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autora VIRNA LIGIA FERNANDES BRAGA 1ª edição SESES rio de janeiro 2016 HISTÓRIA ANTIGA OCIDENTAL Conselho editorial luis claudio dallier, roberto paes e paola gil de almeida Autora do original virna ligia fernandes braga Projeto editorial roberto paes Coordenação de produção paola gil de almeida, paula r. de a. machado e aline karina rabello Projeto gráfico paulo vitor bastos Diagramação bfs media Revisão linguística bfs media Revisão de conteúdo alex da silveira de oliveira Imagem de capa mortazza | shutterstock.com Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016. Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063 Sumário Prefácio 5 1. A antiguidade clássica 7 1.1 O conceito de Antiguidade Ocidental 8 1.2 As fontes para a História Antiga e a necessidade da utilização de outros saberes 9 1.3 Grécia: localização geográfica 10 1.4 Grécia: periodização histórica 11 1.5 Grécia: aspectos da colonização 12 1.6 O Período Homérico (XII a.C - VIII a.C.) 16 1.7 O período Arcaico (VIII a. C - VI a.C): formação da cidade-Estado 18 2. As cidades-estados gregas 25 2.1 A formação do mundo políade - Período clássico (V - IV a.C) 26 2.2 A diversidade de modelos políticos: democracia, demagogia, aristocracia, oligarquia, monarquia e tirania 28 2.3 Atenas x Esparta: Estudos de caso 29 2.4 A economia no mundo grego 33 2.4.1 Os conflitos internos e externos 34 2.4.2 A desagregação do modelo políade 35 3. A cultura grega 41 3.1 A cultura no mundo grego 42 3.1.1 A Filosofia 43 3.1.2 A Paideia 45 3.1.3 A religiosidade - Aspectos gerais 47 3.1.4 Teatro 48 4. A Roma antiga 53 4.1 Origem mitológica x Origem histórica 54 4.2 A Monarquia (VIII a.C - VI a.C): estrutura sócio-política 55 4.3 Roma República (VI a.C - I a.C) 57 4.3.1 Formação da República Romana: estrutura sócio-política 57 4.3.2 O conflito entre patrícios e plebeus 58 4.4 O expansionismo territorial romano e suas consequências 61 4.5 O escravismo romano 62 5. Ascensão e crise da república romana 69 5.1 A questão agrária 70 5.2 Os conflitos internos e o poder dos militares – séculos II a.C e I a.C. 72 5.3 Os triunviratos e o fim da República 73 5.4 O Principado e a pax romana 74 5.5 O nascimento do cristianismo 75 5.6 O alto Império: O pão e circo 76 6. O universo político do século IV e o legado cultural romano 81 6.1 Aspectos culturais 82 6.2 A crise do século III 84 6.3 Reformas e lutas pelo poder no século IV 84 6.4 A ocupação territorial do Império Romano 86 6.5 A permanência da parte oriental do Império Romano 87 6.6 O legado romano 88 5 Prefácio Prezados(as) alunos(as), A tarefa de análise e compreensão da História Antiga do Ocidente, que abar- ca as civilizações grega e romana, é complexa e envolve a utilização de fontes históricas que vão além dos documentos escritos. A religiosidade expressa atra- vés da construção de templos e produção de esculturas e os afrescos que retra- tam guerras e eventos importantes para essas sociedades, constituem algumas das fontes que nos permitem conhecer esse período tão significativo para a his- tória ocidental. Neste livro, você irá compreender o quanto herdamos da chamada Antigui- dade Clássica: a filosofia, a política, o teatro, o direito e tantos outros elemen- tos que integram a vida do homem ocidental contemporâneo. Por este prisma, desejamos mostrar a importância do legado greco-romano para a formação e consolidação das sociedades ocidentais, sem esquecer o quanto este legado in- fluenciou o imaginário social, pois desde a noção de racionalismo à de demo- cracia, é difícil a compreensão de tais conceitos sem referenciar-se pela cultura greco-romana. O livro se divide em seis capítulos. O primeiro, intitulado “A Antiguidade Clássica”, inicia sua narrativa a partir da definição do conceito de Antiguidade Ocidental. Trata ainda das fontes utilizadas para o estudo das civilizações da Antiguidade, o surgimento da civilização grega, as características de sua colo- nização, além de apresentar a periodização utilizada para a história da Grécia Antiga. O segundo capítulo, “As Cidades-Estados Gregas” analisa a formação das cidades-Estados entre os anos 500 e 400 a.C., bem como os diversos tipos de governo existentes no sistema políade grego. Atenas e Esparta recebem atenção especial como principais cidades-Estados daquela região; seus modelos econô- micos, políticos, culturais, etc, são analisados de forma destacada. O terceiro capítulo trata dos aspectos culturais da Grécia Antiga, principal- mente a partir do surgimento da Filosofia. Aborda a noção de Paideia e destaca sua importância para os gregos, além de apresentar aspectos da religiosidade e do teatro que caracterizaram de modo marcante aquela cultura. O quarto capítulo, denominado “Roma Antiga”, analisa a formação da civi- lização romana, da Monarquia à República. Deste modo, enfatiza o processo de expansão territorial, os conflitos entre patrícios e plebeus e a importância do escravismo na estrutura socioeconômica de Roma. O quinto capítulo, intitulado “Ascensão e Crise da República Romana”, como o próprio nome indica, reflete sobre o declínio da República romana e a chamada “questão agrária”. Concede espaço para a discussão sobre os con- flitos gerados pela concentração das terras nas mãos da aristocracia e o papel desempenhado pelo exército. As disputas pelo poder e a luta pelo controle das massas foram igualmente analisadas nesta referida parte. O sexto e último capítulo aborda os principais aspectos da cultura romana e, ainda, da crise que leva ao declínio político do Império, a partir do século III a.C. Analisando as motivações apontadas como responsáveis pelo declínio de Roma e pela continuidade do Império Romano do Ocidente, finaliza-se o texto. Bons estudos! A antiguidade clássica 1 8 • capítulo 1 1. A antiguidade clássica Este livro didático apresenta, em seu primeiro capítulo, a definição do que é a Antiguidade Ocidental, período histórico constituído pelo surgimento das civi- lizações grega e romana. Aponta também as fontes utilizadas pelos historiado- res para escrever sobre a história da Antiguidade ou Idade Antiga. Desta forma, será possível conhecer melhor alguns aspectos do processo de formação da civilização grega, a localização geográfica dos povos que deram origem à Grécia Antiga, as influências culturais, a economia e o desenvolvimen- to de formas específicas de organização política. O objetivo é apresentar um quadro onde se permita compreender a história da civilização grega, desde sua formação até o aparecimento das primeiras po- leis ou cidades-Estados. OBJETIVOS • Apresentar o conceito de História Antiga Ocidental; • Explicitar o caráter diversificado dos materiais utilizados como fonte para a História Antiga do Ocidente; • Apresentar a localização geográfica da Grécia antiga e suas subdivisões na ocupação do espaço; • Construir um panorama geral da cronologia da história antiga sobre a qual o mundo grego organizou-se; • Indicar os distintos grupos que participaram da ocupação inicial da Península Balcânica e as respectivas fases que estes processos geraram; • Compreender os indícios fundamentais do processo histórico que possibilitou a formação do Período Homérico e do Período Arcaico na história grega. 1.1 O conceito de Antiguidade Ocidental O período histórico denominado Idade Antiga ou Antiguidade, abarca um re- corte temporal que se inicia por volta de 4.000 a.C., data que registra a inven- ção da escrita, pelos sumérios, na Mesopotâmia. Já a Antiguidade Ocidental ou Clássica, segundo o historiador CiroFlamarion Cardoso, se estende do século capítulo 1 • 9 XV a.C ao V d.C. O fim deste período é considerado pelos historiadores, não sem críticas, como o ano de 476 d.C, que marca o término da existência e lide- rança política do Império Romano do Ocidente, após a queda do último Impe- rador romano Flávio Rômulo Augusto. (CARDOSO, 1998). A Antiguidade Ocidental foi marcada pelo surgimento dos chamados Estados monárquicos, do escravismo, das ciências e, principalmente, pelo apa- recimento de grandes civilizações como a grega e romana. Entretanto, é preciso considerar a influência da cultura oriental (Mesopotâmia, Egito) sobre as civili- zações ocidentais, já que muitas características, principalmente no terreno da cultura e da religião, originaram-se de tradições orientais. 1.2 As fontes para a História Antiga e a necessidade da utilização de outros saberes Conhecer a história do mundo antigo é algo complexo, principalmente se con- siderarmos que as fontes ou registros documentais são escassos e de difícil interpretação. Desta forma, a arqueologia tem uma importância fundamental para o conhecimento histórico dos povos antigos, pois através das descobertas dos arqueólogos é possível o acesso a objetos e materiais que eram usados co- tidianamente no passado. São estas algumas das fontes responsáveis pela re- constituição da história dos povos gregos e romanos. As obras artísticas ligadas às representações mitológicas, como templos e estátuas, também figuram como objetos de análise do historiador, pois reve- lam dados importantes acerca da cultura daquelas sociedades. De fato, muito do que se sabe sobre a mitologia greco-romana, por exemplo, deriva da análise de monumentos construídos com o fim de que os deuses fossem reverencia- dos. Isto ocorreu tanto na civilização grega quanto na romana. O historiador Ciro Flamarion Cardoso, em seu livro Sete Olhares Sobre a Antiguidade, destaca também as obras do poeta grego Homero, Ilíada e Odisséia, como fontes textuais importantes sobre a sociedade e a economia da Antiguidade Clássica. Além de Homero, há também o escritor Hesíodo que, em seu poema intitulado Os Trabalhos e os Dias forneceu informações sobre a prá- tica da agricultura e o comércio marítimo. (CARDOSO, 1998). Neste capítulo, iremos conhecer as civilizações responsáveis pela formação do mundo helê- nico clássico e, ainda, compreender como ocorreu o desenvolvimento do que conhecemos como a civilização grega. 10 • capítulo 1 1.3 Grécia: localização geográfica Geograficamente, a civilização grega surgiu na região da Península Balcânica, delimitada por um lado pelo mar Mediterrâneo e, por outro, pela alternância de montanhas rochosas e despenhadeiros, além de alguns vales férteis para a agricultura. Entretanto, o solo não era propício para o plantio extensivo, devi- do às condições físicas desfavoráveis. O relevo acidentado, os invernos e verões rigorosos, além das longas estiagens, incentivavam os deslocamentos popula- cionais e, portanto, a expansão grega por outras terras. (FUNARI, 2002, p.10) Segundo Maria Beatriz Florenzano (1994), fisicamente a civilização gre- co-romana ocupou toda a bacia do mar Mediterrâneo, alcançando o interior da Ásia, Oriente Médio, África do Norte e Europa setentrional. Contudo, a Península Balcânica foi o núcleo original da civilização grega. O relevo era um obstáculo para a comunicação entre os povos que habitavam aquelas regiões, o que impedia o contato constante entre os grupos populacionais. De acordo com Funari, podemos dividir o território da civilização gre- ga nas seguintes regiões: a região da Península Balcânica, denominada de “Grécia Continental”; a região do Peloponeso, ao sul, denominada de “Grécia Peninsular”; a região do mar Egeu, situado na bacia do mar Mediterrâneo, en- tre a Europa e a Ásia, que engloba as ilhas do mar Egeu, Jônico e Mediterrâneo, denominada de “Grécia Insular”; e, por fim, a região que correspondia à costa ocidental da Península da Anatólia ou Ásia menor (atual litoral da Turquia) e algumas ilhas do mar Egeu, denominada “Grécia Oriental ou Asiática”. Tróia Mitilene Foceia Éfeso Mileto Camiros Delos Akrotiri Cnossos Filacopi Esparta Micenas Olímpia Atenas Erétria TebasDelfos Corinto Argos Quios PérgamoLesbos Samos Rodes FRÍGIACALCÍDIA MACEDÔNIA ILÍRIA CRETA PELOPONESO ÁTICA ETÓLIA TESSÁLIA ÉPIRO LÍDIA JÔNIA CÁRIA ÁSIA MENOR Grécia peninsular Grécia insular Grécia continental Grécia oriental Pólis gregas Limites da Grécia antiga N 0 83 km Mar Jônico Mar Egeu capítulo 1 • 11 As ilhas gregas situadas no Mar Egeu eram próximas umas às outras, como é possível observarmos no mapa acima. A ilha de Creta era imensa, outras eram um pouco menores como as de Rodes e Lesbos, seguidas por inúmeras pe- quenas ilhas. Os gregos também se fixaram na Jônia, do lado oriental do mar Egeu, atual Turquia, e, posteriormente, fundaram cidades na Sicília e na Itália, formando a chamada "Magna Grécia". Suas colônias se espalharam por todo o Mediterrâneo ocidental, como em Marselha, na França, ou em Emporiae, na Espanha. (FUNARI, 2002, p.10-11) 1.4 Grécia: periodização histórica A história grega se divide em fases que abarcam desde a formação desta civiliza- ção, bem como o seu apogeu e declínio. Muitos livros que tratam da história da Grécia antiga trabalham com uma periodicidade que tem início com o período chamado de Pré-Homérico, que vai de 2000 a.C. a 1200 a.C. Essa fase marca a colonização do mundo grego e as migrações dos povos indo-europeus: Aqueus, Jônios, Eólios e Dórios, além de corresponder ao desenvolvimento da cultura creto-micênica. Neste livro, focaremos a história da Grécia na Antiguidade a partir dos se- guintes períodos: • Período Homérico (séculos XI-IX a.C.) - Fase de desenvolvimento do ge- nos, tipo de organização social que agrupava grandes famílias, chefiadas por anciões. O nome dado a esse período se refere ao poeta Homero, ao qual se atribui a criação das obras Ilíada e Odisseia, importantes fontes para a com- preensão do mundo grego do século XII a.C. ao século VIII a.C. • Período Arcaico (séculos VIII-VI a.C.) - Marca a formação das cidades-Es- tados gregas, com destaque para Atenas e Esparta. • Período Clássico (séculos V-IV a.C.) - Fase de consolidação das cidades -Estados gregas, do apogeu da cultura grega, de grandes conflitos com os persas e de guerras entre os próprios gregos. • Período Helenístico (séculos IV-II a.C.) – Este período da histórica gre- ga foi caracterizado pela ascensão dos macedônios, sobretudo na figura de Alexandre. Os horizontes da cultura grega foram alargados ao serem posicio- nados como suporte para a ideia de império universal cunhada por Alexandre da Macedônia. 12 • capítulo 1 1.5 Grécia: aspectos da colonização Antes da chegada dos gregos à região denominada Hélade ou Grécia, entre o sul do Peloponeso e o Monte Olimpo, o território já era habitado por outros povos. No período Neolítico, foram construídos muitos palácios pelos povos da região; estes monumentos originaram diversas monarquias, cuja economia era predominantemente agrícola e com atividade pastoril. Os primeiros povos que formaram a civilização grega alcançaram esse território ao final de 3000 a.C., quando iniciou-se forte integração cultural com os habitantes do local. (FUNA- RI, 2002, p.10-11) Na Idade dos Metais (mais especificamente no início da Idade do Bronze), o contato com os povos da região da Anatólia (situada no extremo oeste da Ásia) trouxe novos conhecimentos que levaram à utilização do arado, com conse- quente ampliação do comércio via mar Mediterrâneo. Por volta de 2000 e 1950 a.C., a civilização anatólica entrou em declínio devido à chegada dos gregos e seu estabelecimento nas ilhas do mar Egeu, região da Ilha de Creta, cuja civili- zação surgira no final do terceiro milênio antes de Cristo. Sabemos que povos indo-europeuspassaram a ocupar a Península Balcânica a partir do século XX a.C. A pluralidade destes grupos subdividiu-se em: • Aqueus: os primeiros a chegarem e se concentrarem na região do Peloponeso. Como característica de sua atuação, submeteram a população lo- cal e dedicaram-se à fundação de cidades, tais como, Micenas e Tirinto. • Eólios: foram responsáveis pela ocupação de variadas regiões, entre as quais se destaca a de Tessália. • Jônios: a partir da região da Ática, onde se estabeleceram; foram os res- ponsáveis pela fundação da cidade de Atenas. • Dórios: ocuparam o Peloponeso por volta do século XII a.C. Como resulta- do desta ocupação, parte da população grega dispersou-se para o interior, para as ilhas do mar Egeu e para a costa da Ásia Menor. Este processo de dispersão ficou conhecido como Primeira Diáspora grega. Foram também os responsá- veis pela fundação da cidade de Esparta. capítulo 1 • 13 Tróia Atenas Esparta ÁSIA MENOR Mar Jônico Mar Egeu Creta Jônios e aqueus Eólios Dórios N 0 120 km Atlas Histórico, São Paulo. Enciclopédia Britânica, 1977. Os jônios foram os primeiros gregos a ocupar a região. Foram favorecidos por sua sociedade militarizada e conseguiram subjugar os antigos cretenses. Construíram cidades fortificadas, ainda que sem a sofisticação anterior. Mas não tinham desenvolvido a escrita e não deram continuidade ao comércio mediter- râneo que existia anteriormente. Por volta de 1580 a.C., os jônios foram expulsos de parte de seus domínios pelos aqueus e eólios (estes últimos se instalaram na Beócia e Tessália), encontrando refúgio nas terras da Ática.(FUNARI, 2002. p.13) Os aqueus também eram guerreiros originários dos Bálcãs, mas ao se ins- talarem na Grécia continental sofreram influência cultural dos cretenses, terminando por conquistá-los em 1400 a.C., aproximadamente. Os gregos de origem aquéia desenvolveram uma civilização centrada em palácios que ficou conhecida como Micênica, numa referência à poderosa cidade de Micenas, a mais influente de todas que existiram naquela época. Constituíram reinos in- dependentes em torno de cidades poderosas que se uniam, algumas vezes, por interesses comuns e aceitavam obedecer a um único líder. Nesses reinos, o po- der monárquico forte concentrava riquezas ao abrigo de enormes muralhas, as acrópoles, cidades altas ou palácios fortificados. Os cretenses possuíam uma sociedade forte e produtiva com grandes palá- cios, enormes depósitos de alimentos e arquivos contábeis. Funari afirma que 14 • capítulo 1 os cretenses mantinham contato com o Egito faraônico, o que foi importante para a difusão da cultura egípcia: A escrita cretense, hieroglífica, compunha-se de sinais que marcavam sílabas, mas a língua usada pelos cretenses ainda não foi decifrada pelos pesquisadores até hoje (...). Sabe-se que a principal cidade de Creta, Cnossos, era um centro administrativo monumental. (...) Em meados do segundo milênio, Creta conheceu o apogeu da cha- mada Talassocrassia minoense, ou seja, o poder marítimo de Creta influenciava toda a região. (FUNARI, 2002. p.14) Cnossos era o principal centro administrativo, político e econômico da ilha de Creta. Seus reis eram chamados de Minos, palavra da qual se originou a ex- pressão civilização minoica, para designar a sociedade desenvolvida naquela região. Cnossos exercia a talassocracia (thalassos = mar; cracia = poder), que pode ser compreendida como uma espécie de monarquia, na qual o poder se baseava no domínio exercido sobre o mar. A lenda do Minotauro apresenta estreita ligação com a noção de talassocra- cia, pois relata que o rei de Creta, chamado Minos, que se vingou da morte de seu primogênito exigindo como dádiva a morte de sete meninos e sete meni- nas atenienses. Esses passaram a ser oferecidos ao Minotauro, “uma criatura assustadora, meio homem, meio touro, que os devorava”. O Minotauro vivia em um labirinto cuja saída nunca era encontrada, até que Teseu, herói grego, conseguiu matá-lo. O estudo desta história lendária nos ajuda a compreender o quanto a civilização cretense influenciou os antigos gregos. Duas características marcaram a civilização cretense: uma sociedade mi- litarizada e marcada pela burocracia. Este período é reconhecido por alguns estudiosos como despotismo de tipo oriental, ou seja, um poder forte, apoia- do em uma burocracia centrada nos palácios. Foi ainda neste contexto que se consagrou a lendária guerra entre gregos e troianos, conflito que se traduziria como o resultado da expansão territorial e militar dos aqueus. Embora a Guerra de Tróia seja considerada uma lenda, a descrição de suas batalhas encontra procedência histórica com outros conflitos travados pelos gregos e historica- mente documentados. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.46) Por volta de 1500 antes de Cristo, os Micênicos (como eram chamados os habitantes de Micenas) conquistaram Creta e a civilização micênica passou capítulo 1 • 15 por uma fase de grande desenvolvimento. Palácios monumentais apareceram a partir do início do século XV a.C. A economia era controlada pelo Estado, da vida rural à indústria e comércio, tudo registrado por meio da escrita chamada Linear. O comércio marítimo e as expedições de pilhagem contribuíram para espalhar a cultura grega pelo Mediterrâneo. A influência de sua cultura esten- deu-se até a Itália e a Sardenha, o Egito e o Mediterrâneo oriental. (FUNARI, 2002, p.15) Tabuleta de escrita linear B micênica (RIBEIRO JR., W.A. A escrita linear B. Portal Graecia Antiqua, São Carlos). Disponível em <http://www.greciantiga.org/arquivo.asp?num=0068>. Acesso em: 15 mai. 2016. A escrita micênica foi central para a administração e controle da vida pa- laciana. De acordo com Funari, “como era administrativa e complicada, era conhecida na época apenas por um reduzido número de escribas”. Porém, o grego também continuou a ser uma língua utilizada. Houve grande desenvol- vimento cultural até o ano de 1200 a.C., quando os Dórios invadiram a Grécia e houve a progressiva destruição da civilização creto-micênica. Os dórios ocuparam a região do Peloponeso e da Ilha de Creta, partilhando a terra e submetendo os povos conquistados à servidão. Esse povo se estabele- ceu, sobretudo, na região do Peloponeso, na qual desenvolveram a metalurgia do ferro e a produção da cerâmica com decoração geométrica. Às disputas in- ternas entre os micênicos se somou a chegada dos dórios, que possuíam armas de ferro e arrasaram Micenas, causando a Primeira Diáspora (dispersão) grega, em direção à Ásia Menor. (FUNARI, 2002,p.15-16) 16 • capítulo 1 1.6 O Período Homérico (XII a.C - VIII a.C.) Não é possível precisar a história do declínio da civilização micênica, pois as fontes arqueológicas são muito escassas. Funari afirma que entre 1100 e 800 a.C. “a população parece ter diminuído e empobrecido”. Os palácios micênicos desapareceram e os historiadores do período afirmam que a população passou a viver em aldeias. A cultura creto-micênica, que foi marcada por obras arquite- tônicas grandiosas, se dissipou. Os escribas, figuras fundamentais para a ma- nutenção administrativa dos palácios micênicos, perderam sua função social. Funari afirma que o escriba foi substituído pela figura do poeta-rapsodo: que recitava poesias em público. (FUNARI, 2002, p.15) Mesmo com o desaparecimento da civilização micênica, as técnicas para o cultivo da terra e a fabricação de vasos de cerâmica foram heranças deixadas pela cultura do povo micênico. Quanto à religiosidade, os novos povos que se instalaram na região adotaram os deuses já existentes. A sociedade se organi- zou de forma diferente, criando novos valores: “no lugar de palácios, surgia uma sociedade com menos hierarquias”, composta por camponeses e guerrei- ros, além da forte mistura da cultura creto-micênica, indo-europeia e oriental. É possível afirmar que foi essa configuração socioculturalque deu origem à Grécia clássica. A escrita só voltou a ser utilizada mais tarde, no século III a.C., com a ado- ção do alfabeto, inventado pelos fenícios, para facilitar o comércio. Os gregos se adaptaram à escrita alfabética, o que representou um avanço diante dos ideogramas que utilizavam antes. Os documentos mais antigos, após a crise da civilização creto-micênica, foram as epopeias atribuídas a Homero: Ilíada e Odisséia, datadas do século VIII a.C. Ainda há questões a serem resolvidas sobre a existência de Homero e sobre as datas de seus poemas. De acordo com Moses Finley (FINLEY, 1982), “o nome Homero poderia significar simplesmen- te poeta, dada a existência de divergências nos poemas, tanto em termos de temática e métrica, quanto da própria língua grega”. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.49-57) Para Funari, as lendas homéricas são fundamentais para a compreensão do mundo grego: capítulo 1 • 17 As lendas homéricas refletem tanto o mundo de reis e guerreiros do tempo de Mice- nas quanto os aspectos da própria época em que foram elaboradas, séculos depois. As cidades citadas por Homero, escavadas pela Arqueologia, existiram realmente, mas os detalhes narrados são invenções poéticas. (...) Os gregos, durante muitos séculos, gostaram de poesias, em forma de cânticos, dedicadas a temas míticos. Por serem cantadas, podiam ser memorizadas mais facilmente e eram transmitidas por muitas gerações. Além disso, os gregos costumavam acompanhar suas declamações com instrumentos musicais de corda, o que facilitava ainda mais a memorização. (FUNARI, 2002, p.15-16) Estes temas se tornaram tão populares que em algum momento já ouvi- mos falar sobre a guerra entre gregos e troianos e sobre a lenda de Aquiles, o melhor guerreiro grego que lutou “com o valente troiano chamado Heitor”. O poema homérico “A Ilíada” descreve a luta entre Aquiles e Heitor. Funari des- taca que para capturar Tróia, “os gregos tiveram que recorrer a uma artimanha elaborada por Odisseu: um enorme cavalo de madeira, dado como ‘presente’ aos troianos”. Escondidos dentro do cavalo estavam muitos guerreiros gregos, “enquanto os helênicos (como também eram chamados os gregos) restantes aguardavam em uma ilha vizinha”. Após o cair da noite, os guerreiros saíram do cavalo e abriram as portas das muralhas da cidade, deixando entrar os outros gregos. Os homens troianos foram mortos e as mulheres e crianças foram feitas prisioneiras. Segundo Funari, “tantas aventuras assim descritas têm desperta- do encanto em diversas gerações. Mesmo que a tradução dê apenas uma pálida ideia da beleza dos poemas no original, ainda hoje essas obras são atraentes”. (FUNARI, 2002, p.16) O outro poema épico grego é a Odisséia, que narra as aventuras de Odisseu durante sua volta à Tróia. Todos que o acompanhavam desapareceram e, tendo vivenciado grandes desafios e muitas aventuras, Odisseu foi o único a se salvar, “boiando em um pedaço do mastro, enquanto ondas o levaram para a terra”. O herói grego chegou finalmente à ilha chamada Ítaca, após dez anos de aventu- ras. Funari cita o episódio do canto das sereias, como um dos mais interessan- tes contidos na Odisséia: 18 • capítulo 1 Segundo os gregos, as sereias eram peixes com cabeça de mulher que habitavam uma ilha deserta e atraíam os marinheiros para a morte com seu canto irresistível. Odisseu, passando perto dessa ilha, fez com que seus marinheiros tapassem seus ouvidos com cera, para evitar ser atraído e mandou que o amarrassem no mastro do navio, com os ouvidos destapados, sendo, portanto, o único homem a ter ouvido o canto das sereias e ter sobrevivido, pois, por mais que o canto delas o enfeitiçasse, ele não foi até elas. (FUNARI, 2002, p.17) É importante ressaltar que os poemas homéricos atravessaram os sécu- los e chegaram até a contemporaneidade mantendo sua centralidade para o conhecimento da história grega. Em boa parte do mundo ocidental, a Ilíada e a Odisséia fazem parte do conteúdo ensinado nas escolas, desde o Ensino Fundamental. Além disso, o cinema já produziu filmes grandiosos sobre os gregos, inspirados nos poemas de Homero. Em seus poemas, a vida era organizada em torno do oikós, palavra cuja tradução significa “casa”. Segundo Beltrão e Davidson, a casa dos relatos ho- méricos não era a mesma coisa do que uma “casa” brasileira da atualidade. A noção de casa era muito mais ampla e envolvia a concepção de “uma unidade econômica, uma unidade de consumo e de produção, que era o centro da vida de uma família e de seus escravos”. O chefe do oikós era chamado de basileu, entretanto, essa figura que assumia a chefia do oikós não se portava mais como os antigos soberanos micênicos. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.76) 1.7 O período Arcaico (VIII a. C - VI a.C): formação da cidade-Estado As cidades-Estados gregas surgiram no período denominado Arcaico, marcado pelo fim da burocracia palaciana de Micenas (estrutura administrativa e polí- tica dos palácios micênicos) e pelo fim do militarismo. Somente os aristocra- tas, chefes dos oikós, passaram a ter o direito de portar armas e combater. As partes que formavam o território grego passaram por transformações que as impactaram com intensidade diferenciada. Algumas regiões ficaram estagna- das, enquanto outras, como a região da Ática se desenvolveram econômica e politicamente, alcançando grande destaque. capítulo 1 • 19 Beltrão e Davidson afirmam que “pólis é um termo de raiz indo-europeia, encontrado em outras línguas com a mesma origem, sempre com o sentido de uma colina fortificada, uma cidadela”. Contudo, somente no período arcaico que o significado de pólis vai se transformar em cidade. Desde o auge da civili- zação micênica até o aparecimento dos oikós o significado da palavra pólis foi se construindo como sinônimo de cidade. Sua principal característica era sua forma de governo “colegiada” e não mais monárquica. O rei não teria mais o mesmo poder de antes, exercendo muitas vezes uma função somente religiosa. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.86-87) A autoridade real passa a ser exercida por um conselho composto somente pelos membros da aristocracia militar, chefes dos gene (grande conjunto de famílias). O território da cidade era dividido entres esses chefes, cada aldeia passou a ser denominada demos. Os aristocratas apropriaram-se do controle das pólis e se incumbiram da administração da justiça que faziam em nome de um direito tradicional. Essa configuração política deu origem ao regime aristocrático, um tipo de governo composto por três instâncias decisórias: os magistrados, o conselho e a assembléia. Nas mãos da aristocracia estava “o exercício das magistraturas e a composição do conselho, órgão que, no início, concentrava todas as deci- sões importantes”: Na assembléia (ecclesia), tinham assento todos os homens livres adultos, como os demiourgoi, que prestavam serviços à comunidade; os georgoi, ou seja, os pequenos proprietários de terras e os thetes, pessoas livres sem qualquer posse ou qualificação profissional (...). Fisicamente falando, uma pólis é um pequeno agrupamento humano soberano que compreende uma cidade e o campo ao redor e, eventualmente, alguns povoados urbanos secundários. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.88) Uma pólis era formada pelo demos (povo), aqui compreendido como um conjunto de indivíduos que partilhavam dos mesmos costumes fundamentais e que aglutinavam-se por um culto comum direcionado às mesmas divindades protetoras. A pólis podia ser formada por várias tribos cuja divisão se dava em diversas fratrias e estas em gene. Os que não assinalavam participação a ne- nhum destes grupos eram intitulados de estrangeiros (xenoi) e estavam ausen- tes de direitos e de proteção. 20 • capítulo 1 A ampliação do comércio com o Oriente contribuiu para fortalecer a aris- tocracia, pois era o único grupo com excedentes para realizar as trocas econô- micas.Iam aos lugares mais distantes e, em suas expedições, traziam objetos raros e muito valiosos, reforçando seu poder econômico e político. Estas trocas influenciaram no surgimento e consolidação de um novo grupo de homens que eram diferentes à cidade, ou saídos da velha aristocracia, que possuíam rendi- mentos provenientes diretamente do comércio. Esse grupo fazia sua riqueza no acúmulo de moedas, dado que se insere no contexto histórico do século VII a.C. A difusão do uso da moeda impactou o mundo grego em dois sentidos: co- mercialmente, para facilitar as trocas e politicamente, já que as cidades-Esta- dos cunhavam suas próprias moedas. A terra se tornou um bem ainda mais im- portante, concentrado nas mãos de quem detinha poder, a aristocracia. Com o crescimento demográfico surgiu a crise agrária, que deixou os camponeses em uma situação miserável. Aqueles que não faziam parte da aristocracia busca- vam novas terras para se instalar, na tentativa de sobreviver. O processo de con- centração de terras entre os mais ricos não foi pacífico, mas ocorreu em meio a uma série de conflitos entre aristocratas e camponeses. Para manter a ordem, a antiga cavalaria aristocrática foi substituída por uma infantaria formada pelos hoplitas, nome derivado de hoplon: um escudo utilizado pelos guerreiros. Segundo Beltrão e Davidson: (...) tudo concorre para abalar o poder da aristocracia dos gene, e a segunda metade do século VI a.C. são anos muito turbulentos na história do mundo grego. A crise não é igual em todo o lado. Mas, pouco a pouco, assiste-se por toda a parte a um fenômeno duplo: 1. a redação das leis – a substituição de um direito consuetudinário, do qual apenas a aristocracia era conhecedora, por uma lei escrita, isto é, que podia ser conhecida por todos; 2. o alargamento do corpo cívico – os hoplitas formando, de agora em diante, ao lado do conselho aristocrático, a assembléia que nem sempre era dotada do poder soberano, mas representava o povo em face da aristocracia. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.91-93) Em Atenas, as leis eram criadas pelos homens mais importantes, os chama- dos tiranos (ou "senhores", em grego) e representavam o único meio de limitar o poder da aristocracia. Entre os séculos VII e VI houve vários tiranos que foram responsáveis por leis que resultaram na ampliação dos direitos políticos dos capítulo 1 • 21 cidadãos. Para Funari, estas transformações “que tendiam para a democracia (governo do povo) ocorreram principalmente nas cidades marítimas e mais vol- tadas para o comércio”. Entretanto, em razão da distância entre as pólis, em algumas regiões se manteve o regime aristocrático (governo dos melhores, os nobres) ao invés da tirania. (FUNARI, 2002, p.18-19) A civilização grega foi formada por povos indo-europeus que se estabelece- ram na Península Balcânica mais ou menos em 2000 a.C. Do período homérico ao período arcaico, uma série de mudanças levaram ao aparecimento das pólis: um tipo de organização social e política que se espalhou pela Grécia a partir do século VIII a.C. Mas as cidades-Estados apresentavam algumas diferenças quanto às suas características sociais e políticas. Os aspectos geográficos in- fluenciaram o desenvolvimento de atividades comerciais específicas a cada cidade-Estado. A hierarquização social decorrente da acumulação de terras e, posterior- mente, de dinheiro (através da difusão da moeda) gerou diferentes grupos de poder e diversos tipos de governo, como a tirania e a democracia. No próximo capítulo, iremos conhecer quais os tipos de governo e como se organizava a so- ciedade das cidades-Estados de Atenas e Esparta, as mais importantes do mun- do grego. ATIVIDADES 01. “A escrita cretense, hieroglífica, compunha-se de sinais que marcavam sílabas, mas a língua usada pelos cretenses ainda não foi decifrada pelos pesquisadores até hoje [...]. Sa- be-se que a principal cidade de Creta, Cnossos, era um centro administrativo monumental. [...] Em meados do segundo milênio, Creta conheceu o apogeu da chamada Talassocrassia minoense [...]”. (FUNARI, 2002. p.14) Podemos afirmar que Talassocrassia refere-se: a) a um tipo de governo em que o rei sustentava-se no trono pelo apoio recebido dos camponeses. b) à forma de governo que os dórios implantaram sobre a Grécia ao fundarem a monar- quia Micênica. c) a uma forma de governo monárquico em que o poder baseava-se no domínio exercido sobre o mar. 22 • capítulo 1 d) a uma forma de governo democrático no qual o poder da aristocracia buscava o apoio da população livre. e) a um período da história grega no qual o poder político foi exercido por líderes tiranos e contido pelas reformas. 02. (ENADE História, 2011) Ao estudar o período Homérico, a partir dos poemas de Home- ro, a Ilíada e a Odisséia, Moses Israel Finley alinhavou um conjunto de categorias e conceitos para a reflexão histórica da sociedade grega à época. No texto abaixo, do seu livro Mundo de Ulisses, publicado, pela primeira vez, em 1954, o autor define o conceito de oikós como unidade política, cultural e socioeconômica do período. “A casa patriarcal, o oikós, era o centro à volta do qual a vida se organizava e de onde provinham não somente a satisfação das necessidades materiais, incluindo a segurança, mas também as normas e os valores éticos, as ocupações, as obrigações e as responsabilidades, os vínculos sociais e as relações com os deuses. O oikós não era simplesmente a família; compreendia todas as pessoas da casa com seus haveres; daí resulta que a “economia” (da forma latinizada, oecus), a arte de administrar um oikós, significava explorar um domínio, e não conseguir manter a paz na família”. (FINLEY, M. I. O mundo de Ulisses. 3 ed. Lisboa: Editorial Presença, 1988, p. 55.) © W IK IM E D IA .O R G © W IK IM E D IA .O R G Ulisses y Penélope (Museu do Louvre), terracota procedente de Milo (450 a.C.). Penépole e os pretendentes, de John William Waterhouse, de 1912. Acima, destacam-se duas ilustrações que representam Penépole no exercício de um dos seus ofícios. Nelas, podem ser identificados alguns dos elementos constitutivos do oikós e apontados outros a partir das investigações e reflexões históricas de Moses Israel Finley. Nessa perspectiva, analise as afirmações a seguir. capítulo 1 • 23 I. Os thes eram trabalhadores especializados que realizavam serviços para o oikós, como carpinteiros, ourives, aedos, oleiros, sendo pagos normalmente pelas tarefas realizadas. II. Os demiurgos eram trabalhadores sem especialização e sem vínculo com o oikós, viven- do da vontade alheia para arranjar algum serviço em troca de comida, vestimenta e dormida. III. O chefe do oikós se voltava para as atividades políticas e guerreiras e a sua esposa se voltava para os afazeres domésticos e a administração da casa. IV. O celeiro era uma dependência do oikós, onde eram guardados todos os bens da família, configurando-se um processo de entesouramento. V. O sistema de dom e contra dom ou dádiva e contra dádiva configurava um sistema de trocas mercantis entre os oikós e os comerciantes estrangeiros (os bárbaros). VI. Os saques e pilhagens eram expedientes utilizados pelos chefes dos oikós para obten- ção daquilo que não podiam produzir ou obter para suas casas. Apresenta características do oikós, no período Homérico, apenas o afirmado em: a) I, II e V. b) III, IV e VI. c) I, II, III e IV. d) I, III, V e VI. e) II, IV, V e VI. REFLEXÃO Neste capítulo, abordou-se aspectos importantes que fomentaram estudos diversificados sobre a Antiguidade no Ocidente. Iniciou-se esta abordagem pelo conceito de Antiguidade Ocidental, e explicou-se como ele está marcado pela sociedade grega e romana, cuja exis- tência se deu dentro do espaço de tempo que abarcou os séculos XV a.C e V d.C. No prosseguimento da análise, chamou-se a atenção para o caráter múltiplo que a base de vestígios que constituemo conjunto de fontes utilizadas para o estudo da sociedade an- tiga, está caracterizada. Por este prisma, incluem-se artefatos arqueológicos, monumentos e textos de diversos matizes, sobretudo os poemas de Homero, a Ilíada e Odisseia. As características que a geografia da Península Balcânica apresentava na Antiguidade, somado ao caráter multiétnico dos povos que a ocuparam, contribuíram para a formação his- tórica das diferentes regiões da Grécia. Desta forma, procurou-se apresentar aquilo que se conhece como Grécia Continental, entendida fundamentalmente pelo território da Península Balcânica; a Grécia Peninsular, entendida como espaço da região do Peloponeso; a Grécia Insular, compreendida pelas ilhas que compõem o mar Egeu; e a Grécia Oriental ou Asiática, referida pelas colônias gregas formadas na região da Anatólia. 24 • capítulo 1 Foi igualmente importante estudar sobre a invasão dos dórios, que culminou na desa- gregação da civilização micênica, fazendo a vida social e econômica grega girar em tono do oikós aristocrático, período reconhecido como Homérico. Por outro lado, a partir do século VIII a.C., demonstrou-se o florescimento da cidade-Estado grega, a pólis. Neste período, inti- tulado de Arcaico, desenvolveu-se o comércio, formaram-se colônias, surgiram as tiranias e as reformas, como as de Sólon. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELTRÃO, Claudia; DAVIDSON, Jorge. História antiga. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2010. Volume 2. CARDOSO, Ciro Flamarion. A Cidade-Estado Antiga. São Paulo: Ática, 1985 (col. Princípios nº 39). FINLEY, Moses I. A economia antiga. Porto: Afrontamento, 1980. FUNARI, P. P. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2001. As cidades-estados gregas 2 26 • capítulo 2 2. As cidades-estados gregas O presente capítulo aborda a estrutura social, política e econômica das cidades -Estados entre os anos 500 e 400 a.C., com destaque para os diversos tipos de governo existentes. Atenas e Esparta constituem, por seu papel central na eco- nomia e política da Grécia Antiga, parte importante deste capítulo, por isso, as características gerais e particulares destas duas cidades-Estados gregas foram enfatizadas. OBJETIVOS • Apresentar as características principais do sistema políade grego; • Compreender as peculiaridades que diferenciavam os distintos modelos políticos gregos, a democracia, a demagogia, a aristocracia, a oligarquia, a monarquia e a tirania; • Identificar as especificidades presentes na organização política das duas principais poleis gregas, Atenas e Esparta; • Abordar os elementos que opunham Atenas e Esparta, gerando conflitos entre estas duas cidades-Estados; • Indicar os distintos grupos que participaram da ocupação inicial da Península Balcânica e as respectivas fases que estes processos geraram; • Explicitar a relação entre os gregos e os outros povos, marcadas por disputas de territórios; • Compreender a relação entre o conflito do Peloponeso e a desintegração do mundo po- líade grego. 2.1 A formação do mundo políade - Período clássico (V - IV a.C) Segundo Ciro Flamarion Cardoso, “a cidade-estado antiga é uma dessas noções que, uma vez assimiladas, são entendidas e aplicadas sem dificuldade, mas que são difíceis de definir em poucas palavras de maneira adequada e convincen- te”. Um ateniense, por exemplo, pertencia sucessivamente a uma família exten- sa (genos), a uma fratria, a uma tribo e por fim à cidade-Estado; e um romano, analogamente, pertencia a uma família extensa (gens), a uma cúria, a uma tribo e à cidade-Estado. (CARDOSO, 1985) Segundo Cardoso, o estado ateniense polarizava-se entre os cidadãos e os não cidadãos. Compondo o primeiro grupo, estava a aristocracia ateniense e o capítulo 2 • 27 segundo, mais heterogêneo, certas categorias que não usufruíam do título de cidadãos, como os metecos - estrangeiros residentes. O autor destaca algumas características comuns desta cidade-Estado: • A tripartição do governo em uma ou mais assembleias, um ou mais con- selhos, e certo número de magistrados escolhidos - quase sempre anualmente – entre os homens elegíveis; • A participação direta dos cidadãos no processo político: a noção de cidade -estado implica a existência de decisões coletivas, votadas depois de discussão (nos conselhos e/ou nas assembleias), que eram obrigatórias para toda a comu- nidade, o que quer dizer que os cidadãos com plenos direitos eram soberanos; • A inexistência de uma separação absoluta entre órgãos de governo e de justiça, e o fato de que a religião e os sacerdócios integravam o aparelho de Estado. (CARDOSO, 1985, p.7). Sobre a organização política, ainda que existisse a divisão em três instân- cias, assembleia(s), conselho(s) e magistraturas, havia também vários nomes e diferentes formas de composição ou escolha dos membros que participavam desses grupos de decisão. Cardoso afirma que as diferentes cidades-Estados apresentavam particularidades relacionadas às formas de participação polí- tica. As distinções ligadas à participação na vida da pólis não eram somente econômicas, mas também jurídicas: nascidos livres, escravos, libertos, estran- geiros, cidadãos, são algumas das categorias da época. (CARDOSO, 1985, p.8) Segundo Funari, os historiadores concordam que existiam diversas classes sociais e os conflitos não aconteciam apenas entre senhores e escravos, mas também, como em Atenas, entre a aristocracia dona de terras e os camponeses: (...) os camponeses sempre estavam às voltas com dívidas e podiam sofrer com as guerras, por terem suas terras invadidas, enquanto os grandes proprietários podiam lucrar tanto com o endividamento camponês, como com os saques e conquistas militares. Ou seja, no interior do mesmo corpo de cidadãos havia conflitos de classes, lutas de interesses entre os "muitos" (plethos), os camponeses e artesãos e os "pou- cos", os aristocratas. (FUNARI, 2002, p.47) Participar da vida pública da cidade-Estado não era tão simples; ser cida- dão implicava em cumprir uma série de pré-requisitos. A participação em 28 • capítulo 2 assembleias e no exército também dependia do lugar ocupado pelo indivíduo naquela sociedade. Os camponeses se tornavam soldados no verão; mulheres e crianças estavam excluídas da vida pública. Assim como os estrangeiros que moravam na cidade e os escravos. (FUNARI, 2002, p.49) 2.2 A diversidade de modelos políticos: democracia, demagogia, aristocracia, oligarquia, monarquia e tirania De acordo com Pedro Paulo Funari, na Grécia antiga as formas de governo ou os regimes políticos dependiam das tradições de cada cidade-Estado, o que é cha- mado de pátrios politeia - "tradições ancestrais". Os principais tipos de governo foram a democracia, demagogia, aristocracia, oligarquia, monarquia e tirania. Filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles, estabeleceram diversas reflexões sobre a política grega, definindo as formas de governo e estabelecendo suas características. Aristóteles, por exemplo, afirmava que “a tirania é o governo de um só homem em benefício do governante, a oligarquia em benefício do rico, a democracia em benefício do pobre” (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.129). O termo democracia é um conceito surgido na Grécia Antiga. Democracia, em grego, quer dizer "poder do povo", à diferença de "poder de um", a monarquia, ou o "poder de poucos", a oligarquia ou aristocracia. No período arcaico predominou a monarquia como principal forma de go- verno. Os reis monopolizavam o poder e o exerciam em benefício próprio. Com o surgimento das pólis, a estrutura política passou por uma série de transfor- mações que desestabilizaram a monarquia. A noção de comunidade cívica e de cidadania ultrapassou os limites da aristocracia e alcançou uma parte maior da população grega. Mesmo em Esparta, com um governo oligárquico, houve a ampliação do corpo social, principalmente ao fim do Período Homérico e início doPeríodo Clássico. A participação nas decisões da pólis, mesmo consideran- do as diferenças entre os governos de Esparta e Atenas, criou novos paradigmas pautados pela ideia de cidadania. À medida que se desenvolvia a experiência da pólis, “seja oligárquica, seja democrática”, uma nova forma de política redefi- niu os sistemas de governo gregos. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.129) Abaixo, temos as definições dos tipos de governo existentes na Grécia antiga: • Democracia: segundo a teoria aristotélica, a Democracia era o governo do povo, de todos os cidadãos, ou seja, de todos aqueles que gozam dos direitos de cidadania. (BOBBIO et al, 1998, p.319); capítulo 2 • 29 • Demagogia: não é propriamente uma forma de governo e não constitui um regime político, é, porém, uma prática política que se apóia na base das massas, estimulando suas aspirações irracionais e elementares, desviando-a da sua real e consciente participação ativa na vida política. (BOBBIO et al, 1998, p.318); • Aristocracia: governo dos melhores, aquela em que o poder (krátos = domí- nio, comando) está nas mãos dos áristoi, os melhores. (BOBBIO et al, 1998, p.57); • Oligarquia: significa etimologicamente "governo de poucos", mas, nos clássicos do pensamento político grego que transmitiram o termo à filosofia po- lítica subsequente, a mesma palavra tem muitas vezes o significado mais espe- cífico e eticamente negativo de "Governo dos ricos", para o qual se usa hoje um termo de origem igualmente grega, "plutocracia". (BOBBIO et al, 1998, p.835); • Monarquia: sistema de dirigir a res publica (a coisa pública) que se cen- traliza estavelmente numa só pessoa investida de poderes especialíssimos, exatamente monárquicos, que a colocam claramente acima de todo o conjunto dos governados. Fundado em bases hereditárias e dotado de atribuições que a tradição define com o termo de soberania. (BOBBIO et al, 1998, p.776); • Tirania: o tirano era um chefe de uma facção política, que impunha com a força o próprio poder a todos os outros partidos. Os tiranos exerciam um co- mando arbitrário e ilimitado, recorrendo amplamente a instrumentos coerci- tivos. O governo dos tiranos não tinha legitimidade, sendo utilizado na Grécia antiga somente em casos extremos. (BOBBIO et al, 1998, p.371). 2.3 Atenas x Esparta: Estudos de caso Segundo Funari, “a cidade de Esparta localizava-se na região da Lacônia, a su- deste da península do Peloponeso, cortada pelo rio Eurotas, num vale cerca- do por altas montanhas de difícil transposição”. Os depósitos de minerais da área se tornaram uma importante fonte de recursos, como também as terras férteis para o plantio de cereais, oliveiras e vinhas, além de boas pastagens. De- vido à geografia da região, Esparta não tinha no comércio sua principal ativida- de econômica. Esparta foi fundada pelos dórios no século IX a.C. e dominaram outras regiões próximas. Os dórios transformavam seus conquistados em servos, os hilotas (aprisionados em grego). Os espartanos tinham suas terras cultivadas pelos hilotas, que eram obrigados a dar uma porcentagem do que colhiam aos donos da terra. Sem direitos e subjugados, viviam para servir, diferente dos 30 • capítulo 2 espartanos, os “iguais”, que eram proibidos de trabalhar e dedicavam-se aos assuntos da cidade. Os hilotas se revoltavam constantemente contra essa situa- ção, o que gerava muitas batalhas entre hilotas e espartanos. (FUNARI, 2002, p.27-28) Ao final do século VII a.C., devido às guerras de conquista, Esparta domina- va um terço do Peloponeso, o que se modificou no decorrer do século VI a.C., devido às ameaças de invasão. Desta forma, a cidade se fechou às influências estrangeiras, às artes, às novidades e às transformações e, conforme afirma Funari, adotou “costumes rígidos e uma disciplina atroz a fim de manter intac- ta a ordem estabelecida”. Esparta era governada por um grupo pequeno de dirigentes, que compu- nham a Gerúsia (conselho e tribunal supremos, "Senado"). A Gerúsia (cuja tradução é "conjunto de velhos") era formada por dois reis, descendentes das duas famílias mais poderosas da cidade. Além dos reis, a Gerúsia contava com 28 anciãos (os senadores ou gerontes), cuja escolha se dava entre os nobres de nascimento com mais de sessenta anos. Os cinco éforos (uma espécie de prefeito), que também compunham a Gerúsia eram escolhidos pelos senado- res. Entretanto, as decisões eram manipuladas a fim de favorecer a um peque- no grupo de cidadãos que, com seu poder e influência, fazia prevalecer seus interesses. Os homens eram chamados de esparciatas e se dedicavam sazonalmente à guerra: Os meninos espartanos tinham uma educação militar rígida. Nada mais sisudo do que o modo de vida de Esparta. Nesta sociedade de ferro, desde a mais tenra infância, os garotos eram criados como futuros guerreiros, submetidos a condições muito duras, tanto para seu corpo como para seu espírito, de maneira a se tornarem pessoas extre- mamente resistentes e, por isso, se usa, até hoje, o adjetivo "espartano" para designar a sobriedade, o rigor e a severidade. Ficavam todo o tempo treinando para a guerra. Para aprenderem a suportar a dor, os meninos eram chicoteados até sangrarem e eram ensi- nados a serem cruéis, desde garotos, caçando e matando hilotas. (FUNARI, 2002, p.30) A sociedade espartana era rígida, pois o objetivo era transformar os meni- nos em guerreiros. Eram os anciões que avaliavam a criança ao nascer e eram capítulo 2 • 31 muito respeitados, os mais jovens deviam obedecê-los sem reclamar. Se o me- nino fosse saudável mantinha-se vivo, caso contrário era jogado de um desfila- deiro. Aos sete anos, deixavam suas mães para viverem em grupo e iniciar sua formação militar. Ler e escrever não eram prioridade, pois deviam se tornar soldados disciplinados e cidadãos submissos, focando-se no aprendizado mi- litar. O homem espartano se casava aos trinta anos, quando passava a ter cer- ta autonomia. Mas só aos sessenta anos podia ser liberado de suas obrigações militares. Atenas, uma das mais importantes cidades-Estados gregas, era comple- tamente diferente de Esparta. Situada na Ática, a sudeste da península grega central, tinha solo árido e não produzia o suficiente para alimentar sua popula- ção. Contudo, nas colinas plantavam-se oliveiras e uvas e, desde o século VIII, o azeite e o vinho foram produtos importantes para a economia ateniense. A mineração de prata e o comércio marítimo também eram fundamentais para a economia de Atenas. O território ateniense era imenso, pois Atenas conseguiu incorporar toda a península da Ática no século VIII a.C. Atenas foi governada pela aristocracia, do século IX ao VI, grupo social que detinha a maior parte das terras e eram denominados eupátridas ("bem nasci- dos") ou nobres. Já os pobres, pequenos camponeses e artesãos viviam na mi- séria e endividados; vulneráveis socialmente, muitos se tornavam escravos por dívida. O comércio com o Oriente e uma diversidade de povos fez surgir outro grupo social, o dos comerciantes, que ganharam grande poder econômico. Aos poucos, os comerciantes começaram a exigir direitos políticos aos aris- tocratas. Os conflitos foram solucionados através do “Código de Drácon”, que segundo Funari teria sido feito por volta de 620 a.C. Outro legislador impor- tante de Atenas foi Sólon (594 a.C), um arconte ateniense responsável pelo de- senvolvimento econômico da indústria e do comércio. Sólon cancelou dívidas dos cidadãos pobres e acabou com o sistema de escravidão por dívidas. A as- sembleia popular dos cidadãos (Eclésia) ampliou seu poder de decisão, pois to- dos os cidadãos passaram a ter direito de participar da Eclésia. (FUNARI, 2002, p.32-33) Além das medidas anteriores, Sólon criou outro conselho, a Bulé, um tipo de tribunal popular, que iria contribuir para o desenvolvimento da democra- cia ateniense. É importante lembrar que o regime aristocráticonão se rompeu de repente em Atenas, já que até o estabelecimento do regime democrático, os 32 • capítulo 2 atenienses passaram por várias mudanças políticas. A busca pela democracia envolveu o confronto direto com os aristocratas, que não aceitavam tais mu- danças. Foi o poder dos comerciantes que permitiu o enfraquecimento polí- tico dos grandes proprietários rurais. Até mesmo os camponeses ampliaram sua participação social, em um período de transformação econômica, devido às atividades comerciais e, também, de transformação social. Entretanto, a distribuição da justiça ainda estava nas mãos da aristocracia, única que podia administrar a justiça. Na prática, os aristocratas faziam de tudo para impedir a realização das assembléias, como a Eclésia e a Bulé. Na Ágora, uma espécie de praça pública onde aconteciam as assembléias, o povo passou a apoiar os melhores oradores que criticavam o regime aristocrático. Logo, estes acabaram se tornando governantes e iniciando o governo dos tiranos. Funari afirma que as tiranias “constituíram a transição crucial para a pólis clássica”. Os tiranos eram pessoas que haviam acumulado riquezas a partir do comércio marítimo no Mediterrâneo e lutaram por maior participação política. Um exemplo de tirano ateniense foi Pisístrato (560 e 527 a.C.), um aristocra- ta que enfrentou a oligarquia dominante e que detinha grande apoio do povo. Ele governou de modo absoluto e foi sucedido por seus dois filhos; a cidade de Atenas se desenvolveu cultural e economicamente: foi encomendada a transcri- ção das obras Ilíada e Odisséia, confiscadas as grandes propriedades dos oligar- cas e distribuídas terras aos pequenos proprietários. (FINLEY,1988, p.37-39). As medidas tomadas por Sólon e Pisístrato não foram suficientes para acabar com o poder dos aristocratas, que ainda controlavam parte da política ateniense. Surgiu, então, Clístenes, político de uma família importante, que buscou tirar os privilégios políticos da aristocracia ao mudar o sistema no qual votavam e o modelo de representação política. A bulé “passou a ter quinhentos membros, escolhidos por sorteio, o campo foi dividido em tritias (três por tri- bo)”, o que possibilitou a qualquer cidadão se alistar em um demos e votar na assembléia. O ostracismo também foi criado por Clístenes e, de acordo com ele, os atenienses puderam votar o exílio de indivíduos por um período de dez anos, “caso sua presença fosse considerada uma ameaça à liberdade dos cida- dãos”. (FUNARI, 2001, p.34) A democracia ateniense era direta: todos os cidadãos podiam participar da assembleia do povo (Eclésia), que tomava as decisões relativas aos assuntos po- líticos, em praça pública. Contudo, alerta Funari: capítulo 2 • 33 (...) é bom deixar bem claro que o regime democrático ateniense tinha os seus limites. Em Atenas, eram considerados cidadãos apenas os homens adultos (com mais de 18 anos de idade) nascidos de pai e mãe atenienses. Apenas pessoas com esses atributos podiam participar do governo democrático ateniense, o regime político do "povo soberano". Os cidadãos tinham três direitos essenciais: liberdade individual, igualdade com relação aos outros cidadãos perante a lei e direito a falar na assembleia. (FUNARI, 2001, p.35) Em Atenas eram os líderes os responsáveis por conduzirem as reuniões. Ainda assim, as decisões eram tomadas pelo conjunto de cidadãos. Depois de uma de- cisão aprovada, não cabia apelação. Era a Bulé ou Senado, que analisava tais de- cisões, para evitar qualquer tipo de fraude. Para compor a Bulé, eram sorteados quinhentos cidadãos, homens, com no mínimo trinta anos de idade. Funari afir- ma que “em Atenas, o nome Bulé remete à troca de ideias”. (2002, p.35-36) 2.4 A economia no mundo grego No período arcaico, a economia era agrícola e pastoril. As terras e os rebanhos pertenciam a grandes proprietários. Essa nobreza ou aristocracia da terra foi quem conquistou poder econômico e político. Segundo Funari, “formavam um conselho soberano e administravam a justiça em nome de um direito tradicio- nal pautado por regras mantidas em segredo”. A agricultura era de base fami- liar, com divisões de tarefas entre homens e mulheres. (FUNARI, 2002, p.25) As trocas tiveram seu início no período homérico, no qual pastores trocavam a lã e o leite de seus gados por produtos que não possuíam. O comércio marí- timo se desenvolveu, principalmente, para obtenção de produtos alimentícios que os gregos não conseguiam produzir. Azeite, vinho, tecidos, armas de bron- ze, joias e a cerâmica eram os principais produtos de exportação. A busca por novas terras, através da colonização, contribuiu para o fortalecimento da ativi- dade comercial, que teve na cunhagem de moedas seu impulso fundamental. As ligações comerciais entre regiões distantes, resultado do processo de colonização, aumentou o número de cidades e muitas delas exerciam grande influência em lugares bem distantes da Grécia. A cerâmica grega alcançou um nível primoroso de produção, tornando-se extremamente importante para o comércio. Os vasos de Corinto e de Atenas, que se tornaram produtos de expor- tação, reforçaram a centralidade do comércio marítimo, que colocou os comer- ciantes na condição de um grupo poderoso, dono de riquezas e poder. 34 • capítulo 2 2.4.1 Os conflitos internos e externos Sabemos que, até aqui, existiram uma diversidade de conflitos internos e exter- nos, revoltas e guerras: entre gregos e persas, entre a aristocracia e os campo- neses, entre hilotas e espartanos. Esparta, por exemplo, enfrentou uma revolta dos hilotas no século VII a.C., na Messênia, que durou vários anos. Dentre as guerras mais grandiosas, narradas pelo historiador grego Heródoto (500 a.C), estão as Guerras Médicas e a Guerra do Peloponeso. No início do século V a.C., devido ao avanço da dominação persa sobre as cidades jônicas (colônias gregas na região da atual Turquia), o comércio grego na região foi prejudicado, o que levou à guerra. A Primeira Guerra Médica ocor- reu em 490 a.C. e a Segunda Guerra Médica, entre 480 e 479 a.C. As conquistas do rei Ciro, que iam do Irã até a Ásia Menor, desencadearam a primeira Guerra Médica. O filho de Ciro, Cambises, além de consolidar as conquistas de seu pai, estendeu o domínio persa até o Egito. As cidades helênicas de Mileto e Éfeso, localizadas na região da Ásia Menor, se viram ameaçadas pelo Império Persa e pediram ajuda a Atenas. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.109) Atenas organi- zou, então, a “Liga de Delos”: união de várias cidades-Estados e que era liderada por Atenas. A conhecida Baralha de Maratona, ocorrida entre os soldados do rei persa Dario e os hoplitas atenienses, foi um dos confrontos no qual os gregos triunfaram, obrigando Dario a recuar. Contudo, em 480 a.C., Xerxes (filho de Dario) atacou novamente a região da Ásia Menor, dando origem à Segunda Guerra Médica. Desta vez, formou-se outra coalizão, liderada por Esparta, conhecida como a Liga do Peloponeso. Foi nessa fase da guerra que aconteceu a mais famosa das batalhas narradas por Heródoto: a “Batalha das Termópilas”: (...) O rei Leônidas, que organizou a barreira aos persas no desfiladeiro das Termópilas, não conseguiu impedir o avanço persa, mas conseguiu tempo suficiente para Atenas organizar, com o general Temístocles, uma estratégia para a defesa da Hélade. O confronto final foi em Salamina, em uma batalha vencida pelos gregos. Outro docu- mento textual sobre as Guerras Médicas, rico de significados, é a tragédia Os persas, de Ésquilo, que conta o triunfo de Atenas sobre os persas de Xerxes. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.110) capítulo 2 • 35 Foi na Batalha de Termópilas que os persas venceram os espartanos. Apesar da derrota, o exército de Leônidas conseguiu tempo suficiente para que a reação grega fosse organizada pelo arconte Temístocles. As Guerras Médicas levaram a união das poleis para manutençãode sua liberdade e eliminação da ameaça persa. Além disso, a cidade de Atenas se aproveitou de sua liderança na Liga de Delos para dominar as principais rotas comerciais do Mar Egeu, que envolviam a distribuição de produtos fundamentais para a alimentação dos gregos, como azeite, trigo e vinho. Atenas passou a cobrar tributos cada vez mais altos, causando conflitos in- ternos na Liga de Delos, como também a oposição das pólis gregas que esta- vam sob a liderança de Esparta. O confronto entre a Liga de Delos e a Liga do Peloponeso resultou na “Guerra do Peloponeso”: luta armada entre Atenas e Esparta, que durou de 431 a.C a 404 a.C. Tucídides e Xenofonte registraram a história dessa guerra, cujo motivo foi o crescimento da supremacia ateniense e o receio dos espartanos diante dessa situação. Contudo, as disputas desgastaram o mundo grego. Economicamente, a Grécia estava fragilizada e, politicamente, fragmentada. Essa condição per- mitiu que Filipe II, rei da Macedônia, conquistasse os territórios gregos du- rante o século IV a.C., período da história grega que ficou conhecido como Período Helenístico. 2.4.2 A desagregação do modelo políade As guerras entre as cidades-Estados gregas resultaram em muitas mortes, gas- tos e destruição, o que contribuiu para as invasões estrangeiras e a ascensão dos macedônios sobre a Grécia. O rei Felipe da Macedônia, e seu filho Alexan- dre, o Grande, dominaram toda a Grécia e ainda venceram os persas, chegando até a Índia. O Império Macedônico ganhou proporções continentais, e Alexan- dre buscou consolidar seu domínio imperial fundando cidades que recebiam seu nome, Alexandria. O Período Helenístico (do século IV ao II a.C.) foi marcado pelo contato en- tre a cultura helênica (grega) e as culturas orientais. É uma fase da história da Grécia que pode ser analisada como “um momento de transição entre o esplen- dor da cultura grega e o desenvolvimento da cultura romana”. Segundo Funari: 36 • capítulo 2 Alguns nomes usados no estudo da História são criados para simplificar, mas podem confundir: Este é o caso do "helenismo". Os gregos chamavam-se de "helenos" e os estudiosos modernos utilizaram o termo "helenístico" para referir-se à civilização que se utilizava do grego como língua oficial, a partir das conquistas de Alexandre, o Gran- de (336 a.C.), até o domínio romano da Grécia, em 146 a.C. Ou seja, é um termo que não se confunde com "helênico", que é o mesmo que "grego". Embora seja aplicado a um período de tempo relativamente curto, este foi marcado por grandes interações culturais. Alexandre conquistou um imenso território: as cidades gregas todas, mas também o Egito, a Palestina, a Mesopotâmia, a Pérsia (Irã), chegando à Índia. (FUNARI, 2002, p.75-76) À morte de Alexandre seguiu-se a desintegração de seu império em três mo- narquias na Macedônia, no Egito e na Síria. Mas as cidades-Estados gregas não tinham mais exército e nem uma política externa independente, embora con- tinuassem a ter suas próprias leis. Mesmo com a dominação pelos romanos, a partir do século II a.C., as pólis mantiveram suas instituições e sua cultura. Para Funari, os reinos helenísticos tinham como característica principal a interação entre os povos, com dezenas de idiomas diferentes, “governados por uma elite de origem macedônica e que tinham na língua grega um elemento oficial e uni- versal”. (FUNARI, 2002, p.76) Neste capítulo, você conheceu um pouco mais sobre a cidade-estado da Grécia antiga, suas principais características e as disputas ocorridas entre Atenas e Esparta, tanto comerciais quanto políticas. Também foi possível com- preender os motivos que levaram ao declínio do sistema das pólis, como as guerras constantes e a dominação dos gregos pelos macedônios. ATIVIDADES 01. (FGV-2002) O período helenístico foi marcado por grandes transformações na civiliza- ção grega. Entre suas características, podemos destacar: a) O desenvolvimento de correntes filosóficas que, diante do esvaziamento das atividades políticas das cidades-Estados, faziam do problema ético o centro de suas preocupações visando, principalmente, o aprimoramento interior do ser humano. b) Um completo afastamento da cultura grega com relação às tradições orientais, decor- rente, sobretudo, das rivalidades com os persas e da postura depreciativa que conside- rava bárbaros todos os povos que não falavam o seu idioma. capítulo 2 • 37 c) A manutenção da autonomia das cidades-Estados, a essa altura articuladas primeiro na Liga de Delos, sob o comando de Atenas e, posteriormente, sob a Liga do Peloponeso, liderada por Esparta. d) A difusão da religião islâmica na região da Macedônia, terra natal de Felipe II, conquista- dor das cidades-Estados gregas. e) O apogeu da cultura helênica representado, principalmente, pelo florescimento da filo- sofia e do teatro e o estabelecimento da democracia ateniense. 02. (UFSCar-2008) “Com efeito, como os atenienses molestavam consideravelmente os peloponésios de um modo geral, e principalmente o território dos lacedemônios [espartanos], estes pensaram que a melhor maneira de afastá-los seria retaliar mandando um exército contra os aliados de Atenas, especialmente porque tais aliados poderiam assegurar o sus- tento do exército e estavam chamando os lacedemônios para vir ajudá-los, criando condições para que eles se revoltassem. Em adição, os lacedemônios estavam contentes por terem um pretexto para mandar os hilotas para longe, a fim de impedi-los de tentar revoltar-se na situação presente. (...) Realmente, por medo de sua juventude e de seu número — na verdade, a maioria das medidas adotadas pelos lacedemônios visava sempre protegê-los contra os hilotas (...)”. (Tucídides. História da Guerra do Peloponeso, século V a.C.) Sobre o momento histórico a que se refere Tucídides, é CORRETO afirmar que: a) os hilotas representavam os soldados de elite do exército ateniense. b) o principal objetivo de Atenas era transformar Esparta em um Estado democrático. c) a preocupação dos lacedemônios era controlar a população de Lacônia e Messênia, que eles escravizaram quando chegaram ao Peloponeso. d) os exércitos atenienses eram compostos essencialmente por hilotas, geralmente agri- cultores que viviam em cidades. e) os lacedemônios tinham por objetivo consolidar a aliança entre as cidades gregas que faziam parte da Liga de Delos. 03. (UNIFESP-2004) “Nunca temi homens que têm no centro de sua cidade um local para reunirem-se e enganarem-se uns aos outros com juramentos. Com estas palavras, Ciro in- sultou todos os gregos, pois eles têm suas ágoras [praças] onde se reúnem para comprar e vender; os persas ignoram completamente o uso de ágoras e não têm lugar algum com essa finalidade”. (Heródoto, Histórias, séc. V a.C.) O texto expressa: a) a inferioridade dos persas que, ao contrário dos gregos, não conheciam ainda a vida em cidades. 38 • capítulo 2 b) a desigualdade entre gregos e persas, apesar dos mesmos usos que ambos faziam do espaço urbano. c) o caráter grego, fundamentado no uso específico do espaço cívico, construído em opo- sição aos outros. d) a incapacidade do autor olhar com objetividade os persas e descrever seus costumes diferentes. e) a complacência dos persas para com os gregos, decorrente da superioridade de seu poderio econômico e militar. REFLEXÃO Demonstrou-se na abordagem deste capítulo, por um lado, as características gerais das cida- des-Estados gregas e por outro, alguns dados importantes e específicos sobre esta questão. Por este intuito, buscou-se apresentar como a organização política deste sistema de cida- des-Estados acabava por criar um quadro tripartidário, assembleia(s), conselho(s) e magis- traturas. Tal quadro explicitou que as diferenciações sociais existentes naquelas sociedades perpassavam pela esfera não só econômica, mas também jurídica. Ou seja, o status jurídico de pertencimentoa um grupo social ajudava a reforçar os laços de distinções. O resultado desta condição heterogênea, no que se refere aos estratos sociais das ci- dades-Estados gregas, foi a formação de governos por vezes próximos e outras distantes dos anseios dos grupos que as compunham. Neste caso, foi importante destacar os modelos de sistemas políticos, tais foram, a democracia, a demagogia, a aristocracia, a oligarquia, a monarquia e a tirania. Mesmo ciente da existência de dados que se reportam ao contexto geral do sistema políade, Atenas e Esparta se destacam nele. O objetivo proposto foi caracterizar os caminhos seguidos por estas cidades-Estados no que diz respeito aos regimes políticos que desenvol- veram, a democracia ateniense e a diarquia espartana. Com o crescimento das atividades comerciais dos gregos, que os levaram a conquista- rem novos espaços e fundarem colônias, os conflitos com outras potências mundiais foi uma constante. Como exemplo, destaca-se as Guerras Médicas. Por último, chamou-se a atenção para as rivalidades existentes entre espartanos e ate- nienses e que culminaram na Guerra do Peloponeso. Este conflito enfraqueceu enormemen- te estas poleis, abrindo caminho para a conquista da Grécia pela Macedônia e a consequente desarticulação do sistema políade. capítulo 2 • 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELTRÃO, Claudia; DAVIDSON, Jorge. História antiga. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2010. Volume 2. BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de Política. Tradução de Carmen C. Varriale et al. 1ª. ed. Brasília : Ed. Universidade de Brasília, 1998. V.1 CARDOSO, Ciro Flamarion. A Cidade-Estado Antiga. São Paulo: Ática, 1985 (col. Princípios nº 39). FINLEY, Moses I. A economia antiga. Porto: Afrontamento, 1980. FUNARI, P. P. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2001. 40 • capítulo 2 A cultura grega 3 42 • capítulo 3 3. A cultura grega Neste capítulo, tratar-se-á do legado cultural deixado pelos gregos, em todos os campos do conhecimento humano. Desde a reflexão filosófica, à matemática e física, até mesmo por meio da própria ideia de ciência que se consolidou no mundo contemporâneo, o que leva à percepção da marcante influência grega sobre a cultura ocidental. OBJETIVOS • Compreender o conjunto de influências culturais legados pelos gregos à socieda- de ocidental; • Identificar o papel do mito na Grécia antiga; • Apresentar o surgimento do pensamento racional filosófico em oposição à verten- te mitológica; • Esboçar as primeiras reflexões filosóficas dos gregos; • Apresentar os elementos principais constitutivos do modelo da Paideia grega; • Compreender o funcionamento da religião grega; • Entender a estrutura cultural correspondente do teatro grego; 3.1 A cultura no mundo grego Na Grécia Antiga, os mitos tinham um papel fundamental: funcionavam como ordenadores do caos e serviam para explicar tudo o que existia (o universo, os seres vivos, as forças da natureza, os sentimentos humanos). Contudo, a partir do século V, aproximadamente, ocorreram importantes transformações que permitiram que outro tipo de pensamento se desenvolvesse, um caminho para o surgimento da filosofia, da busca por explicações empíricas para compreen- der os acontecimentos e fenômenos naturais. A expansão em busca de novas terras, o comércio marítimo, a utilização crescente da moeda, além do contato com outras culturas, contribuiu para que o pensamento racional, em oposição ao mitológico, ganhasse espaço na Grécia dos séculos IV e V a.C. A Filosofia (filos = amor + sophia = sabedoria) tem início, então, através das investigações dos chamados filósofos pré-socráticos, com Tales de Mileto, na região da Jônia. (CHAUÍ, 2000, p.19-20) capítulo 3 • 43 3.1.1 A Filosofia Os mais antigos filósofos ocidentais viveram no século V e IV a.C. na Grécia An- tiga, mais exatamente no sul de Itália ou na Turquia, junto à costa do Mediter- râneo. Estes primeiros filósofos não viveram, portanto, nos grandes centros da civilização grega, e também não se limitavam a ser filósofos: eram cientistas e, por vezes, eram líderes religiosos. Foram denominados de Pré-Socráticos e formaram a primeira corrente de pensamento surgida na Grécia, por volta do século VI a.C. Os filósofos que viveram antes de Sócrates se preocupavam muito com o Universo e com os fenômenos da natureza. Buscavam explicar tudo através da observação contínua da natureza, utili- zando a razão. Cada um escolheu sua arché, ou princípio fundador de todas as coisas, a partir da qual construíam suas reflexões. Marcondes apresenta uma organização para os pensadores pré-socráticos, dividida em duas fases. A primeira delas caracterizada pelo estudo da “physis”, ou natureza em grego, o que levou à denominação desses filósofos de físicos. Foi na região da Jônia que Tales de Mileto (585 a.C.) deu início à “Escola Jônica”, seguida por seus discípu- los Anaximandro (610 a.C), Anaxímenes (585 a.C.) e Heráclito (500 a.C.). A “Escola Italiana” inclui a Escola Pitagórica e a Escola Eleática. A Pitagórica surgiu através de Pitágoras (530 a.C.) que, embora fosse grego, migrou para a região de Crotona, na Itália, onde desenvolveu seu pensamento, defendendo a ideia de que tudo preexiste na alma, já que esta é imortal. Pitágoras construiu a teoria de que o número é o elemento básico para explicar a realidade. É consi- derado o pai da matemática. (MARCONDES, 2004, p.30-31) A “Escola Eleática”, surgida na região de Eléia, teve como principal filósofo Parmênides (500 a.C.), que acreditava na existência de uma única realidade e que tudo que estava em movimento não era real; seu pensamento foi chama- do de “monismo”. Parmênides foi responsável por uma grande polêmica com Heráclito, cujo pensamento se pautava no “mobilismo” ou na noção de que toda a realidade é feita de movimento: “não se podemos banhar-nos duas vezes no mesmo rio, pois o rio não é mais o mesmo”. (MARCONDES, 2004, p.32-33) A segunda fase dos pré-socráticos, de acordo com Marcondes, foi marcada pela influência dos filósofos da primeira fase, mas com um caráter mais dinâ- mico e múltiplo. Não havia somente um único elemento fundador de tudo, mas a combinação de vários elementos é que teria criado todas as coisas. A “Escola 44 • capítulo 3 Atomista” insere-se neste segundo momento de desenvolvimento da filosofia grega, tendo como representantes Anaxágoras (500 a.C.), Leucipo e Demócrito de Abdera (460 a.C.) e Empédocles (500 a.C.). Os atomistas acreditavam que o universo é formado por átomos e pelo vazio; ao se atraírem e se repelirem, os átomos eram responsáveis pelos fenômenos naturais e pelo movimento. (MARCONDES, 2004, p.34-35) Os pré-socráticos foram muito importantes, pois inauguraram uma nova forma de ver o mundo e de buscar explicações racionais e não mitológicas para as coisas. Contudo, o crescimento comercial da Grécia ampliou o contato com outras culturas, como também trouxe inúmeras transformações sociais e políticas. Por volta do IV, na Atenas democrática, surgem os sofistas e o gran- de pensador Sócrates. Os sofistas eram uma espécie de mestres do discurso e defendiam uma educação cujo objetivo máximo seria a formação de um cida- dão pleno, preparado para atuar politicamente para o crescimento da cidade. Dentro desta proposta pedagógica, os jovens deveriam ser preparados para fa- lar bem (arte da retórica e da oratória), pensar e manifestar suas qualidades artísticas. (MARCONDES, 2004, p.42-43) Sócrates inaugura o período da filosofia clássica, no qual são discutidos te- mas relacionados ao homem e sua vida em sociedade. Participação política, éti- ca, autonomia, conhecimento, são alguns dos temas que Sócrates se propõe a debater através de sua técnica de argumentação, a maiêutica. Conhecida como “parto de ideias”, o filósofo tinha como objetivo levar seu interlocutor a admitir que suas verdades ou certezas eram falsas ou transitórias.Sócrates criticava a democracia ateniense e tentava conscientizar a juventude grega. Em 399 a.C. foi acusado de ir contra o governo e propagar desordem política, foi julgado e condenado a morte por cicuta. (MARCONDES, 2004, p.42-43) Sócrates não deixou nenhum registro escrito, sabemos de sua filosofia através de seu discípulo Platão (nascido em 428 a. C). Platão foi discípulo de Sócrates por dez anos e em 387 a.C. fundou sua própria escola, a “Academia”. Platão foi res- ponsável pela tradição racionalista, pois acreditava na primazia da razão como determinante da realidade. Desenvolveu a teoria dicotômica do “mundo dos sen- tidos” e do “mundo das ideias” ou inteligível, na qual a realidade que conhece- mos por meio dos sentidos é falsa. Para se chegar ao conhecimento verdadeiro, seria preciso alcançar um grau de racionalismo capaz de levar o homem ao mun- do das ideias, no qual se encontra o verdadeiro saber. A “Alegoria da Caverna” é capítulo 3 • 45 um de seus escritos mais conhecidos e ilustra a passagem do mundo dos senti- dos para o mundo dais ideias. (MARCONDES, 2004, p.56-57) Outro filósofo da tradição clássica que merece destaque é Aristóteles, que desenvolveu os estudos de Platão e Sócrates. Foi responsável pela criação da Lógica e pela sistematização do conhecimento, além da criação de métodos para buscar esse conhecimento. Teceu críticas a Platão, pois acreditava que o saber podia ser buscado no mundo real, através da compreensão de característi- cas fundamentais a todas as coisas e seres. Aristóteles criou a Teoria das Quatro Causas (Formal, Material, Eficiente e Final) que tinha como função a com- preensão da substância de todas as coisas. (MARCONDES, 2004, p.60-62) 3.1.2 A Paideia As transformações ocorridas na Grécia, a partir do século V a.C. colocaram a necessidade de se criar um modelo de educação capaz de preparar o indivíduo para a participação política. Sócrates, Platão e Aristóteles haviam modificado a própria ideia do que seria o conhecimento e de como adquiri-lo. Era preciso formar para a vida ativa na pólis, preparar os cidadãos para a nova realidade que construíam naquele contexto. Essa nova educação, voltada para a formação ci- dadã, recebeu o nome de Paideia. Segundo Codeço: Sob sua mais completa forma, a Paideia ateniense supõe um conjunto complexo de estudos iniciado entre sete anos de idade até vinte anos e que possuía um objetivo: tornar-se ideal para buscar a harmonia entre o corpo e a mente, levando o cidadão a alcançar a areté (excelência). (CODEÇO, 2008, p.42) A Paideia pode significar educação, cultura, e está relacionada à identidade ou conduta que todo cidadão considerado honrado e virtuoso deveria apresen- tar na vida em comunidade. Claude Mossé afirma que este conceito “abrange todo o processo educacional ateniense”, as práticas da escrita e leitura, as prá- ticas físicas e militares e, ainda, os valores éticos necessários à convivência na pólis. (MOSSÉ, 2004, p.107-108 Apud CODEÇO, 2008, p.43) 46 • capítulo 3 A Paideia e a cidadania não foram pensadas para todos que viviam na pólis, “mas para uma camada bem restrita - os cidadãos (polites)”. Dentro deste gru- po havia outra hierarquia, pautada pela riqueza e que propiciava o ócio neces- sário à vida política. Ser bem nascido, possuir bens, assinalava sua cidadania plena e acesso a Paideia. (CODEÇO, 2008, p.45) Esse modelo de educação era dividido em quatro áreas, que podem ser compa- radas ao ensino primário, secundário, ao serviço militar obrigatório e ao ensino su- perior. Cada uma das etapas durava cerca de sete anos e as meninas eram separa- das dos meninos. As primeiras eram educadas em casa, ao lado das mães, escravas ou parentas velhas que eram as responsáveis pelo ensino das tarefas domésticas, tais como, cozinhar, tecer, administrar o lar e tantas outras atividades reservadas à esfera feminina. A leitura e a escrita não constavam no programa feminino. Para os meninos, havia a gramática e o desenho, além da ginástica e da música; os esportes eram praticados ao som de música. A ginástica incluía a dança e a luta. No ensino primário, aprendia-se a ler e escrever, havia ainda a introdução da matemática. Depois, a criança passava à segunda fase com estudos literá- rios, de matemática, geometria (desenho) e de música, mais profundos. Nesse momento, o estudante teria cerca de treze anos. As práticas esportivas tinham lugar central no programa de estudos, pois os jovens deveriam buscar nos exer- cícios a formação de um corpo forte, viril e geometricamente perfeito, apresen- tando condições suficientes de destacar-se nas competições atléticas. A ginástica foi o elemento preponderante em toda Paideia, não só atenien- se, mas helênica, devido ao militarismo e ao seu poder de civilizar. As atividades esportivas também serviam para que o jovem entrasse em contato com outros de sua idade ou mais velhos, iniciando a fase da pederastia, parte importante da educação ateniense. Essa prática acabava por agregar dois homens, um com idade mais avançada e outro mais novo; a intenção era uma maior preparação deste último. Esta relação baseava-se na ideia de que a união de um espírito jovem (erómenos) a outro com mais idade (erastés) produzia uma relação bem mais intensa e profunda entre ambos, lógica intencionada pela Paideia. Neste caso, o homem mais velho seria o iniciador e guia do mais novo. Este tipo de relação limitava-se a determinada fase do ciclo de vida mascu- lino. Quando o jovem chegava aos dezoito anos, era inscrito no demos heredi- tário do pai, o que caracterizava ter se tornado um cidadão de pleno direito. O capítulo 3 • 47 serviço militar era obrigatório por dois anos, nos quais eram sustentados pela pólis e aprendiam as técnicas necessárias para a defesa da cidade. Se o aluno quisesse e tivesse condições, poderia continuar seus estudos, já por volta dos vinte anos, em uma espécie de ensino superior. Deste modo, ampliava seus co- nhecimentos de filosofia, astronomia, matemática, retórica e outras ciências. 3.1.3 A religiosidade - Aspectos gerais Os deuses da mitologia grega eram como os homens, possuíam sentimentos como ódio, inveja, amor, ciúmes, sendo diferenciados dos humanos por sua imortalidade. Apesar de compartilharem com os humanos os sentimentos, eles eram pensados de forma imortal e poderosa. Como exemplo desta expres- são, destacamos Afrodite (a deusa do amor), Ares (o deus da guerra) e Atena (a deusa da sabedoria). Os gregos utilizavam a mitologia para explicar o surgimento do mundo e de tudo que existia nele, desde os fenômenos da natureza, como terremotos ou tempestades, até a formulação de narrativas fantásticas, passadas oralmen- te de geração a geração. A palavra "mito" significa "relato" e, inicialmente, os gregos acreditavam que seus mitos eram fatos reais ocorridos no passado. O desenvolvimento da escrita contribuiu para o aprimoramento da mitologia, através da compilação das narrativas e da construção de grandes templos. Uma importante característica da mitologia era explicar a origem do universo: No começo, havia o Caos, ou Vazio, do qual saem Urano (Céu) e Gaia (Terra) e de sua união surgem os Titãs e as Titanesas. De todos os Titãs o mais importante para o de- senvolvimento do mundo foi Cronos (Tempo), o caçula. Cronos, com uma foice, cortou os testículos de seu pai Urano e o sangue da ferida caiu sobre Gaia, fecundando-a. Cronos era violento e devorava seus próprios filhos, tidos com a Titanesa Réia. Mas, por artimanha da mãe, que lhe deu uma pedra no lugar de Zeus (chamado de Júpiter pelos romanos) este pôde crescer e, ao final de uma longa luta, conseguiu destronar Cronos que foi mandado para o Tártaro. 48 • capítulo 3 Os três grandes deuses eram então Zeus (no Olimpo), Posseidon (nos Mares) e Hades (no mundo inferior, "inferno"), que passariam a governar o céu e a terra, o mar e o reinodos mortos, respectivamente. As divindades descendentes de Zeus são aquelas que governarão diversos aspectos da vida: Afrodite (Vênus), deusa da beleza e da fertilidade; Apolo, deus das artes; Ártemis (Diana), deusa da caça e da castidade; Hefesto, deus do fogo; Ares (Marte), deus da guerra; Hermes (Mercúrio), deus da fertilidade e do comércio; Dioniso (Baco), deus do vinho. (FUNARI, 2002, p.58-59) Os Jogos Olímpicos, celebrados a cada quatro anos na cidade de Olímpia, foram criados para honrar e adorar Zeus, tido como o maior dos deuses que viviam no Monte Olimpo. Os deuses se organizavam em uma estrutura familiar, em que cada um desempenhava um papel e tinha poderes específicos. Existiam também os heróis e semideuses; estes últimos com poderes dados por um dos deuses e que enfrentava muitas aventuras e provações. A Teogonia, narrativa que explica o surgimento dos deuses e a Cosmogonia, narrativa que explica o surgimento do universo, foram dois elementos funda- mentais para o ordenamento social dos gregos. Além de seu papel pedagógico e explicativo, a mitologia foi uma das grandes heranças culturais deixadas pelos gregos ao mundo ocidental. 3.1.4 Teatro O teatro grego se originou da adoração ao deus Dioniso (Baco), através de can- tos e danças que compunham o ritual, tendo surgido ao fim do século VI ou início do século V em Atenas. Dioniso era uma das divindades mais cultuadas em Atenas e seu teatro ficava na encosta sudeste da Acrópole. Primeiro de ma- deira, as arquibancadas foram substituídas por uma estrutura de pedra, para comportar cerca de vinte mil espectadores, ao final do século V a.C, (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.161-162) Abaixo das arquibancadas, ficava a orchestra, um espaço circular com apro- ximadamente dezoito metros de diâmetro, que abrigava o coro. Atrás, se encon- trava a skené, uma divisória de madeira vazada por três portas (para o cenário). Os atores ficavam em uma elevação, colocada antes da divisória. capítulo 3 • 49 Esquema do Teatro de Diônisos. Fonte: http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/civiliza- cao-grega/teatro-grego.php. Apud BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.164. O cenário era simples e complementado apenas pela imaginação daqueles que assistiam a encenação. Mas havia uma máquina rolante, ekkilema, que transportava os atores através da porta central da skené. Todos os atores eram homens e, para interpretar mulheres, eles se utilizavam de máscaras (hipócri- tas), costumeiramente produzidas de tecido e encimadas por uma peruca. As máscaras parecem ter surgido somente no período helenístico, já os figurinos tinham cores fortes, para quem estivesse de longe pudesse ver. A peça era sempre representada por três atores, que interpretavam todos os papéis, mas existiam figurantes mudos. O protagonista era o ator que repre- sentava o papel principal e, por vezes, papéis secundários, pois a mudança das máscaras permitia que um mesmo ator representasse vários personagens. Os atores eram pessoas comuns, treinadas pelo corego, um rico cidadão. O coro, formado por dez a quinze pessoas, usava máscaras e adereços para identificar qual grupo representavam. O tema das peças variava entre as tragédias ou comédias. As comédias se inspiravam na vida quotidiana da cidade, mesmo sendo uma ficção. O come- diógrafo Aristófanes disfarçava com máscaras grotescas, os políticos ou filóso- fos de seu tempo. Os tragediógrafos, por outro lado, utilizavam os relatos míti- cos transmitidos como temas de suas peças, como Eurípides, criada durante a Guerra do Peloponeso. As tragédias seguiam um esquema ou ordem: 50 • capítulo 3 (...) um prólogo antes da entrada do coro, que expunha a situação, seguido pelo párodo, a primeira intervenção do coro, alternando-se em seguida as cenas faladas e cantadas até a cena final, ou êxodo. O tema de uma peça em geral consistia em um episódio particularmente significativo do mito em que se baseava, no caso das tragé- dias, que eram agrupadas em trilogias, ou seja, em grupos de três peças. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.166) A partir do século IV a.C., as peças começaram a ser reencenadas com mais frequência, o que demonstra uma queda na produção de tragédias e comédias. Entretanto, conforme ressalta Funari, o teatro grego serviu de modelo para o teatro romano e, a partir do Renascimento, para toda a cultura ocidental. Peças como A Medéia, de Eurípides, Prometeu Acorrentado, de Ésquilo, Édipo, de Sófocles, continuam a ser encenadas no mundo inteiro. (FUNARI, 2002, p.73-74) ATIVIDADES 01. (PUC-RS) Para responder à questão, associe os grandes períodos da história antiga da Grécia (Coluna A) com as respectivas características sociais, políticas e culturais (Coluna B), numerando os parênteses. Coluna A 1. Período Homérico (aproximadamente 1100 a 800 a.C.) 2. Período Arcaico (800 a 500 a.C.) 3. Período Clássico (500 a 336 a.C.) 4. Período Helenístico (336 a 146 a.C.) Coluna B ( ) Estruturação das instituições básicas da pólis. ( ) Dissolução do génos e formação das cidades-estado. ( ) Apogeu da produção filosófica, científica e artística. ( ) Síntese entre características culturais gregas e orientais. ( ) Consolidação do sistema democrático em Atenas. capítulo 3 • 51 A numeração correta na Coluna B, de cima para baixo, é: a) 4 – 1 – 2 – 2 – 3 b) 1 – 2 – 3 – 4 – 3 c) 3 – 2 – 4 – 2 – 2 d) 2 – 1 – 3 – 4 – 3 e) 1 – 2 – 3 – 3 – 4 02. (UCS) Considere as seguintes afirmações sobre a Grécia Antiga: I Foi povoada, no segundo milênio antes de Cristo, pelos indo-europeus (aqueus, jônios, eólios e dórios). Sua história dividiu-se, a partir de então, em quatro períodos: Homérico, Ar- caico, Clássico e Helenístico. II. Seu território era ocupado por várias cidades autônomas, cada qual com sua própria organização social, religiosa, política e econômica. Por tais características, essas cidades, chamadas de pólis pelos gregos, são denominadas de cidades-Estados. As principais foram: Esparta, Atenas, Tebas e Corinto. III. Foi o berço da democracia, da filosofia, e nela surgiram algumas das primeiras manifes- tações do teatro. Além disso, o mundo grego criou padrões estéticos que até hoje influen- ciam a arte ocidental. Das afirmações acima: a) apenas I está correta. b) apenas II está correta. c) apenas I e II estão corretas. d) apenas II e III estão corretas. e) I, II e III estão corretas. 03. (UFGRS) Na formação da cidade grega, a pólis esteve vinculada ao processo de desin- tegração dos clãs patriarcais, os genos. A constituição da pólis grega surgiu da desagrega- ção desta estrutura tradicional e da formação de uma nova composição social representada pela existência de duas classes sociais antagônicas: a) a dos proprietários de terras e de escravos e a dos escravos. b) a dos comerciantes e a dos escravos. c) a dos comerciantes e a dos artesãos. d) a dos navegadores e a dos comerciantes. e) a dos proprietários de terras e de escravos e a dos eclesiásticos. 04. (FURG) A religiosidade grega caracterizou-se por concepções ligadas ao: a) ateísmo. b) monoteísmo. c) cristianismo. d) politeísmo. e) islamismo. 52 • capítulo 3 REFLEXÃO Neste capítulo, foram apresentados os elementos principais constitutivos do universo cultural da Grécia Antiga. Desta forma, concedeu-se espaço para os elementos mais significativos deste processo: a rica mitologia, a filosofia, a Paideia, o teatro e a religiosidade. Estes ele- mentos surgem em um cenário marcado pelas transformações políticas que o desenvolvi- mento e consolidação do mundo políade possibilitava. A religiosidade grega foi apresentada através da caracterização do mito e de sua im- portância para a compreensão do mundo. As transformações trazidas pelo surgimento do pensamento filosófico diante das fabulações mitológicas e, ainda, o teatro como importante referência cultural para o Ocidente foram os itens sob os quais se concentrou esta terceira parte do livro.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELTRÃO, Claudia; DAVIDSON, Jorge. História antiga. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2010. Volume 2. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003. CODEÇO, Vanessa F. S. Modelo de cidadania e modelo de educação: a Paideia idealizada pelos filósofos. Revista Gaia (Rio de Janeiro), v. 5, p. 40-64, 2008. FUNARI, P. P. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2001. MARCONDES, Danilo. Textos básicos de filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. A Roma antiga 4 54 • capítulo 4 4. A Roma antiga Neste capítulo, será abordada a história da civilização romana, desde a lenda de Rômulo e Remo até a versão histórica sobre a criação da cidade de Roma. A Roma Antiga foi uma cidade fundada em 753 a.C. Segundo a lenda dos irmãos Rômulo e Remo, estes seriam seus fundadores. Roma foi, durante sé- culos, a capital do maior império do mundo ocidental. Por isso, apresentar-se-á neste capítulo um pouco da história da Roma Antiga, sua sociedade, estrutura política e desenvolvimento histórico. OBJETIVOS • Refletir sobre o processo de fundação da cidade de Roma; • Entender a diferença entre a explicação mitológica e a histórica sobre a fundação de Roma; • Compreender as estruturas sociais e políticas vigentes no período monárquico de Roma; • Identificar os quadros que compunham a República romana; • Compreender as diversas variações que a relação dicotômica entre patrícios e plebeus experimentou no decorrer da República romana; • Analisar as conquistas de Roma dentro e fora da Península Itálica que a levou a constituir- se em um grande império; • Compreender a importância do escravismo como fonte produtiva principal na socieda- de romana. 4.1 Origem mitológica x Origem histórica A cidade de Roma foi um importante centro político e econômico do mundo antigo. Entretanto, como explicação de seu processo de fundação, consta uma conhecida lenda que atribui tal atividade fundadora a Rômulo - filho do deus da Guerra, Marte, e de Réia Sílvia, filha do rei Numítor, de Alba Longa. A lenda diz que Rômulo e seu irmão gêmeo Remo foram jogados no Rio Tibre, por causa de disputas sucessórias. Mas os irmãos conseguiram se salvar e foram criados por uma loba. Já adultos, conseguem recuperar o trono de seu pai e fundam uma cidade às margens do Tibre. (FUNARI, 2002, p.76-77) Como hipótese histórica, consta que Roma teria sido fundada por chefes etruscos, que uniram numa única comunidade diferentes povoados sabinos e capítulo 4 • 55 latinos. Fustel de Coulanges adota esta perspectiva, ao analisar a fundação da cidade antiga através da união das gens em fratrias e, posteriormente, das frá- trias em uma cidade. Roma estava situada na Península Itálica, constituída por uma cadeia mon- tanhosa central, os Apeninos e, ao norte, era protegida pelos Alpes, apresentan- do um clima ameno. Possuía solos férteis para a agricultura e pastagens para a criação de gado. Portanto, na planície cruzada pelo rio Tibre e cercada por florestas, surgiu a cidade de Roma, em meados do século VIII a.C. Os povos que ocupavam a Península Itálica eram os indo-europeus, como os latinos, sabi- nos, gregos e etruscos. A história da Roma Antiga é dividida em três grandes períodos: Monarquia, que vai da fundação da cidade em 753 a.C. até 509 a.C.; República, de 509 a.C. a 27 a.C. e Império, de 27 a.C. a 395 d.C., ano da divisão do Império em Ocidental e Oriental, com capitais em Roma e Constantinopla. 4.2 A Monarquia (VIII a.C - VI a.C): estrutura sócio-política O período monárquico iniciou-se com a fundação da cidade de Roma e termi- nou em 509 a.C., quando o último rei – Tarquínio, foi deposto e se estabeleceu a República. A organização social básica do mundo monárquico romano era a gens (comunidades gentílicas patriarcais), que Fustel de Coulanges definiu como “um corpo, cuja constituição era puramente aristocrática”. Os membros das gens eram chamados de patrícios, da palavra latina pater, que significa pai ou chefe da família, e podiam herdar uns dos outros. As Doze Tábuas do Direi- to Romano afirmam que, na falta de filhos, o gentilis é o herdeiro natural. Os membros de uma gens eram estreitamente unidos. (COULANGES, 2006) A palavra gens é utilizada para designar “uma espécie de parentesco artifi- cial”. A gens é a associação política de várias famílias, que em sua origem eram estranhas umas às outras. A falta de parentesco consanguíneo foi substituída pelos laços familiares fictícios. Coulanges destaca que cada gens possuía culto próprio, o que pode ter possibilitado a criação de uma genealogia imaginária, responsável pelos laços familiares existentes: Disso tudo se conclui que a gens não era uma associação de famílias, mas a própria família. Podia indiferentemente compreender uma única estirpe, ou produzir ramos numerosos; mas nunca deixava de ser uma só família. (...) O lar sempre aceso, o 56 • capítulo 4 túmulo sempre honrado pelo culto, eis o centro ao redor do qual todas as gerações vêm viver, e pelo qual todos os ramos da família, por mais numerosos que possam ser, continuam agrupados em um único feixe. (COULANGES, 2006) Determinado número de famílias formavam um grupo, chamado de fratria pelos gregos e cúria pelos romanos. Cada fratria ou cúria tinha um chefe, de- nominado curião ou fratriarca, cuja principal função era presidir aos sacrifí- cios. A fratria tinha suas assembléias e havia um deus, um culto, um sacerdote, uma justiça e um governo. O agrupamento de várias cúrias ou fratrias forma- va uma tribo, cada qual com seu altar e sua divindade. Tinham, ainda, um tri- bunal de justiça com direito sobre seus membros, tornando-se uma socieda- de independente. A união das famílias, as fratrias e as tribos pressupunha a adoção do mes- mo culto, o que Coulanges destaca como passo importante na fundação das cidades antigas, como no caso de Roma. As leis e as instituições romanas sur- giram assim que se estabeleceram os governos, pois cada membro da cidade ti- nha suas crenças religiosas tradicionais. A figura de um sacerdote público, que usava o nome de rei, foi comum a muitas cidades da Antiguidade. Em Roma, a tradição foi marcada pelos reis-sacerdotes; o rei se tornava o chefe supremo da religião e a cidade passava a depender de suas preces e de seus sacrifícios. As regras desse tipo de monarquia eram simples: o fundador da cidade, que havia escolhido seu lugar era seu primeiro sacerdote. A hereditariedade na transmissão do culto religioso serviu à transmissão do título de rei de pai para filho. O sacerdócio foi, portanto hereditário, o mesmo acontecendo com o poder. Além do rei, surgiu também a figura do magistrado, responsável por auxiliar o rei a administrar a cidade e detentor de grande poder, como tornar- se cônsul através da escolha de outros magistrados. O período da monarquia romana foi marcado pelo governo de vários reis e, de acordo com Funari, entre 753 a.C. e 509 a.C., a cidade de Roma cresceu e se transformou em um grande centro, o que demonstra que sua sociedade e economia se tornaram certamen- te mais complexas. (FUNARI, 2002, p.81) Tito Lívio e Dionísio de Halicarnasso, historiadores romanos do século I d.C., destacaram o reinado de Sérvio Túlio pelas reformas institucionais que ele realizou, através da “constituição serviana”, que introduziu o censo e divi- diu a população em cinco classes censitárias, de acordo com a fortuna. Tal divi- são foi importante do ponto de vista militar, político e tributário. Militarmente, cada classe deveria fornecer certo número de centúrias para o exército. capítulo 4 • 57 Politicamente, Túlio criou uma assembleia do povo (comitia centuriata), na qual o voto não era computado por indivíduo, mas por centúria. Essa estrutura dava aos cidadãos mais ricos a maioria dos votos, pois eram os mais abasta- dos que forneciam a maior parte das centúrias(93 num total de 197 centúrias). (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.209) A Monarquia foi abolida no século VI a.C., em uma revolta liderada por Brutus contra os reis tiranos Tarquínos, fato que marcou o início da República romana. O rei foi substituído por um colégio de magistrados, que foram cha- mados de pretores e, mais tarde, de cônsules. As funções religiosas do rei foram transferidas para um rex sacrorum, que passou a ser um magistrado atrelado às questões religiosas no novo regime. 4.3 Roma República (VI a.C - I a.C) Como vimos, a monarquia chegou ao fim em 509 a.C., quando os patrícios se rebelaram contra a dominação etrusca e a tirania do rei Tarquínio, que foi de- posto. O Senado assumiu o poder, transformando-se na mais poderosa institui- ção política do mundo romano, consolidando o período da República romana. “Res publica quer dizer assunto da união de certo número de homens associa- dos por um consenso comum no direito e na comunhão de interesses”. (BEL- TRÃO e DAVIDSON, 2010, p.229) 4.3.1 Formação da República Romana: estrutura sócio-política A aristocracia continuou a ser a classe dominante econômica e politicamen- te nos anos iniciais da República romana, o que resultou em uma forte estratifi- cação social. Os pequenos proprietários se endividaram, tornando-se escravos por dívidas, reforçando os conflitos entre patrícios e plebeus. Os plebeus po- bres lutavam pela abolição das dívidas, da servidão por dívidas e pela repartição das terras, mas aos plebeus mais ricos só interessava o acesso aos cargos públi- cos. (FUNARI, 2002, p.84-85) As magistraturas foram criadas pelo regime republicano e o Senado, ou conselho de anciãos, que já existia em Roma; conquistou maior importância com a República, pois era o único órgão permanente de governo, agora forma- do por ex-magistrados cum imperium, ou seja, que possuíam o mando militar e político supremo. Os dois magistrados principais eram chamados cônsules e detinham o poder militar e civil máximo (imperium). Deste modo, podiam 58 • capítulo 4 convocar e consultar o povo e o Senado, comandar as legiões e julgar sem ape- lação os cidadãos em tempo de guerra. Havia, ainda, outros magistrados, de- nominados pretores (encarregados da justiça), os questores (tesoureiros), os edis (encarregados da cidade, de seu abastecimento, da supervisão das vias públicas e das festividades religiosas), além de outras magistraturas menores. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.230-231) O Senado era encarregado de emitir pareceres e sua autoridade tinha um peso considerável: controlava o tesouro público (aerarium), dirigia a política externa e a guerra. “Os tribunos da plebe completavam o quadro das principais magistraturas romanas. E, em caso de ameaça grave à República, o Senado po- dia indicar um magistrado extraordinário investido do imperium por um perío- do máximo de seis meses: o ditador”. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.231-232) Além disso, os senadores estavam encarregados de supervisionar o tesouro do Estado, o aerarium, e todos os gastos públicos, bem como decidir sobre as relações internacionais. Em caso de declaração de guerra, os assuntos estran- geiros tornar-se-iam prerrogativa do Senado e as operações militares seriam coordenadas pelos senadores e os magistrados superiores. 4.3.2 O conflito entre patrícios e plebeus A sociedade romana do período monárquico se dividia em patrícios, integrantes das famílias poderosas e proprietárias de terras; clientes, que serviam e prote- giam os nobres (patrícios) e a plebe, formada pelos demais habitantes. Somen- te os patrícios eram cidadãos, o que lhes dava uma série de direitos não esten- didos aos grupos sociais. Essa situação seria modificada a partir da República. O governo da República introduziu novas formas de administrar a cidade, principalmente, com a criação de cargos públicos: as magistraturas (cônsu- les, pretores, questores, entre outros). A fase inicial do regime republicano em Roma é marcada pela concentração de direitos políticos para os patrícios: só eles podiam ocupar cargos públicos como os de cônsul e senador. Os clientes e a plebe – composta de homens livres, pequenos agricultores, comerciantes e artesãos – não tinham direitos plenos. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.219) Os patrícios detinham as terras mais férteis, trabalhadas por camponeses (muitos deles escravizados por dívidas), mas o mais significativo, de acordo com o que vimos no processo de constituição da cidade antiga, era seu poder re- ligioso. Somente eles conheciam os ritos da religião e as leis e, com base nesta capítulo 4 • 59 condição, possuíam exclusividade no governo da urbs e eram privilegiados com a liberdade de interpretar os “auspícios” sem recorrer aos sacerdotes. Era natu- ral que, com a criação das magistraturas, os patrícios as reivindicassem para si. Contudo, o crescimento da cidade trouxe novos elementos que passaram a fazer parte da sociedade romana, como os comerciantes. Plebeus, comercian- tes e artesãos com melhores condições econômicas ficaram ressentidos devi- do à desorganização da cidade, que ainda era um alvo para ataques de outros povos por sua riqueza. O exército, formado pelos patrícios e seus clientes, não tinha mais condições de cuidar sozinho da cidade e, por isso, os plebeus passa- ram a ser constantemente recrutados. Apesar de servirem ao exército romano, continuavam sem nenhum direito político, o que causava grande descontenta- mento. Desta forma, o século V foi permeado por uma sucessão de lutas entre patrícios e plebeus, que ameaçaram o equilíbrio do estado romano. Enquanto os patrícios queriam manter seus privilégios, os plebeus lutavam para conquis- tar direitos. Os primeiros direitos políticos obtidos pelos plebeus foram conquistados após dois séculos de luta, nas quais “os plebeus enriquecidos tiveram o apoio necessário dos grupos mais humildes, descontentes com a legislação sobre dí- vidas, dentre outras coisas”. Por volta de 450 a.C. as leis que regiam a cidade foram escritas, para se evitar injustiças, uma grande conquista para os plebeus. Essas normas redigidas ficaram conhecidas como “Lei das XII Tábuas”, um tex- to fundamental do Direito Romano e “uma das principais heranças romanas que chegaram até nós”. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.223) As doze tábuas podiam ser consultadas por quem soubesse ler e escrever, fator fundamental para romper as barreiras que separavam os patrícios dos ple- beus. Além disso, a plebe obteve outras conquistas importantes: (...) o fim da escravidão por dívidas, a criação do cargo do tribuno da plebe – um magistrado que teria por missão defender os plebeus, com o poder de vetar medidas governamentais que prejudicassem a plebe –, o reconhecimento dos poderes da assembleia da plebe, a possibilidade de casamentos entre patrícios e plebeus, antes proibidos. A assembléia da plebe (consilium plebis) consistia numa assembléia reuni- da por tribos. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.224) 60 • capítulo 4 As tribos eram em número de quatro, correspondentes às quatro zonas da cidade, e mais tarde se juntaram às tribos rústicas (do latim rus, campo), localiza- das em torno da cidade. A expansão territorial ocasionou o aumento do número das tribos, que chegaram a trinta e cinco. Cada cidadão passou a ser inscrito a partir de sua tribo e não mais com base em seu nascimento. A assembleia da ple- be, consilium plebis, apesar de ser mais popular do que a assembleia centuriata, cuja distribuição dos cidadãos se dava por riqueza, não era a mais importante que ela. O consilium plebis elegia os tribunos da plebe e votava nos plebiscitos, apesar de suas decisões valerem somente para a própria plebe. Os patrícios detinham uma numerosa clientela e muitas alianças com as aristocracias de outras cidades, o “que os romanos chamavam amicitia (ami- zade), uma rede de alianças políticas”. Os plebeus, contudo, não constituíam um grupohomogêneo, pois havia alguns grupos da plebe que conseguiam en- riquecer por meio de atividades ligadas ao artesanato e ao comércio. Outros, com destaque para os camponeses, perderam progressivamente suas terras e endividaram-se devido à guerra, as más colheitas e ao ataque de inimigos. O plebeu camponês, incapaz de saldar suas dívidas, se tornava completa- mente dependente da aristocracia. Portanto, as reivindicações da plebe eram bastante variadas: os plebeus ricos “lutavam pela igualdade política e civil”, ou seja, queriam ter acesso às magistraturas e à integração social por meio de casa- mentos com patrícios; a plebe pobre fazia reivindicações econômicas, queriam uma solução para o problema das dívidas e a participação nas terras romanas. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.225-226) Os tributos militares pesavam sobre os plebeus, o que desencadeou uma pressão política entre a plebe, que exigiu dos patrícios o fim do monopólio po- lítico e jurídico em troca de sua participação no exército. Aos poucos, a plebe também conseguiu acesso às magistraturas e, em 300 a.C., já podiam ocupar altos cargos sacerdotais. Em 287 a.C., a lei Hortensia deu validade legal às deci- sões dos plebiscitos. Possivelmente, esta lei marcou o fim da luta patrício-plebeia, pois os ple- beus haviam conquistado a igualdade política com os patrícios. Entretanto, as vitórias da plebe ficaram restritas aos plebeus mais ricos. Estabeleceu-se uma nova forma de hierarquização social: o grupo dos romanos ricos, patrícios e plebeus enriquecidos e outro grupo, formado pelos romanos pobres e que eram a maioria da população. As diferenças entre patrícios e plebeus, espe- cialmente as religiosas, nunca foram abolidas. O que ocorreu foi a formação da nobilitas, um tipo de nobreza que reunia patrícios e plebeus ricos, pois os capítulo 4 • 61 patrícios casavam suas filhas com plebeus ricos para conquistar força política e mais riquezas. 4.4 O expansionismo territorial romano e suas consequências A Península Itálica já estava completamente controlada por Roma, que se vol- tou para Cartago, cidade fundada pelos fenícios em 814 a.C. e localizada ao nor- te da África. Os cartagineses exerciam a supremacia comercial em sua região e a ameaça romana não era bem-vinda para os interesses de Cartago. A guerra entre as duas cidades, Roma e Cartago, começou na Sicília, dando início à 1ª Guerra Púnica (264-241 a.C.). O nome Púnica se deve ao fato de que os romanos chamavam os cartagineses de poeni (fenícios, em latim), nome do qual derivou o vocábulo púnico. Roma construiu uma frota para proteger sua costa e bloquear os cartagine- ses na Sicília, destruindo os navios de Cartago e forçando-a aceitar um tratado de paz. A Sicília foi desocupada pelos cartagineses que, ainda, foram obriga- dos a pagar uma pesada Indenização durante dez anos. Sem a preponderância de Cartago na região, os romanos ocuparam a Sardenha e iniciaram a expan- são para fora da Península Itálica. Após a 1ª Guerra Púnica, Roma se tornou uma potência marítima com a conquista da Sicília (241 a.C.), da Sardenha e da Córsega (237 a. C), estabelecendo as primeiras províncias romanas na região do Mediterrâneo. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.244) A 2ª Guerra Púnica ocorreu (218-211 a.C.) a partir da Península Ibérica, quando o general cartaginês Aníbal invadiu a Península Itálica pelo noroeste, chegando a atravessar os Alpes. Essa travessia levou cinco meses e, ao seu final, parte dos efetivos foi perdida. Aníbal tinha em seu exército elefantes, verdadei- ros tanques de guerra. Surpreendidos, os romanos foram inicialmente derrotados, mas iniciou- se uma guerra de devastação para Roma e Cartago. Na derrota de Cannae (216 a.C.), o exército romano perdeu 80 mil homens, um cônsul e numerosos sena- dores. Apenas em 211 a.C., Roma tomou Cápua e Siracusa e, em 209 a.C., recu- perou Tarento e Cartagena, com seus arsenais e minas de prata. Os cartagine- ses aceitaram a paz em 201 a.C.: entregaram e abandonaram suas possessões fora da África e foram, novamente, obrigados a pagar uma pesada indenização de guerra. O expansionismo romano, no decorrer século II a.C., submeteu a Macedônia (171-168 a.C.) e destruiu Cartago, ao final da 3ª Guerra Púnica 62 • capítulo 4 (149-146 a.C.). A maior parte da Península Ibérica estava ocupada pelos roma- nos, que dominaram a Grécia em 146 a.C. As consequências da vertiginosa expansão romana foram enormes, pois os territórios dominados possuíam áreas de produção agrícola muito desenvolvi- das e jazidas de matérias-primas. O número de prisioneiros de guerra, escra- vizados, e de províncias submetidas à exploração foi enorme. Não havia mais nenhuma concorrência comercial para os romanos. O Mediterrâneo foi então denominado pelos romanos de Mare Nostrum (nosso mar). Roma se tornou rica em dinheiro e escravos, provenientes do saque das guer- ras e da exploração de suas províncias. Em 167 a.C., demonstrando a prosperi- dade de Roma, o senado isentou os cidadãos romanos do tributum, o imposto direito que pagavam, pois os territórios conquistados pagavam impostos con- sideráveis. Houve uma grande elevação do comércio e da economia monetária, que resultou na formação de um forte grupo de comerciantes e empresários. Surgiu um novo grupo social: a ordo equester, uma espécie de cavaleiro que tinha “o direito de usar o anel de ouro, de ostentar uma listra estreita de púrpu- ra sobre a toga (angusticlavus), que o distinguia dos senadores, cuja listra era larga (laticlavus), e tinha acesso aos lugares de honra reservados nas primeiras filas no teatro” (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.247). Para ser incluído na lista de cavaleiros, foi estipulada a quantia de mínima de 400 mil sestércios, quantia muito maior do que o mínimo exigido para o cidadão de primeira classe (50 mil sestércios). As famílias senatoriais viram, na aliança com os cavaleiros, a possibilidade de evitar sua extinção. Desta forma, os cavaleiros puderam ser admitidos no estreito círculo senatorial e passaram a ser chamados de nouis (homens no- vos). As funções políticas e militares se concentraram, cada vez mais, nas mãos destes aristocratas, que aumentavam sua riqueza a cada guerra. “Os generais vi- toriosos retornavam a Roma com tesouros provenientes da pilhagem dos povos vencidos. Essas riquezas foram investidas, sobretudo, na aquisição de terras na Itália e de escravos”. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.248-249) 4.5 O escravismo romano A configuração da sociedade romana apresentava dois grandes grupos: os ho- mens livres e os não livres. Entre os livres, estavam os que nasceram nesta con- dição social e, também, os que eram escravos e que, por motivos diversos, ha- capítulo 4 • 63 viam conquistado sua liberdade, a exemplo daqueles que recebiam a alforria. Os livres de nascimento podiam ser cidadãos romanos ou não, pois tinham a chance de receber a cidadania. No grupo dos não livres, estavam os escravos. É possível estabelecer a presença de três ordens sociais principais: a plebeia, a equestre e a senatorial. Os plebeus eram os cidadãos comuns, uma massa de indivíduos majoritariamente pobres. Os equestres, ou cavaleiros, possuíam bens e acabavam por se tonarem cavaleiros do exército. Estes últimos, com o fortalecimento do comércio, formaram ainda o grupo de comerciantes que, apesar de não ter grande inserção política, faziam questão de manter relações próximas à nobreza romana. (FUNARI, 2002, p.94) Só participavam do Senado os nobres, que tinham uma renda mínima ele- vada e estavam proibidos de praticar quaisquer atividades comerciais. Os ho- mens livres formavam a maior parte do mundo romano, o que não impedia o número de escravos de aumentar devido às guerras de conquista. De acordo com Funari, havia provavelmente vários milhões deles nos séculos I e II d.C. No período do Império Romano, os libertos conquistaram o direito de se tornarem funcionáriospúblicos e de praticar atividades comerciais, ainda que não tivessem acesso a nenhum cargo político. A ampliação do direito de cidada- nia foi realizada pelos imperadores e tinha como objetivo principal a manuten- ção do exército romano: quem servia no exército tornava-se cidadão, logo após a liberação das obrigações militares. (FUNARI, 2002, p.95) Quanto mais territórios conquistavam, mais os romanos se tornavam de- pendentes economicamente do trabalho escravo. Os escravos, em sua maioria prisioneiros de guerra, forçavam Roma a conquistar novos territórios e povos. Como força de trabalho fundamental para a manutenção da hegemonia roma- na, eles trabalhavam nas grandes obras públicas, oficinas, agricultura, minas, pedreiras e também como criados, músicos, professores, secretários, podiam também ser gladiadores. O grande aumento do número de escravos levou os cidadãos mais ricos a possuírem centenas e até milhares deles: Os grandes proprietários exploravam o trabalho escravo em seus domínios, enquanto os comerciantes e administradores o utilizavam em suas lojas, oficinas e escritórios. Devido aos maus-tratos, houve tanto em Roma como na Itália inúmeras revoltas de escravos nos séculos II e I a.C. — a mais famosa foi a de Espártaco (...). (FUNARI, 2002, p.95) 64 • capítulo 4 Espártaco nasceu na Trácia, na Europa Oriental, e serviu no exército romano até sua deserção. Foi preso e vendido como escravo para um treinador de gla- diadores. Em 73 a.C., em Cápua, iniciou uma revolta que reuniu 90 mil escra- vos. Outras revoltas aconteceram, mas nenhuma tão grandiosa e que até hoje é referência para os movimentos de resistência escrava no decorrer da história. Os grandes proprietários de terras com muitos escravos não permitiam que os pequenos produtores sobrevivessem, pois a concorrência entre o preço dos produtos era desleal. Muitos camponeses abandonaram suas terras e, a partir do início do século II a.C., partiram para Roma. Com isso, houve uma reconfi- guração social: Roma, que antes era predominantemente camponesa, se tor- nou urbana e os camponeses que iam para a cidade buscavam trabalho, pois haviam perdido tudo. Mas, como os escravos exerciam a maior parte dos ofí- cios, não conseguiam trabalhar e viviam na miséria. Esta situação também foi vivenciada pelos artesãos romanos, pelo mesmo motivo. (FUNARI, 2002, p.96) Na fase da República, Roma tornou-se o maior centro comercial da Península Itálica e adquiriu o controle das rotas comerciais do Mediterrâneo ocidental. A circulação de moedas ampliou-se e uma minoria de cidadãos ro- manos concentrou muita riqueza, como os grandes proprietários (patrícios ou plebeus enriquecidos que conseguiram ampliar seu poder econômico graças às aquisições que faziam a preços baixos das terras dos camponeses pobres), os comerciantes (importadores ou donos de dezenas de oficinas e lojas em Roma) e os publicanos (como eram chamados os cobradores de impostos). O poder político foi gradativamente reivindicado pelos comerciantes, que utilizavam seu poder econômico para pressionar o senado. (FUNARI, 2002, p.97) Outra mudança significativa na sociedade romana “foi o aumento do con- tingente de plebeus desocupados”, já que os escravos exerciam todo tipo de tra- balho. Roma possuía, então, dois grupos sociais bem distintos: (...) uma minoria muito rica, que constituía o grupo político dirigente no exército e nas instituições, e uma grande massa de pobres, que vivia ‘do pão e do circo’, ou seja, recebia alimentos a preços baixos e espetáculos públicos gratuitos para sua diversão. (FUNARI, 2002, p.97) A política do Pão e Circo servia para fazer com que os pobres esquecessem sua situação miserável através da distribuição de comida e lazer gratuitos. Apesar do grande desenvolvimento econômico, a sociedade romana se tornou capítulo 4 • 65 profundamente desigual, com forte concentração latifundiária. Destaca-se, ainda, a dependência de Roma em relação ao trabalho escravo, um dos motivos que levaria os romanos à decadência e a uma série de guerras civis. ATIVIDADES 01. (UFPR-1998) Em Roma, "famuli" era, originalmente, o termo usado para designar o conjunto dos serviçais domésticos reunidos na moradia. Entre eles, estavam os escravos, que cumpriam tarefas dentro e fora de casa, desde as mais simples às mais árduas ou sofistica- das. Sobre a escravidão na Roma antiga, é CORRETO afirmar: (01) Em Roma, os escravos eram obtidos pela guerra, pela pirataria ou pela compra. Até 326 a.C., porém, um indivíduo poderia também ser escravizado por dívidas. (02) Ao contrário do que ocorria entre os gregos, na sociedade romana os escravos não constituíam simples mercadoria. Possuíam alguns direitos, que lhes permitiam a participação na vida política da cidade. (04) Entre os romanos, os escravos não eram considerados propriedade individual ou bens de família; consequentemente, não podiam ser transmitidos por herança. (08) À medida que a expansão romana se consolidava nas regiões mediterrânicas, a utili- zação da mão-de-obra escrava entrou em declínio na sede do Império. (16) O Estado Romano também era proprietário de escravos, utilizando seu trabalho nas grandes construções, obras de urbanização e até em minas e pedreiras. (32) O principal resultado das inúmeras revoltas de escravos no Império Romano, durante os séculos III e II a.C., foi o fortalecimento, no Senado, de um movimento pela supressão da escravidão. Marque como resposta a soma dos itens corretos. 02. (UnB-1998) Com a introdução do trabalho escravo em larga escala, o número de ple- beus desocupados aumentou. A esta legião de desocupados, somou-se o grande número de pequenos agricultores arruinados que se dirigiram para as cidades, especialmente Roma. (Maurice Crouzet. História Geral Civilizações) Com o auxílio das informações do texto acima, julgue os itens seguintes, relativos à anti- guidade romana, colocando VERDADEIRO ou FALSO: a) A massa dos trabalhadores escravos foi obtida por meio das conquistas militares, que se iniciaram à época da República. b) A substituição do trabalho plebeu pelo trabalho escravo possibilitou aos plebeus torna- rem-se pequenos produtores agrícolas, que abasteciam as feiras urbanas. 66 • capítulo 4 c) As diversões foram um dos expedientes adotados pelos governantes para apaziguar as populações desocupadas: era o pão e circo. d) O Estado assumiu o ônus de abrigar a grande maioria dos desocupados, enquanto a minoria abastada controlava as instituições políticas e dirigia o exército. e) As cidades foram capazes de absorver a mão de obra camponesa, mantendo o equilíbrio de Roma. 03. (Fatec-1995) O Império Romano expandiu-se pelo Mar Mediterrâneo durante o período republicano; isso gerou, no decorrer do século II d.C., várias repercussões, entre as quais podemos destacar: a) surgimento da classe média de pequenos proprietários rurais e desaparecimento dos latifundiários. b) aumento da população rural na Itália e consequente declínio da população urbana. c) crescimento do número de escravos e grande fluxo de riquezas. c) criação de grande número de pequenas propriedades e fortalecimento do sistema assalariado. d) difusão do Cristianismo e proscrição das manifestações culturais de outras regiões. REFLEXÃO Este capítulo abarcou a formação de Roma até sua transformação em uma grande civiliza- ção, bem como os períodos da história romana denominados de Monarquia e de República. Deste modo, destacou-se o processo de expansão territorial, os conflitos entre patrícios e plebeus e a importância do escravismo na estrutura socioeconômica de Roma. É importante perceber que a forte presença escrava na sociedade romana, além da grande concentração de terras nas mãos de poucos cidadãos, foram motivos que contribuíram para a decadência dos romanos. A concentração de terras significava maior poder político, limitando essa ati- vidade somenteao grupo dos nobres ou patrícios. Essa condição resultou na total exclusão dos plebeus de qualquer tipo de decisão política na sociedade da Roma Antiga. O interesse principal desta abordagem foi proporcionar ao leitor a compreensão de como ocorreu o surgimento do Império Romano do Ocidente, através do progressivo contato com os gregos e a posterior conquista de mais territórios. Sua organização social, estrutura po- lítica e econômica são pontos importantes para se conhecer a trajetória dos romanos até a consolidação do período imperial. capítulo 4 • 67 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELTRÃO, Claudia; DAVIDSON, Jorge. História antiga. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2010. Volume 2. COULANGES, Fustel de Coulanges. A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2009. FUNARI, P. P. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2001. SCOPACASA, Rafael. Repensando a romanização: a expansão romana na Itália a partir das fontes historiográficas. Revista de História (São Paulo), n. 172, p. 113-161, jan.-jun., 2015. http://dx.doi. org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2015.98758 68 • capítulo 4 Ascensão e crise da república romana 5 70 • capítulo 5 5. Ascensão e crise da república romana Neste capítulo, tratar-se-á dos elementos que influenciaram o processo de crise da República Romana, ocorrido a partir do século II a.C. Neste cenário, a dis- puta de terras entre a plebe e a nobreza constituiu-se como um dado essencial ao qual o contexto de crise estava associado. A criação de algumas leis direcio- nadas para a redistribuição das terras gerou imensos conflitos internos, acir- rando a animosidade entre a aristocracia e massa camponesa. Nesse contexto, destaca-se também a atuação dos irmãos Tibério e Caio Graco, que propuseram a mudança da estrutura fundiária romana. OBJETIVOS • Compreender os elementos que atuaram no desencadeamento da crise da Repúbli- ca romana; • Apresentar a questão agrária como elemento que promoveu uma instabilidade econômica na vida republicana de Roma; • Compreender os interesses que transformaram o exército romano e fortaleceram o poder dos generais; • Esboçar as disputas entre os líderes militares romanos que culminaram na implantação do Império; • Apresentar o contexto histórico no qual surgiu o cristianismo e os elementos discursivos que o colocou na mira dos imperadores romanos. • Refletir sobre a política do Pão e Circo em seus aspectos de controle social e manutenção de subsistência. 5.1 A questão agrária Os conflitos internos que ameaçavam a estabilidade dos romanos estavam, quase sempre, ligados à disputa pela terra entre ricos e pobres. A colonização foi, a princípio, pensada pelo Senado como uma solução para a questão agrária em Roma, mas não vingou. Neste caso, o tribuno da plebe Tibério Sempronio Graco, em 133 a.C., criou um projeto com o objetivo de melhorar a combati- vidade do exército. Ele acreditava que melhorando as condições de vida dos camponeses, teria melhor êxito nos combates, pois este grupo social havia se tornado a base do exército romano. capítulo 5 • 71 Portanto, era preciso que os camponeses tivessem terras para manter sua sobrevivência, só assim poderiam ser mais combativos nas batalhas. Tibério propôs, com sua Lex Sempronia, manter o tradicional limite das terras em 500 iugera (medida utilizada). Os patrícios ficaram revoltados e houve intensa mo- bilização para reprovação da lei, que foi vetada por outro tribuno, Marco Otávio. (MONTE, 2009, p.28) O veto levou Tibério à destituição de Marco Otávio como Tribuno da Plebe: Ao fazer isso, Graco pretendia fazer do povo a fonte do poder romano, mas, com essa maneira de agir, colocou em risco todo o sistema de governo republicano, pois: a) nenhum exemplo do passado sancionava a sua atitude e, entre os romanos, o mos maiorum era a lei suprema; b) transferia dos magistrados para o povo a autoridade efetiva; c) atentava contra o princípio da colegialidade, que a prática da República confirmara há muito; d) desfazia o equilíbrio em que, até então, tinham vivido os diversos órgãos do estado romano. (BELTRÃO E DAVIDSON, 2010, p. 269) Tibério não alcançou seu objetivo e se candidatou novamente como Tribuno da Plebe, além de procurar eleger outros candidatos seus. Como a reeleição de um tribuno era contrária à tradição romana, a aristocracia passou a acusá-lo de pretender instalar um governo tirano. No dia das eleições houve um conflito armado, onde Tibério e muitos de seus partidários foram mortos. Caio Graco, irmão de Tibério, foi eleito tribuno em 124 a.C.; suas propostas para a reformulação da estrutura agrária romana eram muito mais profundas e causaram forte oposição dos patrícios. Caio Graco criou uma lei que estendia a todo o mundo romano as terras concedidas aos pobres, além de “um progra- ma de obras públicas para dar ocupação à plebe urbana”. (MONTE, 2009, p.30) A lei incluía uma reforma judiciária que tiraria o papel de juiz dos senadores, passando-o aos cavaleiros (comerciantes), que exerceriam funções financeiras e a Lex Frumentaria, que previa distribuição de trigo para a população romana com subvenção do Estado. A aprovação desta lei assumiu grande importância no século I a.C. e a distribuição do trigo passou a ser gratuita a partir de 58 a.C. Somente os cavaleiros se beneficiaram das reformas de Graco. Os campo- neses, entretanto, continuaram a perder suas terras para os grandes proprie- tários, endividando-se e deixando o campo. A estrutura agrária foi mantida, 72 • capítulo 5 pois as oligarquias dominantes não aceitavam reformas que incluíssem a pos- se da terra. A questão agrária afetou profundamente a manutenção do regime republicano. 5.2 Os conflitos internos e o poder dos militares – séculos II a.C e I a.C. O exército pode ser considerado um fator crucial para o domínio romano, cons- tituindo-se, no século I, por milhares de legionários e de forças auxiliares. Sua função principal era a defesa do Império e, para isso, era necessária a repressão dos conflitos de ordem interna. Mas, como vimos, o exército romano era for- mado por diversos povos, que eram influenciados pela cultura latina e pelos costumes romanos. Florenzano afirma que o contingente do exército era constituído essencial- mente por camponeses que haviam abandonado as suas terras. “Agricultores e pastores que partiam para as guerras de conquista em troca do soldo, vesti- mentas e alimentação” (FLORENZANO, 1994, p.85). A expansão territorial favo- recia somente aos senadores e cavaleiros, que acumulavam riquezas em terras e escravos. Foram as guerras ocorridas entre os séculos IV e III a.C. as responsáveis pela consolidação do exército romano, o que reforçava a importância da guerra para sua manutenção. A infantaria era base do exército romano e foi a princi- pal responsável pela conquista da Península Itálica. As legiões eram unidades que agrupavam aproximadamente três mil infantes, 1.200 homens de assalto e trezentos cavaleiros, comandadas pelos cônsules e pelos pretores que eram chamados de generais, (em latim imperadores, aqueles que comandam). Já as tropas auxiliares formavam-se através da conquista dos diversos povos. Com a expansão romana para territórios externos à Península Itálica, após o século III, houve uma transformação social: As guerras passaram a produzir grandes lucros, em especial por meio da captura e venda dos inimigos, a partir de então transformados em escravos, que passaram a ser utilizados como mão de obra em larga escala, em grandes fazendas. capítulo 5 • 73 As guerras muito longas em locais distantes tornavam cada vez mais difícil a partici- pação dos camponeses na infantaria, o que acabou levando o general romano Mário, em 111 a.C., a recrutar, pela primeira vez, soldados voluntários que recebiam salário. O procedimento do general Mário, um homem de origem relativamente humilde, levou à profissionalização do exército.(FUNARI, 2002, p.88) Seguindo esse caminho, o exército romano passou a ser composto por uma quantidade maior de soldados e oficiais de origem não romana. Nos séculos I e II, o Império Romano já possuía legiões inteiras de soldados batavos, uma tribo de germanos, região da atual Alemanha. O assalariamento dos soldados os tornou mais fiéis a seu general do que ao Estado romano, o que gerou uma disputa de poder entre os generais. Após 50 anos de conflitos internos, o general Caio Júlio César tomou Roma, em 49 a.C., e tornou-se ditador, sendo morto por um grupo de senadores. Entretanto, uma série de generais sucedeu César e, em 31 a.C., seu sobrinho e herdeiro, Otávio, conseguiu se tornar o único grande general, reconhecido pelo Senado e denominado Príncipe. Otávio recebeu o título de Augusto, “o venerável” e seu governo ficou conhecido como Principado ou Império. Segundo Funari, “Augusto inaugurou um período de relativa paz interna que durou 250 anos (31 a.C.-235 a.C.)”, denominado de “Pax Romana”. (FUNARI, 2002, p.88-89) 5.3 Os triunviratos e o fim da República Consagrados por seus soldados, dos quais obtinham mais fidelidade do que o próprio Estado romano, os generais de Roma conquistaram um enorme po- der, principalmente, através da conquista de territórios. Em 60 a.C., os generais Pompeu, Crasso e César uniram-se para dominar a vida política e conduzir o império. Esta aliança recebeu o nome de “Primeiro Triunvirato”, que foi cons- tituído sem nenhuma base legal, o que não impediu que esses homens dividis- sem o império entre si. A morte de Crasso em batalha desencadeou uma disputa pelo poder, com a deflagração de uma guerra no início de 49 a.C., quando o Senado decidiu reti- rar o comando das Gálias de César. O general não se rendeu e com suas legiões marchou sobre Roma. Pompeu fugiu com os Senadores e César ocupou Roma, legitimando sua conquista ao vencer os exércitos de Pompeu e do Senado. (BELTRÃO e DAVIDSON, 2010, p.276) 74 • capítulo 5 Caio Júlio César consolidou o poder dos grandes generais, os imperatores, mas ainda assim não pôs fim à guerra civil em Roma. A estrutura oligárquica de governo, que fora estabelecida ao longo dos séculos, não conseguia gerir o império. O comportamento conservador e exclusivista dos senadores era in- compatível com o fato de que o império era sustentado pelas províncias, e havia que atender, ao menos, às elites provinciais, responsáveis pela manutenção da unidade do território imperial. Marco Antônio, lugar-tenente de Júlio César, assumiu o poder após sua morte. Ma foi deposto por Otávio, herdeiro em testamento de Júlio César. Preocupado com o a concentração de poder em suas mãos, Otávio formou o “Segundo Triunvirato”, junto a Marco Antônio e Lépido. Esse triunvirato as- sumiu a responsabilidade de elaborar uma nova constituição, além disso, o Império foi dividido entre os três: Marco Antônio recebeu a Gália e o Oriente, Lépido a África, e Otávio ficou com a Espanha. Marco Antônio casou-se com Cleópatra, rainha do Egito, em 37 a.C., quan- do deveria desposar Otávia, irmã de Otávio. Sentindo-se insultado, Otávio in- duziu o Senado a retirar Marco Antônio de seu cargo e declarar guerra ao Egito. Em 31 a.C., após vencer Marco Antônio em batalha, Otávio tornou-se o verda- deiro senhor de Roma e do império, reconhecido pelo Senado como princeps. Recebeu o nome de Augustus, um título derivado do verbo latino augere, “que faz crescer”. O regime instaurado por Augusto passou a ser conhecido como “Principado”, pois o governante era o princeps, o imperator vitorioso. 5.4 O Principado e a pax romana A paz, a prosperidade e as realizações artísticas marcaram o governo de Otávio Augusto. O século I, em que transcorreu seu governo, ficou conhecido como Pax Romana. Augusto inaugurou um período de paz interna que durou cerca de 250 anos (31 a.C.- 235 d.C.). Este período é denominado Pax Romana (do latim, “paz romana”). Após tantas guerras civis, Roma parecia aliviada com o novo regime, pois este evitaria as disputas sucessórias. Seguindo o interesse do imperador, a Pax Romana manteve a unidade territorial e política do Império Romano. Seu objetivo era o bem estar daqueles que dominavam e a manuten- ção de toda a estrutura de poder. No decorrer do governo imperial, se estabeleceu uma reordenação admi- nistrativa das terras do Império cujo objetivo era a centralização do poder. capítulo 5 • 75 Deste modo, o imperador passou a acumular todos os poderes. Durante a Pax Romana, novas conquistas foram efetivadas e as atividades econômicas e cultu- rais ganharam grande impulso, sendo, do mesmo modo, uma época de grandes construções. 5.5 O nascimento do cristianismo Segundo Funari, o cristianismo começou a expandir-se para além dos “pobres” a partir do ano 30 d.C, quando o apóstolo Paulo iniciou a pregação do Evange- lho para todos os homens, não apenas para os judeus. Paulo distinguia os ensi- namentos de Cristo da religião tradicional dos judeus, defendendo uma doutri- na distinta da dos israelitas. Por mais de vinte anos, Paulo viajou e pregou, pelo Mediterrâneo Oriental, até ser preso em 58 d.C. (FUNARI, 2002, p.128) As primeiras perseguições aos cristãos tiveram início por volta de 60 d.C., marcadas pela expansão rápida do cristianismo em todas as regiões romanas e à margem do Mediterrâneo. Aderiram ao cristianismo, judeus e não judeus, es- cravos, povos submetidos pelos romanos e os pobres em geral. Para os pobres, que constituíam a grande maioria desses primeiros cristãos, a nova religião dava a esperança de uma vida melhor, pois seu discurso prometia o retorno de Jesus e a instalação de um reino divino na terra. Por volta de 70 d.C., o cristianismo havia conquistado adeptos e seguidores em toda a parte do mundo romano. A tolerância dos romanos às diversas reli- giões não existiu em relação à religião cristã. Os cristãos sofreram intensa perse- guição no período imperial e eram obrigados a realizar seus cultos escondidos. O fato de serem monoteístas e não reconhecerem a religiosidade do Estado romano fez com os cristãos fossem perseguidos por mais de dois séculos. O Estado romano entendia que o não reconhecimento dos deuses, e do próprio imperador, constituía um grave desafio à ordem. De acordo com Funari: As execuções públicas dos cristãos, martirizados em espetáculos nos quais eram crucificados ou jogados às feras famintas para serem devorados, eram vistas e apre- ciadas por muita gente. Para a maioria dos romanos que não se havia convertido, os cristãos eram apresentados como uma ameaça nociva, pois se recusavam a honrar os deuses e os imperadores. (FUNARI, 2002, p.129) 76 • capítulo 5 A crise do Império Romano, desencadeada pelo alto preço dos alimentos, falta de mão de obra escrava e as ameaças dos povos germânicos, desorganizou a economia e resultou em desequilíbrio social e político. Foi nessa época que o cristianismo consolidou-se como uma religião importante, com um grande número de adeptos por todo o Império. Muitos romanos, assustados com as consequências da crise, procuraram consolo nas crenças religiosas. O cristianismo ultrapassou as barreiras sociais e conquistou fiéis entre a nobreza romana, destacando-se as mulheres, bastante marginalizadas nas re- ligiões tradicionais. A ideia cristã da recompensa de todo o sofrimento terreno através da certeza em uma vida após a morte foi fundamental para a amplia- ção do número de seguidores do cristianismo. As adversidades vivenciadas no decorrer da vida poderiam ser superadas com a fé na existência de uma vida melhor no reino de Deus. A expansão e o fortalecimento do cristianismo trouxeram grandes preocu- pações para os imperadores romanos e, como consequência, as perseguições contra os cristãos aumentaram. Entretanto, mais tarde, os governantes consi- deraram uma boa estratégia não se oporem aos cristãos e, mais, aliarem-se aeles para manterem-se no poder. Em 313 d.C., o Imperador Constantino conce- deu liberdade de culto, convertendo-se ao cristianismo logo depois. 5.6 O alto Império: O pão e circo O governo de Otávio Augusto (27 a.C.-14 d.C.) foi responsável por inúmeras re- formas, que incluíam mudanças sociais e administrativas. O objetivo primor- dial era promover uma reestruturação administrativa e, deste modo, restringir as funções do Senado. Criou-se uma nova ordenação administrativa (as prefei- turas); houve novas formas de cobranças de impostos e instituiu-se a guarda pretoriana para proteger o imperador. Na economia, Otávio incentivou a pro- dução e protegeu as rotas comerciais. Os plebeus foram contemplados com empregos derivados da construção de muitas obras públicas. Em busca de popularidade, Otávio adotou a política do “pão e circo”. A vida da plebe urbana no tempo do Império estava permeada por grandes insatisfações, foi alvo de festas e distribuição de alimentos com o intuito de neutralizar qualquer tipo de inquietação ou revolta social e política dos pobres. Funari destaca que, no século II d.C., “o estado fornecia trigo gratuitamen- te, todos os dias, a quase duzentas mil pessoas”. Essa política ficou conhecida, capítulo 5 • 77 como já vimos, como a do "pão e circo", em expressão cunhada pelo satirista la- tino Juvenal (50-130 d.C.) e servia basicamente para manter a população pobre da cidade sob controle, submissa. (FUNARI, 2002, p.114) Contudo, as abordagens historiográficas mais recentes contestam tal posi- cionamento, que retira dos agentes sociais sua capacidade histórica de trans- formação social. Para estes historiadores, a política do Pão e Circo era utilizada pelos plebeus como uma forma de sobrevivência, o que não significava o des- conhecimento ou esquecimento de sua condição vulnerável. A influência deste tipo de ação pública pode ser observada no decorrer da história humana, desde a Antiguidade. ATIVIDADES 01. (Fuvest 2013) A escravidão na Roma antiga: a) permaneceu praticamente inalterada ao longo dos séculos, mas foi abolida com a intro- dução do cristianismo. b) previa a possibilidade de alforria do escravo apenas no caso da morte de seu proprietário. c) era restrita ao meio rural e associada ao trabalho braçal, não ocorrendo em áreas urba- nas, nem atingindo funções intelectuais ou administrativas. d) pressupunha que os escravos eram humanos e, por isso, era proibida toda forma de castigo físico. e) variou ao longo do tempo, mas era determinada por três critérios: nascimento, guerra e direito civil. 02. (Pucsp 2012) As Guerras Púnicas, entre romanos e cartagineses, duraram de 264 a 146 a.C. Entre seus resultados finais, podemos considerar que elas: a) contiveram a expansão romana em direção ao mar Mediterrâneo, pois as ilhas ao sul da península itálica passaram ao controle cartaginês. b) fortaleceram a presença romana na região do mar Mediterrâneo, com o estabelecimento de províncias nas terras conquistadas. c) eliminaram os gastos militares do Império Romano, pois impediram o surgimento de revoltas e tensões sociais. d) permitiram a expansão comercial de Roma por toda a península itálica e em direção ao ocidente, com a decorrente conquista da Gália. e) reduziram consideravelmente o número de escravos no Império Romano, pois a maioria deles foi alistada nas tropas e morreu em combate. 78 • capítulo 5 03. (Ufpr 2011) O cristianismo católico tornou-se religião oficial do Império Romano no ano de 380 d.C., data da edição do famoso édito de Tessalônica, outorgado pelo Imperador Teodósio. Desde a sua criação até este momento, a caminhada foi dura e difícil para os se- guidores de Cristo. Exemplo disso foram as perseguições movidas por alguns imperadores romanos, eternizadas pelos relatos fantásticos e emotivos de vários escritores e historiadores cristãos. Podemos apontar como principais causas dessas perseguições: a) O ódio e a intolerância tanto das autoridades como da população pagã do mundo ro- mano, que viam na figura de Cristo e na comunidade cristã uma ameaça ao poder do Imperador. b) A constante penetração de elementos cristãos tanto nas filas do exército imperial roma- no como em cargos administrativos de elevada importância, que poderiam servir de “mau exemplo” tanto em termos políticos como ideológicos. c) Aspectos de índole moral, na medida em que os cristãos eram acusados pelos pagãos de realizarem orgias e assassinatos de crianças em seus rituais. d) A associação entre os cristãos e os inimigos bárbaros que punha em risco a estabilidade política e religiosa interna do mundo imperial romano. e) A necessidade de oferecer à população de Roma “pão e circo”, com os cristãos sendo sacrificados na arena do Coliseu para minimizar a ameaça de revoltas populares contra as autoridades imperiais. REFLEXÃO Neste capítulo, abordou-se a trajetória percorrida pela cidade de Roma desde suas con- quistas territoriais, passando pelo declínio da República e a instauração do Império. Neste ínterim, foi necessário refletir sobre a chamada questão agrária, motivo principal dos conflitos entre patrícios e plebeus, o importante papel do exército romano nesta sociedade e também a formação dos Triunviratos. O período do Principado e a fase da Pax Romana completam os temas desenvolvidos nesta obra, junto à expansão do Cristianismo e a criação da política do Pão e Circo. capítulo 5 • 79 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELTRÃO, Claudia; DAVIDSON, Jorge. História antiga. Rio de Janeiro: Fundação Cecierj, 2010. Volume 2. FLORENZANO, M. B. B. O mundo antigo: economia e sociedade. São Paulo: Brasiliense, 1994. FUNARI, P. P. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2001. MONTE, Marcel Paiva. O problema agrário em Roma e o reformismo dos Gracos em Apiano. Revista SAPIENS - Revista de História, Património e Arqueologia, n.º 1, 2009. 80 • capítulo 5 O universo político do século IV e o legado cultural romano 6 82 • capítulo 6 6. O universo político do século IV e o legado cultural romano A civilização romana vigorou por muitos séculos e deixou um múltiplo lega- do ao mundo ocidental. Seguindo este pensamento, este capítulo abordará os principais aspectos da cultura romana, tais como, o direito, a religião, a es- cultura, a pintura, a arquitetura, a literatura, a medicina, a astronomia, dentre outras áreas do conhecimento. Tratar-se-á igualmente da crise que leva à de- sarticulação política do Império Romano, a partir do século III a.C. As motiva- ções responsáveis por estas transformações também comporão o quadro das análises, que finalizará com um breve texto refletindo sobre o legado cultural deixado por esta civilização ao Ocidente. OBJETIVOS • Compreender a importância da civilização romana para a formação cultural do Ocidente; • Analisar os principais aspectos que resultaram no declínio e posterior desarticulação polí- tica do Império Romano do Ocidente; • Explicitar os fatores que compõem a Crise do Século III; • Compreender o complexo contexto das disputas imperiais que se formou no decorrer do século IV; • Explicitar os fatores que justificam a sobrevivência do Império oriental por mil anos; • Reconhecer que a civilização romana deixou um legado para o mundo ocidental que se expressa em múltiplas frentes. 6.1 Aspectos culturais Fustel de Coulanges afirma que as sociedades antigas possuíam como carac- terística comum o culto aos deuses, realizado por vários povos e em cidades como Roma, que apresentava deuses e heróis diversos. O culto doméstico era marcado por uma cerimônia, o banquete, denominado de sacrifício, pois os alimentos deviam ser preparados sobre um altar. O deus ou divindade cultuada recebia como presente parte do que era preparado para o banquete. Na cidade, havia também o mesmo tipo de cerimônia, realizado por todos os cidadãos romanos. O Senado tinha o costume de promover um banquete capítulo6 • 83 sagrado com mesas postas nas ruas, nas quais o povo podia se sentar e compar- tilhar da cerimônia que, com o passar do tempo, passou a ser responsabilidade de um sacerdote especial. Os membros da cidade antiga estavam ligados estrei- tamente por esse costume, pois o banquete público para os deuses represen- tavam um forte elo religioso entre os membros daquela sociedade. Coulanges destaca que “esses homens estavam ligados por algo mais forte que o interesse, a convenção, o costume, une-os a comunhão sagrada, piedosamente realizada na presença dos deuses da cidade” (COULANGES, 2009). Deste modo, a religião permeava a sociedade, em período de paz e de guerra, envolvida na política, em assembleias, nos tribunais e o rei era considerado um tipo de sacerdote. Além da religião, o Direito exerceu um papel muito importante na ordena- ção social romana. Desde os séculos I e II, a legislação romana passou a ser escrita e todo tipo de material jurídico arquivado. Roma conseguiu criar um sistema jurídico incomparável. A sociedade romana se mantinha firmemente regida por normas estabelecidas através de vários códigos legais. Era funda- mental que cidadão com bens e poder político conhecesse as leis. O que co- nhecemos hoje como o Direito de várias nações foi herdado do Direito romano, como no Brasil, na Itália, na França e na África do Sul. A escrita e a publicação de livros se desenvolveram mais intensamente a partir do século III a.C., devido à influência grega. Os romanos escreveram ro- mances, livros de história, cartas e tratados sobre filosofia, religião e arte. O poeta Virgílio foi um dos mais famosos no governo do imperador Augusto (sé- culo I a.C.) e sua obra Eneida tornou-se uma referência literária. Realizadas no período de Augusto, tais obras serviam aos propósitos do imperador de “glorifi- car as origens e a história de expansão e domínio romano do mundo”. Até a po- pulação romana pobre e semianalfabeta escrevia, só que nas paredes. Pompéia, cidade destruída pela erupção do vulcão Vesúvio, em 79 d.C., tinham diversas inscrições como poesias e desenhos. Contudo, a escrita popular não era a mes- ma usada por Tito Lívio ou Virgílio, pois apresentava muitos erros. (FUNARI, 2002, p.120-121) O contato dos romanos com os gregos, durante muitos séculos, resultou em intensa troca cultural, o que pode ser observado na mitologia das duas civili- zações: Roma adotou muitos deuses gregos, que receberam nomes diferentes. Essa integração entre os costumes gregos e romanos resultou na helenização dos romanos, o que corresponde à supremacia da cultura grega sobre a roma- na. Para se compreender a helenização de modo mais claro, basta saber que quando Roma dominou os gregos, foram os romanos que adotaram a língua 84 • capítulo 6 grega, e não os gregos que passaram a falar o latim. Ainda que se sentissem romanos, o povo grego manteve sua língua e seus costumes. 6.2 A crise do século III A crise ou declínio da liderança política do Império Romano do Ocidente teve início a partir do século III. Um dos principais motivos para a crise foi a falta de escravos, devido ao término das guerras de conquista, ocorrido desde o fim do século II. A escassez da mão de obra escrava, que sustentava a economia roma- na, tornou seu preço bastante elevado. Sem o braço escravo, a agricultura e o artesanato sofreram uma redução brutal, resultando em baixa produtividade. Para a manutenção do Império, Roma não teve alternativa além de gastar a riqueza que havia acumulado para adquirir produtos como cereais, armas e joias. Sem escravos para trabalhar nas terras, a aristocracia iniciou um pro- cesso de arrendamento de parte dessas terras para os trabalhadores livres, que passaram a ser chamados de colonos. Os colonos faziam parte dos plebeus da cidade, o que incluía ex-escravos ou camponeses pobres em busca da proteção dos senhores de terra. (FUNARI, 2002, p.129-130) Instituiu-se, desta forma, o regime do “colonato”: cada colono que arrenda- va um pedaço de terra devia mantê-la produtiva e dar parte de sua produção ao senhor da terra. Mas o colonato não resolveu definitivamente a crise produtiva, sendo verificados ainda a queda da produtividade agrícola e o declínio comer- cial. Somam-se a este contexto de crise econômica outros fatores, tais como, a escassez de mão de obra escrava, a ascensão do cristianismo e a invasão dos po- vos germânicos sobre o território romano. Por volta do século IV, os povos ger- mânicos, denominados de “bárbaros” pelos romanos, pois não falavam o latim e tinham costumes totalmente diferentes, se tornaram uma ameaça. Vindos da Ásia Central e do norte da Europa, foram se estabelecendo em torno das fron- teiras romanas. Em 476, um povo denominado de hérulo conquistou Roma, o que levou à desarticulação de suas estruturas políticas. 6.3 Reformas e lutas pelo poder no século IV Após a morte de Galério, em 311, quatro imperadores lutaram pelo poder: Constantino, Maximino Daia, Maxêncio e Licínio. Depois de um período de disputas e alianças matrimoniais Lícinio se tornou o imperador romano do Oriente. Constantino, o imperador romano do Ocidente, uniu-se a Licínio, o capítulo 6 • 85 que resultou em uma fase de forte aliança política entre o Império Romano do Ocidente e o Império Romano do Oriente. (CARLAN, 2009, p.28) No ano de 313 Constantino assinou o Edito de Milão junto com Licínio. O Edito de Milão foi um documento que declarava a neutralidade de credo religioso em todo Império Romano, colocando fim às perseguições sofridas pelos cristãos. Após o Edito de Milão, Licínio quis obter o domínio sobre o Império Romano do Ocidente e tentou atacar Constantino, mas não obteve sucesso. Como resposta, Licínio e outros membros de sua família foram executados por Constantino. Ao dominar partes do território romano no Oriente, antes pertencentes ao imperador morto, Constantino iniciou um período de reformas profundas no Império Romano: os comandantes da guarda imperial receberam status de al- tos funcionários provinciais, com maior poder e a responsabilidade pela manu- tenção da ordem pública e das finanças. A popularidade do imperador Constantino aumentou devido às medidas toma- das, principalmente, devido à determinação da liberdade de culto. O imperador, como afirma Funari, soube aproveitar-se da situação, fortalecendo-se politicamen- te por meio da convocação de um Concílio (reunião) para definir as diretrizes bá- sicas da doutrina cristã. Deste modo, o imperador adquiriu maior interferência e controle sobre o modelo de cristianismo que o Império buscou associar-se. Na tentativa de minimizar os efeitos da inflação, Constantino criou o solidus, uma moeda de ouro com peso menor do que a anterior, chamada de aureus. Cunhada a partir de 310, a solidus conseguiu dar certa estabilidade à economia romana da época. Os plebeus, contudo, utilizavam ainda as moedas de bronze, cobre ou prata, bastante desvalorizadas. Apesar das medidas econômicas de Constantino, o aumento dos preços continuou, pois o pão, antes distribuído gra- tuitamente, passou a ser cobrado. Além disso, o azeite e a carne de porco subiram de preço com a ampliação das fronteiras imperiais. (CARLAN, 2009, p.30-31) Constantino morreu em 337, desencadeando uma fase de muitas disputas internas pelo poder; estas resultaram em mortes de vários parentes do impera- dor. Constâncio II, filho de Constantino, nomeou seu primo Constâncio Galo como o novo César. Porém, Galo foi executado sob a acusação de traição e seu irmão Juliano foi nomeado César da parte ocidental do Império em 355. A partir de meados do século IV, a luta contra os povos germânicos se inten- sificou e, ainda, houve a morte de Constâncio II devido à peste bubônica. Juliano tornou-se o único imperador romano e buscou elaborar leis para organizar a ad- ministração do império, tanto na parte ocidental quanto oriental. ValentinianoI (321-375), importante comandante do exército durante o governo de Juliano, 86 • capítulo 6 foi proclamado imperador, vencendo os alamanos na região da Gália. Também estabeleceu a paz na Bretanha e, posteriormente, foi sucedido no Ocidente por seus filhos Graciano e Valentiniano II. (CARLAN, 2009, p.31-32) Magno Máximo, um “usurpador” segundo Carlan, assassinou Graciano na expectativa de ser reconhecido por Teodósio, que governava o Oriente desde 379. Teodósio firmou, então, um tratado com Magno Máximo no ano de 382; através dele, a corte de Máximo poderia se estabelecer no território romano, desde que se integrassem ao exército do Império. No ano de 387, Máximo in- vadiu a Itália e destronou Valentiniano II, que buscou refúgio no Oriente com Teodósio. Por desrespeitar as normas de Teodósio, Máximo foi morto pelo exército romano em 388 e Valentiniano II tornou-se Imperador do Ocidente, morrendo um ano depois. A solução foi a unificação do Império Romano do Ocidente à sua parte oriental, sob o comando de Teodósio. Sua morte, em 395, marcou a divisão do Império Romano entre seus filhos e levou ao enfraquecimento da parte ocidental, que foi dominada politicamente em 476 pelos hérulos e a de- posição do imperador Rômulo Augusto. É importante destacar que o Império Romano do Oriente só chegou ao fim com a tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453. 6.4 A ocupação territorial do Império Romano As “invasões bárbaras” iniciadas no século III causaram o enfraquecimento do Império Romano. Muitos foram os grupos que se estabeleceram nas fronteiras romanas, principalmente, a partir dos séculos IV e V: vândalos, suevos, alanos, francos, visigodos, ostrogodos, burgúndios, anglos e saxões. A invasão do território romano pelos povos germânicos ocorreu de forma gradativa. O processo de ocupação durou cerca de dois séculos e teve início nas fronteiras até alcançar regiões próximas à cidade de Roma, que resistiu durante muito tempo. Deste modo, aos poucos, foram ocupando todo o território roma- no: os francos estabeleceram-se na região da Gália, os visigodos na Península Ibérica, os ostrogodos na Península Itálica, os anglos e saxões na Grã-Bretanha e os vândalos no norte da África. As mudanças resultantes da invasão dos ger- mânicos foram profundas e, somadas a outros fatores, provocaram a desarticu- lação das estruturas políticas imperiais de Roma no ano de 476. capítulo 6 • 87 6.5 A permanência da parte oriental do Império Romano Vimos que, com a morte de Teodósio, o Império foi dividido em duas partes: o Império Romano do Ocidente, com capital em Roma e o Império Romano do Oriente, com capital em Constantinopla. O Império Romano do Oriente durou cerca de mil anos, um período permeado por crises e guerras, contras os persas, os árabes e os turcos, chegando ao fim em 1453, com a tomada de Constantino- pla pelos turcos otomanos. Algumas estruturas romanas mantiveram-se ativas no Império oriental, mesmo após a derrocada política do Ocidente. Como exemplo, podemos citar as leis romanas e o latim como língua oficial. Contudo, por volta do ano de 700, alguns aspectos da cultura grega sobressaíram-se e constituiu-se a chamada “cultura bizantina”, marcada por costumes orientais misturados aos ociden- tais. O nome “bizantina” origina-se de Bizâncio, cidade fundada em 657 a.C. pelos gregos, daí também decorre a denominação de “Império Bizantino” para a parte oriental do Império Romano. De acordo com Krachenski: (...) de fato, os principais pilares do Império Bizantino demonstram o amálgama de duas importantes civilizações: a helênica e a romana cristã. O uso da língua grega sempre foi superior ao do latim entre os bizantinos, fato que ficou marcado quando por volta do século VI d.C. a língua latina entrou em decadência. A partir desta nova configuração, costuma-se dizer que o Império Bizantino, após o reinado de Justinia- no (527-565 d.C.), adotou o grego como língua oficial ou que a língua dos romanos agora era o grego. Não somente a língua grega suplantou a latina, mas os costumes romanos deram lugar aos gregos. O Império Bizantino, que tentou por muitos anos restabelecer os domínios territoriais romanos e salvaguardar ao máximo suas tradi- ções, abandonou seu ancestral latino e assumiu uma forma e um conteúdo cada vez mais helênicos (...). (KRACHENSKI, 2010, p.6-7) Algumas normas ocidentais não foram aceitas pela Igreja do Oriente como, por exemplo, a língua usada para a celebração dos ritos. Os católicos do Oriente utilizavam o grego e o hebraico e os do Ocidente, o latim. Entre outras diferen- ças, a existência de um só papa começou a ser contestada, bem como as cons- tantes interferências da autoridade papal sobre a Igreja Católica do Oriente. 88 • capítulo 6 Nesse contexto, destacam-se as disputas religiosas, responsáveis por uma série de conflitos entre a Igreja Católica do Ocidente e a Igreja Católica do Oriente. Entre os anos de 900 e 1100, quando tem início o movimento das Cruzadas, os conflitos se acirraram. As lutas findaram em 1054, com a separa- ção definitiva entre as igrejas católicas do Ocidente e do Oriente, fato que ficou conhecido como o “Cisma do Oriente” e a Igreja Católica do Oriente passou a ser denominada de Igreja Católica Ortodoxa. A capital do Império Bizantino, Constantinopla, possuía grandiosos mo- numentos artísticos, obra do governo de Justiniano. Na cidade, ele construiu muitas igrejas e prédios públicos; sua obra mais famosa foi a basílica de Santa Sofia, cuja construção durou cerca de seis anos. Dez mil operários trabalharam na construção da basílica. Além disso, Justiniano organizou e compilou as leis do Direito Romano, preservando-as para a posteridade. A cidade de Constantinopla, hoje Istambul, na Turquia, tornou-se conhe- cida devido à sua privilegiada localização geográfica, principalmente, na Baixa Idade Média (período entre o século XI e XV), quando se tornou a “porta de en- trada” dos comerciantes genoveses para os produtos, as especiarias orientais. Controlar a principal rota comercial entre Ocidente e Oriente foi, durante lon- go tempo, um objetivo fundamental para o desenvolvimento comercial euro- peu. O Império Bizantino foi alvo de intensos ataques por parte dos turcos até que, no ano de 1453, os bizantinos foram derrotados. 6.6 O legado romano Dentre as principais heranças romanas para a cultura ocidental está o latim, língua utilizada para a escrita de diversas obras produzidas pelos intelectuais romanos. A civilização romana legou ao Ocidente obras como as comédias, os tratados de Filosofia, de História, além de discursos e poesias. Para os estudio- sos desta civilização, essas obras são uma fonte inestimável para se conhecer a “Roma Antiga”. Funari afirma que o mundo romano já foi definido como "o mundo da escri- ta", pela grande importância dada a ela. Escreviam livros, mas também cartas e documentos administrativos, em materiais como o papiro e a madeira. Os edifícios públicos apresentavam inscrições monumentais e, ainda, feitas com pincel ou estilete em vasos de cerâmica ou em paredes. capítulo 6 • 89 Conhecemos centenas de milhares de inscrições latinas, com informações sobre to- dos os aspectos da vida romana. Tão ou mais importante do que os textos é o mundo material no qual vivemos. Isto vale também para o conhecimento da Antiguidade. Os romanos deixaram-nos uma imensa quantidade de construções, como suas famosas estradas, que cruzavam todo o território e que perduram, em grande parte, até hoje. (FUNARI, 2002, p.120-121) É possível perceber o quanto o mundo contemporâneo está impregnado de aspectos variados da cultura romana, que ultrapassam uma simples menção à literatura. Na arquitetura, os templos e construções públicas dos romanos são referência para a história arquitetônica e urbana do mundo. As cidades ro- manas estão entre os destinos mais escolhidos por turistasde todo o mundo, a exemplo de Pompéia, soterrada pela erupção do Vulcão Vesúvio em 79 d.C. Outro legado importante é a própria língua portuguesa, que deriva do latim, o que ocorreu quando os romanos dominaram a Península Ibérica. A língua por- tuguesa é conhecida como "a última flor do Lácio", expressão criada pelo poeta Olavo Bilac ao se referir à região do Lácio, na qual Roma se localizava. ATIVIDADES 01. (Uel 2009) "Lucius Aurelius, liberto de Lucius César, Nicomedes, chamado Ceionius e Aelius; foi criado de quarto de Lucius César e preceptor do divino Verus imperador; foi distin- guido pelo divino Antonino com o cavalo público e com o sacerdócio de Caenina, bem como com o pontificado menor; foi feito por este mesmo imperador procurador da pavimentação das ruas e prefeito dos veículos; foi encarregado pelo imperador Antonio Augusto e pelo divino Verus do abastecimento do exército e ganhou uma lança pura, um estandarte e uma coroa mural; procurador das contas municipais; está enterrado aqui com sua mulher Ceionia Laena". (Inscrição Funerária. Roma. Século II d. C. In: CARDOSO, C. F. "Trabalho compulsório na Antiguidade". Rio de Janeiro: Graal, 1984. p.138.) É CORRETO afirmar que o texto: a) Representa o quotidiano de um aristocrata rural empobrecido e que se tornou funcioná- rio público para sobreviver, indicando uma mobilidade social descendente, o que com- prova a seletividade das castas militares na Roma Antiga. b) Descreve as funções públicas que um homem livre pobre exerceu ao longo de sua vida, evidenciando que este se tornou rico e poderoso, o que comprova a dissolução das an- tigas castas da sociedade imperial. 90 • capítulo 6 c) Trata-se de um ex-escravo que deixou registrado em seu epitáfio o processo de as- censão econômica e política pelo qual passou ao longo de sua vida, o que comprova a existência de um processo de mobilidade social na Roma imperial. d) Descreve o quotidiano de um nobre pertencente à aristocracia, cujas atividades durante a República eram a guerra e o comércio o que comprova a impermeabilidade dessa casta aos novos ricos vinculados às atividades agrícolas. e) Representa o dia a dia de um homem pobre que, ao longo de sua vida, trabalhou como funcionário público, o que comprova a eficácia da mobilidade social na Roma republicana. 02. (Uel 2008) "Os animais da Itália possuem cada um sua toca, seu abrigo, seu refúgio. No entanto, os homens que combatem e morrem pela Itália estão à mercê do ar e da luz e nada mais: sem lar, sem casa, erram com suas mulheres e crianças. Os generais mentem aos soldados quando, na hora do combate, os exortam a defender contra o inimigo suas tum- bas e seus lugares de culto, pois nenhum destes romanos possui nem altar de família, nem sepultura de ancestral. É para o luxo e enriquecimento de outrem que combatem e morrem tais pretensos senhores do mundo, que não possuem sequer um torrão de terra”. (Plutarco, Tibério Graco, IX, 4. In: PINSKY, J. "100 Textos de História Antiga". São Paulo: Contexto, 1991. p. 20.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, pode-se afirmar que a Lei da Reforma Agrária na Roma Antiga foi: a) proposta pelos irmãos Graco, Tibério e Caio, era uma tentativa de ganhar apoio popular para uma nova eleição de Tribunos da Plebe, pois pretendiam reeleger-se para aqueles cargos. b) proposta por Tibério Graco, que tinha como verdadeiro objetivo beneficiar os patrícios, ocupantes das terras públicas que haviam sido conquistadas com a expansão do Império. c) tinha o objetivo de criar uma guerra civil, visto que seria a única forma de colocar os plebeus numa situação de igualdade com os patrícios, grandes latifundiários. d) era vista pelos generais do exército romano como uma possibilidade de enriquecer, apro- priando-se das terras conquistadas e, por isto, tinham um acordo firmado com Tibério. e) foi proposta pelos irmãos Graco, que viam na distribuição de terras uma forma de supe- rar a crise provocada pelas conquistas do período republicano, satisfazendo as necessi- dades de uma plebe numerosa e empobrecida. 03. (UEA/AM) Na Roma republicana, “o tribunal e a assembleia tribal foram simplesmen- te acrescentados às instituições centrais existentes no Senado, Consulado e Assembleia capítulo 6 • 91 centuriata: não significavam uma abolição interna do complexo oligárquico de poder que guiava a República.” (Anderson) Assinale a alternativa correta a respeito da organização e do processo sociopolítico na Roma Antiga republicana: a) A luta de classes em Roma foi por vezes violenta e prolongada, produziu desempenhos heróicos, como os de Caio e Tibério Graco, e alterações que beneficiavam a plebe, mas jamais aboliu ou substituiu a estrutura cívica de poder da nobreza hereditária. b) O Senado Romano só teve poder no início da República e era constituído pelos indiví- duos considerados mais capazes, independentemente de sua origem familiar. c) Embora a democracia provenha da Grécia, a escolha dos magistrados em Roma era feita do modo mais democrático possível para os padrões da Antiguidade: eram escolhidos por todos os habitantes da cidade, em assembleia na praça pública. d) Quem governava, na Roma republicana, era o cônsul, enquanto o Senado se constituía numa simples representação honorífica de família. e) A plebe romana representava-se por uma assembleia tribal, que reunia os representan- tes das aldeias estrangeiras dominadas e ainda organizadas em comunidade primitiva. REFLEXÃO As disputas políticas que marcaram o século IV, tais como a Crise do Século III, a chegada dos germanos, a luta pelo Trono imperial romano, dentre outras questões, foram os temas sobre os quais este capítulo se deteve. Outro assunto de relevância que fora igualmente abordado é o legado cultural deixado pela civilização romana. Esta supracitada herança abarca múltiplos aspectos da cultura que se conhece no mundo ocidental contemporâneo, desde o Direito Romano, tido como base importante na constituição do Direito Moderno até a raiz latina dos idiomas que, ao se mistu- rar com a língua dos povos germânicos, originou uma gama de idiomas em todo o continente europeu. O português, por exemplo, possui raiz latina. Pela relação histórica que a fundação do Império Romano do Oriente teve com a cultura romana, reconhece-se a reprodução do legado romano pelas terras também orientais, ainda que não tenha sido ausente a presença do elemento grego neste conjunto. 92 • capítulo 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARLAN, Cláudio Umpierre. Constantino e as transformações do Império Romano no século IV. Revista de História da Arte e Arqueologia. CHAA - Unicamp. N° 11/Jan-Jun de 2009. COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. São Paulo: Martin Claret, 2009. FUNARI, P. P. Grécia e Roma. São Paulo: Contexto, 2001. KRACHENSKI, Naiara. Da Erudição Bizantina – Um Ensaio. Revista Vernáculo, n° 26, 2o sem./2010. GABARITO Capítulo 1 01. C 02. B Capítulo 2 01. A 02. C 03. C Capítulo 3 01. D 02. E 03. A 04. D Capítulo 4 01. Soma: 17 02. V, F, V, F; 03. C capítulo 6 • 93 Capítulo 5 01. E 02. B 03. D Capítulo 6 01. C 02. E 03. A 94 • capítulo 6 ANOTAÇÕES