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COMUNICAÇÃO MIDIÁTICA MATIZES, REPRESENTAÇÕES E RECONFIGURAÇÕES Organizadores Dafne Pedroso Lúcia Coutinho Vilso Junior Santi COMUNICAÇÃO MIDIÁTICA MATIZES, REPRESENTAÇÕES E RECONFIGURAÇÕES GEISC\PUCRS Porto Alegre 2011 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS. EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33 Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – Brasil Fone/fax: (51) 3320 3711 e-mail: edipucrs@pucrs.br - www.pucrs.br/edipucrs TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos direitos Autorais) C741 Comunicação midiática : matizes, representações e reconfigurações [recurso eletrônico] / org. Dafne Pedroso, Lúcia Coutinho, Vilso Junior Santi. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011. Modo de acesso: World Wide Web <HTTP://www.pucrs.br/edipucrs> ISBN 978-85-397-0074-5 1. Comunicação. 2. Imaginário. 3. Cultura. 4. Sociedade. I. Pedroso, Dafne. II. Coutinho, Lúcia. III. Santi, Vilso Junior. CDD 301.161 © EDIPUCRS, 2011 Capa: Rodrigo Oliveira Diagramação: Rodrigo Valls Revisão Linguística: Julia Roca dos Santos COLABORADORES Ana Carolina Escosteguy Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS/RS/BR. E-mail: carolad@pucrs.br Bruna do Amaral Paulin Jornalista. Mestre em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: brunapaulin@gmail.com Camila Garcia Kieling Jornalista. Mestre em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: camila.kieling@gmail.com Camila Pereira Morales Publicitária. Mestre em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: camilapmq@yahoo.com.br Caren Adriana Machado de Mello Jornalista. Mestre em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: carenmm@gmail.com Carolina Conceição e Souza Publicitária. Mestre em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: carolsouzaa@gmail.com Caroline Delevati Colpo Relações Públicas. Doutoranda em Comunicação Social pela PUCRS/ RS/BR. E-mail: carolcolpo@bol.com.br Cristiane Freitas Gutfreind Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS/RS/BR. E-mail: cristianefreitas@pucrs.br Dafne Reis Pedroso da Silva Jornalista. Doutoranda em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: dafnepedroso@gmail.com Eduardo Campos Pellanda Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS/RS/BR. E-mail: eduardo.pellanda@pucrs.br Isabel Almeida Marinho do Rêgo Publicitária. Mestre em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: bel_marinho@hotmail.com Karine dos Santos Ruy Jornalista. Mestre em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: karine.ruy@acad.pucrs.br Lúcia Loner Coutinho Jornalista. Mestre em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: lucialoner@gmail.com Samara Kalil Jornalista. Mestre em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: samarakalil@gmail.com Sandro Adalberto Colferai Graduado em Letras. Mestre em Comunicação Social pela PUCRS/RS/ BR Email: sandrocolferai@hotmail.com Vilso Junior Santi Jornalista. Doutorando em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: vjrsanti@yahoo.com.br AGRADECIMENTOS À Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social pela estrutura e apoio oferecidos. Aos professores do PPGCOM/PUCRS Ana Carolina Escosteguy, Cristiane Freitas Gutfreind, Eduardo Campos Pellanda, Antônio Hohlfeldt e Juremir Machado da Silva pelas contribuições, incentivo e inspiração. À EDIPUCRS pelo acolhimento da proposta. SUMÁRIO Prefácio ................................................................................................10 Parte I Matizes do cinema brasileiro e sociedade 1. A multiplicidade da pesquisa em cinema ..........................................13 Cristiane Freitas Gutfreind 2. Circuito de exibição periférico: cineclubismo e itinerâncias ..............16 Dafne Reis Pedroso da Silva 3. Traços da indústria do cinema brasileiro contemporâneo .................31 Karine dos Santos Ruy 4. O jogo cinematográfico de Cama de Gato ........................................45 Isabel Almeida Marinho do Rêgo Parte II Cultura e representações midiáticas 5. Em defesa de uma perspectiva analítica sócio-cultural .....................63 Ana Carolina Escosteguy 6. Favela-Movies e Favela-Series: novas representações na produção audiovisual brasileira ............................................................................66 Lúcia Loner Coutinho 7. Estereótipos do Britpop através dos enquadramentos da revista New Musical Express ...................................................................................82 Bruna do Amaral Paulin 8. Amazônia à margem da sociedade em rede: imigrantes em busca de comunidades imaginadas ...................................................................103 Sandro Adalberto Colferai 9. A fotografia de moda e a produção de sentidos ..............................118 Samara Kalil 10. Revolução Farroupilha: uma leitura do manifesto de 1838 através da Política de Aristóteles ..........................................................................134 Camila Garcia Kieling 11. O pensamento complexo e os estudos culturais na pesquisa em Jor- nalismo: por uma intersecção teórico-metodológica ...........................148 Vilso Junior Santi Parte III Imaginário e reconfigurações da publicidade 12. Consumo e experiência de uso em um contexto de ubiqüidade de informação ..........................................................................................172 Eduardo Campos Pellanda 13. Pistas hipermodernas para alterações da mensagem publicitária contemporânea ...................................................................................182 Camila Pereira Morales 14. A teoria culturológica na campanha da Arezzo .............................198 Carolina Conceição e Souza 15. A convergência de funções: publicidade e entretenimento. Duas indústrias, um fim: o game ..................................................................213 Caroline Delevati Colpo 16. A hipótese de agenda-setting no comercial da Brahma Caren Adriana Machado de Mello ...........................................226 PREFÁCIO A proposta deste livro surge a partir da ideia de estimular a divul- gação e a circulação de pesquisas realizadas por estudantes de pós- graduação. A publicação inclui-se no âmbito das atividades do Grupo de Estudos sobre Imaginário, Sociedade e Cultura (GEISC/PPGCOM/ PUCRS), o qual procura estimular a autonomia e a cooperação direta entre os acadêmicos. O grupo, que é organizado e coordenado pelos próprios alunos, surgiu em 2008 com o propósito de compreender os efeitos dos proces- sos midiáticos e suas implicações culturais sobre o imaginário nas áreas de jornalismo, publicidade, relações públicas e produções audiovisuais. Nele, tem destaque a socialização contínua e sistemática dos projetos de investigação do corpo discente, promovida atravésde encontros quinzenais, onde são realizadas discussões de textos, apresentações e debates relacionados às pesquisas desenvolvidas. Os participantes do grupo têm consciência da necessidade de divulgação e circulação de textos acadêmicos e por isso deram início à organização coletiva desta obra. Durante o processo de organização da publicação, os artigos circularam entre os membros do grupo, os quais revisaram as produções dos seus pares e deram sugestões aos seus colegas-autores. A multiplicidade de olhares marca esta obra, já que os interesses de pesquisa dos integrantes do grupo são bastante diversos. De todo modo, há elementos em comum que permeiam esses escritos, sejam temáticas, objetos e/ou perspectivas de análise. Ao todo são 13 artigos, os quais foram agrupados em três eixos, cada um apresentado por um professor do PPGCOM/PUCRS. A primeira parte, “Matizes do cinema brasileiro e sociedade”, apresentada pela Profa. Dra. Cristiane Freitas Gutfreind, conta com três textos: “Circuito de exibição periférico: cineclubismo e itinerâncias”, de Dafne Reis Pedroso da Silva; “Traços da indústria do cinema brasileiro contemporâneo”, de Karine dos Santos Ruy; e “O jogo cinematográfico de Cama de Gato”, de Isabel Almeida Marinho do Rêgo. O segundo eixo, “Cultura e representações midiáticas”, apresen- tado pela Profa. Dra. Ana Carolina Escosteguy, conta com seis textos: “Favela-Movies e Favela-Series: novas representações na produção 11 Prefácio audiovisual brasileira”, de Lúcia Loner Coutinho; “Estereótipos do Brit- pop através dos enquadramentos da revista New Musical Express”, de Bruna do Amaral Paulin; “Amazônia à margem da sociedade em rede: imigrantes em busca de comunidades imaginadas”, de Sandro Adalberto Colferai; “A fotografia de moda e a produção de sentidos”, de Samara Kalil; “Revolução Farroupilha: uma leitura do manifesto de 1838 através da Política de Aristóteles”, de Camila Garcia Kieling; e “O pensamento complexo e os estudos culturais na pesquisa em jornalismo: por uma intersecção teórico-metodológica” de Vilso Junior Santi. A terceira e última parte do livro, “Imaginário e reconfigurações da publicidade”, é apresentada pelo Prof. Dr. Eduardo Campos Pellanda e conta com quatro textos: “Pistas hipermodernas para alterações da men- sagem publicitária contemporânea”, de Camila Pereira Morales; “A teoria culturológica na campanha da Arezzo”, de Carolina Conceição e Souza; “A convergência de funções: publicidade e entretenimento. Duas indústrias, um fim: o game”, de Caroline Delevati Colpo; e “A hipótese de agenda setting no comercial da Brahma”, de Caren Adriana Machado de Mello. É para o exercício deste olhar múltiplo sobre a comunicação que convidamos os leitores a passear pelas contribuições aqui apresenta- das. Boa leitura a todos! Os organizadores. Parte I Matizes do cinema brasileiro e sociedade A MULTIPLICIDADE DA PESQUISA EM CINEMA Cristiane Freitas Gutfreind Professora do PPGCOM/ PUCRS e pesquisadora do CNPq. O Grupo de Estudos sobre Imaginário, Sociedade e Cultura – GEISC - é um dos grupos de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da PUCRS, gerenciado pelo corpo discente. Fundado em 2008, o GEISC se consolidou ao longo desses anos com estudos e pesquisas relevantes acerca de três eixos temáticos: imaginário, so- ciedade e comunicação, que se relacionam com a linha de pesquisa do PPGCOM intitulada “Práticas culturais nas mídias, comportamentos e imaginários da sociedade da comunicação.” Por esses eixos temáticos perpassam os estudos de cinema que no PPGCOM acolhem um importante número de dissertações e teses, que tem os seus projetos, métodos e textos discutidos junto ao grupo do GEISC. Entre alguns desses trabalhos merece destaque as pesquisas aqui apresentadas: “Circuito de exibição periférico: cineclubismo e iti- nerâncias” de Dafne Pedroso (doutoranda), “O jogo cinematográfico de Cama de Gato” de Isabel Marinho (mestre) e “Traços da indústria do ci- nema brasileiro contemporâneo” de Karine Ruy (mestre). Três pesquisas que representam a diversidade do campo do cinema em seus diferentes interesses e formas de compreensão e apreensão metodológica. Em “Circuito de exibição periférico: cineclubismo e itinerâncias”, Dafne Pedroso nos apresenta uma discussão sobre a exibição perifé- rica dentro do contexto cinematográfico brasileiro através das sessões itinerantes e suas relações com o cineclubismo. Para percorrer esse ca- minho, a autora serve-se do aporte teórico empreendido por João Gui- lherme Barone no texto “Exibição, crise de público e outras questões do cinema brasileiro”, onde é discutida a clássica questão do cinema brasileiro: a receptividade do público em relação ao filme nacional. Pedroso recorre aos primórdios do cinema para contextualizar as apresentações itinerantes atuais no Brasil, objeto de sua pesquisa de dou- toramento, o que permite a construção de um imaginário que reflete na ma- neira diversificada de se assistir filmes na atualidade, como afirma a autora: Cristiane Freitas Gutfreind 14 Contemporaneamente, a experiência de recepção ci- nematográfica pode se dar nas salas comerciais de cinema, em casa, em cineclubes, mostras itinerantes, festivais, entre outros. E a reconfiguração do mercado cinematográfico passa a refletir-se na construção do espectador, nas suas maneiras de consumo, nos seus gostos e na recepção dos filmes. Em seguida, Pedroso desenvolve uma reflexão sobre cineclu- bismo e itinerância, ilustrados com exemplos de experiências concre- tizadas na área para finalizar com “provocações” e “tensionamentos” sobre a formação do público. Percebemos, então, a complexidade da formação de um público que tem encontros esporádicos com o filme e a necessidade da construção do mesmo de forma pragmática com o que é possível. Passa-se do espectador para análise fílmica, é o que evidencia “O jogo cinematográfico de Cama de Gato”. O texto de Isabel Marinho reflete sobre o jovem contemporâneo tendo como caso emblemático o filme Cama de Gato (Alexandre Stockler, 2002), apropriando-se da análi- se fílmica para compreender, através da hibridização da linguagem cine- matográfica, a ideia de tribalização (Michel Maffesoli). A escolha do filme é justificada pela sua linguagem, comprovada na seguinte afirmação: “no mesmo filme há a sensação de ter assistido a vários tipos de obras e ex- perimentado uma diversidade de linguagens”. A relação com a tribaliza- ção aparece nessa nova forma comunitária contemporânea que reflete a efemeridade e a diversificação dos laços sociais alterando conceitos como indivíduo e identidade, promovendo uma hibridização cultural pela tecnologia. O texto mostra a sua atualidade, principalmente, em uma época em que o cinema brasileiro volta-se para a temática jovem, algo esquecido no nosso cinema desde os anos 80, iniciado por Deu Pra Ti Anos 70 (Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil, 1980). Finalmente, essa sessão intitulada “Matizes do cinema brasileiro e sociedade” é fechada com “Traços da indústria do cinema brasileiro contemporâneo”. Karine Ruy reflete sobre os filmes brasileiros de maior bilheteria nas salas entre 2003 e 2008, tentando compreender o porquê, sob o ponto de vista do mercado, alguns filmes brasileiros possuem visi- bilidade em detrimento de outros. A autora sugere uma pista importante para esse panorama, que pode ser resumida na seguinte ideia: 15 A multiplicidade da pesquisa em cinema A formulação de políticas públicas específicas deu suporte ao setor e vem viabilizando sua produção através de mecanismos como mecenato e renúncia fiscal. A distribuição e exibição, contudo, não foram abarcadas pelo Estado, deixando a grande maioria dos filmes nacionais desprovidos de qualquer espécie de auxílio estratégico para se inserirno disputado cir- cuito de exibição tradicional. Assim, os filmes que apresentam um diferencial justamente em termos de produção e exibição são, segundo Ruy, aqueles que contam com uma presença representativa do público nas salas. Essa ideia é sustentada por uma amostra de seis filmes que se associaram a majors, ou a Globo Filmes, para efetivar a ponta da cadeia cinematográfica, a exceção de um deles, que também tem a sua singularidade analisada. A bilheteria dos filmes nacionais estaria, então, vinculada ao apelo midiáti- co que passa pelo espetacular e pelo consumo. Porém, a autora afirma a importância de se manter uma indústria com diversidade em termos de produção e estética. A leitura desses textos oriundos de pesquisas sobre o cinema tor- na-se necessária à medida que nos deparamos com objetos diversos que se complementam: a experiência “apaixonada” da itinerância de filmes, o interesse pela linguagem e as escolhas do mercado refletem questões que compõem toda a cadeia cinematográfica - produção-distribuição-exi- bição - e suas questões técnicas e estéticas. Percebamos, assim, a mul- tiplicidade da pesquisa em cinema, que a primeira vista parece tratar de temas específicos, mas que são imbricados entre si e que, finalmente, nos coloca sempre diante de uma questão maior, que segundo Kracauer, é a relação do cinema com o mundo, portanto com o social e o imaginário, te- mas que fazem do GEISC um interessante grupo de pesquisa com textos como esses que em muito contribuem para o avanço da área. Ótima leitura! CIRCUITO DE EXIBIÇÃO PERIFÉRICO: CINECLUBISMO E ITINERÂNCIAS Dafne Reis Pedroso da Silva Jornalista. Doutoranda em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: dafnepedroso@gmail.com RESUMO O trabalho problematiza e discute alguns elementos do contexto cinema- tográfico brasileiro, considerado como base constituinte e geradora de certas condições que configuram o fenômeno pesquisado: a prática dos cineclubes e das sessões itinerantes de cinema. A contextualização aqui traçada procura abarcar e definir essas duas atividades (cineclubista e itinerante) estabelecendo relações com a discussão proposta por Baro- ne (2008) a respeito do circuito de exibição periférico. Dentre os resul- tados, evidencia-se que essas duas práticas surgiram em decorrência e em reação ao cenário comercial cinematográfico que se instituiu no país. PALAVRAS – CHAVE Itinerâncias Cineclubismo Contexto cinematográfico brasileiro ABSTRACT This paper discusses and reviews some aspects of the Brazilian cinema context, considered as a constituent base and generating certain condi- tions that shape the studied phenomena: the practice of film clubs and itinerant film sessions. The context here looks to draw cover and set these two activities (film clubs and itinerant exhibitions) establishing a relationship with the discussion proposed by Barone (2008) about the exhibition circuit device. Among the results, it is evident that these two practices arose as a result and reaction to the film business scenario instituted in the country. KEYWORDS Film itinerant exhibitions Film Clubs Brazilian’s context cinema 17 Circuito de exibição periférico A proposta deste artigo é a de discutir elementos do contex- to cinematográfico brasileiro, problematizando acerca do chama- do circuito de exibição periférico (BARONE, 2008)1, estabelecendo relações com as sessões itinerantes de cinema e o cineclubismo. A escolha destas duas práticas se deu pelo meu interesse de pes- quisa, pois desde o mestrado2 venho abordando tais questões e sigo nesta perspectiva em minha tese de doutorado. Para além de um interesse pessoal/acadêmico, penso que são práticas de exibição e de consumo relevantes, com uma trajetória histórica de experiências no Brasil, e que são importantes para reflexão sobre as transforma- ções da indústria audiovisual nacional. A intenção é discutir e levantar questões a respeito de outros possíveis desenhos da clássica tríade produção-distribuição-exibição de cinema no cenário brasileiro. Barone (2008) nos lembra que a tríade produção-distribuição- exibição necessita ser compreendida a partir das atividades correspon- dentes aos campos fundadores do espaço audiovisual. Esses campos estabelecem relações que não são lineares, mas sim processos onde se dão tensionamentos, antagonismos, assim como interdependências. A exibição, por sua vez, funciona em torno do ato essencial que seria a projeção na tela para o consumo/desfrute do espectador. Para isso, ela opera os meios físicos e os sistemas necessários ao consumo final do produto audiovisual. Neste esquema simbólico, o se- tor de exibição corresponde ao campo responsável pela última mediação entre o produto e o público (BARONE, 2008, p. 4-5). A exibição de cinema, como a entendemos hoje, possui dois mar- cos fundadores. Um, que data do início da década de 1900, nos Estados Unidos, onde havia os nickelodeons (se pagava um níquel como ingresso) e os filmes eram exibidos em grandes galpões e depósitos. O segundo 1 Aproprio-me da expressão circuito de exibição periférico, utilizada por Barone (2008), em texto que serviu como base para esse artigo, intitulado “Exibição, crise de público e outras questões do cinema brasileiro”. O autor, entretanto, utiliza ainda o termo digital (circuito de exibição digital perifé- rico) e se refere às experiências baseadas na tecnologia do vídeo doméstico, tais como os Pontos de Cultura, a Programadora Brasil, as pequenas salas, os cineclubes, entre outros. Optei por “reti- rar” o digital, já que algumas propostas de itinerâncias, tais como Cine Tela Brasil e Rodacine RGE ainda projetam filmes em 35mm. De todo o modo, a expressão parece manter sua proposta inicial. 2 Mestrado em Ciências da Comunicação pela UNISINOS, com dissertação intitulada “Hoje tem ci- nema: a recepção das mostras itinerantes organizadas pelo Cineclube Lanterninha Aurélio” (2009), sob a orientação da Profª. Drª. Jiani Bonin. 18 Dafne Reis Pedroso da Silva marco, a partir de 1925, refere-se às exibições nos chamados cines-tea- tro, já então elitizadas. Entretanto, antes que as sessões de cinema e o mercado exibidor se instituíssem, havia as itinerâncias. As primeiras exibições caracterizavam-se pelo nomadismo, e nas projeções em cafés, parques de diversões e feiras o cinema foi sendo co- nhecido. Nos fins do século XIX, os filmes eram exibidos de forma impro- visada pelos ambulantes, sendo que não havia a separação e a autonomi- zação dos campos de produção, distribuição e exibição. O empreendedor detinha todos os âmbitos do processo, dominava as técnicas, filmava, re- velava, copiava e exibia os filmes. É nos primórdios do cinema que as atuais sessões itinerantes se inspiram, porém com objetivos reformulados. Atualmente, grupos ambu- lantes passam de cidades em cidades, ou de bairros em bairros, proje- tando nos mais diversos espaços. O público destinado são pessoas que, em tese, não têm acesso ao cinema nacional. São projetos que surgem por iniciativa de coletivos, compostos por cineclubistas, cineastas, produ- tores culturais, entre outros, e muitas vezes são financiados por projetos públicos ou leis de incentivo à cultura. Além das itinerâncias, o cineclubis- mo brasileiro, que completará 83 anos em 2011, reafirma sua proposta ancorada na cinefilia, ou seja, no gosto pelo cinema, e também busca a formação de demanda para o cinema nacional. Para abordar essas duas práticas de exibição de cinema, me parece importante compreender as condições ambientais em que elas surgem e funcionam. Barone (2008) elenca uma série de constatações sobre o cená- rio de circulação e de exibição no Brasil, que têm como consequência o res- trito espaço para os filmes nacionais. Algumas das constatações seriam “as mudanças no aparato técnico da exibição,a pouca regulação e a ocupação do circuito nacional pela produção hegemônica distribuída pelos grandes conglomerados de mídia norte-americanos” (BARONE, 2008, p. 6). Por conta disso, ele nos lembra que “(...) a pouca frequência dos filmes nos circuito comercial compromete aspectos simbólicos da for- mação do imaginário social” (BARONE, 2008, p.6). Este diagnóstico do autor é elemento de preocupação para cineclubistas e exibidores itine- rantes, sendo que essas práticas têm em comum a busca pela exibição de filmes nacionais em seus circuitos. O espaço limitado para as produções nacionais nas salas de cine- ma se revela também pelos números. Se, em 2003, os filmes nacionais 19 Circuito de exibição periférico ocuparam 22% das salas de exibição, em 2008 passaram a ocupar 6,9% (BARONE, 2008. p. 6). E, se a permanência depende dos ingressos ven- didos, o autor nos lembra que há também uma falta de interesse do pú- blico pelos filmes nacionais. Outro elemento do cenário cinematográfico nacional é a redução no número de salas nos últimos trinta anos. Em 1970 e 1980 havia cerca de 4 mil salas, mas hoje são aproximadamente 2.100, sendo que 92% dos municípios não possuem salas de exibição, as quais estão concen- tradas nas grandes cidades (BARONE, 2008). Ou seja, no interior do país quase não há a possibilidade da experiência da recepção coletiva nas salas de cinema. Entretanto, o consumo se dá de outras maneiras, seja pelo que é exibido na televisão, ou pelos filmes comprados/locados/baixados da internet. Ainda que a referência de projeção sejam as salas de cinema, nas últimas décadas viu-se a transformação do campo com novas tec- nologias, ocasionando o desmonte destes espaços de exibição. Nesse sentido, há a crescente desnaturalização da sala de cinema como o úni- co local de recepção de filmes. Contemporaneamente, a experiência de recepção cinematográfica pode se dar nas salas comerciais de cinema, em casa, em cineclubes, mostras itinerantes, festivais, entre outros. E a reconfiguração do merca- do cinematográfico passa a refletir-se na construção do espectador, nas suas maneiras de consumo, nos seus gostos e na recepção dos filmes. Novamente, neste sentido, se vê a atuação das práticas aqui abordadas, ou seja, da promoção de diferentes experiências de recepção de cinema. Conforme Barone (2008), com o aumento do valor do ingresso, o público C e D, que ia com frequência ao cinema em outros períodos, acabou afastando-se das salas. A ida ao cinema tornou-se uma ativi- dade elitista. Por conta disso, percebe-se que o público das sessões itinerantes atuais é, principalmente, de sujeitos de classes populares. As projeções itinerantes parecem se organizar em reposta ao cenário cinematográfico que se instituiu ao longo dos anos. Esses são alguns dos elementos do mercado nacional que se constituiu e onde operam as práticas cineclubista e itinerante. No texto que segue, a proposta é a de resgatar origens sobre essas experiências, assim como trazer exemplos atuais concretos de como as projeções iti- nerantes têm atuado no cenário brasileiro. 20 Dafne Reis Pedroso da Silva SOBRE O CINECLUBISMO E AS ITINERÂNCIAS O consumo de filmes em clubes de cinema surge na França, no início do século XX, com Riccioto Canudo, que fundou o Club des Amis du Septiène Art, o primeiro cineclube de que se tem registro, conforme nos lem- bra Lunardelli (2000)3. No momento em que foram criados esses primeiros cineclubes, o cinema ainda estava afirmando-se como arte. Como os filmes costumavam ser exibidos nas feiras de variedades, o cinema era despreza- do por ser uma diversão das classes populares. O cineclubismo, inserido nesse contexto, contribuía para uma nova possibilidade de recepção de ci- nema, que privilegiava um pensamento crítico em relação ao que se assistia, para além do entretenimento. As elites intelectuais foram as responsáveis pelo desenvolvimento dos cineclubes e “Revestiam-se de um dissimulado papel educativo, que está na gênese do cineclubismo, evidenciado na linha doutrinária adotada pelos cineclubes católicos” (LUNARDELLI, 2000, p.18). De lá para cá, o cineclubismo foi praticado de diversas formas, de acordo com o período histórico, com o contexto de cada país e re- gião e com os propósitos dos grupos que organizam seus cineclubes. Não há um cineclubismo único, já que este é reformulado ao longo dos anos. Sem dúvida existe um órgão maior, no caso brasileiro, o Conselho Nacional de Cineclubes, que cria diretrizes de ação, mas os cineclu- bes, por sua vez, recriam essas propostas de acordo com seus próprios objetivos. É possível perceber alguns eixos de propostas cineclubistas desde o seu início no país, tais como: uma defesa estética em relação ao cinema arte, que deveria ser apreciado; uma ideia de cineclube en- quanto espaço de formação de sujeitos críticos e competentes nas ló- gicas cinematográficas; uma proposta de educação do olhar, difundida pelos cineclubes católicos durante as décadas de 1950 e 1960; uma proposta de utilizar o cinema como possibilidade de mobilização social em torno de uma causa, como foi durante o período militar; um eixo de ação do cineclube enquanto um espaço de discussão acerca do cenário cinematográfico instituído, como um local de difusão de filmes que não são exibidos nas salas comerciais de cinema e/ou disponibilizados em vídeolocadoras e veiculados em canais de televisão. 3 Entretanto, foi Louis Delluc, um seguidor de Canudo quem inventou o termo ciné-club. Ele fundou, em 1920, o Cine-Club e, após sua morte, o Cine-Club uniu-se ao CASA (Club des Amis du Septiène Art) de Canudo e criou-se Le Club Français du Cinema, entidade que deu base para a constituição do que viria a ser o movimento cineclubista. 21 Circuito de exibição periférico Atualmente, a bandeira levantada pelo cineclubismo nacional atua no sentido de criar circuitos alternativos de filmes, em especial os brasileiros, e formar platéias para tal. Por conta disso, frequentemente encontram-se cineclubes que desenvolvem também sessões itineran- tes, unindo a proposta cineclubista ao cinema itinerante. Quanto às origens e trajetória das sessões itinerantes de cine- ma, percebe-se que, se no início das exibições de cinema no Brasil o caráter ambulante se dava pela falta de público e de um mercado cons- tituído, as sessões itinerantes contemporâneas se dão também pelas consequências do mercado que se construiu. A falta de espaço para exibição e de demanda para o consumo dos filmes brasileiros faz com que surjam atividades como as projeções ambulantes. Com o quase total desaparecimento dos cinemas de calçada e a transferência das salas de cinema para os shopping centers dentro dos grandes com- plexos, ou multiplex, a possibilidade de recepção coletiva de cinema torna-se cada vez mais difícil. Os projetos atuais têm a proposta de democratização do aces- so aos filmes nacionais, assim com a formação de platéias para estas produções. Entretanto, cada atividade itinerante tem características particulares: algumas são organizadas por cineclubes; outras por em- presas ou órgãos públicos; existem as que só exibem filmes brasileiros, enquanto há as que também projetam produções norte-americanas de grande distribuição; algumas atividades possuem grande estrutura, já em outras, as sessões acontecem de forma improvisada; ainda há as projeções que reúnem filmes e variadas apresentações artísticas. As sessões itinerantes de cinema se caracterizam também pela gratuida- de e por serem feitas, principalmente, em cidades em que não haja sa- las comerciais de cinema ou em regiões periféricas de cidades que têm salas de cinema, mas que os moradores dessas regiões não teriam possibilidades financeiras de frequentá-las. As itinerâncias possibilitam a experiência coletiva de recepção de cinema,mas uma experiência diferenciada, em que o contexto de recepção tem papel fundamental. Parece-me que esses projetos se propõem à divulgação do ci- nema, à abertura de possibilidade da recepção coletiva, em especial para um público popular que tem pouco acesso às salas de cinema e às produções feitas no país. Das atividades mapeadas a partir da déca- da de 90, destaco alguns projetos. Há os que possuem grande financia- 22 Dafne Reis Pedroso da Silva mento, principalmente a partir de Leis de Incentivo à Cultura e outras formas de financiamento público tendo, consequentemente, uma maior estrutura, com equipe fixa, grandes telas, projetores, cadeiras confor- táveis, transporte próprio e uma maior circulação, percorrendo diversas cidades. Assim como existem os de menor estrutura, que funcionam de uma maneira mais improvisada, mas que compartilham do propósito de formação de platéias, exibição de filmes nacionais e de proporcionar a experiência da recepção coletiva. O Cine Tela Brasil4, por exemplo, possui uma grande estru- tura e é possível ver uma preocupação com o espaço de recepção de modo que este simule uma sala comercial de cinema. O projeto tem o objetivo de exibir filmes, brasileiros e estrangeiros, em diversos municípios do país. O “cinema” permanece por três dias na periferia das cidades e oferece quatro sessões diárias, duas para crianças e duas para adultos, sendo que já exibiu filmes para mais de 600 mil espectadores desde 1996. Em 2007, foi incluída ao projeto a Oficina Itinerante de Vídeo Tela Brasil. Cineastas-educadores ensinam noções sobre produção de cine- ma para os moradores das comunidades por onde passam os caminhões do projeto. Percebe-se aqui mais um movimento desse cenário cinema- tográfico, que é o de formação de sujeitos nas lógicas de produção, com o propósito de inclusão audiovisual. Algo que se vê também em projetos como o “Revelando os Brasis”5, que alia a formação de sujeitos compe- tentes na lógicas audiovisuais à problemática da exibição de cinema no país, com o propósito de realizar sessões itinerantes. 4 Em 1996, por exemplo, os cineastas Laís Bodanzky e Luiz Bolognese criaram o Cine Mambembe, com um projetor 16mm, uma tela montável e uma Saveiro. Eles exibiam filmes brasileiros em praças e em escolas de São Paulo. O projeto seguiu até 2004, ano em que, com apoio da Lei de Incentivo à Cultura (LIC), da CCR Controladora da AutoBan e Nova Dutra, entre outras concessionárias, ele passou a se chamar Cine Tela Brasil. Em 2005 foram somadas 504 sessões e um total de 100.000 espectadores. Em 2006 somavam-se 200 mil espectadores. 5 O Revelando os Brasis, projeto do Ministério da Cultura em parceria com a Petrobrase o Institu- to Marlin Azul, promove a produção de curtas-metragens por moradores de cidades com até 20 mil sobre os locais onde vivem. Nesse sentido, além de uma proposta de consumo coletivo de filmes brasileiros, o projeto parece promover a inclusão desses sujeitos no cenário cinematográfico de modo que possam expressar elementos de suas culturas audiovisualmente. Há a capacitação de sujeitos para que possam contar suas histórias audiovisualmente. Pontos de Cultura, produções da CUFA (central única das favelas), Nós do Morro, são também organizações que possuem atividades nesse sentido. 23 Circuito de exibição periférico Figura 1: Estrutura externa do Cine Tela Brasil. Figura 2: Parte interna do Cine Tela Brasil. 24 Dafne Reis Pedroso da Silva Figura 3: Exibição na cidade de Vinhedo6. No Rio Grande do Sul, desde 2001, existe outro projeto de gran- de estrutura chamado RodaCineRGE, que percorre várias cidades do estado. O projeto é uma iniciativa do Governo do Estado do RS, atra- vés da Secretaria Estadual da Cultura e do Instituto Estadual de Cine- ma (IECINE) e é realizado pela Fundação de Cinema RS (FUNDACI- NE). Desde 2001, o público acumulado supera 372 mil pessoas, em 360 municípios. O RodaCineRGE, diferentemente do Cine Tela Brasil, faz as sessões ao ar livre ou em espaços cobertos, utilizando a estru- tura do local, o que possibilita um outro tipo de recepção de acordo com o espaço adaptado. Além disso, o projetor 35 mm utilizado (raro nas itinerâncias que utilizam, em sua maioria, projetores digitais) fica exposto ao fundo, possibilitando que os sujeitos tenham contato com um equipamento que possivelmente não conheciam. 6 Disponível em: <http://www.cinetelabrasil.com.br/>. Acesso em: 10 de abr. 2008. 25 Circuito de exibição periférico Figura 3: Exibição na cidade de Vinhedo6. No Rio Grande do Sul, desde 2001, existe outro projeto de gran- de estrutura chamado RodaCineRGE, que percorre várias cidades do estado. O projeto é uma iniciativa do Governo do Estado do RS, atra- vés da Secretaria Estadual da Cultura e do Instituto Estadual de Cine- ma (IECINE) e é realizado pela Fundação de Cinema RS (FUNDACI- NE). Desde 2001, o público acumulado supera 372 mil pessoas, em 360 municípios. O RodaCineRGE, diferentemente do Cine Tela Brasil, faz as sessões ao ar livre ou em espaços cobertos, utilizando a estru- tura do local, o que possibilita um outro tipo de recepção de acordo com o espaço adaptado. Além disso, o projetor 35 mm utilizado (raro nas itinerâncias que utilizam, em sua maioria, projetores digitais) fica exposto ao fundo, possibilitando que os sujeitos tenham contato com um equipamento que possivelmente não conheciam. 6 Disponível em: <http://www.cinetelabrasil.com.br/>. Acesso em: 10 de abr. 2008. Figura 4: Sessão do RodaCineRGE na Praça Saldanha Marinho, em Santa Maria, durante o 4º Santa Maria Vídeo e Cinema. Figura 5: Sessão do RodaCineRGE, na cidade de Arvorezinha, em 13 de setembro de 20057. Outro projeto, este de menor estrutura, desenvolvido por um coleti- vo e que suscita a discussão sobre espaços de projeção, é o projeto Acen- da uma Vela. Criado em 2005 pela Ideário (organização cultural sem fins lucrativos, de Alagoas), mostra que os filmes podem ser exibidos em telas pouco usuais. Realizando exibições em localidades litorâneas, Hermano 7 Disponível em: <http://www.rge-rs.com.br/rodacine_rge>. Acesso em: 10 de abr. 2008. 26 Dafne Reis Pedroso da Silva Figueiredo projeta os filmes nas velas das embarcações. A programação do Acenda uma Vela é composta de filmes brasileiros de curta-metragem com ênfase em temas da cultura popular. O projeto é financiado pelo Mi- nistério da Cultura, através do Fundo Nacional de Cultura (FNC) e da Se- cretaria do Audiovisual, e conta, também, com apoios em cada localidade na mobilização do público, além da parceria dos realizadores que enviam seus filmes. Essa proposta é um exemplo emblemático do desmonte que a sala de cinema vem sofrendo enquanto espaço legitimado de exibição de cinema. As itinerâncias trazem em sua gênese a problematização so- bre o espaço, sobre a materialidade do consumo. Figuras 6 e 7: exibições do projeto Acenda uma Vela. Fotos de Nataska Conrado8. 8 Disponível em: <http://www.acendaumavela.blogspot.com />. Acesso em: abr. 2010. 27 Circuito de exibição periférico Fotos 8: Exibição do Cineclube Lanterninha Aurélio itinerante em uma escola rural na cidade de Formigueiro, RS. Foto 9: Exibição do Cineclube Lanterninha Aurélio itinerante. Fotos: Dafne Pedroso 28 Dafne Reis Pedroso da Silva O cineclube Lanterninha Aurélio, de Santa Maria, Rio Grande do Sul, é um exemplo de proposta cineclubista que se mescla às ex- periências itinerantes. Financiado pela Lei de Incentivo à Cultura, ele possui uma pequena estrutura. As sessões não têm uma agenda feita com antecedência e acontecem de acordo com as possibilidades dos locais de exibição e dos cineclubistas. O projeto se inclui nas sessões que privilegiam o cinema nacional para receptores de classes popula- res, e se assemelha a propostas de pequenaestrutura que têm uma preferência pela exibição de curtas-metragens brasileiros. TENDÊNCIAS E QUESTÕES Após essa contextualização e relato com exemplos de sessões itinerantes e de elementos sobre o cineclubismo, uma série de questões surgem, tais como: - Em que medida essas práticas contribuem para transformar a estrutura clássica produção–distribuição–exibição? - Até que ponto cineclubes e projetos itinerantes são periféricos, já que no interior do país sequer existem salas de cinema? - Que implicações esse circuito pode ter no sentido de configurar as competências cinematográficas do público? - Como formar platéias com sessões itinerantes esporádicas? A ideia, nestas considerações finais, não é a de responder, mas justamente provocar. Pois, se em uma primeira passada de olhos pode nos parecer que essas propostas promovam a recepção coletiva, a cria- ção de platéias, é preciso observar, problematizar, tensionar. Digo isso, porque muitas das atividades itinerantes, por exemplo, não retornam mensalmente aos mesmos locais para exibição. Sendo assim, como for- mar público para o cinema brasileiro com espectadores que parecem consumir, majoritariamente, filmes estrangeiros? Ou seja, não basta pro- mover o acesso esporádico, mas sim o consumo sistemático, algo que é visto, por exemplo, no trabalho de muitos cineclubes que possuem ses- sões semanais de exibição de filmes. Mas como aumentar o número de pessoas que frequentam essas sessões? É preciso investir em projetos de exibição de cinema nacional que pensem no espectador de cinema, que o conheçam. E que conheçam o contexto em que ele está inserido. 29 Circuito de exibição periférico É necessário considerar, por exemplo, que um sistema de exibi- ção importado dos Estados Unidos, o qual estabelece a noção de su- cesso de bilheteria em dezenas de milhões de espectadores, passa a sedimentar no imaginário do público a ideia de que o blockbuster é o verdadeiro cinema (BARONE, 2008). Conforme Barone É impossível construir uma “indústria” ou mesmo dimensionar a atividade cinematográfica em busca da sua sustentabilidade, com base apenas nos filmes de grande público. É necessário e importante assegu- rar a diversidade dos lançamentos para os diferentes públicos (BARO- NE, 2008, p. 3). Ou seja, em tempos de audiências fragmentadas, não seria hora de pensar em pequenos lançamentos? Em cineclubes, itinerâncias, pon- tos de cultura, pequenas salas? Para isso estão os circuitos periféricos de exibição, título deste artigo. Tendência, como trata Barone (2008), que confronta as propos- tas das majors, pois muitas vezes utilizam cópias de uso doméstico, não permitidas para sessões públicas, mas que poderiam estar apon- tando outro caminho, uma nova possibilidade para o cinema nacional. Ou seja, considerar não somente as grandes salas, mas a projeção na vela do barco, a igreja que vira cinema (e não o contrário), a praça cheia de pessoas e iluminada com a projeção em um muro. Pequenas sessões, que multiplicam platéias e retomam a experiência do coletivo e do encontro. Não seria o desmonte do cinema a favor do cinema? REFERÊNCIAS BARONE, João Guilherme. Sessões do Imaginário. Exibição, crise de público e outras questões do cinema brasileiro. Porto Alegre, nº 20, Dez. 2008. LUNARDELLI, Fatimarlei. Quando éramos jovens: história do Clube de Cine- ma de Porto Alegre. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS/EU da Secretaria Municipal de Cultura, 2000. Sites consultados Cine Tela Brasil Disponível em: <http://www.cinetelabrasil.com.br/>. Acesso em 10 de abr. 2010. 30 Dafne Reis Pedroso da Silva Cineclube Lanterninha Aurélio Disponível em: <http://www.cineclubelanterninhaaurelio.blogspot.com>. Acesso em 10 de abr. 2010. Conselho Nacional de Cineclubes Disponível em: <http:// www.cnc.utopia.com.br>. Acesso em 10 de abr. 2010. Programadora Brasil Disponível em: <http://www.programadorabrasil.org.br>. Acesso em 10 de abr. 2010. RodaCine RGE Disponível em: <http://www.rge-rs.com.br/rodacine_rge>. Acesso em 10 de abr. 2010. TRAÇOS DA INDÚSTRIA DO CINEMA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO Karine dos Santos Ruy Jornalista. Mestre em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: karine.ruy@acad.pucrs.br RESUMO O objetivo deste trabalho é traçar um breve perfil dos filmes brasilei- ros que alcançaram as maiores bilheterias no circuito interno de salas entre 2003 e 2008, levando em consideração, para isso, elementos relativos ao esquema de produção e distribuição, próprio da indústria cinematográfica. Para interpretar tais indicadores, utilizamos nesse ar- tigo as contribuições teóricas de autores da linha da Economia Política da Comunicação, sobretudo no que se refere ao estatuto das indústrias culturais na sociedade contemporânea. PALAVRAS – CHAVE Cinema brasileiro Indústrias culturais Globo Filmes ABSTRACT The intent of this paper is to project a compact profile of Brazilian’s cinema biggest box office successes in the intern circuit of theaters between the years of 2003 and 2008, by observing elements of produc- tion and distribution scheme. To interpret such information, we’ll use in this paper the theoretical contributions of the Political Economy of Communication, especially about the statute of cultural industries in contemporary society. KEYWORDS Brazilian cinema Cultural industries Globo Filmes 32 Karine dos Santos Ruy Em 1960, em uma de suas críticas publicadas no Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo, Paulo Emílio Salles Gomes mostrou seu descontentamento com o modo de se fazer cinema no Brasil. Num dos trechos do texto anunciado com o sugestivo título Uma situação colonial?, afirmava o autor que: O denominador comum de todas as atividades relacio- nadas com o cinema em nosso país é a mediocridade. A indústria, as cinematecas, o comércio, os clubes de cinema, os laboratórios, a crítica, a legislação, os qua- dros técnicos e artísticos, o público e tudo mais que eventualmente não esteja incluído nesta enumeração mas que se relacione com o cinema no Brasil, apre- senta a marca cruel do subdesenvolvimento (SALLES GOMES, 1979, p. 11). Trazendo as palavras do crítico para o cenário cultural brasileiro da virada do século XX para o XXI, percebemos que a opinião dese- nhada há 40 anos não empresta sentido para interpretar a realidade do cinema nacional contemporâneo. Atualmente, o eixo da problemática enfrentada pelo cinema nacional deslocou-se de questões referentes à qualidade e às suas especificidades narrativas e de gênero para ques- tões próprias ao ciclo da cadeia produtiva do cinema. Assim, o conceito de subdesenvolvimento não parece ser mais uma categoria coeren- te para se pensar o cinema brasileiro contemporâneo. Uma análise que mude o foco para os aspectos industriais do cinema nacional e sua performance no circuito interno de salas nos últimos anos é capaz de apontar elementos sintomáticos para se compreender a inserção e consumo dessa espécie de bem cultural no mercado interno. Desde que o fenômeno Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002) ganhou destaque fora do país com sua indicação à disputa do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2004, chamando consequente- mente a atenção da audiência brasileira para as produções nacionais, diversos filmes made in Brasil conseguiram lugar ao sol – leia-se um espaço no disputado circuito de exibição. São títulos como Carandiru (Hector Babenco, 2002), Os dois Filhos de Francisco (Breno Silveira, 2005) e Tropa de Elite (José Padilha, 2008), exemplares que superaram a marca dos dois milhões de espectadores no mercado interno. Em contrapartida, muitas obras cinematográficas produzidas aqui são com- 33 Traços da indústria do cinema brasileiro contemporâneo pletamente desconhecidas do públicopor não terem a força comercial e apoio necessário para entrar nesse circuito. (...) o cinema brasileiro nestes anos recentes teve mo- mentos fortíssimos em certas obras, em meio às pou- cas chances dadas aos muitos estreantes e aos es- quemas predominantes entre is veteranos do mercado. Dentro das limitações trazidas por esta pretensa diver- sidade, é possível encontrar jóias tanto em alguns dos formatos que a década viabilizou como em outros que ela praticamente esgoelou (CAETANO, 2005, p. 239). Posto isso, interessa-nos aqui procurar traços de semelhança e continuidade nas maiores bilheterias do cinema brasileiro contemporâ- neo, ao qual este trabalho delimita como o período que vai de 2003 (pós Cidade de Deus) a 2008. O objetivo é analisar características pontuais do título que conquistou a maior bilheteria em cada ano dentro do pe- ríodo sugerido, com a intenção de evidenciar suas especificidades na tríade produção – distribuição – exibição (BARONE, 2005)1. Essa breve pesquisa parte do pressuposto da existência de uma indústria cinematográfica no Brasil – centrada, sobretudo, na etapa de produção e calcada em mecanismos institucionais de apoio – mas cuja estrutura ainda carece de investimentos estratégicos para que consiga se transformar em um agente capaz de proporcionar uma diversidade cultural ao setor audiovisual brasileiro. As contribuições teóricas que me- lhor se integram à proposta de estudar o cinema, a partir dos agentes da tríade referida por Barone, são tomadas, sobretudo, da Economia Política da Comunicação, linha que se caracteriza por “focalizar fatores estruturais e processo de trabalho na produção, distribuição e consumo da comunicação” (SERRA, 2007, p. 68). Primeiramente, para compreender as especificidades do cinema em sua tríade produção – distribuição – exibição, devemos lançar um olhar para além do território da chamada sétima arte, indo em direção aos condicionamentos próprios das indústrias culturais. Como avalia Sadoul 1 Embora não faça parte do recorte temporal escolhido para este artigo, é necessário chamar a aten- ção para alguns fatos relevantes do mercado cinematográfico brasileiro em 2010. Nesse ano, Tropa de Elite 2, dirigido por José Padilha, se tornou o filme brasileiro mais visto da história, registrando 11.023.475 espectadores entre outubro e dezembro. Até então, o ranking era liderado por Dona flor e seus dois maridos (Bruno Barreto, 1976), que foi visto no circuito de salas por 10.735.524 pessoas. Em 2010, houve um crescimento de 56,77% no público do cinema brasileiro em relação a 2009. 34 Karine dos Santos Ruy Não se pode imaginar um cineasta realizando gran- des filmes desconhecidos de todos. A necessidade de empregar capitais consideráveis impõe aos criadores condições precisas para a elaboração de suas obras. É, portanto, impossível estudar a história do cinema como arte (...) sem evocar os seus aspectos indus- triais. E a indústria é inseparável da sociedade, de sua economia e sua técnica (1964, p. 8). Tendo consciência que nos referimos a uma sociedade em rede e globalizada, é imprescindível levar em consideração o contexto em que esse cinema é produzido, abrangendo a atuação e interação en- tre diversas espécies de agentes – econômicos, culturais e políticos, por exemplo – na configuração desse cenário. Como alerta Moraes, tornou-se importante perceber que a cultura (...) está imersa na lógica do lucro que preside a expansão da forma- mercadoria a todos os campos da vida social. Integrada, como as demais áreas produtivas, ao consumismo, a esfera cultural torna- se componente essencial na lubrificação do siste- ma econômico, a ponto de o setor do entretenimen- to, juntamente como o se software, liderar a pauta de exportações dos Estados Unidos (MORAES, 2003, p. 37). Foi, afinal, a concentração de capital e o acesso às tecnolo- gias os fatores preponderantes para que os Estados Unidos e sua Hollywood se consagrassem como maior produtor/exportador/distribui- dor de produtos audiovisuais do mundo, detendo hoje 85% do mercado cinematográfico global. Levantamento realizado pela Screen Digest, em outubro de 2000, mostrou que a produção dos Estados Unidos ocu- pou aproximadamente metade do mercado exibidor em 90% do mundo (BARONE, 2005, p.125). Tal competência influencia diretamente nas cinematografias realizadas fora do eixo norte-americano. O relatório da Agência Nacional do Cinema (Ancine)2 oferece um exemplo: em 2008, dos 89.960,164 espectadores que compareceram às salas de cinema no país, somente 9.143,052 assistiram filmes brasileiros. 2 Criada em 2001 e vinculada ao Ministério da Cultura, a Ancine tem como atribuições o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil. 35 Traços da indústria do cinema brasileiro contemporâneo A disparidade se deve à própria estrutura da indústria cinemato- gráfica, sobretudo ao poder estratégico conferido ao setor de distribui- ção, indispensável para que o produto filme encontre uma audiência. Barone define a distribuição como o sistema que Opera os canais e os meios necessários a circu- lação o produto audiovisual, visando ao seu con- sumo pelo maior número possível de pessoas. É o setor que responde pela efetiva comercialização do produto igualmente caracterizado pela grande con- centração de capital e alto grau de especialização (Ibidem, p. 35). Bustamante também destaca o papel da distribuição no siste- ma cinematográfico, afirmando que “somente com seu domínio avan- çado se pode garantir tais operações, facilitadas pela concentração também travada nas cadeias de salas – multiplex, megaplex, prefe- rencialmente” (BUSTAMANTE, 2003, p. 32). Chegamos ao ponto-chave da proposta deste trabalho: a ca- pacidade do cinema nacional fazer-se visto. A formulação de políti- cas públicas específicas deu suporte ao setor e vem viabilizando sua produção através de mecanismos como mecenato e renúncia fiscal. A distribuição e exibição, contudo, não foram abarcadas pelo Esta- do, deixando a grande maioria dos filmes nacionais desprovidos de qualquer espécie de auxílio estratégico para se inserir no disputado circuito de exibição tradicional. Ao não atrair o interesse de majors3 do setor, e consequentemente condenados a um espaço limitado na ca- deia de exibição – ou a espaço algum –, uma leva de filmes brasileiros é desconhecida de seus espectadores em potencial. Mas há uma contrapartida. Analisando dados da Ancine sobre a atuação do cinema brasileiro desde 2003, vemos em cada ano a exis- tência de filmes que conseguem se inserir com sucesso nas cadeias de distribuição e alcançar um público considerado alto para os padrões nacionais (mais de 1 milhão de espectadores). As perguntas a [tentar] responder são: o que difere esses filmes da grande maioria dos títulos lançados no país e quais foram suas práticas de produção-distribuição? 3 O termo é utilizado para se referir aos grandes estúdios e distribuidoras de cinema, com atu- ação global no mercado audiovisual. Empresas como Fox Filmes, Warner e Sony Pictures são exemplos de majors. 36 Karine dos Santos Ruy OS SUCESSOS DO CINEMA BRASILEIRO RECENTE O primeiro passo para traçar um breve perfil sobre os sucessos de bilheteria do cinema brasileiro contemporâneo é observar alguns dados relativos à produção e distribuição, reunidos na tabela 1. Nela, vemos a presença de grandes produtores e distribuidores associados aos filmes brasileiros de maior rendimento do período. O destaque são as majors internacionais: Columbia Tristar, Fox Film, Universal Pictures e Sony Pictures. A Columbia Tristar, por exem- plo, participou como co-produtora e distribuidora exclusiva de Carandi- ru, Cazuza – O Tempo não para (Sandra Werneck e Walter Carvalho, 2004) e Os dois filhos de Francisco. Ou seja,ela esteve presente em três das seis maiores bilheterias do cinema nacional entre 2003 e 2008. Apenas Tropa de Elite não se associou a uma empresa estrangeira durante sua produção, mas deixou a etapa da distribuição sob os cui- dados da Universal Pictures e da The Weinstein Company. Vemos aí (...) uma espécie de transnacionalização cultural na qual os canais fluem todos para uma única direção, dos centros para periferia, concentrando sempre seu domínio em elites ou grupos que monopolizam ou compartilham, em feroz concorrência, seus meios de capital e sua capacidade tecnológica para fortalecer sua influência sobre o pensamento e os valores da população (LÓPEZ e ORTEGA, 1997, p.177). Mais interessante ainda é constatar a presença maciça da Globo Filmes. Nessa listagem, o braço da Rede Globo no cinema aparece em cinco dos seis filmes relacionados, sempre associada a outros co-produ- tores. Novamente, somente Tropa de Elite não foi incluído na regra. Essas informações, mesmo superficiais, são válidas e eficazes para qualquer proposta de se compreender o mercado cinematográfico do Brasil da última década. Tal relato nos mostra que os filmes nacionais com uma trajetória satisfatória no mercado interno seguiram um padrão de produção/comercialização próprio à indústria audiovisual norte-ame- ricana: associação a monopólios com o aporte financeiro e midiático ca- paz de fazer o produto circular de forma eficiente (distribuição) e atrair a atenção da audiência consumidora desse meio (marketing/divulgação). 37 Traços da indústria do cinema brasileiro contemporâneo Filme Ano Produção Direção Distribuição Público Carandiru 2003 HB Filmes/Globo Filmes/ Columbia TriStar Hector Babenco Columbia TriStar 4.693.853 Cazuza – O Tempo não para 2004 Globo Filmes/ Lereby Produções/ Cineluz Produções/ Columbia Tristar Sandra Wernech / Walter Carvalho Columbia TriStar 3.082.522 Os dois filhos de Francisco 2005 Globo Filmes/ Conspiração Filmes/ ZCL Produções Artísticas/ Columbia Tristar Breno Silveira COLUMBIA TRISTAR 5.319.677 Se eu fosse você 2006 Globo Filmes/ Total Filmes/ Lereby Produções/ Fox Film do Brasil Daniel Filho Fox Film do Brasil 3.644.956 Tropa de Elite 2007 Zazen Produções José Padilha Universal Pictures do Brasil / The Weinstein Company 2.417.193 Meu nome não é Johnny 2008 Globo Filmes/ Atitude Produções/ Sony Pictures Home Entertainment/ Teleimage/ Apema Mauro Lima Downtown Filmes/ Sony Pictures 2.000.000 Tabela 1: Maiores bilheterias do cinema brasileiro entre 2003 e 2008, segundo a Ancine4 Resumindo, a relevância da participação de grandes produtoras e distribuidores nos longas brasileiros – assim como em qualquer cine- matografia – é sua capacidade de operar em duas frentes cruciais para a carreira de um filme: torná-lo disponível aos espectadores e trabalhar para despertar o interesse desse público consumidor. E é justamente pelo quesito “despertar o interesse do público” que faz necessário olhar com atenção ao papel da Globo Filmes no cinema brasileiro contemporâneo. Trata-se, afinal, de uma produto- ra ligada ao maior grupo midiático do país. Na prática, isso significa poderosas campanhas de marketing e propaganda dos lançamentos em questão. Mesmo atuando como produtora associada, e sendo as ações de marketing etapa abrangida pela distribuição, a Globo Filmes usa seu aporte midiático para divulgar os filmes do qual participa, 4 As estatísticas sobre o mercado cinematográfico nacional são disponibilizadas pelo Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (O.C.A.) no portal da Ancine: http://www.ancine.gov.br/oca/. 38 Karine dos Santos Ruy incluindo merchandising no roteiro de novelas e outros programas de boa audiência do grupo. Segundo Butcher, “o ‘capital’ que a Glo- bo Filmes oferece aos produtores não é dinheiro, mas uma moeda ainda mais valorizada no mercado do audiovisual: espaço na mídia” (2005, p. 90). O importante é que a Globo dá a certeza de uma es- trutura nacional de divulgação que pode se dar nos formatos tradicionais (anúncios e spots de TV) ou na chamada cross media citação e promoção nos progra- mas da casa). Dessa maneira, a Globo demonstrou imenso poder para alavancar o filme nacional naqui- lo que ele tem maior fraqueza e relação ao produto norte-americano: os altos investimentos em marketing (BUTCHER, 2005, p. 75). O pesquisador conclui, ainda que, ao projetar-se na área do cine- ma, o objetivo da Rede Globo era (...) manter o controle sobre a produção e sustentar a hegemonia no campo da produção de narrativas au- diovisuais do país, posição que a TV globo assumiu a partir de meados da década de 70, mas que começou a se desestabilizar, principalmente, com o surgimento de novas tecnologias de difusão e consumo da ima- gem (Ibidem, p. 88). O primeiro longa-metragem a levar o selo da Globo Filmes foi O Auto da Compadecida (1999), de Guel Arraes. Mas o filme que definiria de vez a participação do grupo no setor foi Cidade de Deus (2002). A parceria foi acertada somente no período de lançamento do filme, a cargo da distribuidora Lumière. Na época, até as previsões mais oti- mistas, que previam 1 milhão de espectadores, foram desbancadas. Cidade de Deus tornou-se um fenômeno no mercado cinematográfico brasileiro, ultrapassando a marca de 3,3 milhões de ingressos vendi- dos. Trata-se de um marco qualitativo, responsável por despertar nova- mente o interesse do público brasileiro pelos filmes nacionais. O filme foi capaz de atrair espectadores que esta- vam longe dos cinemas, lotando os multiplex mais 39 Traços da indústria do cinema brasileiro contemporâneo elitizados e os “cinemas de rua” mais populares. Cidade de Deus instaurou-se no centro do deba- te nacional ultrapassando o nicho dos cadernos culturais e configurando-se como um “filme even- to” brasileiro. A violência urbana deixou de ser um tema tabu para o cinema de retomada (BUTCHER, 2005, p. 90). O efeito Cidade de Deus estende-se a Carandiru, primeiro fil- me apresentado pela tabela 1 deste trabalho. Além de ser a segunda maior bilheteria do período, o longa dirigido por Hector Babenco se destacou em um cenário peculiar dentro do mercado cinematográfico brasileiro: o número de espectadores voltou aos 100 milhões (marca não ultrapassada desde 1989), sendo que os filmes brasileiros repre- sentaram 21,4% deste total. O filme, que seguiu a trilha de Cidade de Deus e mergulhou na temática social da criminalidade e da violência, ganhou altos investimentos em distribuição da Columbia, um reflexo do sucesso do antecessor. As particularidades do ano de 2003 na esfera do cinema nacio- nal não se resumem às cifras de Carandiru; a participação da Globo Filmes também não. No mesmo ano, outros seis filmes brasileiros ultra- passaram a marca de 1 milhão de espectadores. Em um único final de semana, três títulos nacionais - Os Normais (José Alvarenga Jr, 2003), Maria – Mãe do Filho de Deus (Moacyr Góes, 2003) e Lisbela e o Pri- sioneiro (Guel Arraes, 2003) - ocuparam as posições inicias no ranking das maiores bilheterias, atingindo 70% do mercado (BUTCHER). A Glo- bo Filmes estava associada às seis produções. Essas informações indicam que o cinema brasileiro comercial- mente sustentável vem seguindo o padrão hollywoodiano no que diz respeito à participação de conglomerados da comunicação e investi- mentos generosos em marketing para atrair o consumidor-espectador. Mas seguindo essa lógica, o que justificaria o sucesso de Tropa de Eli- te? Primeiramente, um filme deve ser apreendido como um espetáculo, e uma vez assim o considerando é necessário levar em consideração a imprevisibilidade de fenômenos dessa ordem.Como argumenta Dou- glas Kellner em sua crítica a Guy Debord, “as políticas do espetáculo são imprevisíveis e os espetáculos nem sempre conseguem manipular o público e podem falhar” (KELLNER, 2003, p. 138). 40 Karine dos Santos Ruy No caso de Tropa de Elite o espetáculo não falhou; pelo con- trário, foi superdimensionado. O filme sobre as intervenções do BOPE nas favelas cariocas não foi divulgado por vias tradicionais, com es- paços pagos por propaganda nos veículos de comunicação. A fórmula foi muito mais eficaz. A pirataria do filme entrou na pauta da mídia jornalística, e logo foi a vez do conteúdo do longa ser polemizado. Ao invés de ocupar espaço somente nas editorias de Cultura dos jor- nais e revistas, Tropa de Elite ganhou capas e reportagens especiais. Quando o filme venceu o Festival de Berlim, em 2008, novamente agendou a mídia. Percebe-se, assim, que para conquistar um público acima da média e concorrer com o arsenal hegemônico norte-americano as produções nacionais precisam se destacar aos olhos do especta- dor. E em tempos que as decisões de consumo são mais práticas que ideológicas, a fórmula é destacar-se midiaticamente, seja pelas ações articuladas das majors envolvidas ou por particularidades que despertem o interesse do campo jornalístico, como a pirataria de Tropa de Elite. CONSIDERAÇÕES FINAIS O quadro recente do mercado cinematográfico brasileiro indica a formação de uma hegemonia dentro do próprio cinema brasileiro. Trata-se de uma hegemonia das bilheterias, portanto comercial, mas nem por isso menos importante de ser analisada. Afinal, estamos dian- te de um modelo de autossustentação de projetos cinematográficos al- tamente exclusivos, à disposição de muito poucos. A maioria dos filmes realizados no Brasil é financiada por mecanismos públicos de incentivo à cultura, por intermédio da Ancine. Essa mesma maioria também não conta com distribuidores, restringindo sua exibição a um circuito limita- do de espectadores. Outros títulos sequer conseguem pleitear espaço em uma sala de exibição. Diante de cenários tão opostos, a questão a ser observada da- qui pra frente é como esses mecanismos de produção sustentável via majors e Globo Filmes poderão interferir nos gêneros típicos de uma cinematografia nacional. Na lista de filmes que foi apresentada no de- correr deste trabalho, as temáticas enraizadas na sociedade brasileira contemporânea foram praticamente constantes. Aparecem ali a crimina- 41 Traços da indústria do cinema brasileiro contemporâneo lidade (Carandiru, Tropa de Elite e Meu nome não é Johnny) e biografias de personagens conhecidos do grande público (Cazuza – O Tempo não para e Dois Filhos de Francisco, sobre a história dos cantores sertanejos Zezé Di Camargo e Luciano). Foge à regra a comédia romântica Se eu fosse você (Daniel Filho, 2006), cujo roteiro trabalha em um tema já co- mum no cinema: pessoas que passam por uma experiência sobrenatural de troca de corpos. A autenticidade do filme, no que diz respeito a esse caráter regional, fica por conta dos protagonistas Glória Pires e Tony Ramos, atores de sucesso em telenovelas da própria Globo. A temática e o gênero, por sua vez, são recorrentes no cinema hollywoodiano norte- americano consumido pelos espectadores brasileiros, sobretudo na gra- de da televisão aberta – Sexta-feira muito louca (Mark S. Waters, 2003), De repente 30 (Gary Winick, 2004), Tal pai, tal filho (Rod Daniel, 1987) e Vice versa (Brian Gilbert, 1988), por exemplo. Levando em consideração que na sociedade de massa a cultura em escala industrial é produzida para tentar conquistar a maior audiên- cia possível, o potencial de consumo em busca de um retorno financeiro satisfatório sempre será explorado ao máximo. No campo do cinema, esse esquema não se atém à pós-produção, com seus sofisticados me- canismos de promoção e venda; ele pode determinar a escolha do rotei- ro, não por critérios de qualidade narrativa, mas de potencial econômi- co. Como bem coloca Achille, “a ordem não é vender o que se produz, mas produzir o que se pode vender” (ACHILLE apud BUSTAMANTE, 2003, p. 32). Diante disso, é relevante tentar proteger das especifici- dades mercadológicas da linha de produção cultural a originalidade da cinematografia nacional. Isso não significa a condenação da indústria cinematográfica que dá sinais de fortalecimento no país. Em um mercado tão competitivo como o cinematográfico, todas as iniciativas de dar espaço e atrair aten- ção para o cinema nacional são válidas e devem ter continuidade. Mas o cinema tem que continuar sendo nacional, e não apenas nos crédi- tos apresentados ao final da exibição, mas em seu caráter cultural de representação e construção de imaginários que nos são próximos, co- nhecidos. É essa sua especificidade, é esse seu diferencial, é esse seu argumento mais eficiente para conquistar o público. Em um mercado que ainda tenta se estruturar, produzir filmes seguindo apenas um padrão de consumo capaz de garantir seu “suces- 42 Karine dos Santos Ruy so” em termos de bilheteria pode ser entendido como uma prática cons- trangedora à diversidade das narrativas audiovisuais que historicamen- te diferencia as cinematografias nacionais. Contudo, pelos movimentos que se observam nos últimos anos, essa reprodução interna de um modelo de indústria cinematográfica assimétrica, no qual os grandes investimentos em distribuição e marketing transformam-se em compo- nentes quase imprescindíveis para mobilização de espectadores, está conseguindo se consolidar como um novo padrão para o mercado de cinema brasileiro. REFERÊNCIAS ANCINE. Filmes Brasileiros com mais de 500 mil espectadores 1970-2007 Disponível em <http://www.ancine.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=804>. Acesso em 20 de maio de 2009. BARONE, João Guilherme. Comunicação e Indústria Audiovisual: Cená- rios Tecnológicos & Institucionais do cinema brasileiro na década de 1990. Dissertação apresentada a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2005. BUSTAMANTE, Enrique (org.). Hacia um nuevo sistema mundial de comuni- cación. Barcelona: Editorial Gedisa, 2003. BUTCHER, Pedro. Cinema brasileiro hoje. São Paulo: Publifolha, 2005. CAETANO, Daniel. 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Elenco: Daniel de Oliveira, Dudu Azevedo, Andréa Beltrão, Débora Falabella, Maria Flor. CIDADE de Deus. Fernando Meirelles, 2002, 132’, Colorido. Produtora: O2 Fil- mes. Roteiro: Bráulio Montovani. Origem: Brasil. Elenco: Alexandre Rodrigues, Matheus Nachtergaele, Leandro Firmino. DONA flor e seus dois maridos. Bruno Barreto, 1976, 120’, Colorido. Produtora: Carnaval Unifilm, Cia Sr e Coline. Roteiro: Bruno Barreto, Eduardo Coutinho e Leopoldo Serran. Origem: Brasil. Elenco: Sônia Braga, José Wilker, Mauro Men- donça, Débora Brillanti. DE repente 30= 13 Going on 30. Gary Winick, 2004, 98’, Colorido. Produtora: Re- volution Studios e Thirteen Productions. Roteiro: Josh Goldsmith, Cathy Yuspa. Origem: Estados Unidos. Elenco: Jennifer Garner. Mark Ruffalo, Judy Greer. LISBELA e o Prisioneiro. Guel Arraes, 2003, 106’, Colorido. Produtora: Natasha Enterprises. Roteiro: Guel Arraes, Pedro Cardoso, Jorge Furtado. Origem: Bra- sil. Elenco: Selton Mello, Selton Mello, Virginia Cavendish, Bruno Garcia. 44 Karine dos Santos Ruy MARIA – Mãe do Filho de Deus. Moacyr Góes, 2003, 107’, Colorido. Produtora: Diler & Associados. Roteiro: Thiego Balteiro, Marta Borges, Moacyr Góes, Mar- co Ribas de Farias, Maria de Souza. Origem: Brasil. Elenco: Giovanna Antonelli, Luigi Barricelli, Padre Marcelo Rossi, José Wilker, José Dumond. MEU nome não é Johnny. Mauro Lima, 2008, 107’, Colorido. Produtora: Ati- tude Produções e Empreendimentos Ltda. Roteiro: Mauro Lima (roteiro), Ma- riza Leão. Origem: Brasil. Elenco: Selton Mello, Cléo Pires, Júlia Lemmertz, Cássia Kiss. O Auto da Compadecida. Guel Arraes, 1999, 104’, Colorido. Produtora: Glo- bo Filmes. Roteiro: Guel Arraes, Adriana Falcão e João Falcão. Origem: Bra- sil. Elenco: Matheus Natchergaele, Selton Mello, Diogo Vilela, Denise Fraga. OS Normais. José Alvarenga Jr, 2003, 88’, Colorido. Produtora: Missão Impossí- vel Cinco Produções Artísticas. Roteiro: Alexandre Machado e Fernanda Young. Origem: Brasil. Elenco: Fernanda Torres, Luiz Fernando Guimarães, Fernanda Torres, Marisa Orth, Evandro Mesquita. SE eu fosse Você. Daniel Filho, 2006, 108’, Colorido. Produtora: Total En- tertainment. Roteiro: Adriana Falcão, Daniel Filho, Renê Belmonte e Carlos Gregório. Origem: Brasil. Elenco: Glória Pires, Tony Ramos, Thiago Lacerda, Danielle Winits. SEXTA-feira muito louca= Freaky Friday. Mark S. Waters, 2003, 93’, Colorido. Produtora: Walt Disney Pictures / Gunn Films / Casual Friday Productions. Roteiro: Heather Hach e Leslie Dixon. Origem: Estados Unidos. Elenco: Jamie Lee Curtis, Lindsay Lohan, Mark Harmon. TAL pai, tal filho= Like Father Like Son. Rod Daniel, 1987, 96’, Colorido. Pro- dutora: Imagine Films Entertainment. Roteiro: Steve Bloom, Lorne Cameron. Origem: Estados Unidos. Elenco: Dudley Moore, Kirk Cameron, Margaret Collin, Catherine Hicks, Sean Astin, Patrick O Neal. TROPA de Elite. José Padilha, 2007, 115’, Colorido. Produtora: Zazen Filmes. Roteiro: José Padilha, Rodrigo Pimentel e Bráulio Montovani. Origem: Brasil. Elenco: Wagner Moura, Caio Junqueira, André Ramiro, Maria Ribeiro. VICE-Versa. Brian Gilbert, 1988, 98’, Colorido. Produtora: Columbia Pictures. Roteiro: Dick Clement e Ian La Frenais. Origem: Brasil. Elenco: Judge Reinhold, Fred Savage , Swoosie Kurtz, William Prince. O JOGO CINEMATOGRÁFICO DE CAMA DE GATO Isabel Almeida Marinho do Rêgo Publicitária. Mestre em Comunicação Social pela PUCRS/RS/BR. E-mail: bel_marinho@hotmail.com RESUMO O filme brasileiro Cama de Gato é o objeto deste artigo e, a partir da análise fílmica, pode ser observado como a sinergia entre a lingua- gem cinematográfica e os jogos representam a cultura dos jovens contemporâneos. Jovens imersos em uma profusão de mensagens e meios com diferentes tipos de linguagens que demonstram a carac- terística cultural e social da atualidade denominada neotribalização, por Michel Maffesoli. PALAVRAS – CHAVE Cultura juvenil Cinema brasileiro Jogos ABSTRACT The Brazilian movie Cama de Gato is the object of this article and, through film analysis, we can observe how the synergy between cine- matographic languages and games represent the contemporary youth culture. Young people immersed in a profusion of messages and me- dia with different kinds of languages which demonstrate cultural and social characteristics of the present time named neotribalization by Michel Maffesoli. KEYWORDS Youth culture Brazilian cinema Games O cinema é um tipo de arte mídia que revela traços culturais da sociedade em que está imerso, por isso o filme Cama de Gato foi esco- lhido como objeto de estudo deste artigo. Ele representa em sua sinergia 46 Isabel Almeida Marinho do Rêgo com a linguagem dos jogos a cultura jovem contemporânea, caracteriza- da por Michel Maffesoli como neotribalização. A presença de elementos característicos dos jogos no filme Cama de Gato remete a traços da tribalização, entre outras razões, por ser um tipo de atividade em que o estar-junto é importante; grupos se formam em torno de jogos na busca da diversão em grupo, o hedonismo compar- tilhado; pela descrença nos valores e tradições e busca por outros ideais mesmo que temporários, pela evasão desta realidade que o jogo com suas regras próprias proporciona; pela liberdade, tão valorizada atual- mente, mas ainda buscada em seu sentido pleno, de liberdade radical, fuga das regras, o livre arbítrio abordado pelos jovens no filme traz a noção de liberdade para a realidade. Os jovens apresentam uma cultura própria bastante influenciada pelas ferramentas tecnológicas de que fazem uso, as obras de arte e mídia que retratam esse público refletem diretamente essa influência e revelam como a cultura jovem se mostra atualmente. O cinema atual conta com vários recursos para representar e atrair a atenção dos jovens, buscando muitas características típicas dos quadrinhos, jogos, animações, videoclipes e programas de tele- visão, linguagens habituais para os jovens, por isso o filme escolhido consegue manter um diálogo bem próximo com a cultura juvenil. Não é uma novidade o cinema dialogar e trazer características de outras formas de arte e comunicação, mas as inovações nas tecnologias de informação e comunicação trouxeram novos elementos para o cinema, e a comunicação com os jovens atualmente requer uma diversidade de formatos e técnicas. A convivência diária com a televisão e os meios eletrônicos em geral tem mudado substancialmente a maneira como o espectador se relaciona com as imagens técnicas e isso tem consequências diretas na abordagem do cinema. A JUVENTUDE E A SINERGIA ENTRE AS LINGUAGENS Por meio da caracterização da juventude como a fase intermedi- ária entre a infância e a vida adulta, sem a delimitação baseada apenas em idades, é simples perceber seu início. A transição entre infância, ado- lescência e juventude é identificada pelas perceptíveis mudanças físicas 47 O jogo cinematográfico de Cama de Gato e comportamentais, mas não há uma delimitação evidente entre juven- tude e vida adulta, entretanto há comportamentos sociais e culturais que sinalizam uma cultura dos jovens. O jovem procura formar nos aspectos biológicos, psíquicos e so- ciais uma identidade socialmente reconhecida mais ampla que a vivida na família. Os jovens estão num período de escolhas, de experimenta- ção, possuem vitalidade e disposição para viver os mais diversos tipos de situações e correr riscos. Os adolescentes ainda
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