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2010 Teologia PasToral: liTurgia, MeTodologia e aconselhaMenTo Prof. Claudir Burmann 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2010 Elaboração: Prof. Claudir Burmann Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: 241 B962t Burmann, Claudir. Teologia Pastoral: Liturgia, Metodologia e Aconselhamento / Claudir Burmann. Centro Universitário Leonardo da Vinci – . Indaial: Grupo UNIASSELVI, 2010.x ; 152 p.: il Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-259-7 1. Teologia 2. Teologia Cristã 3. Moral e Prática Religiosa I. Centro Universitário Leonardo da. Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título III aPresenTação Caro(a) Acadêmico(a)! A teologia e a pastoral cristãs vivenciadas em nosso tempo têm atrás de si uma longa história. Essa história é anterior mesmo ao nascimento de Jesus de Nazaré. Já nos primeiros livros do Primeiro Testamento, Deus estabelece uma aliança com a humanidade, especificamente com o povo de Israel. Essa aliança se mantém, sendo que o próprio Jesus de Nazaré se insere no contexto dessa aliança. Os desdobramentos disso vêm a resultar na formação da Igreja – ou, hoje em dia, na multiplicidade de igrejas. Com a institucionalização do movimento originário da aliança de Deus por meio de Jesus de Nazaré no formato de Igreja, formulações teológico-pastorais foram sendo elaboradas de modo cada vez mais sofisticado. Importante é sabermos que isso nem sempre se deu de modo pacífico e consensual. Em inúmeros momentos, polêmicas se estenderam ao longo de anos até se chegar a alguma formulação relativamente consensual. Em meio a isso, dissidências surgiram e práticas nem sempre coerentes à Sagrada Escritura foram implementadas. Influências religiosas alheias à autêntica expressão da fé cristã igualmente têm atemorizado a teologia e a pastoral cristã. No tempo contemporâneo tem havido enorme facilidade em ignorar a história passada da teologia e pastoral cristã. Age-se como se a história cristã começasse apenas no instante de uma “conversão” ou no início de atividades de uma nova denominação. De certa maneira, é possível verificar uma negação aos legados históricos, traduzidos nas liturgias, modos e formas de vivenciar a fé em Jesus de Nazaré. Há uma tendência de se perder de vista a integralidade abrangida pela aliança de Deus para salvação da humanidade. Facilmente, ênfases recaem sobre alguns aspectos da vida, esquecendo-se da unicidade na qual toda criação foi concebida por Deus. Em nosso estudo temos a pretensão de manter um diálogo entre teologia e pastoral cristã, a partir do Primeiro e Segundo Testamentos, a história da Igreja e o tempo em que vivemos. Experiências particulares terão oportunidade de ser refletidas e confrontadas, tanto com a pluralidade teológica e religiosa da atualidade quanto com a pluralidade presente na Sagrada Escritura. Pressupomos a capacidade de olharmos criticamente para nossos próprios conceitos e pré-conceitos teológicos e pastorais. Disso dependerá a produção e o resultado final dessa disciplina. Num primeiro momento, vamos abordar o surgimento do Cristianismo, sua expansão e confronto com distintas realidades. Vamos perceber que não se trata de algo que cai pronto do céu. O Cristianismo vai IV se configurando e reconfigurando em diferentes contextos socioculturais, conforme diferentes tempos históricos. Assim sendo, é fundamental que se consiga diferenciar entre forma cultural e conteúdo e essência de fé. A compreensão clara disso auxilia na expressão e vivência autêntica da teologia e pastoral inerentes à pregação de Jesus de Nazaré. Num segundo momento, vamos enfocar o chamado da parte de Deus para pessoas se disporem a seu serviço. Esse chamamento divino é intrínseco ao Cristianismo, desde os registros do Primeiro Testamento, estendendo-se até o tempo presente. Enfocamos também a importância do encontro que Deus tem com seu povo e o povo com seu Deus. O encontro, na forma de vida comunitária e vivência em comunhão, continua imprescindível, apesar das inovações experimentáveis no tempo contemporâneo. Nesse sentido, enfocamos a importância de uma ordem litúrgica com um caráter ordenador do encontro cúltico entre Deus e as pessoas. No contexto bíblico há formas litúrgicas, que, ao longo da história do Cristianismo, foram sendo atualizadas. E no terceiro momento vamos refletir acerca de desafios e perspectivas do Cristianismo, considerando o tempo presente em que vivemos. As mudanças em curso na história atual da humanidade têm reflexos diretos na forma como o Cristianismo vem sendo praticado. Urge dar respostas teológicas e pastorais correspondentes, de modo a manter a essência evangélica. E é nesse sentido que toda forma de Cristianismo precisa estar aberta à crítica e autocrítica. Esse processo pode trazer novos horizontes para a prática coerente da fé cristã. Desejamos-lhe, amigo e amiga estudante, intenso estudo e profundas reflexões! Prof. Claudir Burmann V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA VI VII UNIDADE 1 – O CRISTIANISMO: ORIGEM, EXPANSÃO E DILEMAS TEOLÓGICO- PASTORAIS .................................................................................................................. 1 TÓPICO 1 – CONCEITOS DE CRISTIANISMO .............................................................................. 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 AS ORIGENS A PARTIR DA HISTÓRIA DO POVO DE DEUS NO PRIMEIRO TESTAMENTO ...................................................................................................................................... 3 2.1 O CHAMADO DE ABRAÃO E SARA: GÊNESIS 12:1-9 ........................................................... 4 2.2 EXPERIÊNCIA DE ESCRAVIDÃO E DE LIBERTAÇÃO: HISTÓRIA DO ÊXODO .............. 5 2.3 UM PERCURSO DE SONHOS E PESADELOS ........................................................................... 6 3 O PERCURSO DE JESUS DE NAZARÉ ........................................................................................... 8 3.1 O LOCAL HISTÓRICO DE JESUS DE NAZARÉ .......................................................................8 3.2 OUTROS “PROFETAS” DAQUELE TEMPO .............................................................................. 9 3.3 JESUS: O TEMPO SE CUMPRE ..................................................................................................... 11 4 O ENVIO DE JESUS: O DESAFIO DE IR A TODOS OS POVOS ............................................. 12 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 14 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 15 TÓPICO 2 – EXPANSÃO DO CRISTIANISMO ............................................................................... 17 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 17 2 MODOS DE VIVER O SEGUIMENTO A JESUS DE NAZARÉ ................................................. 17 2.1 HISTÓRIAS DE PERSEGUIÇÕES: PESSOAS CRISTÃS MORTAS POR CAUSA DE SUA FÉ .............................................................................................................................................. 18 2.2 VIDA EM COMUNHÃO ................................................................................................................ 19 2.3 PROBLEMAS: ANANIAS E SAFIRA ............................................................................................ 20 2.4 QUESTÕES DE CULTURA RELIGIOSA: CIRCUNCISÃO E COMIDAS ............................... 21 3 CONSTANTINO E SUA POLÍTICA: CRISTIANISMO COMO RELIGIÃO OFICIAL ......... 22 4 DIVISÕES NO CRISTIANISMO: CONFISSÕES DE FÉ COMUNS E A PERDA DA UNICIDADE ......................................................................................................................................... 25 5 A EXPANSÃO DO CRISTIANISMO PELO MUNDO: A CHEGADA DO CRISTIANISMO À AMÉRICA........................................................................................................................................... 28 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 31 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 32 TÓPICO 3 – ENFRENTAMENTO DO MUNDO RELIGIOSO COM AS OUTRAS REALIDADES ................................................................................................................... 33 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 33 2 O POVO DE DEUS DO PRIMEIRO TESTAMENTO DIANTE DE OUTROS “DEUSES” ...... 33 2.1 A HISTÓRIA DO BEZERRO DE OURO ....................................................................................... 34 2.2 EXORTAÇÃO CONTRA A IDOLATRIA ..................................................................................... 35 3 O CRISTIANISMO DIANTE DE OUTRAS RELIGIOSIDADES NOS PRIMÓRDIOS ........ 36 3.1 JESUS E OS SAMARITANOS ......................................................................................................... 37 3.2 OS APÓSTOLOS E OS DISTINTOS CONTEXTOS RELIGIOSOS ............................................ 38 suMário VIII 4 O CONFRONTO DO CRISTIANISMO COM FORMAS DIFERENTES DE VIVENCIAR A FÉ EM CRISTO ........................................................................................................................................... 39 5 A MULTIPLICIDADE DE IGREJAS NOS TEMPOS ATUAIS .................................................... 41 6 DIFERENTES MANEIRAS DE RESPONDER E SE INSERIR NO CONTEXTO SÓCIO- HISTÓRICO .......................................................................................................................................... 43 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 45 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 47 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 48 UNIDADE 2 – O CHAMADO, O ENCONTRO, A LITURGIA ...................................................... 49 TÓPICO 1 – O CHAMADO MINISTERIAL – AUTORIDADE ESPIRITUAL ............................ 51 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 51 2 O CHAMADO DE PESSOAS NO CONTEXTO DO PRIMEIRO TESTAMENTO ................. 51 3 O CHAMADO DE PESSOAS NO CONTEXTO DO SEGUNDO TESTAMENTO ................. 54 4 O CHAMADO DE PESSOAS AO LONGO DA HISTÓRIA DA IGREJA ................................ 56 5 O CHAMADO A PESSOAS HOJE .................................................................................................... 58 6 O DESAFIO DE ALIAR DONS, HABILIDADES E CAPACIDADES AO EXERCÍCIO DO MINISTÉRIO ......................................................................................................................................... 60 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 62 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 63 TÓPICO 2 – O POVO DE DEUS E O ENCONTRO – O CULTO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 65 2 A IMPORTÂNCIA DO ENCONTRAR-SE ...................................................................................... 65 3 O ENCONTRO SE DÁ EM ALGUM LUGAR ................................................................................. 67 4 JESUS E O TEMPLO............................................................................................................................. 70 5 REUNIÕES DOMÉSTICAS EM FORMA DE CULTO COMUNITÁRIO ................................. 71 6 O ENCONTRO CÚLTICO DE DEUS COM AS PESSOAS CRISTÃS ....................................... 72 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 75 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 76 TÓPICO 3 – A FORMATAÇÃO DA LITURGIA AO LONGO DA HISTÓRIA .......................... 77 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 77 2 LITURGIA .............................................................................................................................................. 77 3 A “LITURGIA ORIGINAL” ................................................................................................................ 79 4 INCLUSÃO DE NOVAS PARTES NA LITURGIA CRISTÃ ....................................................... 82 5 COMPREENSÕES SOBRE SACRAMENTOS ................................................................................ 83 6 COMO CONCILIAR RITO E DINÂMICA CELEBRATIVA ........................................................ 87 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 88 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 91 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 92 UNIDADE 3 – DESAFIOS, PERSPECTIVAS, PLANEJAMENTO .................................................93 TÓPICO 1 – PERSPECTIVAS TEOLÓGICAS E PASTORAIS À LUZ DA BÍBLIA .................... 95 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 95 2 A REALIDADE QUE DESAFIA ......................................................................................................... 95 3 A PALAVRA DE DEUS QUE ORIENTA .......................................................................................... 98 4 AS PESSOAS CRISTÃS AGEM ......................................................................................................... 100 5 A DIFICULDADE DE AS INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS SEREM CONTEMPORÂNEAS DE SEU TEMPO .................................................................................................................................... 103 IX RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 106 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 107 TÓPICO 2 – A IMPORTÂNCIA DO ACONSELHAMENTO À LUZ DA SAGRADA ESCRITURA....................................................................................................................... 109 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 109 2 PESSOAS SOFREM .............................................................................................................................. 109 3 DOR E SOFRIMENTO E A SOLIDARIEDADE DE JESUS ......................................................... 112 4 A COMUNIDADE ACOLHE .............................................................................................................. 115 5 O CUIDADO COMO TAREFA .......................................................................................................... 118 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 121 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 122 TÓPICO 3 – CLAREZA METODOLÓGICA PARA O PRESENTE – PLANEJAMENTO PARA O FUTURO ............................................................................................................ 123 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 123 2 O TEMPO PRESENTE E SUAS CARACTERÍSTICAS ................................................................. 123 3 CONFRONTOS DE ÉTICA ................................................................................................................ 126 4 AS IGREJAS ENTRE A TRADIÇÃO E A RENOVAÇÃO ............................................................. 128 5 IGREJA PROFÉTICA E DIACONAL ................................................................................................ 131 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 134 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 135 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 136 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 137 X 1 UNIDADE 1 O CRISTIANISMO: ORIGEM, EXPANSÃO E DILEMAS TEOLÓGICO-PASTORAIS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • refletir sobre a origem e o início do Cristianismo, sua expansão e o con- fronto com distintas realidades e contextos; • fazer uma breve aproximação, que nos ajudará a compreender que o Cris- tianismo se trata de uma religião dinâmica, com a capacidade de se adap- tar a diferentes contextos, incorporando, inclusive, elementos novos em sua forma de expressão, sem perder sua essência. Esta Unidade está dividida em três tópicos, sendo que, ao final de cada tópico, há questões para continuar o estudo e a reflexão. Bom proveito! TÓPICO 1 – CONCEITOS DE CRISTIANISMO TÓPICO 2 – EXPANSÃO DO CRISTIANISMO TÓPICO 3 – ENFRENTAMENTO DO MUNDO RELIGIOSO COM OUTRAS REALIDADES 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 CONCEITOS DE CRISTIANISMO 1 INTRODUÇÃO Querido(a) acadêmico(a)! Neste tópico iniciamos a reflexão sobre a origem e o início do Cristianismo, a pregação de Jesus de Nazaré e o envio dos discípulos a todos os povos do mundo para levar adiante seu ensinamento. Pretendemos expressar a compreensão de que a origem do Cristianismo está antes mesmo do nascimento de Jesus de Nazaré. De outra parte, pretendemos expressar que o envio de Jesus para levar sua mensagem a todos os povos do mundo é tarefa que cabe a seus seguidores e seguidoras ainda nos tempos atuais. 2 AS ORIGENS A PARTIR DA HISTÓRIA DO POVO DE DEUS NO PRIMEIRO TESTAMENTO Não há dúvida de que o ano zero é o marco fundamental da história do que é considerado como Ocidente cristão, bem como um marco para a história de toda a humanidade. O nascimento de Jesus, firmado no ano zero, inicia uma nova contagem do tempo, delimitando um antes e um depois. Trata-se de um acontecimento que, de algum modo, teve um impacto profundo em seu tempo e posteriormente, sendo que é praticamente impossível desconsiderá-lo, mesmo quando se trata de pessoas adeptas de outras religiões ou preceitos filosóficos, alheias ou indiferentes ao Cristianismo. Entretanto, correto também é perceber que a origem do que viria a ser uma das grandes religiões da humanidade está localizada muito antes do ano zero. Em grande medida, o Cristianismo é herdeiro do ensino e da doutrina exposta nas Sagradas Escrituras, na parte denominada de Primeiro Testamento (ou Antigo Testamento). Uma das vertentes bíblicas narra o surgimento de um povo, a partir de um chamado divino, que se coloca a caminho na busca de uma nova terra. A busca por essa nova terra é o ideal que faz esse povo caminhar. Apesar de ser alcançada, essa nova terra é alvo de disputas com outros povos. Ou seja, a manutenção dessa e nessa terra prometida é tarefa árdua. Chega um momento em que essa terra é tomada por outros povos e o “povo de Deus” precisa viver como estrangeiro em sua própria terra. Em meio a isso, vai surgindo a esperança por um libertador e salvador que venha fazer justiça, devolvendo ao povo de Deus a sua terra e uma vida com dignidade. O nascimento de Jesus de Nazaré se insere no contexto dessa expectativa messiânica por um salvador e redentor. UNIDADE 1 | O CRISTIANISMO: ORIGEM, EXPANSÃO E DILEMAS TEOLÓGICO-PASTORAIS 4 A seguir, temos destacados alguns textos bíblicos importantes para a compreensão da trajetória da história que culminou na formação do Cristianismo. Lembramos que se trata de destaques, não abrangendo a complexidade toda envolvida no processo de formação do povo de Deus – ou povo de Israel, de acordo com o Primeiro Testamento. É importante que os textos mencionados sejam verificados e lidos a partir da própria Bíblia. 2.1 O CHAMADO DE ABRAÃO E SARA: GÊNESIS 12:1-9 Esse texto bíblico retrata o momento do chamamento divino e vem a ser um texto fundante para a constituição do chamado povo de Deus. Nesse texto temos: a) o chamado para sair da própria terra em busca de uma nova terra; b) a promessa de bênção, no sentido de que os descendentes viriam a formar uma grande nação; c) a atitude de obediência, em que Abraão pega o que possui e se coloca a caminho; d) a adoração a Deus, através da edificação de altares pelos lugares por onde ia passando. Essa história da caminhada de Abraão e Saraé contada ao longo de todo o livro de Gênesis. Surgem descendentes como Rebeca, Isaque, Esaú e Jacó, além de outros. A divindade à qual Abraão e seus descendentes prestam culto apresenta três características principais: a) É um “Deus pessoal”: pelos textos bíblicos, percebe-se uma relação forte entre Deus e a pessoa; ou seja, não há intermediação de sacerdotes ou instituições consagradas; por diversas vezes esse Deus é mencionado como o Deus de Abraão, Isaque e Jacó – o que também mostra ser um Deus de gerações. b) É um “Deus companheiro”: é um Deus que acompanha seu povo; não é o povo que vai até lugares consagrados para cultuar a Deus; é Deus que anda junto com as pessoas ao longo de sua migração; e, onde o povo estaciona, ali Deus também está e pode ser adorado. c) É um “Deus de compromisso”: o próprio Deus se compromete em conceder bênçãos a seu povo, tanto uma descendência numerosa como uma terra de vida com dignidade; a esse “compromisso divino”, o povo, em diversas circunstâncias, apela; e Deus intervém, solucionando dilemas vivenciais. O Cristianismo fundamenta boa parte de sua teologia e ação pastoral na reelaboração de histórias como essa. Historiadores e estudiosos da Bíblia têm localizado essa história de Abraão e Sara por volta do ano 1800 antes de Cristo. TÓPICO 1 | CONCEITOS DE CRISTIANISMO 5 NOTA É necessário termos presente que os textos bíblicos não constituem relatos de fatos históricos tal como somos acostumados a estudar e transmitir. Assim, embora cada texto bíblico possa ser localizável em termos históricos e geográficos, seu objetivo primordial é ser um testemunho de teologia e de pastoral. Testemunham um Deus que acompanha seu povo, revelando-se como um guia que quer conduzi-lo a uma nova realidade – um novo Reino. 2.2 EXPERIÊNCIA DE ESCRAVIDÃO E DE LIBERTAÇÃO: HISTÓRIA DO ÊXODO No livro da Bíblia chamado “Êxodo” temos a narração de outro testemunho em que é evidenciada a forma de ação de Deus na história de seu povo. Trata-se de um grupo de pessoas dependentes, economicamente marginalizadas e que eram submetidas a trabalhos forçados na região do delta do Rio Nilo, no antigo Egito, por volta dos anos 1300 e 1200 antes de Cristo. Esse grupo veio a ser designado de hebreus. Em meio à experiência da escravidão, vai sendo gestada a esperança por libertação. Um novo líder que surge do meio do próprio povo é Moisés, que assume a função de pressionar o rei do Egito para que o povo pudesse ir a outro local e buscar outros meios de sobrevivência. Entretanto, o que ocorre é a intensificação da repressão aos trabalhadores. Mas o povo consegue se organizar e, apesar de perseguidos, conseguem fugir e ficar libertos da escravidão do Egito, sendo que Deus intervém e age decisivamente a favor do povo. Ao longo dos textos bíblicos do Êxodo, aparece um Deus que: a) Vê e ouve os gemidos de seu povo: Deus não está alheio ao que acontece; fica inconformado com a situação de dor e sofrimento; age para transformar aquela realidade. b) Fala com seu povo, orientando-o acerca do que deve fazer: Moisés é o grande interlocutor; e é também o intermediador do povo com Deus; enfim, Deus fala e ordena e Moisés é o líder aglutinador que conduz o povo. c) É comprometido com a liberdade e a libertação: Deus tem uma aliança com esse seu povo e quer conduzi-lo a uma terra boa e rica, em que possa cultivá-la e dela tirar seu sustento. UNIDADE 1 | O CRISTIANISMO: ORIGEM, EXPANSÃO E DILEMAS TEOLÓGICO-PASTORAIS 6 Esse testemunho de escravidão e libertação é outro elemento presente no conceito que o Cristianismo elabora. Jesus Cristo, em alguns textos no Segundo Testamento, inclusive vem a ser mencionado como o novo Moisés, apesar de ser reconhecido e afirmado muito além dessa compreensão. Na produção teológica posterior, Jesus é concebido como um novo libertador, ou redentor, da escravidão do pecado em que a humanidade padecia. Em sua ação pastoral, é compreendido como libertador também de agruras (escravidões) tangíveis pelas quais as pessoas passam, sejam doenças, fome, legalismo e outras. 2.3 UM PERCURSO DE SONHOS E PESADELOS No livro de Josué é contada a história da conquista, chegada e divisão da nova Terra Prometida. Cada uma das 12 tribos recebe sua parte e organiza sua sobrevivência (Josué 14:1-5). Aliás, apenas a tribo de Levi – dos levitas – não recebeu uma parcela própria de terra: aos levitas caberia o serviço sagrado no templo e deveriam ser sustentados pelas demais tribos. Isso indica que a fé do povo se institucionalizara e havia um certo grupo destacado para cuidar dessa parte. No decorrer do tempo, também as outras tribos foram se institucionalizando em sua forma de organização. Além de nação, vieram a constituir um Estado com a instituição de um rei, soldados e todo aparato relacionado. A intenção era proteger o povo contra o ataque de povos circundantes. No livro 1Samuel 8, há um apelo para que o povo desistisse da intenção de instituir um rei. Se, por um lado, a promessa era de proteção, de outro isso significaria que o povo precisaria trabalhar muito mais para sustentar a corja governamental, ocupada com atividades não diretamente produtivas. Contudo, o apelo foi em vão e a monarquia foi instituída por volta do ano 1.000 antes de Cristo. Muitas guerras com outros povos passam a ser travadas. Surgem profetas, denunciando o caminho errôneo pelo qual os reis conduzem o povo. Num primeiro momento, há profetas que criticam o rei, preservando a monarquia. Dentre eles, estão: Natã, Micaías, Eliseu, Elias. Num segundo momento, os profetas passam a criticar o rei, o estado e o templo e passam a pregar pelo fim da monarquia. Dentre esses profetas estão: Amós, Oseias, Miqueias e Isaías. Quer dizer, os profetas perceberam que o caminho pelo qual o povo de Deus ia sendo conduzido não era bom e passaram a pregar mudança de rumo. Entretanto, o apelo dos profetas não foi atendido. E, por volta do ano 597 antes de Cristo, as terras do povo de Deus são conquistadas pelos babilônios. O povo, junto com suas elites, é levado cativo para a Babilônia, passando a viver novamente em situação de escravidão. Também no exílio surgem profetas que buscam denunciar maus tratos, animando o povo a manter aceso o sonho por libertação numa nova realidade. Alguns desses profetas são: Jeremias, Ezequiel e os textos de Isaías a partir do capítulo 40. TÓPICO 1 | CONCEITOS DE CRISTIANISMO 7 Por volta do ano 539 antes de Cristo, as terras da Babilônia são conquistadas pela Pérsia. Dentre as políticas do governo da Pérsia, foi o retorno do “povo de Deus” a suas terras na região da Palestina, embora sob o domínio persa, que impõe suas normas e leis. Em meio a um contexto de um império multirracial, de certa maneira, o “povo de Deus” vai se fechando enquanto comunidade étnica, podendo, entretanto, manter organizada sua religiosidade em torno do templo na cidade de Jerusalém. Na ausência de um rei próprio, entra em cena cada vez mais a figura do “sumo sacerdote” como autoridade e detentor de poder, articulando a preservação de costumes e ritos religiosos diante de povos pagãos. O domínio persa predomina até em torno do ano 333 antes de Cristo, quando os gregos conquistam a região. O predomínio grego vai até o ano 164 antes de Cristo, quando passa a existir um certo período de independência na região da Palestina, como resultado de uma revolta conduzida por um grupo denominado de “macabeus”. Contudo, no ano 63 antes de Cristo, os romanos conquistam essa região. É sob o domínio romano que ocorrem as histórias narradas nos evangelhos, bem como o nascimento de comunidades cristãs, conforme relatos em Atos dos Apóstolos e nas epístolas. Desde o período de dominação persa sobre a Palestina, constata-se um certo silêncio de profecias. Desenvolve-se uma literatura bíblica, cuja preocupação primeira não é retratar fatos históricos de então, mas enfatizar experiências significativas que permanecem como memória. Dentro dessaliteratura estão incluídos livros bíblicos como Cantares, Jó, Salmos, Ester, Rute, além de outros. Diferentes correntes e tendências religiosas também vão se constituindo no seio do próprio “povo de Deus” e que, em alguns momentos, são conflitivos entre si próprios. Ao longo de todo esse tempo histórico vai crescendo o anseio por um “messias”, enviado por Deus e libertador do povo. Jesus não é o único a ser considerado como tal em sua época. NOTA Veja bem! Embora de um modo extremamente sucinto, a história do povo de Deus descrita acima influi de maneira profunda o modo de ser das comunidades cristãs e de todo Cristianismo. A teologia e pastoral cristãs trazem consigo a experiência histórica do Primeiro Testamento, em que o povo de Deus viveu um tempo de busca por libertação e outro tempo de subjugação. O confronto com diferentes culturas, abertura e fechamento diante delas, é parte da história cristã, desde a história de Abraão e Sara. UNIDADE 1 | O CRISTIANISMO: ORIGEM, EXPANSÃO E DILEMAS TEOLÓGICO-PASTORAIS 8 3 O PERCURSO DE JESUS DE NAZARÉ 3.1 O LOCAL HISTÓRICO DE JESUS DE NAZARÉ Dentre os estudiosos do mundo bíblico do Segundo Testamento (ou Novo Testamento) é comum ocorrer uma diferenciação entre o “Jesus histórico” e o “Jesus da fé”. Ou entre Jesus e Cristo. Jesus é a pessoa antes de sua morte, o Jesus histórico, e Cristo seria o Jesus ressuscitado, o Jesus da fé. Diante do avanço da ciência nos últimos séculos, têm surgido questionamentos a partir de descobertas geológicas e documentos antigos que, por vezes, trazem polêmicas em relação às construções de fé elaboradas ao longo dos tempos. Entretanto, isso não pode ser encarado de maneira negativa. Pelo contrário, isso deve ser algo auxiliar na afirmação da fé cristã. Assim também as diferenciações entre o Jesus da fé e o Jesus da história não podem ser tidas como estanques, mas como compreensões complementares que ajudam a entender melhor o lado extraordinário envolvido nessa história e que marca de modo inegável toda humanidade. A região em que o Cristianismo efetivamente nasce é a chamada terra de Israel ou Palestina. É ali que o povo de Deus havia se estabelecido, sendo que essa região era alvo de variadas disputas, sendo ora dominada por uma, ora por outra potência da época, conforme já mencionado anteriormente. A Palestina era subdividida em regiões menores, sendo as mais destacadas a Galileia, situada ao norte, e a Judeia, situada ao sul. Na Galileia, Cafarnaum era uma cidade importante e, na Judeia, Jerusalém. Em si, a Palestina toda não era de um tamanho muito grande: eram aproximadamente 250 quilômetros de norte a sul e até 80 quilômetros na região mais larga de leste a oeste. Estima-se que nessa região, à época, viveriam cerca de um milhão de pessoas em aldeias, vilarejos e pequenas cidades. Desde o ano 37 ao ano 4 antes de Cristo, Herodes, o Grande, governava a Palestina, estando submisso ao Império Romano. Subjacente a seu governo audacioso e construtor de grandes obras, estava um grande descontentamento popular, com ensaios de revoltas e rebeliões, sendo sempre reprimidas militarmente. Quando Herodes faleceu, o imperador romano César Augusto subdividiu a Palestina, na qual três filhos de Herodes passaram a ser governadores: Herodes Arquelau, Herodes Antipas e Herodes Filipe. Herodes Antipas foi o governador da Galileia durante todo o tempo de vida e de ministério de Jesus na região. Em toda a Palestina predominava a agricultura. Havia o cultivo de trigo, cevada, uvas, azeitonas e oliveiras. Criava-se gado, cabras e ovelhas. A pesca também era uma atividade importante, especialmente no lago Genesaré. Além disso, havia atividades artesanais que ocupavam outra parcela importante da população. TÓPICO 1 | CONCEITOS DE CRISTIANISMO 9 Em termos religiosos, a centralidade estava colocada no templo da cidade de Jerusalém. Ali era o local principal de ensino, oração e oferta de sacrifícios. Em cidades e povoados menores havia as sinagogas, que funcionavam como locais de reuniões e leitura das Sagradas Escrituras. Importância também tinham as famílias, cuja tarefa era introduzir os filhos na religião judaica, através do ensino do Pentateuco. No tempo de Jesus havia grupos religiosos que se fundiam com características políticas. Os grupos mais evidentes eram os fariseus, os saduceus, os zelotes e os essênios. Os fariseus tinham uma preocupação exacerbada com o cumprimento das Leis; compreendiam que era disso que dependia a pureza religiosa. Já os saduceus constituíam-se da nobreza do povo (dentre leigos e sacerdotes), estando alinhados ao poder romano e, doutrinariamente, negavam a existência de ressurreição. Os zelotes praticavam uma religiosidade militante. Tinham esperança de que Deus traria um Messias para transformar a realidade, mas compreendiam que precisavam ajudar para que isso ocorresse – era um grupo religioso-rebelde contra o poder romano. E os essênios se compreendiam como o verdadeiro povo de Deus e, como tal, viviam em comunidades afastadas das pessoas impuras e não justas. Dentre diferentes linhas de pesquisa e investigação, Jesus já veio a ser considerado como integrante de cada um desses distintos grupos. Haveria textos dos evangelhos e apócrifos que confluiriam nessa direção. Considerando esses diferentes grupos, também parece não ser muito difícil identificarmos semelhanças com tendências contemporâneas no Cristianismo. NOTA Para pensar: é na região da Galileia que Jesus vive a maior parte do tempo de sua vida. Isso já levantou a questão de que seu nascimento possivelmente teria sido no pequeno povoado de Nazaré – daí a designação “Jesus de Nazaré”. Seu nascimento na cidade de Belém seria uma construção teológica posterior a fim de colocá-lo dentro do que o profetismo do Primeiro Testamento apregoava. Você vê plausibilidade nisso? 3.2 OUTROS “PROFETAS” DAQUELE TEMPO Jesus não é o único pregador de seu tempo com uma mensagem envolvente e dissonante dos padrões vigentes. Houve outros pregadores itinerantes como também Jesus o foi. Esses pregadores assumiram, inclusive, diferentes formas de manifestação, sendo alguns mais pacíficos e outros extremamente radicais. UNIDADE 1 | O CRISTIANISMO: ORIGEM, EXPANSÃO E DILEMAS TEOLÓGICO-PASTORAIS 10 A questão do aparecimento de variadas manifestações naquela época tem a ver com a situação social em que a população vivia. Ou seja, havia uma exploração extremada imposta à população, principalmente através da cobrança de impostos que vinham sustentando as grandes obras conduzidas por Herodes, o Grande. De certa maneira, quanto maior era a repressão, tanto mais iam sendo fomentadas resistências entre as camadas populares, seja de rebeldia política como de esperança messiânico-religiosa. De forma geral, pode-se falar da existência de movimentos populares que se formavam naquele contexto histórico anterior e contemporâneo a Jesus. Nesses movimentos é possível encontrar diferenciações, entre movimentos de banditismo, de profetismo e de messianismo. Todos, entretanto, eram formas de protesto e resistência popular diante da postura de líderes religiosos, como sumo sacerdotes, e de governantes políticos. Interessante é perceber que o próprio Jesus foi preso e crucificado entre dois “bandidos”. Isso indicaria que Jesus teria sido considerado também dessa maneira? De um lado, isso pode parecer escandaloso a certa ótica de fé. Mas há palavras de Jesus cuja interpretação permitem elaborar conclusões de um Jesus extremamente rebelde – evidentemente, jamais atentando contra a vida de alguém. Ressalte-se que a ação de “bandidos sociais” era muito diferente da ação de salteadores. Estudiosos apontam que o banditismo social da época emergiu da percepção de injustiças e intolerâncias sustentadas pelo Estado e Império Romano. Constituía-se numa ação de considerável apoio popular. Contra leis injustas e intolerantes, Jesus levantou sua voz e mobilizou pessoas em diversas ocasiões.Em Marcos 2:23-28, podemos ver que Jesus incentiva a colherem trigo em dia de sábado, mesmo sendo de propriedade alheia. A ênfase está na importância de a Lei estar a serviço do ser humano. Contudo, poder-se-ia bem compreender aquelas palavras como um incentivo ao saque de plantações, dada a necessidade e carência de parte da população. De outra parte, ao longo dos evangelhos é fácil encontrarmos a citação de Jesus como um novo profeta, em cuja função há denúncias dos descaminhos e anúncio de um novo rumo a ser seguido. Na memória popular da época estava preservado o significado que Moisés teve para a história do povo de Deus, como também a importância de profetas como Elias, Eliseu e outros. Jesus chega a ser mencionado como um profeta assim. Ou seja, estava latente nos níveis populares a esperança por alguém que assumisse uma voz mobilizadora, denunciante e com vistas a transformações profundas na realidade vivencial. João Batista tem uma importância fundamental nesse sentido como predecessor de Jesus. Sua pregação costuma ser compreendida como se após ele viria um profeta de cunho messiânico e escatológico. Sem dúvida, presente ao descontentamento e anseio popular também pululavam esperanças e expectativas messiânicas. Havia a esperança messiânica por um novo rei ungido, conforme prenúncios em livros proféticos do Primeiro Testamento. O imaginário popular girava em torno de uma figura humilde, TÓPICO 1 | CONCEITOS DE CRISTIANISMO 11 carismática, mas com capacidade de se insurgir contra a dominação política e econômica a que estavam submetidos. Em alguns momentos Jesus de Nazaré foi interpretado dessa maneira. Algumas literaturas registram que, entre o ano 50 antes de Cristo até o ano 70 depois de Cristo, diversas personalidades catalisaram expectativas e esperanças na região da Palestina. São mencionados: a) na categoria do banditismo social: Ezequias, Eleazar bem Dinai, Tolomau, Jesus – filho de Safias, João de Gíscala; b) na categoria do messianismo: Judas – filho de Ezequias, um certo Simão, Atronges, Manaém – filho de Judas Galileu, Simão bar Giora; c) e na categoria do profetismo: João Batista, um Profeta Samaritano, Teúdas, o Profeta Egípcio e Jesus – filho de Ananias. Enfim, podemos perceber que Jesus de Nazaré não foi a única voz mobilizadora naquele tempo. Contudo, algo fez com que sua memória, sua mensagem, sua intencionalidade perpassasse e marcasse a história da humanidade para sempre. Todas essas questões são importantes para percebermos a compreensão de condicionamentos a conceitos que o Cristianismo vai gestando. 3.3 JESUS: O TEMPO SE CUMPRE Não há dúvida da clareza nos textos bíblicos que constroem a vinda de Jesus como a emergência de um novo tempo em que as promessas bíblicas desde o Primeiro Testamento se cumprem. O Cristianismo, ao longo dos séculos, tem se firmado nisso. Por vezes, na afirmação disso, inclusive, houve exageros no sentido de se colocar num grau de superioridade outras religiões, massacrando povos seguidores de outras religiosidades. Tais atitudes, em si, são negadoras do próprio espírito evangélico constante na pregação de Jesus de Nazaré. Ao olharmos para o Evangelho de Mateus, encontramos logo no primeiro capítulo a elaboração de uma genealogia. Jesus é colocado na descendência davídica e abraâmica. Ou seja, é a continuidade dos desígnios de Deus de abençoar infinitamente seu povo desde os tempos mais remotos. Em Jesus está a manifestação do Deus de Abraão, Isaque e Jacó, além do Deus que tem acompanhado seu povo na Babilônia e em todos os demais momentos. Em Miqueias 5:2, encontramos a promessa de Deus enviar um novo rei a seu povo: O Senhor Deus diz: ‘Belém-Efrata, você é uma das menores cidades de Judá, mas do seu meio farei sair aquele que será o rei de Israel. Ele será descendente de uma família que começou em tempos antigos, num passado muito distante’. Também o profeta Zacarias (9-10) fala sobre o futuro rei: Alegre-se muito, povo de Sião! Moradores de Jerusalém, cantem de alegria, pois o seu rei está chegando. Ele vem triunfante e vitorioso; mas é humilde e está montado num jumento, num jumentinho, filho de jumenta. Ele acabará com os carros de guerra de Israel e com a cavalaria de Jerusalém; os arcos e as flechas serão destruídos. Ele fará com que as nações vivam em paz; o seu reino irá de um mar a outro, desde o rio Eufrates até os confins da terra. UNIDADE 1 | O CRISTIANISMO: ORIGEM, EXPANSÃO E DILEMAS TEOLÓGICO-PASTORAIS 12 Jesus vem a ser esse rei prenunciado, sendo que seu local de nascimento em Belém sinalizaria também o cumprimento da promessa de Deus. A teologia que vem a ser produzida a partir da novidade que é Jesus de Nazaré coloca-o na dimensão de um novo tempo. É o tempo diferente do “kronos” (cronológico – tempo que simplesmente passa). Jesus é o tempo “kairós” (tempo escatológico, de cumprimento das boas notícias da parte de Deus). Veja-se em Marcos 1:15 Jesus dizendo: “Chegou a hora, e o Reino de Deus está perto”! Ele acaba assumindo esse formato de enviado de Deus para uma missão dada pelo próprio Deus. Em Lucas 4:18-19, na leitura a partir do livro do profeta Isaías, na sinagoga do vilarejo de Nazaré, Jesus assume sua função de Messias. Ele lê e assume para si as palavras: “O Senhor me deu o seu Espírito. Ele me escolheu para levar boas notícias aos pobres e me enviou para anunciar a liberdade aos presos, dar vista aos cegos, libertar os que estão sendo oprimidos e anunciar que chegou o tempo em que Deus salvará o seu povo”. É importante nos darmos conta de que, em princípio, Jesus veio para ser o Messias dentro da compreensão e espera da religião judaica. Quase toda sua pregação e ensino têm esse panorama em vista. Possivelmente, Jesus não se imaginava o iniciador de uma nova religião, mas apenas um reorientador dos preceitos vigorantes, por mais que seus questionamentos fossem profundos. 4 O ENVIO DE JESUS: O DESAFIO DE IR A TODOS OS POVOS Sem escândalo, podemos dizer que Jesus não era cristão. Jesus foi judeu, de nascimento e de religião. O Cristianismo veio a se formular posteriormente. Evidentemente, como temos demonstrado, há uma longa história precedente, a partir da qual a pregação ou o chamado movimento de Jesus vai se instituindo e institucionalizando. As histórias e acontecimentos do Primeiro Testamento não são negadas e nem rejeitadas. São incorporadas e teologicamente ativadas na nova forma religiosa que se elabora. Quanto à autocompreensão, o texto de Mateus 15:21-28, em que Jesus é defrontado com uma mulher cananeia, é emblemático. Diante de uma mulher que não é do povo judeu que implora por socorro, Jesus é incisivo: “Eu fui mandado somente para as ovelhas perdidas do povo de Israel” (v. 24). Fica claro o modo como compreendia sua missão. Ou seja, dentro dos parâmetros do judaísmo, embora de um modo rebelde em relação a preceitos religiosos como políticos. Entretanto, esse mesmo texto bíblico revela uma certa conversão de Jesus para TÓPICO 1 | CONCEITOS DE CRISTIANISMO 13 estender a sua missão para além das fronteiras do povo de Israel. Por meio da mulher cananeia, Jesus é levado a compreender que também, além do círculo do povo de Israel, havia pessoas com fé e merecedoras de suas ações de misericórdia. De outra parte, há dois textos canonizados que colocam palavras na boca de Jesus, expressando o desejo de que seu ensinamento fosse propagado universalmente. Um desses textos encontramos em Marcos 16:15, onde Jesus diz: “Vão pelo mundo inteiro e anunciem o Evangelho a todas as pessoas”. No versículo 20 é relatado que “os discípulos foram anunciar o Evangelho por toda parte”. Outro texto encontramos em Mateus 28:19-20, em que é dito: “Portanto, vão a todos os povos do mundo e façam com que sejam meus seguidores, batizando esses seguidores em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-os a obedecer a tudo o que tenho ordenado a vocês”. Esses textos, de modo especial, retratamo desejo da universalização da pregação e ensino de Jesus de Nazaré. Dessa maneira, acaba ocorrendo a legitimação da expansão da mensagem cristã a outros povos e culturas. Acabam surgindo homens e mulheres, judeus ou não judeus, que, inclusive, enfrentam perseguições e martírios, mas não se negam em afirmar seu seguimento a esse Jesus. Quer dizer, não restam dúvidas do impacto deixado por sua pregação, por mais que seja objeto de uma multiplicidade de estudos e interpretações. A instituição eclesial que veio a se constituir nem sempre esteve corretamente alinhada com o ensino evangélico. Contudo, compreende-se como fruto e testemunho da ação extraordinária de Deus por meio desse Jesus de Nazaré. Somente por meio dele o Cristianismo se constituiu. UNI Para refletir: “Jesus pregou a chegada do Reino de Deus. Mas o que surgiu foi a Igreja”. O que você acha dessa expressão? Comente entre colegas. 14 Nesse tópico destacamos que: • O Cristianismo tem sua origem a partir de experiências significativas expressas em testemunhos do Primeiro Testamento. • A “religião” do povo de Deus não era institucionalizada, no princípio; isso vai mudando ao longo da história. • Em Jesus de Nazaré foi atribuído o cumprimento das promessas de Deus, através de profetas; contudo, em seu tempo não houve esse reconhecimento. • Jesus pertencia à religião judaica e era um profundo conhecedor da mesma; com isso, suas críticas são fundamentadas e as inovações propostas foram para trazer transformações. • A partir do envio de Jesus, seus ensinamentos se espalharam para muitos recantos do mundo. RESUMO DO TÓPICO 1 15 1 A partir do texto em estudo, destaque e descreva características e qualidades do Deus do povo de Israel, relacionando textos bíblicos correspondentes. A partir de seu próprio conhecimento, acrescente outras características e qualidades. 2 No seguinte endereço <http://www.correiocidadania.com.br/content/ view/3677/9/>, leia o texto e desenvolva sua opinião acerca da questão se o Cristianismo é uma religião ou não. AUTOATIVIDADE 16 17 TÓPICO 2 EXPANSÃO DO CRISTIANISMO UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO 2 MODOS DE VIVER O SEGUIMENTO A JESUS DE NAZARÉ Caro(a) acadêmico(a)! No tópico anterior fizemos uma longa viagem acerca de teologia e pastoral, desde o tempo do Primeiro Testamento até o advento e atuação de Jesus de Nazaré. A partir do envio de seus seguidores a “todas as nações do mundo”, inicia uma nova história de teologia e pastoral, agora cristãs. Na sequência, vamos refletir acerca de percursos da teologia e pastoral cristãs. São trajetórias ora distintas, ora semelhantes a aspectos contemporâneos e que servem de orientação para a afirmação da religiosidade cristã. Uma constatação fundamental e básica é que a história, a geografia e as sociedades mudam, mas a ação de Deus permanece, agindo essencialmente da mesma maneira, embora de modos distintos em diferentes contextos. A partir do envio registrado no Segundo Testamento fica evidenciado o caráter universalista do Cristianismo. Não permaneceria restrito a uma só nação ou povo, seja por etnia, história ou localização geográfica. Limites ou fronteiras deixam de existir na propagação dos ensinamentos cristãos. Pode-se dizer que o ponto de partida é a Palestina e o ponto de chegada são os confins do mundo. Sob o ponto de vista cristão, pode-se afirmar que o mandato delegado por Cristo foi cumprido. Entretanto, é fundamental se dar conta de que a mensagem cristã precisou assumir diferentes roupagens nos mais distintos contextos em que veio a se propagar. É importante perceber que na teologia e pastoral cristã vão ocorrendo aculturações e inculturações. Diferentes formas e modos de vivenciar a mensagem original vão surgindo e sendo elaboradas. Isso quer dizer que a Igreja em formação, desde sua origem, vai se expressar de maneira plural e nem sempre de modo homogêneo. Os textos do Segundo Testamento são o testemunho disso. Para compreendê-los bem, sempre é necessário ter um conhecimento básico do tempo e contexto originários. Além de tempo e contexto históricos, é necessário atentar à questão das pessoas reagirem de maneiras diferentes, mesmo estando sob a cobertura de uma mesma cultura. Também isso constitui pluralidade em relação ao modo em que a UNIDADE 1 | O CRISTIANISMO: ORIGEM, EXPANSÃO E DILEMAS TEOLÓGICO-PASTORAIS 18 teologia e pastoral cristã virão a se manifestar. Isso é fácil para compreendermos, se lermos e estudarmos atentamente, por exemplo, o livro de Atos dos Apóstolos. Encontramos diferenças evidentes entre apóstolos como Pedro, Paulo, Barnabé, Filipe, além de outros. Há diferenças claras na vivência do ensino cristão entre Estevão, Ananias e Safira. Enfim, a percepção da pluralidade da vivência cristã original quer nos ajudar a compreendermos a pluralidade cristã contemporânea e afastar pretensões equivocadas de alguém se autoafirmar como único detentor da verdadeira intencionalidade oriunda de Jesus de Nazaré. 2.1 HISTÓRIAS DE PERSEGUIÇÕES: PESSOAS CRISTÃS MORTAS POR CAUSA DE SUA FÉ No princípio, o Cristianismo era compreendido como apenas mais um grupo ou movimento dentro da religião judaica. Contudo, não demorou muito, foram se constituindo diferenças a partir das quais foi se erigindo uma clara separação. Ocorre que as pessoas seguidoras do ensinamento de Jesus de Nazaré, após sua morte, começaram a chamá-lo de “Cristo” ou “Senhor”. Como tal, ele não fora reconhecido pelo judaísmo e nem pelo Império Romano, cujo domínio existia nas terras da Palestina. Acabou ocorrendo, inclusive, a culpabilização do judaísmo pela morte de Jesus, o Cristo. Desde logo vem a ser impressionante o modo extraordinário de expansão do Cristianismo, através do modo missionário de ser das pessoas seguidoras. O Cristianismo não se atém apenas à Palestina. Em pouco tempo, sua expansão alcança a Síria (Antioquia), Chipre, Ásia Menor (Éfeso), Grécia, Egito (Alexandria) e chega à capital do Império, Roma. No segundo século, a expansão continua, alcançando regiões orientais. Embora nos Evangelhos seja possível perceber a ação de Jesus de Nazaré junto a pessoas de algum modo marginalizadas (doentes, cobradores de impostos, prostitutas e outras), o Cristianismo vem a abarcar pessoas de qualquer nível e situação social. Dentre seguidores nas comunidades primitivas há menção a pessoas pobres e ricas, trabalhadores e proprietários, homens, mulheres e crianças, judeus e gregos, sábios e cultos ou não e assim por diante. Isso fortalece a tese da pluralidade como elemento constituinte do Cristianismo original. Nesse sentido, também se verificam graus diferenciados de comprometimento das pessoas seguidoras, dependendo de seu contexto vivencial. No livro de Atos dos Apóstolos há diversos registros que, enquanto testemunho de fé, expressam perseguições impostas às pessoas cristãs. TÓPICO 2 | EXPANSÃO DO CRISTIANISMO 19 Vejamos: a) Atos 5:17-18: Então o Grande Sacerdote e todos os seus companheiros, que eram do partido dos saduceus, ficaram com inveja dos apóstolos e resolveram fazer alguma coisa. Prenderam os apóstolos e os puseram na cadeia. b) Atos 8:1: Naquele mesmo dia a igreja de Jerusalém começou a sofrer uma grande perseguição. E todos os cristãos, menos os apóstolos, foram espalhados pelas regiões da Judeia e da Samaria. c) Atos 11:19: Os seguidores de Jesus foram espalhados pela perseguição que havia começado com a morte de Estêvão. d) Atos 12:1-2: Por essa época o rei Herodes começou a perseguir algumas pessoas da igreja. Ele mandou matar Tiago, o irmão de João. e) Atos 21:33: Aí o comandante chegou perto de Paulo, prendeu-o e mandou amarrá-lo com duas correntes. Inúmeros outros textos poderiam ser ainda mencionados. Um ainda destacamos. É o que fala da perseguição e do martírio de um homem chamado Estêvão. Sua história é contada em Atos 7. Com coragem, afirma sua fé no Deus do Primeiro Testamento e em Jesus, o Cristo. Por seu testemunho fiel e abnegado,entrega-se ao martírio, sendo morto através de um apedrejamento. Ao longo da segunda metade do século I há registros históricos de perseguição às pessoas cristãs também por razões políticas. Durante o governo de Nero houve um grande incêndio na cidade de Roma, no ano 64, e, mesmo sem provas, pessoas cristãs foram acusadas e mortas – diz-se que uns foram crucificados, outros transformados em tochas vivas e outros jogados a animais e feras. Sob outro governante, Domiciano, era exigida da população sua cultuação, como imperador. Como as pessoas cristãs se negassem a chamá-lo de “Senhor e Deus”, foram perseguidas e muitas mortas. Assim, sob diferentes governantes, havia mais ou menos perseguição, dependendo de suas intencionalidades políticas. Nem sempre as pessoas cristãs resistiram e perseveraram. Houve quem veio a oferecer sacrifícios a governantes ou outros deuses, agindo dessa maneira para, talvez, salvar sua vida. Tudo isso é parte de nossa história, teologia e pastoral em que estamos formatados. 2.2 VIDA EM COMUNHÃO No livro de Atos dos Apóstolos está o testemunho de como as pessoas eram incluídas no Cristianismo e como viviam sua religiosidade em termos práticos. Quanto à inclusão de novas pessoas, isso se dava por meio do batismo. Conforme Atos 2:14-42, precedia ao batismo a explicação das Escrituras e o chamado ao arrependimento. A compreensão e a aceitação dessa pregação, juntamente com o batismo, eram os passos para a inclusão de novas pessoas seguidoras da comunhão cristã. UNIDADE 1 | O CRISTIANISMO: ORIGEM, EXPANSÃO E DILEMAS TEOLÓGICO-PASTORAIS 20 De um lado, isso significaria que apenas pessoas adultas teriam sido batizadas, uma vez que o pressuposto seria a compreensão da pregação e o arrependimento consciente de seus pecados. De outro lado, entretanto, em Atos 16:15 e Atos 16:31-33, há testemunhos de que a “casa toda” foi batizada, o que deixa implícito que possivelmente filhos menores e crianças teriam sido batizados. Especialmente, em textos do apóstolo Paulo, é elaborada uma teologia da graça em contraste à teologia do merecimento. Nessa compreensão, o batismo é dádiva oferecida por Deus, que independe da vontade, desejo ou expressão humanos. Desse modo, é justificado o batismo de crianças, incluindo-as também no círculo comunitário-cristão. De acordo com dois textos em Atos dos Apóstolos (3:43-47 e 4:32-37), o seguimento ao ensino de Jesus se traduzia em mudanças visíveis na forma das pessoas viverem e se inter-relacionarem. Vive-se uma comunhão intensa e profunda enquanto comunidade de fé: “estavam juntos e unidos e repartiam uns com os outros o que tinham... e dividiam de acordo com a necessidade de cada um”. Isso mostra uma forma de vida em que o mais importante deixa de ser a própria pessoa ou o círculo familiar restrito. A importância é colocada no grupo de comunhão de fé, em que transparece a erradicação de pessoas necessitadas por meio de uma partilha igualitária. Sabe-se que, quando essa forma de vivência de comunhão cristã foi praticada, havia uma crença muito forte na segunda vinda de Jesus. Quer dizer, essa forma de viver a fé era um modo de preparação para o fim dos tempos. Não havia grande preocupação com necessidades futuras, uma vez que tudo findaria. Esse modo de vida é chamado, por alguns estudiosos, de “socialismo do cristianismo primitivo”. É difícil precisar a abrangência que tal modo de vida teve, seja em temos de número de pessoas que a ele se integraram, sejam os locais em que essas comunhões existiram, seja até quando perduraram. O que é certo é que não duraram por um longo período. Dentre falhas mencionadas para sua derrocada estaria a questão da socialização apenas dos frutos do trabalho ou da venda das propriedades, e não o modo de produção da sobrevivência. Como a expectativa era por um fim próximo, possivelmente essa preocupação estava fora de perspectiva. 2.3 PROBLEMAS: ANANIAS E SAFIRA Se há registros de um novo modo de vida, em que tudo era fraternalmente repartido, há também registros de pessoas que buscavam burlar essa prática de vida. Quer dizer, há registro de bonitos testemunhos de seguimento e de fé, mas há igualmente a menção de testemunhos de pessoas que queriam assumir o compromisso e a consequência de fé “pela metade” – não integralmente. O exemplo mais evidente desse fato está contido na história de Ananias e Safira, conforme Atos 5:1-11. O que nos é contado é que esse casal, integrante da comunhão cristã, vendeu uma propriedade, mas não entregou todo o resultado TÓPICO 2 | EXPANSÃO DO CRISTIANISMO 21 da venda para a partilha comunitária. Repassaram apenas uma parte, ficando com o restante. Achavam que ninguém saberia de sua falta de sinceridade. Entretanto, são descobertos. Sua atitude é caracterizada como mentira para Deus e para o Espírito Santo, sendo que também representava falta de confiança na integralidade da providência divina. O resultado dessa atitude é trágico. Por sua atitude, Ananias e Safira são contemplados com a morte. Essa história de extraordinária tragicidade mostra que o compromisso de seguimento cristão era sério e não admitia comprometimento pela metade. Precisava expressar uma mudança de atitude, em que as preocupações pessoais ou familiares cediam lugar para o comprometimento com a comunhão comunitária. Há uma radicalidade fundamental necessária. Entretanto, essa história também evidencia que desde os primórdios houve pessoas que queriam ser cristãs, mas não queriam assumir a carga do comprometimento. Queriam o bônus, mas não o ônus do ser cristão. É algo que, ao longo da história cristã, se revela como algo que corrói a originalidade da pregação e de todo evento ocorrido a partir de Jesus de Nazaré. 2.4 QUESTÕES DE CULTURA RELIGIOSA: CIRCUNCISÃO E COMIDAS Desde os primórdios cristãos, no espírito universalista que a pregação cristã assumiu, expandindo-se por distintas regiões geográficas e culturais, houve confrontos com costumes e tradições que impunham questionamentos a seus modos de expressão. O que num contexto estava dentro da absoluta normalidade, em outro contexto revestia-se de escândalo. O próprio Jesus de Nazaré havia sido confrontado com situações assim. Especialmente em relação a comidas que, para alguns, estavam dentro do condizente e, para outros, era abominação. Em Marcos 7:15, Jesus diz: “Tudo o que vem de fora e entra numa pessoa não faz com que ela fique impura, mas o que sai de dentro, isto é, do coração da pessoa, é que faz com que ela fique impura”. Jesus fala isso a respeito de alimentos. O apóstolo Paulo foi frequentemente confrontado em relação a tipos de alimentos utilizáveis. Além da questão de alimentos, várias outras temáticas estão em sua abordagem: casamento, autoridades, julgamentos entre pessoas, nova vida em Cristo e assim por diante. Em relação a alimentos, encontramos palavras orientadoras em Romanos 15:17: “Pois o Reino de Deus não é uma questão de comida ou de bebida, mas de viver corretamente, em paz e com a alegria que o Espírito Santo dá”. Nos versículos 19 a 21, sua orientação continua: “Por isso procuremos sempre as coisas que trazem a paz e que nos ajudam a fortalecer uns aos outros na fé. Por uma questão de comida, não destrua o que Deus fez. Todos os alimentos podem ser comidos, mas é errado comer alguma coisa quando isso faz com que outra pessoa caia em pecado. O que está certo é não comer carne, não beber vinho, nem fazer qualquer outra coisa que leve um irmão a cair em pecado”. UNIDADE 1 | O CRISTIANISMO: ORIGEM, EXPANSÃO E DILEMAS TEOLÓGICO-PASTORAIS 22 Diante da expansão do Cristianismo, outro questionamento presente é em relação à necessidade da circuncisão. Isso era uma prática fundamental dentro do judaísmo. E, agora, como proceder? Em Atos 15, a questão da circuncisão é motivo de intensas discussões e polêmicas. Há divergência nos ensinamentos. Judeus convertidos ao Cristianismo já eram circuncidados. Os chamados gentios, por alguns,eram ordenados a também se circuncidarem para serem alcançados pela salvação cristã. Essa foi uma questão-chave para a abertura e expansão do Cristianismo a novas realidades e contextos. Acabou predominando a pregação de que, pela “graça do Senhor Jesus”, sua salvação alcançaria tanto circuncisos quanto incircuncisos. Enfim, essas são algumas questões diante das quais houve necessidade da mensagem cristã se formular teológica e pastoralmente sem perder sua pregação essencial. O risco dessa perda estava sempre muito próximo no contexto de sua expansão e confrontos culturais e religiosos. 3 CONSTANTINO E SUA POLÍTICA: CRISTIANISMO COMO RELIGIÃO OFICIAL Ao falarmos sobre a expansão do Cristianismo mundo afora, não podemos deixar de lembrar que essa expansão ocorre num mundo de pluralidade religiosa. O Cristianismo era uma das muitas tendências religiosas. E esse confronto com outras religiosidades nem sempre era pacífico. Diferentes governantes ora tinham maior ora menor tolerância com uma ou outra religião, dependendo mais de suas ambições políticas que de suas convicções de fé religiosa. Não é difícil de imaginar que, em sua expansão, o próprio Cristianismo criou diferentes formas de se expressar, de acordo com as regiões em que foi se estabelecendo. Pode-se dizer que qualquer ação, seja religiosa ou não, na mesma medida em que deseja influir sobre uma realidade, recebe de volta também influências que, em algum grau, alteram sua intencionalidade original. Assim, ao longo de sua história, têm ocorrido “concílios”, cuja finalidade tem sido estabelecer acordos doutrinários mínimos em torno de pontos-chave na expressão da fé cristã. O registro de Atos 15:1-21 é um exemplo clássico disso. Outros concílios ocorreram, como o de Niceia, Constantinopla e de Trento, além de outros, e, em tempos mais recentes, Vaticano I e II. De outra parte, pode-se afirmar que o sucesso da expansão do Cristianismo revela sua capacidade de adaptação em distintas realidades. Não raro, essa capacidade de adaptação se transforma em acomodação ou conformação com realidades injustas, abandonando o caráter transformador inerente à mensagem de Jesus de Nazaré. É claro que não é muito difícil encontrar vozes de pessoas cristãs que não aceitavam a acomodação e a conformação. Apesar das dificuldades de época, são inúmeras as histórias que se mantiveram em forma de tradição oral ou registro escrito que expressam a lembrança e a memória de pessoas martirizadas por manterem certa “rebeldia cristã” em sua fé. TÓPICO 2 | EXPANSÃO DO CRISTIANISMO 23 Certo é que Jesus de Nazaré jamais imaginaria no que sua pregação e seu chamado à mudança de vida das pessoas viriam a dar. Já houve tantos debates e discussões teológicas e pastorais, caminhos distintos de viver o seu ensinamento, instituições que surgiram, que são impossíveis de numerar. Há transformações extremamente positivas registradas ao longo dos tempos, como também ações belicosas que mancharam negativamente e para sempre a história do Cristianismo. Dentre um dos decisivos momentos vividos na história do Cristianismo está a figura de um imperador chamado Constantino. Por seu espírito sanguinário, Constantino não pode ser incluído como algum santo da história da Igreja. Entretanto, é responsável por uma política religiosa, de seu interesse, que acaba elevando o Cristianismo, na forma de instituição eclesial, à religião oficial do Império, concedendo, inclusive, privilégios variados ao clero. Isso ocorre por volta do ano 323 da presente era. Veja o texto que expressa a nova relação estabelecida com o Cristianismo (“Edito de Milão” – 313 d.C). Nós, Constantino e Licínio, Imperadores, encontrando-nos em Milão para conferenciar a respeito do bem e da segurança do Império, decidimos que, entre tantas coisas benéficas à comunidade, o culto divino deve ser a nossa primeira e principal preocupação. Pareceu-nos justo que todos, cristãos inclusive, gozem da liberdade de seguir o culto e a religião de sua preferência. Assim Deus, que mora no céu, ser-nos-á propício a nós e a todos os nossos súditos. Decretamos, portanto, que, não obstante a existência de anteriores instruções relativas aos cristãos, os que optarem pela religião de Cristo sejam autorizados a abraçá-la sem estorvo ou empecilho e que ninguém absolutamente os impeça ou moleste... Observai, outrossim, que também todos os demais terão garantida a livre e irrestrita prática de suas respectivas religiões, pois está de acordo com a estrutura estatal e com a paz vigente que asseguremos a cada cidadão a liberdade de culto segundo sua consciência e eleição; não pretendemos negar a consideração que merecem as religiões e seus adeptos. Outrossim, com referência aos cristãos, ampliando normas estabelecidas já sobre os lugares de seus cultos, é-nos grato ordenar, pela presente, que todos que compraram esses locais os restituam aos cristãos sem qualquer pretensão a pagamento [...] Use-se da máxima diligência no cumprimento das ordenações a favor dos cristãos e obedeça-se a esta lei com presteza, para possibilitar a realização de nosso propósito de instaurar a tranquilidade pública. Assim continue o favor divino, já experimentado em empreendimentos momentosíssimos, outorgando-nos o sucesso, a garantia do bem comum. A “Era Constantiniana” do Cristianismo vem a ser chamada de cristandade. Embora não tenha condenado outros cultos religiosos, Constantino abriu caminho para uma nova relação entre o Cristianismo e o Império. De forma negativa, a Igreja vem a ser uma instituição religiosa a justificar as ações UNIDADE 1 | O CRISTIANISMO: ORIGEM, EXPANSÃO E DILEMAS TEOLÓGICO-PASTORAIS 24 de governantes do âmbito político. Apesar de seus atos a favor do Cristianismo e da Igreja, Constantino teria sido batizado apenas no leito de sua morte, no ano de 337. Mesmo assim, por longos anos da história eclesial foi celebrado como 13º apóstolo. De certa maneira, a iniciativa constantiniana foi aprofundada sob o governo do co-Imperador Teodósio, no ano 380, com a publicação de um edito religioso, decretando a unidade religiosa de todo o Império, sob a bandeira cristã. Vejamos: Queremos que as diversas nações sujeitas à nossa Clemência e Moderação continuem professando a religião legada aos romanos pelo apóstolo Pedro, tal como a preservou a tradição fiel e tal como é presentemente observada pelo pontífice Dâmaso e por Pedro, Bispo de Alexandria e varão da santidade apostólica. De conformidade com a doutrina dos apóstolos e o ensino do Evangelho, creiamos, pois, na única divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo sem igual majestade em Trindade santa. Autorizamos os seguidores dessa lei a tomarem o título de Cristãos Católicos. Referentemente aos outros que julgamos loucos, cheios de tolices, queremos que sejam estigmatizados com o nome ignominioso de hereges, e que não se atrevem a dar a seus conventículos o nome de igrejas. Estes sofrerão, em primeiro lugar, o castigo da divina condenação e, em segundo lugar, a punição que nossa autoridade, de acordo com a vontade do céu, decida infligir-lhes. Por meio desse “decreto”, todas as pessoas do Império Romano são declaradas cristãs. Formava-se em definitivo o “Sacro Santo Império Romano” e o regime da cristandade era completado. Ocorre uma influência político- governamental intensa sobre o Cristianismo e a Igreja assume um caráter imperial. Isso interfere diretamente na autonomia das comunidades, mas mais profundamente no relaxamento doutrinal para o seguimento cristão. A Igreja torna-se cada vez mais monárquica, com bispos tutelando as comunidades cristãs, sendo que os mesmos bispos estavam sob a tutela do Estado. Paradoxalmente, de um movimento religioso marginalizado dentro do judaísmo, o Cristianismo vem a se tornar a religião oficial de todo Ocidente. Se inicialmente o movimento do Cristianismo se caracterizou por sua impulsividade missionária e martírios, começava uma era de relativa paz cristã.O mundo havia se tornado cristão. O problema é que passou a ser difícil ser autenticamente cristão nesse mundo. Esses são desafios teológicos e pastorais daquela época e que querem nos inquietar nos tempos contemporâneos. A pergunta latente é acerca da identidade cristã genuína. Como expressão de uma fé que perdura ao longo de contextos históricos e geográficos variados desde o tempo do Primeiro Testamento, a fé cristã está em constante construção de sua identidade. Quando se petrifica em doutrinas, fórmulas ou dogmas, por TÓPICO 2 | EXPANSÃO DO CRISTIANISMO 25 melhor que em seu tempo tenham sido, em outro tempo e espaço podem se tornar obsoletas e ultrapassadas. O desafio colocado é por uma identidade dinâmica, que não perde o essencial da pregação de Jesus de Nazaré. 4 DIVISÕES NO CRISTIANISMO: CONFISSÕES DE FÉ COMUNS E A PERDA DA UNICIDADE Não é errado afirmar que, com a expansão do Cristianismo por diferentes regiões, correu-se o risco de seu esfacelamento. Não havia nenhuma estrutura institucional prévia a coordenar esse processo de expansão. Agia-se na liberdade que o Espírito Santo concedia de acordo com a fé de apóstolos e demais seguidores. Independente de maneiras distintas das práticas apostólicas e missionárias, havia uma confissão comum a quem seguia na fé cristã: “Jesus é o Senhor” (1Coríntios 12:3). Em nome dele se agia. Fazem parte da caminhada do povo de Deus, desde o tempo do Primeiro Testamento, momentos de afirmação e reafirmação da fé que o move. Por exemplo, encontramos uma confissão de reconhecimento da forma da ação de Deus em Deuteronômio 26:3,5-9. A função é unificar a compreensão em torno de Deus, motivando para um agir coordenado enquanto povo. Vejamos: Declaro hoje que estou morando na terra que o SENHOR, nosso Deus, prometeu dar aos nossos antepassados. [...] O meu antepassado foi um arameu que não tinha lugar certo onde morar. Ele foi com a família para o Egito, e ali eles moraram como estrangeiros. Quando chegaram lá, eram poucos, mas aumentaram em número e se tornaram um povo grande e forte. Os egípcios nos maltrataram e nos obrigaram a fazer trabalhos pesados. Então oramos, pedindo socorro ao SENHOR, o Deus dos nossos antepassados. Ele nos atendeu e viu a nossa aflição, a nossa miséria e como éramos perseguidos. Com a sua força e com o seu poder ele fez milagres, maravilhas e coisas espantosas, e nos tirou do Egito, e nos trouxe até esta terra que nos deu, uma terra boa e rica. Ao longo do século I foi sendo necessária a formulação teologicamente cada vez mais profunda da fé em Jesus Cristo. No confronto com novas realidades foi surgindo a necessidade de explicar melhor esse Jesus-divindade. Já em torno do ano 150 há um credo, buscando unificar a expressão da fé, formulado nos seguintes termos: Creio em Deus, o Pai, onipotente, E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor, Nascido do Espírito Santo e da virgem Maria, Que foi crucificado sob Pôncio Pilatos e sepultado, Ressuscitou no terceiro dia entre os mortos, Subiu aos céus, UNIDADE 1 | O CRISTIANISMO: ORIGEM, EXPANSÃO E DILEMAS TEOLÓGICO-PASTORAIS 26 Está assentado à direita do Pai, De onde virá para julgar vivos e mortos; E no Espírito Santo, a santa Igreja, a remissão dos pecados, a ressurreição da carne. Geralmente, formulações assim são respostas a polêmicas que surgiam. Em acordos, buscava-se manter a unidade confessional do Cristianismo. Nesse sentido, destacamos o chamado Credo Niceno, resultado do Concílio de Niceia, no ano 325, tendo a influência do Imperador Constantino presente, que, inclusive, publicou esse Credo como uma lei imperial: Cremos em um só Deus, Pai onipotente, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis; E em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, gerado pelo Pai, unigênito, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado não feito, de uma só substância com o Pai, pelo qual foram feitas todas as coisas, as que estão no céu e as que estão na terra; o qual por nós seres humanos e por nossa salvação desceu, se encarnou e se fez pessoa humana e sofreu e ressuscitou ao terceiro dia, subiu ao céu, e novamente deve vir para julgar os vivos e os mortos; E no Espírito Santo. Há um pequeno adendo que diz: E a quantos dizem: “Ele era quando não era” e “Antes de nascer, Ele não era”, ou que “Foi feito do não existente”, Bem como a quantos alegam ser o Filho de Deus “de outra substância ou essência”, ou “feito”, ou “mutável” ou “alterável”, a todos estes a Igreja Católica e Apostólica anatematiza. Quer dizer, ao longo de toda a história do Cristianismo encontramos momentos em que se buscavam termos de acordo, tentando preservar a unidade numa instituição que estava em formação. Lembramos, ainda, do Concílio de Constantinopla, em 381, do qual surgiu o Credo Niceno-Constantinopolitano. Em 451, no Concílio de Calcedônia, na Ásia Menor, surgiu o Credo de Calcedônia. Através dessas confissões e afirmações de fé, a teologia e pastoral cristãs, e o próprio conceito de Cristianismo foram sendo formatados ao longo de nossa história, resultando em práticas e vivências correspondentes. Função importante na preservação de certa unidade em termos da teologia e pastoral cristãs foi desempenhada por lideranças, especialmente bispos. Há textos bíblicos que falam da existência de bispos, como em 1Timóteo 3:1-7: são descritas virtudes inerentes ao cargo, sendo que inclusive podiam casar. No decorrer do tempo, inúmeros bispos foram surgindo e o caráter apostólico e missionário nem sempre se mantinha presente. Embora exista uma compreensão relativamente consensual de que o apóstolo Pedro tenha sido o primeiro papa da história da Igreja, a primazia de autoridade ao bispo de Roma somente foi TÓPICO 2 | EXPANSÃO DO CRISTIANISMO 27 concedida por volta do ano 380. A partir daí, decretos papais passaram a ter valor idêntico a decisões conciliares. E todos os que haviam sido bispos da região de Roma foram declarados sucessores do apóstolo Pedro, como papas. Contudo, apesar de muitas tentativas de manter a unidade do Cristianismo sob o manto de uma única instituição eclesial, isso se tornou impossível. Sem dúvida alguma, há que se reconhecer que, na medida em que seu poder de influência aumentou, também houve gradativos afastamentos do verdadeiro ensino de Jesus de Nazaré. A imbricação entre instituição eclesial e Império, entre poder religioso e poder político, deixou marcas e manchas profundas na história cristã. Uma primeira grande cisão na Igreja Apostólica ocorreu no ano de 1054, embora anteriormente já tenham ocorrido exclusões e excomunhões. Vem a surgir a Igreja Católica Ortodoxa, que se nega a reconhecer a autoridade do papa. Há algumas outras diferenças doutrinárias, organizacionais e rituais que passam a ser afirmadas. Essa cisão de impacto demonstra insatisfações latentes no Cristianismo. O surgimento de muitas ordens religiosas e mosteiros, especialmente ao longo dos séculos XII e XIII, são expressão de insatisfação com bispos e papas. Pessoas se retiram “do mundo” para poderem viver de modo mais autêntico sua fé cristã. Outras tantas pessoas que levantam sua voz de protesto são declaradas hereges e, não raro, condenadas à morte na fogueira. Dentre alguns, podem ser citados João Huss, John Wyclif e Pedro Waldo, que se opunham à Igreja papal e ao poder e à riqueza da Igreja em contraste com a realidade de pobreza da maior parte da população. Nesse sentido, pode ser compreendido o movimento de Reforma da Igreja que tomou forma ao longo dos anos de 1500 por toda a Europa. Numa das versões da história, consta que à época estava em processo de construção o que hoje é a Basílica de São Pedro, em Roma. Havia necessidade de muitos recursos financeiros para tocar em frente essa obra grandiosa. Ter-se-ia chegado ao ponto de vender cartas de indulgências que davam garantia de um lugar no céu a quem as adquirisse. E o povo, atemorizado,
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