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C[nema,brasileiro Pur#Pa°ShtSssfpõarríaa CINEMA BRASILEIRO: PROPOSTAS PARA UMA HISTÓRIA ]EAN-CLAUDE BERNARDET CINEM BRASILEIRO: PROPOSTAS PARA UMA HISTÓRIA ( ;i)(tlíror da reedição Í\ i.tli ur Autran Si.gunda edição revista e ampliada I.r`i',,Ím,]Síio .ri-;.i.. COMP^ N H l ^ DE BOLSo Copyright © 2009 byJean-Claude Bernardet Graf ia atualizada segundo o Acordo Ortográf ico df l Límgua Portuguesa de 1990. que entrou em vigor no Brasil em 2009. C4P,¢ JeffFisher Prei)araçào Maria Cecília Caropreso Rw'5ão Renato Potenza Rodrigues Ad riana Moretto Marcelo D. de Brito Riqueti Índice onomástico Pedro Carvalho Atualização da f ilmograf ia Walter Bahia (colaborador) Dados li`termciomis dc Catalogâção na Publicação (cip) (Câmara Brasi!eira do Livro, sp, Brasil) BernaTdet,Jcan-Claude Cinem brasileiTo propostas para uma história /Jean-Claude Bcrmrdct .--- São Paulo Companhia das Letras, 2009. Bibliograíia. isBN 978-85-359-1574-7 1 Cinema - Brasil -His[óm 2 Cultura -Brasil i. Ti'tulo. 00-10777 cDD-79l ,43098l Indíce para ca[álogo sistemá[ico 1. Brâsi! . Cmema Histór;a 791430981 2014 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA Scl+WARCZ S.A. Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32 04532-002 -São Paulci -Sp Telefone: (11) 3707-3500 Fax: (11) 3707-3501 wwihr.companhiadasletras.com.br www.blogdacompanhia.com.br SUMARIO CINEMA BRASILEIRO: PROPOSTAS PARA UMA HISTÓRIA Prefácio à segunda edição de C'!.#c77# ó7:j7fz./cz.7-o.. p7opof£% Í)ara uma bistória 8 1. Presença importada Jg 2. Acavação 37 3. Aventuras do pensamento industrial cinematográfico 4J 4. Novo ator: o Estado j.2 5. Mimetismo, cachoeiras, paródia 99 6. E o proletariado aparece lá onde não estava sendo procurado J20 Bibliografia citada J34 ANTOLOGIA DE ART[GOS PARTE 1: CAPITALISMO IMAGNÁRIO Cinema marginalizado e criador J40 B&C e a indústria da cultura J42 jzcgz£z.cfco7z£ e a indústna cultural j44 Avoz dos empresários J46 Chanchada, erotismo e cinema-empresa J49 0 cinema brasileiro sobe Jj3 Nós, invasores JJó Cuidado com o cinema que só dá lucro! J6.O 0 capital estrangeiro está chegando J63 Fora do esquema do "cinemão" J66 Nosso cinema não é mais artesanato J69 Cinema e Estado J73 A crise do cinema brasileiro e o plano Collor' J6'2 Cinema brasileiro J88 Com]ssões de fi.ente J9J pARTE m cllANCHADA. poRNoCHANCHADA E OUTRAS QUESTÓES DELICADAS Cantando no sol 200 Ela - a pornochanchada - dá o que eles gostam? 20J A pomochanchada contra a cultura "culta" 2JO Adaptações: nem foi preciso medidas violentas 2/6 ... Mas o público não entende 2J9 Um autor do cinema brasileiro se identifica com seu público, ou Vamos todos à praia 223 0 novo Cínema.Novo 233 Caxias, para mim, é a capital cultural de Brasi'lia: entrevista com Nelson Pereira dos Santos 236' Um circuito para a criatividade 2JJ A festa de um público não é a festa do povo 2J3 0s argentinos dão um banho nos brasileiros 2JÓ Aventuras ideológicas do neorrealismo no Brasil 2J9 PARIE HI: MENTALIDADES E ESTRATÉGIAS DE PRODUÇÃO - CONVERSAS Sara Silveira 274 Rita Buzzar 284 Nora Goulart 294 PARTB rv: 0 PRODUTOR ANATOLE DAUMAN 303 Filmes citados j07 Índice onomástico 3J9 Sobre o autor 333 CINEMA BRASILEIRO: PROPOSTAS PARA UMA HISTÓRIA PREFACIO A SEGUNDA EDIÇÃO DE C:INEMA BRASILEIRO: PROPOSTAS PARA UMA HISTÓRIA* Esta nova etiição de Cmema brasileiro.. pi-oi)ostas para uma bz.ffo'r/.4 é motivo de entusiasmo entre historiadores do cinema, pesquisadores, estudantes e cinéfilos, pois marca o ressurgimen- to de um dos textos mais instigantes de Jean-Claude Bemardet e da historiografia do cinema no Brasil. 0 ensaio, publicado originalmente em 1979, teve uma ori- gem curiosa e que merece ser narrada para que se tenha uma ideia da novidade da sua proposta historiográfica, a qual em boa parte continua viva ainda hoje. 0 texto nasceu de uma enco- menda do fi-ancês Guy Hennebelle e do boliviano Alfonso Gu- mucio-Dagron para um vasto volume a ser editado na França que compilaria a história do cinema da América Latma. A fim de dar conta desse intento, foi pedido a diversos autores que es- crevessem o capi'tulo referente a determinado país. Assim, por exemplo, Octavio Getino escreveu sobre a Argentina, Emilio Garcia Riera sobre o México e Rodolfo lzaguirre sobre a Vene- zuela,resultandonolivro£cfcz'%c'7#4fdç/247%'r7'7z#£4fí.%c,"que até hoje é referência, dadas as pouquíssimas informações que te- mos sobre a produção da nossa região, em especial sobre países como Bolívia, Colômbia ou Honduras. No entanto, o capítulo sobre o Brasil encomendado a ]ean-Claude não foi aceito pelos organizadores, que aparentemente o acharam pouco didático e discuti`vel do ponto de vista da metodologia, posto que ele não segue ordenação cronolórica - o que por si só já demonstra a + A €laboração deste texto contou com o apoio da Fapesp, insdtução à qual deixo registrado o meu reconhecimento. Agradeço também a Glêmo Povoas, que lcu e comentou a sua primeira versão. " HENNEBEI.l.E, Guy e GUMUCIO-DAGRON, Alfonso (orgs.). L~ c!.7zc'"; dc l'Amérique Latine. Paris= Lher"niei,1981. .'` quantas andava o pensamento historiográfico sobre c`jncn" m scgunda metade dos anos 1970. Ademais, o texto de Jean-Clau(lc não é o desfiar de u'tulos de filmes e de nomes de cineast:`s, .]tti- res e atrizes amarrados pela cronologia -traço central de gran- de parte dos textos do livro -, mas sim a discussão sobre a]gu- inas das principais características que marcaram e atravessaram - e que em alg`ms casos ainda marcam e atravessam - o cine- ma brasileiro dos pontos de vista artístico, econômico, cultural e ideológico. Uma vez recusado, o capítulo sobrc o Brasil foi encomen- dado a outro pesquisador, e em 1979 Jean-Claude Bemardet publicou seu ensaio sob a forma de livro, pela coleção Cinema (sétimo volume) da editora Paz e Terra.* No entanto, o livro que agora ressurge na edição da Com- panhia das Letras não é o mesmo, e em dois sentidos: um mais literal, porque se trata de uma edição ampliada, e outro não tão evidente, porém não menos marcante, decorrente do fato de que os desdobramentos teóricos e metodológicos da historiografia do cinema possibilitam que o ensaio original e os textos agora inclui'dos ganhem uma compreensão renovada e antes insuspei- tada. Em relação ao primeiro ponto, deve-se esclarecer que a nova edição, para além do texto oriSnal do ensaio, é complementada por duas novas partes. Uma é a seleta de textos de autoria deJean- -Claude escritos ao longo dos úldmos quarenta anos, boa parte deles publicada na imprensa e inédita no fomato livro, os quais se encontram divididos em dois capítulos -"Capitalismo imaginá- rio" e "Chanchada, pomochanchada e outras questões delicadas" - que complementam e interagem com o ensaio na medida em que também buscam refletir sobre a história do cinema brasileiro, + Essa mesma coleção já havia publicado até então, cntre outros, os livros G/4%Gcr jlofÁ4 - coletânea de ensaios de vários autores sobre o diretor baiano; n segunda edição de B#4fí/ c7% fcwzpo dc cÍ.#G%4, do próprio jean-Claude Bermrtlct ; 0 discurso cinematogní|ico - a opacidade e Ü tran5pwTê7icia, d€ TsmÂ)il XíNier., c ( ^ cinemas niicionais contra Hollywood, de G:uy HenT\ebelle '/ os processos culturais vinculados a essa cinematografia, as rela- ções entre produção e mercado e o que poden'amos chamar de ideologia(s) do meio cinematogTáfico; tais questões, em si am- plas, não são estanques nos textos, mas surgem entrecnizadas em um rico diálogo pontuado pela discussão dos filmes. A outra parte nova contém as entrevistas que Jean-Claude e eu realizamos entre o final de 2008 e o im`cio de2009, em Porto AlegTe e em São Paulo, com três produtoras ~ e a escolha de mulheres não foi acidental: Nora Goulart, Rita Buzzar e Sara Sil- veira. Neste caso trata-se de material que busca levantar reflexões sobre uma fimção-chave no processo cinematográfico, mas que no Brasil, por motivos diversos, encontra-se atualmente desütui'- da da importância devida - o que em si já é uma demonstração eloquente dos problemas das estruturas do cinema nacional. Mas o livro que agora ressurge também é diferente, ou me- lhor, pode ser lido de outra maneira, em v]rtude do aprofim- damento da discussão sobre a historiografia nos últimos anos. Fundamental nesse sentido foi a contribuição de diversos auto- res, como André Gaudreault, David Bordwell, Douglas Gomery, Janet Staiger, Michêle Lagny, Noêl Burch e Richard C. Allen, que desenvolvem um ti.abalho de díscussão da historiografia tradicional do cinema e propõem novos recortes, periodizações, métodos e objetos. No contexto brasileiro, a contribuição fim- damental foi dada pelo próprio Jean-Claude Bernardet com o sem:mal Historiografia clássica do cinema brasileiro.* Nesse senti- do é poçJstvel reler Cinema l?ra§ileiro: propostas i)ara uma lJistói-ia como um texto no qual a questão do debate historiográfico já se encontrava posta, confome é possi'vel constatar no final do ca- pítulo "A cavação", qu€ aponta a pouquíssima importância atri- buída pelos historiadores aos filmes de não ficção, muito embo- ra eles fossem a base econômica da produção brasileira dos anos 1910 até os 1940. Conclui dísso o autor: •_ TIE:RNj":DFr. ]eím-C+"de. llistoi-iografia clÁs§;ca do cinema bTasihiro.. metodologia e pedagogia. São Paulo.. À]\nablume,1995 . JO A tendência dos historiadores foi aplicar ao Bra*il, t;cin cn'tica, um modelo de história elaborado para os i..iíw` industrializados, em que o filme de ficção é o sustentác`ilt` da produção. Não é o que se deu no Brasil. 0 conceito tlc história do cinema quc se usou no Brasil está mais vinculad() à vontade dos cineastas e dos historiadores que à realidadc concreta. Dependente o cinema brasileiro e sua história, de- pendente a metodologia com que se estuda essa história. Lá onde os historiadores de corte nacionalista como Alex Viany e Paulo Emilio Salles Gomes menos esperavam, ou seja, no próprio modo como eles escreveram seus textos clássicos, rcsidia toda uma concepção de história que não foi dev]damen- te criticada e analisada quando transplantada para explicar o i)assado e o presente do cinema brasileiro. Preocupados, por vezes em excesso como é o caso de Viany, com a invasão cultural i`strangeira e sua suposta opressão sobre a brasileira, não hav]a al)ertura para avaliar a profundidade das vinculações econôiTii- i`as, sociais e culturais entre a nossa sociedade e as dos países dominantes. De outro lado, já fica claro que boa parte da limitação dessa historiografia se deveu ao forte atrelamento ideológico dos his- t()riadores em relação à corporação cinematográfica. De manei- ra que um dos grandes objetivos do discurso historiográfico era {lemonstrar quais as razões estruturais que sufocavam o cinema l)rasileiro, impedindo sua industrialização e sua maturidade cstédca, razões essas que, via de regra, dnham como único res- ii{>nsável o filme estrangeiro e seus aliados no Brasil - distri- liuidores e exibidores. Mas o âparecimento em 1973 do ensaio inovador "Cinema: mjetória no subdesenvolvimento" gera condições para que se • (;oi\iEs, Paulo Emilio Salles. Cinemâ: tra)etória no subdesenvolvimen- tí). In: C`/`77c77m. f7%/'c£o'rí.¢ %o fa/bdefc%z/o/z/Í.7#g%fo. Rio de Janeiro: Paz e T€rra/ l.`,i]`lmfilmc,1980. pp. 71-87. m pense o cinema brasileiro de outro modo e se comece a superar a noção de colonialismo ou imperialismo cultural, que atribuía toda sorte de problemas à dominação estrangeira e a seus re- presentantes no Brasil. A partir de noções mais sutis como a de"ocupante" e "ocupado", bem como da concepção marcadamen- te inspirada em Oswald de Andrade de que "Nada nos é estran- geiro, pois tudo o é", Paulo Emilio Salles Gomes abria caminho para reflexões que observassem com mais refinamento o que decorria dos profiindos laços €ntre a cultura brasileira e a cultura nortç-americana ou a europeía. E sob essa influência que ocorrem mudanças importantes no pensamento de Jean-Claude, como se pode obseivar nos textos agora coligidos. Isso fica claro no artigo "Nós, invasores", que constata as diversas formas pelas quais os filmes brasileíros adap- tam aspectos estéticos e temáticos do cinema estrangeiro, levando seu autor a conclur que para além do movimento do estrangeiro em relação ao nacional há um "movimento intemo" na sociedade brasileira que acaba por difimdir entre nós elementos de outras culturas. Da mesma foma, no capítulo "Mimetismo, cachoeiras, parS.tiias",doerLsa!oCi.ne.mqbrasiieiro:i)ropostflsparãúmabistó;i-;, verífica-seacomplexidadedasrelaçõesentreaculturaestrangeira e a brasileira, a tal ponto relacionadas que se [orna mesmo difi'cil pensar de modo totalmente dicotômico os termos estrangeiro- -nacional, fora-dentro, original -transplantado. Afigura-secomofiindamentalessemovimentodepercepção do imbricamento entre mcional & estrangeíro, pois é ele que permite ao ensaísta obsen7ar também o que há de curocêntrico na metodologia da historiografia clássica do cinema e apontar as impropriedades de suas formulações, em um movimento crítico que então mal se esboçava na Europa e nos Estados Unidos. Esse é um daqueles casos em que o pensamento elaborado a partir da periferia do sístema capitalista não apenas dialoga com as teorias constniídas nos países centrais como também articula a cn'tica e constrói oiitros horízontes. Pode-se perceber que havia motivos profiindos para a rejeição ao texto de Jean-Claude por parte dos organizadores do livro £cf c/.72c'7%4f dc /247%c'7.?.Í% L%z.72c. 2 Os textos de Jean-Claude, e particularmente o ensaio Í,'/.- nema brasileiro: i]ropostas para uma bistória, coritêe;m vámis mcJ:i- cações de pesquisas para serem desenvolvidas: o pensamento industrial dos cineastas brasileiros - que me inspirou a estudar essa questão em meu doutorado -, os embates entre o cinema tido como popularesco e o cinema dito "culto", as contradições entre o proletariado cinematográfico e outras parcelas da cor- poração, a produção de filmes não ficcionais nos anos 1910 e 1920 e, especialmente, a relação entrc cinema e Estado. Em 1979 Jean-Claude Bemardet afirmava que: 0 papel fiindamental exercido pelo Estado na história do cinema brasileiro não pode ter deixado de marcá-lo tão pro- fundamente quanto a própria presença do cinema estran- geiro, pois ambos constituem as duas balizas entre as quais se estruturou a produção cinematográfica. Destarte, ele dedica todo um capímlo, intitulado "Novo ator: o Estado", a essa questão, e o adjetivo "novo", a meu ver, referia-se aos estudos cinematográficos brasileiros que até então pouco investigavam o papel do Estado. As contradições perce- bidas pelo ensaísta são centrais para a estruturação do campo cinematográfico brasileiro, em especial ao apontar o quanto os cineastas da produção dita "culta" - em geral ligados por ori- gein ao Cinema Novo - se apropriam ideologicamente da cultura popular e do povo para em seu nome exercer pressão polít]ca sobre os órgãos do Estado. Também a concepção des- ses cineastas de que o Estado seria "neutro" é questionada, e os próprios filmes são interrogados diante da política cultural im- plementada pela ditadura militar. Nessa linha, alguns pesquisadores deram continuidade e aprofiindaram as questões levantadas porJean-Claude,por exem- plo ]osé Mário Ortiz Ramos, Anita Simis e Randal Johnson. Os textos "Cinema e Estado" e "A crise do cinema bmsilu m' ro e o Plano Collor" também discutem a relação entre cinema e Estado, mas com um pano de fiindo diferente, marcado pela progressiva deter]oração dessa relação. 0 corporativismo dos cineastas, o clientelismo, a ineficiência estatal, a falta de uma po- li'tica cultural adcquada no campo do cinema para os tempos da redemocratízação do país são pontos que aparecem com força. Tais artigt)s, escritos para o jomal Fo/b4 dc S.P#%/o, também têm o viés de lançar a polêmica de maneira a provocar discussão - c`aracteri'stii`a iinportante das contribuições de Jean-Claude na jmprensa. () arugo sobre o Plano Collor já indicava a necessidade primordial de que a figura do produtor ressurgisse no cinema bmsileiro. As ilusões provocadas pelo "capitalismo imaginário" promovido pela Embrafilme e a hipertrofia da figura do diretor- -autor hav]am praticamente extinto a fiinção. Apesar das várías conuadições, ambiguidades e insuficiên- cias da política cinematográfica dos úldmos v]nte anos, o pro- dutor ressurgiu no cínema brasileiro. As entrevistas realizadas com produtoras atualmente em atividade e incluídas nesta nova edição de CÇ%c77# G7íjzfí./c/.ro... demonstram certo grau de amadu- recimento da reflexão e da prática cinematográficas. Nesse sen- tido, a opção de Sara Silveira em direcionar sua empresa para o trabalho com diretorcs iniciantes afigura-se um dado da maior importância, até porque baseado em fontes de financiamento e de projeção nacionais e intemacionais; da mesma forma deve-se salientar a busca criativa de novos nichos no mercado audiovi- sual com o objetivo de superar a obsessão pela sala de cinema, tal como se configura no depoimento de Rita Buzzar defendendo os tclefilmes e no de Nora Goulart [embrando a necessidade do investiinento em produtos voltados para o mercado de DVD. Ao ct)ntrário de diretores e produtores do anos 1970 ligados à Em- bmfilmc que se encontravam vinculados ao nacionalismo cultu- ral, à c`rença no Estado neutro e na fi]nção do cineasta intelecmal como mcdiador ideal entre a cultura popular e a produção da in- dústria cultural, essas profissionais têm uma visão crídca de sua relação com o Estado c não incorrem na confi]são ideológica que 74 funde povo e público. 0 leitor interessado no descnvt)lvimi.iito do ideário de certa faixa de produtores -os ligados à i`iiltur.i "culta" -encontrará nessas entrevistas um complement() c uiii contraponto ao universo comentado e cridcado nos artig()s ilti capítulo "Capitalismo imaginário". Note-se ainda que na parte "Chanchada, pomochanchada e outras questões delicadas" há textos sobre as comédias eró- ticas brasileiras dos anos 1970 que pemitem mapear a discus- são no calor da hora em torno desses filmes de grande sucesso comercial, que na época, porém, eram tidos por muitos como "vulgares". Contudo, o enfoque do ensaísta se dá a partir da im- portância econômica dessas fitas, bem como das representações ideológicas ali expressas. É bem possível que o ponto mais re- levante das análises empreendidas seja a percepção dos embates dos quais esses filmes participavam, em especial opondo-se ao cinema "culto", o qual por vezes se aproximava das propostas da ditadura militar para o campo da cultura, como no caso de algumas adaptações literárias financiadas pel.a Embrafilme. Em um momento como o de hoje, no qual os pesquisadores passam a se dedicar ao entendimento da pomochanchada, a leitura dos tcxtos aqui coligidos poderá ser de grande valia no sentido de se evitarem atitudes acríticas, em especial aquelas que pretendem "recuperar" a pornochanchada como símbolo de um erotismo ingênuo ou outros tipos de interpretação que visam recontar a história do cinema brasileiro de maneira que seus conflitos se- j:im sumariamente esquecidos. 0 que é fundamental sublinhar na contribuição de Jean- -Claude enfeixada neste volume ~ além da apontar novos ca- iiiinhos a historiadores e pesquisadores do cinema brasileiro ou (lc discutir com argúcia temas espinhosos vinculados à produção cultural, de maneira a indicar as contradições existentes nas prá- ticas e no pensamento dos cineastas - é a sua postura. Em um dos textos mais significaüvos do volume, "Um :`ii- t()r de cinema brasileiro se identifica com o seu púbhco, tiu Vi- m mos todos à praia", o ensai'sta assinala que os filmes do Cinema Novo em geral eram marcados pelo "conflito" no que tange à relação entre o autor da obra e o espectador, pois "o autor se coloca contra os espectadores; as ideias do autor e as ideias dos espectadores são em geral diametralmente opostas". Afigura-se que a relação de conflito proposta pelos cinemanov]stas nos anos 1960 era uma característica compartilhada naquele momento por vários daqueles que produziam e refledam a respeito da cul- tura brasileira de foma crítica, e não apenas quanto ao público mas também quanto ao poder político estabelecido, as formas de produção constitui`das, a estética dominante etc. Poder-se-ia dízer que o conflito foi uma das forças centrais da produção cul- tural daquela década. Por motivos vários, dos quais a afimação da indústria cultural tem papel preponderante junto à sistemá- tica de repressão política da ditadura militar, essa caracten'sdca tendeu a fenecer a partir de 1968. No entanto, a posição deJean-Claude Bemardet permanece marcada por essa ideia de conflito, em especial por sua adtude sistemádca de enfi.entamento intelectual, e isso mesmo diante de filmes que despertam sua admiração e fascínio. Em un contexto como o do Brasil contemporâneo, caracterizado pela rarefação da discussão crítica sobre a produção arti'stica, tal posição é da mais alta importância como resistência ao empobrecimento da vi- da cultural. Arthur Autmn Professor da Universidade Federal de São Carlos 6 Em 1977, Guy Hennebelle e Alfonso Gumucio-Dagron pediram-me um texto sobre cinema brasileiro para incluir num livro sobre cinema latino-americano a ser editado na França e iia Espanha. 0 presente livro é uma ampliação desse texto. J.-C. 8. i. PRESENÇA IMPORTADA 0 BRASIL EXPORTAVA (F, EXPORTA) CAFÉ franc::và:#,:gGanrt?a;ãoopdoartcoardgoaà:Cff:úpeotfieaxàmepá:?)VAJLo: de Rubínat: 10 caixas; água de flores de laranja e óleo de amên- doa: 1 caixa; ameixa: 12 caixas; amostras de licor: 1 caixa; água de rosas: 3 caixas: água mineral: 60 caixas; água destilada: 3 caixas; biscoitos: 3 caixas; botões: 3 caixas; coroas mortuárias: 4 caixas; manteiga: 20,5 meias. -Relação da carga de Gênova (fi.agmen- to): chapéus de palha: 1 caixa. ~ Vapor inglês rnjzziG//€r: relação da carga de Liverpool (fiagmento): botões: 10 caíxas; cawão de pedra: 247 toneladas; champanha: 100 caixas; calçados: 1 caixa; louças: 5 grades; 1eite condensado: 50 caixas; 1enços: 2 caixas; linha: 57 caixas; pó para dentes: 1 caixa; pano oleado para mesa: 1 caixa; rendas: 1 caixa; sal: 25 caixas (Glberto Amado: Mz.#â f irTiuição no Recif t). A distnbuidora Companhia Cinematográfica Brasileira S. A. ínforma ter o maior estoque de filmes da América do Sul; ela re- cebe trezentas novidades por mês e tem exclusividade para todo o Estado de São Paulo das seguintes fábricas: da França; Pathé, Gaumont, Liix, Ralheigh Roberto, Eclipse, Radios, Urban, Le Lion; da Alemanha: Mester, Bioscop, Fotorama; da lnglaterra: Warwich; da ltálía: Ambrosio, Cines, Itala, Pasquali, Aquila, Milano; da Dinamarca: Nordisk; dos Estados Unidos: Biograph, Vitagraph, Edison, Lubin, Reliance, Tanhouser, 1. M. P., Wild West American Cinema; da Espanha: Hispano Film,Iris Film; de Portugal: Ideal (0 EfzÁ7do de S. P¢cf/o. 11/11/1911). A salíentar: A Companhia Gnematográfica Brasileira, além de distnbuir filmes importados, é também uma pequena produ- tora, principalmente de documentários; nes[e anúncio, não só 8 iiãti constam filmes brasilciros como não constam nciii {is rilii`cs in.()duzidos pela própria empresa que anuncia. Tradicionalmente o público queixa-se de não conscLriiii. :`i.tmpanhar os diálogos dos filmes brasileiros. Com certa raziitj. 1.`. :itribui esse fato à péssima qualidade sonora dos filmes. Rcal- ii`cnte, muitas vezes, o som é mim mesmo, o que pode provir tlc dcficiências dos técnicos e/ou do equipamento e do estúdio. Mas em geral ocorre que a má qualidade do som provém das i"is condições acústicas das salas de projeção e do equipamento {li. reprodução do som. Tomou-se célebre o caso de G#rof4 Jg //)Í/#c'%4 (Leon Hirszman, 1967): inaudível o som que o diretor iiil>ia dc boa qualidade. Uma vistoria da cabine levou à cons- ti`t:ição de que havia uma pequem camada de poeira sobre o li.it()r de som. E, naturalmente, não havia poeira sobre a lente. l )c+`il.iente manutenção do equipamento, acústica deficiente das ii`l:`s (forma e revesdmento das paredes e do forro) provêm do I.:`tti dc que, para o filme estrangeiro, no Brasil, o som é absolu- `iuiiei`te desnecessário. Basta que se ouça alg`m ruído de fi]ndo, :ilLriHiia música. Pois, não sendo dublado, os diálogos são acom- ii:wihdos pelas legendas. Portanto, mesmo em más condições :`(.``isticas, o espectador do filme importado dublado fica apto a ii.Lruir o enredo, pois ele não é um espectador que ouve, mas um i.`i)i.i.tador que lê. E essa não é apenas uma situação que envol- vc ti espectador por fora, mas ela penetra seu corpo por dentro, i`{iiitlii.iona-o fisiologicamcnte. Poderia se deduzir daí que ele i'. i.iit:i() um espectador que vê. Mas nem isso, pois assim que a iii`:iLrcm bate na tela o espectador, de relance, dá uma olhada na `i`l;i L` lt>go mergulha a vista para a parte de baixo do quadro, a l`iii` tlc i)cgar a legenda antes que ela desapareça; se, após a lei- tui.;` ila legenda, sobra algum tempo, então o espectador volta a il:w. mais uma olhadela na imagem, senão passa para outra ima- wciii c ()utra legenda, e assim por diante. 0 espectador brasili+ r{) cstá destrejnado tanto visualmente como audiüvamente: i`lc i"`l vC. c mal ouve. A única coisa que realmente ele sabc t.:i'Í,i.i.. /,, e com desteridade, é ler legendas. Num país que con nua sen- do em grande proporção analfabeto. Não era portanto a menor das ironias de Co77m c7tz goj.fofo o 77zc%fzz#céf (Nelson Pereira dos Santos,1969) ser um filme brasileiro legendado em português. Com a diferença de quc, contrariamente à imposição habítual, as legendas não traduziain a língua dominadora, o inglês, mas o tupi-guarani, a língua primitivamente falada no Brasil, a língua de um povo exterminado. Quando, em 1960, Paulo Emilio Salles Gomes lançou sua famosa fi.ase: o cinema é "uma fala literária e dramática envolvida por imagens", alguns puderam pensar que se tratava de reminiscências da polêmica cinema mudo x sonoro que, tardiamente, na década de 1940, agitava rodas intelectuais brasileíras. Sem dúvida, era também isso, mas essencialmente era uma conceituação de cinema taticamente polêmica que cri- ticava e colocava em cheque a condição de espectador mutilado imposta ao Brasi]. De certo modo Paulo Emilio retomava e radicalizava um Ídeia antiga. No advento do sonoro, estetas esperavam que essa inovação destruidora da legítima línguagem cinematográfica não se aguentasse, e produtores brasileiros não v]am como po- deriam acompanhar a nov]dade. Mas alguns pensaram que tinha chegado a vez do cinema brasileiro. Um argumento, não muito forte, que circulava pretendia que, enquanto os Estados Unidos fariam esses filmes falados, que de cinema nada ünham, o Brasil faria o verdadeiro cinema, o bom cinema mudo. Mas outros, como Gonzaga, da Cinédia, pensavam que o público preferiria filmes falados em português a outros em inglês, língua que não entendia. Já que não ia se escrever na tela, por cima das ima- gens, a tradução dos dálog.os. Foi exatamente isso que ocorreu, mas enquanto isso não ocorria houve um momento em que se pensou/desejou que a língua ia espontaneamente aproximar o público do cinema brasileíro. Certos setores animaram-se, Gonzaga trouxe equípamento dos Estados Unídos. Durante uns dois anos, 1929-30, há uma relativamente intensa produção de filmes sonoros, sistema vitafone, comédias e musícais. A chama- da 4c¢G¢zj77#-j.c of o£#'rz.of quiz de Barros, 1929). Com o musical 20 í,`oí`f4f #ojr4f (Wallace Downey,1931), financiado por iHmi l`H.nu tlc discos associados à Columbia, entram no cinema os i`.`i`itii.i.` c as cantoras do rádio -e alguns humoristas -, que sc ttirii:iiii t)s astros dos números musicais filmados até os anos 195(). Ni.`- sas comédias popularcscas, a li'ngua e sua gramática não crm fielmente respeitadas, a giíria entrava timidamente, a linguagcm vcrbal aproxjmava-se da rua. Mas esses filmes eram desprezad(B c tidos por "vulgares". Os diálogos dos filmes que procuravain um arremedo de dignidade cultural falavam um português cas- tiço, estilo escrito, não raro com sotaque portug'uês devido à i)resença de atores portugi]eses no teatro brasileiro. Avera Cruz não ficou para trás em matéria de "elegância" do diálogo bem i.scrito e bem dito. Mas que pouco tinha a ver com o português c`(`mumente falado no Brasil. Com o cinema-verdade, década de 1960, realizava-se em i)arte a expec[ativa de Paulo Emilio de um cinema essencial- inente falado, e também chegava às telas o português falado no I}r:isil. A afirmação da língua trazida pelo som direto. 0 cinema- -verdade não atingiu o grande público, mas pelo menos em Op/.- w/.t7o pzí#j.c# (Amaldo Jabor, 1967) e no documentário de crítica ``ticial dos anos 1960 e 1970, a língua falada conquistou o cine- ni.i. Obviamente, não bastava para conquistar o mercado. Não é possível entender qualquer coisa que seja no cinema lmisileiro, se não se tiver sempre em mente a presença maciça e :`É;rressiva, no mercado interno, do filme estrangeiro, importado iiiier por empresas brasileiras, quer por subsidiárias de produto- i.cs europeus e norte-americanos. Essa presença não só limitou ir, i)ossibilidades de afirmação de uma cinematografia nacional i`()mo condicionou em grande parte suas formas de afimação. 1 )c 1907, quando começam a se estruturar no Rio de Janeiro c ciii São Paulo circuitos de exibição com salas fixas e program* ç..it> regular, até 1910, por maior que fosse a avalancha de filnm i"i)ortados, os historiadores notam, principalmente no Rit i, uii i c`erto volume de produção. Alguns desses filmes obtêm *i..unl{ .'/ sucesso de público. A medida, porém, que o comércio cinema- tográfico internacional vai se estruturando e se forta]ecendo, a ocupação do mercado intemo torna-se cada vez mais violenta e diminuem as possibilidades da produção brasileira. Até a guerra de 1914-8, o domínio fica com França, Itália, Alemanha, Suécia e Dimmarca. Após a guerra, com o enfi-aquecimento das cinema- tografias europeias, é a vez dos Estados Unidos, que se instalam e até hoje continuam instalados. Alguns números jlustrativos: em 1941, foram lançados no Brasil 460 filmes de longa-metragem, dos quais quatro brasi- leiros; 1942: 409/1; 1943: 362/6; 1953: 578/34; 1954: 490/21 (dados Cz.%c j?cPo'7~fc7'). E assim por diante. Atualmente as propor- ções alteraram-se ligeiramente em favor do filme brasileiro, mas os seguintes dados são atuais: em 1973, os canais de televisãodo Rio de Janeiro apresentaram 1446 filmes de longa-mem`gcm, dos quais dez l)rasileiros; em 1{J74: 1704/34 (dados da Ciiicma- teca d() Muscu de Arte Moderna). Longe de arrefecer, e por mais que lutem os produtores brasileiros, a garra americana continua acerada. Exemplo: a cic- -Cinema lntemacioml Corporation, setor do truste americano Gulf and Stream que absorveu a Paramount, a Metro-Goldwyn- -Mayer, exporta para o Brasil filmes de sua produção e outras produções americanas, bem como filmes de outras nacionali- dades cujos direitos de distribuição ela adquire. De distribui- dora, passa a exibidora: adquire as salas que pertenciam à MGM, constrói salas novas (os Gemini, em São Paulo) e vai compran- do salas pelo Brasil. "Seis dos principais cinemas da Bahia, o Guarani, o Tupi, o Tamoio, o Liceu, o Bahia e o Timbira, em Feira de Santana, pertencem a uma das mais poderosas empre- sas multinacionais que espalha tentáculos por diversos países do mundo. Estas salas e mais o cine Popular -que teve suas portas fechadas -foram vendidas [...] à cic no dia 30 de julho do ano passado." (7or724/ d¢ Jo77!¢d¢, 9/1977). E de distribuidora e exi- bidora, passa a produtora. Seus filmes, realizados por brasileiros, filmados e processados no Brasil (n4:ofc/, 0 p4rj. do pouo e outros), satisfazem à definição legal de filme brasileiro, de forma que es- 22 `iiç filmes produzidos por uma firma americana gozam tli. tt >tl.is .is vantagens conquistadas pelos produtores brasileiros ciii l.ww tlc sua produção. Relacionadas com essa cic, Thomas Guback, autor dc '/`Át' /;Íícr72#f!.o7z4/f/wz z.%dg#f7.)Í, dá as seguintes infomações: a Par:i- iiiount foi absoruda pelo Leisure Time Group, que pertence .i Gulf and Stream. Em 1973, o cinema representou 43% das rcL`eitas da Leisure e apenas 5% da Gulf and Stream. 0 mes- n`o pode se dizer da Transamenca Corporation, que absorveu a Uiiited Artists, para a qual o cinema representou em 1972 ape- i`:`s 10% das suas receitas. Quer dizer que o cinema está inte- Lrrado ao sistema das multinacionais e que a poli`tica cinemato- gráfica pode obedecer a injunções que nada tenham a ver com {.inema. Para defender seus intcresses no Brasil, o cinema n()rtc- .iinericano disi)(-)c (le um eiTibaixador permancntc, I larry St()ne, i"csidente da ABc -Associação Brasileira de Cinema -, qiie só i.t ingrega fimas americanas. Mas quando a luta dos produtores lyrasileiros se intensifica e quando eles vão ganhando batalhas, i.hega ao Brasil um emissário especial, em geral Jack Valenti, iM.esid€nte da Motion Pictures Association of America, espé- •'ic de sindicato de produtores norte-americanos que mantém `ctecentos escritórjos pelo mundo e ocupa 16 mil fi]ncionários (i.t)nforme dados de fim dos anos 1960 fornecidos por Valenti). \'':`lenti "está mantendo encontros com os ministros Ney Braga, il:` Educação, e Mário Simonsen, da Fazenda" (Fo/b4 dc S.P##/o, 8/10/1977). "Nada foi di"1gado dos encontros." (9/10/1977). "|...] não aparece em público, limitando-se aos bastidores, até i`Lrora é mistério o motivo de sua vinda até aqui." (10/10/1977). ( )S €ncontros podem não se dar no Brasil: "A 19 de maio último ( lt)77), por exemplo, Jack Valenti, presidente da Motion Pic- t ures, concedeu uma entrevista ao jornal americano 77#í.c£y so- lii.c suas conversas com o ministro da Fazenda do Brasil, Mario 1 lcnrique Simonsen, que estava naJamaica para uma reunião do li`iii`do Monetário lntemacional. Segundo Valenti, Simonseii t. i.lc chegaram a um acordo para suavizar a carga fiscal s{)l}ri. n -'`' distribuídos pelos americanos pemite aos distribuidores uma elasticidade na comercialização a que os produtores brasileiros não podem se dar o luxo. Assim, um distribuidor pode exigir até 70% da renda de um filme de sucesso certo, enquanto cederá fil- mes médios por 40°/o ou mesmo 30C/'o. No caso de um filme ce- dido a 70°/o, o exibidor lucra pouco, é um estrangulamento. Mas o exibidor não denuncia essa situação para não se indispor com a sua fonte de abastecimento. No caso de cessão por uma bai- xa percentagem e renda igual, o exibidor lucra mais com o fil- me estrangeiro, pois, por lei, o contrato para filmes brasileiros é de 50%. Outra vantagem que beneficia o exibidor é o fato de que o filme estrangeiro, ao chegar ao Brasil, é um produto já definido e testado. Não só a publicidade vem fomulada, como, pela co- mercialização em outros países, já se sabe a que público, a que salas o filme é majs adequado. Praticamente não há como errar. A situação é naturalmente muito diversa para o filme brasileiro: qual será a reação do público, de que públicos, qual a melhor maneira de apresentá-lo ao público? Tudo isso está para ser in- ventado no caso do filme brasileiro; no caso do filme importado, tudo isso já vem mastigado, e não se exíge do exibidor nenhuma inventividade, quase nenhum risco assumido na comercialização. Ao exibidor entrega-se tudo pronto, e nada se pede a não ser que bote o filme na tela e entregue a renda ao distribuidor. Outro ponto que contribui amplamente para a formação de um exibidor letárgico, de pouca invendvidade e trabalho ro- tineiro, é que, vinculado como está ao produto importado, ele não está associado aos riscos da produção que ele comercializa. Os problemas que cercam a produção nos pai'ses de origem dos filmes comercializados no Brasil chegam amortecidos ao exibi- dor daqui; ele não se associa a produtores, não tem que tomar iniciativas para lançar um filme que oferece riscos comerciais. Criou-se então um exibidor apático, que vive a reboque do pro- dutor e distribuidor estrangeiro. A isso acrescenta-se que o pró- prio distribuidor estrangeiro não tem interesse especial numa cxploração profunda dos filmes. Vista a extensão dos mercados 26 iiitcrno e externo de que dispõe, basta que os filmes iii`t.ii.in i`t>s t.ii.cuitos já abertos para fornecer rendas significativas, eii(iii:iiit() um circuito mais ramificado, que procure os públicos lá tmtlc` i.*tãti, seria mais trabalhoso e mais caro. Basta que os filmcs Hii:inhem o essencial da renda possível, enquanto para o filmi. lii.:`sileiro é fiindamental um circuito bem mais detalhado. As- `im, cada vez mais, a tendência é de os cinemas se localizarein ii:i área urbana e nos lugares de mais alto poder aquisitivo. Em ti.rmos de produção brasileira, é necessário não só que os atuais t`ir(.ui[os mudem a sua fonte principal de abastecimento como iii`i`etrem em outi.as áreas geográficas e sociais, e também mo- i lH`it]uem radicalmente seus métodos de trabalho. A ausência de iniciativa, a falta de perspectiva e a incapaci- il:itlc de analisar a situação, a dependência em relação aos distri- liui(l()res estrangeiros, bem como a retração do comércio cine- m`i(igráfico nas últimas décadas, fiz€ram com que os exibidores tiiii` iituam no Brasil se tornem um empresariado emperrado, lr;ii`ti, (iue não consegue enfi.entar os novos dados da situação, tiu;`isquer que sejam. Por exemplo, os exibidores deixaram so- l.i.i`viver grande quantidade de salas que provêm dos anos 1930, •iu:intlti a situação do cineina, rei das comunicações de massa, t`i.i tliferente da atual: salas imensas com enomes saguões (e i.iiuii):miento obsoleto). Assim os eribidores tomaram-se víti- niH` tl:` especulação imobiliária, e o baixo rendimento de suas uhii`l;ições não lhes possibilitava enfientar as propostas feitas .iu` iirt)prietários por grandes empresas em crescimento, tipo `uiicrmercado. A resposta das soluções compactas (conjunto de `'Hiii`` *i`las) veiotardiamente, a reboque da Europa e dos EUA, t. "`i`rtivisada. lssti só para exemplificar a lerdeza com que trabalham os t.xiliitltircs até na defesa de seus próprios interesses. Mas o no- ii(vi`l i`it;so tudo é que os exibidores sistematicamente respon- `i`l)ili';,Hi`i, para qualquer mal que os atinja, o cinema brasileiro. 1'` :` ii`Á tiualidade dos filmes, é a fâLta de público, é a legislaçã(` iii.nii.i`iui`ista que, oficialmente, os exibidores responsabili/:wn int` i}:mi ii mnsformação de salas de cinema em supcrnii.i.m dos. Não se entende muito bem como um cinema que ocupa tão pouco espaço no mercado poderia ser responsável por tão grandes males. Numa entrevista (F4fo Noz/o, 8/1970), o presi- dcnte da Assembleia Geral dos Exibidores deixou escapar que foi encomendada à Fundação Getúlio Vargas uma pesquisa cujo resultado teria indicado 94°/o de ociosidade das salas para filmes brasileiros, mas nada menos de 82°/o para filmes estrangeiros. Fica então claro que todo o problema não é apenas o cinema bra- sileiro, que faz o papel de bode expiatório para mascarar outros prob,lemas. E evidente que todo esse sistema de vigência dos filmes es- trangeiros não se deu apenas por causa do sistema econômico. Como salienta Paulo Emilio Salles Gomes em "Cinema: traje- tória no subdesenvolvimento", na Índia, por exemplo, não foi assim. Por mais colonizada que fosse e por mais que a produção cinematográfica indiana tenha rccebido influência dos coloniza- dores, a cultura do país colocou uma barreira contra a invasão do cinema importado. 0 público não se interessava, não entendia o cinema ocidental. 0 processo colonizador na América Latina foi diferente: os habitantes que os colonizadores encontraram à sua chegada não foram propriamente dominados, mas extemina- dos. Devido ao processo de colonização, as informações culturais emitidas pelas metrópoles econômicas e/ou culturais e transpor- tadas para o Brasil não encontram aqui um terreno que lhes seja heterogêneo. Ao contrário, o próprio tecido da formação cultu- ral brasileira provém em grande parte dessas metrópoles e per- mite a fácil absorção dos produtos culturais metropohtanos. Isso dc modo algum quer dizer que o processo da sociedade brasi- leira seja o mesmo ou homólogo ao das sociedades europeias ou americana, nem que os produtos culturais importados tenham aqui a mesm significação e fiinção que têm em seus países de Origem. Mas o processo de dependência possibilitou que, em temos do imaginário e do consumo cultural, as classes dominantes ti- vessem a ilusão de ser como que um prolongamento das burgue- sias europeias (e principalmente fi.ancesa em temos de cultura) 26t i. `.`uiitrc tcntassein se igualar a elas através de um`[` tiiti`r:`\.:it> `iii.``i. ni.igii`a, pois peLo viés do consumo e não da pro(luç:itt (.ul- i`iml. l.`,sse processo de aculturação podia ser feito diretaiiici`ti. /w /Í/t.Í/. através de viagens, ou de importação, ou mesmo di` uiiiii iw . w l`i`.:io que, vísava a reproduzir as informações emitidas pclí`s in..ii i'iii()les. E óbvio que a reprodução é impossível, pelo sim- iilt.` l`;`i(i de que o processo social brasileiro é diferente do das liiii.#ui.*ias dominantes. Ver 4o ziG#cfrdo7. Ázf ó#4f#, de Roberto `tlcliwu.z. Mas o esforço cultural é fi-equentemente vivido como rciwutlução, ou melhor, como "atualização" para usar o termo dc 1 ).ii.i.y Ribeiro (Tporí.¢ do 87jzj.f.». Não se trata de procurar wi`ni t n.iLrimlidade, uma especificidade dos processos culturais i`t i lli.;``i 1, iiiiis sim de pôr a "cultura brasileira" em dia com o que ilt. ii`M` rci`ente produzam as meuópoles. E para as burguesjas :`;'|',',`:.';.,`;!`,:`::saÉas#ã:àãüov:ãqoueéuq:eâtoãsomd:ücvhoasTrei:,:`a:á: rliu il:`(lti iior áreas tidas como liberais contra a ferrenha cen- :,',','|:`,,',",`,l',`,':,t,.::sF:rdtieradá:|:Ía4ç::?Ea:`:%u::n:;|::edpeo,rn:'à:::: l`.ii()`, t.tii``ti este de ElyAzeredo sobre a proibição de CÁíf47zou4 ili` l..i.lliiii: "[...] o universo do autor de 47%47ro7ifJ encontra em ii)tltii tis continentes a admiração das plateias mais exigentes e •1( " ii`iit)rcs geniais -como Bergman e Kurosawa -empenha- il" iiii i.vtilução espiritual do homem [...] Agora barram nosso w``..Hiti :`` iiticsia [...]". (707-724Í/ do 87ij7jz./,18/11/1977). No entanto, ® lii`iii.tlimcnto colocado a filmes como 0 zí/Jj.7%o f47zgo c7% Pz7rz.f ®u /w.M/w "ccÂ7zj.c# não constituía o maior problema criado iwln ..i`i`sura. Chamar a atenção sobre os obstáculos levantados •'( iiin.:` csses filmes era uma maneira tática de sensibihzar os lei- ii w`t.` :i i.i.si.eito da censura, mas não só isso: um setor das classes illi.irmii.s inquietava-se porque via obstniído um de seus canais d. iii n.`li7,aç`ão cultural. Ncstc quadro, o cinema brasileiro não tem vez, pois, se o t.o- cti tli` ``vcrilíideira" cultura encontra-se fora do Brasil, como lcv:`i. -)'/ a sério a produção ciiiematográfica local? Como reconhecer o va- 1or de um filme brasíleiro, se o valor de qualquer obra é detemi- nadopelametrópole?Nãosetemideiadeatéquepontoéangus- tiado o confi-onto entre a elíte cultural local e o filme brasileiro. Nenhuma angústia diante de Felliní, Bergman ou Resnais, pois sabemos - e os órgãos metropolitanos de divulgação cultural nâo cansam de repetir - que são supremos aitistas. A angúsüa que possa provocar algum fljrofjí.7% 7%c# 47m tenderá sempre a ser uma angústia confortável. 0 público poderá se angustiar com a guerra, a memória, um amor, um estilo, mas nunca terá que se angiistiar para saber se é ou não um "bom" filme, se altera ou não alguma coisa na sua vida, se perturba ou não o seu conhecimen- to da realidade, não terá de se angustiar para saber se fJz.rofóí.7%¢ 777€c! 477zor é angustiante. Pois a decisão já está tomada: o filme vem carimbado: "obra de arte angustiante". Bastará que consuma a angústia. Diante de um filme brasileiro, a decísão ainda não está tomada; caberia a esta elite reconhecer se para ela (ou, na pers- pectiva dela: para a sociedade brasileíra) tal ou tal filme é ou não de seu interesse. Para isso ela precísaria ter uma autonomia de dec.isão e se afirmar numa perspectiva hístórica. E não é o caso, a tal ponto que para se situar diante de sua própria produção cine- matográficaelatemqueaguardarqueestapassepelametrópolee r?ce.baachancela.OP¢g#dordcpro7%cfj#f(AnselmoDuarte,1962) so virou grande depois da Palma de Ouro em Cannes. 0 Cine- ma Novo só virou importante depois de receber não seí quantos prêmíos em festivaís internacionais, artigos e entrevistas em re- vistas estrangeiras de prest]'gío cultural. 0 prest]'gio internacional conquistado por algtins filmes e cíneastas deixou, atualmente, um pouco mais segura essa insegura elite para se posicionar diante do cinema brasileiro. Mas contínua cacoete da publicidade cinema- tográfica brasileira equiparar o produto local com o estrangeiro que goza de tanto prestígio. "De resto podemos garantir que em niddez e perfeição Z,c f/77» dw dí.4#c [filme brasileiro com títu- lo original em fi.ancês] é um traba[ho que pode sofi.er confi.onto com os melhores que as diferentes fábricas nos têm enviado" (0 Estado de s. Paulo,18/5/1917). O cavaleiro negro é u" if-"&;:i 30 w t.iiiiii)etir com as produções estrangeiras" (idem,1"/7/1 t/2 i). ^ iilii.ii`.`ção de qualidade pode tomar esta curiosa form.`: ÍJ .qww Í..///.. "Há partes, principalmente, a séüma, a oitava c ii tlt:`i`imn `cgunda, em que a nitidez fotográfica faz inveja à dos mclhtii.i.` l`ilnics europeus" (idem, 4/6/1916). Essas afimações ainda viLm i.iiiii lit)je: "Na linha das grandes comédias... nada fica a devcr às ii`i`ll`tires estrangeiras do gênero!"(Co77% c' É)04 7m+fzz c77zprcgz7c/#, 1 `/7.)), "Um filme que mda fica a dever às melhores produções •Nirmgeiras" (U7% uc7itJ4cJcj.ro bz.f£o'7'/.4 dc 4%or, 1971). E a publi- Ci(l:`ilc de Do7z4 F/or c fcr#f do/.f 7#4rj.doj (1976): "Um filme brasi- lcii.(i de padrão intemacional". Ou procura-se uma foma mágica ili. ti`inose. A respeito de So;fiw P#¢ go2m "A direção de cena ®ii.vi. a cargo de um profissional competente e profiindo conhe- ci'(l()r dos meios cinematográficos nortc-americanos" (0 Ej£zzdo //r ```. /'4z//o, 27/6/1924). Manifestação, não de qualidade cinema- inHHífica, mas de um.amigado complexo de inferioridade. Mesmo rejeitando o cinema brasileiro, ou aceitando-o na iii`..litla em que ele se igualaria às melhores produções estran- wcims ou receba a chancela metropolitana, esse público, queira i)`i iiãti, perceba ou não, relaciona-se com os filmes brasileiros {lc i`itido completamente diferente, porque eles falam da rea- li(l:i(le social e cultural em que vive esse público. Não neces- iiu.i:iiiiente por oferecer um ponto de vista cn'tico sobre essa rc.iliilade; mesmo quando tentat]va de imitação da produção cmangeira, mesmo quando a realidade brasileira apresentada i.cl() filme está obviamente deturpada, esse filme oferece uma t lctcrininada imagem dessa sociedadc. Significativa desse ponto •lc vista é a quantidade de cartas de leitores publicadas pelo Jo7-- ww/ do 87ijzj`í./ contra a pornochanchada, enquanto nada se publi- i`i`wi contra Lando Buzzanca ou o Kung-fii. Mesmo com atitude ili` rcjeição, leitores bem-pensantes eram levados a assumir uma iM)*iç.ão ativa, porque esses filmes brasileiros mexiam com eles, •'tim a imagem que eles têm de si próprios, da sua sociedade, th N`i:` vida cultural, da sua moral. ^ má qualidade que esse público atribui ao cine" hr:i`i li.iro não é apenas um julgamento de valor sobre determii`.iil i m til)ra cinematográfica, mas me parece se,r um julgamento sobre a má qualidade da realidade brasileira. E também uma maneira de reafirmar e consolidar o complexo de inferioridade, portanto de nos instalar no amargo porém confortável estado de irres- ponsabilidade: fazemos mau cinema, somos domimdos, depen- dentes, inferiores, logo não podemos nos assumir e criar nossa perspecdva histórica. Em última instância, temos que rejeitar não digo os filmes, mas a própria realidade: argumento do tipo "brasileiro não presta para fazer cinema". Ou então este mara- vilhoso argumento elaborado por alguns críticos m década de 1930, após o cinema ter-se tomado sonoro: a língua portuguesa não é cinematográfica. Não adianta nem tentar, todo esforço é fadado ao ffacasso já que, intrinsecamente, o português não se presta ao cinema. A grande resistência que a elite opõe ao cinema brasileiro íEa:ebcoeranãnoãosce:::;fi;aersqnu:ssapcúobnlàceocs|dcao:s,rdeesrpaei::,pc::::arr:se. Geraldo Santos Pereira (P/4¢o gmjz/ do cj.mm G7ijgfj./cj.7io) pode-se pensar que, no jargão mercadológico, a classe C aceita melhor a produção brasileira. Se é sempre um problema para a elite adi- vinhar se Glauber Rocha é tão bom quanto lngmar Bergman, a classe C aceita de bom grado iima pomochanchada italiana ou brasileira. Enquanto as camadas de maior poder aquisitivo estão constantemente submetidas às pressões do consumo cultural do exterior e têm maiores condições de assjmi[ação da infomação cultural, as outras camadas não estão submetidas tão diretamen- te a essas pressões (que, para elas, se exercem através da elite di- rigente brasileira). 0 que levou Paulo Emilio a afirmar, em aula filmada em Te7% coc4-co/# #o zJ4f#p¢ que o povo foi protegido da influência cultural extema pela sua própria ignorância. Certamente que a cn'üca poderia ter tido a fimção de sacudir essa elite insegura. Mas, ao contrário, a tendência é ela reforçar o mecanismo. Como se constrói um crítico cinematográfico num pai's dependente? Num momento em que não existem cursos 32 (lc cinema nem filmes brasileiros i]as telas, a maioi. i>.`t ii. tl" i`ri'ticos são jomalistas que comentam filmes estrangcii.m Nu jtirnal, o crítico ocupa posição mais do que secundárja, ti t`ii`i`iii:i iião é assunto essencial para o jomal. 0 crítico é então lcv.itlu .i tcr outra atividade, dentro ou fora do jomal, que assegure d `m S()brevivência. Daí decorre que, em geral, ele tem que escri.vcr n`pidamente, com boas intenções e até amor pelo cinema, nia`` i`crtamente com uma dedicação limitada. A]ém disso, por não scr assunto importante para o jornal, ele sofi.erá toda sorte de i}ressões, particularmente aquelas provenientes dos anuncian- tes: meia página de publicidade no fim do jornal, e no miolo o ienhor crítico diz que é um abacaxi! Muitos críticos, ainda na {lécada de 1940 ou 50, foram afastados de suas finções por pres- Hões de exibidor ou distribuidor. Existe também a fiinção que as redações atribuem às críticas: orientar o espectador médio para o consumo. Não será fãcil o cn'dco desancar o filme de que o })úblico médio e os redatores gostam, e passará por esdrúxulo se +*alorizar o filme tido por ruim ou hemético. 0 cri'tico não deve •fàscar-se do gosto médio. Ao contrário, lhe é atribuída a fiinção ilc reforçar esse gosto. Quanto à atividade de sobrevivência, já que o crítico gos- ta de cinema e de escrever, poderá ser cargo de publicista em *lgum distribuidora estrangeira: a fimção crítica pode ficar •criamente prejudicada. Existem diversos casos na época do •.inema mudo. Paulo Emilio cita esta notícia publicada em 0 G`/oóo (26/2/1934): "Os Srs. Harley e Rosenvald agradeceram à •`()laboração dos cromstas de cinema comunicando a vitória do Brasil na campanha intemacional da Fox pai.a melhor ter tório •`()mercial do ano". Esses são os percalços da profissão. Há problemas mais pro- #rndeo:,s,q.::gpe:::.êgâ|omEr::::noübàe.toret:ss,:::ec:emue:ti:,.oás,.e: digamos, abstrato, pelo simples fato de que o crítico fica alheio •(} contexto social, cultural e cinematográfico que gerou o fil- n`c. 0 crítico não está envolvido, não pertence àquele contcxtu q\ic em geral ele desconhece, ou quase. E também o text() tiw `,` foram aqueles que aceitaram essa provocação e entraram em crise. Diante de tamanho projeto, não era mais possível dar no- ta oito à fotografia, cinco à interpretação e fazer a média. Num número de 1964 da j?fzJz.fí4 de C;.%e7mz (Belo Horizonte), lê-se: "Tempos atrás, eu supunha que podia v€r um filme brasileiro exatamente c`()i]io um filme estrangeiro, com o mesmo grau de isenção. Quando passei a conhecer um pouco a realidade do ci- nema brasileiro, eu iTie convenci de que isso era impossível". Em verdade, essa dinâinica não parece ter ido muito longe: a críti- ca sofreu uma violenta regressão após 1964. Mesmo os críticos que ficaram ligados ao cinema brasileiro não aprofundaram seus pontos de vista. Um novo tipo de crítica e análise começa a se desenvolver após 1967-8, com a criação de cursos de cinema de nível univer- sitário. De modo geral e com a exceção notável da atuação de Paulo Emilio em diversas factildades, a tendência dos professo- res é se voltar para a semiologia. No início dos anos 1970, esta- mos numa fase como que do "recolhimento" de grande parte da intelectualídade e de forte importação de teorias europeias, que são estudadas e aplicadas. Na área cinematográfica, é a semiolo- gia. A adesão acrítica a uma metodologia pretensamente cienti'- fica como que paralisa a reflexão sobr€ o processo de produção cultural cinematográfica no Brasil. j6 2. A CAVAÇÃO 0 mercado, vimos, está domímdo pelo produto importa- (l{i; ele não solicita, nãoprecisa do filme brasileiro. 0 produtor lmsileiro não precisa existir. Isso não impede que vez ou outra i`pareçam filmes, e até de sucesso, e de grande sucesso, como 0 ir¢/wzz727. (Capellaro,1926 -aliás, coproduzido e distribu'do pela l'i`ramount). Mas certamente não é uma produção suficiente- ii`i`nte regular e lucrativa para sustentar um quadro dc produto- rcs com um mínimo de equipamento, laboratórios, know-how. N() entanto, os cineastas estão aí e produzem sem interrupção. Parcce que se dá um fenômeno que só poderia ocorrer numa clncmatografia dominada. "As sessões de ontem foram concorri- tlíSsimas pelo fato de constar no programa as fitas sobre as inun- ihç`(-)es de anteontem, as quais agradaram imensamente", comen- 1. ÍJ Ejf¢do dc S. Pz7z£/o (6/2/1909) a respeito do programa do dia J num cinema paulista. As inundações do dia 4 em São Paulo: a qucm isso podia interessar? A bem pouca gente, mas sem dúvida •i}s paulistas. Como interessavam aos cariocas e aos santistas as im(licionais ressacas que inundavam as avenidas à beira-mar no Rl() e em Santos. Essas ressacas cinematografadas constituíam •ió um espetáculo curioso para os paulistanos. Enfim, u" série dc nssuntos era do interesse das plateias locais, mas não interna- •`l()nais. Os europeus e os norte-americanos enchiam o Brasil de nlii`c` de ficção, pois a indúsria vinha se desenvolvendo exclu- ilvi`mente em fimção do filme de enredo. Aos produtores quc •ili`Him os mercados intemacionais, porém, não interessavam •ii`iiitt]s de alcance, digamos, municipal. Criou-se assim um üHm livre, fora da concorrência dos produtores estrangeiros. l )i`senvolve-se uma produção de documentários -ou "mi- |ir.is" como chamados m época - e de cinejomais. Uin li`- ` \ aniaii`cnto d.i exibição cinematográfica em São Paulo até 1935 indica que nada menos de 51 jomais cinematográficos brasilei- ros apareceram nas telas paulistas nesse pen'odo. A maiona tem vida curta, outros não, como o RojT;. 4f#4//.d4def que vai quase sem interrupção de 1921 a 1931. Naturais e cinejomais abordam assuntos locais, o fi]tebol, o camaval, as quermesses, a melhoria das rodovias, as inaugimções, as vantagens de uma fazenda ou de alguma fábrica qmndo os donos querem valorizar seu nome, uma figura poli`tica, alguns grandes acontecimentos políticos, a revolução de 1924, de 1930, sempre apresentados do ponto de #sat,aorden:ouea:tofirc.:ac=::mpbo,:::,(sÊn;:.àapdo.lí:.:::sus.omEqs::d: ínteresse do acontecimento ultrapassa as fionteiras -a visíta ao Brasil dos soberanos da Bélgica, de um presidente da República fi-ancesa, a chegada do balão alemão Graf Zeppelin ~, logo es- tão aqui os cinegrafistas estrangeiros, e sÓ excepcionalmente os documentaristas brasileiros conseguem vender seus filmes para fora. 0 caso do paranaense-italiano Gross, que vendeu aos EUA vistas das cataratas de lguaçu é excepcional. Indiscutivelmente, o que sustenta a produção brasileira nas primeiras décadas do século são esses filmes, não os de ficção. São eles que asseguram um mínimo de regularidade ao trabalho dos produtores, permitem que se sustente um certo equipamen- to, laboratórios etc. 0 cineasta José Medina diz que nunca per- deu dinheiro com os vários filmes de ficção de curtas e longas metragens que fez em São Paulo na década de 1920, confome depoímento no filme 7oíG` Mcc//7z4. Acreditemos. Mas tena con- seguido apresentar uns oito filmes em dez anos (Erc77zP/o 7~cgc- 7ze7Tjzdo7., 1919, F7-¢g7%G#fof d4 i/;.d4, 1929), não houvesse a fima de Gilberto Rossi, com quem ele trabalhava, ]ançado, aproxima- damente no mesmo período, mais de duzentas edições do JEofw Í4íí¢#/jd#dcr? Pode não ter perdido dinheiro com esses filmes, mas era o jomal que assegurava o equipamento, o laboratório e a peTnanência de Rossi na profissão. E sabido - e esse é um traço de toda a história do cinem até hoje, dominada que está pela indús[ria da ficção que filmes `.\` ili. i.unii metragem, particulamente documentári(js, ii.iti it.wi nit.i't`:itlt) n€m púb[ico específico: os espectadores pdgm iim •n`i`ur ao filme de ficção, os curtas vêm de lambuja. Pt>rm~ üi, i`i~`ti é do público nem dos exibidores que os produtorc` tlii ni`i`ii.:iis e cinejomais podiam úrar o dinheiro necessário pai.í` i`i`ii`i`tar sua produção. Vejamos o seguinte poema: "Primeirii Pwi.ii. ~ Sua Exa. Dr. Eloi Chaves, homenagem -Visita dos [iii`ilcs drc4d#oízgbf `São Paulo' e `Minas Gerais', da marinhaw`ili.ira, ao nosso porto de Santos -Um grupo da brilhan- W iil`ii`ialidade -Bom tipo de marinheiro nacional -A Asso- dw``:ln Brasileira de Escoteíros, diretorias. Drs. Mário Cardim, Inn`it.u() Viana, Ascânio Cerqueira e o Coronel Pedro Dias de Cnini`i)s -Os escoteiros de São Paulo em excursão ao Barro- •|li.i`iii`o -Transmissão de ordem, entre os monitores Carlos P. |ci`tmdo e Cunha Bueno -A palavra `Escoteiro' escrita pelo ttiilir() da `associação' -Os brasileiros devem encorajar seus fi- 11`()` :` se inscreverem na ABE, que cuida de sua educação ci'Vica, iii()n`l c esportiva ~ 0 Dr. Rodolfo Miranda. -Segunda parte: lJiiiii visita às oficinas de `Estado de São Paulo', um dos Órgãos m.i* importantes da imprensa brasileira - Fachada do edifi'cio -. ( :omi)osição em linotipo; composição em caixa; tiragem de riM`t;; pagimção; estereotipia; execução de matrizes para fim- `.iln - Como se faz um clichê zincográfico em todas as suas ic* - Saída do pessoal das oficinas ~ Terceira parte: 0 corso |i ^vi.nida Paulista continua a ser o rendez-vous chique de nossa i`.`it.tl;`de. Entre os automóveis apanhados pelo nosso operador, i|ém tle muitos outros, pudemos notar os seguintes: Familia Dr. llcmu de Camargo -Família Rego Freitas -Anibal Lacerda miil Vieira de Carvalho -Duarte de Almeida -Os automó- "lw .+40 e 28 -Família José Roberto Leite Penteado Filho - Di`N. l.`,verardo de Souza -Família Barros -Dr. Adolfo Pinto e •i'ii. -Antônio Carvalho e familia ~ Familia Freire da Silva - m`ilit i` e muitos outros -A nossa/.c%72cffc. Perfil do Sr. W. S. A. - 1 )i. uim sacada do Hotel d'Oeste, gentilmente oferecida pelo £u,,l;",';',,rd:ti:'ori,:::sdeaFEàme;::erasr::eFe:,uoe,àô.síe|:;:::::.:,','`',: IA onde estiveram prescntes; Mme. Caio Prado -Familia Lacerda - Mme. Pedro de Lac€rda - M. e Mme. Fábio Prado - Famí- lia Martinho Prado -Familia Sampaío Vidal -Mme. Antônio Prado Jr. -M. e Mme. Alves de Lima e muitos outros cujos no- mes não pudc.mos oltter. - 0 Triângulo às quintas; nosso ope- rador percorrcn(Io as ruas centrais: Viaduto, Rua Díreita,15 de Novembro, Ros:írit>, Largo São Bento, Lil)ero Badaró, apanhou as perspei`tjvas inais curiosas e interessantes -0 Dr. Samuel das Neves -As mo(las cntre nós ...- As artistas Renée Berthe, Sa- rah AJexandre c F`ernanda d'Argentan, apresentando lindas cria- ções das modistas: Mme. Pereira e Mine. Marcelle" (0 Eff4!Jo dc S. P#i//o, 5/4/1915). Esse o resumo da segunda edição da jicz//.m 87:jzj.z./ C/.72c7#4, a qual se apresenta como "jomal independente, sem cor política e sem ... subsídios". Imaginem se tivesse! Subsi'- dios, esses produtores tinham é que tirar de quem tem dinheiro: pessoas ricas que querem promover seu nome, empreendimen- tos, produtos, atos polídcos e mundanos e, naturalinente, fazer filmes de agrado dos patrocinadores. A produção cinematográfi- ca brasileira assenta-se num documentário exclusivamente liga- g::uuemoase::àee:tua:dsaãnoaà:,:::à:,nr::sp3Z;ú::àsmá,::aa:,à:l::lrádseüàae, ontem, no confortável e popular Bijou Teatro, em presença dos representantes das autoridades do Estado e da imprensa, supe- rintendente e chefe do tráfego da `São Paulo Railway' e de várias pessoas gradas, a exibição de díversos `filmes' de assuntoslocais, entre os quais a grande fita tirada na Serra de Santos [...] A re- ferida fita reproduz, com muita perfeição, os lindos trechos da Serra do Mar, atravessados pela `S. Paulo Railway', desde Piassa- guera até a estação do Alto da Serra." Esta nota de 0 Ej.£¢do dc S. P#G4/o (21/1/1909) dá boa sugestão da situação do documentaris- ta da época. Se operários, camponeses, soldados etc. aparecem, nunca será para mostrar sua vida ou seu trabalho. Será para mos- trar um "bom üpo" de marinheíro. Operários: mostrando uma fábrica, em que operários não poderão deixar de estar presentes e significarão o poderio do proprietário. Se se mostram operá- rios almoçando, como num documentário patrocinado pela fá- 40 l)rica Votorantin, em Sorocaba, o almoço se tormri{, i`t Hilt n i" Íi` letreiros do filme, um "espetáculo curioso". A câmara do documentarista da época era a câmar;` {lti iiti- der. Na sua comunicação ao [ Simpósio do Filme Docuiiii.iii.`l l}rasileiro (Recif€, 1974), Paulo Emilio já tinha chama(l(i tl.` "ritual do poder" um dos aspectos básicos desses naturais (sci`- ilti o outro o "berço esplêndido"); ele referia-se aos inúmeros lllmes que relatam atos dos presidentes da República e da elite tlt) poder. No entanto, essa qualificação pode ser estendida a Í`ilmes que não tratem dessas personalidades, e que até abordam :``suntos populares. A essa conclusão nos leva a visão de do- i`umentários recém-recuperados, como 4 j:¢72£# dg Co¢zm.7.of (i`erca de 1929) e Áf czi7ijzf do Pro/e£sor Moz47-£ (cerca de 1922). A *i`nta Manoelina faz curas no sertão mineiro, sua casa, tal como iiparece no filme, fica isolada no meio do mato, a multidão de t,cus adeptos são pessoas do povo. É isso que o cinegrafista re- gistra. Mas registra também que, na oportunidade, estavam i)resentes um jornalista que o ajudou no trabalho e uma comis- `ão de "acadêmicos" que tinha ido averiguar os "milagres". É l]astante provável que não haja aí nenhuma coincidência: o ci- negrafista não foi por decisão própria procurar Manoelina no scrtão, foi acompanhando a comissão. 0 mesmo ocorre com o l'rofessor Mozart, as filmagens incluem um jantar com um de- iiutado e um jornalista. A aproximação desses assuntos "popu- lares" se dá através de atos da elite, a reboque dela. Desse mo- tlo, podemos aceitar a expressão de Paulo Emilio, deslocando um tanto a sua significação: não só quando são filmados presi- (lentes da República ou outras autoridades verifica-se o "ritual tlo poder", e não é o assunto que determina o ritual (hipoteti- camente poderiam existir filmes referentes a presidentes que não participem desse ritual), mas o tipo de produção e o enfo- que pelo qual é abordado o assunto. Jomais atuais como o de Primo Carbonari ou o Canal 100 e suas matérias pagas, ou os dociimentários patrocinados de Je`m Manzon ou 1. Rt)zemberg são simples prolongamentos di```.` fase. •// No entanto, não se dcve pensar que, por cstar menos de- pendente da elite que o documentário e o cinejornal, o cinema de ficção desse mais amplo papel aos operários e às contradições sociais. Os emigrantes italianos que filmavam em São Paulo não puderam deixar de ter contato com meios operár]os, com as as- sociações de socorro mútuo, com gTupos favoráveis ao anarquis- mo. Mas, pelas inforinações que se tem sobre o seu cinema, nada disso se reflete nos filmes. Esses emigrantes estavam um pouco atrás de ascensão social e a ideologia que inspira seus filmes é sem dúvida pequeno-burguesa. Por outro lado, esforçavam-se em se jntegrar na nova sociedade em que viviam, de modo que eles vão buscar temas na literatura e na História do Brasil: 0 g2ara.ni (19!6,1926), Inocêncí? (1915), 0 grito do lpiranga (1917) são alguns dos assuntos que abordam, e tudo indica que esses fil- mes encaixavam-se num quadro de valores bastante oficial. Pelo menos u" vez o mov]mento operário foi abordado pelo cinema paulista mudo: Lz£zcf gz# j.Ç 4p4gm (1929), que teria sido destru- ído por um incêndio antes de sua apresentação ou não teria sido realizado, é um filme de José Medina, descendente de uma famí- lia operária de Sorocaba: seu pai trabalhava na Votorantin, onde ele mesmo começou a trabalhar. L%zer qz/e fG ¢p4g#7% é a história de uma greve, e basta um resumo do enredo para se ter ideia de como era enfocado o movimento operário na talvez única vez em que foi abordado pelo cinema de ficção da época: um gru- po de operários da Light reivindica aumento salarial e ameaça desligar as luzes da cidade, caso não seja atendido. A esposa do líder está contra essa ação que só poderá acabar mal. No dia em que se esgota o prazo estipulado pelos operários, a filha do líder é vítima de um acidente. 0 médico decide operá-la de urgência. As reivindicações não são atendidas; os operários desligam as lu- zes. A operação, por falta de luz, é interrompida. 0 operário en- contra então sua filha morta em consequência da interrupção da operação (ver Maria Rita Galvão: Cro^7zw do #.72c77z# p#%/z.j.f#7?o). A ideologia dos naturais e dos cinejomais, portanto, não decorre apenas de uma estrutura de produção a que teriam tido de se submeter os documentaristas; é uma ideologia encampada pelos 42 ii`lw i)tirque mais fácil de ser feito e menos dispendioso" i ni .iu m i.m geral. Toda a filmografia deJosé Medi"`, i.iii i i t ni ii nnn:` í`pologia do conservadorismo moral e poli'tii.ti. \'.iltando aos naturais: Gilberto Rossi era respciti`ilt», i``:i` •lr nw i.l{} geral esses cinegrafistas eram malvistos; eles tinlimi i` iiiii. tlt.`i`()lar a grana, qualquer trambiquc va`lia, e o filme rc``il- iiinit` i`cm sempre era lá aquela maravilha. As vezes nem filiiic h.vliL l``,ram os "cavadores", e não havia quem não desancassc ii. i.iw.i(l()res, atribuíam-se-lhes todos os males do cinema bra- i||.`l" l'ui.tiue cinema não era isso. Cinema era filme de ficção, min i.`t i.cl% glamorizadas. Aquele espetáculo prestigioso que as -lM i.xilnm`i no Brasil, mas que os brasileiros ~ Deus sabe por n`|',`,'w.';`.:!:";;:`çã=#ãa::Ornesae|ga[â:c::zee:aToogdroásf,cqauenrt'aa[:s:a[:á: •m u i`.`i`iml, o cinejomal, a cavação. 0 filme de ficção era o •niil`n, u tlcsejo, a vontade, mas era a realidade dos outros. Só iwwlr i`i.tivtiL`ar espanto a frase seguinte: "É o único que poderá 'r'.': \lm m l}chring, diretor da revista Cí.7zc4ríc, falando do filme iii.i w .il (i.mdo por Paulo Emilio em Hzó7%bcr£o M4%7.o, C4f4gz# "i, /,///t.Í/;.Ít'). Pois o tom costuma ser outro: "0 meio sujo dos `i.wili ii.i.`. i)iratas, imbecis, ignorantes de cinema e até ladrões", •|i/ Í\.llii`nim Gonzaga (idem). Mas a realidade é mais forte: o ';;.,,,,,,;;:,"(,,;,,:::saog:;:áacu,:e'db,ã:fã:"pzrt":::t::'tz::¢ÍJecm"p:efí#áí il. ii`i`i` tlci)ois que Vargas assinou o decreto do "complemento n.('l("`l". 1.`, essa situação prossegue hoje: quantos cineastas, im `i. `ii`tentar, e quantas produtoras de longas-metragens |lu Hi` vtilt.un para o filme de publicidade ou o documentário l','l'''t.i(m,l? ( ) ii.mlicional desprezo pelas cavações reflete-se em outro Wi'i.t.n(i. ( )` livros de história do cinema brasileiro são sempre hliii'M ii`S d() filme de ficção. Com exceção de Maria Rita Galv`ão m .``i^ (;i.(^mii:a do cinema paulistano e Paulo Em.Lüio em Hunil)ei-i(i ^/.Wro.„ ()s historiadores não reconhecem que o que susteiit()u +; a produção local não foí o filme de ficção. As prima-donas dessas histórias são Humberto Mauro, Luíz de Barros ou José Medína. Gilberto Rossi. por exeinplo, é apresentado por Alex Viany em sualntrodução,aofin.e"ã.lir_asileirp?omo[o.óriaçodeosegr;dodo co7rz£%d4 e cofundad()r da Rossi Film.Em 70 47zof Jc cj.72c77z# ó7tzj7.- /e;.ro, Paulo Emilio diz que Medina fez E#%p/o r€gc¢enj?dor para mostrar a Rossi a p(]ssibilidade de se praticar no Brasil a "conti- nuidade" cinematográfica. Essas as únicas referências a Rossi e às nada menos de 227 edíções de seu jornal em duas obras clássicas de história do cinema brasileiro. A tendência dos historiadores foi aplicar ao Brasil, sem crítica, um modelo de história elabo- rado para os países industrializados em que o filme de ficção é o sustentáculo da produção. Não é o que se deu no Brasil. 0 conceito de história do cinema que se usou no Brasil está mais vinculado à vontade dos cineastas e dos historiadores que à rea- lidade concreta. Dependente o cinema brasileiro e sua história, dependente a metodologia com que se estuda essa história. No entanto, produziram-se filmes de ficção. 44 }. AVENTURAS DO PENSAMEN'l`( ) INDUSTRIAL CINEMATO GRÁFICO "Aqui produzimos não em caráter de indústria, mas por l(lci`l ou por vontade de brincar de cinema" (Pedro Lima, 0 Í.`riizc';'ro,15/3/1947). Quando o produto cinematográfico bra- iilciro existe, não é em função de uma relação entre produção c ii`crcado, mas por decisão própria de um indivíduo que, por ii`titivos pessoais, se volta para o cinema. Frequentemente são iirti`sãos fotógrafos para quem a máquim de filmar representa uni i)asso a mais, o cinema e o engenho ultramodemo. E a fe- l w`i. (`inematográfica qiie toma o público das primeiras décadas iln `éculo atesta essa ultramodemidade. 0 Brasil precisa ser tltiii`ilo dessa ultramodernidade, não se pode deixar o país ficar iim trás. Todos os países têm cinema, por que não o Brasil? E o ,1 iii`i.iTia dá muito dinheiro, veja-se Hollywood. E no entanto, no i lli .``il, nunca dá certo. "[...] A cinematografia floresce em todos i, m imi'ses cultos e constitui uma indústria dia a dia mais formi- dÁvcl, onde se investem enomes capitais. Entretanto, se é assim (í rii` ttida parte, entre nós a cinematografia permanece nos cuei- '\ iii`. Por quê? Qual a razão desse marasmo? -As poucas ten-, iiiii\m feitas Íracassaram e nota-se da parte do capitalismo uma ' ii`i.i`c absoluta indiferença pelo negócio [o autor, para explicar •i li.:`casso do cinema no Brasil, aventa algumas hipóteses que i `.li. i.cfi]ta: falta de atores? filta de cenários naturais para filmar? ' N1()|. Então, por que esse marasmo? -Ignoramos. Há coisas (lc t()do inexplicáveis em nossa boa terra. -As primeiras ten- i.`tivas tiveram um vício na origem que as levaria fatalmente ao l.i.i`i`:`sso: incapacidade de direção técnica [...] A arte é mais com- itli.x:` do que parece e exige, no técnico, além da cultura artístic..`, `iin `enso especialíssimo dos efeitos finais, que só a experiênm (l.``ciivolve [...]" (0 Es£#do de S. P##/o, 4/12/1919). "As tent<`tiv:i` '', +Í para a implantação díi jndústria cinematográfica no Brasil têm sido inúteis. Poder-se-i.i (]i7,er, mesmo, que algumas delas têm si- do prejudiciaís. É qtie íi vontade de auferir proventos imediatos obrigou os peq`icntt`` industriais pioneiros desse empreendi- mento a cuidar simiile`miente da parte econômica ou utilitária, descurando (It) l:itlo c`stético. As consequências foram naturais: os filmes ai)reseiit.`(los em sua quase totalidade pelas empresas explora(lor<is (l.i mc. i`incmatográfica entre nós ressentem-se de senõcç imiito sérios, tiue i`t)ntril)uíram poderosamen[e no senti- do de desprestigiar as jniciativas que nesse gênero se levasse a efeito [...]" (0 Ef£4do de S. Pzzíi/o,17/11/1925). Muítos procura- vam a explicação da falência crônica do cinema brasileiro dentro del€ mesmo. Uma total falta de visão do cinema como merca- doria, uma incompreensão da estrutura do mercado intemacio- nal bloqueavam qualquer possibilidade de entender a situação. Amda hoje, vez ou outra, ressurge essa ideia: "[...] nosso cinema deve buscar em si mesmo as razões de seu malogro na conquista domercado"(0Ef£ÁzdodGS.P#4editorialde4/8/1972).0que pode levar a uma atitude masoquista: é o cineasta brasileiro que não presta; faltam-lhe pendores arti`sticos; ele é ganancioso; ou então os atores é que não são bons etc. E diante da incom- preensão da simação global, uma ilusória noção de qualidade aparece como salvadora. Até recentemente, encontravam-se ves- t]'gios dessas ideias: o presidente da Vera Cruz afimava que a qualidadedosfilmesassegurariaapresençadopúblico,queaqua- Iidade é que venceria os entraves da comercialízação e a batalha do mercado, apoiando-se em ideias como essas veiculadas pelo crídco Jonald (citado por Maria Rita Galvão, 4 yc7:j7 C7.z£2=...): "0 único caminho para o soerguímento do cinema brasileíro é a busca do filme artístico. Somente impondo quahdade ao público é que poderá crescer a confiança geral no seu destino" (1949). Como se essa bendita qualidade fosse algo abstrato, que não dependesse de uma relação de forças no mercado. Não era fácil entender por que o cinema não dava certo no Brasi[. A relação entre a dominação do mercado e impotência da produção local, esses cineastas, que não eram economístas nem sociólogos, só 46 m iitiiicos conseguiram estabelecê-la. A mim iiii. ij.u `.t i. `iui., nn t`iitii`a, era preciso fazer um real esforço de r`ai`itjt nnu it n i •t' i.hegar a escrever o seguinte: "Sob o fiindamento tli. iiiii` u in'ililico desama as fitas nacionais, o que não é bem uiii.` vi.i.tl:`- •lc, m i`mpresas recusam os trabalhos de nossa cinematogn`l`i:`, nii`{la inc`ipientes. A verdade é que os nossos filmes só podcn`iti •cr t`i`ii:izes de concorrer com os estrangeiros no dia em (]uc iiww:wlm em nossos cinemas proporcionem aos seus abnegados uii`im e empresários os meios econômicos sem os quais tal ii`il`i`tria não se poderá desenvolver. 0 fato é que temos capaci- ili`ilr iiiira esse trabalho [...]. 0 essencial é que os exibidores não ` i u im os braços sistematicamente aos que trabalham em prol iln i nicmatografia nacional e aproveitem as obras realizadas a ii"l.r tlc tanto sacrifício. Numerosas fitas brasileiras continuam il.Hi`()iihccidas por falta de exibidores que as incluam nos seus ProHrmms" (0 EJ}úrdo de S. P#z£/o, 15/9/1925). Essas ideias não •`irHinmi de análises, e sim do fato muito concreto de cineasta, i`iim l`.itas de filmes debaixo do braço, indo procurar eribidores ii`ic i`:itj demonstravam nenhum interesse por seus filmes. Veja- •ic {i t':unoso depoimento de Humberto Mauro a Alex Viany em I Vl 2 .. "( ) filme nacional, sob todos os pretextos, encontrava uma rtmi`ic.iicid compacta e invencível entre os distribuidores, amar- "tl()` `iiie estavam ao monopólio estrangeiro, de ponta a ponta. ( tlw ivi.m()s o lançamento de 87i4jt7 cJor77zz.cJ# pela Universal, e o ilii .\.t/;/.Ç//t' 7%f.72cí.ro através da Urânia, mas rebaixando-nos à con- •li`.\() tlc pedintes. Veio o fracasso financeiro. À falta de lucros i i H i ii}cns:idores, a sociedade dissolve-se" (Viany, J7zfrodí/ÇÃo...). l':`i.:i reinediar essa situação, muitas vezes faz-se apelo a um Íniw c`tramercado: já que o jogo do mercado não 1evava os fil- iiii.` i`` tclas, nem público às salas quando os filmes estavam nas it.lii`, .it}clava-se ao amor à pátria. 0 filme estrangeiro podia ser vhi( i iit ir prazer, mas o prazer para o espectador brasileiro assiç- ili`iln n tllmes brasileiros nasceria justamente do fato do filii`i. ici. lmsileiro, e se mesmo assim não funcionasse, o prazer pt>tli.- rh iiiit;ccr de estar ajudando a indústria cinematogTáfica ii:ii`in iiitl. (J`k``c iim dever patriótico. Humberto Mauro, n() iiii.`H`.i
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