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maio - 2022 BOLETIM TÉCNICO CIENTÍFICO EXPEDIENTE: EDITORIAL Com a palavra, o presidente: Nosso BOLETIM TÉCNICO abordará nessa edição a anorexia no paciente felino, um tema de grande relevância e prevalência na medicina felina. Essa condição clínica é uma das queixas mais retratadas pelos tutores dos nossos apaixonantes gatos. O q u a d ro d e a n o rex i a p o d e s e r desencadeado por uma infinidade de situações e doenças. Logo o diagnóstico de anorexia é um verdadeiro desafio e, quanto mais precocemente é alcançado, melhores são os resultados terapêuticos. Nesse BOLETIM TÉCNICO, a ABFel tem a satisfação de abordar esse assunto importante para os veterinários adeptos à medicina felina. Espero que você tenha uma excelente leitura!!! Um grande abraço!!! Cristiano Nicomedes - Presidente DIRETORIA Priscila Malta Jácome - Vice-presidente Paula Cristina Magnani - Primeiro Secretário Fabiana Lima - Tesoureiro Marcelo Zanutto - Diretor Científico Heloísa Justen - Diretor Social Romeika Herminia - Diretor de Comunicação Carla Santos - Diretor de Relações Internacionais Maria Elvira de Almeida - Presidente do Conselho Fiscal Carlos Gabriel Dias - 1° Conselheiro Fiscal Rochana Fett - 2° Conselheiro Fiscal Fernanda Barony - Suplente Fiscal Myrian Iser - Presidente Conselho Científico Mariana Jardim - 1° Conselheiro Científico Reginaldo Pereira - 2° Conselheiro Científico Monytchely Vieira - Suplente Científico Patrocinador oficial: abfelinos Graduado pela UFMG / Mestre em Medicina Veterinária pela UFMG / Doutorando pela UFMG /Pós-graduado em Ortopedia de Pequenos Animais pela Universidade Cruzeiro do Sul / Pós-graduado em Medicina Felina pela Universidade de Salta / Pós-graduado em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais pela PUC–Minas / Professor da disciplina de técnica cirúrgica do Instituto Newton Paiva / Professor de pós-graduação na área de Medicina Felina / Autor de capítulos de livros e artigos científicos na área de Medicina Felina / Presidente atual da Academia Brasileira de Clínicos de Felinos - ABFel Olá, prezado gateiro e gateira!!! Cristiano Nicomedes Presidente da Academia Brasileira de Clínicos de Felinos - ABFel A anorexia é uma das causas mais frequentes da busca por atendimento veterinário pelos tutores de gatos. O quadro de anorexia é caracterizado pela redução parcial ou completa do apetite e pode ser classificada em primária, resultante de alterações da saciedade; secundária não patológica, causada por mudanças de alimentação, rotina, ambiente e palatabilidade; secundária patológica, quando está associada a doenças; ou pseudoanorexia, relacionada a alterações na cavidade oral e faringe que provocam dor e/ou dificuldade de apreensão. Diferentemente de outros animais domésticos, os gatos são carnívoros obrigatórios, com necessidades nutricionais especiais. Como resultado, a anorexia prolongada pode culminar na ocorrência de graves desequi l íbr ios metabólicos, além de complicação de doenças preexistentes. Outra preocupação em casos de anorexia persistente é o grande potencial de desenvolvimento da lipidose hepática felina, uma hepatopatia bastante comum aos gatos. Portanto, como a anorexia pode ser tanto causa quanto consequência de enfermidades, os casos de pacientes felinos anoréxicos justificam investigação diagnóstica imediata e minuciosa, além de intervenção terapêutica apropriada, associada à adequação do manejo nutricional e ambiental do paciente. 1.Introdução ANOREXIA EM GATOS MYRIAN KÁTIA ISER TEIXEIRA Formada pela PUC Minas / Especialização em clínica médica de felinos / Membro da diretoria da ABFel, Academia Brasileira de Clínicos de Felinos / Trabalha com clínica médica de felinos desde 2012 na Clínica Gato Leão Dourado em Belo Horizonte - MG / Autora de capítulos de livro na área de medicina felina. FABIANA LUIZA LIMA GOULART Graduação pela UFMG / Mestrado em Ciências Médicas pela Unicamp / Doutoranda pela UFMG / Pós- graduação em Clínica Médica de Felinos pela Universidade Castelo Branco / Pós-graduação em Medicina Felina pela Universidade Católica de Salta / Professora de Pós-graduação na área de Medicina Felina / Autora de capítulos de livros de Medicina Felina /Autora de artigos científicos na área de Medicina Felina / Parecerista de revista científica / Membro da American Association of Feline Practioners - AAFP /Membro da Associação Brasileira de Saúde - ABS / Conselheira científica da Academia Brasileira de Clínicos de Felinos - ABFel / Sócia fundadora da Clínica Veterinária Especializada em Felinos - Gato Leão Dourado 2.Revisão literária 2.1 Particularidades alimentares dos gatos Os gatos domésticos mantêm diversas características comportamentais e funcionais da vida selvagem e essas peculiaridades definem bem seus comportamentos e necessidades. Eles são carnívoros verdadeiros e caçadores natos (Beaver, 2003; Case, 2003, Rodan, 2012; AAFP, 2020a; AAFP, 2020f). As características nutricionais do gato resultam de exigências alimentares específicas. Essa espécie requer o fornecimento, por meio da dieta, de aminoácidos essenciais não sintetizados pelos gatos, como arginina e taurina, ácido araquidônico e vitamina A pré-formada, além de elevados níveis de proteína. Essas peculiaridades nutricionais do felino doméstico são fruto da pressão evolutiva decorrente da ingestão de dietas estritamente oriundas de tecido animal (Case et al, 2011; Morris, 2002; AAFP, 2020a; AAFP, 2020f). O comportamento alimentar dos gatos abrange a procura, aceitação e ingestão do alimento. Esse comportamento alimentar e social dos gatos se difere dos cães no requerimento nutricional e nos padrões de ingestão de alimentos (Pibot et al, 2008). O padrão alimentar do gato é influenciado por diversos fatores, como propriedades nutricionais da dieta, disponibilidade do alimento, ambiente onde a dieta é ofertada e presença de outros animais. Fatores intrínsecos ao indivíduo também interferem na alimentação, como aceitação do alimento, preferências alimentares, n í v e i s s a n g u í n e o s d e a m i n o á c i d o s e glicorreceptores hepáticos (Beaver, 2003). O felino doméstico é carnívoro estrito e o seu comportamento alimentar reflete os hábitos dos felinos selvagens, que caçavam pequenas presas várias vezes ao dia. Hoje, os gatos domésticos ingerem de sete a vinte pequenas porções de alimentos ao longo do dia (Zaghni, Biagi, 2005). Os gatos adultos, antes das refeições, têm seu comportamento direcionado para o tutor, através de vocalização, aproximação com a cauda posicionada para cima e fricção do corpo no tutor ou em objetos . Já após as refe ições, o comportamento é baseado em higiene, que se inicia ao lamber os lábios e progride para a limpeza do corpo com a língua e as patas (Beaver, 2003). Os filhotes, da quarta semana até o sexto mês de vida, têm as suas preferências alimentares influenciadas pelas experiências vividas nesse período. Quando o gato não é exposto a variadas texturas e sabores suas preferências alimentares podem se tornar limitadas e resultar em grande seletividade alimentar (Beaver, 2003, Zaghni; Biagi, 2005). Inicialmente, a seleção do alimento d e p e n d e d o o d o r. O p a l a d a r t a m b é m desempenha um papel importante nas preferências alimentares e é estritamente associado ao olfato. O olfato pode ser modificado pelo envelhecimento, drogas e condições climáticas adversas (Beaver, 2003; Zaghni, Biagi, 2005). A palatabilidade é um dos principais fatores na escolha de um alimento comercial. O aroma, a textura, o sabor e a consistência influenciam na palatabilidade (Bradshaw et al, 1996). Estudos sobre as preferências dos gatos em relação ao paladar revelam maior aceitação de alimentos com sabor mais acidificado, enquanto alimentos mais doces apresentam menor aceitação. Além disso, os nutrientes que compõem o alimento influenciam fortemente a palatabilidade(Delaney, 2006; Michel, 2001; Washabau, 2012). As características físicas do alimento também interferem na aceitação. Os gatos preferem dietas mais úmidas, pois favorecem a liberação de odores e são mais palatáveis. Dietas secas e com presença de pó são menos aceitas. Alimentos na temperatura ambiente ou corporal osão mais preferidos e alimentos abaixo de 15 C e oacima de 50 C tendem a ser rejeitados. A aceitação de uma dieta também envolve características individuais e podem ocorrer respostas diferentes a uma mesma dieta devido a algum componente genético ou experiências prévias (Beaver, 2003; Bradshaw et al, 1996; Zaghni; Biagi, 2005). serotonina, a dopamina e a ação das próprias catecolaminas nos receptores beta-adrenérgicos agem como estímulos inibitórios no consumo da dieta (Marks, 1997). A saciedade está relacionada ao estado de absorção e a fome está associada com o estado pós-absortivo, quando os níveis de nutrientes absorvidos são capazes de estimular ou inibir a ingestão de acordo com a necessidade. A distensão do trato gastrointestinal, pr inc ipalmente estômago e duodeno, é considerada um sinal relacionado à saciedade, já os nutrientes que compõem a ingesta e são absorvidos no intestino delgado parecem ser o estímulo mais importante para que ocorra a redução na ingestão de alimento (Michel, 2001). A alimentação pode ser dividida em três etapas: início, manutenção e término. A primeira fase, ou início, está fortemente relacionada com estímulos externos visuais, olfatórios, táteis ou auditivos, associados à alimentação. Já o término da refeição é influenciado, principalmente, por estímulos pós-ingestão, como absorção de nutrientes e distensão gástrica. Esse estímulo pós- ingestão ocorre por meio de receptores que, via nervo vago, enviam sinais de feedback para o SNC (Michel, 2001; Washabau, 2012). A anorexia pode resultar tanto de circunstâncias que interferem no início da ingestão do alimento quanto de situações que promovam estímulos negativos. Situações que impeçam a expressão de comportamentos aprendidos e fatores do ambiente de convívio do gato culminam na interrupção da ingestão do alimento (Michel, 2001; Washabau, 2012). A compreensão dos vários estímulos envolvidos na fisiologia da regulação da alimentação do gato facilita a avaliação e manejo do paciente felino anoréxico. Diversos estímulos internos e externos estão integrados e fazem parte do complexo sistema de regulação do início, manutenção e término da ingestão de alimento, e são responsáveis por atuar em diferentes áreas do sistema nervoso central (SNC) (Washabau, 2012). A ingestão e o apetite são controlados pelo hipotálamo. O hipotálamo lateral é considerado o centro da alimentação, em que estímulos elétricos e adrenérgicos resultam em aumento da ingestão. Já o h ipotálamo ventromedial exerce um efeito inibitório sobre a alimentação, controlando a saciedade, ou seja, a estimulação dessa área provoca anorexia e até um quadro de hiperfagia quando há destruição do hipotálamo ventromedial (Beaver, 2003). Os níveis de neurotransmissores no SNC são influenciados pela concentração de aminoácidos. Os neurotransmissores que estimulam a ingestão de alimento são as catecolaminas que atuam nos receptores alfa-adrenérgicos e os opioides. A 2.2 Patofisiologia da anorexia A anorex ia pode ocorrer devido a ação de certas citocinas, como fator de n e c ro s e t u m o ra l ( T N F � ) , interleucina (IL) e interferon, nos centros de saciedade no SNC. Além disso, a lgumas substâncias que normalmente seriam metabolizadas e e l iminadas podem permanecer na circulação e provocar um quadro anoréxico, como nos casos de uremia (Chan, 2009). Dor crônica pode causar um estímulo negativo direto, reduzindo a ingestão de alimento, ou levar a fatores que resultem na redução do apetite, como náusea, dor ou desconforto no ato de ingerir o alimento. O uso de determinados medicamentos também pode causar redução do apetite e, até mesmo, anorexia em alguns gatos, como amoxicil ina, cefalexina, ampicil ina, c loranfenicol , er i tromicina, tetracic l ina, su l fametoxazo l /t r imetopr im , d igox ina , melox icam, predn isona , doxorrub ic ina , metotrexato, morfina, codeína e penicilamina (Chan, 2009; Washabau, 2012). Qualquer mudança de rotina na vida do gato, estresse advindo de diversas situações ou doenças podem interferir diretamente no desenvolvimento de anorexia (Washabau, 2012). Além disso, as mais variadas enfermidades podem desencadear o quadro anoréxico no paciente felino, como d o e n ç a s i n f e c c i o s a s , i n fl a m a t ó r i a s , degenerativas, metabólicas e neoplásicas (Chan, 2009; Washabau, 2012). As compl icações encontradas em pacientes anoréxicos variam de acordo com a doença causadora, duração do sinal e a gravidade do quadro As mais comuns são desidratação, má . nutrição e perda de peso e da massa muscular. Animais com perdas de mais de 25% da massa magra apresentam comprometimento na imunidade, na cicatrização de feridas, na força óssea e na capacidade respiratória, levando a uma piora no prognóstico geral e aumentando a severidade da doença de base (Chan, 2009). A anorexia pode levar a desbalanços nutricionais e deficiência de certos nutrientes que resultam na manifestação de diversos sinais clínicos: ptialismo, vômito, hiperestesia e tremores, em casos de deficiência de arginina; degeneração na retina, cardiomiopatia dilatada, problemas reprodutivos e atraso no crescimento em filhotes, em casos de insuficiência de taurina; dermatite, pelo seco, anemia, problemas reprodutivos e atraso no crescimento de filhotes, em casos de falta de ácido araquidônico; degeneração retiniana, fraqueza, má qualidade de pelagem e redução do crescimento em filhotes, em casos de falta de vitamina A (Crystal, 2011). Outra importante complicação da redução ou interrupção da ingestão de alimentos é uma possível alteração na barreira da mucosa intestinal, que aumenta o risco de translocação bacteriana e a passagem de toxinas do intestino para a circulação (Crystal, 2011). Já a lipidose hepática é uma das principais consequências da anorexia, sendo caracterizada pelo acúmulo de triglicérides no interior de mais de 80% dos hepatócitos e colestase. Há mobilização de tecido adiposo e, consequentemente, acúmulo de triglicérides no fígado, correlacionado com diversos fatores, como deficiência de arginina, carnitina, vitaminas do complexo B e aminoácidos essenciais necessários para o metabolismo lipídico hepático (Center, 2005; Crystal, 2011; Teixeira, 2016). 2.3 Tipos de anorexia A anorexia pode ser classificada em primária, secundária ou pseudoanorexia, de a c o r d o c o m s e u s m e c a n i s m o s d e desenvolvimento (Abrams-Ogg, 2006). A anorexia primária ocorre em decorrência de distúrbios neurológicos que afetam os centros do apetite e saciedade. Lesões no hipotálamo lateral podem provocar redução na ingestão de alimento (Beaver, 2003). A anorexia secundária pode ser dividida em não patológica, quando é causada por mudanças na rotina, alimento ou ambiente; e em patológica, que provém de doenças que levam à redução da ingestão calórica. A forma patológica é a mais comum em gatos e diversas doenças podem desencadear um quadro anoréxico (Lappin, 2001; Abrams-Ogg, 2006). Na pseudoanorexia o animal tem apetite, mas resiste em se alimentar pela presença de enfermidades que causam dor oral ou faríngea ou doenças que dificultam a apreensão e deglutição (Abrams-Ogg, 2006). 2.4 Consequências da anorexia 2.5 Diagnóstico A anorexia pode ser gerada por diversas circunstâncias e/ou enfermidades, sendo, muitas vezes, desafiador o diagnóstico da provável origem do quadro. O diagnóstico envolve anamnese detalhada, realização de exame físico completo, incluindo análise da condição corporal, assim como vários exames complementares.Dessa forma, o diagnóstico é um aspecto importante, inclusive para que a terapêutica escolhida seja a correta. O histórico sobre mudanças na rotina do gato, medicações em uso, tipo de dieta e doenças prévias é de suma importância na análise diagnóstica de anorexia (Mackin; Ward, 2008; Washabau, 2012). 1 – Costelas visíveis em gatos de pelo curto; ausência de tecido adiposo palpável; severa profundidade do flanco; vérteras lombares e asas do íleo facilmente palpáveis. (Escore: Muito magro/ Anoréxico) 2 – Costelas visíveis em gatos de pelo curto; vértebras lombares com mínima cobertura de massa magra; profundidade do flanco bem pronunciada; sem cobertura de tecido adiposo palpável. (Escore: Muito magro/ Anoréxico) 3 – Costelas facilmente palpáveis e com mínima cobertura de tecido adiposo; vértebras lombares aparentes; cintura pronunciada caudal às últimas costelas; mínima gordura abdominal. (Escore: Muito magro/ Anoréxico) 4 – Costelas facilmente palpáveis e com mínima cobertura de tecido adiposo; cintura visível caudal às últimas costelas; flanco levemente aprofundado. (Escore: Muito magro/ Anoréxico) 5 – Partes corporais proporcionais entre si; presença de cintura caudal às últimas costelas; costelas palpáveis com moderada cobertura adiposa; moderada quantidade de tecido adiposo abdominal. (Escore: Ideal) 6 – Costelas palpáveis com discreta cobertura adiposa; cintura dificilmente visualizada, ausência da definição da região do flanco. (Escore: Sobrepeso/ Obeso) 7 – Costelas dificilmente palpáveis e com moderada quantidade de tecido adiposo; cintura quase inexistente; óbvio arredondamento do abdome; acúmulo de gordura abdominal. (Escore: Sobrepeso/ Obeso) 8 – Costelas não palpáveis e com excesso de tecido adiposo; ausência de cintura; abdome arredondado e com elevada quantidade de gordura; acúmulo de tecido adiposo na área lombar. (Escore: Sobrepeso/ Obeso) 9 – Costelas não palpáveis e com muito tecido gorduroso; inúmeros depósitos de gordura nas áreas lombar e facial, e nos membros; Figura 1. Escore de Condição Corporal dos Gatos – Adaptada de Freeman et. al., 2011 1 2 3 4 5 2.6 Manejo da anorexia O manejo do paciente anoréxico deve ser pautado na busca da causa da anorexia e intervenção terapêutica da enfermidade de base, assim como das possíveis complicações, caso existam. Nos casos de doença crônica ou condição clínica de difícil resolução, o manejo da anorexia se torna uma tarefa desafiadora e complexa devido aos efeitos negativos da ingestão inadequada de nutrientes por longos períodos de tempo (Washabau, 2012). Após realização dos cuidados iniciais para estabilização do paciente, a terapia nutricional deve ser instituída (Delaney, 2006). O suporte nutricional é indicado nos casos em que há perdas maiores do que 10% do peso corporal em adultos e maiores do que 5% em filhotes, assim como nos casos de anorexia persistente em adultos (mais de 3 dias) e em filhotes (1 a 2 dias), e nos quadros de incapacidade do paciente em se alimentar. Entretanto, gatos extremamente malnutridos ou que apresentem sinais clínicos compatíveis com lipidose hepática felina devem receber suporte nutricional o mais rápido possível. Portanto, cada paciente deve ser avaliado individualmente para definir como será realizado o suporte nutricional (Michel, 2001; Crystal, 2011). Os nutrientes podem ser fornecidos ao paciente por meio de várias técnicas, como: al imentação parenteral total ou parcial ; alimentação enteral assistida; ou por meio de tubos de alimentação, com o uso de sondas nasoesofágica, esofágica, gástrica, além de jejunostomia e intubação orogástrica intermitente. A escolha da técnica irá depender de diversos fatores, entre eles a condição clínica do gato e o tempo provável de utilização do suporte nutricional. O fornecimento de nutrientes por via enteral é considerado a melhor opção, já que permite a manutenção da saúde da mucosa intestinal e a absorção e utilização de nutrientes por método mais natural (Crystal, 2011). Tempo de Utilização Vantagens Oral ou alimentação assistida Tempo indeterminado. É o método mais fisiológico; não necessita de equipamentos especiais. Tabela 4 – Principais vias para suporte nutricional enteral em gatos – Adaptado de Hall et al, 2005; Teixeira, 2016. Via Desvantagens Principais vias para suporte nutricional enteral em gatos Observações Estressante; animais anoréxicos ou com dor tendem a recusar essa via; dificuldade em atingir as necessidades calóricas. Pode induzir a aversão aprendida. Sonda nasoesofágica Curto período: 2 a 3 dias. Rapidamente implantada; pode ser usada somente com anestesia local; baixo custo; não necessita de sedação; permite alimentação espontânea concomitante. Gera desconforto no paciente; possibilidade de uso de colar elizabetano; grande diluição do alimento; probabilidade de lesão nasal e faringiana; entupimento da sonda; possibilidade de vômito e retroflexão da sonda; pneumonia por aspiração. Contraindicado para gatos em coma e não recomendado para pacientes com trombocitopenia severa. Sonda esofágica Pode ser mantida por semanas ou meses. Fácil colocação; não necessita de grande diluição de alimento; o próprio tutor pode alimentar o gato; confortável para o animal; permite alimentação espontânea concomitante. Indispensável o acompanhamento diário do animal; troca de curativo diário; necessidade de sedação; estenose de esôfago; esofagite; possibilidade de vômito e retroflexão da sonda; pneumonia por aspiração; celulite; regurgitação da sonda; sangramento no sítio de implantação. A sonda não interfere na ingestão do alimento, ou seja, os gatos podem voltar a se alimentar mesmo com a sonda. Sonda gástrica Pode ser mantida por semanas ou meses. Via indicada na presença de doenças orais ou esofágicas; via de fácil acesso após implantação; digestão eficiente; lúmen largo da sonda permite opções alimentares; facilidade na alimentação. Necessita de equipamento especial e maior habilidade para implantação; anestesia geral (endoscopia ou laparatomia); morte por distúrbios metabólicos; vômito pós-prandial; diarreia; celulite; hemorragia gástrica; pneumoperitônio; peritonite; laceração esplênica. As complicações apresentam maior gravidade, como a peritonite. Jejunostomia Não é tolerada por longos períodos. Ótima opção para gatos com vômitos constantes e doenças gástricas. Equipamentos especiais e anestesia geral são necessários para implantação. O fornecimento da dieta deve ser feito de forma contínua; superenchimento do intestino. O s u p o r t e n u t r i c i o n a l d eve s e r devidamente calculado e a forma de iniciar a alimentação deve ser criteriosa para evitar a s í nd rome da rea l imentação , cond ição potencialmente letal que é caracterizada por severo desequilíbrio hidroeletrolítico e ácido- básico, mediante à rápida adaptação metabólica exigida em pacientes mal nutridos ou anoréticos no início da realimentação oral, enteral ou parenteral. Em animais muito malnutridos os níveis circulantes de insulina são baixos e a síntese de adenosina trifosfato (ATP) é mínima, dessa forma, após o início do fornecimento de energia há o aumento de insulina, captação intracelular de glicose e eletrólitos e produção de ATP, r e s u l t a n d o e m d e p l e ç ã o d e f ó s f o r o , hipofosfatemia, fraqueza muscular e hemólise (Chan, 2009). A anorexia é uma alteração c l ín ica f requente e de grande importância na medicina felina, uma vez que pode ser tanto causa quanto consequência de várias enfermidades nessa espécie. Logo, o diagnóstico precoce de sua provável origem e abordagem terapêutica adequada corroboram para o sucesso do manejo do paciente felino anoréxico. 3. Considerações finais A estratégia do uso de alimentos palatáveis e frescos, assim como aquecimento de alimentos úmidos, pode ser efetivapara estimular a alimentação desses pacientes anoréxicos. Em alguns casos, pode-se optar por estimulantes de a p e t i t e , c o m o m i r t a z a p i n a e ciproeptadina. A irresponsividade à estimulação do apetite por meio de fármacos infere na descontinuidade dos mesmos, necessitando fortemente do breve estabelecimento de suporte nutricional (Delaney, 2006; Weeth, 2010). O controle de dor, vômito e náusea também auxiliam o paciente anoréxico (Crystal, 2011). O manejo ambiental, buscando reduzir fatores estressantes, também é grande aliado no tratamento do gato anoréxico (Delaney, 2006; Weeth, 2010). AAFP. American Association of Feline Practitioners (2020a). Disponível em: https:// https://catvets.com/public/PDFs/CFP/CFP- Manual-web%202019.pdf. Acesso em: 25 mar. 2020. AAFP. American Association of Feline Practitioners ( 2 0 2 0 f ) . D i s p o n í v e l e m : h t t p s : / / https://catvets.com/public/PDFs/PracticeGuidelines/Feli neBehaviorGLS.pdfAcesso em: 26 mar. 2020. ABRAMS-OGG, A. The cat with acute depression, anorexia or dehydration. In: RAND, J. Problem-based Feline Medicine. 1. ed, Lodon: Saunders, 2006. p 261-300. BEAVER, B.V. Feline behavior of sensory and neural origin. In: Beaver B. Feline behavior a guide for veterinarians. 2 ed. St Louis: Saunders; 2003. p.42-99. BRADSHAW, J.W.S.; GOODWIN, D.; DEFRE'TIN, V. L.; et al. Food selection by the domestic cat, an obligate carnivore. 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Visão Missão - Promover a Medicina Felina através de ações éticas, pautadas em responsabilidade acadêmica, científica, social e sustentabilidade; - Congregar Médicos Veterinários, estudantes de Medicina Veterinária e simpatizantes; - Realizar educação continuada; - Difundir a Medicina Felina para a classe veterinária e sociedade Ética Solidez Responsabilidade Sustentabilidade Instrução Valores Apoio:
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