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autor FÁBIO AFONSO FRIZZO DE MORAES LIMA 1ª edição SESES rio de janeiro 2016 HISTÓRIA ANTIGA ORIENTAL Conselho editorial luis claudio dallier, roberto paes e paola gil de almeida Autor do original fábio afonso frizzo de moraes lima Projeto editorial roberto paes Coordenação de produção paola gil de almeida, paula r. de a. machado e aline karina rabello Projeto gráfico paulo vitor bastos Diagramação bfs media Revisão linguística bfs media Revisão de conteúdo alex da silveira de oliveira Imagem de capa chad mcdermott | shutterstock.com todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016. Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063 Sumário Prefácio 5 1. Paradigmas iniciais 7 1.1 A definição de História Antiga Oriental 8 1.1.1 Pré-história X História 9 1.1.2 Antiguidade x modernidade 11 1.1.3 Oriente X ocidente 12 1.1.4 Conclusão 15 1.2 A História Antiga Oriental e suas fontes 15 1.2.1 As fontes primárias 17 1.2.2 O problema das fontes secundárias na Antiguidade 21 1.3 A História e as outras disciplinas no estudo da Antiguidade Oriental 25 1.3.1 Arqueologia e História 25 2. O Mundo Pré-histórico na Antiguidade Oriental 31 2.1 O surgimento da espécie humana 33 2.2 A Revolução do Paleolítico Superior 38 2.3 A Diáspora Humana 41 2.4 A economia e a forma de vida do Paleolítico 43 2.5 A Revolução Neolítica 44 2.6 A revolução urbana 47 2.6.1 De aldeias a cidades: a complexificação e a hierarquização da sociedade 48 2.6.2 Os avanços técnicos e tecnológicos: cerâmica e metalurgia 51 3. Mundos da economia 55 3.1 O que é economia? 56 3.2 As condições naturais e os seres humanos no Antigo Oriente 60 3.2.1 As condições naturais 60 3.2.2 Os seres humanos e o povoamento 64 3.3 O modo de produção asiático 65 3.4 A economia mesopotâmica 67 3.5 A economia egípcia 73 3.6 A economia fenícia 82 4. Mundos da política 87 4.1 O que é a Política? 88 4.2 Centralização e fragmentação do poder no Antigo Oriente 90 4.3 O Poder na Antiga Mesopotâmia 94 4.4 O poder no Antigo Egito 104 4.5 O poder entre os antigos hebreus 118 4.6 O Poder na Pérsia Antiga 125 5 Prefácio Prezados(as) alunos(as), Este material foi desenvolvido para servir como elemento de apoio e leitura complementar para as aulas da disciplina de História Antiga Oriental. O con- teúdo que nos diz respeito é vastíssimo e bastante díspar, envolvendo várias sociedades antigas, que guardam como principal característica compartilhada o fato de não serem identificadas com aquilo que se convencionou chamar de Ocidente. As diferenças entre essas sociedades da Antiguidade Oriental tornam extre- mamente ingrata a tarefa de escrever um manual que dê conta de todas elas. Tendo em vista os limites de espaço e profundidade colocados por um material como este, escolhemos priorizar os eixos econômico e político da história das civilizações apresentadas, buscando identificar os elementos mais importan- tes para a formação do profissional em licenciatura. Tendo em consideração as escolhas apresentadas, dividimos o material em quatro capítulos. O primeiro é dedicado a discussões teóricas sobre os concei- tos de História, Antiguidade e Oriente, bem como as características próprias desta disciplina. O segundo capítulo aborda os debates acerca daquilo que se convencionou chamar de pré-história, envolvendo tanto o surgimento dos seres humanos quanto os importantes desenvolvimentos sociais ligados ao aparecimento das primeiras civilizações. No capítulo três, são apresentadas as principais características das estrutu- ras econômicas das sociedades do Antigo Oriente, destacando uma abordagem teórica importante e estudos de caso relacionados a sociedades distintas, como Egito e Mesopotâmia, por um lado, e as cidades fenícias por outro. Por fim, o último capítulo apresenta os elementos fundamentais de uma história política de diversas sociedades estudadas. Desta maneira, abordamos tanto uma perspectiva mais voltada para a síntese da história dos povos na An- tiguidade Oriental quanto uma explicação de suas organizações sociais e dinâ- micas de poder. O estudo das sociedades do Antigo Oriente tem uma importância funda- mental na construção da perspectiva crítica dos sujeitos na atualidade. Em pri- 6 meiro lugar, a partir do questionamento da própria divisão entre aquilo que se convencionou chamar de “Ocidente” e de “Oriente”. Além disso, a heterogenei- dade das experiências sociais naquelas civilizações pode servir como um labo- ratório de diversidade importante para desnaturalizarmos e criticarmos nossa própria realidade. Bons estudos! Paradigmas iniciais 1 8 • capítulo 1 1. Paradigmas iniciais O que é a História Antiga Oriental? Nosso primeiro capítulo objetiva resolver esta questão. Para isto, vamos analisar rapidamente cada um dos conceitos que compõem o título da nossa disciplina, colocando-os em perspectiva. Uma segunda pergunta a ser respondida é: quais as especificidades do tra- balho de pesquisa em História Antiga Oriental? Neste sentido, outra parte do capítulo será dedicada à análise das fontes e métodos utilizados em nosso cam- po de estudo, acentuando suas características próprias. Por fim, devemos nos debruçar sobre os contatos interdisciplinares cons- tantes das pesquisadoras e pesquisadores do Oriente Antigo, destacando a im- portância do trabalho dos diferentes profissionais no desvendamento do pas- sado das civilizações que são nosso objeto de estudo. OBJETIVOS • Compreender o debate da diferenciação entre História e Pré-História; • Contextualizar conceitualmente a Antiguidade; • Entender a dicotomia Oriente x Ocidente; • Compreender o conceito de História Antiga Oriental; • Situar-se nos debates acerca das fontes utilizadas na História Antiga Oriental; • Entender as peculiaridades da área de pesquisas sobre a Antiguidade Oriental; • Discutir o aspecto multidisciplinar dos estudos sobre o Oriente Antigo; • Criticar o eurocentrismo presente na nomenclatura História Antiga Oriental; • Definir as civilizações estudadas no curso de História Antiga Oriental. 1.1 A definição de História Antiga Oriental O primeiro passo para iniciar o estudo da História Antiga Oriental é a com- preensão conceitual do significado de cada um dos termos que compõem o nome da disciplina. À primeira vista, isto pode parecer simples, uma vez que estas não são palavras extraordinárias de nosso vocabulário. Todavia, a pesqui- sa mais aprofundada deve ter seu início no que se costuma chamar popular- mente de “limpeza do terreno” teórico. Ou seja, tendo a compreensão completa do que cada categoria significa e quais as relações delas com outros conceitos. capítulo 1 • 9 A história da Antiguidade Oriental, por ter como foco aquelas sociedades que são conhecidas comumente como “berços da civilização”, dedica-se ao período do surgimento das primeiras civilizações humanas. Neste sentido, é a disciplina dentro da História que tem espaço para se discutirem inúmeros ele- mentos do período conhecido como Pré-História. Por isso, o primeiro grande debate a ser travado no processo de “limpeza do terreno” conceitual é a oposi- ção entre História e Pré-História. A própria forma de dividir o tempo histórico é uma invenção humana relati- vamente recente se levarmos em conta toda a nossa trajetória no planeta. Para além de simples marcos temporais, categorias como “Antiguidade”, “Idade Média” ou “Idade Moderna” são campos de discussão na disciplina e, portanto, devem ser analisadas cuidadosamente. Por fim, deve-se discutir o conceito de Oriente, relacionado diretamente ao espaçogeográfico e imaginário conhecido como mundo ocidental, no qual está enquadrada a sociedade brasileira. 1.1.1 Pré-história X História O primeiro homem a usar a expressão “Pré-História” parece ter sido Daniel Wil- son, em um livro de 1851, chamado The Archaeology and Prehistoric Annals of Scotland (Os Anais Arqueológicos e Pré-Históricos da Escócia). A noção de um tempo pré-histórico, todavia, é mais antiga e iniciou-se com a formação, em 1707, da Sociedade de Antiquários de Londres. Todos os interessados em objetos antigos de diferentes civilizações do pas- sado eram chamados, a partir do século XVIII, de “Antiquários”. Dedicavam-se não apenas à aquisição, mas ao estudo, à avaliação e à discussão de tais objetos. A periodização do passado da maneira que conhecemos hoje foi criada também no século XVIII. Foram os filólogos, antes mesmo do surgimento dos historiadores profissionais, que introduziram a ideia da repartição cronológi- ca entre uma História Antiga, Medieval e Moderna, que apareceu pela primei- ra vez nos 38 volumes da Universal History from the Earliest Account of Time (História Universal desde o Início dos Tempos), publicados entre 1736 e 1765. Somente no século XIX é que a Pré-História entrou como um quarto período nesta divisão, no mesmo período do aparecimento da História como uma dis- ciplina acadêmica. 10 • capítulo 1 O que diferenciava, na cabeça desses homens dos anos 1800, a História da Pré-História? A palavra “história” é normalmente usada em pelo menos três sentidos, referentes a distintos recortes temporais: 1. Todo o passado desde o surgimento do universo; 2. Todo o passado de experiências humanas neste planeta; 3. O passado de experiências humanas que conhecemos por meio dos re- gistros escritos. Como disciplina, a História se diferencia da História Natural, fazendo dis- tinção entre o primeiro sentido descrito acima e os demais. Portanto, o objeto da análise histórica refere-se apenas àquilo que é humano. Afinal, segundo a fa- mosa metáfora de Marc Bloch, o historiador é como o ogro da lenda, está onde fareja a carne humana. Considerando que a História surgiu como campo acadêmico durante o século XIX, foi neste momento que os primeiros historiadores começaram a restringir o seu âmbito de atuação àquelas experiências humanas do passado que nos legaram registros escritos. Com a definição da História como o estudo das sociedades humanas a partir de seus testemunhos escritos, a Pré-História surgiu, lógica e etimologicamente, com o significado de período anterior à História, portanto tudo que precedeu a invenção da escrita. A Pré-História passou a ser objeto de pesquisa da Arqueologia muito mais do que da História, embora, como veremos, a interdisciplinaridade entre as duas seja fundamental. O próprio significado da palavra “Arqueologia” vem da definição grega de “conhecimento das coisas antigas”. A própria trajetória pré-histórica da humanidade foi dividida pelos pesqui- sadores europeus entre um período pré-histórico e outro do que seria chama- do de Proto-história, com esta última se referindo ao estudo das culturas que não produziram registros escritos, mas que existiam nas franjas das socieda- des letradas. A definição de Pré-História, portanto, parte de uma perspectiva europeia da- tada de um momento histórico específico, no século XIX. Este mesmo período foi marcado por relações internacionais de força, nas quais as nações europeias invadiram e exploraram violentamente diversas regiões, em especial na África e na Ásia. As Ciências Humanas, como a História, a Arqueologia e a Antropologia, muitas vezes foram usadas para criar as justificativas necessárias para essa ex- ploração, apontando a inferioridade de povos entendidos como primitivos. capítulo 1 • 11 Um dos elementos que demonstravam uma suposta inferioridade de deter- minados povos africanos e asiáticos era o fato de serem ágrafos, ou seja, sem o desenvolvimento de uma forma de escrita. Assim, o conceito de Pré-História passou a estar associado, de alguma maneira, a uma visão preconceituosa, como se os povos ágrafos fossem um passo anterior à civilização em uma linha evolutiva unilinear que tinha a Europa em seu ponto mais desenvolvido. Tal perspectiva não pode ser sustentada se comparada aos indícios de so- ciedades que, mesmo após o surgimento da escrita, retornaram ao status de ágrafas. Há, dessa maneira, exemplos do que poderia ser definido a partir da lógica da evolução unilinear como um regresso de uma civilização histórica ao estágio pré-histórico. Há a necessidade de tratar com cuidado a divisão entre Pré-História e História, para que não seja atribuído a ela nenhum juízo de valor, muito menos aquele posto por uma visão eurocêntrica. Portanto, obedeceremos neste livro ao recorte tradicional que identifica o surgimento das diferentes escritas como ponto de transição de um período pré-histórico para um período histórico. Faremos isto para facilitar o enquadramento do leitor nos conceitos estabeleci- dos historicamente. Todavia, desejamos marcar criticamente a necessidade de rever essas definições a partir de novos paradigmas que não considerem uma evolução unilinear. Ainda mais uma que toma a experiência europeia como central para todos os períodos da existência humana. 1.1.2 Antiguidade x modernidade Como visto anteriormente, a divisão tradicional entre os períodos históricos é fruto do longínquo século XVIII, embora continue a ser adotada pela historio- grafia. Divide-se a história entre um período da Antiguidade, uma Idade Média, uma Idade Moderna, à qual foi acrescida posteriormente uma Idade Contem- porânea. O conceito de “antigo” toma sempre como referência um determina- do momento, para caracterizar outro como ocorrido muito antes. Logo, a His- tória Antiga refere-se diretamente ao período no qual tal conceito foi criado: a Idade Moderna. Os homens do século XVIII tomaram como perspectiva uma definição do tempo histórico tributária das leituras de seus antecedentes renascentis- tas do século XVI. Durante o Renascimento, intelectuais conhecidos como 12 • capítulo 1 “humanistas” valorizaram inúmeros aspectos da cultura clássica das civiliza- ções antigas da Grécia e Roma, resgatando em especial sua literatura, poética e oratória. Como supervalorizaram a cultura da Antiguidade greco-romana, os hu- manistas classificaram o período de seu enfraquecimento com um momento de declínio cultural, identificado como um “tempo de trevas” ou uma “idade média” entre os grandes sujeitos do Mundo Clássico e sua retomada pelos renascentistas. O movimento dos humanistas fez com que a Antiguidade greco-romana fosse entendida como o momento de criação do mundo moderno, no qual es- tavam sendo resgatados os valores clássicos. Grécia e Roma passaram a ser os parâmetros básicos para os recortes temporais tradicionais da historiografia. Portanto, a história, surgida com a invenção da escrita, teria seu primeiro recor- te temporal no fim do Mundo Clássico, tradicionalmente associado à desagre- gação do Império Romano e o início do período “bárbaro”, que marca a Idade Média. A data marco para tal processo seria o ano de 476, com a entrega das insígnias do Império Romano do Ocidente ao imperador oriental pelos povos germânicos que nele se instalaram. O que se pode perceber a partir de tais recortes é a repetição de um claro padrão eurocêntrico. Ou seja, a história da Europa não só é tomada como a ampulheta que referencia os marcos temporais de toda a história da humani- dade, como sua cultura também é entendida como raiz para toda a civilização moderna. Essa identificação da Europa como ponto de referência para a história mun- dial e, em especial, para a civilização moderna liga-se ao debate entre as ideias de Oriente e Ocidente. 1.1.3 Oriente X ocidente O senso comum percebe Oriente e Ocidente como simples indicações geográ- ficas,equivalentes a leste e oeste. Hoje em dia, o recorte é feito com base nas coordenadas longitudinais estabelecidas pelo Meridiano de Greenwich, que se convencionou tomar como marco para a numeração das linhas verticais imagi- nárias que cortam o planeta. É, todavia, necessário pensar na conformação de um mundo ou uma cultura oriental em oposição a outra ocidental. capítulo 1 • 13 © W IK IM E D IA .O R G Figura 1.1 – Representação da ilha do Meridiano de Greenwich. Um exemplo claro das contradições entre as coordenadas geográficas toma- das a partir do Meridiano de Greenwich e as perspectivas acerca das diferenças culturais entre Ocidente e Oriente é dado se pensarmos que, a partir da lógica puramente geográfica, a França seria um país oriental. Deve-se, todavia, perce- ber a dificuldade em associar a cultura francesa a dinâmicas culturais orientais. Partindo do ponto de vista da identidade e da cultura, Ocidente e Oriente só podem ser definidos de maneira relacional. Mas é importante entender que esses conceitos se modificam historicamente. Portanto, devemos esclarecer que as categorias de Ocidente e Oriente que estão sendo aqui tratadas têm seu surgimento intelectual na virada do século XVIII para o século XIX. O contexto europeu do período foi marcado pela lógica expansionista, que demandou a criação de um conhecimento próprio sobre as sociedades para as quais as nações europeias estavam se expandindo. Surgiu, assim, o que foi chamado de um conhecimento orientalista, ou seja, uma elaboração de aca- dêmicos europeus sobre a história e a natureza de regiões africanas e asiáticas principalmente. A base desse conhecimento orientalista foi construída sobre a ideia de in- ferioridade dos povos conquistados pelos europeus, o que, de diversas manei- ras, justificava e impulsionava as ações imperialistas, vistas como benéficas. Foi a partir dessa lógica que o conceito de Oriente foi determinado de forma negativa, ou seja, como tudo aquilo que não era ocidental. Para isso, buscou-se englobar, no mesmo conceito, elementos culturais muito distintos, como as tradições muçulmanas, hindu e chinesa, por exemplo. 14 • capítulo 1 Tudo que não fosse diretamente ligado à herança cultural europeia acabou por ser associado à ideia de oriente, enquanto as raízes da Europa foram esta- belecidas na história Greco-Romana clássica e sua união com o cristianismo, iniciada no Império Romano e consolidada no período que se convencionou chamar de medieval. A partir da tomada da Europa como medida (e mais especialmente do eixo Inglaterra-França-Alemanha-Península Ibérica-Itália) para o mundo ocidental, o restante do planeta foi dividido. A América já era um continente cristão que teve sua conquista executada séculos antes por alguns desses mesmos povos europeus. Portanto, enquadrava-se na cultura ocidental. Em contrapartida, as civilizações africanas, asiáticas e até da Oceania foram classificadas como orientais e localizadas na medida de sua distância em rela- ção à Europa. Surgiram, assim, os conceitos de Oriente Próximo, para tratar do que hoje seria a Turquia, a região da Síria-Palestina e a antiga Mesopotâmia; um Oriente Médio, que acabou sendo vinculado à Península Arábica e ao Irã; e, por fim, um Extremo Oriente, onde foram enquadrados todos os demais povos, como indianos, chineses, japoneses etc. Não é coincidência que a disciplina de História Antiga Oriental tenha sur- gido nesse momento. Uma prova inconteste disso é que o marco desse orien- talismo moderno é o Description d’Egypte, produzido pela comitiva científica de cerca de 160 especialistas (aos quais se somaram aproximadamente 2000 artistas e técnicos) levados pelo exército napoleônico em sua invasão ao Egito e publicado entre 1809 e 1829 em dezenas de volumes. O mesmo impulso francês, iniciado por Napoleão, ao estudo da história, geografia e natureza do Egito Antigo levou à decifração da escrita hieroglífica atribuída a Jean-François Champollion na década de 1820. Da mesma maneira, foi no século XIX que a presença europeia na região da antiga Mesopotâmia despertou a curiosidade acerca das antigas ruínas encon- tradas por lá e impulsionou os estudos acerca da antiga civilização mesopotâ- mica e a decifração, em meados do século, da escrita cuneiforme liderada por Henry Rawlison. Sociedades privadas e universidades da Europa começaram a patrocinar missões de exploração no Oriente, que incluíam historiadores, linguistas e ar- queólogos, fossem eles amadores ou profissionais. Dessa maneira, uma série de publicações de livros e periódicos impulsionou os conhecimentos orientalistas capítulo 1 • 15 sobre diversas sociedades, e seus vestígios materiais inundaram os museus e as coleções particulares das grandes nações imperialistas europeias. Consolidou-se, dessa maneira, o campo de estudos acerca da Antiguidade Oriental, no contexto do imperialismo europeu e da construção de um conhe- cimento orientalista. 1.1.4 Conclusão Pode-se perceber, acima de tudo, que as definições de “História”, “Antigui- dade” e “Oriente” têm sua historicidade sendo fruto do contexto europeu do século XIX, marcado pelo avanço da perspectiva nacionalista e da expansão imperial principalmente sobre a África e a Ásia. Não há, portanto, como negar o caráter radicalmente eurocêntrico da perspectiva adotada pela disciplina de História da Antiguidade Oriental. Vários preconceitos decorreram dessa tra- dição e se perpetuaram neste campo de estudos, que nasceu associado a fins políticos explícitos. Cabe aos futuros pesquisadores da área de História Antiga do Oriente a vi- são crítica sobre a produção nesse campo de estudos, buscando novas formas de observar as sociedades classificadas como orientais, que se distanciem de uma leitura pejorativa e marcada pela comparação com a história da Europa. Seguindo os parâmetros tradicionais da disciplina, o conteúdo exposto nes- te livro abarcará diferentes civilizações que foram classificadas como parte da Antiguidade Oriental. Da pré-história até os últimos séculos antes de Cristo, a disciplina se refere, de forma mais ou menos detida, às seguintes civilizações: Mesopotâmia, Egito, Hebreus, Fenícios e Persas. 1.2 A História Antiga Oriental e suas fontes A História é uma forma de conhecimento retrospectiva e mediada, mas o que significa isto? O caráter retrospectivo é dado pelo fato de que o historiador ou a historiadora são sempre indivíduos localizados em um tempo futuro ao dos acontecimentos que pesquisam. Dessa maneira, nossas análises estão sempre voltadas para o passado, ainda que busquemos nele questões relevantes para o nosso presente e para a construção do nosso futuro. Em segundo lugar, a His- tória é uma disciplina que apenas tem acesso ao seu objeto de estudo de forma mediada, o que, em outras palavras, significa que dependemos dos testemu- 16 • capítulo 1 nhos deixados, voluntária ou involuntariamente, pelos homens e mulheres do passado para tentar construir uma explicação sobre o ocorrido. O conhecimento histórico é, portanto, baseado em diferentes testemunhos, tendo como elemento fundamental o gênero humano. Na metáfora do famoso historiador francês Marc Bloch, o (a) profissional de história é como o ogro da lenda, farejando carne humana, ou seja, buscando os indícios das atividades das sociedades humanas no tempo (BLOCH, 2001: 54). Como um detetive que não testemunhou o crime que quer desvendar, os historiadores encontram-se munidos apenas das pistas deixadas pelos seus in- vestigados. As evidências podem, todavia, estar direta ou indiretamente ligadas ao processo a ser desvendado. Na tradição da nossa disciplina, esses dois tipos de indícios são chamados, respectivamente, de fontes primárias e secundárias. As fontes primárias são aquelas produzidas pelas sociedades e pelos seus indivíduos no decorrer do processo que se está sendo pesquisado. Jáas fontes secundárias são aquelas elaboradas posteriormente, mas que se referem ao pe- ríodo analisado de alguma maneira. Num exemplo simples, pode-se falar que inscrições nas paredes de templos egípcios são fontes primárias para o período em que foram gravadas. Referências posteriores feitas tanto por egípcios de ou- tros tempos quanto por pesquisadores de outras origens e diferentes momen- tos históricos devem ser classificadas como fontes secundárias. A principal ferramenta para a construção do saber historiográfico são as fontes primárias. O estudo de determinada sociedade deve ser feito a partir dos testemunhos produzidos pelos seus componentes, no contexto analisado. Dessa maneira, o historiador ou a historiadora são dependentes desses vestí- gios produzidos no passado. Consequentemente, o conhecimento histórico é limitado pelos vestígios encontrados, o que significa dizer que há lacunas re- ferentes à falta de indícios específicos. Por exemplo, a falta de conhecimento sobre distribuição demográfica em uma sociedade do Antigo Oriente é fruto da inexistência de censos ou outra documentação material que seja significativa para compreender tal questão. A distribuição dos vestígios do passado não é homogênea. Portanto, há mo- mentos e locais na história que nos legaram uma quantidade maior de teste- munhos, bem como tipos distintos deles. Nesse sentido, cabe a nós uma análi- se mais detalhada das especificidades das fontes utilizadas pela disciplina de História Antiga Oriental. capítulo 1 • 17 1.2.1 As fontes primárias Considerando o que dissemos acima de que os tipos e quantidades de teste- munhos deixados pelas sociedades passadas são variáveis, qual é a especifici- dade da História Antiga Oriental? Logicamente, uma sociedade mais afasta- da no tempo tende a deixar menos vestígios preservados do que outras mais próximas. Por consequência, as lacunas do saber historiográfico tendem a ser maiores. Essa talvez seja a maior peculiaridade da relação entre o historiador da Antiguidade e suas fontes: a relativa escassez de documentação quando com- parada a períodos posteriores. Mas quais são as razões para isso? Destaca-se principalmente a ação do tempo sobre os materiais que servem de suporte aos vestígios. Poucas são as atividades humanas que deixam marcas capazes de resistir à degradação causada por ações naturais ou mesmo por experiências humanas posteriores. Além disso, é importante ressaltar que, salvo raras exce- ções, como grandes construções religiosas, por exemplo, a imensa maioria das fontes não era feita com a intenção de uma durabilidade milenar. Embora a escassez de fontes seja uma marca da História Antiga (tanto Oriental quanto Ocidental), Moses Finley ressaltou, já na década de 1980, que a área dos estudos da Antiguidade passava por grandes transformações em vá- rios aspectos, como: 1. Um aumento crescente do volume de dados com a publicação tanto de fontes escritas quanto, principalmente, de relatos arqueológicos; 2. O aprimoramento das técnicas e tecnologias utilizadas na pesquisa, proporcionando uma evolução em vários aspectos, como a datação dos vestí- gios, por exemplo; 3 O acúmulo de análises historiográficas que levou à modificação da com- preensão que temos sobre diversas realidades históricas (FINLEY, 1994: 4-6). Uma pergunta importante a ser feita é: quais são as principais fontes para a História Antiga Oriental? Ainda que marcados pela escassez relativa, os estu- dos sobre a Antiguidade Oriental contam com uma grande pluralidade de tipos de testemunhos. Adotando a perspectiva clássica associada à pesquisa histó- rica, como visto acima, podemos começar pelas fontes escritas, que incluem diferentes espécies de relatos de caráter estatal ou privado, como documentos 18 • capítulo 1 relativos a atividades econômicas, conjuntos de leis, proclamações reais, textos religiosos, literatura ficcional, relatos historiográficos e míticos, entre outros. Misturam-se às fontes escritas os incontáveis tipos de registros da cultura material analisados pela Arqueologia, indo desde os próprios corpos e utensí- lios mais simples aos maiores monumentos e até mesmo cidades inteiras. Cabe ressaltar que, embora os testemunhos que medeiam nossa relação com a Antiguidade sejam múltiplos, seu caráter é extremamente fragmentado por conta dos fatores já citados, em especial a falta de intenção de durabilidade e ação inclemente do tempo. Aquilo a que nós, pesquisadores e pesquisadoras do passado, temos acesso é apenas uma parte, muitas vezes desconexa e cons- tantemente incompleta, do total da documentação produzida. O caráter fragmentado das fontes acaba por desvelar alguns campos da vida social muito mais do que outros. Soma-se a isso o próprio interesse desigual de historiadores e arqueólogos pelas diferentes esferas da experiência humana no passado. Dessa maneira, o resultado é que nós, por exemplo, sabemos muito mais sobre as grandes atividades religiosas dos egípcios do que sobre sua rea- lidade cotidiana de trabalho. Em contrapartida, temos muito mais acesso às concepções mesopotâmicas de propriedade do que aos seus gostos culinários. Uma diferença marcante entre aquilo que se convencionou chamar de Antiguidade Oriental e sua contraparte do Ocidente em relação à documenta- ção é a melhor conservação dos diversos tipos de testemunhos em virtude das distintas condições climáticas. Enquanto o clima mais frio e úmido da Europa mediterrânica tende a destruir materiais com mais facilidade, o clima mais seco do Norte da África, da Síria-Palestina e da Mesopotâmia tende a preservar matérias orgânicas e de outros tipos por muito mais tempo. Soma-se a isto o fato de que, no Egito, por exemplo, muitos testemunhos foram deixados em franjas desérticas, que, além do clima seco, permanecem, muitas vezes, desa- bitadas por séculos. Mesmo com todas essas peculiaridades, devemos concordar com a afirma- ção de que a insuficiência de fontes literárias primárias é uma praga persistente no que se refere à história da Antiguidade (FINLEY, 1994: 16). Isso não impede a constatação de que o surgimento da escrita foi um passo extremamente signi- ficativo no que se refere à produção de testemunhos. Ou seja, sabemos infinita- mente mais sobre os períodos tradicionalmente caracterizados como históricos em comparação com nossos conhecimentos sobre os momentos pré-históricos das mesmas sociedades. capítulo 1 • 19 Não obstante, é importante ressaltar que, durante toda a Antiguidade, as ci- vilizações tiveram sua composição estruturada pelo contraste entre um peque- no grupo de membros especializados que dominavam a escrita e uma enorme maioria analfabeta. Isto significa que grande parte da população continuou a depender de relatos orais, o que gerou um desequilíbrio no tipo de documentos escritos que chegaram até nós, refletindo apenas as experiências de uma parce- la daqueles povos, em geral seus grupos dominantes. A partir do cenário dessa “praga persistente” da insuficiência de fontes lite- rárias primárias, como deve proceder o historiador da Antiguidade Oriental para construir uma imagem sobre o passado? O primeiro passo, é claro, está relacio- nado aos outros testemunhos primários, e isto envolve um contato muito próxi- mo com outras disciplinas, como a Arqueologia, a Papirologia, a Linguística e a Numismática, por exemplo. Marc Bloch dizia que era indispensável ao bom his- toriador possuir um conhecimento interdisciplinar mínimo para avaliar a docu- mentação e suas dificuldades, mas que o verdadeiro trabalho deveria ser feito em equipe, aliando-se a diferentes especialistas (BLOCH, 2001: 81). Numismática é a ciência que estuda moedas e medalhas, mesclando aspectos de análise histórica, iconográfica e químico-metalúrgica. O segundo passo para auxiliar a preencher as lacunas deixadas pela docu- mentação é a utilização de modelos teóricos construídosa partir de analogias com realidades sociais semelhantes. Tais realidades podem ser tanto da mes- ma sociedade em períodos distintos quanto de outras civilizações localizadas em pontos diferentes do tempo-espaço. Neste sentido, a interdisciplinaridade também é fundamental, e o contato se dá em especial com ciências como a Sociologia e a Antropologia. Ao contrário dos historiadores da Antiguidade, que – em virtude do descom- promisso com a construção de uma verdade científica – acabavam preenchendo as lacunas de seus relatos de maneira mais ou menos ficcional, os pesquisado- res de hoje precisam justificar suas escolhas. Nesse sentido, deve-se concordar com Moses Finley de que “sem um esquema teórico de base conceitual, o teste- munho escasso e duvidoso se presta à manipulação em todos os sentidos, sem qualquer tipo de controle” (FINLEY: 1994: 21). 20 • capítulo 1 Para exemplificar, podemos tomar o modelo abstrato da sociedade palacial ou aquele do Modo de Produção Asiático, característicos de inúmeras socieda- des do Antigo Oriente Próximo. Veremos posteriormente as características re- lacionadas a esses modelos, mas podemos adiantar a forma como se encaixam na dinâmica da pesquisa histórica. Imaginemos que as poucas fontes sobre a organização de uma sociedade em um determinado período deem indícios da cobrança de impostos execu- tada por templos ou palácios sobre pequenas comunidades camponesas. Podemos imaginar apenas alguns tabletes de argila em cuneiforme ou alguns papiros que se refiram a essas taxações. Somente esses indícios não são sufi- cientes para desvendar toda a organização econômica da sociedade, que im- plica localizar as formas de produção, distribuição e consumo dos sujeitos, além de quais grupos sociais desempenham funções nessa economia. Logo, as imensas lacunas impediriam de montar um quadro explicativo que situasse as poucas evidências em um contexto compreensível. A solução para preencher essas lacunas com uma orientação científica é a utilização de modelos teóricos. No nosso exemplo, o estudo de sociedades semelhantes com documentações mais abundantes e amplas favorece as ge- neralizações, como a do Modo de Produção Asiático. Cabe ao pesquisador de História Antiga o passo de criar hipóteses que sirvam para testar a aplicabili- dade deste modelo à sociedade específica que estuda, a partir das fontes dis- poníveis. Portanto, se um determinado papiro ou tablete de argila se encaixa e passa a fazer sentido no funcionamento do modelo escolhido, isto auxilia na montagem de um cenário mais complexo e menos lacunar do passado. Nesse processo, o contato com ciências como a Antropologia, por exemplo, é fundamental, uma vez que várias das sociedades de menor complexidade que são objeto dos estudos antropológicos podem iluminar aspectos de experiên- cias históricas da Antiguidade. Por outro lado, tampouco é incomum que estu- diosos de outras áreas, como a Economia, criem seus modelos teóricos a partir de diferentes realidades e trabalhem para testá-los nas sociedades antigas. Cabe a ressalva de que esse processo deve ser sempre desenvolvido com cui- dado, para não forçar as fontes a um modelo pensado a partir de uma sociedade muito diferente. Não se pode, por exemplo, olhar para a economia do mundo mesopotâmico ou fenício tendo como base a economia capitalista de mercado, desenvolvida milênios depois. capítulo 1 • 21 De qualquer maneira, vamos analisar a relação da História Antiga Oriental com outras disciplinas em uma seção posterior. Antes, todavia, precisamos nos dedicar aos problemas relacionados ao uso de determinadas fontes secundá- rias em contextos muito específicos da análise da Antiguidade. 1.2.2 O problema das fontes secundárias na Antiguidade Como visto, as fontes escritas foram privilegiadas, por muito tempo, na ela- boração das narrativas historiográficas. Com a consolidação do campo acadê- mico profissional de História, a construção do cenário do passado partia da documentação escrita sobre ele, em especial de outros relatos historiográfi- cos precedentes. No caso da História Antiga, em razão da escassez de fontes escritas, mui- tas vezes os historiadores tiveram de tomar a documentação secundária como principal manancial de informações para alguns períodos. Isto estabeleceu uma relação particular com determinados relatos historiográficos produzidos na própria Antiguidade e adotados como principais fontes de informação para períodos anteriores. Um exemplo análogo pode ajudar a esclarecer a questão. Imaginemos que um pesquisador futuro queira saber sobre a escravidão brasileira entre os séculos XVIII e XIX. Suas fontes primárias seriam, logica- mente, os documentos produzidos no período, como registros de chegada de escravos nos portos brasileiros, anúncios de compra e venda em periódicos da época, documentação cartorial de herança das grandes propriedades escravis- tas ou de batismo dos cativos. Façamos um esforço, porém, para imaginar um cenário futuro em que todos esses documentos tenham desaparecido. Logo, nosso amigo pesquisador se voltaria para os livros escritos no século XX sobre a história da escravidão (portanto, fontes secundárias) para ter alguma ideia do que ocorreu no passado mais remoto e escrever sua narrativa. Ainda que seja incomum que isso ocorra com sociedades do nosso passado próximo, muito mais preocupadas com os registros e sua conservação, este não é um cenário raro no contexto da análise da Antiguidade. No caso da História Antiga Oriental, há exemplos clássicos de historiadores antigos que foram fun- damentais para o estabelecimento dos relatos acerca do seu passado, como o egípcio Mâneton ou o judeu Flávio Josefo. Mâneton foi um historiador e sacerdote egípcio que viveu no século III a.C., no período conhecido como Ptolomaico. Sua principal obra foi intitulada 22 • capítulo 1 Aegyptiaca (“História do Egito”), escrita em grego aparentemente sob o incen- tivo do faraó Ptolomeu I. Nela, o autor estabeleceu um relato iniciado na mo- narquia mitológica dos deuses que primeiro teriam habitado o Vale do Nilo e seguindo até a XXXI Dinastia. A metodologia utilizada foi principalmente a das listas reais, ou seja, uma listagem histórica dos monarcas, o que era uma tradi- ção faraônica. Neste sentido, Mâneton utilizou-se de algumas listas produzidas anteriormente para informar o seu trabalho. Sabemos através de achados ar- queológicos que tais listas eram produzidas no Egito desde o Terceiro Milênio a.C., como comprova a Pedra de Palermo, uma das prováveis fontes do historia- dor egípcio. Período Ptolomaico é como é conhecido o período da história egípcia iniciado com o coroamento de Ptolomeu, general de Alexandre, o Grande, como faraó, em 305 a.C., e finalizado com a derrota diante dos romanos no governo da rainha Cleópatra VII, em 30 a.C. Naquele período, o Egito recebeu muitas influências da cultura helênica. © G .D A LL O R TO | W IK IM E D IA .O R G Figura 1.2 – Maior fragmento da Pedra de Palermo, exposto em museu italiano. capítulo 1 • 23 A Pedra de Palermo é uma pedra de basalto que originalmente deveria ter pouco mais de dois metros de altura e 60 cm de largura, gravada com uma lista dos monar- cas egípcios desde o período Pré-Dinástico até a V Dinastia, contendo também al- guns eventos associados aos reinados, como guerras e construções de templos. Seu nome foi dado pelo fato de que o maior de seus fragmentos encontra-se no Museu de Palermo, na Sicília, desde 1877. Outro historiador a trabalhar fazer sua própria Aegyptiaca foi Hecateu de Abdera, um grego contemporâneo de Mâneton que escreveu uma história egíp- cia com base em informações locais, mas preenchendo as lacunas do passado para atender aos critérios estéticos apreciados pelos gregos da época. O texto original escrito por Mâneton não chegou até nós. Conhecemos seu trabalho a partir de outros historiadoresque o utilizaram, principalmente o ju- deu Flávio Josefo, que viveu no século 1 d.C. © W IK IM E D IA .O R G Figura 1.3 – Busto atribuído ao historiador Flávio Josefo. Cidadão romano, Josefo (cujo nome original em hebraico era Yosef bem Mattityahu) é um dos mais importantes historiadores da Antiguidade, em 24 • capítulo 1 especial no que se refere à História Antiga Oriental. Além de sua autobiogra- fia (Vida de Flávio Josefo), escreveu um livro sobre a Guerra dos Judeus, fonte primária sobre a rebelião na Judeia contra a dominação romana, e outro sobre as Antiguidades Judaicas, que conta uma história do mundo sob a perspectiva dos judeus. A mais conhecida fonte secundária utilizada para a compreensão de diver- sas sociedades orientais é, todavia, a Bíblia. Em seus inúmeros livros temos não somente a história dos hebreus e do cristianismo nascente, mas também refe- rências a outros povos contemporâneos, como os egípcios e os babilônicos, por exemplo. Até a decifração das escritas próximo-orientais, como os hieróglifos egípcios ou o cuneiforme mesopotâmico, a maior parte das informações acerca dessas sociedades era proveniente da Bíblia e de historiadores do mundo anti- go como Heródoto ou Flávio Josefo. A historiografia da Antiguidade Oriental, portanto, utilizou-se por muito tempo de fontes secundárias para tentar montar um cenário compreensível do passado das suas sociedades. Sabendo-se que a matéria-prima do trabalho histórico são as fontes primárias, como deve proceder o historiador ou a histo- riadora nestes casos? A primeira saída para esse dilema está na já afirmada necessidade das tro- cas interdisciplinares, em especial com a Arqueologia. Mas sobre isso falare- mos em seguida. No que se refere aos textos posteriores, escritos pelos histo- riadores da Antiguidade, são necessários cuidados metodológicos para filtrar as informações confiáveis referentes ao período que aqueles profissionais bus- cavam retratar. O primeiro passo metodológico para a utilização dos relatos historiográfi- cos do passado como fonte para os objetos que eles buscavam retratar é a análi- se histórica e literária dessas obras no contexto de sua produção. Isto significa dizer que, antes de confiar nas palavras escritas por Mâneton no século III a.C. sobre o passado egípcio do século XXX a.C., é necessário entender os motivos e os objetivos que o levaram a escrever, bem como as formas literárias por ele utilizadas e características dos gostos estéticos de seu tempo. A análise da forma dos discursos historiográficos dessas fontes secundárias serve para compreender os limites dessas fontes no que se refere ao conheci- mento que buscam retratar. É necessário entender as escolhas que os autores buscaram registrar e os silêncios que escolheram produzir. Voltando ao exem- plo de Mâneton, é importante entender que a forma tradicional dos relatos em capítulo 1 • 25 sua sociedade eram as listas reais e, consequentemente, isto impunha clara- mente a escolha por não escrever sobre diversos outros temas que não as suces- sões monárquicas. O procedimento metodológico inclui, em síntese, uma contextualização da obra historiográfica, buscando entender: os objetivos pretendidos pelo autor em sua sociedade; o próprio método de verificação das suas informações sobre o passado; as formas literárias por ele utilizadas; o diálogo que o texto teve com seu público; e a sua função na visão de mundo do grupo social no qual o autor se insere. A partir desses passos, os especialistas de hoje podem garimpar os grãos de informação sobre aquele passado cheio de lacunas. 1.3 A História e as outras disciplinas no estudo da Antiguidade Oriental Como visto, em virtude das peculiaridades de suas fontes, o estudo da Histó- ria Antiga necessita de um forte contato interdisciplinar com áreas contíguas do conhecimento, como a Antropologia, a Linguística, a Papirologia, a Numis- mática e mesmo áreas mais distantes, como a Medicina Forense, a Geologia, a Física e a Química, no caso de estudos laboratoriais. Entretanto, o diálogo mais constante e mais próximo é, sem dúvidas, com a Arqueologia. Mas que forma têm os diálogos entre a História e a Arqueologia e por que eles são fundamentais para a construção de um quadro mais completo sobre o passado das sociedades do Antigo Oriente Próximo? Para chegar a essas res- postas, vamos nos dedicar a entender um pouco da história e das formas de trabalhar da Arqueologia. 1.3.1 Arqueologia e História A partir da década de 1980, o imaginário popular sobre a Arqueologia foi toma- do pela figura aventuresca daquele que se tornou o mais famoso profissional dessa área em nosso tempo: Indiana Jones. Com seu inconfundível chapéu e sempre armado de seu chicote, o personagem intercalava uma pequena quan- tidade de tempo dedicado às salas de aula e às bibliotecas, com uma enorme quantia de aventuras em locais pitorescos e perigosos, em busca de objetos sa- grados, como a arca dos Dez Mandamentos ou o cálice usado por Jesus Cristo na última ceia com seus apóstolos. 26 • capítulo 1 Uma visão romantizada como essa fala muito pouco sobre o atual trabalho de arqueólogos e arqueólogas. A Arqueologia surge como prática acadêmica no mesmo contexto europeu oitocentista que a História, mas tem suas raízes fin- cadas em séculos anteriores. Com o interesse dos intelectuais renascentistas do século XV pelo Mundo Clássico Greco-Romano, iniciou-se uma busca por objetos de arte daquele pe- ríodo da Antiguidade. No final daquele século, homens poderosos, como os papas Paulo II, Alexandre VI e outros membros da nobreza colecionavam e exi- biam obras de arte antigas, além de patrocinar buscas sistemáticas por tais ob- jetos. Assim, a finalidade inicial das escavações era a procura por itens de valor estético e comercial. A Arqueologia tem seu nascimento, portanto, associado à História da Arte. No século XVI, as grandes monarquias europeias já nomeavam “antiquários” oficiais e os nobres disputavam amistosamente para ver quem conseguia mais relíquias do passado. O século XVIII foi o momento de expansão das escavações, com o surgimen- to de sociedades privadas dedicadas ao estudo dos objetos artísticos antigos. A partir desse modelo de exploração das relíquias clássicas greco-romanas, iniciou-se também o interesse pelas antiguidades orientais. As culturas do Oriente Próximo até então eram conhecidas basicamente através da Bíblia, já que os manuscritos e monumentos das civilizações egípcia e mesopotâmica ainda não podiam ser lidos. Como vimos, a pesquisa mais sistemática sobre a história egípcia iniciou- se com o esforço da missão napoleônica, que culminou na publicação da Description de l’Egypte e a decifração da escrita hieroglífica por Champollion. Naquela época, o que viria a ser a Arqueologia ainda estava muito associa- do à aventura de homens europeus por aquele mundo oriental que eles viam como um espaço do maravilhoso. Um dos homens reconhecidos como grandes precursores da Egiptologia foi, por exemplo, o aventureiro Giovanni Belzoni, que cruzava o Egito em busca de antiguidades com o propósito de abastecer as coleções europeias. capítulo 1 • 27 Figura 1.4 – Giovanni Battista Belzoni. Giovanni Battista Belzoni fugiu da Itália para a Inglaterra, em 1803, para evitar o alistamento no exército. Com um tamanho incomum para a época (quase dois me- tros), viveu e viajou durante alguns anos trabalhando como ator e homem forte em cir- cos. Um tempo após chegar ao Egito, Belzoni acabou contratado pelo cônsul britânico no Egito para descobrir, coletar e transportar antiguidades, como estátuas colossais de Ramsés II. Entre suas muitas descobertas, o “gigante italiano” foi responsável por encontrar a tumba de Seti I no Vale dos Reis e a entrada para a pirâmide de Quéfren, no interior da qual permanece gravada sua assinatura. Segundo Bruce Trigger, a Arqueologiamoderna diferenciou-se do Antiquarismo no século XIX, a partir de dois movimentos. Por um lado, a in- venção, na Escandinávia, de novas técnicas de datação para achados arqueoló- gicos e, por outro, a ampliação dos estudos sobre Pré-História na Inglaterra e na França, na esteira dos debates sobre A Origem das Espécies, publicada por Charles Darwin em 1859 (TRIGGER, 2004: 71). 28 • capítulo 1 A Arqueologia tornou-se uma ciência voltada para a compreensão do pro- cesso pelo qual se criou o mundo em que vivemos, tendo como principais ob- jetos de estudo todas e quaisquer modificações no mundo material resultantes da ação humana (CHILDE, 1977). Em outras palavras, os arqueólogos e as ar- queólogas buscam explicar as sociedades a partir das suas culturas materiais. Embora o sentido original da palavra seja relacionado às coisas antigas, a Arqueologia volta-se também para as sociedades contemporâneas, tendo como principal particularidade seu ponto de partida nas paisagens e nos objetos mo- dificados pelos seres humanos. Um dos mais famosos arqueólogos do século XX, o australiano Vere Gordon Childe, afirmava que qualquer coisa feita ou desfeita por uma ação humana de- veria ser considera um artefato. Objetos móveis que poderiam ser recolhidos e es- tudados em laboratório seriam considerados “restos”, enquanto os muito gran- des ou completamente ligados a terra seriam designados como “monumentos”. Artefatos teriam significados sociais decifráveis pelos arqueólogos primordial- mente através do contexto nos quais foram encontrados (CHILDE, 1977). Para entender o papel dos artefatos da cultura material e sua relação com as fontes escritas no estudo da Antiguidade Oriental, é preciso discutir quais são as relações entre a Arqueologia e a História. Já vimos que os historiadores e historiadoras devem ser capazes de trabalhar com diferentes tipos de testemu- nhos, que incluem também os vestígios materiais. Ressaltamos também a im- portância do trabalho conjunto e interdisciplinar com diferentes especialistas para a construção de um quadro mais complexo sobre o passado. Devemos, portanto, rechaçar a perspectiva, que foi adotada por muito tempo, de que a Arqueologia seria apenas uma espécie de ciência auxiliar à História, dedicada a datar e compreender o processo de produção material dos objetos. Muitas vezes, a única janela para o passado são os artefatos encontra- dos e, consequentemente, sua interpretação no contexto das sociedades que os produziram é elemento fundamental para responder às perguntas que fazemos àquele tempo. O primeiro elemento importante a ser destacado acerca da relação entre testemunhos escritos e registros da cultura material é sobre a materialida- de do suporte das fontes escritas, ou seja, o fato de que palavras são escritas em alguma coisa. Portanto, principalmente para a História Antiga Oriental, a Arqueologia é fundamental na descoberta, análise e compreensão da própria documentação escrita, seja ela encontrada em monumentos, papiros, tabletes de argila ou outros meios. capítulo 1 • 29 Em segundo lugar, a centralidade de um ou outro tipo de testemunho de- pende sempre de duas questões fundamentais: 1. Quais são os tipos e quantidades de fontes disponíveis; 2. Quais são as perguntas ou questões a serem respondidas por tais tes- temunhos. Isto significa que os registros arqueológicos são mais importantes para determinados períodos ou para algumas questões do que as fontes escri- tas, relação que se inverte em outras situações. A primeira questão levantada acima é mais fácil de ser compreendida. Quando há uma abundância de cultura material e pouquíssimos documentos escritos, a Arqueologia se torna mais central para a compreensão do passado. Em determinados casos, há apenas testemunhos materiais e, nessas situações, Pedro Paulo Funari destaca que, uma vez que os artefatos não falam por si mes- mos, é necessária a utilização de determinados modelos construídos a partir de outras experiências e com a ajuda de outras disciplinas, como a Antropologia (FUNARI, 1988). A segunda questão, sobre as perguntas feitas aos testemunhos, pode ser exemplificada da seguinte maneira. Imaginemos que um pesquisador ou pes- quisadora interessado nas relações comerciais entre os antigos egípcios e os gregos do período micênico. Neste caso, a análise das cerâmicas que eram uti- lizadas para fazer o transporte dos bens trocados ou mesmo o estudo dos itens estrangeiros encontrados em enterramentos pode falar muito mais do que a documentação escrita, muito pouco interessada em relatar os pormenores das trocas comerciais. A relação entre História e Arqueologia, em síntese, é uma relação de com- plementaridade. Em especial no estudo da Antiguidade Oriental, as duas dis- ciplinas são os eixos fundamentais para a construção de um cenário complexo do passado. ATIVIDADES 01. No que tange às fontes, apresente as principais peculiaridades do estudo da História Antiga Oriental. 02. Relacione o estudo da História Antiga Oriental com o seu contexto de surgimento como parte do interesse de diferentes disciplinas acadêmicas na Europa do século XIX. 30 • capítulo 1 03. Disserte sobre a relação entre Arqueologia e História na análise da documentação es- crita e da cultura material da Antiguidade Oriental. REFLEXÃO Neste capítulo buscamos definir os principais conceitos envolvidos no estudo da Antiguidade Oriental, atentando para o caráter eurocêntrico desta definição. Em seguida, discutimos as peculiaridades das fontes utilizadas nas pesquisas desta disciplina, ressaltando a importância do uso de diferentes tipologias de registros entendidos como fontes primárias. O trabalho com um conjunto diversificado de fontes visa complementar um quadro de análises no qual muitas vezes os registros são escassos, em especial se comparado o caso da Antiguidade oriental com o de períodos históricos posteriores. Nesse sentido, buscamos ressaltar a im- portância da utilização de modelos teóricos para a decifração das lógicas de funcionamento do passado, com o auxílio de outras disciplinas, como, por exemplo, a Antropologia. No que se refere às fontes secundárias, que são muitas vezes os únicos registros escritos sobre de- terminados períodos, lembramos do exercício metodológico fundamental em sua utilização. Por fim, discutimos a relação entre Arqueologia e História na compreensão dos registros referentes à História Antiga Oriental. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLOCH, Marc. Apologia da História. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. CHILDE, V. Gordon. Introdução à Arqueologia. Nem-Martins: Europa-América, 1977. FINLEY, Moses. História Antiga. Testemunhos e Modelos. São Paulo: Martins Fontes, 1994. FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia. São Paulo: Ática, 1988. TRIGGER, Bruce. História do Pensamento Arqueológico. São Paulo: Odysseus, 2004. O Mundo Pré-histórico na Antiguidade Oriental 2 32 • capítulo 2 2. O Mundo Pré-histórico na Antiguidade Oriental Como surgiram os homens e as mulheres? Como começamos a nos organizar e produzir da forma que fazemos hoje? Estas são algumas das perguntas às quais buscaremos responder neste capítulo dedicado à Pré-História humana no planeta. Nos últimos seis milhões de anos, a evolução de diferentes espécies desem- bocou no aparecimento dos seres humanos como conhecemos hoje. Este lon- go processo é marcado pelo desenvolvimento lento de inúmeras características fundamentais para a conquista humana da Terra. A humanidade foi capaz de se reinventar, criar novas formas de organiza- ção e interferir diretamente no mundo natural com uma intensidade crescente. Através da tradição social, possibilitada principalmente pelo desenvolvimento da linguagem complexa, foi possível garantir que, em alguns milhares de anos, nós passássemos de ferramentas de pedra a computadores e naves espaciais, de pequenos grupos de caçadores-coletores a cidades de milhõesde habitantes. Vejamos alguns dos pontos principais desse longo processo de domínio humano. OBJETIVOS • Compreender o processo de evolução que levou ao aparecimento do gênero humano; • Contextualizar as críticas às concepções do senso comum sobre a evolução humana; • Entender as principais características que permitiram a superioridade da nossa espécie; • Discutir a importância do surgimento da abstração para o desenvolvimento humano; • Analisar o processo da diáspora humana e do domínio do planeta; • Compreender o conceito de Revolução Neolítica e os processos de invenção da agricultura; • Entender o conceito e Revolução Urbana, o surgimento das estruturas de classe e da for- ma de organização estatal; • Contextualizar o processo de invenção da escrita na realidade mesopotâmica do Quarto Milênio a.C. capítulo 2 • 33 2.1 O surgimento da espécie humana Já observamos, no capítulo anterior, que a diferença entre História e Pré-Histó- ria é fruto de um contexto específico do século XIX, em que a profissionalização da disciplina historiográfica reivindicou para si apenas o trabalho com fontes escritas. Isso ressaltou um preconceito eurocêntrico com diversas comunida- des ágrafas que entraram em contato com o neocolonialismo. Em todo caso, vimos que o historiador, assim como o ogro da lenda, fareja carne humana e, então, devemos traçar o surgimento de nosso objeto. No entanto, quando nós, seres humanos, surgimos na Terra? Até o século XVII, esse assunto era tratado praticamente só por teólogos, que buscavam tra- çar o surgimento da humanidade através do estudo do texto bíblico do Gênesis. Um dos resultados foi apontado pelo Dr. John Lightfoot, da Universidade de Cambridge, em seu livro publicado em 1642. Nele, o autor afirmava que o ho- mem foi criado pela Trindade em 23 de outubro de 4004 a.C., às nove da manhã em ponto. A partir dos trabalhos de Charles Darwin e da repercussão do seu livro A Origem das Espécies, compreendeu-se que os seres humanos não apareceram repentinamente no planeta. Pelo contrário, nós somos a culminação de um processo de evolução muito longo e ainda em andamento. De um ser unicelu- lar, desenvolveram-se milhões de espécies, por meio de uma dinâmica de mu- tação genética e seleção natural. As espécies que nos antecederam no processo evolutivo não existem mais. Sabemos delas basicamente por seus vestígios materiais fossilizados. Isto sig- nifica que, ao contrário do que é afirmado pelo senso comum, os humanos não evoluíram dos macacos. Nós e os símios (orangotangos, gibões, gorilas e chim- panzés) somos descendentes de um antepassado comum, que habitou nosso mundo há milhões de anos. 34 • capítulo 2 © P IX A B AY .C O M Figura 2.1 – Imagens como essa são muito comuns para representar a evolução do ho- mem. No entanto, não estão corretas. Primeiro, por mostrarem o processo evo- lutivo como uma lógica linear, enquanto ele é cheio de ramificações e espécies desaparecidas, sendo mais bem representado por um gráfico em forma de raí- zes. Em segundo lugar, ilustrações assim deixam de lado as mulheres, como se não fizessem parte desse mesmo processo. Os procedimentos de datação que estabelecem os períodos nos quais as diferentes espécies ocuparam o planeta são procedimentos científicos aproximados. Para isso, os pesquisadores e pesquisadoras têm de partir dos vestígios materiais fósseis que nos restaram. Em sua análise, estão disponíveis métodos de datação relativa, como a estratigrafia (que parte das camadas de sedimentação da terra) e a seriação (uma comparação com as características de outros itens reconhecidos como de determi- nado período). Ou, por outro lado, métodos de datação absoluta, como, entre outros, aqueles que usam a radioatividade (contada pelo decaimento da taxa de alguns isótopos radioativos em minérios, como o Carbono-14) e os que partem de processos químicos (como a quantia de flúor absorvida por restos mortais). Todavia, é importante ressaltar que a análise parte do que foi encontrado e, dessa maneira, não é definitiva, já que novos vestígios podem mostrar a existência de novas espécies em períodos an- teriores. O estudo da Pré-História humana está em constante evolução, assim como os próprios seres humanos. capítulo 2 • 35 © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.2 – Reconstrução de um Homo habilis. Fotografia feita pelo Westfälisches Museum für Archäologie. . O surgimento da primeira espécie do gênero Homo deu-se por volta de 2,5 milhões de anos atrás, com o apa- recimento do Homo habilis, que ha- bitou a África Oriental e desapareceu cerca de um milhão de anos mais tar- de. Esses indivíduos ainda não eram bípedes obrigatórios, mas já andavam sobre duas pernas no solo. Ainda que seus antepassados utilizassem ele- mentos naturais como ferramentas (como hoje sabemos que muitos ani- mais fazem), a maioria dos paleoan- tropólogos defende a hipótese de que os Homo habilis foram a primeira es- pécie a fabricar seus utensílios. A téc- nica empregada ficou conhecida como cultura olduvaiense, a mais antiga ma- neira de lascar pedras para criar lados afiados. © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.3 – Reconstrução de uma fêmea da espécie Homo erectus, exibida pelo Smithsonian Museum of Natural History. 36 • capítulo 2 Entre 1,9 milhões e 50 mil anos atrás, o Homo erectus, um provável descen- dente do Homo habilis, habitou toda a África, uma parte da Europa e quase a metade da Ásia, sendo, portanto, o primeiro do gênero Homo a migrar para fora de nosso continente materno africano. Isto foi possibilitado por características físicas diferentes das espécies anteriores, como pernas mais longas e braços mais curtos. A maior conquista dos Homo erectus, também importante para sua expan- são territorial, foi o domínio do fogo, que permitiu: 1. Iluminar a noite e diversos abrigos; 2. Afastar predadores; 3. Cozinhar alimentos. A cozinha com fogo é uma característica própria do gênero humano e que nos proporcionou, por um lado, maior absorção de determinados nutrientes e, por outro, maior durabilidade dos alimentos. Os Homo erectus também desenvolveram novas técnicas de fabricação de ferramentas de pedra, possibilitando equipamentos mais eficientes, com dois lados lascados em vez de apenas um. Isto garantiu o uso de pontas afiadas, além das lâminas anteriores. © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.4 – Reconstrução de um Homo heidelbergensis. O último ancestral conhecido do Homo sapiens foi o Homo heidelber- gensis, que habitou basicamente as mesmas regiões do Homo erectus, entre 800 e 200 mil anos atrás. Esta es- pécie foi responsável pelos primeiros vestígios de lanças de madeira e fer- ramentas compostas, possibilitadas pelo desenvolvimento da técnica que ficou conhecida como cultura mus- teriense, que garantia equipamentos de pedra de formatos e tamanhos va- riados. Há também indícios frágeis de que os Homo heidelbergensis te- riam construído habitações e obje- tos decorativos. capítulo 2 • 37 Alguns pesquisadores defendem a tese de que o Homo heidelbergensis afri- cano foi o ancestral direto do Homo sapiens, enquanto os indivíduos desta es- pécie localizados na Europa teriam dado origem aos Homo neanderthalensis. © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.5 – Reconstituição de um Homo neanderthalensis exibida pelo Smithsonian Museum of Natural History. Além da Europa, o Homo neanderthalensis (ou Homem de Neandertal) ha- bitou também uma pequena parte da Ásia no espaço de tempo entre 200 e 25 mil anos atrás. Esta foi a primeira espécie ancestral no gênero Homo descober- ta pelos humanos modernos. Seus primeiros fragmentos corpóreos foram en- contrados em meados do século XIX, antes mesmo da publicação de A Origem das Espécies por Darwin. Os neandertais tinham seus corpos mais bem adaptados ao frio e utilizaram sua grande habilidade na produçãode ferramentas com a técnica da cultura musteriense para produzir as peças de couro com as quais se protegiam no pe- ríodo que ficou conhecido como a última Era do Gelo. Outra invenção para isso foram os abrigos construídos com carcaças de mamutes. 38 • capítulo 2 Os contextos nos quais seus vestígios foram encontrados mostram que os neandertais já tinham um forte comportamento social baseado na dinâmica familiar, o que deveria ser demonstrado nas atividades coletivas de caça e nos cultos funerários, por exemplo. A existência de crença na vida após a morte e os registros do uso de adornos demonstram claramente a existência de uma capacidade simbólica, mesmo que limitada. O Homo neanderthalensis era normalmente considerado um ponto final evolutivo. Em contrapartida, sabe-se com certeza que parte da população nean- dertal conviveu com os Homo sapiens por pelo menos alguns milhares de anos. Tal convivência pode ter sido responsável pela eliminação dos Homo neander- talensis, já que nossa espécie teria sido mais capaz de se adaptar e garantir a vitória na competição pelos mesmos recursos necessários aos neandertais. Recentemente, todavia, estudos genéticos têm demonstrado que parte da po- pulação neandertal foi absorvida pelos Homo sapiens europeus, através de re- produção mista. Os mais antigos fósseis dos humanos modernos foram encontrados na atual Etiópia e datam de aproximadamente 200 mil anos atrás. Anatomicamente nos diferenciamos de outras espécies de hominídeos pelo formato do crânio (em- bora os neandertais apresentassem a mesma capacidade craniana), além de uma menor robustez corporal. Considerando a coexistência com outras espécies do mesmo gênero Homo, quais foram as vantagens adaptativas que garantiram ao ser humano moder- no a continuidade de sua espécie em detrimento das outras? Esta pergunta está relacionada a uma série de capacidades desenvolvidas por volta de 60 mil anos atrás, no contexto que ficou conhecido como “Revolução do Paleolítico Superior”. 2.2 A Revolução do Paleolítico Superior A análise da cultura material de nossos antepassados Homo sapiens demons- tra claramente uma espécie de “grande salto para a frente” entre 70 e 50 mil anos atrás na África. Esse foi um momento de explosão criativa que proporcio- nou uma diversidade inédita nos vestígios arqueológicos. Pesquisas genéticas têm apontado para uma modificação no genoma humano, permitindo uma enorme expansão de nossa capacidade de abstração e simbolismo e o surgi- mento de uma linguagem complexa. Alguns estudiosos defendem a ideia da capítulo 2 • 39 aplicabilidade do conceito de exaptação, ou seja, do desenvolvimento de uma capacidade cerebral latente a partir de algum estímulo, que, neste caso, seria a própria linguagem, abrindo as portas para toda a complexidade simbólica que alcançamos. O uso da linguagem complexa possibilitou o desenvolvimento de formas mais eficazes de passagem social dos conhecimentos, garantindo um progresso mais acelerado das técnicas e das tecnologias produtivas. Consequentemente, os seres humanos passaram a poder contar com ferramentas cada vez mais bem acabadas. Além das pedras lascadas, os utensílios começaram a utilizar madeira, ossos, cerâmica para fabricar anzóis, redes, arpões e embarcações. Em comparação com as espécies anteriores, os enterramentos dos Homo sapiens mostram a presença de um culto funerário mais intrincado, com pa- drões de sepultamento que incluíam mais objetos, fossem adornos ou utensí- lios diários. O aspecto mais impactante desse processo revolucionário do paleolítico su- perior foram certamente os frutos artísticos dessa evolução na capacidade sim- bólica dos seres humanos. As representações simbólicas devem, logicamente, ter-se iniciado com processos simples de abstração relativa a elementos natu- rais, como os desenhos em paredes de cavernas de vários locais do mundo. © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.6 – Animais representados nas cavernas de Lascaux, na França, conhecida como “Capela Sistina da Idade da Pedra”. 40 • capítulo 2 A presença de diversas representações de diferentes animais e de cenas de caça inicialmente fez com que os pré-historiado- res considerassem essas imagens como retratos de cenas do coti- diano dos homens e mulheres daquele período. Uma pesquisa mais aprofundada começou a mostrar níveis de abstração mais profundos que © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.8 – Homem- leão de Hohlenstein, encontrado na Alemanha. Ao trabalhar com o argumento do desenvolvimento da capacidade de abstração humana, Gordon Childe (1966) mostra a sua importância para a evolução e adap- tação humana, identificando o simbolismo como uma espécie de equipamento imaterial. Além de permitir, em conjunto com as modificações morfológicas na la- ringe, o surgimento da linguagem complexa e garantir uma comunicação melhor e uma passagem mais efi- ciente da tradição social, a abstração acaba tendo papel fundamental na construção da visão de mundo, das ex- plicações da realidade e das motivações sociais. O autor chega a afirmar que, a partir de determinado momento, objetivos abstratos, como o amor e a liberdade, acabam por se tornarem mais importantes que outros mais ma- teriais, como a fome e o medo. A partir disso, localiza-se não eram imediatamente derivados da na- tureza observável, como seres antropomór- ficos (humanos com cabeça de pássaro, por exemplo), entre outros. Essa constatação ge- rou outra interpretação, na qual as pinturas rupestres deveriam ter também significado mágico-religioso. Outros exemplos dessas formas mais abs- tratas são as representações figurativas de humanos, como as famosas Vênus (figuras femininas ligadas ao culto da fertilidade) ou esculturas antropomórficas, como o homem- leão de Hohlenstein (também associado à ado- ração de aspectos naturais). © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.7 – Vênus de Willendorf, achada na Áustria. capítulo 2 • 41 o papel da ideologia na produção e se entende toda a sua importância como elemento integrador da sociedade. 2.3 A Diáspora Humana A Revolução do Paleolítico Superior, a complexificação dos níveis de abstração humana, o surgimento da linguagem complexa, das expressões artísticas e de ferramentas (materiais e imateriais) cada vez mais sofisticadas de produção ge- rou uma capacidade inédita de expansão e adaptação para o gênero humano. Não foi coincidência que simultaneamente os Homo sapiens tenham iniciado grande diáspora que levou à ocupação de todo o planeta a partir da África. © W IK IM E D IA .O R G 200 000 70 000 100 000 25 000 40 000 50 000 30 000 15 000 12 000 4500 1500 1500 Homo sapiens Homo neanderthalensis Homo erectus Figura 2.9 – Os caminhos das migrações dos seres humanos modernos na Pré-História. A diáspora do Homo sapiens pode ser traçada tanto a partir da descoberta de fósseis quanto do mapeamento genético das populações atuais (indicando sua maior ou menor proximidade com os ancestrais africanos dos quais todos e todas são descendentes). Da África, os humanos modernos viajaram pela Síria-Palestina e se dividi- ram entre grupos que rumaram para Leste, em direção à Península Arábica e Ásia, enquanto outros se dirigiram para a Europa. Nesse processo, os Homo sapiens conviveram com outros descendentes de espécies anteriores, como os Homo heidelbergensis e os neandertais. 42 • capítulo 2 Mesmo que haja um razoável consenso sobre a dispersão para a Ásia, Europa e Oceania, a ocupação da América envolve um debate com mais possibilidades em diálogo. A teoria mais difundida é a da “Ponte da Beríngia”, segundo a qual os seres humanos chegaram à América, há cerca de 10 mil anos, através da Ásia, cruzando o estreito de Bering a pé durante uma baixa no nível do mar, decor- rente de um período de glaciação. Com o aumento no nível das águas, esta pon- te permanece atéhoje submersa. Outra das teorias de ocupação da América começou a ser elaborada com a descoberta, a partir da década de 1920, de sítios na América do Norte com uma cultura lítica que ficou conhecida como “cultura Clovis” e manteve duran- te bastante tempo o título de mais antigos vestígios humanos do continente. Como a datação desta cultura Clovis a localizou num período entre 11 e 9 mil anos atrás, isto deveria significar que a travessia pela Beríngia teria ocorrido alguns milênios antes, por volta de 14 mil anos atrás. Descobertas mais recentes de sítios cada vez mais antigos tanto na América do Sul quanto na Central e na do Norte têm colocado em questão essas hipóte- ses. Partindo de indícios linguísticos, etnográficos e biológicos, desenvolveu- se uma teoria que aponta para uma migração transpacífica para o continente. Além da rota da Beríngia, os seres humanos teriam chegado aqui também na- vegando pelo oceano Pacífico, o que explicaria sítios tão antigos na América do Sul. Outra hipótese levantada foi que a migração para o continente teria se dado pelas águas congeladas do Atlântico Norte. Os mapeamentos genéticos atuais têm apontado questões interessantes. Primeiramente, confirmam que boa parte da população nativa do continente americano é descendente de povos asiáticos. Em contrapartida, os mesmos estudos apontaram que deve ter havido uma forte migração europeia para a América do Norte. Por fim, o Brasil se insere nessas discussões a partir dos vestígios encon- trados no sítio da Pedra Furada, localizado no Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. As escavações dirigidas pela arqueóloga Niede Guidon mos- tram indícios de uma ocupação humana na região que data de 25 mil anos atrás. Esta datação é, hoje, razoavelmente aceita nos meios acadêmicos. Há, todavia, mais questionamentos sobre a afirmação de que determinadas ferramentas encontradas na Serra da Capivara teriam aproximadamente 100 mil anos, ou seja, período em que o ser humano moderno ainda nem teria deixado a África. capítulo 2 • 43 Os debates sobre as diásporas dos Homo sapiens são calorosos e há, como visto, inúmeras hipóteses. Por mais que os estudos genéticos estejam apresen- tando um panorama bastante confiável, cabe lembrar que essas discussões envolvem questões do nosso presente. A reivindicação de ocupações humanas mais antigas é um título em disputa por arqueólogos de todo o mundo, inclusi- ve por orientar financiamentos de pesquisa e até mesmo dinheiro de turismo. Devemos, portanto, analisar cuidadosamente cada uma das teorias e, em al- guns casos, esperar por confirmações mais sólidas e consensuais. 2.4 A economia e a forma de vida do Paleolítico Como viviam os seres humanos no planeta durante seus primeiros quase 190 mil anos? É claro que isso é muito tempo e, consequentemente, inclui muitas diferenças. Uma comparação importante deve ser feita para mostrar que mes- mo a agricultura é uma invenção relativamente recente na história da trajetória dos seres humanos modernos. Durante a imensa maioria de nossa presença neste planeta, vivemos basicamente como caçadores-coletores. Em nossos primeiros 190 mil anos, nós, seres humanos, vivemos basicamen- te da coleta de vegetais e da caça de animais (ou eventualmente do aproveitamen- to de alguma carcaça abandonada por outro animal caçador), ou seja, homens e mulheres eram dependentes do mundo selvagem, tanto animal quanto vegetal. As sociedades naquele período se estruturaram em grupos que tinham como um importante aspecto de união a participação conjunta nos trabalhos de coleta e caça. A organização em grupos pequenos garantira uma mobilida- de maior e uma capacidade mais efetiva de suprir todos os membros. Por isso, imagina-se que as sociedades se organizavam em grupos de até 50 pessoas. Não há nenhum indício, para aquele período, de hierarquias sociais ou poderes acu- mulados que mantivessem quaisquer diferenciações relativas, seja em relação à produção, seja a outro fato, ainda que existam registros que sugiram a presença de especialização do trabalho (como a alta qualidade de algumas ferramentas). A igualdade social era mantida com o auxílio da fartura relativa aos bens disponíveis na época. Ao contrário do que se imagina, os caçadores e coleto- res não viviam com grandes dificuldades, empenhados sempre numa luta pela conquista de alimento. Em contrapartida, pesquisas indicam que a quantidade de horas de trabalho necessárias ao sustento das sociedades humanas subiu com a introdução da agricultura. 44 • capítulo 2 Outra tendência muito forte no senso comum é a projeção da desigualda- de e da violência e da dominação executada pelo gênero masculino sobre as mulheres na grande maioria das sociedades dos últimos 15 mil anos para as populações humanas anteriores. Isto significa dizer que a ideia de um homem das cavernas dominador e violento, arrastando sua fêmea, está cada vez mais distante do que apontam os estudos mais recentes. As últimas análises de gru- pos caçadores-coletores têm demonstrado uma forte tendência à igualdade de gênero, necessária para a conformação de redes sociais extrafamiliares. Tais redes aumentavam consideravelmente as possibilidades de sobrevivência dos grupos. Um estudo mais simbólico complementa esse quadro, ao apontar que a maioria das mãos pintadas nas paredes de caverna pertencia a mulheres, o que talvez indique o início de uma especialização do trabalho e, talvez, até um papel acentuado do gênero feminino nas perspectivas mágico-religiosas nascentes. © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.10 – Cueva de las Manos, pintura rupestre localizada na Província de Santa Cruz, na Argentina. 2.5 A Revolução Neolítica Entre 10000 e 5000 a.C., os seres humanos passaram por mais um proces- so que determinou uma mudança completa nas suas possibilidades de futuro. Em diferentes locais, muitas vezes de forma independente, deu-se um enorme passo no processo humano de controle da natureza, com a domesticação de plantas e animais e a consequente invenção da agricultura. capítulo 2 • 45 Por mais que possa haver um primeiro estranhamento com a ideia de uma “invenção” e não uma “descoberta” da agricultura, devemos ser precisos ao in- dicar que essa nova forma de produção é uma invenção humana. Foi um proces- so longo, com milênios de anos de observação da natureza e experiências, que culminou na revolução neolítica. Foi necessário descobrir quais das espécies de animais e vegetais eram domesticáveis, o que, no caso dos primeiros, depende da adaptação a dietas mais pobres e da capacidade de reprodução rápida, enquanto no caso dos vegetais estava ligado a um ciclo produtivo mais estável e a uma pro- dutividade alta. Em seguida, iniciou-se o trabalho de seleção artificial dos melho- res indivíduos entre o gado e as plantas para serem usados na reprodução. O historiador italiano Mario Liverani (1995) aponta que, entre 10000 e 7500 a.C., os passos iniciais dessa nova forma de produção, que está em desen- volvimento, começam a proporcionar suas primeiras grandes consequências. Os grupos humanos deixam as cavernas e passam a habitar pequenas vilas com casas redondas e é possível observar as primeiras diferenças entre acampamen- tos fixos, voltados para a agricultura, e outros sazonais, usados para a caça e o pastoreio. Nesse contexto, são encontrados os primeiros silos de armazena- mento de grãos e se notam enterramentos coletivos e individuais. © W IK IM E D IA .O R G Figura 2.11 – Vestígios de uma casa natufiana. 46 • capítulo 2 Os indícios mais antigos dessa nova organização foram achados na Síria- Palestina, nos grupos que compuseram a cultura natufiense, marcada pela produção de ferramentas de pedra específicas para uso na colheita. A crono- logia da invenção da agricultura não é algo simples e preciso, pois depende ba- sicamente da análise de ossos de animais ou estudos laboratoriais
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