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176110021-Mezan-Kehl-Cesarotto-A-Jovem-Homossexual-Ficcao-Psicanalitica

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,& : .. 
~ ... 
A . 
· Jovem · 
Rosa Maria Gouvêa Abras 
(Organizadora) 
A JOVEM HOMOSSEXUAL 
FICÇÃO PSICANALÍTICA 
No infcio do século, uma 
bela jovem coloca sua 
reputação e seu 
relacionamento familiar em 
risco ao se apaixonar por 
uma mulher de má fama, 
uma conhecida 
deml-mondaine da 
sociedade vienense. 
Esta estória se tomou 
conhecida no meio 
psicanalltlco como ·o caso 
da jovem homossexual". 
Sua leitura nos leva a 
perguntar: o que teria 
acontecido à jovem após a 
tentativa fracassada de 
tratamento com Freud? 
Teria· se casado à força 
como era o desejo de seu 
pai? Ao imaginá-la dez 
anos depois, por exemplo, 
como teria sido afetada 
pelo episódio da sua paixão 
pela dama? 
O leitor já deve estar 
percebendo que estas 
perguntas são pura 
fantasia. Provavelmente efe 
já se pegou muitas vezes 
fantasiando outros destinos 
para os personagens de um 
livro que tenninou de ler ou 
ao sair de um filme que lhe 
tocou a sensibilidade. 
Foi então com a intenção 
de fantasiar que nos 
propusemos a recriar em 
estilo flcclonal o caso da 
jovem homossexual. 
Para isto, convidamos 
alguns psicanalistas que 
estivessem dispostos, 
dentro do seu estilo pessoal 
e por su~ pr~pria conta, a 
correr o ·risca de e.ncarnar 
os vários personagens 
desta estória. 
Como o leitor vai ver 
. ' . 
não se trata de um livro de 
teoria psicanalítica. Trata-se 
de pura ficção. E o 
resúltado, surpreendeF)te. 
Agora só resta ao leitor com 
sua fantasia participar da 
trama e a nós só resta a 
expectativa de que. ele 
tenha tanto prazer·em ler 
esse livro como nós 
tivemos em produzi-lo 
e editá-lo. 
• PASSOS 
A Jovem Homossexual 
Ficção Psicanalítica 
No infcio do século, uma 
bela jovem coloca sua 
reputação e seu 
relacionamento familiar em 
risco ao se apaixonar por 
uma mulher de má fama, 
uma conhecida 
deml-mondaine da 
sociedade vienense. 
Esta estória se tomou 
conhecida no meio 
psicanalltlco como ·o caso 
da jovem homossexual". 
Sua leitura nos leva a 
perguntar: o que teria 
acontecido à jovem após a 
tentativa fracassada de 
tratamento com Freud? 
Teria· se casado à força 
como era o desejo de seu 
pai? Ao imaginá-la dez 
anos depois, por exemplo, 
como teria sido afetada 
pelo episódio da sua paixão 
pela dama? 
O leitor já deve estar 
percebendo que estas 
perguntas são pura 
fantasia. Provavelmente efe 
já se pegou muitas vezes 
fantasiando outros destinos 
para os personagens de um 
livro que tenninou de ler ou 
ao sair de um filme que lhe 
tocou a sensibilidade. 
Foi então com a intenção 
de fantasiar que nos 
propusemos a recriar em 
estilo flcclonal o caso da 
jovem homossexual. 
Para isto, convidamos 
alguns psicanalistas que 
estivessem dispostos, 
dentro do seu estilo pessoal 
e por su~ pr~pria conta, a 
correr o ·risca de e.ncarnar 
os vários personagens 
desta estória. 
Como o leitor vai ver 
. ' . 
não se trata de um livro de 
teoria psicanalítica. Trata-se 
de pura ficção. E o 
resúltado, surpreendeF)te. 
Agora só resta ao leitor com 
sua fantasia participar da 
trama e a nós só resta a 
expectativa de que. ele 
tenha tanto prazer·em ler 
esse livro como nós 
tivemos em produzi-lo 
e editá-lo. 
• PASSOS 
A Jovem Homossexual 
Ficção Psicanalítica 
Copyright ©: 
Rosa Maria Gouvêa Abras 
(Organizadora) 
Copyright © desta edição: 
AS. Passos Editora Ltda. 
Capa: 
Heliana Brandão 
Revisão: 
Berenicy Raelmy Silva 
Composição: 
Lourdes- Editoração Gráfica - Fone.: 485-10ó7 
Produção Gráfica e Acabamento: 
Editora Santa Edwiges - Fone.: (031) 442-7088 
1996 
A.S. PASSOS 
EDITORA LTDA. 
Av. Contorno, 4.640- Sala 701 
30 IJ0-090 - Belo Horizonte - MG 
Telefax.: (03 1) 281-2477 
Sumário 
I . Apresentação ......... ...... 00 00 ............ ........ 00 ............... oo.. . 7 
Mareio Peter de Souza Leite 
2. Um breve resumo .................. 00 .................................. 23 
O caso da jovem homossexual 
3. O pai ............................... 00 ......................................... 31 
A versão do pai 
Oscar Cesarotto 
4. A mãe .................. ...................................................... 43 
Fim de tarde: reflexões de Alma 
José Domíngues de Oliveira 
5. O irmão ............................. ..... ................... ... ............. 51 
Seis cartas de Friedrich von Kleist 
para seu amigo Karl Schiller 
Renato Mezari 
6. A dama ..... ............ ........... .......... .............. .................. 69 
Maria Klein, demi-mondaine 
Ângela Maria de Araújo Porto Furtado 
7. A jovem ..................................................................... 77 
Aos olhos dele 
Mmia Rita Kehl 
8. Diál"io clínico- 10 anos depois ................................ 87 
Anotações sobre a análise de uma mulher 
Eliana Schueler Reis 
9. Referências ....................................................... ......... 99 
tO. Sobre os autores ................ ........ .................. ............. 105 
Copyright ©: 
Rosa Maria Gouvêa Abras 
(Organizadora) 
Copyright © desta edição: 
AS. Passos Editora Ltda. 
Capa: 
Heliana Brandão 
Revisão: 
Berenicy Raelmy Silva 
Composição: 
Lourdes- Editoração Gráfica - Fone.: 485-10ó7 
Produção Gráfica e Acabamento: 
Editora Santa Edwiges - Fone.: (031) 442-7088 
1996 
A.S. PASSOS 
EDITORA LTDA. 
Av. Contorno, 4.640- Sala 701 
30 IJ0-090 - Belo Horizonte - MG 
Telefax.: (03 1) 281-2477 
Sumário 
I . Apresentação ......... ...... 00 00 ............ ........ 00 ............... oo.. . 7 
Mareio Peter de Souza Leite 
2. Um breve resumo .................. 00 .................................. 23 
O caso da jovem homossexual 
3. O pai ............................... 00 ......................................... 31 
A versão do pai 
Oscar Cesarotto 
4. A mãe .................. ...................................................... 43 
Fim de tarde: reflexões de Alma 
José Domíngues de Oliveira 
5. O irmão ............................. ..... ................... ... ............. 51 
Seis cartas de Friedrich von Kleist 
para seu amigo Karl Schiller 
Renato Mezari 
6. A dama ..... ............ ........... .......... .............. .................. 69 
Maria Klein, demi-mondaine 
Ângela Maria de Araújo Porto Furtado 
7. A jovem ..................................................................... 77 
Aos olhos dele 
Mmia Rita Kehl 
8. Diál"io clínico- 10 anos depois ................................ 87 
Anotações sobre a análise de uma mulher 
Eliana Schueler Reis 
9. Referências ....................................................... ......... 99 
tO. Sobre os autores ................ ........ .................. ............. 105 
Apresentação 
7 
Apresentação 
Cara colega, 
Finalmente chegaram os textos que você havia me dito 
ter conseguido. Apenas não entendi direito o que seriam aque-
las fotocópias de um velho manuscrito em alemão, com uma 
letra horrível, e que me chegou separado dos outros, sem o 
nome e endereço do remeteme. Mas apesar da sua insistência 
em falar comigo que não foi você quem me havia enviadlo 
este misterioso envelope, não imagino outra pessoa que o 
pudesse ter feito. 
Bem que estou gostando da proposta de escrever um 
texto de apresentação à sua investigação. Como foi que você 
conseguiu reunir estes documentos nem consigo imaginar, e 
pelo visto, nunca vou saber. De qualquer maneira, a idéia de 
reunir num livro os depoimenws de todos os envolvidos neste 
episódio, que acabou sendo apresentado como sustenração 
clínica à re-elaboração da teoria do Édipo. digamos que é, no 
mínimo, genial. 
Pois, de fato, a opinião de Freud sobre aqueles aconte-
cimentos foi demasiadamente parcial. Mas como poderia ser 
de outra maneira? Com estes novosdocumentos a história se 
relativiza e, como num tribunal, se quisermos julgar o que 
aconteceu, é imprescindível ouvir todas as partes. 
Esta história, conhecida carinhosamente entre nous como 
.. 0 caso da jovem homossexual" (talve7. para com isso ame-
nizar a caretice do Herr Professor, que colocou no seu relato 
9 
Apresentação 
Cara colega, 
Finalmente chegaram os textos que você havia me dito 
ter conseguido. Apenas não entendi direito o que seriam aque-
las fotocópias de um velho manuscrito em alemão, com uma 
letra horrível, e que me chegou separado dos outros, sem o 
nome e endereço do remeteme. Mas apesar da sua insistência 
em falar comigo que não foi você quem me havia enviadlo 
este misterioso envelope, não imagino outra pessoa que o 
pudesse ter feito. 
Bem que estou gostando da proposta de escrever um 
texto de apresentação à sua investigação. Como foi que você 
conseguiu reunir estes documentos nem consigo imaginar, e 
pelo visto, nunca vou saber. De qualquer maneira, a idéia de 
reunir num livro os depoimenws de todos os envolvidos neste 
episódio, que acabou sendo apresentado como sustenração 
clínica à re-elaboração da teoria do Édipo. digamos que é, no 
mínimo, genial. 
Pois, de fato, a opinião de Freud sobre aqueles aconte-
cimentos foi demasiadamente parcial. Mas como poderia ser 
de outra maneira? Com estes novos documentos a história se 
relativiza e, como num tribunal, se quisermos julgar o que 
aconteceu, é imprescindível ouvir todas as partes. 
Esta história, conhecida carinhosamente entre nous como 
.. 0 caso da jovem homossexual" (talve7. para com isso ame-
nizar a caretice do Herr Professor, que colocou no seu relato 
9 
o pomposo título "A psicogêoese de um caso de 
homossexualismo numa mulher"), fica ainda mais intrigante 
e enigmática depois dos depoimentos acrescentados. 
É claro que você sempre soube do meu interesse por 
este texto, e da curiosidade que tenho pelos seus mistérios. E 
também já lhe contei que acho o máximo ne~la história que 
Freud mande a paciente embora. É incrível não? Depois de 
pouquinho tempo de análise, dois meses, ele dá um chega pra 
lá em Leonora, sugere que vá se tratar com uma mulher e ... 
tchau! 
Eu sempre me perguntei o que teria acontecido com o 
velho, nesta época um analista calejado, já nos seus sessenta 
e três anos, que em meio a uma enorme crise econômica (sen-
do que, pouco antes, até mesmo emprestava dinheiro de seu 
amigo Max Eitingon!) se desse ao luxo de dispensar uma pa-
ciente que, além de falar na sua língua (dando um descanso às 
suas dificuldades de atender em inglês, a língua da maioria de 
seus pacientes na época), também lhe pagava em moeda es-
trangeira, única forma de o dinheiro não desaparecer comido 
pela inflação. (Já passamos por isto, mesmo sem guerra, não 
é colega?) 
Por isso era preciso que Leonora, e as outras pessoas 
envolvidas, tivessem uma oportunidade de dizer o que acon-
teceu. 
Até agora só se conhecia o ponto de vista freudiano, 
contado daquele jeito dele, com seu estilo arrumadinho, dis-
tante, neutro. 
Pois é, colega, o que é a verdade? Não é certo que o 
homem que está tentando vender um cavalo cego elogia-lhe 
os pés? O que foi de fato que aconteceu, naquele ano de 1919, 
com a fanu1ia von Kleist, em Viena? O que aconteceu com 
Freud? 
Pelo seu relato, desde sua perspectiva profissional, sem-
pre discreta e muito adequada, aparentemente ele não se dei-
xou envolver pela versão de Leonora, e muito menos teria o 
que dizer dos dissabores da mãe dela, Alma, ou de Anton e 
seu sofrimento de pai. 
10 
Como cientista que era (apesar da sua declarada inveja por 
Schnitzler), procurou se centrar na problemática da gênese da 
homossexualidade feminina, mas. como sempre acabava fa-
zendo, terminou por inovar outras questões, que de uma ma-
neira ou de outra se ligam ao caso estudado. 
Os detetives que investigam as origens do pensamento 
freudiano chegam a situar este ano de 1919 como o início das 
grandes mudanças que tomariam, se me pemúte o chiste, Freud 
freudiano. E não era também que. em meio de tudo o que 
acontecia nestes fatídicos anos, ele gestava, entre outras coi-
sas, o sombrio "Além do princípio do prazer"! 
Mas Leonora talvez tenha conquistado seu lugar no 
panteão psicanalítico, também porque abriu os olhos do mes-
tre para um erro que há muito o incomodava. Aconteceu que, 
dezenove anos antes, outra jovem, então com os mesmos de-
zoito anos de Leonora, c nas palavras de seu analista, também 
bonita e inteligente, começou uma análise com ele e, como 
Leonora. ficou pouquíssimo tempo. Só que daquela vez não 
foi o analista quem a mandou embora, digamos que foi Dora 
(era esse o nome da outra "muchacha ") quem o dispensou. O 
fato é que o tratamento de Leonora precipitou para Freud a 
decisão de rever suas posições sobre a feminilidade, o que 
acabaria por produzir, nos anos que se seguiram, uma mudan-
ça definitiva nesta questão. 
Antes, Freud achava (e foi por isso que fracassou com 
Dora) que a menina tomava como modelo amoroso unica-
mente a figura do pai. Após a análise de Leonora se impôs 
uma outra concepção da feminilidade, oposta às suas idéias 
anteriores. 
Não foi só esta vicissitude o que teria produzido tais 
. mudanças. A opinião de Freud sobre o Édipo feminino vinha 
amadurecendo à medida que sua experiência como analista 
aumentava. Pouco antes de conhecer a jovem em questão, 
Freud, tendo constatado a frequência com que a idéia de apa-
nhar aparecia no relato de suas pacientes, se propôs investi-
gar a construção desta fantasia, e a relatou no texto "Bate-se 
uma criança". 
11 
o pomposo título "A psicogêoese de um caso de 
homossexualismo numa mulher"), fica ainda mais intrigante 
e enigmática depois dos depoimentos acrescentados. 
É claro que você sempre soube do meu interesse por 
este texto, e da curiosidade que tenho pelos seus mistérios. E 
também já lhe contei que acho o máximo ne~la história que 
Freud mande a paciente embora. É incrível não? Depois de 
pouquinho tempo de análise, dois meses, ele dá um chega pra 
lá em Leonora, sugere que vá se tratar com uma mulher e ... 
tchau! 
Eu sempre me perguntei o que teria acontecido com o 
velho, nesta época um analista calejado, já nos seus sessenta 
e três anos, que em meio a uma enorme crise econômica (sen-
do que, pouco antes, até mesmo emprestava dinheiro de seu 
amigo Max Eitingon!) se desse ao luxo de dispensar uma pa-
ciente que, além de falar na sua língua (dando um descanso às 
suas dificuldades de atender em inglês, a língua da maioria de 
seus pacientes na época), também lhe pagava em moeda es-
trangeira, única forma de o dinheiro não desaparecer comido 
pela inflação. (Já passamos por isto, mesmo sem guerra, não 
é colega?) 
Por isso era preciso que Leonora, e as outras pessoas 
envolvidas, tivessem uma oportunidade de dizer o que acon-
teceu. 
Até agora só se conhecia o ponto de vista freudiano, 
contado daquele jeito dele, com seu estilo arrumadinho, dis-
tante, neutro. 
Pois é, colega, o que é a verdade? Não é certo que o 
homem que está tentando vender um cavalo cego elogia-lhe 
os pés? O que foi de fato que aconteceu, naquele ano de 1919, 
com a fanu1ia von Kleist, em Viena? O que aconteceu com 
Freud? 
Pelo seu relato, desde sua perspectiva profissional, sem-
pre discreta e muito adequada, aparentemente ele não se dei-
xou envolver pela versão de Leonora, e muito menos teria o 
que dizer dos dissabores da mãe dela, Alma, ou de Anton e 
seu sofrimento de pai. 
10 
Como cientista que era (apesar da sua declarada inveja por 
Schnitzler), procurou se centrar na problemática da gênese da 
homossexualidade feminina, mas. como sempre acabava fa-
zendo, terminou por inovar outras questões, que de uma ma-
neira ou de outra se ligam ao caso estudado. 
Os detetives que investigamas origens do pensamento 
freudiano chegam a situar este ano de 1919 como o início das 
grandes mudanças que tomariam, se me pemúte o chiste, Freud 
freudiano. E não era também que. em meio de tudo o que 
acontecia nestes fatídicos anos, ele gestava, entre outras coi-
sas, o sombrio "Além do princípio do prazer"! 
Mas Leonora talvez tenha conquistado seu lugar no 
panteão psicanalítico, também porque abriu os olhos do mes-
tre para um erro que há muito o incomodava. Aconteceu que, 
dezenove anos antes, outra jovem, então com os mesmos de-
zoito anos de Leonora, c nas palavras de seu analista, também 
bonita e inteligente, começou uma análise com ele e, como 
Leonora. ficou pouquíssimo tempo. Só que daquela vez não 
foi o analista quem a mandou embora, digamos que foi Dora 
(era esse o nome da outra "muchacha ") quem o dispensou. O 
fato é que o tratamento de Leonora precipitou para Freud a 
decisão de rever suas posições sobre a feminilidade, o que 
acabaria por produzir, nos anos que se seguiram, uma mudan-
ça definitiva nesta questão. 
Antes, Freud achava (e foi por isso que fracassou com 
Dora) que a menina tomava como modelo amoroso unica-
mente a figura do pai. Após a análise de Leonora se impôs 
uma outra concepção da feminilidade, oposta às suas idéias 
anteriores. 
Não foi só esta vicissitude o que teria produzido tais 
. mudanças. A opinião de Freud sobre o Édipo feminino vinha 
amadurecendo à medida que sua experiência como analista 
aumentava. Pouco antes de conhecer a jovem em questão, 
Freud, tendo constatado a frequência com que a idéia de apa-
nhar aparecia no relato de suas pacientes, se propôs investi-
gar a construção desta fantasia, e a relatou no texto "Bate-se 
uma criança". 
11 
Nele, observou que esta fantasia só aparece depois da 
idade de quatro ou cinco anos, fato que o levou a supor que 
ela tivesse uma história anterior, e desembocasse no resulta-
do final somente depois de uma longa elaboração. Freud con-
cluiu que ela se daria em três fases: na primeira aparece com 
o pai batendo numa outra criança (detestada pelo infantil su-
jeito); na segunda ela é batida pelo pai; e finalmente produz-
se o terceiro desenvolvimento da fantasia, o qual é formulado 
como "bate-se numa criança''. 
O que mais chamou sua atenção foi que. no último está-
gio desta fantasia nas meninas, a criança que apanha é sem-
pre do sexo masculino. Para Herr Professor era justamente aí 
que estava o enigma, e para resolvê-lo se empenhou no exa-
me do complexo parenta! da menina no período que vai dos 
dois aos cinco anos de idade, época em que ela constrói essa 
fantasia. 
Foi nesse momento da elaboração teórica freudiana que 
nossa jovem entrou em cena, e contribuiu para a posteridade, 
na medida em que seu problema serviu para tentar esclarecer 
o que quer uma mulher de outra mulher. 
E mesmo depois, Freud continuaria procurando respos-
tas. Suas idéias sobre a feminilidade não iriam parar de se 
reciclar continuamente, e logo nos próximos anos ele redigi-
ria o texto "Algumas consequências psíquicas da diferença 
sexual anatômica'' (preste-se aqui homenagem a Friedrich, 
irmão de Leonora, que contribuiu com o material necessário 
para a existência da diferença anatômica). 
Enfim, estas considerações desembocariam ainda nos 
famosos títulos sobre o tema, como: "Sobre a sexualidade fe-
minina" , e o radical "A feminilidade". 
Assim foi, card colega, que, se Freud achava que a ques-
tão feminina decorria da fixação amorosa da menina pelo pai, 
ele pôde deduzir, como através de Leonora, que a menina tem 
urna fixação anterior com a mãe, o que ele chamaria de "pré-
história" do Édipo. 
Por outro lado, pode-se tomar este relato também, e mui-
tos o fazem, como paradigma para tentar entender certas si tu-
12 
ações dramáticas, infelizmente não tão infrequentes na clíni-
ca, que. para disfarçar o mal-estar que produzem, nomeamos 
com tecnicismos como acting-out, ou para diferir dele, o que 
Lacan nos ensinou a chamar de "passagem ao ato". No caso 
de Leonora, este acontecimento foi sua tentativa de suicídio, 
que para Freud teria a significação de ser ao mesmo tempo 
um autocastigo e uma realização de desejo. E teria sido tam-
bém a realização de um desejo o que a impulsionou para a 
homossexualidade, desejo que, segundo Freud, seria o de ter 
um filho de seu pai. 
Na leitura desta tentativa de suicídio, ele deduziu esse 
desejo de ter um filho do pai a partir da homofonia entre ''cair" 
e "parir", possível em alemão, como uma dupla significação 
de "si e kam nieder". Este lacanismo avant-coup (ou seria 
Lacan freudiano apres-coup?) onde a distinção de 
"niederkommen" e "ausweichen" implica a moça numa po-
sição subjetiva onde "cair" e ''parir" ao mesmo tempo a colo-
cam quase no limite do delírio, realizado através da sua pas-
sagem ao ato suicida. 
Sempre é bom não esquecer que Dora também fez sua 
passagem ao ato quando deu um tapa no Sr. K. na hora em 
que ele disse a respeito de sua mulher: "ela não é nada para 
mim". 
Ah! se o seu analista soubesse naquela época que não 
era o pai que Dora queria. mas sim a Sra. K! E quem saiu 
perdendo, mais do que o ingênuo Sr. K., foi Freud, que não 
pôde perceber que Dora não o queria. 
Mas, na história de Leonora, sua passagem ao .ato é o 
pivô que esclarece, segundo Freud, a sua inclinação homos-
sexuaL A cena central é esta: Leonora caminhando romanti-
camente numa tarde acompanhada de Maria Klein (uma dama 
''aus der Gesellschaft" no dizer freudiano, mundana em bom 
português, "cocotte" no entender do pai, o que, claro, não era 
a opinião da própria Maria, como pude ler no seu depoimen-
to), num lugar e em uma hora fácil de encontrar Anton, o que 
de fato ocorre, e este, ao cruzar com elas, lhes dirigiu um 
"olhar colérico''. E fulminada por este olhai:', Leonora se ati-
13 
Nele, observou que esta fantasia só aparece depois da 
idade de quatro ou cinco anos, fato que o levou a supor que 
ela tivesse uma história anterior, e desembocasse no resulta-
do final somente depois de uma longa elaboração. Freud con-
cluiu que ela se daria em três fases: na primeira aparece com 
o pai batendo numa outra criança (detestada pelo infantil su-
jeito); na segunda ela é batida pelo pai; e finalmente produz-
se o terceiro desenvolvimento da fantasia, o qual é formulado 
como "bate-se numa criança''. 
O que mais chamou sua atenção foi que. no último está-
gio desta fantasia nas meninas, a criança que apanha é sem-
pre do sexo masculino. Para Herr Professor era justamente aí 
que estava o enigma, e para resolvê-lo se empenhou no exa-
me do complexo parenta! da menina no período que vai dos 
dois aos cinco anos de idade, época em que ela constrói essa 
fantasia. 
Foi nesse momento da elaboração teórica freudiana que 
nossa jovem entrou em cena, e contribuiu para a posteridade, 
na medida em que seu problema serviu para tentar esclarecer 
o que quer uma mulher de outra mulher. 
E mesmo depois, Freud continuaria procurando respos-
tas. Suas idéias sobre a feminilidade não iriam parar de se 
reciclar continuamente, e logo nos próximos anos ele redigi-
ria o texto "Algumas consequências psíquicas da diferença 
sexual anatômica'' (preste-se aqui homenagem a Friedrich, 
irmão de Leonora, que contribuiu com o material necessário 
para a existência da diferença anatômica). 
Enfim, estas considerações desembocariam ainda nos 
famosos títulos sobre o tema, como: "Sobre a sexualidade fe-
minina" , e o radical "A feminilidade". 
Assim foi, card colega, que, se Freud achava que a ques-
tão feminina decorria da fixação amorosa da menina pelo pai, 
ele pôde deduzir, como através de Leonora, que a menina tem 
urna fixação anterior com a mãe, o que ele chamaria de "pré-
história" do Édipo. 
Por outro lado, pode-se tomar este relato também, e mui-
tos o fazem, como paradigma para tentar entendercertas si tu-
12 
ações dramáticas, infelizmente não tão infrequentes na clíni-
ca, que. para disfarçar o mal-estar que produzem, nomeamos 
com tecnicismos como acting-out, ou para diferir dele, o que 
Lacan nos ensinou a chamar de "passagem ao ato". No caso 
de Leonora, este acontecimento foi sua tentativa de suicídio, 
que para Freud teria a significação de ser ao mesmo tempo 
um autocastigo e uma realização de desejo. E teria sido tam-
bém a realização de um desejo o que a impulsionou para a 
homossexualidade, desejo que, segundo Freud, seria o de ter 
um filho de seu pai. 
Na leitura desta tentativa de suicídio, ele deduziu esse 
desejo de ter um filho do pai a partir da homofonia entre ''cair" 
e "parir", possível em alemão, como uma dupla significação 
de "si e kam nieder". Este lacanismo avant-coup (ou seria 
Lacan freudiano apres-coup?) onde a distinção de 
"niederkommen" e "ausweichen" implica a moça numa po-
sição subjetiva onde "cair" e ''parir" ao mesmo tempo a colo-
cam quase no limite do delírio, realizado através da sua pas-
sagem ao ato suicida. 
Sempre é bom não esquecer que Dora também fez sua 
passagem ao ato quando deu um tapa no Sr. K. na hora em 
que ele disse a respeito de sua mulher: "ela não é nada para 
mim". 
Ah! se o seu analista soubesse naquela época que não 
era o pai que Dora queria. mas sim a Sra. K! E quem saiu 
perdendo, mais do que o ingênuo Sr. K., foi Freud, que não 
pôde perceber que Dora não o queria. 
Mas, na história de Leonora, sua passagem ao .ato é o 
pivô que esclarece, segundo Freud, a sua inclinação homos-
sexuaL A cena central é esta: Leonora caminhando romanti-
camente numa tarde acompanhada de Maria Klein (uma dama 
''aus der Gesellschaft" no dizer freudiano, mundana em bom 
português, "cocotte" no entender do pai, o que, claro, não era 
a opinião da própria Maria, como pude ler no seu depoimen-
to), num lugar e em uma hora fácil de encontrar Anton, o que 
de fato ocorre, e este, ao cruzar com elas, lhes dirigiu um 
"olhar colérico''. E fulminada por este olhai:', Leonora se ati-
13 
rou (niederkommen) no fosso onde passava o bonde (sem 
maiores consequências, senão o caso teria sido outro ... ). 
Se tem um vilão na história (toda história tem que ter 
um vilão), pode-se dizer que foi o olhar que o pai dirigiu ao 
casal. Mais que um olhar, foi um golpe. uma porrada, pois 
bate-se com o olho também, e este tipo de agressão pode as 
vezes doer mais que um tapa, pois o olhar é muito mais que 
só o olho, e entre eles dois, todo sujeito desliza infinitamente 
como desejante. 
Há sempre, para usar uma expressão de Lacan, um tri-
unfo do olhar sobre o olho, fato que transforma o olhar em 
algo maior, mais poderoso que o olho, pois sua força vem do 
desejo, e como sabemos, é o olhar e não o olho o que consti-
tui o mundo. 
E não é isso mesmo, cara colega, a pequena revolução 
que você pretende ao divulgar estes documentos? Ao torná-
los públicos você não estaria tentando mudar o "ponto de vis-
ta", até então único, de Freud, e mostrar que em "cada cabeça 
uma s.entença" e conseguir assim subverter a "verdade histó-
rica" do caso da jovem homossexual? Você não .estaria intro-
duzindo novos olhares sobre a mesma questão, produzindo 
assim outros "pontos de vista?" 
Mas ainda permanece o que para mim é o maior misté-
rio da análise de Leonora, e o que também foi o menos ex-
plorado por nossos colegas: a questão, muito estranha, dos 
sonhos mentirosos! (mentirosos no entender de Freud, nada 
menos!) 
Freud, velho de guerra, acostumado a manejar a trans-
ferência positiva para com o pai como a essência da posição 
feminina, deve ter sentido muito desconforto em relação à 
rejeição ao homem, que Leonora estaria lhe transferindo. 
Teria sido por isto que ele preferiu interromper a análi-
se dessa paciente? Por que o teria feito em vez de tentar ma-
nejar este tipo de transferência que, diga-se de passagem, 
embora se manifestasse como rejeição, assim mesmo conti-
nuava sendo transferência? 
Argumentando a seu favor, claro, o velho mestre reivin-
14 
dicou que durante esta curta análise uma única vez produziu-
se algo que poderia se conceber como transferência positiva, 
e que seria a transferência do amor apaixonado que Leonora 
nutrira antes por seu pai. Freud chegou a esta conclusão pe-
los sonhos que ela lhe contou, nos quais se curava da sua 
homossexualidade pelo tratamento analítico, se casava e ti-
nha filhos. Porém não tardou em ser percebido que estes so-
nhos eram "mentirosos", pois ela não escondia dele que não 
pensava em se casar, mas queria apenas se livrar do pai. 
Ou seja, para Freud, Leonora queria enganá-lo como 
engnou o pai! Pode o inconsciente mentir? Hum ... 
Por que será que ele não pôde perceber que a vontade 
de enganar era a manifestação transferencial de Leonora? Por 
que não pôde ocupar o lugar transferencial do enganado? 
Talvez as reflexões que você desêobriu no diário clíni-
co de Ferenczi indiquem uma resposta a estas perguntas, e 
lembre-se que ainda não havia, na época, a noção de 
contratransferência! 
Pois é, não é difícil imaginar que tem o lado da pessoa 
de Sigmund nesta questão, lado que o analista Freud não se 
permitiu, ou não quis, aprofundar. (Parece que ele ainda não 
se havia curado de todo de Dora e, claro, além do que quer 
uma mulher, também tinha o que quer Freud !) 
Chegado neste ponto, sinto até mesmo uma certa pena 
do sábio vienense. Sinto orgulho também (afinal devemos a 
ele nossa profissão). pois o que mais poderia ele dizer publi-
camente em 1920 a não ser o que se esperava que ele disses-
se? 
Mas, cara colega, não seria justo que, tal qual os demais 
personagens, ele também pudesse ter uma outra chance de 
dizer como foram estes acontecimentos? Não como um chefe 
de Escola, precursor de um novo e revolucionário método de 
tratamento, mas como uma pessoa que conta a alguém muito 
íntimo seus pensamentos mais secretos, independentemente 
do julgamento que este possa fazer? 
É aqui que eu acho que alguém quer me pregar uma 
peça. Pois não é que as fotocópias, do velho manuscrito, pa-
15 
rou (niederkommen) no fosso onde passava o bonde (sem 
maiores consequências, senão o caso teria sido outro ... ). 
Se tem um vilão na história (toda história tem que ter 
um vilão), pode-se dizer que foi o olhar que o pai dirigiu ao 
casal. Mais que um olhar, foi um golpe. uma porrada, pois 
bate-se com o olho também, e este tipo de agressão pode as 
vezes doer mais que um tapa, pois o olhar é muito mais que 
só o olho, e entre eles dois, todo sujeito desliza infinitamente 
como desejante. 
Há sempre, para usar uma expressão de Lacan, um tri-
unfo do olhar sobre o olho, fato que transforma o olhar em 
algo maior, mais poderoso que o olho, pois sua força vem do 
desejo, e como sabemos, é o olhar e não o olho o que consti-
tui o mundo. 
E não é isso mesmo, cara colega, a pequena revolução 
que você pretende ao divulgar estes documentos? Ao torná-
los públicos você não estaria tentando mudar o "ponto de vis-
ta", até então único, de Freud, e mostrar que em "cada cabeça 
uma s.entença" e conseguir assim subverter a "verdade histó-
rica" do caso da jovem homossexual? Você não .estaria intro-
duzindo novos olhares sobre a mesma questão, produzindo 
assim outros "pontos de vista?" 
Mas ainda permanece o que para mim é o maior misté-
rio da análise de Leonora, e o que também foi o menos ex-
plorado por nossos colegas: a questão, muito estranha, dos 
sonhos mentirosos! (mentirosos no entender de Freud, nada 
menos!) 
Freud, velho de guerra, acostumado a manejar a trans-
ferência positiva para com o pai como a essência da posição 
feminina, deve ter sentido muito desconforto em relação à 
rejeição ao homem, que Leonora estaria lhe transferindo. 
Teria sido por isto que ele preferiu interromper a análi-
se dessa paciente?Por que o teria feito em vez de tentar ma-
nejar este tipo de transferência que, diga-se de passagem, 
embora se manifestasse como rejeição, assim mesmo conti-
nuava sendo transferência? 
Argumentando a seu favor, claro, o velho mestre reivin-
14 
dicou que durante esta curta análise uma única vez produziu-
se algo que poderia se conceber como transferência positiva, 
e que seria a transferência do amor apaixonado que Leonora 
nutrira antes por seu pai. Freud chegou a esta conclusão pe-
los sonhos que ela lhe contou, nos quais se curava da sua 
homossexualidade pelo tratamento analítico, se casava e ti-
nha filhos. Porém não tardou em ser percebido que estes so-
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pensava em se casar, mas queria apenas se livrar do pai. 
Ou seja, para Freud, Leonora queria enganá-lo como 
engnou o pai! Pode o inconsciente mentir? Hum ... 
Por que será que ele não pôde perceber que a vontade 
de enganar era a manifestação transferencial de Leonora? Por 
que não pôde ocupar o lugar transferencial do enganado? 
Talvez as reflexões que você desêobriu no diário clíni-
co de Ferenczi indiquem uma resposta a estas perguntas, e 
lembre-se que ainda não havia, na época, a noção de 
contratransferência! 
Pois é, não é difícil imaginar que tem o lado da pessoa 
de Sigmund nesta questão, lado que o analista Freud não se 
permitiu, ou não quis, aprofundar. (Parece que ele ainda não 
se havia curado de todo de Dora e, claro, além do que quer 
uma mulher, também tinha o que quer Freud !) 
Chegado neste ponto, sinto até mesmo uma certa pena 
do sábio vienense. Sinto orgulho também (afinal devemos a 
ele nossa profissão). pois o que mais poderia ele dizer publi-
camente em 1920 a não ser o que se esperava que ele disses-
se? 
Mas, cara colega, não seria justo que, tal qual os demais 
personagens, ele também pudesse ter uma outra chance de 
dizer como foram estes acontecimentos? Não como um chefe 
de Escola, precursor de um novo e revolucionário método de 
tratamento, mas como uma pessoa que conta a alguém muito 
íntimo seus pensamentos mais secretos, independentemente 
do julgamento que este possa fazer? 
É aqui que eu acho que alguém quer me pregar uma 
peça. Pois não é que as fotocópias, do velho manuscrito, pa-
15 
recem ser de uma carta do Freud! 
De fato. efetuada a tradução c uma pequena pesquisa, 
constatei que .a primeira página é ipsis litteris a carta que ele 
mandou à sua mãe, em 22 de janeiro de 1920. O que se co-
nhece dela é um relato curto, onde ele, secamente, comunica 
a Amalie Freud más notícias: 
.... ~.4"~/ _,_,,,o~ 
~c- ú:,.h.o-?'~.e, /A-e, d'a~ .1-Nd.s- .~~.oúéeo.x&;,.ú,n· 
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. " ~,u;..-e,n.O.I'-i'a' .• 
O resto da primeira folha continua tal qual a que conhe-
cemos nos epistolários de Freud. Porém há neste manuscrito 
que me enviaram, uma continuação que não está e~ nenhu-
ma das publicações que consultei. Pode ser que seJa ~ res~ 
da mesma carta de 22 de janeiro, e que o autor prefen u nao 
enviá-la completa, ou porque não teve coragem, ou porque 
quis poupar sua velha mãe, ou mesmo porque esta carta nun-
ca existiu e você está brincando comigo. 
Seu teor é mais ou menos o seguinte: 
"{9Jo~ défo~ o- t/e.;â,u; -'Aáff ÚN.II/ .me·~~ 
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recem ser de uma carta do Freud! 
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que me enviaram, uma continuação que não está e~ nenhu-
ma das publicações que consultei. Pode ser que seJa ~ res~ 
da mesma carta de 22 de janeiro, e que o autor prefen u nao 
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t/t?;f" .uf-~ /NYH' ;.~UJ<Y;zo: •• 
Bom, cara colega, onde termina a ficção e começa a 
realidade? Já sei, nunca faça esta pergunta a um analista! 
Atenciosamente 
Mareio Peter de Souza Leite 
21 
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Bom, cara colega, onde termina a ficção e começa a 
realidade? Já sei, nunca faça esta pergunta a um analista! 
Atenciosamente 
Mareio Peter de Souza Leite 
21 
Um breve resumo 
23 
Um breve resumo 
23 
O caso da jovem homossexual 
Em 1920 Freud publicou o artigo "A psicogênese de 
um caso de homossexualismo numa mulher". Esta história 
clínica tomou-se conhecida no meio psicanalítico como "O 
caso da jovem homossexual". 
Freud foi procurado pelos pais de uma jovem de 18 anos, 
bela e inteligente, seis meses após uma tentativa de suicídio. 
Ela estava em companhia de uma certa senhora da sociedade 
quando foi surpreendida por seu pai. Ele pas.~ou por elas com 
um olhar irado, sendo este o motivo que fez a jovem brusca-
mente sair correndo. arremeter a um muro e pular imediata-
mente na linha do trem. Isto lhe custou alguns dias de cama, 
embora não tivesse outras consequências mais graves. Já há 
algum tempo a jovem vinha despertando em seus pais grande 
desprazer e preocupação devido à devotada adoração com que 
perseguia "certa dama da sociedade", cerca de dez anos mais 
velha. Na opíní.ão dos país, a despeito do seu nome eminente, 
tal senhora não era mais que uma "coquete". Diziam que ela 
vivia com uma amiga casada e que ao mesmo tempo tinha 
relações íntimas com certo número de homens. Mesmo sa-
bendo da fama de aventureira da tal senhora, e apesar das 
proibições paternas, a paciente de Freud não se importava de 
ser vista em sua companhia. Não perdia oportunidade de en-
contrar-se com sua amada, esperava por ela diante de sua porta, 
enviava-lhe flores epresentes. Perdera todos os interesses pró-
prios de sua idade e só se relacionava com amigas que servis-
sem de confidentes ou lhe facilitassem o acesso à dama. 
Os pais da jovem não sabiam até que ponto a filha tinha 
avançado neste relacionamento. Percebiam que ela não tinha 
interesse por rapazes e que sua admiração pela demi-mondaine 
era apenas a continuação de uma atração que já havia mani-
25 
O caso da jovem homossexual 
Em 1920 Freud publicou o artigo "A psicogênese de 
um caso de homossexualismo numa mulher". Esta história 
clínica tomou-se conhecida no meio psicanalítico como "O 
caso da jovem homossexual". 
Freud foi procurado pelos pais de uma jovem de 18 anos, 
bela e inteligente, seis meses após uma tentativa de suicídio. 
Ela estava em companhia de uma certa senhora da sociedade 
quando foi surpreendida por seu pai. Ele pas.~ou por elas com 
um olhar irado, sendo este o motivo que fez a jovem brusca-
mente sair correndo. arremeter a um muro e pular imediata-
mente na linha do trem. Isto lhe custou alguns dias de cama, 
embora não tivesse outras consequências mais graves. Já há 
algum tempo a jovem vinha despertando em seus pais grande 
desprazer e preocupação devido à devotada adoração com que 
perseguia "certa dama da sociedade", cerca de dez anos mais 
velha. Na opíní.ão dos país, a despeito do seu nome eminente, 
tal senhora não era mais que uma "coquete". Diziam que ela 
vivia com uma amiga casada e que ao mesmo tempo tinha 
relações íntimas com certo número de homens. Mesmo sa-
bendo da fama de aventureira da tal senhora, e apesar das 
proibições paternas, a paciente de Freud não se importava de 
ser vista em sua companhia. Não perdia oportunidade de en-
contrar-se com sua amada, esperava por ela diante de sua porta, 
enviava-lhe flores e presentes. Perdera todos os interesses pró-
prios de sua idade e só se relacionava com amigas que servis-
sem de confidentes ou lhe facilitassem o acesso à dama. 
Os pais da jovem não sabiam até que ponto a filha tinha 
avançado neste relacionamento. Percebiam que ela não tinha 
interesse por rapazes e que sua admiração pela demi-mondaine 
era apenas a continuação de uma atração que já havia mani-
25 
festado antes pelo próprio sexo, causando ao pai grande 
irritação. Como foi dito, a jovem não se preocupava em apa-
recer em público com o objeto da sua adoração. Chegava mes-
mo a usar qualquer tipo de desculpas ou mentiras desde que 
estas facilitassem seus encontros. 
A tentativa de suicídio teve como consequências um 
afrouxamento da vigilância partema e ao mesmo tempo uma 
mudança de atitude da dama em relação a ela. A senhora que 
antes a evitava, depois de tal ato inequívoco de paixão, passou 
a tratá-la de forma amistosa. 
Os pais, vendo-se impotentes em suas medidas discipli-
nares e temerosos após a tentativa de suicídio, resolveram en-
viar a filha para tratamento psicanalítico. Esperavam que a 
orientação médica fosse suficiente para reconduzi-la ao esta-
do natural de espírito. Caso esta tentativa fracassasse, pensa-
vam em casá-la rapidamente pois, na opinião deles, o casa-
mento deveria despertar seus instintos naturais. 
Fr~ud observou que o pai era um homem sério e concei-
tuado. Embora temo no fundo do coração, sua rigidez era 
motivo de certo afastamento por parte dos filhos. As tendên-
cias homossexuais da filha causavam-lhe grande amargura. 
Estava clisposto a combater o problema - que ele atribuía a 
uma conduta degenerada, vício ou mesmo a certa perturbação 
mental. Por outro lado, a atitude da mãe não era tão fácil de 
entender. Ela era uma mulher jovem e pouco disposta a aban-
donar seus próprios direitos à atração. Não via de forma tão 
trágica como o pai o relacionamento da filha com a tal senho-
ra. Sua oposição tinha mais a ver com a falta de cuidado da 
filha, sua exposição pública e a opinião da sociedade. Por cer-
to tempo havia sido confidente da jovem, agora temia pela 
sua reputação. Era muito áspera com a filha e excessivamente 
indulgente com os três filhos. O mais novo nascera após um 
longo intervalo e tinha ainda três anos. Ela teve problemas 
neuróticos durante alguns anos, e gozava de grande conside-
ração por parte do marido. 
Freud, por sua vez, encontrou sérias dificulades na con-
dução desse tratamento. Os principais interessados eram os 
26 
pais e não a sua paciente. Esta apenas queria cooperar por:que 
sabia que o seu comportamento era motivo de sofrimento para 
sua família. Em momento algum sentia necessidade de liber-
tar-se do seu homossexualismo. 
Freud constatou que a jovem era bela e atraente. Tinha 
a figura alta do pai e suas feições eram mais agudas que sua-
ves e femininas. Intelectualmente, era arguta e objetiva desde 
que não se achasse dominada pela sua paixão. Em relação à 
dama, mostrava a humildade e a supervalorização do objeto 
sexual, tão característicos do amante masculino, a renúncia a 
toda satisfação narcisista e a preferência de ser o amante e 
não o amado. A história do desenvolvimento sexual da paci-
ente mostrou que na infância a jovem passou pela atitude nor-
mal característica do Édipo feminino e posteriormente come-
çou substituir o pai por um irmão ligeiramente mais velho 
que ela. A comparação entre os órgãos genitais dos irmãos e 
os seus deixara-lhe forte impressão. Na idade de 13 a 14 anos 
afeiçoara-se a um menino de 3 anos, inferindo-se que, naque-
la época, achava-se possuída de forte desejo de ser mãe e ter 
um filho. Uma nova gravidez da mãe e o nascimento de um 
terceiro irmão, quando tinha dezesseis anos, provocou uma 
mudança na jovem, que agora passa a interessar-se por mu-
lheres maduras, embora de aparência jovem. Inicialmente, a 
maternidade era uma condição para sua eleição amorosa. Pos-
teriormente abandonou essa condição. A análise da jovem re-
velou depois que a amada era uma substituta de sua mãe, ao 
mesmo tempo que a figura esbelta, a beleza severa e a postura 
ereta de sua dama faziam-na lembrar-se do irmão que era um 
pouco mais velho que ela. A sua escolha satisfazia ao mesmo 
tempo a tendência homossexual e a tendência heterossexuaL 
Segundo Freud, a gravidez da mãe, no momento em que 
a jovem experimentava a revivescência de seu complexo de 
Édipo na puberdade, foi um grande desapontamento. Foi sua 
rival edípica, inconscientemente odiada, quem teve um filho. 
Seu desejo de ter um filho- um filho do pai - foi recalcado. 
Furiosamente ressentida e amargurada, afastou-se completa-
mente do pai e dos homens e repudiou o papel feminino em 
27 
festado antes pelo próprio sexo, causando ao pai grande 
irritação. Como foi dito, a jovem não se preocupava em apa-
recer em público com o objeto da sua adoração. Chegava mes-
mo a usar qualquer tipo de desculpas ou mentiras desde que 
estas facilitassem seus encontros. 
A tentativa de suicídio teve como consequências um 
afrouxamento da vigilância partema e ao mesmo tempo uma 
mudança de atitude da dama em relação a ela. A senhora que 
antes a evitava, depois de tal ato inequívoco de paixão, passou 
a tratá-la de forma amistosa. 
Os pais, vendo-se impotentes em suas medidas discipli-
nares e temerosos após a tentativa de suicídio, resolveram en-
viar a filha para tratamento psicanalítico. Esperavam que a 
orientação médica fosse suficiente para reconduzi-la ao esta-
do natural de espírito. Caso esta tentativa fracassasse, pensa-
vam em casá-la rapidamente pois, na opinião deles, o casa-
mento deveria despertar seus instintos naturais. 
Fr~ud observou que o pai era um homem sério e concei-
tuado. Embora temo no fundo do coração, sua rigidez era 
motivo de certo afastamento por parte dos filhos. As tendên-
cias homossexuais da filha causavam-lhe grande amargura. 
Estava clisposto a combater o problema - que ele atribuía a 
uma conduta degenerada, vício ou mesmo a certa perturbação 
mental. Por outro lado, a atitudeda mãe não era tão fácil de 
entender. Ela era uma mulher jovem e pouco disposta a aban-
donar seus próprios direitos à atração. Não via de forma tão 
trágica como o pai o relacionamento da filha com a tal senho-
ra. Sua oposição tinha mais a ver com a falta de cuidado da 
filha, sua exposição pública e a opinião da sociedade. Por cer-
to tempo havia sido confidente da jovem, agora temia pela 
sua reputação. Era muito áspera com a filha e excessivamente 
indulgente com os três filhos. O mais novo nascera após um 
longo intervalo e tinha ainda três anos. Ela teve problemas 
neuróticos durante alguns anos, e gozava de grande conside-
ração por parte do marido. 
Freud, por sua vez, encontrou sérias dificulades na con-
dução desse tratamento. Os principais interessados eram os 
26 
pais e não a sua paciente. Esta apenas queria cooperar por:que 
sabia que o seu comportamento era motivo de sofrimento para 
sua família. Em momento algum sentia necessidade de liber-
tar-se do seu homossexualismo. 
Freud constatou que a jovem era bela e atraente. Tinha 
a figura alta do pai e suas feições eram mais agudas que sua-
ves e femininas. Intelectualmente, era arguta e objetiva desde 
que não se achasse dominada pela sua paixão. Em relação à 
dama, mostrava a humildade e a supervalorização do objeto 
sexual, tão característicos do amante masculino, a renúncia a 
toda satisfação narcisista e a preferência de ser o amante e 
não o amado. A história do desenvolvimento sexual da paci-
ente mostrou que na infância a jovem passou pela atitude nor-
mal característica do Édipo feminino e posteriormente come-
çou substituir o pai por um irmão ligeiramente mais velho 
que ela. A comparação entre os órgãos genitais dos irmãos e 
os seus deixara-lhe forte impressão. Na idade de 13 a 14 anos 
afeiçoara-se a um menino de 3 anos, inferindo-se que, naque-
la época, achava-se possuída de forte desejo de ser mãe e ter 
um filho. Uma nova gravidez da mãe e o nascimento de um 
terceiro irmão, quando tinha dezesseis anos, provocou uma 
mudança na jovem, que agora passa a interessar-se por mu-
lheres maduras, embora de aparência jovem. Inicialmente, a 
maternidade era uma condição para sua eleição amorosa. Pos-
teriormente abandonou essa condição. A análise da jovem re-
velou depois que a amada era uma substituta de sua mãe, ao 
mesmo tempo que a figura esbelta, a beleza severa e a postura 
ereta de sua dama faziam-na lembrar-se do irmão que era um 
pouco mais velho que ela. A sua escolha satisfazia ao mesmo 
tempo a tendência homossexual e a tendência heterossexuaL 
Segundo Freud, a gravidez da mãe, no momento em que 
a jovem experimentava a revivescência de seu complexo de 
Édipo na puberdade, foi um grande desapontamento. Foi sua 
rival edípica, inconscientemente odiada, quem teve um filho. 
Seu desejo de ter um filho- um filho do pai - foi recalcado. 
Furiosamente ressentida e amargurada, afastou-se completa-
mente do pai e dos homens e repudiou o papel feminino em 
27 
geral. "Ela se transformou em homem e tomou a mãe em lu-
gar do pai, como objeto de seu amor." A difícil relação com a 
mãe facili tou essa mudança. A jovem, tornando-se homosse-
xual e deixando os homens para a mãe (em outras palavras, 
"se se retirasse em benefício dela"), poderia afastar algo que 
até então fora parcialmente responsável pela antipatia da mãe. 
Essa posição libidinal foi grandemente reforçada quan-
do percebeu o desagrado do pai. Desafiar o pai e vingar-se 
dele passa a ser seu desejo mais intenso. O reforço final para 
a sua inversão veio com a descoberta de que sua dama prome-
tia satisfazer tanto as suas inclinações homossexuais, como 
também aquela parte da sua libido que ainda se achava ligada 
ao irmão. 
Freud observou que a jovem apresentava o mesmo "com-
plexo" que ele havia identificado no texto "Um tipo especial 
de escolha de objeto feita pelos homens" (texto de 19 I 0) e 
cujas características especiais remetem à ligação com a mãe. 
Para ela a má reputação de sua dama era positivamente uma 
condição necessária para o amor. No caso do tipo masculino 
de escolha de objeto derivado da mãe, é condição necessária 
que o objeto amado seja. de uma maneira ou outra, sexual-
mente de má reputação. Quando a jovem descobre que sua 
dama vivia de oferecer seus favores corporais, sua reação as-
sumiu a forma de uma grande compaixão e de fantasias e 
planos para "resgatar" sua querida dessas condições indig-
nas. 
As razões imediatas que determinaram sua decisão na 
tentativa de suicídio foram as seguintes: dissera à dama que o 
homem que lhes dirigira o olhar enfurecido era seu pai, e que 
ele proibira por completo a amizade entre elas. A dama enco-
lerizara-se com isso e ordenara à jovem que a deixasse ali 
mesmo e que nunca mais a esperasse ou a ela se dirigisse: o 
caso tinha de terminar ali. Desesperada por haver perdido para 
sempre sua bem-amada, quis pôr termo à própria vida. 
A análise revela dois outros motivos para a tentativa de 
suicídio:- a realização de uma punição (autopunição) e are-
alização de um desejo. Esse último significava a realização 
28 
do próprio desejo que, quando frustrado, a impelira ao 
homossexualismo: o desejo de ter um filho do pai, pois agora 
ela "caíra" por cu lpa do pai. [Em alemão o verbo 
níederkommen significa tanto cair quanto "dar à luz".) O fato 
de a dama haver-lhe falado nos mesmos termos que o pai e 
profer1do a mesma proibição, forma o elo entre essa interpre-
tação profunda e a superficial, dada pela jovem. Do ponto de 
vista da autopunição, a ação da jovem nos mostra que desen-
volvera no inconsciente intensos desejos de morte contra um 
ou outro de seus genitores, talvez contra o pai, como vingan-
ça por impedir seu amor, porém, mais provavelmente contra a 
mãe, quando grávida do irmão. "É provável que ninguém en-
contre a energia mental para matar-se , a menos que, em pri-
meiro lugar, agindo assim, esteja ao mesmo tempo matando 
um objeto com quem se identificou e, em segundo lugar, vol-
tando contra si próprio um desejo de morte dirigido a ou-
trem." 
"Uma vez que a jovem se identificava com a mãe, que 
deveria ter morri do no nascimento do filho, a ela negado, essa 
realização de punição constituía mais uma vez uma realiza-
ção de desejo." 
Embora em seus relatos o pai não tenha figurado, por 
trás de sua pretensa consideração pelos seus genitores, por 
amor dos quais dispusera-se a efetuar a tentativa de transfor-
mação, jazia escondida sua atitude de desafio e vingança contra 
o pai, .atitude que a fizera aferrar-se ao homossexualismo. 
O decorrer da análise da jovem homossexual é bastante 
interessante. Cooperadora no início, ela não se envolve emo-
cionalmente. Freud percebe que por trás dessa atitude conti-
nuam as mesmas tendências de antes. Há um desafio a Freud, 
assim como ao pai. Ela relata o desejo de casar-se para ficar 
livre da tirania paterna. 
Provavelmente o leitor lucrará mais lendo o texto origi-
nal. 
R.A. 
29 
geral. "Ela se transformou em homem e tomou a mãe em lu-
gar do pai, como objeto de seu amor." A difícil relação com a 
mãe facili tou essa mudança. A jovem, tornando-se homosse-
xual e deixando os homens para a mãe (em outras palavras, 
"se se retirasse em benefício dela"), poderia afastar algo que 
até então fora parcialmente responsável pela antipatia da mãe. 
Essa posição libidinal foi grandemente reforçada quan-
do percebeu o desagrado do pai. Desafiar o pai e vingar-se 
dele passa a ser seu desejo mais intenso. O reforço final para 
a sua inversão veio com a descoberta de que sua dama prome-
tia satisfazer tanto as suas inclinações homossexuais, como 
também aquela parte da sua libido que ainda se achava ligada 
ao irmão. 
Freud observou que a jovem apresentava o mesmo "com-
plexo" que ele havia identificado no texto "Um tipo especial 
de escolha de objeto feita peloshomens" (texto de 19 I 0) e 
cujas características especiais remetem à ligação com a mãe. 
Para ela a má reputação de sua dama era positivamente uma 
condição necessária para o amor. No caso do tipo masculino 
de escolha de objeto derivado da mãe, é condição necessária 
que o objeto amado seja. de uma maneira ou outra, sexual-
mente de má reputação. Quando a jovem descobre que sua 
dama vivia de oferecer seus favores corporais, sua reação as-
sumiu a forma de uma grande compaixão e de fantasias e 
planos para "resgatar" sua querida dessas condições indig-
nas. 
As razões imediatas que determinaram sua decisão na 
tentativa de suicídio foram as seguintes: dissera à dama que o 
homem que lhes dirigira o olhar enfurecido era seu pai, e que 
ele proibira por completo a amizade entre elas. A dama enco-
lerizara-se com isso e ordenara à jovem que a deixasse ali 
mesmo e que nunca mais a esperasse ou a ela se dirigisse: o 
caso tinha de terminar ali. Desesperada por haver perdido para 
sempre sua bem-amada, quis pôr termo à própria vida. 
A análise revela dois outros motivos para a tentativa de 
suicídio:- a realização de uma punição (autopunição) e are-
alização de um desejo. Esse último significava a realização 
28 
do próprio desejo que, quando frustrado, a impelira ao 
homossexualismo: o desejo de ter um filho do pai, pois agora 
ela "caíra" por cu lpa do pai. [Em alemão o verbo 
níederkommen significa tanto cair quanto "dar à luz".) O fato 
de a dama haver-lhe falado nos mesmos termos que o pai e 
profer1do a mesma proibição, forma o elo entre essa interpre-
tação profunda e a superficial, dada pela jovem. Do ponto de 
vista da autopunição, a ação da jovem nos mostra que desen-
volvera no inconsciente intensos desejos de morte contra um 
ou outro de seus genitores, talvez contra o pai, como vingan-
ça por impedir seu amor, porém, mais provavelmente contra a 
mãe, quando grávida do irmão. "É provável que ninguém en-
contre a energia mental para matar-se , a menos que, em pri-
meiro lugar, agindo assim, esteja ao mesmo tempo matando 
um objeto com quem se identificou e, em segundo lugar, vol-
tando contra si próprio um desejo de morte dirigido a ou-
trem." 
"Uma vez que a jovem se identificava com a mãe, que 
deveria ter morri do no nascimento do filho, a ela negado, essa 
realização de punição constituía mais uma vez uma realiza-
ção de desejo." 
Embora em seus relatos o pai não tenha figurado, por 
trás de sua pretensa consideração pelos seus genitores, por 
amor dos quais dispusera-se a efetuar a tentativa de transfor-
mação, jazia escondida sua atitude de desafio e vingança contra 
o pai, .atitude que a fizera aferrar-se ao homossexualismo. 
O decorrer da análise da jovem homossexual é bastante 
interessante. Cooperadora no início, ela não se envolve emo-
cionalmente. Freud percebe que por trás dessa atitude conti-
nuam as mesmas tendências de antes. Há um desafio a Freud, 
assim como ao pai. Ela relata o desejo de casar-se para ficar 
livre da tirania paterna. 
Provavelmente o leitor lucrará mais lendo o texto origi-
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R.A. 
29 
O pai 
31 
··. 
O pai 
31 
··. 
A versão do pai 
Oscar Cesarotto 
Viena, 27 de dezembro de 1919 
Prezado Oskar, 
Grande amigo, antes de mais nada, receba um abraço e 
um voto sincero de feliz Natal. Tanto tempo sem lhe escrever 
nem dar notícias, espero que você não se sinta chatet~dn ~la 
minha ausência. Só agora percebo que mais um ano foi em-
bora, r.ípido como nunca. nos deixando cada vez mais velhos 
e alquebrados. Sim, e desta vez, não foi esquecimento nem 
preguiça, pois razões até sobraram para me tirar do sério e 
negligenciar minha correspondência. 
Tubo bem com você? Nesta época difícil para todos, 
tomara que o peso da história tenha sido, dentro das circuns-
tâncias, o mais leve possível. Sua saúde melhorou? Confio 
que o tratamento de eletroterapia possa curar sua gota ou, no 
mínimo, acalmar as dores e permitir um dia-a-dia normal. 
A família vai bem? Espero que Frau Norah tenha supe-
rado todos os seus achaques definitivamente, e voltado a ser a 
mulher que sempre foi, alegre, simpática e bem-humorada, 
enfim, a rainha do lar. Suas filhas Romin e Terezin, como é 
que elas estão? Continuam peraltas, sapecas e travessas? Lem-
bro da última vez que as vi, elas eram tão engraçadinhas, mas 
não paravam quietas! Imagino que devem estar enormes, cres-
33 
A versão do pai 
Oscar Cesarotto 
Viena, 27 de dezembro de 1919 
Prezado Oskar, 
Grande amigo, antes de mais nada, receba um abraço e 
um voto sincero de feliz Natal. Tanto tempo sem lhe escrever 
nem dar notícias, espero que você não se sinta chatet~dn ~la 
minha ausência. Só agora percebo que mais um ano foi em-
bora, r.ípido como nunca. nos deixando cada vez mais velhos 
e alquebrados. Sim, e desta vez, não foi esquecimento nem 
preguiça, pois razões até sobraram para me tirar do sério e 
negligenciar minha correspondência. 
Tubo bem com você? Nesta época difícil para todos, 
tomara que o peso da história tenha sido, dentro das circuns-
tâncias, o mais leve possível. Sua saúde melhorou? Confio 
que o tratamento de eletroterapia possa curar sua gota ou, no 
mínimo, acalmar as dores e permitir um dia-a-dia normal. 
A família vai bem? Espero que Frau Norah tenha supe-
rado todos os seus achaques definitivamente, e voltado a ser a 
mulher que sempre foi, alegre, simpática e bem-humorada, 
enfim, a rainha do lar. Suas filhas Romin e Terezin, como é 
que elas estão? Continuam peraltas, sapecas e travessas? Lem-
bro da última vez que as vi, elas eram tão engraçadinhas, mas 
não paravam quietas! Imagino que devem estar enormes, cres-
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cendo sem parar. e deixando os pais em polvorosa. Afinal, 
gêmeas podem ser uma bênção, porém, dão trabalho em do-
bro, e haja paciência. 
E o herdeiro? Como está indo o varão da casa, o plccolo 
Iuripop, assim costumávamos chamá-lo, quando ainda era pe-
queno, isto é, faz bastante tempo. Acredi 1.0 que agora tenha 
virado um verdadeiro homem, já tem a idade suficiente para 
começar a pensar na vida, muito mais depois das manobras 
prévias ao armistício. Pelo menos para ele, foi uma sorte que 
a guerra acabasse sem ter que entrar em combate. Suponho 
que esteja ajudando na loja, pois vocação nunca lhe faltou 
para os negócios. Tenho quase cert.eza que ele é capaz .de se 
sair muito bem em tudo o que fizer, dedicando o esforço ne-
cessário. Um bom rapaz, correto e aplicado, poderá ter o mun-
do nas mãos, se estiver a fim. Dias melhores virão, e ele terá 
sua própria família. mulher, filhos. patrimônio, e um bom nome 
na praça. 
O mmivo da presente tem a ver com isto, embora de 
uma maneira talvez paradoxal. Para poder entender do que 
estou falando, vou ter que lhe contar alguns fatos acontecidos 
ultimamente, e que têm me tirado o sossego e a serenidade. 
Não vai ser simples narrar o que vem ocorrendo nestes me-
ses, um calvário e tanto. Às vezes, nem eu mesmo acredito na 
veracidade de tudo isto. Parece um pesadelo, mas trata-se da 
cruel realidade, para além do que eu possa querer ou deixar 
de querer. 
O problema é a minha filha Leonora. Lembra dela? 
Quando você a viu pela última vez, naquelas férias em 
Dresden, ela era ainda uma menininha, tímida e meiga. e tudo 
levava a pensar que sempre seria assim, do mesmo jeito ou 
parecido. Agora ela está com 18 anos, é uma moça linda e 
vigorosa, praticamente uma mulher pronta para a vida adulta. 
Aliás, na flor da idade, está mais do que na hora de ela casar, 
para tirar a cabeça das nuvens, tomar conta de uma casa, fa-
zer o marido feliz e cuidar de uma penca de filhinhos. 
Pois é, mas como há um problema com o seu jeito de 
ser, a melhor solução que me surge é providenciar um bom 
34 
casamento pam ela, e incentivá-la a entrar no ·e ixo de uma 
forma natural. Por ora, não tem sido fácilfazê-la acertar o 
passo, mas nem tudo está perdido, e é por isso que estou aqui 
escrevendo para você e propondo - nada mais, nada menos -
que a gente concretize aquilo que alguma vez pensamos os 
dois, muitos anos atrás, quando os nossos filhos eram crian-
ças, e nos parecia óbvio que, num futuro distante, eles casari-
am, confirmando assim uma aliança de amizade e interesses 
mútuos. Não tenho dúvidas que Iuripop seria o genro ideal, 
aquele que mereceria total aprovação para receber, junto com 
a mão de minha filha, um cargo de confiança na minha em-
presa, augurando prosperidade no comércio. e na prole tam-
bém. 
Gostou da idéia? Nunca esqueci o que fantaseamos em 
alguma oportunidade, depois de uma dúzia de cervejas. Só-
cios na vida e nos negócios! Avôs simultâneos de netinhos e 
netinhas! Parceiros em grandes empreendimentos, para o que 
der e vier! Bem, mas acho que estou me antecipando um pou-
co demais, e nenhuma perspectiva é tão tranquila ou previsí-
vel ou cor-de-rosa ... 
Cor-de-rosa: chegou o triste momento de dizer clara-
mente e com todas. as letras o que se passou com Leonora, o 
que me tira o sono, o empecilho destes planos, o fado que me 
assola. Meu caro amigo, para ser honesto nesta sina amarga, . 
não lhe posso omitir o drama que me atormenta: contrariando 
as expectativas e o bom senso, minha filha tem gostado de 
mulher, pelo menos por enquanto. 
Leio o que e.<;erevi acima e me resulta duro de aceitar. O 
que foi que eu fiz para merecer isto, und der konchen auf das 
Lora! Não consigo crer que ela esteja mais J'róxi·ma de Lesbos 
que de Atenas, mas é a verdade insofismável. Gostaria, tão-
só, que não fosse imutável, apenas uma fase passageira, um 
capricho adolescente, uma metamorfose da puberdade, e que, 
logo, logo, a anatomia possa ser o seu destino. 
Mas deixe eu Lhe contar como foi que tudo começou. 
Quatro anos atrás nasceu nosso caçulinha. Naque le periodo, 
Leo ficou muito atenta com o que se passava com a mãe, e 
35 
cendo sem parar. e deixando os pais em polvorosa. Afinal, 
gêmeas podem ser uma bênção, porém, dão trabalho em do-
bro, e haja paciência. 
E o herdeiro? Como está indo o varão da casa, o plccolo 
Iuripop, assim costumávamos chamá-lo, quando ainda era pe-
queno, isto é, faz bastante tempo. Acredi 1.0 que agora tenha 
virado um verdadeiro homem, já tem a idade suficiente para 
começar a pensar na vida, muito mais depois das manobras 
prévias ao armistício. Pelo menos para ele, foi uma sorte que 
a guerra acabasse sem ter que entrar em combate. Suponho 
que esteja ajudando na loja, pois vocação nunca lhe faltou 
para os negócios. Tenho quase cert.eza que ele é capaz .de se 
sair muito bem em tudo o que fizer, dedicando o esforço ne-
cessário. Um bom rapaz, correto e aplicado, poderá ter o mun-
do nas mãos, se estiver a fim. Dias melhores virão, e ele terá 
sua própria família. mulher, filhos. patrimônio, e um bom nome 
na praça. 
O mmivo da presente tem a ver com isto, embora de 
uma maneira talvez paradoxal. Para poder entender do que 
estou falando, vou ter que lhe contar alguns fatos acontecidos 
ultimamente, e que têm me tirado o sossego e a serenidade. 
Não vai ser simples narrar o que vem ocorrendo nestes me-
ses, um calvário e tanto. Às vezes, nem eu mesmo acredito na 
veracidade de tudo isto. Parece um pesadelo, mas trata-se da 
cruel realidade, para além do que eu possa querer ou deixar 
de querer. 
O problema é a minha filha Leonora. Lembra dela? 
Quando você a viu pela última vez, naquelas férias em 
Dresden, ela era ainda uma menininha, tímida e meiga. e tudo 
levava a pensar que sempre seria assim, do mesmo jeito ou 
parecido. Agora ela está com 18 anos, é uma moça linda e 
vigorosa, praticamente uma mulher pronta para a vida adulta. 
Aliás, na flor da idade, está mais do que na hora de ela casar, 
para tirar a cabeça das nuvens, tomar conta de uma casa, fa-
zer o marido feliz e cuidar de uma penca de filhinhos. 
Pois é, mas como há um problema com o seu jeito de 
ser, a melhor solução que me surge é providenciar um bom 
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casamento pam ela, e incentivá-la a entrar no ·e ixo de uma 
forma natural. Por ora, não tem sido fácil fazê-la acertar o 
passo, mas nem tudo está perdido, e é por isso que estou aqui 
escrevendo para você e propondo - nada mais, nada menos -
que a gente concretize aquilo que alguma vez pensamos os 
dois, muitos anos atrás, quando os nossos filhos eram crian-
ças, e nos parecia óbvio que, num futuro distante, eles casari-
am, confirmando assim uma aliança de amizade e interesses 
mútuos. Não tenho dúvidas que Iuripop seria o genro ideal, 
aquele que mereceria total aprovação para receber, junto com 
a mão de minha filha, um cargo de confiança na minha em-
presa, augurando prosperidade no comércio. e na prole tam-
bém. 
Gostou da idéia? Nunca esqueci o que fantaseamos em 
alguma oportunidade, depois de uma dúzia de cervejas. Só-
cios na vida e nos negócios! Avôs simultâneos de netinhos e 
netinhas! Parceiros em grandes empreendimentos, para o que 
der e vier! Bem, mas acho que estou me antecipando um pou-
co demais, e nenhuma perspectiva é tão tranquila ou previsí-
vel ou cor-de-rosa ... 
Cor-de-rosa: chegou o triste momento de dizer clara-
mente e com todas. as letras o que se passou com Leonora, o 
que me tira o sono, o empecilho destes planos, o fado que me 
assola. Meu caro amigo, para ser honesto nesta sina amarga, . 
não lhe posso omitir o drama que me atormenta: contrariando 
as expectativas e o bom senso, minha filha tem gostado de 
mulher, pelo menos por enquanto. 
Leio o que e.<;erevi acima e me resulta duro de aceitar. O 
que foi que eu fiz para merecer isto, und der konchen auf das 
Lora! Não consigo crer que ela esteja mais J'róxi·ma de Lesbos 
que de Atenas, mas é a verdade insofismável. Gostaria, tão-
só, que não fosse imutável, apenas uma fase passageira, um 
capricho adolescente, uma metamorfose da puberdade, e que, 
logo, logo, a anatomia possa ser o seu destino. 
Mas deixe eu Lhe contar como foi que tudo começou. 
Quatro anos atrás nasceu nosso caçulinha. Naque le periodo, 
Leo ficou muito atenta com o que se passava com a mãe, e 
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tudo indicava que se identificava com ela, e quando o menino 
foi crescendo, parecia que a mãe era ela própria, tamanha a 
dedicação com o bebezinho. Bem, isto foi apenas o princípio. 
Em seguida. foi se interessando por outras mães, quase sem-
pre mulheres jovens que encontrava no parque e de quem ia 
ficando amiga. Eu brincava com ela e dizia que poderia ga-
nhar a vida tabalhando com baby-sirter, unindo o útil ao agra-
dável, por ser tão vidrada em nenês. Mas não, eram as mães 
que chamavam a sua atenção. 
Devo admitir que, já então, havia algo de esquisito nes-
ses relacionamentos, embora não fosse imaginável o que vi-
ria depois. Realmente, não era sequer cogitável que, de re-
pente, se ligasse a uma mulher que não tinha em absoluto 
nada de maternal. 
Um dia, fiquei sabendo através de uma empregada que 
Leo visitava. de maneira sistemática, uma rapariga egressa da 
Maison de lA Licorne, ora bolas! (Aposto que você ainda 
guarda na memória os nossos tempos de estudantes, quando 
descobrimos ali mesmo que a felicidade tinha preço, e que 
valia a pena trocar um punhado de notas por noitadas ines-
quecíveis.) Uma putana, pois não. Demorei até entender a 
questão. Inclusive, porque era mais complexa do que parecia 
no início. De fato, rratava-se de uma demi-mondaine, sim mas 
retirada da profissão. Na atualidade, ela só exercia a 
horizontalidade de forma amadora, por assim dizer. E nem 
sequer unicamente com homens. Como se tudo isso fosse 
pouco, era a preferida de Wanda von Pistor, conhecida dama 
da nossa sociedade, notória libertina e esposa infiel de Sacher-
Masoch, o escritor. 
O céu caiu na minha cabeça. Minha filha estava se per-
dendo, devotada a amores ilícitos e condenáveis.

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