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Pré-Socráticos, Sócrates e Sofistas APRESENTAÇÃO Nesta unidade, estudaremos dois importantes conjuntos de filósofos, os pré-socráticos e os sofistas, além do filósofo clássico Sócrates. Expoentes da Filosofia grega (e ocidental), são responsáveis pelo desenvolvimento inicial da Filosofia, questionando temas até então inquestionáveis. Para se ter uma ideia, Sócrates, no seu tempo, foi convidado a "se matar" pelos governantes da época, acusado de incitar a juventude ao pensamento crítico sobre os assuntos políticos e sociais das pólis (cidades-nação) gregas. Sócrates teve que tomar um veneno mortal chamado de cicuta. Apesar de haver um plano para salvá-lo, arquitetado por seu discípulo Criton, ele recusou, pois não pretendia contrariar as leis da Grécia. A morte ainda lhe parecia digna, já que não precisaria renegar sua filosofia. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Diferenciar os pensamentos dos pré-socráticos, de Sócrates e dos sofistas. • Identificar os principais elementos do pensamento dos pré-socráticos, de Sócrates e dos sofistas. • Comparar o pensamento dos pré-socráticos com o de Sócrates.• DESAFIO Para realizar esta atividade, você deverá perceber as principais diferenças entre os pensamentos dos pré-socráticos em relação à Sócrates e em relação aos sofistas. Vamos ao desafio! Os pré-socráticos podem ser considerados o primeiro conjunto de filósofos gregos. Através do raciocínio lógico, tinham o objetivo de compreender o problema mais enigmático para a humanidade até os dias atuais: a origem da vida. Seus questionamentos estavam direcionados para saber se havia uma realidade originária, de onde tudo começaria. Em seguida, os sofistas entram em campo alterando o objeto da Filosofia - da origem da vida para o homem. Seu objetivo não era entender a verdade - já que para eles esta não existia -, mas utilizar a verdade em seu discurso para ensinar aos cidadãos gregos em troca de dinheiro, uma vez que a persuasão e o discurso tinham o poder de dar riqueza, glória e fama. São os sofistas que substituem o conhecimento absoluto da Filosofia dizendo que o conhecimento depende da busca individual das pessoas. Em contrapartida à relativização trazida pelos sofistas, Sócrates acreditava na verdade absoluta, ou seja, na existência de uma verdade em tudo. Assim, a verdade valeria para todos, em qualquer tempo e espaço. Podemos dizer que, para Sócrates, a verdade era universal. Assim, o seu desafio é, tal qual um sofista, relativizar sobre algum tema universal (Deus, a vida, a ética, a humanidade, o universo etc.), tentando me convencer sobre o que estiver escrevendo. INFOGRÁFICO Veja a seguir três diagramas ilustrativos desta unidade. CONTEÚDO DO LIVRO A comparação entre os principais elementos do pensamento dos pré-socráticos, de Sócrates e dos sofistas nos possibilita um entendimento geral acerca do tema. Agora, acompanhe o capítulo Pré-Socráticos, Sócrates e Sofistas da obra Filosofia para aprofundar seus conhecimentos. Boa leitura. FILOSOFIA Amanda Maria Alves Moreira Pré-socráticos, Sócrates e sofistas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Diferenciar os pensamentos dos pré-socráticos, de Sócrates e dos sofistas. Identificar os principais elementos do pensamento dos pré-socráticos, de Sócrates e dos sofistas. Comparar o pensamento dos pré-socráticos com o de Sócrates. Introdução A filosofia surge na Grécia Antiga, com os pré-socráticos. Ela nasce em oposição às narrativas mitológicas e aspira ao conhecimento racional acerca do mundo. Os pré-socráticos procuram causas naturais para ex- plicar a origem e a ordem do universo. Mais tarde, outros temas passam a interessar aos gregos, os temas morais. Sócrates seria o precursor dessa outra maneira de se fazer filo- sofia, a filosofia humanista. Conjuntamente e debruçando-se sobre os mesmos assuntos, surge a figura do sofista, especialista que vende o seu conhecimento em retórica e argumentação. Neste capítulo, você vai estudar a origem da filosofia e conhecer os primeiros filósofos, os pré-socráticos. Além disso, vai se debruçar sobre a obra de Sócrates e os ensinamentos dos sofistas. Os filósofos pré-socráticos Geralmente, entende-se a fi losofi a como uma aspiração ao conhecimento racional sobre o mundo e a realidade humana. Assim entendida, a fi losofi a surge entre o fi nal do século VII e o início do século VI a.C., na Grécia Antiga. É difícil explicar por que a fi losofi a surgiu na Grécia, já que algumas características que parecem ter sido determinantes para o seu surgimento também estavam presentes em outras civilizações; por isso, diz-se que ocorreu um “milagre grego” (CHAUÍ, 2000). Essas características seriam: o fato de as cidades-estados gregas, as pólis, serem democráticas; o fl orescimento da cultura grega na época; a adoção de moedas; e a vasta troca comercial no Mediterrâneo. Os filósofos pré-socráticos são tidos como os primeiros filósofos. A prin- cipal marca do seu pensamento é a busca por explicações sobre a ordem e a origem do mundo dentro da própria natureza e de seus elementos. Por conta disso, eles são denominados “filósofos naturalistas”. Antes da filosofia, o mito era a narrativa principal do povo grego. Os mitos explicam o mundo ao descrever a sua origem, além de elucidar o porquê de alguns fenômenos naturais. Eles também apresentam os valores de um povo e a sua origem. Na Grécia Antiga, os mitos eram transmitidos principalmente de forma oral, mas foram sistematizados por dois poetas clássicos, Homero e Hesíodo. Por conta disso, até hoje você pode acessar essas histórias. Credita-se aos filósofos pré-socráticos uma insatisfação em relação às explicações mitológicas. O mito recorre a algo misterioso e desconhecido para explicar o mundo. Por outro lado, os pré-socráticos apresentaram explicações que recorriam apenas a elementos naturais, presentes no mundo real. Para eles, o mundo é um cosmos, isto é, um todo ordenado. Além disso, esse cosmos é acessível ao conhecimento humano por meio da razão (logos). Para defenderem as suas visões de mundo, os pré-socráticos traziam ar- gumentos causais. Por serem argumentos e não alegorias, como nos mitos, as teorias defendidas pelos pré-socráticos podiam ser contrapostas por outros argumentos. Isso talvez explique por que diferentes filósofos pré-socráticos defendem teses distintas. Argumentos causais são regressivos. Isto é, ao descobrir uma causa, falta descobrir a causa da causa e assim sucessivamente. Pense no caso de uma criança que interroga sobre o porquê de algum fenômeno; por exemplo: por que anoitece? Imagine que você explique brevemente o movimento do Sol em relação à Terra e descreva como esse movimento se relaciona com a concepção de dia e noite. Se você já interagiu com uma criança, sabe que ela não se contentará com a sua primeira explicação e fará novas perguntas, como “Mas por que o Sol roda ao redor da Terra?”. Ao fazer esse tipo de indagação, a criança está procurando argumentos causais e vendo como eles regridem sucessivamente: pode-se engatar em cada resposta uma nova pergunta. Por conta desse caráter regressivo das explicações causais e, para evitar regressões infinitas, os filó- Pré-socráticos, Sócrates e sofistas2 sofos pré-socráticos estabeleceram a noção de causa primeira, um elemento que é a origem de todos os outros. Esse elemento é a arqué ou arché (do grego antigo ἀρχή). Cada filósofo pré-socrático assume uma arché distinta. Ao longo deste capítulo, você vai conhecer algumas delas. Os textos dos pré-socráticos não chegaram intactos até o mundo contemporâneo. O seu pensamento é conhecido por conta de fragmentos, frases isoladas e referências feitas por outros filósofos. Tales de Mileto Tales de Mileto (aproximadamente 625–558 a.C.) é o primeiro fi lósofo co- nhecido. Ele defendeque o princípio fundamental da realidade é a água: ela é a origem e está presente em todas as coisas. Sobre Tales de Mileto, sabe-se muito pouco, pois nenhum texto original sobreviveu à passagem do tempo. A existência de Tales de Mileto é conhecida apenas porque outros fi lósofos fi zeram referência ao pensamento dele em seus textos. Heráclito Heráclito viveu por volta de 500 a.C. na cidade de Éfeso, na região da atual Turquia. Ele é um dos pré-socráticos mais estudados, principalmente em dicoto- mia com a teoria de outro fi lósofo que você vai conhecer a seguir, Parmênides. Para ele, o fogo é a arché e o mundo está em fl uxo, nada sendo permanente. A tese de que tudo fl ui, de modo que nada persiste nem permanece o mesmo, é central em seu pensamento. Uma conclusão que ele obtém dessa primeira tese é a de que não se pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois o rio seria outro, assim como o sujeito. O rio se movimenta e, assim, se modifi ca. Por sua vez, as pessoas também estão em constante transformação. Portanto, é impossível reviver exatamente o mesmo mergulho no rio. Talvez você estranhe essa teoria do constante fluxo de movimento. No entanto, Heráclito explica que, apesar do movimento, a complementação dos opostos garante a unidade das coisas no mundo. Ele ainda diz que a mente humana é capaz de identificar ordem e harmonia no movimento. Então, em 3Pré-socráticos, Sócrates e sofistas vez de ver o mundo como um movimento contínuo de mudanças bruscas e inexplicáveis, a razão humana organiza o movimento por meio da concepção de opostos, como o frio e o calor, o dia e a noite e a vida e a morte. Plutarco (1996, p. 106) apresenta a ideia central do pensamento de Heráclito no seguinte fragmento: Em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo, segundo Heráclito, nem substância mortal tocar duas vezes na mesma condição; mas pela intensidade e rapidez da mudança dispersa e de novo reúne (ou melhor, nem mesmo de novo nem depois, mas ao mesmo tempo) compõe-se e desiste, aproxima-se e afasta-se. Parmênides Parmênides viveu por volta de 500 a.C. na cidade de Eleia. Em contraposição a Heráclito, o fi lósofo do movimento, Parmênides é tido como o fi lósofo da unidade. Para ele, o elemento primordial, a arché, é o próprio ser. Ao contrário dos textos dos fi lósofos citados anteriormente, um dos textos de Parmênides chegou até o mundo contemporâneo: o Poema. Nesse texto, ele narra o caminho da verdade. Ali, afi rma que “O ser é e não pode não ser e o não-ser não é e não pode ser de modo algum [...]” (PARMÊNIDES, 1996, p. 26). A sua constatação é considerada a primeira versão do princípio de não contradição, princípio que denota que duas afi rmações contraditórias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo. Por exemplo, se a afirmação “A mesa é azul” é verdadeira, então “A mesa não é azul” não pode também ser verdadeira. Como você viu, a teoria de Parmênides é contraposta à de Heráclito. Para Parmênides, o movimento é apenas uma ilusão dos sentidos, e o seu estudo não ajuda a encontrar a verdade. Por outro lado, para se chegar à verdade, a razão humana deve ver a realidade como única, imóvel, imutável e eterna. No Quadro 1, a seguir, você pode ver as principais diferenças entre Heráclito e Parmênides. Pré-socráticos, Sócrates e sofistas4 Heráclito Parmênides Citação “Nada é permanente, exceto a mudança.” “O ser é e não pode não ser e o não-ser não é e não pode ser de modo algum.” Arché Fogo Ser Principais ideias Panta rei: tudo flui. Princípio da não contradição. Devir: o mundo em constante transformação. O movimento é uma ilusão dos sentidos. Quadro 1. Concepções filosóficas de Heráclito e Parmênides Pitágoras Outro pré-socrático bastante conhecido é Pitágoras. Ele nasceu por volta de 578 a.C., na Jônia, e fundou a escola pitagórica, que defendia que os números e a matemática são essenciais para a compreensão do real, pois o mundo é regido pela matemática. Desse modo, para Pitágoras, o número é a arché. Talvez você já tenha ouvido falar sobre Pitágoras por conta das suas con- tribuições para a matemática. Pitágoras descobriu o teorema que leva o seu nome. A sua formulação tradicional é que, em qualquer triângulo retângulo, o quadrado do comprimento da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos comprimentos dos catetos. O filósofo também é conhecido por ter inventado a palavra “filosofia”. A palavra “filosofia” (do grego Φιλοσοφία ou philosophia) é a composição de duas palavras: philia, que significa “amizade” ou “amor”, e sophia, que significa “sabedoria”. Logo, “filosofia” significa “amizade pela sabedoria” ou “amor pelo saber”. Assim, o filósofo é aquele que tem amizade pelo saber ou que ama a sabedoria. 5Pré-socráticos, Sócrates e sofistas Outros pré-socráticos Além dos citados, existiram outros fi lósofos pré-socráticos. Cada um deles defendeu a existência de diferentes princípios primeiros. Anaxímenes defendia que o ar era a arché; Demócrito dizia que era o átomo; Anaximandro defendia que era o ápeiron, que se traduz por “infi nito” ou “ilimitado”. Como você viu, os pré-socráticos traziam explicações causais para a origem e a ordem do mundo. Os seus argumentos eram passíveis de crítica e revisão. Sócrates Sócrates nasceu em Atenas por volta de 469 a.C. e morreu por volta de 399 a.C. Ele inaugurou uma nova fase na história da fi losofi a: o período humanista ou clássico. Como você viu, os fi lósofos pré-socráticos se debruçaram sobre a explicação e o conhecimento do mundo natural, buscando caracterizar a arché. Sócrates, por outro lado, leva a discussão fi losófi ca para outro lugar e foca nos temas relacionados à ética e à política. Assim como os textos dos pré-socráticos, os escritos de Sócrates não são acessíveis. No entanto, a razão é diferente: Sócrates não escreveu textos. É possível acessar as suas ideias porque o seu mais famoso discípulo, Platão, usou Sócrates como personagem dos seus diálogos e, assim, fez referência ao seu pensamento (PLATÃO, 2009). Outro discípulo seu, Xenofante, também cita Sócrates em seus escritos, mas Platão é o maior responsável pela pre- sença de Sócrates na história da filosofia. Graças a ele, sabe-se que Sócrates foi condenado à morte, acusado dos crimes de corrupção da juventude e de não acreditar nos deuses da pólis. Ele influenciou o pensamento de jovens atenienses fundamentalmente por seu modo de viver e questionar, que ele levou adiante até o momento de sua morte. Desse modo, o símbolo maior da filosofia é alguém que ousou viver de maneira diferente e defender ideias, ainda que elas o levassem à morte (Figura 1). Pré-socráticos, Sócrates e sofistas6 Figura 1. A morte de Sócrates. Jacques-Louis David, 1787. Óleo sobre tela, 129 × 196 cm. Metropolitan Museum, Nova Iorque, Estados Unidos. Fonte: Almeida (2016, p. 282). Sócrates defendia a existência de uma verdade única. Além disso, a dis- tinção entre opinião e verdade era central para ele. Para encontrar a verdade, Sócrates empreendia o método socrático ou dialético. Em seus escritos, Platão apresenta alguns diálogos entre Sócrates e interlocutores diferentes em que eles investigam algum tema abstrato, mais especificamente a definição de alguma virtude moral. O método socrático contém duas partes: a ironia e a maiêutica. Durante a etapa da ironia, o interlocutor de Sócrates descrevia situações em que certa virtude poderia ser encontrada e começava um processo de abstração para identificar o que todas as situações possuíam em comum, definindo, assim, a virtude. O interlocutor era então interrompido por perguntas de Sócrates. Essas 7Pré-socráticos, Sócrates e sofistas perguntas problematizavam o discurso do interlocutor, exigindo maior rigidez. Ao final dessa etapa, o desconhecimento do interlocutor sobre o assunto era evidenciado. Então, ele era convidado a, conjuntamente a Sócrates, construir uma definição mais refinada do que aquela compartilhada na primeira etapa. Na segunda etapa doseu método, a maiêutica, Sócrates ajudava o interlocutor a aperfeiçoar a sua definição e alcançar um conhecimento mais profundo sobre o assunto. O método da ironia teria sido inspirado no seu pai, que era escultor. Ao começar a sua escultura, o escultor trabalha com uma peça inteira. Sua primeira tarefa consiste em lapidar essa peça, retirar os seus excessos para começar a esculpir a figura almejada. O método da maiêutica teria sido inspirado na sua mãe, que era parteira. Para Sócrates, todos possuem a verdade dentro de si, tal como mulheres grávidas carregam o feto. A função da parteira é ajudar a grávida a dar à luz o seu filho, enquanto a tarefa do filósofo, no método da maiêutica, é ajudar o interlocutor a encontrar o conhecimento que já está dentro dele. O método dialético socrático almeja, em um primeiro momento, deixar clara a ignorância do interlocutor sobre determinado assunto. Depois disso, ele estaria mais desarmado e pronto para começar a sua própria reflexão. Em geral, Sócrates utilizava esse método em espaços públicos da pólis, con- vidando diferentes cidadãos a exporem definições e terem suas respostas problematizadas sucessivamente até encontrarem o conhecimento juntos ou se depararem com a aporia. “Aporia” é um termo grego que pode ser definido como um impasse. Ela ocorre quando há um momento de incerteza ou contradição que impede que os envolvidos no diálogo ou na meditação sobre um tema encontrem uma resposta final. Assim, quando ocorre uma apoia, os envolvidos não conseguem obter uma resposta para a indagação filosófica inicial. Alguns diálogos socráticos terminavam em aporias, isto é, eram inconclusivos. Aristóteles define aporia como uma igualdade de conclusões contraditórias. Sócrates se recusava a ser visto como um professor, pois, stricto sensu, ele não transmitia conteúdos. O que ele fazia era evidenciar a ignorância dos interlocutores, levando-os a reconhecer a falibilidade de suas opiniões e motivando-os a refletir a partir disso, em busca da verdade. A frase mais famosa atribuída a ele é: “Só sei que nada sei”. Esse dizer não é encontrado de maneira direta nos escritos platônicos em que a figura de Sócrates aparece, mas é derivado deles. No diálogo Apologia de Sócrates, Platão afirma o seguinte: “[...] aquele homem acredita saber alguma coisa, sem sabê-la, enquanto eu, como não sei nada, também estou certo de não saber [...]” (PLATÃO, 2009, Pré-socráticos, Sócrates e sofistas8 p. 142). A partir dessa frase, pode-se concluir que Sócrates toma a admissão de ignorância como uma virtude. O dizer também está relacionado com a resposta que Sócrates teria recebido do oráculo. Na entrada do Oráculo de Delfos, construído em homenagem ao deus Apolo, encontra-se o seguinte escrito: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás todo o universo e os deuses, porque se o que procuras não achares primeiro dentro de ti mesmo, não acharás em lugar nenhum”. Ao consultar o oráculo, Sócrates teria escutado da sacerdotisa Pitonisa, que falaria em nome do deus Apolo, que ele era o homem mais sábio da Grécia. Após olhar para dentro de si e procurar um assunto sobre o qual ele se consideraria um especialista, Sócrates teria concluído que a única coisa que sabia era que não tinha conhecimento de nada: “Só sei que nada sei”. Por conta desse episódio, Sócrates defendia que era importante que todos praticassem o autoconhecimento, além do questionamento interno e externo. Nesse sentido, se você realizar esse mergulho dentro de si e descobrir que é ignorante, estará mais perto do conhecimento do que se apenas atribuir às suas opiniões o valor de verdade. Para Sócrates, a opinião que não se reconhece como opinião é perigosa, pois dificulta a capacidade crítica. Além disso, Sócrates relacionava o conhecimento com o bem, e a ignorância, com o mal. Isto é, ele relacionava a epistemologia com a ética. O conhecimento, assim, seria uma virtude; e reconhecer os pontos de ignorância seria algo virtuoso. Para ele, se alguém tem conhecimento, está mais propenso a praticar o bem; se é ignorante, está mais propenso a praticar o mal. Sofistas Você viu que as pólis gregas eram democráticas. Na democracia grega, as- suntos de interesse público eram discutidos nas assembleias. Nesses locais, ocorriam discussões organizadas, e cada lado poderia apresentar argumentos e buscar consenso entre os ouvintes. Os sofi stas eram fi guras de destaque nas assembleias. Eles eram mestres de oratória e retórica, realizavam discursos públicos e davam aulas pagas para aqueles que gostariam de dominar essas habilidades. Assim como no caso de Sócrates, o foco dos sofistas eram os temas rela- cionados à ética e à política. Esses eram os assuntos que mais interessavam aos participantes das assembleias, pois ali eram discutidas as normas e leis que regeriam a população. As técnicas ensinadas pelos sofistas eram neutras, no sentido de que podiam ser utilizadas tanto para defender uma posição quanto 9Pré-socráticos, Sócrates e sofistas a posição contrária. Protágoras de Abdera (aproximadamente 490–415 a.C.), famoso sofista, defendia o antropocentrismo, a ideia de que o homem é a me- dida de todas as coisas. Isso significa que o homem é quem dita as normas, as regras e a cultura de um lugar. O que é válido em um local em dado momento pode não ser válido em outro local ou em outro momento. Desse modo, é fundamental ter as técnicas de oratória e retórica necessárias para convencer ambos os lados. Outro sofista, Górgias (aproximadamente 485–380 a.C.) foi além e disse que seria capaz de convencer qualquer pessoa de qualquer coisa. Diferentemente de Sócrates, que contrapunha opinião e conhecimento e defendia a ilusão dos sentidos, os sofistas aceitavam a validade das opiniões e dos sentidos. Eles pregavam a existência de várias verdades, relativas às convenções sociais de determinados grupos de interesse. Isto é, eles eram relativistas e se contrapunham a Sócrates, que defendia uma verdade única. Para Sócrates, os sofistas não eram filósofos, pois não tinham respeito pela verdade ou amor pelo saber. Platão, ao escrever sobre Sócrates e, posteriormente, sobre a história da filosofia, os pintou como os grandes inimigos dos filósofos. Hoje, não é possível acessar os textos dos sofistas, apenas fragmentos e escritos dos seus oponentes, os filósofos. Essa informação pode ajudar você a entender por que os sofistas foram tão mal vistos ao longo da história. Neste capítulo, você estudou o início da história da filosofia e o papel de três figuras: os pré-socráticos, Sócrates e os sofistas. Os pré-socráticos elaboravam explicações cosmológicas sobre a origem e a ordem do mundo utilizando elementos da natureza. Sócrates utilizava o método dialético e buscava o conhecimento sobre temas morais. Por sua vez, os sofistas eram relativistas e ficaram conhecidos como os grandes opo- nentes da filosofia. Pré-socráticos, Sócrates e sofistas10 ALMEIDA, C. A. Razão, religião e revolução: luzes e sombras nas telas de Jacques-Louis David. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 24, n. 3, p. 269–298, 2016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-47142016000300269. Acesso em: 23 ago. 2019. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. PARMÊNIDES. [Edição Os pensadores]. In: OS PRÉ-SOCRÁTICOS. São Paulo: Nova Cultural, 1996 (edição Os Pensadores). PLATÃO. Apologia de Sócrates. Lisboa: Edições 70, 2009. PLUTARCO. [Edição Os pensadores]. In: OS PRÉ-SOCRÁTICOS. São Paulo: Nova Cultural, 1996 (edição Os Pensadores). Leituras recomendadas BONJOUR, L.; BAKER, A. Filosofia: textos fundamentais comentados. Porto Alegre: Artmed, 2010. MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. 13. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. MARCONDES, D. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. PLATÃO. Diálogos III: Fedro, Eutífron, Apologia de Sócrates, Críton,Fédon. São Paulo: Edipro, 2008. PLATÃO. O Sofista. São Paulo: Victor Civita, 1972. 11Pré-socráticos, Sócrates e sofistas DICA DO PROFESSOR Neste vídeo, veremos um pouco mais sobre os pré-socráticos, Sócrates e os sofistas. Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino! EXERCÍCIOS 1) Os pré-socráticos, Sócrates e os sofistas podem ser considerados precursores da filosofia grega, sendo expoentes de seu desenvolvimento inicial. A preocupação desses filósofos era: A) Questionar o mundo que tinham a sua volta. B) Conservar o mundo que tinham a sua volta. C) Ganhar dinheiro com a Filosofia, profissionalizando o seu ensino. D) Fazer política através da Filosofia. E) Criar uma escola filosófica para debater os grandes temas da humanidade. 2) Os pré-socráticos podem ser considerados o primeiro conjunto de filósofos gregos. Seu objetivo filosófico era: A) Compreender a cognição humana. B) Compreender a ética. C) Compreender a origem da vida. D) Compreender a política. E) Ensinar filosofia profissionalmente, cobrando por isso. 3) Os sofistas alteram o cenário da Filosofia quando mudam o foco de interesse das indagações da origem da vida para o homem em si. Seu objetivo não era: A) Relativizar a verdade universal, discutindo-a. B) Ensinar filosofia profissionalmente, cobrando por isso. C) Descobrir a verdade universal. D) Através da persuasão, convencer os gregos de que eles, sim, eram os verdadeiros filósofos, dignos de serem professores da Filosofia. E) Fama, reconhecimento, poder e dinheiro por meio da Filosofia. 4) Em contraponto aos sofistas, Sócrates acreditava na existência de uma verdade absoluta e universal, que fundamentasse todas as coisas do universo. Assim, para Sócrates, a verdade valeria para: A) Para todas as pessoas em qualquer tempo e espaço. B) Para poucas pessoas em um tempo e um espaço. C) Para todas as pessoas somente em um determinado tempo. D) Somente para os filósofos. E) Somente para ele, por ser um grande filósofo. 5) No julgamento que o levou à morte, Sócrates, ao defender-se das acusações que lhe eram atribuídas de incitar e corromper os jovens gregos com pensamentos contra os deuses e o poder instituído na época, questionava como poderia não acreditar nos Deuses ao mesmo tempo em que era preciso se unir a eles. Foram dadas duas escolhas à Sócrates, ou se exilava para sempre ou cortavam-lhe a língua. Caso se negasse a cumprir a pena escolhida, seria morto ingerindo veneno. Sócrates preferiu morrer porque: A) Morrendo, Sócrates acreditava que não "abriria mão" de uma vida justa. B) Seria morto de qualquer maneira. C) Sua filosofia não tinha apelo popular. D) Não estava convicto de seus pensamentos. E) Assim se tornaria um filósofo famoso e com discípulos. NA PRÁTICA Na prática, ainda hoje no pensamento ocidental persiste o que podemos chamar de método socrático que, utilizando-se de perguntas simples e até mesmo quase ingênuas, caracteriza-se como uma técnica de investigação filosófica. O seu objetivo geral é demonstrar as contradições existentes na maneira atual de pensar dos alunos, geralmente baseada nos valores da sociedade em voga, permitindo lhe auxiliar para, inclusive, redefinir esses valores, a fim de que os indivíduos possam pensar por si. SAIBA MAIS Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: SAUNDERS, Clare; MOSSLEY, David; ROSS, George M.; LAMB, Danielle; CLOSS, Julie (Orgs.). Como estudar filosofia: guia prático para estudantes
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