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Revista Serviço Social Sociedade Vol 102 - Serviço social e Sáude

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no grupo: Serviço Social - Livros e Apostilas
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https://www.facebook.com/groups/servicosociallivros/
203Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 203-204, abr./jun. 2010
Editorial
Esta revista tem como temática Serviço Social e Saúde: múltiplas dimensões, 
apresentando diversas questões em debate na área com a intencionalidade de for-
talecer o projeto ético-político profi ssional.
A preocupação central dos artigos é a valorização do Sistema Único de Saúde 
(SUS), integrante da Seguridade Social, inscrita na Constituição de 1988, e uma 
das proposições do Projeto da Reforma Sanitária.
Com relação ao Serviço Social, ressalta-se a defesa do projeto ético-político 
construído pela categoria dos assistentes sociais há mais de trinta anos e que foi 
amplamente discutido em 2009, nas diversas comemorações que celebraram o 
Congresso da Virada, ocorrido em 1979.
O eixo central do primeiro artigo apresenta uma comparação entre os sistemas 
de saúde do Brasil e Portugal. Defende o caráter público da Saúde, com críticas aos 
“novos” modelos de questão que surgem aqui e em Portugal, a partir dos anos 1990, 
e que tem por intencionalidade a transferência das responsabilidades do Estado, 
com relação à saúde, para o setor privado.
O segundo analisa a diretriz da descentralização contida na política nacional 
de saúde executada pelos sistemas municipais localizados na linha de fronteira com 
os demais países do Mercosul. Ressalta que o direito à saúde ainda está no plano 
discursivo-formal e que vários desafi os estão colocados.
Outra temática enfocada é a relação da Morte Materna com as condições 
materiais de existência resultantes de múltiplos fatores, dentre os quais a falta de 
acesso ao SUS, o misticismo, a prática do aborto e o isolamento social.
Os cinco textos que enfocam o Serviço Social e a Saúde tratam das seguin-
tes temáticas: o trabalho do assistente social nas organizações não governamentais 
na área de saúde; atuação do profi ssional junto a pacientes terminais; os desafi os 
colocados para a intervenção na saúde do trabalhador — considerada como ex-
pressão concreta das relações sociais — e o trabalho do assistente social nos 
serviços substitutivos de saúde mental, que problematiza a submissão do profi s-
sional neste campo aos saberes “psi”, indicando eixos promissores para a contri-
buição da profi ssão, condizentes com seu mandato social e com os princípios da 
Reforma Psiquiátrica.
204 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 203-204, abr./jun. 2010
Todos ressaltam os dilemas da atual conjuntura, e enfatizam as requisições e 
as exigências postas aos assistentes sociais decorrentes do projeto ético-político 
profi ssional. São salientadas questões como a defesa dos direitos sociais, a impor-
tância da valorização da mobilização e luta dos movimentos sociais, a inserção dos 
profi ssionais nos espaços de controle social como os conselhos visando a sua de-
mocratização. E, ainda, a participação na gestão democrática, a realização de 
pesquisa — considerada transversal ao trabalho profi ssional — e a assessoria par-
ticipativa entre intelectuais, técnicos e população.
A revista apresenta também uma pesquisa comparativa entre Barcelona (Es-
panha) e São Paulo (Brasil) com relação à rede de serviços de atenção à saúde do 
idoso e uma resenha do livro de Pereira (2008) que foca a mercantilização do en-
sino superior e o Serviço Social Brasileiro.
Na sessão Informe-se há o destaque para o Manifesto de Fundação do Curso 
de Serviço Social da Universidade Federal do São Paulo lido no ato de sua fundação, 
ocorrido em 11 de novembro de 2009.
205Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
ARTIGOS
A saúde no Brasil e em Portugal na atualidade: 
o desafio de concretizar direitos*
Health in Brazil and in Portugal in the present: 
the challenge of achieving rights
Maria Inês Souza Bravo**
Resumo: O artigo procura analisar a política de saúde no Brasil e
em Portugal desde a garantia da universalidade, no processo de rede-
mocratização dos dois países, até os dias atuais. Ressalta as modifi cações 
ocorridas após os anos 1990 nos dois países, com destaque para a 
gestão dos serviços de saúde com a criação de “novos” modelos geren-
ciais. Aborda-se também, de forma sucinta, a temática do aborto como 
questão de saúde pública, pois é um tema em debate na atualidade em 
ambos os países, embora não seja objeto deste texto. 
Palavras-chave: Política de saúde. Alterações no sistema de saúde. 
Gestão da saúde.
Abstract: The article analyses both the Brazilian and the Portuguese health policy from the gua-
rantee of universality in the two-country process of democratization to the current days. The changes 
in the two countries after the nineties will be highlighted, with emphasis on the management of health 
services with the creation of “new” management models. The article also discusses the problem of 
abortion as a public health issue briefl y because it is a topic on debate in both countries nowadays, 
although that is not the subject of this article.
Keywords: Health policy. Changes in health care management. Health management.
* Texto fruto de estágio pós-doutoral realizado em Portugal, no período de agosto a outubro de 2007,
fi nanciado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). É uma versão am-
pliada do trabalho apresentado na 19ª Conferência Mundial de Serviço Social, realizada em Salvador/Brasil, 
em 2008.
** Assistente social, doutora em Serviço Social pela PUC-SP, pós-doutorado pela UFRJ, professora 
aposentada da UFRJ, professora adjunta da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio 
de Janeiro — Uerj; Procientista da Uerj e coordenadora do Projeto Políticas Públicas de Saúde: o Potencial 
dos Conselhos do Rio de Janeiro, fi nanciado pelo CNPq e Uerj — Rio de Janeiro/RJ, Brasil. E-mail: mibra-
vo@uol.com.br.
206 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
Apresentação
P
retende-se apresentar as principais questões debatidas com relação à 
política de saúde nos dois países desde meados dos anos 1970. Brasil e 
Portugal vão garantir a universalidade da saúde em momentos diferentes, 
mas ambos no processo de redemocratização vivenciado pelos dois paí-
ses e contida nas Constituições aprovadas pelo Estado democrático e de direito.
A reestruturação do sistema de saúde em Portugal decorre da Constituição 
democrática de 1976 — convocada após o processo revolucionário de 1974, conhe-
cido como Revolução dos Cravos, que cria o Serviço Nacional de Saúde (SNS) que 
garante a gratuidade do serviço.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) está contido na Constituição 
Cidadã de 1988, promulgada durante o processo de transição democrática ocorrido 
no país que tem como princípios: universalidade, descentralização, integralidade e 
participação popular. Esta conquista foi resultado do movimento sanitário articu-
lado aos demais movimentos sociais que se mobilizam desde meados dos anos 1970 
e formula o projeto de Reforma Sanitária1 que tem como eixo central as reformas 
sociais, a determinação social do processo saúde-doença e a defesa da saúde como 
direito de todos e dever do Estado.2
As modifi cações e alterações ao Projeto de Saúde democrática começam a 
ocorrer nos dois países a partir dos anos 1990, com a infl uência das agências inter-
nacionais que indicam a necessidade de contrarreforma do Estado e a política de 
ajuste.
Em Portugal, já há uma alteração no fi nal dos anos 1980, com a reforma 
constitucional de 1989 que tem por objetivo a cobrança de “taxas moderadoras” 
aos serviços de saúde, alterando na Constituição para tendencialmente gratuito 
(Arnaut, 2005). A política de saúde em Portugal, segundo o relatório da primavera 
de 2002, do observatório português dos sistemas de saúde, pode ser analisada em 
duas grandes fases (Simões, 2004): 1970 a 1985 e a partir de 1985. A primeiraé 
1. O Projeto de Reforma Sanitária brasileiro é objeto de diversos estudos. Para maior aprofundamento
vide: Paim (2008), Bravo (1996), Teixeira (1989). 
2. A análise do processo saúde-doença a partir de seus determinantes sociais é uma questão fundamen-
tal, pois relaciona saúde e trabalho e teve como infl uência teórica o marxismo. Essa concepção na atualidade 
está sendo reduzida a fatores sociais que promovem a saúde ou causam as doenças, retomando o pressupos-
to positivista da epidemiologia tradicional. 
207Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
denominada Sistema Nacional de Saúde e a sua expansão, tendo como marco a 
Constituição da República de 1976, que estabeleceu que o direito à proteção da 
saúde é realizado pela criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e 
gratuito. A segunda predominou a partir de 1985, tendo como agenda mudar a 
fronteira entre público e privado, favorecendo o setor privado.
Na década de 1990, nos dois países assiste-se a sucessivas alterações no sis-
tema de saúde, com o argumento de falta de recursos por parte do Estado.
Em Portugal, as principais alterações no Sistema Nacional de Saúde são: 
responsabilidade conjunta pela saúde, ou seja, dos cidadãos, da sociedade e do 
Estado (antes era principalmente do Estado); criação de seguro-saúde; estabeleci-
mento de taxas moderadoras a serem cobradas pelo SNS e a fl exibilização da 
gestão dos serviços podendo ser desenvolvida por meio de convênios e cooperativas 
médicas através da prestação de serviços privados no setor público (Carreira, 1996; 
Abreu, 2004).
No Brasil, as contrarreformas na saúde nos anos 1990 foram: contenção dos 
gastos com racionalização da oferta por meio de políticas focais através do pacote 
básico para a saúde; estímulo ao seguro privado; descentralização dos serviços em 
nível local; desfi nanciamento da saúde.
Dois temas têm sido centrais na atualidade no debate relativo à saúde, nos dois 
países: o aborto e a reestruturação do sistema por meio de “novos” modelos de 
gerenciamento. O trabalho pretende ressaltar o segundo tema e apenas pontuar o 
primeiro em face da intencionalidade do texto, conforme já referido no resumo.3
A questão do aborto
O debate sobre o aborto em Portugal tem uma trajetória histórica mais densa do 
que no Brasil. Desde 1940, Cunhal (1997) já alertava para o risco dos abortos clan-
destinos. Na conjuntura democrática inaugurada em 1974, o debate sobre a descri-
minalização voltou à cena. Em 1998, foi debatido na sessão da Assembleia da Repú-
blica, e aprovada a realização de um plebiscito cujo resultado das urnas foi contrário. 
Quase dez anos depois, a temática volta a ser debatida e é realizado um novo plebis-
cito em 2007, apontando para a legalização da interrupção voluntária da gravidez.
3. Esses dois temas foram também destacados por Matos (2009). 
208 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
A questão do aborto em Portugal conseguiu aglutinar forças sociais envolven-
do os partidos de esquerda, os movimentos sociais e foi objeto de discussão desde 
a redemocratização do país. Como já explicitado, foram realizados dois plebiscitos: 
um em 1998, cujo resultado das urnas foi desfavorável, e outro quase dez anos 
depois, em 2007, em que a legalização da interrupção voluntária da gravidez foi 
aprovada. Foi necessária, entretanto, a elaboração de uma lei moderada sobre o 
assunto, pois o debate ainda permanece. A lei prevê a constituição, nos serviços de 
saúde, de uma equipe com profi ssionais da área social e psicológica para aconse-
lhamento das mulheres que desejam interromper a gravidez.
No Brasil, a questão tem sido colocada prioritariamente pelo movimento fe-
minista, e somente em 2007 foi levantada pelo ministro da Saúde como questão de 
saúde pública, sendo respaldada por algumas entidades do movimento sanitário e 
pelo movimento feminista. A reação da Igreja, entretanto, foi muito polêmica quan-
to à exposição do ministro e, para fortalecê-la, houve coincidência com a visita do 
papa ao país. A descriminalização do aborto foi debatida na 13ª Conferência Na-
cional de Saúde, realizada em novembro de 2007, mas perdeu na plenária fi nal, com 
grande resistência ao debate. Nas conferências anteriores também esta questão não 
conseguiu ser aprovada.
No Brasil, este debate não está disseminado entre os partidos políticos, os sin-
dicatos e os movimentos sociais. Há uma reação muito grande à proposta que preci-
sa ser ampliada, aprofundada para ganhar adesões e enfrentar os preconceitos.
A infl uência da Igreja é muito forte nos movimentos de saúde e denota valo-
res cristalizados e uma negação ao debate do tema. A Pastoral da Criança tem 
congregado vários militantes para que sejam contrários à proposta.
Esta é uma luta que precisa congregar vários movimentos sociais articulados 
e ser amplamente discutida com a sociedade, constituindo-se num desafi o a ser 
enfrentado pelos diversos sujeitos sociais.
A seguir será abordada a questão da gestão dos serviços nos dois países, te-
mática central do artigo.
A gestão dos serviços de saúde em Portugal e no Brasil
Esta temática torna-se central nos dois países a partir dos anos 1990, apesar 
de ter sido apontada nos países centrais desde meados da década de 1970.
209Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
O debate acerca das reformas do Estado, ou contrarreformas, como afi rmam 
alguns autores, tem relação com o fenômeno da globalização4 e/ou mundialização,5 
quando se observa um movimento de acelerada expansão do capital fi nanceiro e da 
universalização de mercados que ocorre a partir dos anos 1970, em decorrência da 
crise do capitalismo monopolista (Bravo, 2007).
Harvey (1993) assinala a exaustão do padrão capitalista monopolista fundado 
num regime de acumulação (e seu modo de regulação) “rígido” designado como 
“fordista-keynesiano” para um outro regime de acumulação “fl exível” que implica 
necessariamente um correspondente modo de regulação.
Essas transformações vêm acompanhadas de profundas mudanças na esfera 
do Estado, consubstanciadas na reforma exigida pela “política de ajuste”, recomen-
dada pelo consenso de Washington (Fiori, 1993).
O grande capital rompe com o “pacto” que suportava o Welfare State, com a 
retirada das coberturas sociais públicas, com cortes nos direitos sociais. O proces-
so de ajuste visa diminuir o ônus do capital no esquema geral de reprodução da 
força de trabalho. Confi gura-se um Estado mínimo para os trabalhadores e máximo 
para o capital (Netto, 1993).
O poder do capital fi nanceiro é defendido pelo Fundo Monetário Internacional 
(FMI), pelo Banco Mundial (BM) e pela Organização Mundial do Comércio (OMC), 
que representando os interesses dos Estados mais poderosos pressionam os demais 
para adotarem política de liberalização e privatização impondo reformas sociais, 
econômicas e políticas.
Essas propostas têm infl uenciado as políticas sociais de diversas formas, com 
corte nos gastos sociais, retração signifi cativa do setor público por meio de processos 
de privatização, introdução de mecanismos típicos de mercado no setor público.
4. A discussão acerca dos signifi cados e características do fenômeno de globalização fogem ao âmbito 
deste estudo. Para Fiori (1995), o conceito procura dar conta de uma nova formatação capitalista gerada nas 
últimas décadas pelo acelerado processo de acumulação e internacionalização de capitais. Esse processo 
teria se dado em várias dimensões, culminando numa reorganização espacial da atividade econômica e na 
re-hierarquização dos seus centros decisórios. Dessa forma, para além da dimensão econômica, o autor en-
fatiza os aspectos políticos e ideológicos envolvidos nesse processo, que seriam resultado também das deci-
sões políticas tomadas pelos governos, sob a hegemonia liberal-conservadora. O autor destaca ainda a hete-
rogeneidade entre países quanto à posição de poder que ocupam na nova ordem internacional e às diferentesrespostas desses países ao novo contexto.
5. Chesnais (1996) explicita que a fase de mundialização representa um novo estilo de acumulação, com 
predomínio fi nanceiro e rentista, e ocorre pelas novas formas de centralização de gigantescos capitais fi nan-
ceiros. Para o autor, esta fase foi antecipada pelo imperialismo e pelo período fordista. 
210 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
No que se refere à administração pública, as “reformas” têm sido orientadas 
por medidas que usam a redução dos gastos e o aumento da efi ciência dos equipa-
mentos públicos, o que é um paradoxo, pois os cortes excessivos vão prejudicar o 
desempenho da administração a longo prazo (Kettl, 1996).
Outra perspectiva tem sido o fortalecimento do gerencialismo6 como fi o con-
dutor das agendas das reformas em diversos países (Kettl, 1996; Abrucio, 1998), 
que tem como características: ênfase na fl exibilização da administração e das mo-
dalidades de contratação de funcionários; diminuição de mecanismos de contratua-
lização entre governo e instituições públicas (Bravo, 2007).
A literatura recente aponta que vem ocorrendo uma modifi cação no debate 
acerca da reforma do Estado nos anos 1990. Na década de 1980, predominou uma 
agenda minimalista em face dos imperativos do ajuste estrutural macroeconômico. 
Nos anos 1990, a ênfase se deslocou para as reformas institucionais, com vistas ao 
aumento da capacidade do Estado para viabilizar o sucesso das medidas de ajuste 
e atenuar suas consequências sociais. Nesse período, ganham centralidade os con-
ceitos de governança e governabilidade7 (Machado, 1999).
Haggard (1997), ao discutir as tendências das reformas na América Latina, 
afi rma que nos anos 1980 predominaram, na maioria dos países, as medidas de 
ajuste macroeconômico e de balanças de pagamento, sendo que as medidas insti-
tucionais se restringiam às privatizações em algumas áreas. Na década de 1990, 
entretanto, o debate passa a enfocar as mudanças institucionais necessárias para a 
implementação das reformas.8
As propostas de mudanças relacionadas ao papel do Estado vão repercutir 
efetivamente na política de saúde. A partir dos anos 1980, observa-se uma tendên-
6. O termo original é managerialism, que seria uma corrente original dos EUA — mas nunca imple-
mentada radicalmente naquele país — e norteadora da reforma administrativa no Reino Unido na década de 
1880 (Kettl, 1996; Abrucio, 1998; Macedo e Alves, 1997). Abrucio (1998) aponta uma “evolução” das cor-
rentes do gerencialismo ao longo dos anos 1980 e 1990, com tendência de retomada de princípios como 
transparência, equidade e justiça social. As três correntes discutidas pelo autor são: o “gerencialismo puro”; 
o “consumerism”; e a “public service orientation”.
7. Uma análise das origens e signifi cados da categoria governabilidade pode ser vista nos trabalhos de 
Melo (1995) e de Fiori (1995). Mattos (1996) também aborda a questão da governabilidade e traça uma 
descrição detalhada do surgimento do conceito de “good governance” no interior do Banco Mundial. Diniz 
(1997) discute as duas categorias como elementos auxiliares no debate acerca da construção de um novo 
paradigma de reforma do Estado.
8. O termo reforma está sendo empregado em face de sua utilização por diversos autores. Entretanto, 
considera-se que a denominação mais adequada é “contrarreforma”, pois as mesmas vão na direção de su-
pressão de direitos, enquanto as reformas têm sua origem nas lutas sociais e progressistas. 
211Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
cia de “reformas” no setor saúde em vários países, em geral relacionadas à refor-
mulação dos sistemas de proteção social.
Almeida (1996), ao analisar as reformas europeias na década de 1980, apon-
ta quatro linhas norteadoras: separação entre fi nanciamento e previsão de serviços, 
com redefi nição do papel do Estado; utilização de incentivo e subsídios, visando à 
reestruturação do mix público-privado; racionalização da assistência médica, com 
redirecionamento dos gastos para práticas extra-hospitalares; introdução de meca-
nismos de competição nos sistemas de saúde. A mesma autora ressalta que, nos 
anos 1990, os modelos reformadores tentam suavizar o discurso ideológico exacer-
bado da década de 1980, partindo da crítica às propostas neoliberais sem, entretan-
to, signifi car um retorno às premissas do Estado de Bem-Estar Social.
A agenda pública na década de 1990 tem como questão central reconstruir a 
capacidade do Estado, reestruturando-o simultaneamente (Fiori, 1993). Cinco temas 
têm infl uenciado a agenda de reformas internacionais para a América Latina, de-
senvolvidos pelo Banco Mundial e outras organizações internacionais (Kaufman, 
1995, p. 2): a centralização e insulamento político do controle da política macroe-
conômica; a descentralização e privatização das burocracias; a introdução da com-
petição entre provedores de bens e serviços como forma de aumentar a efi ciência; 
a delegação de funções regulatórias a agências independentes encarregadas de 
monitorar os prestadores de serviços; a criação de um quadro restritivo de funcio-
nários públicos “essenciais”, mais capazes, com considerável poder operacional, 
que seriam avaliados segundo padrões de desempenho.
A partir dessas considerações gerais, serão especifi cadas as principais questões 
com relação à saúde nos dois países analisados.
Rosa (2006) afi rma que um dos direitos dos portugueses mais atacados pelos 
grandes grupos econômicos na atualidade é o direito à saúde tendencialmente 
gratuito, garantido pela Constituição da República. O autor ressalta que a reforma 
do início da década de 1990 já havia inscrito a possibilidade da gestão dos servi-
ços de saúde para o setor privado, por meio de contrato de gestão. Entretanto, 
salienta que é em 2002, no governo PSD/PP (Partido Social Democrata/Partido 
Popular) que é realizada uma “alteração cirúrgica” na Lei n. 48/90 e a promulga-
ção de vários decretos-leis tendo por objetivo a privatização do Serviço Nacional 
de Saúde. Cabe destacar, entre eles, a transformação dos hospitais públicos em 
hospitais S.A.; a Lei de Parcerias Público-Privados (PPP), que permite a entrega 
da exploração e a construção dos hospitais ao setor privado; a revisão do contrato 
212 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
de trabalho dos profi ssionais de saúde e a criação de um decreto-lei que possibi-
litava a entrega da gestão dos centros de saúde, ou parte deste, a entidades públi-
cas ou privadas. O autor considera que o governo tinha a intenção de introduzir 
mudanças nas “taxas moderadoras”, mas que não foram em frente devido à mu-
dança de governo.
O atual governo, do primeiro-ministro Sócrates, do Partido Socialista (PS), 
não alterou a política de saúde do governo anterior, mas deu continuidade às suas 
proposições. Rosa (2006, p. 256-257) chama a atenção para os seguintes aspectos: 
ao revogar o decreto-lei que possibilitava a entrega dos centros de saúde ao setor 
privado, o atual governo não revogou a disposição da Lei de Bases da Saúde que 
também permite essa possibilidade. O governo não se propôs a acabar com o mo-
delo de gestão dos hospitais por meio de parceria público-privada, mas apenas re-
vê-los, e viabiliza um expressivo plano de investimento fi nanceiro para as parcerias 
público-privadas na saúde nos próximos anos, segundo o orçamento do Estado de 
2006. Outra medida ressaltada pelo autor é a transformação dos Hospitais S.A. em 
Entidades Públicas Empresarias (EPE), que mantêm a possibilidade de transferên-
cia da gestão destes para o setor privado.
Rosa (2006, p. 259-260) destaca ainda as seguintes metas do próprio governo, 
contidas no relatório do orçamento do Estado: alterar o regime de compartimenta-
lização, entre usuário e Estado, dos custos com medicamentos, visando à redução 
do gasto estatal; empresarializar os hospitais e centros de saúde; continuar a parce-
ria público-privada abrangendooutros hospitais; identifi car e avaliar o patrimônio 
do setor saúde com vistas a possíveis rentabilizações.
A reforma da saúde do atual governo ganhou espaço na mídia principalmen-
te com relação a duas medidas: o fechamento de vários serviços de emergência e o 
aumento dos valores e da extensão para a prestação de outros serviços de saúde das 
taxas moderadoras. Esses dois temas, apesar de serem apenas expressões de uma 
ampla reforma com relação à saúde, expressam que a política estatal da saúde tem 
obtido manchetes nos jornais (Matos, 2009).
Há também uma reação dos movimentos sociais às mudanças no Sistema 
Nacional de Saúde. Várias manifestações políticas ocorreram em diversas cidades 
de Portugal contrárias a essas mudanças, embora sem a cobertura da mídia. A maior 
expressão da rebeldia dos portugueses ocorreu no dia 25 de abril de 2007, em co-
memoração da Revolução dos Cravos. Nessa manifestação, a maior ala era a de 
213Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
associações de moradores, e a maioria dos cartazes e faixas se referia contra as 
reformas do Serviço Nacional de Saúde.9 Os dois partidos de oposição, o Partido 
Comunista Português (PCP) e o Bloco de Esquerda, também têm se manifestado 
contrários às mudanças no Sistema Nacional de Saúde.
No Brasil, o projeto da reforma sanitária começa a ser questionado no início 
dos anos 1990 e, na segunda metade dessa década, consolida-se o projeto de saúde 
articulado ao mercado ou privatista. Este último é pautado na política de ajuste, que 
tem como tendência a contenção dos gastos com a racionalização da oferta e a 
descentralização com isenção de responsabilidade do poder central. Ao Estado cabe 
garantir um mínimo aos que não podem pagar, fi cando para o setor privado o aten-
dimento aos cidadãos consumidores. Como principais características destacam-se: 
o caráter focalizado para atender às populações vulneráveis, a privatização dos 
serviços e o questionamento da universalidade do acesso.
No primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) é apresentada a 
proposta das Organizações Sociais (OS), explicitadas no Plano Diretor da Reforma 
do Aparelho de Estado. As OS foram concebidas como instrumento para viabilizar 
as políticas públicas, podendo contratar funcionários sem concurso público, adqui-
rir bens e serviços sem licitações e não prestar contas à administração pública. Em 
1999, foram instituídas na esfera federal as Organizações da Sociedade Civil de 
Interesse Público (Oscip), que propõem a qualifi cação de pessoas jurídicas de di-
reito privado, sem fi ns lucrativos, e institui o termo parceria.
A primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva signifi cou um marco político 
na história do país, pois foi a primeira vez que se elegeu “um representante da 
classe operária brasileira com forte experiência de organização política” (Braz, 
2004, p. 49). A consagração eleitoral foi resultado da reação da população contra 
o projeto neoliberal implantado nos anos 1990, vencendo o projeto que não repre-
sentava, em sua origem, os interesses hegemônicos das classes dominantes. Apesar 
das difi culdades do cenário internacional, com a pressão dos mercados e do capi-
talismo fi nanceiro, acreditava-se que no Brasil estaria se inaugurando um novo 
9. Segundo Matos (2009), além destas manifestações, deve-se ressaltar os atos do dia do trabalhador (1° 
de maio) e a greve geral de 30 de maio, convocada pela Central Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), 
apesar de não ter conseguido paralisar todos os serviços. Em 5 de julho de 2007 essa Central teve papel de-
cisivo no ato contrário à política de emprego e às políticas sociais ocorrido em Guimarães, durante a reunião 
dos ministros do emprego da União Europeia, que congregou aproximadamente 25 mil manifestantes.
214 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
momento histórico em que se enfrentaria as políticas de ajuste. Não eram esperavas 
transformações profundas, em face dos acordos ocorridos, mas havia expectativas 
com relação às políticas sociais e à participação social.
A política de saúde vem sofrendo os impactos da política macroeconômica, 
e as questões centrais não estão sendo enfrentadas, como: a universalização das 
ações; o fi nanciamento efetivo; a política de gestão do trabalho e educação na saú-
de e a política nacional de medicamentos.
No segundo governo Lula, é escolhido para ministro da Saúde um ator que 
participou da formulação do Projeto de Reforma Sanitária, nos anos 1980.
O atual ministro tem levantado para o debate questões polêmicas, como a 
legalização do aborto, considerado como problema de saúde pública;10 a ampliação 
das restrições à publicidade de bebidas alcoólicas e a necessidade de fi scalizar as 
farmácias. Tem tomado também algumas medidas, entre as quais a de maior im-
pacto foi a quebra de patente do medicamento Efavirenz (Stocrin), da Merk Sharp 
& Dohme, elogiada amplamente pelas entidades de combate à Aids (revista Época, 
14 de maio de 2007).
O ministro, entretanto, não tem enfatizado algumas questões centrais ao ideá-
rio reformista construído desde meados dos anos 1970, como a concepção de se-
guridade social, a política de recursos humanos e/ou gestão do trabalho e educação 
na saúde e saúde do trabalhador. Apresenta, por outro lado, proposições que são 
contrárias ao projeto, como a adoção de um novo modelo jurídico-institucional para 
a rede pública de hospitais, ou seja, a criação de fundações estatais.
A proposição mais preocupante do atual ministro é a criação das fundações 
estatais, cujo debate está mais avançado na saúde,11 mas pretende atingir todas as 
áreas que não sejam exclusivas de Estado, como: saúde, educação, ciência e tecno-
10. Neste debate, entretanto, não fez uma articulação efetiva com os movimentos feministas,. 
11. Na saúde este debate inicia-se com a crise da saúde no Rio de Janeiro e teve impulso com a criação 
e elaboração, pela equipe de trabalho constituída pelos Ministérios do Planejamento e Saúde com a partici-
pação de professores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), Instituto de Direi-
to Sanitário Aplicado (Idisa), Sunfeld Advocacia/SP, do documento que foi apresentado, inicialmente, no 
Congresso da Abrasco, em 2006, com o título “Gestão em saúde: novos modelos de gestão para os institutos 
e hospitais do Ministério da Saúde” e, posteriormente, teve revisão no título para fundações estatais. Atual-
mente, há uma articulação entre os estados da Bahia, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Sergipe para a adoção 
deste modelo, bem como para os hospitais federais do Rio de Janeiro.
215Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
logia, cultura, meio ambiente, desporto, previdência complementar, assistência 
social, entre outras.12
Algumas questões podem ser levantadas com relação a esta proposta: as fun-
dações serão regidas pelo direito privado; têm seu marco na “contrarreforma” do 
Estado de Bresser Pereira/FHC; a contratação de pessoal é por CLT, acabando com 
o RJU (Regime Jurídico Único); não enfatiza o controle social, pois não prevê os 
conselhos gestores de unidade e sim conselhos curadores; não leva em consideração 
a luta por plano de cargo, carreira e salário dos trabalhadores de saúde; não obede-
ce às proposições da 3ª Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e Educação 
na Saúde, realizada em 2006; fragiliza os trabalhadores por meio da criação de 
planos de cargo, carreira e salário por fundação.
Os movimentos sociais têm reagido a essa proposição. Em 2007, o Conselho 
Nacional de Saúde se posicionou contrário a essa proposta. Nesse ano, foram rea-
lizadas conferências estaduais em todos os estados brasileiros e a 13ª Conferência 
Nacional de Saúde — o maior evento envolvendo a participação social no país. Em 
todas essas conferências a proposta de criação das Fundações foi rejeitada.
No estado do Rio de Janeiro, a saúde já é objeto de lei regulamentar:24 uni-
dades hospitalares e institutos integrariam a estrutura de três fundações gestionárias 
do serviço público de saúde. Entre o Estado, devedor de um serviço público essen-
cial, e o usuário, detentor de um direito fundamental, surge um intermediário, um 
gestor, as fundações privadas instituídas pelo poder público.
Um fórum permanente, composto por centrais sindicais, sindicatos, represen-
tantes de conselhos estaduais e municipais de saúde, projetos de pesquisa univer-
sitária e outras entidades, foi o caminho de unidade encontrado pelo movimento 
social no Rio de Janeiro com a criação do Fórum em Defesa do Serviço Público e 
contra as Fundações. Instalou-se para intervir no processo de tramitação da lei e se 
manteve, buscando abrir para outros movimentos, especialmente nas áreas futura-
mente afetadas pelo projeto de fundações.13 Nos demais estados brasileiros também 
12. Em 2007, é apresentado ao Congresso Nacional Brasileiro, pelo Poder Executivo, o Projeto de Lei 
Complementar n. 92/07, que propõe a criação das Fundações Estatais de Direito Privado para todas as áreas 
que não sejam exclusivas do Estado. 
13. Este fórum realizou um ato público no dia 7 de abril de 2008, na Assembleia Legislativa do Rio de 
Janeiro (Alerj), congregando seiscentos participantes e diversas forças políticas, ou seja, dirigentes e mili-
tantes de diversos sindicatos e conselhos profi ssionais da área da saúde (assistentes sociais, enfermeiros, 
216 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
são criados fóruns populares de saúde, com destaque para: Alagoas, Paraíba, São 
Paulo e Rio Grande do Sul. A proposta de fundações já foi aprovada em mais qua-
tro estados: Bahia, Sergipe, Pernambuco e Tocantins.
Granemann (2008) considera que as fundações estatais são um projeto de 
estado do capital e afi rma que são formas atualizadas das parcerias público-privadas, 
das organizações sociais (OS) e das organizações da sociedade civil de interesse 
público (Oscips). A autora apresenta três questões centrais com relação à proposta. 
As fundações privatizam as políticas sociais, pois não contribuem para a formação 
do fundo público e terão imunidade tributária. As fundações estatais prejudicam os 
trabalhadores e não valorizam o controle social.
O Conselho Nacional de Saúde tem sido um sujeito importante nessa luta, 
realizando debates, seminários e divulgando notas públicas. A agenda do conselho 
para 2010 ressalta as seguintes prioridades: regulamentação da Emenda Constitu-
cional n. 29; criação da carreira única da saúde; estabelecimento do serviço civil 
em saúde; prover a autonomia administrativa e fi nanceira dos serviços do SUS; 
profi ssionalizar a administração e a gestão do SUS; fl exibilização da lei de respon-
sabilidade fi scal; aprovação da lei de responsabilidade sanitária; estruturação da 
atenção primária.
A partir de 2009 surge novamente a proposta de organização social (OS) e 
organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) em vários estados bra-
sileiros e são aprovadas em alguns, como o Rio de Janeiro.
Uma questão que se coloca é por que foi abandonada a proposta de fundação 
e volta-se novamente para as OS e Oscip?
Rezende (2008) considera que tanto as organizações sociais, as organizações 
da sociedade civil de interesse público e as fundações de direito privado são formas 
de transferência de responsabilidade do estado com relação à saúde para o setor 
privado e não se coadunam com o modelo de gestão do SUS defi nido constitucio-
nalmente. A autora faz uma comparação entre o Sistema Único de Saúde e as OS 
e Oscip que pode ser visualizada no quadro a seguir.
nutricionistas, odontólogos, fonoaudiólogos e médicos); centrais sindicais (Conlutas e CTB); estudantes e 
servidores de hospitais universitários e outras unidades de saúde; militantes de movimentos populares, como 
as Federações de Associações de Moradores (Famerj, Faferj e FAM-Rio), além de movimentos em luta pela 
terra e por moradia; militantes dos partidos políticos que se posicionaram e/ou votaram contra as fundações 
privadas (PSOL, PSTU, PCB, PCdoB, PDT e PPS). 
217Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
QUADRO 1 Síntese do modelo de gestão do SUS, das OS e das Oscip
Sistema Único de Saúde (SUS) Organização Social (OS) Organização da Sociedade Civil 
de Interesse Público (Oscip)
Gestão única do sistema de saúde 
em cada esfera de governo (Gestão 
do sistema e da rede de ações e 
serviços).
Autonomia administrativa e 
fi nanceira de cada OS.
Autonomia administrativa e fi nan-
ceira de cada Oscip.
Descentralização da gestão entre 
as três esferas de governo.
Descentralização das ações e 
serviços de saúde para a inicia-
tiva privada e não para os mu-
nicípios.
Descentralização das ações e servi-
ços de saúde para a iniciativa priva-
da e não para os municípios.
Hierarquização dos serviços, con-
forme a complexidade da atenção 
à saúde, sob comando único.
Autonomia gerencial dos ser-
viços de cada OS.
Autonomia gerencial dos serviços de 
cada Oscip.
Financiamento solidário entre as 
três esferas de governo, conforme 
o tamanho da população, suas 
necessidades epidemiológicas e a 
organização das ações e serviços.
Financiamento defi nido no or-
çamento público, para cada OS, 
conforme a infl uência política 
de seus dirigentes, com “con-
trapartida da entidade” por 
meio da venda de serviços e 
doações da comunidade e com 
reserva de vagas para o setor 
privado, lucrativo.
Financiamento defi nido no orçamen-
to público, para cada Oscip, confor-
me a infl uência política de seus di-
rigentes, com “contrapartida da 
entidade” por meio da venda de 
serviços e doações da comunidade e 
com reserva de vagas para o setor 
privado, lucrativo.
Regionalização. Inexistente, porque a entidade 
possui autonomia para aceitar 
ou não a oferta regional de 
serviços, já que seu orçamento 
é estabelecido por uma das 
esferas de governo. 
Inexistente, porque a entidade possui 
autonomia para aceitar ou não a 
oferta regional de serviços, já que 
seu orçamento é estabelecido por 
uma das esferas de governo.
Universalidade e integralidade da 
atenção à saúde.
Focalização do Estado no aten-
dimento das demandas sociais 
básicas, conforme o interesse 
da OS.
Focalização do Estado no atendi-
mento das demandas sociais básicas, 
conforme o interesse da Oscip.
Participação da comunidade, com 
a política de saúde defi nida em 
conferências de saúde.
Inexistente. Inexistente.
Controle social, com conselhos de 
saúde que acompanham e fi scali-
zam a implementação da política 
de saúde e a utilização de seus 
recursos. 
Inexistente. O controle social 
tal como previsto na Lei n. 
8.142/90 é substituído pelos 
tradicionais conselhos de admi-
nistração internos da entidade, 
com paridade diferente daquela 
estabelecida na Lei n. 8.142/90, 
e não é deliberativo.
Inexistente. Somente a celebração 
do termo de parceria é precedida de 
consulta (?) aos conselhos de políti-
cas públicas existentes, das áreas 
correspondentes de atuação.
Fonte: Rezende (2008).
218 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
A partir do exposto, constata-se que Portugal e Brasil estão vivendo os mesmos 
impasses com relação à política de saúde, e considera-se fundamental a mobilização 
e a participação popular para enfrentar a questão, bem como o resgate da relação 
saúde, democracia e socialismo apontada pela Reforma Sanitária brasileira.
Algumas reflexões
O texto sinaliza que tanto Brasil como Portugal garantem de forma tardia o 
direito à saúde, resultante do processo de redemocratização vivenciado por ambos 
os países. Portugal conseguiu a universalidade da saúde após a Revolução dos 
Cravos, na Constituição democrática de 1976, que institui o Sistema Nacional de 
Saúde. No Brasil, esta conquista é resultante da Constituição Cidadã de 1988, que 
se consolida no Sistema Único de Saúde com as Leis Orgânicas da Saúde de 
1990.
Destaca-se também que, em ambos as nações,as contrarreformas iniciam-se 
a partir dos anos 1990, as quais buscam a retirada de direitos sociais e a privatização 
das políticas sociais, com destaque para a saúde.
Brasil e Portugal estão vivenciando atualmente os mesmos impasses originários 
da retração do Estado e das infl uências do neoliberalismo acentuadas pela mundia-
lização do capital. Como exemplos importantes na saúde devem-se apontar o desfi -
nanciamento do setor público e a entrega da gestão dos serviços ao setor privado.
Identifi ca-se também, nos dois países, uma reação a essas medidas resultante 
dos movimentos sociais e partidos políticos de oposição. Em Portugal, as manifes-
tações têm tido maior repercussão na imprensa e têm sido mais amplas. No Brasil, 
os movimentos, decepcionados com os rumos do governo Lula, se ampliaram a 
partir de 2007.
Como desafi os para ambos os países ressaltam-se a importância da ampliação 
da mobilização e a organização dos movimentos sociais, bem como a valorização 
da consciência sanitária14 para o aprofundamento da democracia nas esferas da 
economia, da política e da cultura, a fi m de resistir à crise estrutural do capitalismo 
14. Conceito utilizado por Giovanni Berlinguer (1987), que amplia o grau de educação da população 
sobre saúde e seus determinantes, mas também o nível de ação coletiva voltada para a mudança de seus de-
terminantes estruturais.
219Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 205-221, abr./jun. 2010
com um movimento contra-hegemônico para superar a barbárie social da socieda-
de burguesa e caminhar para uma nova ordem social, antiliberal e anticapitalista.
Artigo recebido em fev./2010 ■ Aprovado em mar./2010
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222 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 222-243, abr./jun. 2010
A descentralização da política nacional 
de saúde nos sistemas municipais na 
linha da fronteira Mercosul*
Decentralization of national health policy in the municipal 
health systems of Mercosur frontier cities
Josiane Agustini**
Vera Maria Ribeiro Nogueira***
Resumo: Este artigo analisa a diretriz da descentralização contida 
na Política Nacional de Saúde, executada pelos sistemas municipais 
localizados na linha de fronteira com os demais países do Mercosul. 
Apresenta a metodologia utilizada para coleta das informações a par-
tir de dois bancos de dados existentes, usando indicadores relacionados 
à descentralização dos sistemas de saúde. Como resultado, identifi ca 
de que modo e em que medida as inovações decorrentes das normas, 
regras e pactos orientadores da descentralização vêm sendo materiali-
zadas nos sistemas locais de saúde, conferindo padrões de institucio-
nalidade passíveis de garantir o direito à saúde aos não nacionais. 
Constata as adequações e arranjos realizados,expressando um nível 
reduzido de adoção das inovações institucionais do SUS, e sinaliza 
para os desafi os colocados aos profi ssionais de Serviço Social. 
Palavras-chave: Institucionalidade. Política de saúde. SUS. Sistemas 
de saúde. Sistemas locais de saúde. Descentralização. 
* Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (CNPq) o apoio 
para a realização da pesquisa que resultou neste artigo.
** Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Ca-
tarina (UFSC), Florianópolis/SC, Brasil. E-mail: josiagustini@yahoo.com.br.
*** Doutora em Enfermagem, professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFSC, 
Florianópolis/SC, Brasil, e do mestrado em Política Social da Universidade Católica de Pelotas. Professo-
ra-adjunta da Escola de Serviço Social/Programa de Mestrado em Política Social da Universidade Católica 
de Pelotas e do mestrado em Serviço Social do Departamento de Serviço Social da UFSC; pesquisadora do 
CNPq. E-mail: vera.nogueira@pesquisador.cnpq.br.
223Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 222-243, abr./jun. 2010
Abstract: This study analyses the incorporation of the decentralization principle by the municipal 
health systems of the Brazilian cities located in the Mercosur frontier areas. It defi nes how, and to what 
extent, the innovations due to the norms, rules and agreements that guide the decentralization have 
materialized in the local health systems, setting institutional standards that extend the right to health 
care to people other than Brazilians. It shows the small extent to which adaptations and arrangements 
have taken place in that direction, and it points to the challenges facing Social Service professionals.
Keywords: Institutionalizing. Health policy. SUS. Health care systems. Local health care systems. 
Decentralization.
Introdução
O 
direito à saúde nas regiões de fronteira é um tema com inserção recen-
te nas esferas governamentais e não governamentais, expressando uma 
variedade de sentidos de acordo com a postura ético-política e prag-
mática dos distintos sujeitos coletivos envolvidos com seu alcance, 
garantia e fruição. Constata-se, compreensivelmente, a centralidade do debate sobre 
os aspectos políticos inerentes à ampliação e à garantia dos direitos, visto seu im-
pacto direto sobre o ponto nodal das políticas públicas de corte social, ou seja, a 
universalidade da atenção nos diferentes níveis. Entretanto, em relação à política 
nacional de saúde, um aspecto pouco avaliado é o trânsito entre as consignas con-
tidas nas diretrizes do próprio sistema nacional e sua operacionalização pelos 
gestores, saindo do plano discursivo e garantindo efetivamente a fruição do direito 
integral à saúde.
Estudos anteriores demonstram o alto grau de diversidade apresentado pelos 
sistemas locais em municípios lindeiros, podendo-se inferir que as orientações cons-
titucionais e legais, jurídicas e administrativas não são seguidas in totum pelos ges-
tores municipais de saúde (Giovanella e Guimarães, 2007). Tal diversidade é infl uen-
ciada, além dos níveis de cultura política, por uma variedade de fatores, destacando-se 
as tradições nacionais e regionais, as estruturas políticas, o grau de desenvolvimen-
to econômico, as ideologias, entre outros, impactando diretamente nas concepções 
sobre o direito à saúde e ações práticas relativas à sua efetivação. Em regiões fron-
teiriças essa diversidade reverbera não apenas entre os brasileiros, mas especialmen-
te sobre os estrangeiros residentes, não residentes, naturalizados e turistas, potencia-
lizando desigualdades étnicas, além das econômicas, de gênero e de classe.
A revisão de literatura sinaliza para a existência de diferentes compreensões 
acerca do signifi cado do direito à saúde em fronteiras, ocasionando perfi s diferen-
224 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 222-243, abr./jun. 2010
ciados de atenção às demandas por parte dos estrangeiros que vivem nesse espaço 
geopolítico. Tal constatação parece indicar dois fatores interligados: a) o primeiro, 
a inexistência de princípios ético-políticos comuns, decorrentes da política nacional 
de saúde; b) o segundo parece revelar níveis de institucionalidades frágeis, incapa-
zes de absorver a demanda dos usuários não brasileiros protegidos pelo Estatuto do 
Estrangeiro (Nogueira, 2006).1 Verifi cou-se também que os acordos e pactos bila-
terais fi rmados entre os governos brasileiro, argentino e uruguaio garantindo o di-
reito da atenção à saúde não têm tido, até o momento, consequências práticas. Em 
alguns casos há o completo desconhecimento sobre os mesmos, por parte dos ges-
tores e profi ssionais.
Particularizando na área da saúde, entre a população estrangeira que acessa o 
sistema de saúde, observa-se a permanente incerteza quanto ao tipo de atendimen-
to a ser recebido em caso de necessidade. No lado brasileiro inexistem padrões 
uniformes de atenção, favorecendo decisões pessoais dos gestores e dos profi ssio-
nais de saúde, difi cultando o planejamento de ações integradas entre os sistemas de 
saúde dos municípios brasileiros e de outros países (Nogueira, 2006).
As consequências de tais situações rebatem diretamente nas demandas colo-
cadas aos assistentes sociais nos vários níveis de atenção à saúde. Na maior parte 
das vezes, os profi ssionais são acionados tanto pelos usuários como pelos gestores 
no sentido de encaminhar as solicitações, causando, em inúmeras ocasiões, confl i-
tos éticos devidos à incompatibilidade entre os dispositivos legais e a possibilidade 
de atenção à saúde (Silva, 2006).
A análise desse quadro exige rever as signifi cativas transformações pelas quais 
passou o sistema nacional de saúde brasileiro após o retorno ao Estado democráti-
co de direito. A Constituição Federal de 1988 instituiu um novo reordenamento 
para o setor saúde, ao propor um desenho particular a aspectos ético-políticos e 
técnicos operativos fundamentais. Universalizou o direito à saúde, acenando para 
o pleno acesso aos serviços, sem quaisquer critérios de exclusão ou discriminação. 
De forma positiva, defi niu espaços para a gestão democrática dos serviços de saú-
de, com a possibilidade legal da participação popular, instituindo constitucional-
mente o controle social, realizado por diferentes sujeitos sociais.
De acordo com Gerschman (2001), o fi nal dos anos 1990 foi marcado por 
diversos avanços no redesenho das instituições responsáveis pelas políticas de 
1. No presente trabalho, os municípios estudados são os que estão na fronteira com Argentina, Uruguai 
e Paraguai.
225Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 222-243, abr./jun. 2010
saúde a partir do texto constitucional. As inovações ocorreram, principalmente, no 
mecanismo de descentralização das políticas públicas, na busca pela reordenação 
do sistema com centralidade nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e no 
processo de descentralização das ações nas três esferas de governo. Observam-se, 
assim, mudanças importantes nas formas de gestão e organização do sistema de 
saúde, remodelando a operacionalização do SUS. Essas alterações institucionais 
buscavam descentralizar e democratizar a gestão e o acesso a bens, serviços e ações 
de saúde em todo o país.
Considerando a situação anterior, este artigo enfoca os padrões institucionais 
propostos pela atual Política Nacional de Saúde em uma faixa geopolítica pecu-
liar, a faixa de fronteira. O objetivo foi identifi car como e em que medida as 
inovações decorrentes de normas, regras e pactos, relativos ao princípio da des-
centralização, foram incorporadas na esfera municipal na região de fronteira com 
o Mercosul, conferindo padrões de institucionalidade passíveis de garantir ou não 
o direito à saúde.
Destaca-se a concepção de institucionalidade aqui adotada, sendo relativa ao 
respeito às regras institucionais, democraticamente consensuadas, permitindo con-
tinuidades regulatórias nos processos de gestão dos sistemas de saúdee garantindo 
a efetividade de suas atribuições na transição entre o plano ético-político e o plano 
técnico-operativo. Entende-se, também, o processo de institucionalidade como uma 
das formas de exercício de poder por meio das políticas sociais e, no caso especí-
fi co, das políticas de saúde.
Na análise de O’ Donnell, as instituições
são padrões regularizados de interação que são conhecidos, praticados e aceitos regu-
larmente [...] por agentes sociais dados e que, em virtude dessas características, espe-
ram continuar interagindo sob regras e normas incorporadas (formal ou informalmen-
te) nesses padrões. Como espaços de interações sociais, geram rotinas de 
comportamentos previsíveis, corporifi cando símbolos e papéis. Ao agregarem interes-
ses, organizam as formas de representação, cuja legitimidade se dá na capacidade de 
garantirem acordos. Seu papel é fundamental na organização de uma agenda pública 
comum infl uenciando nos processos decisórios e sua efetividade. (O’Donnell, 1991, 
p. 32)
Salienta, necessariamente, que as instituições apresentam funções específi cas 
além da satisfação das necessidades humanas e da organização das interações sociais. 
Para o autor, as instituições produzem relações e posições de poder que podem, 
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contraditoriamente, tanto acabar com possibilidades de ação como contribuir para 
a criação de oportunidades de liberdade, ou ainda, produzir barreiras para a liber-
dade. Se, de um lado, a institucionalização implica altos custos por não representar 
apenas o fi m do direito à liberdade, mas também o receio do processo de burocra-
tização e de descontentamentos que poderá ocasionar (O’Donnell, 1991, p. 30), por 
outro permite instituir uma nova ordem no plano institucional, por meio de com-
portamentos instituintes (Chaui, 2006). A pergunta central a ser feita é: institucio-
nalizar o quê, com que sentido e favorecendo a quem?
Conforme Frey (2000), considerar as instituições unicamente de forma posi-
tiva, pelo fato de garantirem a estabilidade de sistemas, é uma concepção que exige 
cautela e constante revisão. Sinaliza que as instituições não servem apenas para a 
satisfação das necessidades humanas e para a estruturação das interações sociais, 
mas também para determinar posições de poder.
Com base nesse enfoque teórico, foram avaliadas as possibilidades instituin-
tes do SUS no plano organizativo, expressando a materialidade alcançada pelos 
sistemas locais de saúde no atendimento aos estrangeiros.
Material e métodos
O estudo se fundamentou nas percepções de atores políticos locais quanto às 
inovações relacionadas à diretriz da descentralização expressas na forma de orga-
nização do sistema e serviços locais de saúde, na gestão do sistema e seu fi nancia-
mento. Abordou ainda as demandas nos serviços de saúde de localidades de fron-
teira e as estratégias de cooperação e acordos interfronteiriços transnacionais.
No que se refere à construção metodológica, inicialmente foi necessário ca-
racterizar as variáveis contextuais, relacionadas à natureza dos sistemas municipais 
de saúde em uma perspectiva de suas dinâmicas funcionais, dando conta de atender 
às suas funções precípuas e concomitantemente modelar a atenção à saúde, defi -
nindo, em última análise, os destinatários dessa atenção. Trata-se, portanto, de as-
pectos correspondentes à organização político-administrativa, ao grau de centrali-
zação decisória, aos critérios de cobertura e às modalidades de ofertas de 
serviços.
Para a construção dos indicadores com vistas à obtenção dos dados empíricos 
e posterior análise, considerou-se o princípio/diretriz da descentralização do SUS, 
detalhada respectivamente na Constituição, na Lei n. 8.080, e na Norma Operacio-
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nal Assistência à Saúde (Noas) 2002, sendo a última o dispositivo reorientador da 
implementação do SUS em seus variados níveis. Assim, foi possível o desdobra-
mento dos indicadores em três grandes eixos: organização do sistema, gestão do 
sistema e fi nanciamento.
Em relação ao primeiro eixo foram coletadas as informações sobre as seguin-
tes variáveis: 1) formas de incorporação das necessidades de saúde junto à comissão 
bipartite; 2) pautas de negociação para elaboração PPI/Colegiados de Gestão; 3) 
sufi ciência na atenção básica; 4) ações de vigilância em saúde (sanitária, ambiental 
e epidemiológica); 5) priorização das demandas; 6) mecanismos de identifi cação 
dos estrangeiros que acessam o SUS; 7) coordenação e controle da organização do 
sistema local de saúde.
Quanto ao segundo eixo, gestão do sistema, as informações privilegiaram: 1) 
existência de protocolos e orientações relativos a aspectos administrativos e técni-
cos; 2) existência de mecanismos de organização da demanda; 3) sistemas de refe-
rências e contrarreferências; 4) autorização de procedimentos de alto custo (exames, 
tratamentos etc.); 5) fornecimento de medicamentos básicos e de alto custo; 6) 
forma de alimentação do sistema de informações ambulatoriais (Siab); 7) coorde-
nação e controle das ações e dos serviços de saúde do município.
E, fi nalmente, em relação ao terceiro eixo, o fi nanciamento, buscou-se detalhar: 
1) priorização das áreas programáticas no campo do fi nanciamento; 2) utilização 
dos recursos do piso atenção básica (PAB) — fi xo; 3) adesão ao PAB — variável; 
4) indicação de especifi cidades regionais; 5) indicadores de resultados do sistema 
— existência/alimentação do sistema; 6) coordenação e controle das ações relacio-
nadas ao fi nanciamento do SLS.
Utilizaram-se como base empírica as informações constantes nos bancos de 
dados2 dos projetos “Fronteira Mercosul: um estudo sobre o direito à saúde”,3 con-
cluído em 2005, e “Saúde nas fronteiras: estudo do acesso aos serviços de saúde 
nas cidades de fronteira com países do Mercosul”,4 concluído em 2007. Foram 
sujeitos de estudo os 69 secretários municipais de saúde (SMSs) dos municípios 
fronteiriços brasileiros da Região Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), 
ou seja, os entrevistados nos dois projetos mencionados. Vale ressaltar que o uni-
2. Constam dos bancos de dados, além de entrevistas com 69 gestores locais de saúde dos municípios 
de fronteira, inquéritos detalhados abordando a questão da saúde na região.
3. Coordenado pela profa. Vera Maria Ribeiro Nogueira, da Universidade Federal de Santa Catarina.
4. Coordenado pela profa. Ligia Giovanella, da Escola Nacional de Saúde Pública.
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verso da pesquisa foram os municípios localizados na linha de fronteira, os lindei-
ros, com três países participantes do Mercosul e que fazem parte do Arco Sul: Ar-
gentina, Paraguai e Uruguai.
Quando se estudam as regiões fronteiriças, não se pode desconsiderar a extensão 
da faixa de fronteira brasileira e dos limites internacionais envolvidos. É possível 
identifi car a presença de características geográfi cas específi cas e extremamente dis-
tintas entre as regiões de fronteira, assim como situações particulares. Esse fato vem 
se refl etindo no tratamento diferenciado junto aos órgãos estatais e ao tipo de relação 
com os vizinhos e, no campo de avaliação das políticas em opções metodológicas de 
abordagem, nos instrumentos de coleta de informações e na seleção dos casos para 
estudos. Especialmente em relação aos estudos multicêntricos, a situação contextual 
é relevante, conforme assinala Hatz (1999, p. 344): “o objeto de investigação é de 
grande complexidade, a tal ponto que o fenômeno de interesse não se distingue facil-
mente das condições contextuais, necessitando informações de ambos”.
A região estudada contou com diversos tipos de infl uência, principalmente a 
cultural, de origem europeia e, mais recentemente, a socioeconômica, ou seja, a 
decorrente da implantação do Mercosul. A partir dessas infl uências, o Ministério 
da Integração Nacional (MIN) fazuma denominação de três sub-regiões do Arco 
Sul: a) o Portal do Paraná, no noroeste paranaense; b) os Vales Coloniais Sulinos, 
que se subdividem em três partes — o sudoeste do Paraná, o oeste de Santa Cata-
rina e o noroeste do Rio Grande do Sul; e c) a Mesorregião, Metade Sul do Rio 
Grande do Sul, mais conhecida como Campanha Gaúcha (MIN, 2005).
Um conceito utilizado, ao se estudar fenômenos sociais em regiões fronteiri-
ças, é o de cidades gêmeas, referindo-se à situação de “municípios lindeiros que 
apresentam uma conurbação ou semiconurbação com a localidade do país vizinho”. 
Assim,
Correspondem ao meio geográfi co que melhor caracteriza a zona de fronteira (inclui 
as faixas de fronteira brasileira e do país estrangeiro) e são os alvos principais prio-
ritários das políticas públicas. As simetrias e assimetrias entre as cidades gêmeas 
nem sempre decorrem de diferenças no nível de desenvolvimento dos países, e sim 
de sua própria dinâmica e da função que exercem para os respectivos países. (MIN, 
2005, p. 152)
Os dados obtidos foram sistematizados para análise obedecendo a mesma 
matriz metodológica utilizada para a coleta de informações. Optou-se igualmente 
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por apresentá-los levando em conta a mesma lógica utilizada no processo de aná-
lise, ou seja, a organização do sistema e dos serviços; a gestão do sistema e dos 
serviços e o fi nanciamento do sistema.
A respeito da apresentação dos resultados, uma observação pertinente é que 
essa separação ocorre apenas para fi ns analíticos, sendo a processualidade dos 
sistemas, em sua dinâmica diária, uma totalidade complexa e contraditória. Por essa 
razão, igualmente, a exposição pode parecer redundante e repetitiva, mas optou-se 
por correr esse risco e não perder a riqueza da realidade.
Resultados
Organização do sistema e dos serviços
Por organização do Sistema Nacional de Saúde compreende-se o princípio da 
descentralização político-administrativa com direção única, com ênfase na descen-
tralização dos serviços para os municípios e na organização de forma regionalizada 
e hierarquizada da rede de serviços de saúde em níveis de complexidade crescente. 
Nessa perspectiva, cada esfera governamental conta com comando único corres-
pondente: a) no âmbito da União, ao Ministério da Saúde; b) no âmbito estadual e 
no Distrito Federal, à Secretaria Estadual de Saúde ou instância equivalente; c) no 
âmbito municipal, à Secretaria Municipal de Saúde.
Em relação a esse eixo, percebeu-se inicialmente que algumas das orientações 
contidas na Norma Operacional Básica (NOB) 1996 e na Noas 2002 não vêm sen-
do seguidas, principalmente no que se refere à hierarquização do sistema. Os esta-
dos e municípios iniciaram o processo de reorganização do sistema de acordo com 
o Plano Diretor de Regionalização, com a divisão em microrregionais e regionais 
de Saúde. A maioria dos municípios dos três estados informou difi culdades na ar-
ticulação entre esses níveis de hierarquização, repercutindo negativamente no 
processo de regionalização, o que, no caso das microrregionais e regionais, resultou 
no não atendimento das demandas oriundas dos municípios e na incapacidade de 
atender às especifi cidades para as quais foram criadas. Ou seja, há uma série de 
demandas não supridas em relação às necessidades dos municípios de fronteira 
devido a esse tipo de organização hierárquica, agravadas pela demanda de estran-
geiros e reduzida cooperação entre os sistemas assistenciais de saúde do outro lado 
da fronteira.
230 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 222-243, abr./jun. 2010
Entre os aspectos que mais inquietam os SMSs, destaca-se a inexistência de 
intercâmbio sistemático de informações entre os países, impossibilitando ações 
mais efi cazes no controle das doenças e na atenção à saúde. Assim, alguns municí-
pios passaram a criar estratégias próprias para suprir essa ausência. Entre as inicia-
tivas que têm surtido efeito na região foram citadas as campanhas de prevenção e 
a criação de um calendário comum de vacinação. Tais ações preventivas, tanto de 
vigilância sanitária quanto epidemiológica, vêm sendo realizadas integradamente 
apenas em cidades gêmeas de médio e grande porte dos três estados brasileiros. 
Isso se deve ao trânsito intenso de pessoas deslocando-se de um local para outro na 
região. Assim, há um avanço importante em relação às ações de vigilância em 
saúde (epidemiológica, sanitária e ambiental), com a existência de ações integradas 
com os países vizinhos, que passaram a se preocupar com a repercussão de algumas 
doenças, como é o caso da dengue, da raiva, da malária etc. Deve-se enfatizar que 
a maioria dessas iniciativas de cooperação, segundo as percepções dos gestores, 
vem ocorrendo apenas em âmbito municipal, sem acompanhamento ou apoio do 
Ministério da Saúde brasileiro. Destaca-se a infl uência da Organização Pan-Ame-
ricana de Saúde monitorando os países vizinhos em relação aos aspectos acima.
Foi possível confi rmar os estudos anteriores segundo os quais o atendimento 
à população estrangeira não acontece de maneira uniforme. Entre os critérios para 
o acesso aos serviços mais mencionados pelos secretários municipais de Saúde 
(SMS) está a exigência de documentos comprobatórios de identifi cação nacional e 
de residência e, na maioria dos casos, essa requisição é seguida com rigor. O aten-
dimento aos usuários estrangeiros, ou a sua não realização, ocorre a partir da com-
preensão do direito à saúde por parte dos profi ssionais no momento da procura. Ou 
seja, como o agente comunitário de saúde, os enfermeiros e médicos conceituam 
direito à saúde e direito a bens e serviços de saúde. Soma-se a isso a resistência dos 
mesmos quanto ao atendimento a estrangeiros, fundamentada no critério fi nancei-
ro e em uma concepção de cidadania passível de ser qualifi cada como ambivalente, 
de acordo com Noya (2004). Para esse autor a ambivalência sobre as atitudes fren-
te à igualdade é expressa em um sentido quando referidas ao terreno abstrato ou de 
princípios e valores e em outro quando se trata de ações concretas, no plano da 
materialidade.
A maioria dos SMSs relatou não possuir mecanismos de registro do atendi-
mento a estrangeiros, difi cultando sua contabilização perante o Sistema de Infor-
mações Ambulatoriais/SUS, já que o formulário utilizado não possui campo para 
a inserção desse tipo de atendimento, com repercussões sérias no fi nanciamento da 
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saúde. Frente à questão, observa-se a presença isolada de dispositivos curiosos, 
como a criação de um cartão municipal para organizar e identifi car a demanda nos 
atendimentos. Ou, contrariamente, incluir todos os usuários como brasileiros no 
momento do atendimento, fornecendo o cartão SUS para os estrangeiros e descon-
siderando a moradia como critério de acesso. Em Santa Catarina, uma cidade gêmea 
se destaca pela implantação de um cartão SUS municipal, onde cada área de abran-
gência das equipes de saúde da família terá diferenciação por cores. A fi nalidade 
do cartão é organizar a demanda e identifi car os usuários, devido à grande procura 
de serviços por parte da população estrangeira. Nesse caso, o secretário de Saúde 
explica como será o acesso: “Os que não tiverem esse cartão, nós atenderemos 
igualmente, mas aí sim, teremos um registro mais confi ável, fi dedigno, das pessoas 
que não são do município, que são atendidas.” Constata-se, assim, que perante a 
falta de posicionamento das demais esferas governamentais, os municípios passam 
a elaborar estratégias para registrar a demanda procedente da fronteira, de forma 
isolada e individual. Os secretários não mencionaram o encaminhamento da dis-
cussão das difi culdades da fronteira para outras instâncias do sistema de saúde ou 
esferas públicas.
No tocante às formas de registro e estimativa do número de atendimentos aos 
não nacionais em seus municípios, 60% dos SMSs disseramque, na maioria das 
vezes, os serviços de saúde do SUS ofertados aos estrangeiros são registrados como 
prestados a brasileiros. Esse fato foi relatado por 31 municípios em que existe essa 
demanda. Menos da metade dos SMSs (40%) revelou possuir uma estimativa do 
número de atendimentos mensais a estrangeiros em seu município.
Foram também apontadas pelos SMSs as formas particulares e peculiares de 
registro dos serviços de saúde prestados aos não nacionais, utilizadas pelos serviços 
locais de saúde: a) registros por meio de prontuário por paciente; b) identifi cação 
de origem do paciente; c) tabela feita pela Secretaria de Saúde; d) registro feito 
somente nos casos de vacinação; e) registros de prontuário com o endereço do 
comprovante de residência (exigência para o atendimento); f) registro feito no 
atendimento à população indígena; g) informações registradas por meio de fi cha de 
atendimento individual manual; h) FA — Ficha de Atendimento ambulatorial; i) 
anotações em caderno; j) registros na fi cha/cadastro individual do paciente de acor-
do com sua nacionalidade, mas isso quando o paciente não omite o fato de ser es-
trangeiro ou residir em outro país, apresentando documentos/comprovantes de re-
sidência falsos. Os demais SMSs relataram não existir forma de registro específi co 
para estrangeiros (Giovanella et al., 2007).
232 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 222-243, abr./jun. 2010
Apenas 40% (21) dos SMSs que atendem a essa demanda de estrangeiros 
mencionaram ter uma estimativa mensal de atendimentos. Oito SMSs apresentaram 
estimativa média de até dez atendimentos mensais a estrangeiros, como é o caso de 
um município do Rio Grande do Sul: “É insignifi cante a porcentagem em relação 
ao número de atendimentos. Não temos a estatística exata de pessoas que recorrem 
ao nosso serviço. Uma média de cinco, seis atendimentos, não chega a 10% do 
atendimento total do município.” Sete informaram estimativas entre onze e cem 
casos, e seis estimaram entre cem e quinhentos casos atendidos por mês. Somente 
três municípios informaram os números exatos de registro dos atendimentos a es-
trangeiros.
Para a maioria dos secretários, a qualidade da atenção à saúde é fragilizada 
devido à inexistência de mecanismos de troca de informações entre as cidades de 
fronteira, principalmente sobre aspectos sanitários e epidemiológicos. Os SMSs 
afi rmam, igualmente, a inexistência de iniciativas por parte do Ministério da Saúde 
brasileiro no sentido de favorecer o necessário intercâmbio de informações de 
saúde entre os países.
É possível verifi car, por outro lado, o desconhecimento, por grande parte dos 
SMSs, das iniciativas já existentes nas regiões de fronteira, como, por exemplo, as 
Comissões de Saúde da Fronteira e os Comitês de Fronteira, que vêm discutindo 
diversos temas pertinentes à região. Da mesma forma, nota-se que não foram men-
cionadas as ações em andamento implementadas pelos Comitês de Fronteira e, 
tampouco, as orientações do Subgrupo de Trabalho — SGT 11, do Mercosul.
Percebeu-se também, na fala de alguns SMSs, a constante referência ao mo-
delo hospitalocêntrico relacionada à ampliação do ingresso dos não nacionais. Tal 
comportamento refl ete a falta de clareza quanto à centralidade, na Política Nacional 
de Saúde, da atenção básica; quanto às funções relacionadas ao tipo de gestão que 
o município está habilitado; quanto às responsabilidades desempenhadas pela mé-
dia e alta complexidade no SUS. Isso foi observado em municípios dos três Estados 
pesquisados.
Quanto às ações de cooperação técnica entre os países, são mencionadas re-
duzidas iniciativas. Um secretário de uma cidade gêmea do Paraná citou, entre as 
mais importantes, a educação permanente e a realização de congressos de saúde. 
Em Santa Catarina, um SMS informou sobre a implantação do laboratório de fron-
teira, que atenderá ao município e à cidade estrangeira vizinha. Diante da inexis-
tência de acordos ligados à área da saúde, alguns SMSs enfatizaram a necessidade 
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de fi rmar acordos mais efetivos entre as localidades de fronteira para tratar de for-
ma conjunta de iniciativas de ações sanitárias.
Observa-se que a maioria dos SMSs se manifestou favoravelmente ao direi-
to de acesso ao SUS pelos estrangeiros residentes em seus municípios. Mas, si-
multaneamente, reiteraram a necessidade de estabelecer ações prioritárias e que 
possam contar com a participação efetiva de ambos os países, em especial em 
termos fi nanceiros.
Gestão do sistema e dos serviços — incorporação de novas regras
Na gestão do sistema e dos serviços ocorreram as maiores alterações e respon-
sabilidades para os municípios. Nesse item constatou-se a fl exibilidade quanto aos 
requisitos exigidos pela Noas 2002 para habilitação dos municípios, que não vêm 
sendo seguidos plenamente. Verifi cou-se a habilitação de municípios sem condições 
de atender às especifi cações contidas na lei. Esse procedimento causa transtornos 
ainda maiores aos gestores com o incremento da demanda estrangeira.
Por um lado, falta clareza no tocante às responsabilidades municipais frente 
à organização do sistema local de saúde, assumindo os gestores a posição de “me-
ros executores” das ações e serviços de saúde desenvolvidos pelas Secretarias 
Municipais de Saúde, não incorporando sua função programática prevista na legis-
lação do SUS. Por outro lado, são reduzidas as iniciativas inovadoras no campo 
sanitário.
Foi possível perceber que a maioria dos municípios brasileiros localizados na 
região de fronteira presta algum tipo de serviço a estrangeiros. Diante disso, têm 
sido notados alguns transtornos nos municípios devido à falta de autorização para 
internação hospitalar (AIH) e de controle epidemiológico, além de gastos com a 
contratação de profi ssionais, exames, medicamentos e transporte de pacientes. 
Observa-se, também, a inexistência de organização do atendimento aos usuários 
estrangeiros e a falta de mecanismos de controle efi cazes frente à demanda.
Na atenção básica, os estrangeiros encontram maior facilidade para consultas 
médicas, medicamentos e imunizações. Isso se deve à inexistência de critérios in-
transigentes no atendimento, favorecendo a ocorrência tanto de fraudes de docu-
mentos como registros de atendimentos nem sempre exatos por parte dos respon-
sáveis. A mesma situação não é encontrada nos encaminhamentos para média e alta 
complexidade, em virtude da rigorosa exigência de documentação (como, por 
234 Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 222-243, abr./jun. 2010
exemplo, o Cartão SUS, comprovado pelo atestado de residência carimbado pelo 
agente comunitário de saúde — ACS). Somente nos casos em que o usuário acessou 
o sistema por meio da emergência há possibilidade de referência para outros níveis 
de hierarquização do sistema. Ou quando o município arca com as despesas decor-
rentes desse nível de atendimento.
Deve-se ressaltar ainda que a referência aos demais níveis do sistema tem como 
fator determinante a compreensão dos profi ssionais e Secretários de Saúde na ocasião 
do atendimento. Dessa forma, grande parte dos encaminhamentos a outros níveis de 
complexidade é feita por meio dos tratamentos fora de domicílio (TFDs), pagos 
pelos municípios com recursos repassados pela esfera estadual. Os gestores utilizam 
esse mesmo procedimento, em alguns casos, para encaminhar também os não na-
cionais. Mas constatou-se não existir nenhuma garantia de continuidade do trata-
mento a estrangeiros que acessam o SUS nos municípios da região.
A inexistência de protocolos e orientações no atendimento da população es-
trangeira na atenção básica tem favorecido, de certa maneira, o tratamento iguali-
tário e sem qualquer impedimento na maioria dos casos, causando transtornos aos 
usuários brasileiros. Isso vem se refl etindo de maneira signifi cativa em fi las e listas 
de espera em alguns municípios, o que tem ocasionado sérias discussões entre 
usuários

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