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LIVRO_UNICO-historia filosofia medieval

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Prévia do material em texto

História da 
Filosofia Medieval
Fábio Antonio Gabriel
© 2020 por Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou 
transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo 
fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de 
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pelos seus mantenedores. Sendo assim, a Editora não se responsabiliza pelo conteúdo de terceiros.
Presidência 
Rodrigo Galindo
Vice-Presidência de Produto, Gestão 
e Expansão
Julia Gonçalves
Vice-Presidência Acadêmica
Marcos Lemos
Diretoria de Produção e 
Responsabilidade Social
Camilla Veiga
2020
Editora e Distribuidora Educacional S.A.
Avenida Paris, 675 – Parque Residencial João Piza
CEP: 86041-100 — Londrina — PR
e-mail: editora.educacional@kroton.com.br
Homepage: http://www.kroton.com.br/
Gerência Editorial
Fernanda Migliorança
Editoração Gráfica e Eletrônica
Renata Galdino
Luana Mercurio
Supervisão da Disciplina
Maria Julia Souza Chinalia
Revisão Técnica
Luciana Colin Talavera
Maria Julia Souza Chinalia
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
 Gonçalves, Patrícia Graziela 
G635h História da filosofia medieval / Patrícia Graziela Gonçalves, 
 Fábio Antonio Gabriel. – Londrina: Editora e Distribuidora 
 Educacional S.A., 2020.
 184 p.
 
 ISBN 978-65-86461-50-3
 1. Filosofia. 2. Cristianismo. 3. Escolástica. I. Gabriel, Fábio 
 Antonio. II. Título.
 
CDD 180
Jorge Eduardo de Almeida CRB-8/8753
Sumário
Unidade 1
Filosofia e cristianismo ................................................................................. 7
Seção 1
O que se entende por filosofia medieval .......................................... 8
Seção 2
O cristianismo e a filosofia ..............................................................21
Seção 3
A influência da Bíblia no pensamento ocidental ..........................34
Unidade 2
A Patrística ...................................................................................................51
Seção 1
A Patrística Grega .............................................................................52
Seção 2
A Patrística Latina ............................................................................66
Seção 3
Santo Agostinho e o apogeu da Patrística .....................................80
Unidade 3
A gênese da escolástica ...............................................................................95
Seção 1
O surgimento das universidades ....................................................97
Seção 2
A controvérsia dos universais ......................................................111
Seção 3
A gênese da escolástica: a Escola de Chartres ............................123
Unidade 4
A escolástica nos séculos XIII a XV .......................................................141
Seção 1
As filosofias árabe e hebraica e a penetração de Aristóteles no 
Ocidente ..........................................................................................143
Seção 2
Tomás de Aquino e a síntese escolástica .....................................156
Seção 3
A crise da Escolástica e os últimos pensadores medievais .......168
Palavras do autor
Prezado aluno, bem-vindo:Neste livro, convidamos você a percorrer os caminhos da fasci-nante história da filosofia medieval, a partir de temas que são extre-
mamente relevantes para a compreensão da construção do pensamento 
ocidental. E você pode se perguntar: mas por que estudar a filosofia pelo 
olhar da história? Pois bem, ótima pergunta! É que a história da filosofia 
nos impede de qualificar uma filosofia como velha, atrasada, fora de nossos 
tempos. Isto porque não se ascende à filosofia senão pela história dela, isto é, 
pela reatualização dos experimentos filosóficos que só a história nos oferece.
Trata-se, portanto, de um convite à reflexão crítica. Esperamos que você 
consiga reconhecer não só os principais momentos da filosofia medieval, 
mas também compreender os debates acerca das bases do pensamento filosó-
fico na Idade Média. Com isso, você será capaz de reconhecer as relações 
entre filosofia e cristianismo; analisar a filosofia patrística grega e latina, com 
destaque para o pensamento de Santo Agostinho; compreender a gênese da 
escolástica e seu posterior desenvolvimento, com ênfase no pensamento de 
Tomás de Aquino; e problematizar a crise escolástica e os últimos pensadores 
filosóficos da Idade Média.
Nosso percurso tem início com o desvendamento do contexto histórico a 
partir do qual emergiu a filosofia medieval para, em seguida, caracterizá-la e 
distingui-la da teologia, mas sem deixar de demonstrar a íntima relação entre 
elas, principalmente com o estudo da conexão entre filosofia e cristianismo e 
da importância da Bíblia no pensamento ocidental. 
Na sequência, adentramos no estudo do movimento filosófico dos primeiros 
padres da igreja cristã, a Patrística, para compreender as suas peculiaridades 
tanto na área cultural de língua grega quanto latina. Esse estudo perpassa a 
ação dos padres apologistas, dos padres mais relevantes, até chegar em Santo 
Agostinho, talvez o mais expressivo expoente desse movimento. 
Esse percurso continua com o estudo da gênese da escolástica, para 
compreender as nuances do contexto histórico a partir do qual esse 
movimento filosófico surgiu e se desenvolveu. Nesse sentido, nossa atenção 
centra-se no surgimento das universidades, na controvérsia dos universais e 
nas escolas de Chartres. 
Por fim, chegamos na análise da escolástica entre os séculos XIII e XV, no 
intuito de elucidar o ápice e a crise desse movimento filosófico. Para tanto, 
estudaremos as filosofias árabe e hebraica e a penetração de Aristóteles no 
ocidente; Tomás de Aquino e a síntese escolástica; e a crise da escolástica e os 
últimos pensadores medievais. 
Aproveite e bons estudos!
Unidade 1
 Patricia Graziela Gonçalves
Filosofia e cristianismo
Convite ao estudo
Nesta unidade, o tema é filosofia e cristianismo. E, por esse título, você 
pode se perguntar: a filosofia medieval é uma filosofia cristã? Existiu uma 
filosofia medieval? Bom, tudo isso você vai descobrir a partir do estudo 
das seções que compõem esta unidade. O fato é que a filosofia guarda uma 
relação muito estreita com a teologia na Idade Média e alguns pensadores 
preferiam a designação de teólogos à de filósofos e afirmavam que “a filosofia 
é serva da teologia” (DAMIÃO apud GILBERT, 1999, p. 68). Mas você sabia 
que tanto a filosofia quanto a teologia, enquanto conceitos, têm origem na 
filosofia grega? É que a cristianização do conceito de teologia levou séculos. E 
no cristianismo, encontram-se posições em relação à filosofia que vão desde 
a rejeição total até a apropriação, colocando-a, simplesmente, a serviço da 
fé cristã. Esse, portanto, é um problema complexo de séculos de história no 
pensamento filosófico e no pensamento cristão.
Na primeira seção desta unidade, analisamos o contexto histórico a 
partir do qual emergiu a filosofia medieval para, em seguida, caracterizá-la e 
distingui-la da teologia, mas sem deixar de demonstrar a íntima relação entre 
elas. Na segunda seção, estudamos mais de perto a conexão entre filosofia e 
cristianismo no intuito de entender a noção desenvolvida por alguns autores 
de que a filosofia medieval é uma filosofia cristã, para então problematizá-la. 
Na terceira seção, o enfoque é a compreensão da importânciada Bíblia no 
pensamento ocidental com base no estudo da estrutura e do significado 
da Bíblia, dos problemas emergentes do impacto com a Bíblia e das ideias 
bíblicas que influenciaram o pensamento ocidental.
Bons estudos!
8
Seção 1
O que se entende por filosofia medieval
Diálogo aberto
Neste momento, discutiremos o que se entende por filosofia medieval. 
Para tanto, contextualizaremos a Idade Média e a existência de uma filosofia 
nesse período, suas características e as suas relações com a teologia. Esses 
assuntos são interessantes e importantes no estudo da história da filosofia 
medieval e suscitam uma série de questões que podem ser sistematizadas 
pela situação-problema a seguir: 
Em uma conversa informal, no intervalo de Ciclo de Palestras 
sobre a Filosofia Medieval, Charles e outros participantes lembram de 
um vídeo muito interessante, o famoso jogo de futebol filosófico (The 
Philosophers’ Football Match) encenado no filme Monty Python ao Vivo 
no Hollywood Bowl, de 1982. Nesse jogo foram escalados, de um lado, 
filósofos gregos como Heráclito, Platão, Aristóteles e Plotino e, do 
outro, alemães como Kant, Hegel, Nietzsche, Beckenbauer. Marx está 
no banco. O juiz é Confúcio e os bandeirinhas são Santo Agostinho e 
São Tomás. A filmagem começa com o título “Filosofia internacional” e 
Palin fornece a narrativa. Os jogadores entram animados no campo, mas 
quando Confúcio dá o apito inicial, nada acontece. Melhor dizendo, os 
filósofos de ambos os times meditam de um lado para o outro, alguns 
coçam a cabeça, outros, o queixo. 
Pois bem, a problemática acerca do vídeo refere-se ao fato de Santo 
Agostinho e Santo Tomás serem bandeirinhas. Para além de ser uma boa 
piada, essa posição assumida por esses pensadores medievais suscita 
algumas questões interessantes acerca da filosofia na Idade Média. 
Nesse sentido, Charles comenta com seus colegas que na palestra do 
dia anterior, o professor de História da Filosofia Medieval de determi-
nada universidade afirmou ser a filosofia medieval um objeto de estudo 
relativamente recente. 
O desafio para Charles e os demais colegas é entender as razões de tal 
afirmação do palestrante, somada ao fato de Santo Agostinho e Santo Tomás 
serem bandeirinhas no famoso jogo de futebol filosófico. Nesse sentido, se 
perguntam: houve filosofia na Idade Média? Não é ela a época das trevas? 
Não lhe faltaram as luzes do pensar e a claridade da razão? Como então, falar 
de filosofia na Idade Média?
9
Não pode faltar
A invenção da Idade Média
Quem inventou a Idade Média? Sim, ela foi inventada, pelo menos 
enquanto representação. É isso o que afirma Carlos Arthur do Nascimento 
(1992), professor de História da Filosofia, ao discorrer sobre os problemas 
escondidos na expressão “filosofia medieval”. Parece que foi o estudioso 
clássico alemão Christoph Cellarius (1639-1707) um dos primeiros a conso-
lidar o uso da expressão “Idade Média” como designativo de uma das divisões 
de uma história universal (Idade Antiga, Idade Média e Idade Moderna). O 
conceito generalizou-se no século XVIII dos iluministas, quase sempre com 
sentido pejorativo. 
Desde o século XV, a expressão “Tempo Médio” era empregada para 
denominar o período intermediário entre a Antiguidade Clássica e o 
Renascimento. Essa expressão revelava a repulsa que os humanistas, princi-
palmente os italianos, nutriam pelos séculos que os separavam do esplendor 
da civilização greco-latina, considerados por eles um tempo marcado pelo 
declínio intelectual, cultural e artístico. Ainda no século XIV, o italiano 
Francesco Petrarca (1304- 1374) já olhava com aversão o período compreen-
dido entre o fim do Império Romano e a sua época, momento de descoberta 
da Antiguidade, definindo-o como uma era de “trevas”. Essa ideia sombria 
foi reafirmada na obra Décadas históricas após o declínio do Império Romano, 
do humanista Flávio Biondo (1388-1463) e vinculada à noção de “Tempos 
Médios” pelo bispo Giovanni Andrea dei Busi, em 1469 (PEDRERO-
SÁNCHEZ, 2000).
O preconceito com os tempos medievais foi reforçado pelo Iluminismo, 
nos séculos XVII e XVIII. Visando combater os resquícios feudais ainda 
sobreviventes no século das Luzes, a maioria dos escritores iluministas lançou 
um olhar hostil para a Idade Média. Voltaire (1694-1778), por exemplo, no 
Ensaio sobre os costumes (1756), caracterizou a época medieval como séculos 
de grosseiros e bárbaros. A igreja foi o principal alvo do antimedievalismo 
do Século das Luzes. Para os iluministas, a influência da igreja católica era 
o empecilho ao progresso, à ciência e à liberdade, tanto na época em que 
viviam quanto no medievo. Obscurantismo clerical e Idade Média, para esses 
homens, eram termos sinônimos (VERDON, 2004).
Com a eclosão do romantismo na primeira metade do século XIX (em 
alguns países nos finais do século XVIII), a imagem do medievo ganhou 
uma nova leitura. De “Idade das Trevas”, o passado medieval passou a ser 
valorizado, admirado, exaltado. A Idade Média tornou-se a “Idade de Ouro”, 
momento do nascimento das nações europeias. Contudo, se houve um 
10
resgate positivo do medievo, ele continuava sendo mal compreendido. Os 
autores românticos nutriram uma visão bastante idealizada da Idade Média. 
No século XX, os estudos sobre a Idade Média sofreram uma grande 
revisão, assim como a historiografia em geral. As novas concepções sobre a 
prática histórica trazidas pela Escola dos Annales contribuíram de maneira 
significativa para a história medieval. Atualmente, a tendência nos estudos 
sobre a Idade Média é a de tentar compreendê-la por ela mesma, levando 
em consideração que as diversas concepções sobre esse período histórico – 
inclusive a contemporânea – resultam de questões postas pelo momento em 
que vivemos (AMARAL, 2012, p. 6).
Reflita
O que vem a sua mente quando você se depara com a expressão “Idade 
Média”? Provavelmente um passado distante marcado pela presença 
de admiráveis castelos, donzelas, trovadores, cavaleiros e de inqui-
sidores implacáveis. Em alguns momentos, também podemos ver o 
termo “Idade Média” ou o seu correspondente “medieval” serem 
empregados de forma bastante negativa. Não raro eles são usados em 
nosso cotidiano para designar situações de intolerância, atraso, penúria 
e brutalidade. Como essas imagens que povoam o nosso imaginário são 
alimentadas ainda hoje?
Mas quais são as características principais dessa temporalidade que ficou 
conhecida como Idade Média? Se pensarmos no ocidente medieval cristão, 
a primeira coisa que precisa ser dita é que a Idade Média foi o resultado da 
confluência de três fatores fundamentais: a ruína do mundo clássico antigo, 
a barbarização do espaço europeu e o advento do cristianismo. Essa conflu-
ência se inicia ainda durante o Império Romano e se torna determinante 
a partir do século V. Portanto, não foi um processo de mudança histórica 
abrupta. A passagem de uma temporalidade para a outra foi marcada por 
permanências de valores culturais, principalmente gregos, e rupturas no 
plano da civilização ou das infraestruturas materiais. 
Assim, as características fundamentais do ocidente medieval cristão 
decorrem do processo da sua gênese e compreendem-se a partir dos três 
fatores que a determinaram. Vamos começar pela medievalização do clássico: 
o legado clássico greco-romano é submetido ao espírito próprio da tempo-
ralidade. O latim é mantido como língua; as escolas agora estão ligadas às 
dioceses e aos mosteiros, ao clero e aos monges e os seus programas orien-
tam-se para o estudo da teologia, da liturgia e da pastoral; as ciências adqui-
ridas e o pensamento em geral são igualmente aproveitados em função da 
11
compreensão da fé; mantém-se o modelo administrativo imperial-romano é 
utilizado pela igreja (dioceses, hierarquia governante, títulos). 
Pela decisiva influência do cristianismo, o homem tende a viver voltado 
para as coisas do espírito, o que refletiu, em grande medida, na filosofia do 
período. A forte influência do cristianismodetermina também o sentido 
teocêntrico da civilização e da cultura medievais: Deus será, aí, o centro de 
convergência e o supremo referencial da vida. A teologia ocupa o topo do 
saber, se considera a rainha das ciências, à qual todas as demais estão subor-
dinadas e em função da qual existem e funcionam. Além disso, o homem 
possui uma visão tendencialmente fideísta do mundo e da vida – despre-
zando a razão, preconiza a superioridade da fé no conhecimento das verdades 
inatingíveis. Como consequência, a filosofia tem dificuldade em ser afirmar 
como saber autônomo em relação à ciência da fé (a teologia). 
A Idade Média ocidental cristã vive a tensão entre o humano e o divino, 
entre o pecado e a graça, ou na famosa metáfora agostiniana, entre a cidade 
terrestre e a cidade celeste. Nesse sentido, vive o extraordinário florescimento 
dos santos. O reflexo disso na filosofia é o seu pouco apreço como mera 
curiosidade intelectual e na sua frequente tensão para a mística. Ademais, 
a cristandade – espécie de grande comunidade político-religiosa, formada 
pelo conjunto das nações cristãs – tomou o lugar do Império Romano do 
Ocidente. A profissão de uma mesma fé e a submissão à suprema autoridade 
de um chefe comum, o papa, podem ser considerados os dois fatores essen-
ciais de coesão e unidade da cristandade. 
Contudo, convém ressaltar que, tal como recorda o historiador da cultura 
e da educação Henri Iréneé Marrou (1977), existem várias Idades Médias: a 
ocidental latina, a bizantina, a muçulmana e a judaica. E é no fluxo de três 
tradições (a grega, a hebraica e a romana) que a história da Idade Média 
no ocidente é nutrida. Da tradição grega vem o pensamento na forma da 
filosofia; da hebraica, a fé judaico-cristã e a Bíblia; da romana, as formas de 
ordenamento do poder, a atitude pragmática em face do real e a sua corres-
pondente metafísica. Toda a Idade Média cristã, latina e bizantina, é romana. 
Nesse sentido, afirma Alain de Libera (2004, p. 11-12):
A Idade Média – era intermediária entre a Antiguidade e os 
tempos modernos – é, segundo diz, o período compreen-
dido entre a queda do Império Romano do Ocidente (476) 
e a tomada de Constantinopla pelos turcos (1453). Dois 
eventos políticos circunscrevem esses dez séculos. A própria 
natureza desses acontecimentos mostra que a compreensão 
tradicional do período medieval está centrada, inconscien-
12
temente, na romanidade. [...] Embora a tomada de Constan-
tinopla marque o fim da Idade Média, portanto, da Idade 
Média ocidental, a história do Império Romano do Oriente 
não faz parte da história ocidental. No fundo, a visão de Idade 
Média confunde-se com o que é chamado de “Ocidente 
cristão”, ela está nele centrada, e o que não é, simultane-
amente ocidental e cristão é posto à margem, considerado 
apêndice exótico, sem legitimidade própria.
Portanto, para Alain de Libera (2004), na visão tradicional da história, a 
Idade Média é confundida com o ocidente cristão e nele é centrada. Nessa 
perspectiva, o que não é cristão e ocidental é posto à margem, não tem 
legitimidade própria. Vejamos o caso dos bizantinos: são cristãos, mas não 
ocidentais; e o caso dos judeus e muçulmanos: ainda morando no ocidente, 
não eram cristãos. Na dupla oposição ocidente-oriente, a “Idade Média” é 
confiscada em proveito de um só grupo: os ocidentais cristãos ou cristãos 
ocidentais” (LIBERA, 2004, p. 12).
A propósito da existência de uma filosofia medieval
Se a Idade Média é uma invenção, então também seria a filosofia medieval? 
A filosofia medieval pode ser distinguida de uma teologia revelada, filosofi-
camente equipada? Essas questões são geralmente levantadas por filósofos e 
historiadores da filosofia e merecem a nossa atenção. 
A filosofia medieval enquanto objeto de estudo é algo inventado muito 
recentemente. Pelo menos é o que parece. Aliás, durante muito tempo se 
duvidou que houvesse mesmo uma filosofia medieval, tanto entre os filósofos 
quanto entre os historiadores da filosofia. Quais são as razões para isso? 
Pois bem, é certo que elas são encontradas na íntima relação entre filosofia 
e teologia: “estudiosos discutem para saber se de fato houve filosofia nesse 
período, ou se tudo o que se fez foi teologia. Poucos eram os autores cristãos 
que se julgavam filósofos. Por várias razões, eles preferiam ser denominados 
teólogos” (STORCK, 2003, p. 10).
Exemplificando
A título de exemplificação, na primeira metade do século XX, o filósofo 
inglês Bertrand Russell afirmou que não há filosofia medieval e que tudo 
na Idade Média é teologia. Nessa mesma direção, o filósofo alemão 
Martin Heidegger viu no pensamento medieval o encontro entre o 
aristotelismo e o modo de representação oriundo do judeu-cristia-
13
nismo. Nesse mesmo período, o historiador Paul Vignaux publicou um 
livro com o título O pensamento na Idade Média (1938) e somente 20 
anos depois o rebatizou como A filosofia na Idade Média (LIBERA, 1999).
Em 1922, o destacado historiador da filosofia medieval Étienne 
Gilson publicou a primeira versão do seu La Philosophie au Moyen Âge 
(A Filosofia na Idade Média), evitando o uso do termo filosofia medieval. 
Surpreendentemente, essa obra permanece intempestiva, ainda que o conhe-
cimento atual de filosofia medieval seja muito maior do que era possível na 
primeira metade do século XX. Isto porque, entre a respeitável massa de 
documentos ainda inéditos, foi descoberto um número significativo de obras, 
com autoria e datação determinados, além de velhas edições refeitas e vastas 
edições críticas em como comentários em grande escala (ESTEVÃO, 2011).
O mesmo Etienne Gilson reconheceu a existência de uma filosofia 
medieval ao confessar no prefácio da obra L’Esprit de la philosophie médiévale 
(O espírito da filosofia medieval), publicada pela primeira vez em 1932, que 
descobriu que não só existe uma filosofia medieval como ela é uma filosofia 
cristã por excelência. Ainda assim, reconhece que não se poderia afirmar que 
não houve, na Idade Média, outra filosofia que não a cristã. 
Ainda em fins do século XX, Alain de Libera, historiador da filosofia 
francesa, publicou uma obra intitulada Pensar na Idade Média (1991), 
jogando com o primeiro título de Paul Vignaux, mas trocando o substantivo 
pelo verbo e enfocando em como nós concebemos o pensamento medieval 
(ESTEVÃO, 2011). A propósito de Alain de Libera, há pelo menos 20 anos ele 
estuda diferentes formas de filosofia praticadas na Idade Média e seu interesse 
não é apologético-religioso, como muitas vezes ocorre com estudiosos do 
pensamento medieval. É dele a citação a seguir e que representa a problemá-
tica até aqui tratada:
Aprisionada na rede complexa e paralisante de tradi-
ções historiográficas multisseculares, objeto de conflitos, 
projetos e dissociações impostas aos fatos por paixões 
contraditórias, a filosofia medieval nunca se libertou total-
mente das imagens e dos preconceitos cultivados tanto por 
partidários como por seus adversários. (LIBERA, 1990, p. 7)
Para Alain de Libera (1990), os mil anos de pensamento, reflexão, inova-
ções e trabalho da temporalidade que ficou conhecida como Idade Média 
ficaram adormecidos no intervalo entre a Antiguidade e a Idade Média. 
14
Portanto, caracterizariam uma longa transição ora invocada como “a idade 
ideal do magistério intelectual da igreja”, ora como rebaixada como a “época 
infeliz de um longo e laborioso sacrifício do pensamento”, ora adornada 
“com os faustos equívocos de uma clareza para sempre perdida” e ora perse-
guida e denunciada como “a manifestação mais evidente do ‘obscurantismo’” 
(LIBERA, 1990, p. 7). 
E de onde provém essa depreciação da filosofia medieval? Essa é uma 
questão historiográfica que remonta ao Humanismo. Alain de Libera (1991) 
ressalta como a historiografia tradicional interiorizou a visão renascentista 
acerca desse aspecto da realidade social medieval. A visão negativa e pejora-
tiva acerca da Idade Média foi construída a partir do olhar dos renascentistas,que enxergavam nessa temporalidade um longo período de adormecimento 
do conhecimento dos antigos gregos e que foi resgatado por eles na transição 
para a modernidade. 
Em contraposição a isso, Libera (1990; 1991) defende o lugar da Idade 
Média na filosofia, não como a manutenção do antigo ou o anúncio do novo 
tempo, mas como temporalidade repleta de movimentos de ideias não disso-
ciadas da organização da vida intelectual. Afirma que “os estudos de história 
da filosofia medieval emanciparam-se progressivamente dessas tutelas narra-
tivas”, dentre as quais a “retomada não crítica da distinção entre razão e fé, e 
em sua repartição institucional, sem levar em conta a pluralidade das formas 
do racional e da interpenetração dos domínios” (LIBERA, 1991, p. 144).
Mas, afinal, o que se entende por filosofia medieval? 
Como o próprio nome indica, filosofia medieval é o conjunto de formas de 
pensamento filosófico que se desenvolveu na Europa durante a Idade Média 
(entre os séculos V e XV). Se levarmos em consideração que a Idade Média 
tem início (pelos marcos temporais tradicionais) no século V, então a chamada 
Patrística, reflexão filosófica dos primeiros padres da igreja, não estaria incluída 
nessa expressão. No entanto, praticamente todos os manuais de história da 
filosofia medieval, a Patrística está presente e nesse livro não será diferente. 
Feitas essas considerações iniciais, é necessário deixar claro que a filosofia 
produzida na Idade Média não é apenas uma filosofia cristã, tal como autores 
como Etienne Gilson (2006) nos fizeram acreditar. E Alain de Libera ressalta 
muito bem isso:
A história da filosofia medieval é escrita, em geral, do 
ponto de vista do cristianismo ocidental. Este gesto não é 
isento de consequências: ele fixa os objetos, os problemas, 
15
os campos de investigação, avalia, distribui, poda, reparte 
segundo suas perspectivas, interesses, tradições, impõe 
seus esquecimentos, imprimi suas diretrizes e direções. 
(LIBERA, 2004, p. 7)
A filosofia medieval, portanto, deve ser analisada como o produto 
das relações intermitentes entre ocidente e oriente. Não podemos nos 
esquecer que o pensamento árabe e judaico é tão profundo quanto o 
cristão. E “essa simples constatação implica não apenas que conside-
remos a origem e o desenvolvimento de cada uma dessas formas, mas 
também que possamos identificar as possíveis influências e fontes 
comuns” (STORCK, 2003, p. 8).
Ademais, convém destacar que a filosofia medieval tem origem na filosofia 
grega. Santo Agostinho, filósofo da Patrística, se utilizou de categorias do 
pensamento de Platão para fundamentar os dogmas cristãos na virada da 
Antiguidade para o medievo. Depois, os sírios transmitiram a mesma filosofia 
grega aos árabes e estes em boa medida aos judeus. Mais tarde, “os cristãos 
novamente a recuperaram, assimilando teses árabes e judaicas, e buscando 
mais uma vez as fontes gregas. Os especialistas designam esse movimento 
de transmissão de translatio studiorum, isto é, o deslocamento dos saberes” 
(STORCK, 2003, p. 8-9).
No que se refere às relações entre filosofia e teologia no medievo, apesar de 
os pensadores cristãos refutarem a designação de filósofos – já que para eles 
filósofos eram pagãos, como Aristóteles ou Platão, ou infiéis, como Avicena e 
Averróis – eles tinham uma ideia bem clara do que era filosofia, entendendo-a 
não como uma disciplina específica, mas como o conjunto das disciplinas 
científicas. Desse modo, compreendiam a sua estrutura e “participavam de 
polêmicas sobres os limites e as pretensões da filosofia. Considerando esse 
fato, podemos investigar o que os medievais pensavam acerca da filosofia, 
mesmo se eles, e principalmente os cristãos, não se reconhecessem como 
filósofos” (STORCK, 2003, p. 9). 
Para além disso, “se entendermos por ‘filosofia’ a prática da 
argumentação, os teólogos medievais acabaram por filosofar tanto ou 
até mais que os filósofos de ‘ofício’” (LIBERA, 1991, p. 146), o fato é 
que a oposição entre a razão dos filósofos e a fé dos teólogos é mesmo 
anterior à Idade Média. Na Antiguidade Tardia, houve o choque efetivo 
de uma filosofia grega ainda viva e a teologia dos padres da igreja, em 
fase de conquista.
16
Assimile
O conceito de Antiguidade Tardia foi cunhado pelos historiadores 
para designar o período de translatio entre a Antiguidade Clássica e a 
Idade Média, momento em que a sociedade medieval ainda não estava 
formada e a sociedade antiga já não mais existia. As interpretações 
historiográficas ora enfocam as rupturas, ora as continuidades, e estão 
diretamente relacionadas com a abordagem teórico-metodológica e 
com concepções do próprio historiador. 
Para entender mais sobre essas discussões, faça a leitura do seguinte texto:
AMARAL, R. A Antiguidade Tardia nas discussões historiográficas acerca 
dos períodos de translatio. Alétheia – Revista de estudos sobre Antigui-
dade e Medievo, p. 1-08, jan./dez. 2008.
Convém afirmar, também, que a filosofia medieval possui formas e 
modos de expressão filosófica que são particulares do período e que seguiam 
normas mais ou menos precisas e expressavam uma certa ideia de rigor e de 
método filosófico. Nesse sentido, a filosofia medieval é compreendida como 
a configuração de um modelo de diálogo filosófico, imbuído de um novo 
método, sobretudo porque representa a acolhida do pensamento antigo, 
greco-romano, com os dados da revelação judaico-cristã. Trata-se de um 
sistema que busca a compreensão da verdade que é Deus. Este modelo de 
pensamento trouxe um novo conceito de ciência em relação aos dados da fé e 
sua vinculação aos norteamentos da razão natural, dos mitos que transitavam 
pelas comunidades ocidentais primitivas em relação a este mesmo vínculo. 
Pelo fato de estar na história e ter uma história, a filosofia costuma ser 
apresentada em grandes períodos que acompanham, às vezes de maneira 
mais próxima, às vezes de maneira mais distante, os períodos em que os 
historiadores dividem a história da sociedade ocidental. Não que esses 
momentos representem, de fato, toda a filosofia produzida na Idade Média. 
No entanto, serve de referencial para pensarmos as influências da filosofia 
grega e do pensamento dos judeus e dos muçulmanos no pensamento filosó-
fico ocidental. Devemos, contudo, ressaltar que alguns historiadores consi-
deram como medieval apenas a filosofia escolástica. A seguir, uma divisão 
ainda muito divulgada hodiernamente:
1. Filosofia Patrística, com três períodos:
I. Patrística Incipiente (sécs. I-III);
II. Apogeu da Patrística (sécs. IV-V);
III. Patrística Tardia (sécs. VI-VIII).
17
2. Pré-escolástica (sécs. IX-X).
3. Filosofia escolástica, com três períodos:
I. Escolástica Incipiente (sécs. XI-XII);
II. Apogeu da Escolástica (séc. XIII);
III. Decadência Escolástica (sécs. XIV-XV).
Após a compreensão do contexto histórico em que se desenvolveu a 
filosofia medieval, a defesa de sua existência e a sua caracterização, temos 
condições de avançar nas discussões acerca das suas peculiaridades, enten-
dendo desde a ação dos chamados padres apologistas, passando pela 
Patrística e Santo Agostinho, pela gênese da escolástica, até chegar na crise 
desta e na transição para o pensamento filosófico moderno.
Sem medo de errar
A situação-problema que abre esta seção nos leva a pensar a existência 
de uma filosofia medieval e suas características. No cenário apresentado, um 
grupo de pessoas que participa de um Ciclo de Palestras sobre a Filosofia 
Medieval relembra o famoso jogo de futebol filosófico (The Philosophers’ 
Football Match) encenado no filme Monty Python ao Vivo no Hollywood 
Bowl, de 1982. Nesse jogo, temos um time formado por filósofos gregos e 
outro time formado por filósofos alemães. A questão levantada refere-se ao 
fato de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino serem os bandeirinhas do 
jogo. Ora, não são considerados filósofos? Melhor: houve filosofia na Idade 
Média? Não é ela a época das trevas? Não lhe faltaram as luzes do pensar ea 
claridade da razão? Como então, falar de filosofia na Idade Média?
Para responder a essas perguntas, precisamos, primeiramente, entender que a 
caracterização do medievo como idade das trevas, do obscurantismo, aconteceu 
a posteriori, inclusive a nomenclatura “Tempo Médio” foi dada pelos renascen-
tistas, que viam essa temporalidade como um longo intervalo entre a Antiguidade 
e a Modernidade. Essa visão negativa foi perpetuada pelos pensadores dos séculos 
seguintes e se concretizou com os iluministas do século XVIII. Aliás, a própria ideia 
de um período medieval como componente de uma história universal é datada do 
século XVII, quando Christoph Cellarius cunhou o termo “Idade Média”. 
Essa visão negativa a Idade Média repercutiu na história da filosofia, 
principalmente pelo fato de a igreja cristã ter sido a instituição mais poderosa 
do período medieval. Nesse sentido, o pensamento filosófico na Idade Média 
é confundido com a própria teologia, já que a justificação dos dogmas cristãos 
e da fé subjugou a razão humana em diversos momentos. Por isso mesmo, 
18
muito filósofos e historiadores da filosofia desconfiavam da existência de 
uma filosofia medieval e afirmavam que na Idade Média tudo é teologia. 
O fato é que a filosofia medieval enquanto objeto de estudo é algo recente 
e tem sido defendida por pesquisadores como Alain de Libera (1999), 
que enxerga o lugar dela na história da filosofia. Esse período é rico em 
movimentos de ideias filosóficas que deve ser compreendida à luz das carac-
terísticas da sociedade de então. Podemos nomear esses movimentos, tais 
como Patrística e escolástica, mas não podemos nos esquecer que a filosofia 
medieval não é apenas uma filosofia cristã, dada a existência e a influência 
dos judeus e dos muçulmanos nesses movimentos e na construção do pensa-
mento filosófico ocidental tal como nós estudamos.
Faça valer a pena
1. “Exaltados aqui por evocar a idade ideal do magistério intelectual da igreja, 
rebaixados ali por assinalar a época infeliz de um longo e laborioso sacrifício 
do pensamento, adornados, segundo alguns, com os faustos equívocos de uma 
clareza para sempre perdida, perseguidos e denunciados por outros como a 
manifestação mais evidente das trevas do ‘obscurantismo’, mil anos de pensa-
mento, de reflexão, de inovações e de trabalho dormem no silencioso inter-
regno que separa a Antiguidade da improvável configuração formada pelo 
Renascimento, a Reforma e a época dita ‘clássica’.” (LIBERA, 1990, p. 7)
Considerando as informações apresentadas, analise as afirmativas a seguir:
I. Os dez séculos que compõem a Idade Média caracterizam um longo 
parênteses na história da filosofia ocidental. 
II. Devido à influência da igreja cristã em todos os âmbitos da vida em 
sociedade, inclusive nas formas de pensar, na Idade Média não houve 
filosofia e sim teologia. 
III. A Idade Média é uma temporalidade repleta de movimentos de 
ideias filosóficas, não dissociadas da organização da vida intelectual.
Considerando o contexto apresentado, é correto o que se afirma em:
a. I, apenas.
b. II, apenas.
c. III, apenas.
d. I e II, apenas.
e. II e III, apenas.
19
2. “Vista da Índia ou China, nossa civilização ocidental aparece como uma 
subsidiária da civilização grega [...]. Mas a transição da Grécia clássica para 
a Europa moderna não foi alcançada por filiação direta: houve, entre ambos, 
lugar para mediações; aqueles que representam o Renascimento humanista 
e, antes disso, cristianismo medieval são bem conhecidos por todos.” 
(MARROU, 1977, p. 8)
Com base na leitura da citação, podemos concluir que:
a. A Idade Média não deixou seu legado para civilização ocidental, já 
que nosso conhecimento é subsidiário do grego. 
b. Na Idade Média, o cristianismo foi reinante e que a produção de 
conhecimento ficou estagnada.
c. A transição da antiguidade para a modernidade se deu de maneira 
obscura, pela existência do medievo como idade das trevas. 
d. Os gregos e o modernos foram os grandes responsáveis pela formação 
da civilização ocidental e que nada de importante existiu entre eles.
e. Apesar de parecer que a civilização ocidental é subsidiária da grega, 
cujo conhecimento foi retomado pelos modernos, muita coisa 
aconteceu no medievo e isso não pode ser ignorado.
3. “[...] se alguém der uma olhada na prateleira de filosofia numa livraria, 
certamente vai encontrar algum volume com o título ‘filosofia medieval’. Tudo 
isso parece familiar e sem problemas. Nem desconfiamos que a expressão 
‘filosofia medieval’ esconde uma quantidade de problemas. Comecemos, 
portanto, perguntando se houve mesmo uma idade média e se houve mesmo 
uma filosofia nessa tal idade média.” (NASCIMENTO, 1992, p. 9)
Acerca da Idade Média e da filosofia medieval, classifique as afirmativas a 
seguir em (V) verdadeiras ou (F) falsas. 
( ) Tanto a periodização da história ocidental em antiga, medieval e moderna 
como a interpretação negativa do período medieval são resultados de inter-
pretações do período contemporâneo. 
( ) Na modernidade, a expressão “Tempo Médio”, de cunho pejorativo, foi 
empregada para denominar o intervalo entre a antiguidade e a modernidade. 
Tal expressão foi substituída por “Idade Média” no século XVII e a visão 
negativa do período foi reforçada no século XVIII pelos iluministas. 
20
( ) As razões para a desconfiança da existência de uma filosofia medieval 
encontram-se na íntima relação desta com a teologia. 
( ) Ainda hoje, é consenso entre os filósofos e historiadores da filosofia que 
na Idade Média, a fé predominava sobre a razão e que é complicado falar em 
pensamento filosófico nesse período.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta de classificação, de 
cima para baixo.
a. V – V – F – F. 
b. F – F – V – F.
c. F – V – V – F.
d. V – F – V – F. 
e. F – F – F – V.
21
Seção 2
O cristianismo e a filosofia
Diálogo aberto
Agora que você já compreendeu as discussões historiográficas acerca da 
existência da filosofia medieval, bem como o contexto histórico em que ela 
emergiu e as suas principais características, é o momento de entender outra 
polêmica: a existência uma filosofia cristã medieval, uma noção desta e suas 
características. Esse tema tem íntima relação com a nossa disciplina e suscita 
debates interessantes e relevantes para a sua compreensão. Vamos fazer isso por 
meio de outra situação-problema, que servirá de base para nossas reflexões. 
A pesquisadora Fabiane Taís foi contactada por uma revista científica 
para escrever um artigo sobre a filosofia medieval, com enfoque no pensa-
mento dos filósofos cristãos. A premissa inicial é a de que na Idade Média a 
filosofia desenvolvida foi de caráter eminentemente cristão e que a sua influ-
ência sobre o pensamento ocidental foi demasiadamente importante. Essa 
discussão, longe de ser ultrapassada, tem a sua pertinência ainda nos dias 
atuais em virtude das características de uma sociedade que se encontra, de 
certo modo, em crise com seus valores éticos e princípios morais. 
Como primeiro passo para a construção do artigo, Fabiane Taís fez 
um levantamento bibliográfico a fim de verificar o que os historiadores da 
filosofia debateram e debatem sobre essa temática. A partir da análise atenta 
da bibliografia levantada, constatou que há um consenso acerca da influ-
ência da filosofia grega e helenística no cristianismo no período da Patrística 
e da escolástica. De fato, os pensadores cristãos utilizaram a filosofia para 
compreender as verdades reveladas e aceitas pela fé e para defendê-las dos 
seus adversários intelectuais. Para tanto, utilizaram e incorporaram catego-
rias do pensamento de Platão e de Aristóteles, conciliando fé e razão.
Entretanto, Fabiane Taís se deparou com questões importantes: a 
filosofia medieval foi afetada pelo contato com o cristianismo? Ou será 
que apenas o cristianismo foi afetado pelo contato com a filosofia? Para 
diversos autores, apenas a segunda pergunta é respondida de modo afirma-
tivo.No entanto, o filósofo e historiador da filosofia Étienne Gilson procura 
demonstrar em seus escritos que a filosofia da Idade Média é uma filosofia 
cristã por excelência. Estaria Étienne Gilson correto em sua perspectiva? 
Seria a filosofia medieval uma filosofia cristã? Mas, afinal, o que podemos 
entender por filosofia cristã?
22
Não pode faltar
O problema de uma filosofia cristã
No prefácio da obra O espírito da filosofia medieval, Étienne Gilson 
(2006) esclarece que não apenas descobriu que há uma filosofia medieval, 
como também ela é uma filosofia cristã por excelência. Isso não implica em 
dizer que não houve outra filosofia que não a cristã naquele período, mas sim 
em “saber se a noção de filosofia cristã tem sentido e se a filosofia medieval, 
considerada em seus representantes mais conceituados, não seria a expressão 
histórica mais adequada” (GILSON, 2006, p. 2). E já conclui de antemão que 
o espírito da filosofia medieval é o espírito cristão que penetra na tradição 
grega, trabalhando-a por dentro e fazendo-a produzir uma visão do mundo 
especificamente cristã.
Ao se debruçar sobre a problemática da filosofia cristã, Étienne Gilson (2006) 
afirma, de imediato, que o pensamento cristão medieval manteve estreitas 
relações com o pensamento judaico e com o pensamento muçulmano e que não 
seria adequado estudá-lo de maneira isolada. Esse não seria o problema, portanto, 
já que é puramente histórico e facilmente resolvido. O verdadeiro problema seria 
saber se houve filósofos cristãos na Idade Média, problema este que se colocaria 
de modo semelhante para os muçulmanos e judeus. 
De acordo Étienne Gilson (2006), caracterizar a existência ou a possi-
bilidade de uma filosofia cristã se torna problemático e esbarra em alguns 
obstáculos. O primeiro deles é a crítica de historiadores da filosofia e filósofos 
que desacreditam a sua existência. Comecemos com os historiadores, que 
antes mesmo de discutir a existência ou possibilidade de uma filosofia cristã, 
afirmam os pensadores cristãos da Idade Média (e aqui a referência é feita aos 
escolásticos) deixaram para a posteridade apenas uma colcha de retalhos de 
doutrinas gregas (Platão e Aristóteles) mal tecida com a teologia. 
Entre os filósofos, aqueles de orientação racionalista afirmam que entre 
religião e filosofia existe uma diferença de essência que torna impossível a 
colaboração entre elas. Mesmo não estando de acordo acerca da essência 
da religião, afirmam que a razão não lhe pertence. E se a razão pertence à 
filosofia, ela é inconciliável com a irracionalidade da revelação. Portanto, não 
há que se falar em filosofia cristã (GILSON, 2006).
Exemplificando
Emile Bréhier (1876-1952) é um filósofo francês e historiador da filosofia 
que representa muito bem esse pensamento dos racionalistas. Na sua 
23
obra Histoire de la Philosophie, afirma o seguinte: “esperamos, pois, 
mostrar, neste capítulo e nos seguintes, que o desenvolvimento do 
pensamento filosófico não foi influenciado demasiadamente pelo 
advento do cristianismo, e para resumir nosso pensamento em uma 
palavra: não há filosofia cristã” (BRÉHIER, 1977, p. 207-208). Emile 
Bréhier (1977) teorizou sobre a impossibilidade de haver uma ciência 
com influências deterministas externas, como é o caso da fé, que 
aceita verdades reveladas de maneira extrínseca ao homem. Por isso 
mesmo, não poderia existir uma filosofia cristã e uma ciência teológica, 
já que a fé não tem condições de fornecer elementos essenciais para 
uma reflexão científica. Ademais, desacredita de qualquer contribuição 
medieval ao pensamento racional, devido à forte presença do elemento 
religioso (SANTOS, 2019).
Nesse mesmo sentido, entre os filósofos neoescolásticos, alguns admitem as 
premissas da argumentação racionalista e até aceitam a sua conclusão, apesar 
de jamais negarem a relação entre filosofia e religião. Aceitam que Tomás de 
Aquino fundou uma filosofia cristã, mas seria ele o único, já que sua filosofia 
se constituiu em um plano puramente racional? Assim, “é muito mais uma 
discordância sobre os fatos que os separa dos racionalistas do que uma discor-
dância sobre os princípios” (GILSON, 2006, p. 8). Em resumo, se para os racio-
nalistas, a filosofia está no topo das ciências e se identifica com a sabedoria, 
para os neoescolásticos, a filosofia é subalterna à teologia, ainda que alguns 
pensem que a sua natureza é idêntica à filosofia concebida pelos racionalistas.
Assimile
Neoescolástica é a designação dada ao movimento filosófico e teoló-
gico que teve início no século XIX e que procurou revitalizar a escolástica 
medieval. O impulso inicial foi dado pela encíclica Aeterni Patris (1879), do 
papa Leão XIII, que propôs a filosofia de Tomás de Aquino como resposta 
contra os desafios lançados contra a doutrina católica pelas escolas de 
pensamento modernas. De início, ficou restrita aos centros e instituições 
de ensino ligados à igreja católica na Itália, Espanha e França e, somente 
no final do século XIX, conseguiu se desvencilhar das amarras eclesiás-
ticas, com a ampliação de suas pesquisas para além desses países.
Entretanto, ainda que historiadores, filósofos racionalistas e filósofos neoes-
colásticos neguem a existência ou mesmo a possiblidade de uma filosofia cristã 
na Idade Média, o fato é que nenhum deles recusa o fato de que houve uma 
24
relação muito próxima entre o pensamento filosófico e a fé cristã. A questão 
que surge imediatamente é saber como essa relação afetou a ambos. 
O segundo obstáculo para caracterizar a existência ou a possibilidade de 
uma filosofia cristã é a concepção de renomados historiadores da filosofia 
de que o cristianismo primitivo se baseia no caráter exclusivamente prático, 
sem qualquer aspecto especulativo. Étienne Gilson (2006) reconhece que o 
cristianismo primitivo não é uma filosofia, mas não se pode afirmar que não 
há nele nenhum elemento especulativo, sob pena de ir além do que a análise 
histórica permite. Nesse sentido, argumenta que, ainda que a Bíblia não seja 
um livro filosófico, seria errôneo afirmar que ela não possa ter influenciado o 
desenvolvimento da filosofia e essa possibilidade se encontra nos elementos 
especulativos contidos nas origens da vida cristã: 
O terceiro obstáculo para caracterizar a existência ou a possibilidade de 
uma filosofia cristã é a aparente independência filosófica do pensamento 
moderno em relação à filosofia medieval. Contrário a esse argumento, 
Étienne Gilson (2006) advoga a favor da influência do pensamento cristão na 
filosofia medieval que pode ser percebida, inclusive, nos filósofos modernos.
Ao argumentar contra todos esses obstáculos apresentados, Étienne 
Gilson (2006) procura demonstrar a plausibilidade de uma filosofia da 
Idade Média como uma filosofia cristã. Isto não porque considera que ela 
foi construída fielmente sobre bases bíblicas, mas por ter sido radicalmente 
influenciada pelo cristianismo em todos os seus aspectos. Ainda que a 
filosofia cristã seja pautada nos elementos da fé, ela motiva e gera a razão na 
busca por respostas e reflexões de seus elementos. 
Mas você pode se perguntar agora: Étienne Gilson (2006) foi o único 
a argumentar em favor da existência de uma filosofia cristã? Pois bem, a 
resposta é: não! É que ele talvez seja o mais expressivo dentre os historia-
dores da filosofia e que conhecemos por aqui. No entanto, outros filósofos e 
historiadores da filosofia corroboram com essa ideia. Por exemplo, Jacques 
Maritain (1882-1973), filósofo francês, não descarta o argumento histórico 
desenvolvido por Gilson (2006), mas vai além deste ao afirmar que a razão é 
um dom de Deus para a humanidade e que a filosofia, ainda que nutrida pela 
revelação, possui o exercício da razão e, portanto, é autônoma em relação à 
teologia no período medieval (SANTOS, 2019). 
Anterior a Gilson e Maritan, August Heinrich Ritter (1791-1869), filósofo 
e historiador alemão da filosofia que, em meados do século XIX, modificou 
radicalmente o quadrohistoriográfico relativo à formação do pensamento 
moderno, pugnou pela existência de uma filosofia cristã, argumento que o 
cristianismo exerceu influência importante para a filosofia, apresentando 
novos problemas e exigindo dela investigações aprofundadas. Ademais:
25
Chamamos nossa filosofia de “filosofia cristã” pela única 
razão de que o acompanhamento dos desenvolvimentos 
que ela abraça deriva essencialmente de movimentos 
históricos que a expansão do espírito cristão aumentou na 
humanidade. (RITTER, 1843, p. 30-32)
Enfim, Gilson, Maritain e Ritter, no decorrer das obras citadas, teorizaram 
em defesa da existência de uma genuína filosofia cristã na Idade Média, ainda 
que entre eles existissem diferenças na forma como esboçaram essa defesa. 
Acreditando na influência positiva da fé cristã na história da filosofia, enten-
deram que o legado da antiguidade e o nascimento da modernidade foram 
enriquecidos com a filosofia cristã surgida na transição para o medievo.
Assimile
Em 21 de março de 1931, Étienne Gilson, Jacques Maritain e Heinrich 
Ritter se envolveram num debate sobre a existência de uma filosofia 
cristã, promovido pela Société Française de Philosophie, em Paris. 
Defensores daquela, eles tiveram como adversários os filósofos 
modernos Emile Bréhier e Léon Brunschvicg. Foi uma discussão 
oriunda do “pensamento católico francês” (BORGHESI, 1999, p. 313). 
Naquele contexto, “[...] a Europa assiste à imposição de um totali-
tarismo pagão e, paralelamente, à decadência daquela subjetivi-
dade que deveria constituir a nova metafísica, edificada, em grande 
medida, pelo cristianismo” (BORGHESI, 1999, p. 314). Posteriormente, 
o debate saiu dos limites do pensamento intelectual francês envolveu 
outros interlocutores, dentro e fora da França.
A noção de filosofia cristã
Em outra obra de grande relevância, História da Filosofia Cristã (1991), 
Philotheus Boehner e Étienne Gilson denominam de filosofia cristã o conjunto 
de sistemas filosóficos surgidos desde os tempos apostólicos até os nossos 
dias. Esses sistemas não são homogêneos e, portanto, possuem divergências 
e contrastes, por vezes, notáveis, mas se constituem em um todo fundamen-
talmente unitário. Não justificando o conceito propriamente dito de filosofia 
cristã, explicam que o sentido dado por eles é exclusivamente histórico e 
limitado especificamente com o fim de demarcar o mais exatamente possível 
o fato histórico por ela representado. Sendo assim, apresentam, ainda que 
provisoriamente, a seguinte definição:
26
É cristã toda filosofia que, criada por cristãos convictos, 
distingue entre os domínios da ciência e da fé, demonstra 
suas proposições com razões naturais, e não obstante vê 
na revelação cristã um auxílio valioso, e até certo ponto 
mesmo moralmente necessário para a razão. (BOEHNER; 
GILSON, 1991, p. 9).
Ainda o cristianismo não seja uma religião filosófica, ele encontra 
sua satisfação na própria reflexão filosófica. Partindo de uma série de 
fatos históricos, o cristianismo apresenta uma mensagem histórica de 
redenção. Acompanhado de todas as exigências morais, ascéticas e 
religiosas, ele não pode ser tido como uma filosofia, porque é perma-
nentemente uma religião. Isto porque a filosofia tem seu ponto de 
partida no homem e apela para o seu intelecto, principalmente, tratando 
de noções e problemas puramente naturais com o objetivo de fornecer 
uma interpretação racional do mundo, da natureza, da sociedade e do 
homem (BOEHNER; GILSON, 1991).
No entanto, ainda que não seja uma filosofia, o cristianismo deu 
origem a um movimento filosófico de grandes proporções. A razão, 
orientada pela fé, seria o ponto de partida para o aprofundamento 
racional das verdades reveladas. Estas verdades religiosas possuem em 
germe e em estado latente muitas doutrinas filosóficas que, ao serem 
trazidas à luz pelo esforço especulativo de gerações sucessivas, demons-
tram-se passíveis de desenvolvimento filosófico extremamente fecundo 
(BOEHNER; GILSON, 1991).
Vamos agora entender como se deu a aproximação do cristianismo com 
a filosofia. Para tanto, é necessário retornar ao contexto de crise e queda do 
Império Romano do Ocidente, momento em que a experiência religiosa 
desenvolvida pelos cristãos modificou o entendimento do homem e da socie-
dade acerca da religião. Essa modificação, em grande medida, atingiu tanto 
o campo das religiões de uma maneira geral quanto os grupos sociais sem 
religião definida (SANTOS, 2019).
Para Carlos Palácio (1991), filosofia e cristianismo não são duas grandezas 
homogêneas. Enquanto a filosofia se situa na inteligibilidade do real, o cristia-
nismo tem seu ponto de partida num acontecimento real, a vida e a morte 
de Jesus. A tensão entre a experiência e razão (logos) atravessa toda a história 
do próprio cristianismo. Mas a pergunta a ser feita é: por que o cristianismo 
manifestou desde a sua origem essa irresistível atração pela razão? A reposta 
pode ser encontrada nos meandros da história:
27
A história das relações entre cristianismo e filosofia se 
confunde, em grande parte, com a história do próprio 
cristianismo. Foi ele, com efeito, o herdeiro indiscutível da 
“antiguidade tardia” (essa grande tradição cultural que foi 
a civilização greco-romana) e a matriz fecunda de uma nova 
cultura, dessa fantástica aventura histórica, religiosa e 
cultural que foi o ocidente cristão. Cultura cristã, inegavel-
mente teológica nas suas raízes, mas misteriosa e parado-
xalmente anticristã neste seu momento particularmente 
crítico e sombrio. Começo do fim ou prenuncio de outra 
cultura? (PALÁCIO, 1991, p. 508)
É fato que o cristianismo, desde seu início, manteve relações com a 
filosofia pagã, marcada pela filosofia dos estoicos, dos cínicos e dos epicu-
ristas. Por uma necessidade histórica e psicológica interna, o cristianismo 
tomou contato com a filosofia, tendo sido dominante nos primeiros séculos 
da era cristã, o que lhe exigiu uma tomada de posição. O cristianismo estava 
repleto de ideias suscetíveis de desenvolvimento e valorizadas pelo esforço 
especulativo sistemático, principalmente no sentido de confrontar posicio-
namentos religiosos da filosofia pagã helenística. Sendo assim, o cristianismo 
assumiu uma postura crítica em relação a essa filosofia e, dotado de uma 
verdade dita absoluta, a da revelação, garantiu aos cristãos um critério seguro 
de julgamento em face das especulações gregas (BOEHNER; GILSON, 1991).
É preciso frisar que os apóstolos São Paulo e São João utilizaram conceitos 
e termos próprios da filosofia pagã nos seus ensinamentos. Entre eles ainda não 
havia filosofia, até mesmo porque havia uma relação dúbia com essa filosofia, 
ora rejeitando-a com o horror próprio daquele contexto, ora aceitando-a 
e entendo-a como uma aliada. A partir disso, no século II, com os ataques 
feitos à fé cristã por alguns filósofos pagãos, surgiram os primeiros pensadores 
cristãos no Oriente e no Ocidente, os apologistas, elaborando obras e discursos 
calcados na razão instrumental e da fé, principalmente (SALES, 2008).
Portanto, nos primeiros séculos da era cristã, a filosofia foi utilizada para 
fundamentar o discurso cristão. Santo Agostinho (354-430) talvez represente 
o ápice da conciliação entre cristianismo e filosofia, naquilo que convencio-
nou-se chamar de nostra philosphia christiana (SALES, 2008). O objetivo 
central de Agostinho era demonstrar a revelação cristã como a verdadeira 
filosofia, o que nos permite concluir que ele entendeu a sua atividade como 
a de um filósofo. E, mais, “a postura teórica de Agostinho ganha expressão 
muito antes no seguinte dito: se Platão fosse vivo, racionalmente ele teria de 
dar razão ao cristianismo” (HORN, 2003, p. 229). 
28
Isso nos leva à afirmação de Boehner e Gilson (1991) de que a tradição é o 
que norteia a filosofia cristã e que quase todos os pensadores cristãos levaram 
em consideração seus predecessores imediatos, procurando aprofundar 
ou melhorar suas obras e a eles reportando-se ouse sentindo devedores: 
“Justino, por exemplo, descobre os elementos cristãos na filosofia grega e 
muitos “escolásticos” do século XVIII se apoiam em Agostinho e nos padres 
da igreja. Em parte alguma se verifica ruptura completa com o passado” 
(BOEHNER; GILSON, 1991, p. 11).
Boehner e Gilson (1991) descrevem as propriedades essenciais da filosofia 
cristã. Em primeiro lugar, uma filosofia cristã consta exclusivamente de 
proposições suscetíveis de demonstração natural. Ou seja, só podemos falar 
filosofia cristã quando a concordância às proposições por ela anunciadas 
se basear nas reflexões de ordem racional. Seu ponto de partida não são as 
verdades reveladas (inacessíveis à razão), mas o esforço de compressão e a 
percepção da ação de Deus. 
Em segundo lugar, uma filosofia cristã jamais irá de encontro às verdades 
de fé claramente formuladas pela igreja. Ou seja, uma filosofia cristã não 
tolera a contradição consciente à doutrina da igreja, caso contrário não será 
denominada de cristã essa filosofia. Portanto, a filosofia cristã “deve origi-
nar-se sob a influência consciente da fé cristã. Mas esta influência não é de 
natureza sistemática, e sim psicológica” (BOEHNER; GILSON, 1991, p. 10). 
Sua manifestação ocorre, sobretudo, de quatro maneiras:
a. A fé preserva a filosofia de muitos erros, dando à razão certos limites 
de caráter inviolável. 
b. A fé propõe certas metas ao conhecimento racional, cabendo à razão 
analisar e aprofundar as verdades reveladas, descobrir para elas um 
fundamento acessível ao saber natural com a finalidade de trans-
formar as convicções religiosas em evidências racionais. 
c. A fé determina a atitude cognoscitiva do filósofo cristão, fornecendo 
uma concepção de mundo que lhe proporciona uma visão onicom-
preensiva do mundo e da vida. 
d. A fé determina o sentido do labor filosófico, que assume a feição de 
verdadeira tarefa religiosa, colocando o pensador cristão a serviço da 
edificação da igreja.
No que concerne às caraterísticas da filosofia cristã, Boehner e Gilson 
(1991) escrevem que ela tende a fazer a seleção dos seus problemas. Isto pode 
ser explicado a partir da sua finalidade, que consiste na elucidação da fé e, 
sendo assim, nem todos os problemas interessam igualmente. Nesse sentido, 
29
três classes de problemas podem ser distinguidos: os de base, tais como o 
da existência da imortalidade da alma e o da liberdade; os imprescindíveis 
para toda a construção filosófica, tais como as questões de natureza lógica e 
epistemológica, as da divisão e natureza das ciências; os não essenciais, quase 
todos pertencentes à filosofia da natureza. 
Além disso, outra característica da filosofia cristã é que ela manifesta, 
quase sempre, tendência sistematizadora, aspirando a uma visão total 
da realidade. Para tanto, empenha-se mais em coordenar os problemas já 
aprofundados em um grande conjunto harmônico do que em aprofundar 
problemas isolados, compensando a sua falta de espírito criativo pelo vigor 
de sua visão em conjunto. Uma visão geral é proporcionada ao pensador 
cristão pela revelação e pela sistemática da fé (BOEHNER; GILSON, 1991).
A fé em busca de entendimento (fides quaerens intellectum). É em torno 
desse princípio que toda a especulação medieval gravitou, incluindo a 
filosofia cristã. Da revelação, apenas algumas verdades acreditadas podem 
ser tornar verdades inteligíveis. E esse é o objeto da filosofia cristã: o corpo 
de verdades reveladas inteligíveis por meio da razão e com o sentido exata-
mente definido por ela. Nas palavras de Étienne Gilson (2006, p. 42-43): “o 
conteúdo cia filosofia cristã é, portanto, o corpo das verdades racionais que 
foram descobertas, aprofundadas ou simplesmente salvaguardadas, graças à 
ajuda que a revelação deu à razão”.
Reflita
É na atmosfera religiosa que o homem medieval nasce, vive e morre e 
que sua inteligência pensante se move. Quando decide pensar racio-
nalmente o mundo e a vida (portanto, filosofar), o homem medieval 
encontra os pressupostos no credo da sua fé. Seria, então pensar racio-
nalmente, já que a fé não é, em si mesma, um pensamento pensado 
pelo homem, mas um pensamento revelado por Deus? O fato é que o 
homem medieval sentiu a nessessidade (própria na natureza humana) 
de pensar por si o mundo e a vida e, ao fazê-lo, não se propunha a 
encontrar a inteligibilidade ou o sentido ignorados (por não o eram), 
mas pensar por si o que já estava dado pela divina revelação.
Munido dessas informações acerca da existência e das características 
da filosofia cristã, bem sobre a existência de uma filosofia medieval multi-
facetada, você terá condições de refletir e analisar criticamente os demais 
conteúdos deste livro, principalmente a influência da Bíblia no pensamento 
ocidental e os movimentos filosóficos característicos da Idade Média. Avante!
30
Sem medo de errar
A pesquisadora Fabiane Taís é contactada por uma revista para escrever 
um artigo sobre a filosofia medieval, com enfoque no pensamento dos 
filósofos cristãos. Em suas pesquisas, se deparou com um debate interessante: 
a filosofia medieval sido teria sido o que foi sem o contato com o cristia-
nismo? Ao perceber que a maioria dos pesquisadores responde “sim” para 
essa pergunta, entendeu que há no senso comum uma ideia de que apenas o 
cristianismo foi influenciado pela filosofia, mas não o contrário. Mas há um 
autor em especial que defende veementemente a influência do cristianismo 
na filosofia bem como a existência de uma genuína filosofia cristã como 
essência da filosofia medieval: Étienne Gilson (2006). A grande questão é 
saber se esse autor está correto na sua perspectiva e, em caso afirmativo, quais 
seriam as características de uma filosofia cristã. 
Para resolver essa problemática, é necessário, primeiramente, entender 
os argumentos contrários à uma filosofia cristã. Em primeiro lugar, historia-
dores e filósofos céticos em relação à filosofia na Idade Média afirmam que os 
pensadores cristãos se apoderaram das ideias dos filósofos clássicos (notada-
mente Platão e Aristóteles) e de aplicá-las a seus dogmas cristãos, não contri-
buindo em nada com as discussões filosóficas. Dentre estes, os racionalistas 
puros diferenciam essencialmente religião e filosofia, dizendo que a razão 
(pertencente à ordem da filosofia) tornaria impossível a colaboração entre 
elas. Além disso, os filósofos escolásticos entendem que a única filosofia cristã 
existente é a de Tomás de Aquino, justamente porque ele fez a conciliação 
entre fé e razão. Em segundo lugar, encontra-se a concepção de renomados 
historiadores da filosofia de que o cristianismo primitivo se baseia no caráter 
exclusivamente prático, sem qualquer aspecto especulativo e, portanto, sem 
espaço para a filosofia. Por fim, em terceiro lugar, a aparente independência 
filosófica do pensamento moderno em relação à filosofia medieval, como se 
tivesse acontecido um salto entre os gregos e os modernos.
Étienne Gilson rebate todos os argumentos contrários à existência de 
uma filosofia cristã ao afirmar que a razão filosófica é essencial para a inteli-
gibilidade humana das verdades relevadas por Deus. Portanto, não haveria 
incompatibilidade entre filosofia e cristianismo. Além disso, o cristianismo 
primitivo também possuía elementos especulativos, contidos nas origens da 
vida cristã. E mais, o pensamento moderno seria herdeiro do pensamento 
medieval em muitos aspectos, notadamente da escolástica. 
Ao caracterizar a filosofia cristã, Étienne Gilson (2006) elenca duas 
grandes propriedades: uma filosofia cristã consta exclusivamente de propo-
sições suscetíveis de demonstração natural; uma filosofia cristã jamais irá de 
31
encontro às verdades de fé claramente formuladas pela igreja. Além disso, 
elenca algumas características principais: a filosofia cristã é norteada pela 
tradição e seus pensadores sempre levam em consideração os seus predeces-
sores imediatos; a filosofia cristã tende a selecionar seus problemas, já que 
nem tudo interessana defesa da fé; a filosofia cristã manifesta, quase sempre, 
tendência sistematizadora, aspirando a uma visão total da realidade.
Faça valer a pena
1. “Na verdade, os trabalhos de Gilson foram influenciados por um debate 
mais amplo, ocorrido nos anos de 1930-40, em torno da possibilidade em 
geral de uma filosofia ‘cristã’. Buscava-se saber se, ao fazer filosofia, um cristão 
deveria respeitar certos elementos básicos (a existência de Deus, a existência 
de uma alma espiritual, a salvação do gênero humano, a centralidade de Cristo 
etc.). E, caso houvesse tais elementos, se isso não representaria um atentado 
contra a autonomia da razão filosófica.” (SAVIAN FILHO, 2010, p. 67)
Sobre o conteúdo dos trabalhos de Étienne Gilson (2006) acerca da filosofia 
cristã medieval, analise as afirmativas a seguir:
I. Para Étienne Gilson (2006), não somente há uma filosofia na Idade 
Média, como nela se encontra o ápice do que se poderia chamar de 
uma filosofia cristã.
II. Étienne Gilson (2006) defende a presença positiva e sempre influente 
da fé cristã sobre a própria história da filosofia. 
III. Com suas obras, o objetivo de Étienne Gilson (2006) é propor que a 
filosofia medieval foi construída sobre fundamentos bíblicos.
Considerando o contexto apresentado, está correto o que se afirma em:
a. I, apenas. 
b. II, apenas.
c. III, apenas.
d. I e II, apenas.
e. II e III, apenas.
2. “Não há expressão que venha mais naturalmente ao pensamento de um 
historiador da filosofia medieval do que filosofia cristã; nenhuma, parece, que 
possa levantar menos dificuldades, portanto não há por que se espantar de 
32
vê-la empregada com tanta frequência. Mas há poucas que, refletindo melhor, 
se revelam mais obscuras e incômodas de definir.” (GILSON, 2006, p. 5)
Acerca da problemática que envolve a filosofia cristã, assinale a alter-
nativa correta:
a. Considerando a essência da filosofia e da religião, uma de caráter 
racional e a outra de caráter dogmático, não há que se falar em aproxi-
mação entre elas. 
b. A impossibilidade de existência de uma filosofia cristã reside no fato 
de nem mesmo os pensadores cristãos se considerarem filósofos. 
c. Se a religião possui a teologia enquanto ciência para estudar a natureza 
de Deus, seus atributos e de suas relações com o homem e com o 
universo, isso por si só impediria a existência de uma filosofia cristã. 
d. Os racionalistas estão corretos ao afirmarem que a discordância entre 
a fé e a filosofia é um sinal certo de erro filosófico que impede a carac-
terização de uma filosofia cristã. 
e. A filosofia medieval não teria sido o que foi sem a influência do 
cristianismo e isso permite caracterizar existência de uma genuína 
filosofia cristã na Idade Média.
3. “Das atividades culturais, na ordem da natureza, nenhuma entende tão de 
perto com os destinos da pessoa como a filosofia. Fruto da razão no exercício 
do seu mais nobre mister, apresenta-se como a sabedoria: explicação do 
universo e norma da vida. O homem é, por natureza, racional. Em face da 
multiplicidade das cousas e do mistério da consciência indaga porquês e 
investiga razões. [...] O cristianismo não se apresentou como uma filosofia, 
mas como uma salvação. [...] Será então que o cristianismo passará à margem 
da filosofia sem conhecê-la, nem influenciá-la? As duas sabedorias – a cristã 
e a humana – continuarão a desenvolver-se, uma ao lado da outra, sem influ-
ências, como paralelas que se ignoram?” (FRANÇA, 1951, p. 148-149)
Acerca das razões para essa problemática, analise as asserções e relação 
proposta entre elas:
I. De início, entre o cristianismo nascente e a filosofia pagã a 
oposição foi radical. Na consciência dos primeiros discípulos 
do Evangelho vivia a forte impressão de uma incompatibilidade 
irredutível entre ambos. 
33
PORQUE
II. As relações históricas entre o cristianismo e o paganismo nos 
permitem constatar que os primeiros pensadores cristãos se valeram 
de conceitos e termos do pensamento grego e helenístico, mas entre 
eles ainda não havia filosofia.
A respeito dessas asserções e da relação entre elas, assinale a alternativa correta:
a. As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II justifica a I.
b. As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não justifica a I.
c. A asserção I é uma proposição verdadeira e II, falsa.
d. A asserção I é uma proposição falsa e II, verdadeira.
e. As asserções I e II são proposições falsas.
34
Seção 3
A influência da Bíblia no pensamento ocidental
Diálogo aberto
Você já conhece as noções introdutórias acerca da Filosofia Medieval e da 
Filosofia Cristã e compreende as principais discussões acerca da existência 
ou da possibilidade de existência de uma e de outra. Nesse sentido, para 
você, já deve estar claro que a Idade Média é um período muito controverso 
na história ocidental e que o pensamento filosófico medieval é cercado de 
diversos aspectos religiosos, os quais, muitas vezes, levaram ao seu descré-
dito. Ao centrarmos nossa atenção especialmente nas relações entre filosofia 
e cristianismo, somos levados, naturalmente, a analisar a influência da 
mensagem bíblica no pensamento filosófico medieval e que chegou até a 
atualidade. Esse, portanto, é o tema desta seção. Vamos problematizá-lo com 
outra situação-problema!
Você atua em uma ONG cristã denominada Visão Mundial e foi incum-
bido pelo presidente dela a organizar uma palestra aberta à comunidade, cujo 
tema deve ser relacionado aos dogmas cristãos na atualidade. Então, você 
entrou em contato com a pesquisadora e teóloga Bernadete de Lourdes e a 
convidou para proferir a referida palestra. De pronto, ela aceitou, enxergando 
na palestra uma ótima oportunidade para compartilhar os resultados da sua 
mais recente pesquisa relacionada à temática. 
Já na palestra, Bernadete de Lourdes iniciou com a seguinte problemática: 
vocês já pararam para pensar em todas as mudanças ocorridas nos últimos 
séculos em termos de produção de conhecimento? Ora, a ciência moderna, 
surgida entre os século XVII e XVIII, com Galileu Galilei, René Descartes, 
Isaac Newton, Nicolau Copérnico, Francis Bacon, entre outros pesquisadores 
(que também eram filósofos), procurou sistematicamente se afastar da influ-
ência da religião cristã e dos estudos antigos em filosofia natural por enxer-
garem uma excessiva dependência de especulações metafísicas. 
A palestrante afirmou que, naquele contexto de surgimento da ciência 
moderna, o enfoque passou a ser dado na experiência como verdadeira forma 
de produzir conhecimento – aí as origens do método experimental/empírico. 
Esses estudos científicos não provocaram transformações apenas na metodo-
logia de produção do conhecimento mas também na visão do mundo. Uma 
nova visão científica emergiu em contraste àquela até então predominante, 
oriunda da mistura de elementos da filosofia antiga e da filosofia e religião 
35
medievais. No centro dessa nova visão, o mundo físico como responsável 
pelos processos mecânicos que envolvem o movimento dos corpos. 
Continuando sua fala, Bernadete de Lourdes ressaltou que a ciência 
caminhou a largos passos, com progressos em diversas áreas, proporcio-
nando ao ser humano avanços advindos do uso político-ideológico ou 
técnico dos seus conhecimentos. A crença no poder da ciência foi triunfante 
entre intelectuais e cientistas. O Positivismo como corrente teórica influen-
ciou as ciências sociais e humanas. E Darwin, influenciado por todo esse 
movimento científico, cunhou a teoria da evolução das espécies, pondo em 
xeque a explicação religiosa da criação da natureza e do homem por Deus. 
Então, Bernadete lançou algumas perguntas para a plateia, incluindo 
você: com todas essas transformações na maneira de produzir conhecimento 
e enxergar o mundo, que são oriundas da ciência moderna, qual é o lugar da 
mensagem bíblica no pensamento ocidental? Será que ainda hoje as ideias 
inovadoras do Novo Testamento encontram seu lugar na nossa forma de 
conceber o mundo? O criacionismofoi de fato superado ou ainda encon-
tramos resquícios dele entre nós? 
Quais são os conhecimentos suficientes para responder a essas questões 
levantadas por Bernadete de Lourdes? Com as discussões que serão travadas 
nesta seção, você terá condições de refletir acerca desses questionamentos e 
compreender como a mensagem bíblica perpassou a Idade Média e chegou 
até a contemporaneidade.
Não pode faltar
A Bíblia no contexto medieval
Nas sociedades do ocidente medieval, herdeiras do mundo greco-ro-
mano e optantes pelo cristianismo e sua forma romana, a escrita teve impor-
tância significativa. Ainda que na Alta Idade Média (séculos V a X) a orali-
dade tenha sido privilegiada em todos os atos cotidianos, principalmente nos 
da liturgia (apoiada em textos codificados), a escrita operava certa magia. É 
nesse contexto que se insere a história da Bíblia, que não é apenas a história de 
um livro ou de sua recepção, de sua leitura e de seus leitores, de suas funções 
e de seus usos, mas também das perseguições ao seu texto e de seus conte-
údos pelos códigos sociais. A Bíblia alimentou e inspirou a maior parte das 
criações medievais, isto porque as Sagradas Escritas Cristãs foram reconhe-
cidas como elemento superior da sociedade, representando a segurança 
contra o esquecimento e, portanto, a memória da lei (LOBRICHON, 2006).
36
Durante a Idade Média ocidental, sobre a Bíblia, se pronunciavam 
juramentos, compromissos de fé e promessas essenciais. Na cerimônia de 
vassalagem, por exemplo, ao receber as terras do suserano, o vassalo presta-
va-lhe homenagem e jurava-lhe fidelidade enquanto punha as mãos na 
Bíblia. Os prelados (autoridades eclesiásticas), quando empossados, usam 
a Bíblia como horóscopo para fazer previsões sobre o seu governo. Certos 
guerreiros levavam uma Bíblia de alto valor para o combate para servir de 
escudo protetor e signo de eleição para seus guardiões. Portanto, a Bíblia era 
a autoridade principal no período medieval, a lei dos cristãos, um código ou 
norma intocável (LOBRICHON, 2006).
A palavra “bíblia” advém do grego biblía e significa “livros”. É, na verdade, 
a coletânea de uma série de livros, com títulos e peculiaridades específicas. Há 
quem afirme que ela seria uma “coletânea de coletânea de livros”, já que alguns 
deles são precisamente a coletânea de outros. Ao todo, são 73 livros considerados 
inspirados, divididos em Antigo Testamento (46 livros) e Novo Testamento (27 
livros). Os livros do Antigo Testamento foram redigidos entre, aproximada-
mente, 1300 a.C. e 100 a.C., e os primeiros baseiam-se em uma tradição oral 
antiquíssima. Dividem-se em livros históricos, livros didáticos e livros profé-
ticos. Os primeiros cinco livros históricos (Genesis, Êxodo, Levítico, Números e 
Deuteronômio) são os livros da Lei ou Pentateuco. Os livros do Novo Testamento 
remontam todos ao século I d.C., centrando-se inteiramente na nova mensagem 
de Cristo, sendo composto pelos quatro Evangelhos, pelas Cartas de Paulo, pelas 
Cartas dos Apóstolos e pelo Apocalipse (REALE; ANTISERI, 2005).
Os livros que compõem a Bíblia foram redigidos em três línguas: 
hebraico (maior parte do Antigo Testamento); aramaico, dialeto hebraico 
(uma pequena parte); e grego (alguns textos do Antigo Testamento e prati-
camente todos do Novo Testamento). Das traduções realizadas, duas tiveram 
grande importância histórica. A primeira foi a tradução de todo o Antigo 
Testamento, feita do hebraico para o grego, que teve início em Alexandria, no 
século III a.C., e ficou conhecida como “Versão dos Setenta” (ou Septuaginta), 
pois setenta e dois rabinos (seis de cada uma das doze tribos) foram respon-
sáveis pela tradução. A segunda, por sua vez, foi a tradução para o latim feita 
por São Jerônimo (entre os séculos IV e V d.C.), que ficou denominada de 
“Vulgata” e se impôs de modo mais estável, a ponto de ser adotada pela Igreja. 
Na Baixa Idade Média (séculos XI a XV), os redatores de inventários 
tratavam a Bíblia como um objeto presente em todo lugar e destinado a ser 
usado em bibliotecas de instituições eclesiásticas, igrejas, mosteiros, confra-
rias, casas partículas, sobretudo, de clérigos, como também em casas de 
leigos, burgueses e camponeses, principalmente, após a diminuição da taxa 
de analfabetismo no final da Idade Média. Foi a partir do século IX que nas 
37
bíblias começaram a se multiplicar os apoios à leitura e à interpretação, tais 
como os prólogos, a lista de cânones e as interpretações de nomes hebraicos, 
ainda que a eficácia desses instrumentos e a sua utilidade sejam questioná-
veis. Mas, no século XIII, o ordenamento das partes da Bíblia foi estabili-
zado e surgiram instrumentos mais práticos, tais como o moderno sistema 
de capítulos, que se impôs sobre as divisões anteriores, e o “índex”, desti-
nado aos mestres do ensino bíblico e aos pregadores, que tinham a missão 
de selecionar um tema da Escritura para resumir as intenções da liturgia. Os 
eruditos passaram a se interessar em uniformizar o texto bíblico entre 1253 
e 1280. A ideia era difundir um texto mais preciso, revisado, respondendo às 
exigências científicas da época (LOBRICHON, 2006).
Importante nesse processo foi a tentativa de uniformização do texto 
bíblico no chamado Renascimento Carolíngio (séculos VIII e IX), ocorrido 
no reinado de Carlos Magno e caracterizado pelo florescimento artístico e 
literário, que resultou na conservação e cópia de manuscritos, bem como no 
emprego de modelos romanos na arquitetura, além da invenção da minús-
cula carolíngia. A tarefa coube ao monge inglês Alcuíno de Iorque (735-804), 
que se baseou na versão latina feita por São Jerônimo, mas dela eliminando 
interpolações, revendo a tradução e corrigindo passagens. Além disso, o 
monge “reviu várias obras litúrgicas, preparando o fim da diversidade de 
ritos existente na Cristandade latina” (FRANCO JR., 2001, p. 148).
Assimile
O formato em livro da Bíblia foi invenção do século III, em substituição 
ao formato cilíndrico anterior, e isso foi resultado da necessidade de 
manuseio por parte dos membros da Igreja. Entretanto, esse novo 
formato guardava certas dificuldades práticas, já que ainda era uma obra 
pesada, contendo dois ou mais volumes. Nos séculos VI e VII, houve a 
necessidade de abastecer as novas igrejas com a Bíblia, e os ateliês 
italianos ficaram encarregados de recopiar os textos sagrados em escri-
turas comumente mais legíveis, em letras grandes e arredondadas, dando 
origem aos tomos. Com a criação da caligrafia minúscula carolíngia no 
século VIII (mais fácil dos que as anteriores), a produção tornou-se 
relativa dos livros, bem como a sua circulação. Mas, isso ainda não levou 
necessariamente à diminuição do formato da Bíblia. A ideia da Bíblia de 
bolso surgiu apenas no século XIII, e as universidades e os ateliês de Paris 
até fizeram disso uma especialidade. Com a invenção da imprensa, no 
século XV, o livro ganhou difusão devido à maior rapidez de cópia e de seu 
menor custo, mas o seu formato ainda era pouco menor do que o manus-
crito. Portanto, o formato da Bíblia não é o melhor indício para avaliar a 
sua difusão, e sim as suas marcas de uso e de posse (LOBRICHON, 2006).
38
As ideias bíblicas que impactaram o pensamento filosófico 
ocidental
Ainda que não seja um livro filosófico, a Bíblia contém mensagens que 
impactaram diferentemente a filosofia e influenciaram a formação do pensa-
mento ocidental. Antigo professor de Filosofia da Universidade de Chartres e 
do Instituto Pontifício de Estudos Medievais em Toronto, Édouard Jeauneau 
(1986) afirma que, se perguntássemos aos filósofos medievais qual elemento 
teve maior importância na origem de sua filosofia, eles certamente menciona-
riam a Bíblia, notadamente o Novo Testamento. Temos, então, que a difusão 
da mensagem do Novo Testamento mudou irreversivelmente as caracterís-
ticas da espiritualidade ocidental, produzindo uma verdadeira revolução na 
abordagem de temas tratados pela filosofia anteriormente, bem como daqueles

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