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06/08/2018 1 Período Socrático Aílson Período Socrático • A PASSAGEM DA FILOSOFIA DA NATUREZA À FILOSOFIA MORAL • O período dos filósofos da Natureza, havia certa ambição de saber todas as coisas, mas não havia um método esclarecido e próprio para tal; não é de se admirar, portanto, que esta elaboração tenha levado a uma crise intelectual e tal crise é chamada por alguns pensadores de sofística, pensamento produzido pelos sofistas na transição entre os primeiros físicos e os grandes filósofos do apogeu de Atenas Período Socrático • O período da sofística compreende os séculos V e IV a.C. e é fruto de dois deslocamentos: um, geográfico- político; outro, intelectual. O primeiro deslocamento é a “migração” do pensamento filosófico das colônias gregas da Ásia Menor e Magna Grécia para a Grécia Continental, para a Ática e, mais precisamente, para Atenas. O deslocamento segundo, que se inicia com os sofistas e Sócrates, consiste na mudança do centro da reflexão filosófica: deixa-se de se preocupar com a cosmologia e volta-se para a formação do cidadão, ou seja, abraça-se a reflexão antropológica. • Este período se caracteriza pela formação da democracia, da tragédia grega e pela implantação da nova areté. Período Socrático • A partir de 510 a.C. Atenas conhece a grande reforma política de Clístenes, o qual faz com que a unidade política de base fosse o demos em lugar da gene (espaço territorial da família, que possibilitava a formação de tiranos). Implantando a unidade do demos, enfraquecendo a possibilidade da atuação tirana de alguns cidadãos, criou-se a mais importante instituição política de Atenas: a boulé (conselho de quinhentos anciãos que são sorteados entre os membros de todos os demos, sorteio que garante a todos o direito de participar diretamente das decisões da polis). Estabelecida, assim, a Ekklesia (assembleia geral de todos os cidadãos atenienses), nela se discutiam os grandes assuntos da cidade, sobretudo as decisões de guerra e paz. Assim está criada a democracia: demo = cidadão e kratós = poder. Período Socrático Características da democracia grega: • Na democracia ateniense nem todos são cidadãos, mas apenas os homens livres e súditos leais de Atenas. Portanto, mulheres, crianças, estrangeiros e escravos estão excluídos da cidadania. • Trata-se de uma democracia direta e participativa e não representativa, como as modernas. • Isonomia: todos os cidadãos são iguais perante a lei. • Isegoria: todos os cidadãos podem exprimir em público suas opiniões. Período Socrático • Neste momento de crescimento político, desenvolve-se, também, a tragédia grega, um gênero literário e teatral nascido dos cultos religiosos a Dionísio. A palavra provém de tragos (bode expiatório dos sacrifícios rituais que representam a morte e renascimento de Dionísio). 06/08/2018 2 Período Socrático Características da tragédia grega: • Trata-se de uma instituição social: são escritas e representadas durante as festas cívicas de Atenas; o coro é formado por um colégio de cidadãos; a cidade paga e financia a escrita e a apresentação das peças e trata-se de uma reflexão teatral que a cidade faz sobre o nascimento da democracia. • Vislumbra o conflito de duas leis: a lei da família (gene) e a lei da cidade (demos). • O herói trágico e a heroína trágica são personagens marcados pelo conflito entre sua vontade e seu destino, sua consciência- ignorância e o cumprimento do destino. A tragédia põe em questão a existência da vontade, da liberdade e da consciência de nossas ações. Nela, conhecimento é ignorância do destino; ignorância é conhecimento. A tragédia tematiza a cidade, a lei, o cidadão, a diferença entre passado e presente, o indivíduo, a consciência e a ética Período Socrático • Percebe-se, então, um novo estilo ou modelo de cidadão que é delineado; é consequência, então, que se pense nas virtudes e qualidades exigidas e requeridas para esse “novo cidadão”. A educação para os cidadãos propõe a excelência e o valor humano para os membros da sociedade, e daqui o termo areté: a formação do aristós, o melhor, o mais nobre, o homem excelente. Período Socrático • SIGNIFICADO DO TERMO “SOFISTA” • Na linguagem corrente, o termo “sofista” assumiu um significado pejorativo: sofista é aquele que, fazendo uso de pensamentos e frases capciosas, busca enfraquecer o argumento do adversário e convencer os ouvintes de “sua” verdade. No sentido etimológico, porém, significa “sábio, especialista do saber, possuidor do saber”. • Segundo alguns comentadores, a palavra sofista não tem nenhum valor filosófico determinado e não indica uma escola. Originariamente significou apenas sábio e depois passou a designar aqueles que faziam profissão da sabedoria e a ensinavam mediante remuneração (eram eles os primeiros “professores particulares” da história da civilização ocidental) Período Socrático • Os sofistas foram, pois, mestres de cultura. Mas a cultura, objeto de seu ensinamento, era aquela que seria útil à classe dirigente da cidade em que tinha lugar o seu ensino: por isso era pago. Para que o seu ensino fosse não só permitido, mas ainda requerido e recompensado, os sofistas tinham de inspirá-lo nos valores próprios da comunidade onde o ministravam, sem tentar impor críticas ou indagações que os colocassem em choque com tais valores. Período Socrático • Diante da sofistica, a Filosofia deixou de lado a natureza (Kosmos, Physys) e deslocou seu interesse de questionamento para outro objetivo, a saber: o homem e tudo o que é tipicamente humano. Tornando-se uma reflexão antropológica, a Filosofia terá alguns temas dominantes: ética, política, retórica, arte, linguagem, religião, educação, ou seja, tudo o que hoje designamos com o nome de cultura humanística Período Socrático • Convém esclarecer que, o que conhecemos dos sofistas, além dos fragmentos e algumas obras, se deve à critica socrática, crítica que afirmava que os sofistas vivem no mundo da doxa, das opiniões e são facilmente levados de acordo com o pagamento. Não procuram a aletheia, não se interessam pela verdade. Para Sócrates, os sofistas são os “prostitutos do saber”. 06/08/2018 3 Período Socrático • Independente das críticas levantadas por Sócrates e Platão, os sofistas trouxeram contribuição inegável para o pensamento ocidental: desenvolveram a arte da dialética e da retórica; fizeram uma crítica sobre os alicerces da sociedade grega e introduziram o relativismo para aquilo que, em lugar da Physis, chamaram de nomos (convenção) Período Socrático Características dos pensadores sofistas: • Relativismo: os sofistas, ao contrário dos pré- socráticos, se fixam na instabilidade das coisas. Nada é fixo, absoluto, nem estável; tudo muda. As essências das coisas são variáveis e contingentes. • Subjetivismo: para os sofistas não existe verdade objetiva. As coisas são como a cada um lhe aparecem. O homem é a medida de todas as coisas, dirá o sofista Protágoras. • Ceticismo: o homem não pode conhecer nada com a certeza absoluta que tanto deseja; adotam uma postura negativa diante do conhecimento. Período Socrático Características dos pensadores sofistas: • Indiferentismo moral e religioso: se o homem é a medida de todas as coisas, e as coisas são como a cada um lhe aparecem, então não existem coisas boas nem más em si mesmas, pois não existe uma norma transcendente de conduta. • Convencionalismo jurídico: os sofistas acentuavam a contraposição entre a lei e a natureza (nomos X Physys); afirmavam que não existem leis imutáveis, pois as mesmas são convenções (nomos) da sociedade. A única lei natural e universal é a dos instintos. Nesse sentido, a moral, a religião, o Estado, as raças, a igualdade, etc., tudo nasce por convenção, ou seja, por acordo e decisão dos humanos, podendo, de acordo com a própria sociedade, modificar- se. • Ora, sendo tudo nomos, tudo pode ser ensinado, inclusive a areté e o nomos. Portanto, deve haver alguém ou uma classe que seja responsável por esse ensino, ganhando por ele; o ensino da retórica, assim,será a fonte de lucro para os sofistas. Período Socrático • SÓCRATES E A FUNDAÇÃO DA FILOSOFIA MORAL OCIDENTAL • De grosso modo, pode-se dizer que foi Sócrates (469- 399 a.C.) quem salvou o pensamento grego do perigo mortal em que o colocava a sofística (MARITAIN, 1978, p. 47). Seu gênero de vida parecia exteriormente com o dos sofistas e até mesmo Aristófanes chegou a confundi-lo com um. Na realidade, Sócrates era um “educador dos homens” e acreditava que a verdade existe e pode ser conhecida desde que se proceda a uma interrogação metódica. Já percebemos, então, duas grandes diferenciações com relação aos sofistas: um universal (a verdade) e um método de encontrá- lo. Período Socrático - Sócrates • Nascido em Atenas, era filho de um escultor e de uma parteira. Não fundou nenhuma escola, como os outros filósofos, realizando seu ensinamento em locais públicos (ginásios, praças, mercados, templos, etc.), como uma espécie de pregador itinerante, exercendo grande fascínio não somente entre os jovens, que eram ávidos por um mestre, mas entre os homens de todas as idades. Após acusação de que seu ensino afastava dos deuses e de que corrompia a juventude de Atenas, é condenado pela democracia à pena de morte, tomando um veneno chamado cicuta. Período Socrático - Sócrates Não temos conhecimento de nenhuma obra de Sócrates; toda a sua obra, portanto, é uma obra de conversação, isto é, de diálogos que efetuava em seu dia-a-dia em Atenas. Seu pensamento e o que sabemos de Sócrates chegaram até nós através das seguintes fontes: • Xenofonte: • Aristófanes • Aristóteles: • Platão: 06/08/2018 4 Período Socrático - Sócrates • AS TEMÁTICAS CENTRAIS DO PENSAMENTO SOCRÁTICO • Sócrates não era um metafísico, era antes um “médico” das almas. Não estava empenhado e preocupado em construir um sistema filosófico de compreensão da realidade, mas fazer com que as inteligências trabalhassem. • O homem é sua alma: a sabedoria humana de que Sócrates se diz mestre consiste na busca de um fundamento da vida moral, ou seja, de uma justificação filosófica para o reto agir. Este agir consiste na própria essência humana; neste sentido, Sócrates se coloca em oposição aos sofistas, para quem o reto agir não nascia da essência humana, mas das convenções. Ao afirmar que a essência do humano é agir corretamente, o ateniense apresenta uma máxima: “O homem é sua alma”. Por alma deve-se entender a consciência, a personalidade intelectual e moral e daqui a máxima que, segundo a tradição, Sócrates visualizou no portal do Oráculo de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo”. Período Socrático - Sócrates • AS TEMÁTICAS CENTRAIS DO PENSAMENTO SOCRÁTICO • A moral é fundada sobre a alma: se o homem é sua alma, a virtude do homem se atua com a “cura da alma”, fazendo com que ela se realize da melhor forma possível. E como a alma é atividade cognoscitiva, a virtude será essencialmente potencialização dessa atividade, ou seja, será “ciência”, “conhecimento”. O corpo, porém, como se apresenta nessa discussão? Dado que o corpo é instrumento da alma, também os valores ligados ao corpo serão instrumentais em relação aos da alma e, portanto, a eles subordinados. Período Socrático - Sócrates • Intelectualismo ético: se a virtude é ciência, temos duas consequências: • a) existe uma só virtude, que é, ao mesmo tempo, o mínimo denominador comum e o fundamento de todas as múltiplas virtudes em que o grego acreditava; • b) ninguém pode pecar voluntariamente, porque quem peca se engana sobre o valor daquilo a que a própria ação tende; considera um bem aquilo que é mal, aquilo que é bem apenas na aparência. Bastaria mostrar a quem erra a verdade, e esse corrigiria o próprio erro. Em uma palavra: uma pessoa age de maneira correta porque conhece; se está na ignorância, agirá de maneira equivocada. Período Socrático - Sócrates • A liberdade: ainda no tocante à alma humana, emana a temática da liberdade, entendida como liberdade interior e, em última análise, como “autodomínio”. Uma vez que a alma é racional, ela alcança sua liberdade quando se livra de tudo o que é irracional, ou seja, das paixões e dos instintos. Dessa forma, o homem se liberta o mais possível das coisas que pertencem ao mundo externo e que alimentam suas paixões. Período Socrático - Sócrates • A felicidade: também a felicidade assume valência espiritual e se realiza quando na alma prevalece a ordem. Tal ordem se realiza justamente mediante a virtude. Dessa forma, afirma-se o princípio ético que a virtude é prêmio para si mesma e deve ser buscada por si mesma. • A não-violência: diante do exposto, assume relevo considerável o tema da “persuasão” e da educação espiritual. Nas relações com os outros, a violência jamais vence: o verdadeiro vencer consiste em “convencer”. Período Socrático - Sócrates • A teologia: Sócrates também teve uma particular concepção de Deus, deduzida da constatação de que o mundo e o homem são constituídos de modo tal – isto é, segundo tal ordem e tal finalidade – que exige uma causa adequada. Esta Causa é justamente Deus, entendido como inteligência ordenadora e providência. Uma providência que, porém, não se ocupa do homem individual, mas do homem em geral, fornecendo-lhe o que lhe permite a sobrevivência. Todavia, enquanto Deus é bom, ocupa-se, ao menos indiretamente, também do homem bom, como acontece no caso de Sócrates com a voz divina que lhe indica algumas coisas a evitar. 06/08/2018 5 Período Socrático - Sócrates • O MÉTODO SOCRÁTICO • Com Sócrates a filosofia começa a falar em método e ciência (episteme). Se há uma episteme, então se faz necessário um “caminho organizado” (método) para se alcançar a episteme. O método socrático, então, se efetua mediante o diálogo. Consta de duas partes: • a) Protréptico: em grego significa exortação; é o momento em que Sócrates convida o interlocutor a filosofar, a buscar a verdade, a “examinar a própria alma”, segundo a expressão de Sócrates. • b) Elenkós: em grego significa indagação. Ao comentar as respostas dadas pelos seus interlocutores, Sócrates volta a indagá-los, caminha com o questionado até encontrar a definição do que realmente estão conversando. Período Socrático - Sócrates • O elenkós é dividido em duas partes e são essas que, comumente nos livros e manuais, são chamadas de método socrático: • Ironia: feita a pergunta, Sócrates comenta as várias respostas que a ela são dadas, mostrando que são sempre preconceitos recebidos, imagens sensoriais percebidas ou opiniões subjetivas e não a definição buscada; no fundo, Sócrates refuta com a finalidade de quebrar a solidez aparente dos preconceitos. “A ironia é a característica peculiar da dialética socrática, não apenas do ponto de vista formal, mas também do ponto de vista substancial. Em geral, ironia significa ‘simulação’. Em nosso caso específico, indica o jogo brincalhão, múltiplo e variado das ficções e dos estratagemas realizados por Sócrates para levar o interlocutor a dar conta de si mesmo” (REALE, 2007, p. 101). Período Socrático - Sócrates • Maiêutica: Sócrates, ao perguntar, vai sugerindo caminhos ao interlocutor até que este chegue à definição procurada e Sócrates chama esse momento de maiêutica, isto é, arte de realizar um parto, no caso, parto de uma ideia verdadeira. Sócrates afirmava que a alma está “prenhe de verdade” e deve dar à luz o saber. Percebe-se que ele exerce a mesma profissão de sua mãe, com a diferença de que ele não faz nascer corpos, mas espíritos. O caminho do espírito para a verdade é o raciocínio e Sócrates serve-se do método da indução para isso. Período Socrático - Sócrates • IDEIAS FUNDAMENTAIS DA FILOSOFIA SOCRÁTICA: SÍNTESE • Não é possível definir uma virtude sem definir a essência da virtude (areté), isto é, a virtude é uma totalidade que deve estar presente em todas as suas partes. • Não é possível separar virtude e ciência, virtude e saber, virtude e razão; a virtude é uma forma de conhecimento (a mais alta, diga-se de passagem). Agimos virtuosamente porque conhecemos e sabemos o queé a virtude. • A essência da alma é a razão; a ignorância é a doença da alma e origem de todos os vícios. Período Socrático - Sócrates • IDEIAS FUNDAMENTAIS DA FILOSOFIA SOCRÁTICA: SÍNTESE • A razão é a capacidade para chegar aos conceitos pela distinção entre aparência sensível e realidade, entre opinião e verdade, entre imagem e conceito. A razão é o poder da alma para conhecer as essências das coisas. • A alma é diferente do corpo. É a inteligência enquanto reflexão (conhecimento de si mesma) e interrogação sobre a verdade e realidade das coisas: a alma é o poder intelectual para descobrir, em si mesma, e por si mesma, a verdade e para dar, a si mesma, e por si mesma, as regras da vida ética virtuosa. Período Socrático - Sócrates • IDEIAS FUNDAMENTAIS DA FILOSOFIA SOCRÁTICA: SÍNTESE • A Filosofia trata das qualidades morais e políticas dos homens e os meios de conhecê- las. • A finalidade da vida ética (Filosofia) é a felicidade e esta se encontra na autonomia, isto é, na capacidade do homem para, por meio do saber, dar a si mesmo as suas leis e regras de conduta.
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