o fracasso do engenho. ce~tra~ , baseado na dmsao do trabalho: de um lado, a agricultura, de outro, a mdustna. O progresso desta superou a rotina daquela; e em conseqüência \i. usina teve de estender ~uas 1 atividades à parte agrícola, absorvendo-a também. Temos, portanto, aí um ~nodo \ de aguda transformação na economia e na vida social do Nordeste; e em pa~cular das Afagoasj Pcríodo este - o da transição econômica do sistema do bangue para L- 0 da usina e da transição social do patriarcalismo quase feudal para o aburguesamento da usina - que pretendemos estudar um .. ~a; .trata-se de fase que reclama atenção mais demorada, em face das consequenc1as com. que se refletiu essa transição na vida alagoana; e também na de toda a área da agricultura da indústria da cana e da indústria do açúcar do Nordeste. Mas se na verdade a época de fausto de engenho - fausto econômico e social - entra em declínio nas últimas décadas do século passado, parece fora de dúvida que nas Alagoas o engenho continuou a exer.c~r _função p~lm.ordial nos fatos de sua história; e não exclusivamente de sua historia econom1ca ou política, porque se prolonga à história de sua gente, em todos_os seus aspectos. Daí termos estendido o presente ensaio, tanto quanto poss1vel, até quase os nossos dias ; estudando o engenho bangüê d~de de seus pri~órdios na t~rra alagoana., não podíamos deixar de estudá-lo, com o mesmo carmho, no penodo de sua decadência - que é do século atual, na sua luta quase perma~e?te co~ a usina; cm sua luta por uma sobre\1vência que a técnica de produçao mdustnal insiste em aniquilar. Recorremos às melhores fontes da história alagoana, não só da história oficiaJmente aceita, senão também daquela que vive ignorada nos arquivos, e~ documentos valiosos, muitos dos quais vêm retificar afirmativas até hoie mantidas. Em todas estas fontes, ainda inéditas ou pouco conhecidas, procuramos colher elementos; igualmente naquelas obras, já consagradas algumas, outras menos utilizadas, mas do mesmo modo importantes, em que se encontram elementos sobre a história regional. No arquivo do Instituto Hlstórico de Alagoas, em documentos da coleção Bonifácio da Silveira, estes na maioria já publicados na Gazeta de Alagoas, em 34 lornrnentos de outras origens, como por exemplo os de instituições eclesiásticas u • 1s. rebuscamos a maior parte das infonnaçõcs transmitidas neste estudo. >utra preciosa fonte de estudo na história alagoana a que permanentemente 1 •e urremos, foi a Re"ista do Instituto Histórico de Alagoas, antigamente Revista d 1 Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano. Dentro do arquivo do Instituto Histórico de Alagoas, convém salientar a 11111rlbuição de Pedro Paulino da Fonseca; o que este cronista alagoano deixou h 111 merece as honras de divulgação. São MSS interessantes, valiosos, em que .1 \l'llte o trabalho da pesquisa e do aprofundamento cm que se embebeu o \1'111'rando alagoano. Além destes MSS, não só históricos senão ainda referentes 1 .1~1>ectos sociais das Alagoas - festas religiosas, procissões, festas profanas, 111111cmorações, etc. - são também importante contribulção as suas saudações l'111vfncia das Alagoas, que em alguns anos divulgou pela imprensa no dia 16 h '<'lembro. Abordavam aspectos da história alagoana com muito carinho e 4111rança. Muito material sobre Alagoas, em particular referente à fase holandesa, r111 ontra-se na Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano, t ltj.1 coleção examinamos cuidadosamente. Não só para a história alagoana ou 1 fll.llnbucana é importante a contribuição dessa revista; creio que para todo tll'tkste ela possui elemento que satisfaz. Ainda a respeito de documentos 'tlll\l'ITI salientar, o que não é novidade, a importância da coleção do Barão de 111durt, publicada na preciosa Revista do Instituto do Ceará. Os documentos divulgados pelo venerando cearense constituem subsídios \ tllo~os para a revisão da história do nordeste. Para a história dos Palmares, em 11 u 1 lnllar, essa contribuição é relevante, como se verifica do muito do que ali 1111l11.m1os, ao escrever a parte referente ao quilombo da serra da Barriga. Este é um dos temas da história alagoana, e do Brasil em geral, que Ili 11 ~ reclamam revisão; revisão urgente e criteriosa, baseada nos documentos 1lg1111s já conhecidos através de publicação pelo Barão de Studart ou pelo hl11101 lador Ernesto Enes, outros ainda não conhecidos, guardados nos arquivos d1 1~1rtugal. Quero crer que o livro de Edison Carneiro virá iniciar essa revisão; 11rl 1 ldtura que fizemos dos originais, graças à gentileza de seu Autor, tudo nos 35 anima a acreditar que este ensaio de Edson Carneiro seja um marco novo definitivo na história dos Palmares; ou melhor na nova história dos Palmares. Infelizmente, focalizando o tema apenas no que se relaciona com o engenho e o escravo negro de engenho, não nos foi possível aprofundar mais estudo dos Palmares; fixamo-nos apenas naquilo que o tema Palmares oferec como reclamando revisão, capaz de reincluí-lo no seu verdadeiro sentido e n sua exata realidade. Como a respeito dos Palmares, são outros assuntos da história alagoan dignos de novo exame e estudo. Quero crer que isto se possa fazer se das nov gerações alagoanas saírem elementos interessados em conhecer o passado d sua terra, engolfando-se na surpreendente riqueza que há e~ do~umento antigos. Dependerá também, é certo, se o professorado souber mcutir entre o moços este propósito de reconstituir os fatos históricos nas suas melhores fontes e não apenas na repetição do que os historiadores têm dito. Ainda valendo-se dos arquivos do Instituto Histórico de Alagoas, percorremos todas as informações de dois jornais interessantíssimos para est~d e compreensão da vida alagoana: o Diário das Alagoas, que nos seus qua,s~ trmt anos, conseguiu reunir tudo quanto se passou na terra alagoana em polm:a, ~ comércio, em vida social, em literatura, em publicações diversas , em anunc10 -principalmente anúncios sobre fuga de escravos; constitui :ealmente e~te jornal como bem disse Craveiro Costa, "um marco do desenvolvimento da 1mprens alagoana"; e o Guttenberg, mais do nosso tempo, pois deLxou de c.ircul~r e 1912 depois de trinta e um anos de publicação, no decorrer dos quais regi~tro os mais diversos fatos, acontecimentos, aspectos dignos de serem recolhidos prosseguindo assim no bom jornalismo que o Diário das Alagoas havia iniciad no meado do século XIX. A outras coleções de jornais, algumas, infelizmente, incompletas também recorremos: ainda no Instituto Histórico de Alagoas, ao jornal de Alago à Gazeta de Alagoas, a O Semeador, em cujas páginas colaborou o erudit pesquisador Cônego Teotônio Ribeiro, conhecedor como poucos das minúci históricas da região alagoana. As vezes artigos sem assinatura, mas que revela 36 11111lçfto, a profundeza de conhecimentos, a segurança das observações do ti• •1 .1 números esparsos de jornais que se divulgaram em Maceió ou no interior 111 1 .1atlo; na biblioteca pública do Recife, ao diário de Pernambuco, rico lt 1111-.llário não só de informações sobre a vida pernambucana, mas ainda sobre 1k 10<10 Nordeste, em particular das Alagoas, intimamente ligadas sempre a t\ 111.1111buco, onde iam estudar os senhores de engenho alagoanos; por gentileza1lu 1li•st•mbargador Carlos de Gusmão, à coleção do jornal O Município, que se 1111hllrnu em Camaragibe, de 1892 a 1893, recolhendo curiosíssimos aspectos ti 11id:t econômica, social e administrativa daquela comuna, tão estreitamente llA 111.1 ' a história do engenho nas Alagoas. Somos agradecidos, profundamente agradecidos, a quantos tiveram a { 111llcza de nos prestar valiosa colaboração no preparo deste ensaio. No ft11111•t·imento de excelente material folclórico e etnográfico sobre o engenho ou 11 1t 11l'ar, muito devemos a Téo Brandão e josé Maria de Melo; igualmente a josé 1'111tl11 lo Gonsalves de Melo, neto, na parte referente ao período holandês. l'111porcionou-nos o prezado companheiro de estudos e pesquisas históricas nos 111111~ tempos cm que, estudantes no Recife, nos sentávamos cm torno de uma , 1ph'11dlda e grande mesa da Biblioteca Pública do Recife, sob a orientação de l1lllwrto Freyre, a ler velhos MSS, cru·tas cônsules, jornais do século XIX, etc., 11111111J1'cionou-nos, dizia, todos os elementos necessários ao melhor conhecimento 1l 1q11l'la época nas Alagoas, a maior parte dos quais ainda inéditos e apenas dele 1 111lt<'cldos por já os ter utilizado. Foi-me particul.armentc grata a oportunidade 1lt numa manhã inteira, em sua excelente casa da rua das Pernambucanas, 11·111ms juntos acompanhado, pelo relatório de Van Der Dussen, pelos mapas de 11.11 lt•us e por outra fontes holandesas, a vida dos engenhos alagoanos, 1tl1•11tlficando-os ou identificando os seus proprietários; identificando igualmente ''" dos, as povoações, a região, enfim, dentro da qual começou, cresceu e chegou 111~ nossos dias a agricultura da cana de açúcar nas Alagoas. A Gil de Metódio Maranhão e a Olímpio da Costa agradecemos o obséquio 1h· lerem, o primeiro, mandado copiar as sesmarias concedidas em terras hoje 11.11-:oanas e constantes dos livros de registros atualmente na Biblioteca Pública '"' Hccife, e o segundo, diretor dessa biblioteca, facilitado a consulta a estes e a 37 outros MSS de interesse para a história alagoana, bem como a coleções do Diário dt• Pernambuco, existentes naquele estabelecimento. Outros amigos nos auxlllaram ainda nos trabalhos realizados, atendendo gentilmente às nossas consultas quer feitas em cartas, quer verbalmente; é o caso de João Cavalcanti de Albuquerque Lins, Benedito Aires de Gusmão, Hanlilton de Freitas, Olímpio Ciríaco da Silva, Emílio Machado da Cunha e Eloi Moreira Brandão Sá, agentes de estatística, respectivamente, de Porto de Pedras, Porto Calvo, Pilar (hoje Manguaba), Passo de Camaragibe, São Luís do Quitunde e Viçosa (hoje Assembléia). Também agradecemos ao industrial Carlos Nogueira e ao Dr. Pompeu Sarmento nos terem facilitado a consulta de antigas escrituras referentes a engenhos de Camaragibe e Rio Largo, e também, quanto ao primeiro, por ter nos proporcionado uma cópia de planta do engenho Buenos Aires, levantada na década de 1880. E ainda, ao Dr. Orlando Cavalcanti, ilustre linhagista da família de seu sobrenome, a respeito de que prepara alentado estudo, reconstituindo toda a genealogia dos Cavalcanti desde o Filipe da colonização até os nossos dias, tendo nos prestado interessantes infonnações; ao SI'. Alarcão Aiala, descendente dos Mendonça, que gentilmente nos auxiliou na reconstituição da descendência do Ouvidor Mendonça; ao desembargador Carlos de Gusmão, que nos encantou sempre com suas informações acerca de engenhos, senhores de engenho e famílias alagoanas, ligadas aos diversos ramos de Calvacanti, Gusmão, Lira e Mendonça, do norte do Estado; ao seu irmão, senhor de engenho Messias de Gusmão, que nos ofertou antigas publicações sobre economia alagoana, tais como a Revista Agrícola, relatórios, memórias, etc. Cabe ainda agradecimentos ao desenhista Francisco Xavier da Costa que a pedido nosso copiou vários mapas e plantas antigos das Alagoas; desenhou casas grandes e capelas de engenho; facilitou-nos exame minucioso em velhas cartas da região açucareira das Alagoas pelas reconstituições realizadas. Por fim os maiores agradecimentos a dois nomes que desejo ver associados ao preparo deste ensaio: Rui Palmeira, que o idealizou perante a direção da Cooperativa dos Bangüezeiros e Fornecedores de cana elas Alagoas, confiando-nos obsequiosamente a tarefa de escrevê-lo, e Gilberto Freyrc, na 38 indicação de fontes, nas sugestões, na troca de idéias, na animaç~o que nos deu para nos dedicarmos ao estudo - pesquisa e análise - da ª.~ncultura da cana e da indústria do açúcar na região alagoana. E por extensao em toda a região nordestina. tvli\NUEL DIÉGUES JÚNIOR Maceió, 1945. Rio de janeiro, 1946. 39 CAPÍTULO l •• A ,. O BANGUE E A FORMAÇAO DA SOCIEDADE ALAGO ANA " O ambiente geográfico. O papel dos rios. A mata. Os rumos da rnlonização. Os primeiros núcleos de povoamento. O povoamento do Norte. Os engenhos de Cristóvão Llns. Rodrigo de Barros Pimentel no povoamento do vale de Santo A11tô11io lirunde. A divisão da sesmaria. O povoamento das Lagoas. A sesmaria de Diogo Soares. Os engenhos da l,ugoa do Sul. Gabriel Soares. Miguel Gonçalves Vieira e a ocupação de sua sesmaria. Os enge11 hos da 1 .• 1goa do Norte. O povoamento das margens do rio Mundaú. Fundamentos de Penedo. Os engenhos de açúcar na região, t• particularmente em Coruripe e Poxim. O engenho na formação social das Alagoas. O cruzamento demográílco. o índio. O negro. O problema da colonização. Jentativas de imigração. Influências do engenho. O p~íodo holandês nas Alagoas. A invasã<:> e a conquista. Os cngeuhos durante o domínio holandês. Destruição de engenhos. Os senhores d.e engenho na restauração. A economia açucareira na época: 41 ... _ ........ :.::1··· ,,-.~- rJAr...;:·· ~·~---·.J '.\\ ..... -~el admit;r-se que haja partido de três focos iniciais o povoamento do território alagoano. Um assentou no norte, e teve Porto Calvo como núcleo de irradiação. O segundo situa-se no centro do litoral e se desenvolveu em torno das lagoas, que deram nome ao povoado inicial: Alagoas ou Alagoa do Sul e Alagoa do Norte. Prolongou-se pelo Vale do Mundaúl a cujas margens assentaram os fundamentos da economia local: os engenhos de açúcar. O terceiro foco situou- sc ao sul; Penedo é o seu centro de expansão. . Um quarto foco, complemenk'lr daqueles três primeiros, surge já nos meados do século XVII, e seu aparecimento se deve à luta contra os Palmares, que determina a expansão do povoamento do interior. Vencidos os quilombos do Zumbi, os vencedores localizam suas moradas nas terras conquistadas, distribuídas então em sesmarias aos conquistadores. Começa daí o povoamento do interior; expande-se a dilatação territorial. Completa-se a estruturação geográfico-§_Qcial dasAl~oas~ Parte· esta expansão de Atalaia, núcleo do quarto foco de povoamento. Dos fins do século XVII para princípios dos seguintes são concedidas as sesmarias na região. Na segunda metade do século XVIII (1764) recebe Atalaia os atributos de vila, que se seguem ao título eclesiástico de paróquia (1763). É a quarta vila de Alagoas; e a décima segunda freguesia. O povoamento dos três primeiros núcleos inicia-se nos último3 decênios do século XVI. Nas primeiràs décadas do século seguinte, e ao iniciar-se o domínio batavo, está perfeitamente estabilizado; alicerça-se cm bases sólidas, que sfto, elo ponto de vista econômico, a agricultura da cana de açúcar no norH.' e no centro litorâneo, os campos da pecuária, no sul. Nos começos do sécnlo XVII são sedes de freguesia os três povoados iniciais: Porto Calvo, Alagoa do Sul e Penedo. Na terceíra década do século são elevados à categoria de vila. 43 Eclesiastícamcnte e politicamente têm sua organização assegurada. De cada ponto nuclear se vai irradiando o povoamento à vizinhança. Novas freguesias sao criadas: Santa Luzia do Norte e São Miguel nas Alagoas; Camaragibe e São Bento em Porto Calvo; Poxim e Traipu cm Penedo. Povoados surgem paralelamente