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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL REI DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO CURSO DE PEDAGOGIA IDENTIDADE NEGRA NA LITERATURA INFANTIL: ANÁLISE DE QUATRO LIVROS UTILIZADOS POR PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL E FUNDAMENTAL ANA CARLA APARECIDA DE JESUS MARISTELA ZIMMERMANN AGOSTINI DE MEDEIROS São João del Rei – MG Dezembro/2021 2 ANA CARLA APARECIDA DE JESUS MARISTELA ZIMMERMANN AGOSTINI DE MEDEIROS IDENTIDADE NEGRA NA LITERATURA INFANTIL: ANÁLISE DE QUATRO LIVROS UTILIZADOS POR PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL E FUNDAMENTAL Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a Conclusão do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de São João del Rei, Campus Dom Bosco. Orientadora: Profª. Drª. Amanda Valiengo São João del Rei – MG Dezembro/2021 3 AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus, por nos proporcionar saúde física e psicológica, porque em meio ao atual cenário, a realização deste TCC parecia-nos algo intangível de se conceber, mas tivemos coragem para vencer as dificuldades. A nossa orientadora Amanda Valiengo, pelo suporte no pouco tempo que lhe coube, pelas suas correções e incentivos para que a construção desse trabalho de conclusão de curso se tornasse realidade. A nossa família por nos proporcionar apoio e amparo nos momentos difíceis. Aos professores que nos auxiliaram no decorrer do curso, fazendo parte da nossa trajetória. E a todos que direta ou indiretamente nos apoiaram em nossa formação, o nosso muito obrigada!!! 4 “Não vou dizer que é fácil e que nunca deu vontade de desistir, mas vale muito mais a pena continuar!” Caio Fernando Abreu 5 Resumo A presente monografia de caráter qualitativo, tem como objetivo fazer uma análise de configuração textual sobre as variadas formas de representação da criança negra, a partir de 4 obras de literatura infantil: “A bonequinha preta”, “Menina Bonita do laço de fita”, “Obax” e “O cabelo de Lelê”. Obras indicadas por 3 professoras, visando abordar a temática afro- brasileira e suas particularidades. Para tanto, foi feito um levantamento dos livros mais utilizados por estas professoras, durante o período de realização do estágio, no Centro de Educação Infantil (CEI) e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, da Escola Municipal São Vicente Férrer, ambas localizadas na cidade de São Vicente de Minas. A partir da indicação dos livros pelas professoras, buscamos verificar se essas produções literárias utilizadas na prática docente, expressam uma representação positiva para crianças negras, de forma que possa contribuir no processo de construção identitária como descrito na Lei 10.369/2003. Com base nas análises literárias das obras propostas pelas professoras, consideramos que há produções caracterizadas por convicções de uma sociedade com racismo enraizados que insistem em se manter diante do atual cenário, e, outras que avançam representando as inúmeras lutas e movimentos sociais. Palavras-chave: Literatura afro-brasileira. Criança Negra. Identidade. Lei 10639. Racismo. 6 Abstract This qualitative article aims to analyze the textual configuration and reflect on methodological research, about the variations of black child representations, based on 4 works of children's literature, namely: " A bonequinha preta ", “Menina Bonita do laço de fita”, “Obax” and “O cabelo de Lelê”. Books nominated by 3 teachers, aiming the Afro-Brazilian theme and its particularities. Therefore, a research was made of the most used books by these teachers, during the internship period, at the Centro de Educação Infantil (CEI) and in the early years of Elementary School, at the Escola Municipal São Vicente Férrer, both located in the city São Vicente de Minas. Therefore, we sought to verify whether these literary productions used in teaching practice express a positive representation for black children, so that they can contribute to the process of identity construction as described in Lei 10,369/2003. Also observing how the literature has been used with non-white children and its approach, from the lower classes, during the period of the new Coronavirus pandemic. Based on the literary analyzes of the works proposed by the teachers, what is supposed is that such productions are mostly characterized by the convictions of a society with rooted racism that insist on keeping up with the current scenario, even in the face of struggles and movements social. keyword: Afro-Brazilian literature; Black children; Identity; Lei 10639/2003; Racism. 7 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - A bonequinha preta 19 Figura 2 – Qual o seu segredo pra ser tão pretinha? 233 Figura 3 - Deve ser porque eu tomei muito café. 24 Figura 4 - Comi muita jabuticaba. 25 Figura 5 - Artes de uma vó preta. 26 Figura 6 - Silêncio negro. 30 Figura 7 - Obax vivia solitária 31 Figura 8 - De volta à savana 32 Figura 9 - Forte como baobá 33 Figura 10 – Cabelos. 35 Figura 11 - Lelê gosta do que vê. 36 Figura 12 - Cachos que são memória. 37 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 9 2 A INCLUSÃO DA CRIANÇA NEGRA NAS PRÁTICAS ESCOLARES, A TEMÁTICA AFRO-BRASILEIRA E A LEI 10.639/2003 12 3 IDENTIDADES E INFÂNCIAS: PERSPECTIVA E REALIDADE FRENTE AO CONTEXTO PANDÊMICO E SOCIOECONÔMICO 144 4 AS CRIANÇAS NEGRAS E A LITERATURA 166 5 ANÁLISE DOS LIVROS 18 5.1 A BONEQUINHA PRETA 18 5.2 MENINA BONITA DO LAÇO DE FITA 21 5.3 OBAX 27 5.4 O CABELO DE LELÊ 33 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 38 7 REFERENCIAL 411 9 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho nasce da nossa necessidade de responder às seguintes questões: quais narrativas são ofertadas às crianças negras e não negras a respeito da temática das relações étnico-raciais? Como as literaturas apresentam personagens negras? Quais são as perspectivas sociais e literárias priorizadas em livros de literatura infantil? O objetivo desta pesquisa é fazer uma análise de configuração textual sobre as variadas formas de representação da criança negra, a partir de 4 obras de literatura infantil: “A bonequinha preta”, “Menina Bonita do laço de fita”, “Obax” e “O cabelo de Lelê”. Para tanto, a metodologia qualitativa adotada foi a seguinte: em um primeiro momento conversamos com professoras de Educação Infantil e Fundamental, e elas indicaram os livros mais utilizados em suas aulas com a temática em questão; em seguida, realizamos um levantamento bibliográfico e legal acerca do assunto, e por conseguinte realizamos a análise das configurações textuais (MORTATTI, 2000), buscando compreender os diversos aspectos que constituem os sentidos para as obras literárias apresentadas. Este estudo se justifica porque como discutem algumas pesquisas (PICCOLO, 2010; PINHO e SANTOS, 2014) os valores eurocêntricos ainda são permeados na práxis escolar, fomentando preconceitos e atitudes discriminatórias, propagados no cotidiano, inclusive por materiais utilizados em aulas, independentemente do método a ser implantado. Realizamos uma breve pesquisa acerca da realidade escolar das crianças negras durante o período pandêmico do novo Coronavírus. Os dados de institutos de pesquisa como o IBGE, demonstram que há grande disparidade entre os números educacionais relacionados aos estudantes negros e brancos, grande parte dos alunos provenientes das classes mais baixas não tem acesso aos equipamentos e ao serviço de internet adequados para acompanhamento das atividades (OLIVEIRA, 2020). Assim, muitas políticas públicas e ações ainda terão de ser implementadas para resolver as questões das desigualdades raciais no Brasil. Alguns exemplos como o do IBEAC (Instituto Brasileiro de estudos e apoio comunitário) e da Biblioteca comunitária caminhosda leitura, proporcionam momentos de leitura para este público, que é constantemente excluído, por meio da prática do racismo velado e das desigualdades sociais, culturais e socioeconômicas. (GARCIA, 2021). O estudo de Luciana Araújo Figueiredo (2010) tem como principal objetivo a análise do desenvolvimento das relações entre crianças negras, brancas e indígenas, que se estabeleceram ao longo dos anos na sociedade brasileira. A pesquisa foi realizada por meio da leitura de 10 livros de Literatura ou de Sociologia, publicados em períodos distintos 10 historicamente. A autora observou que houve uma melhora significativa quanto aos aspectos da valorização da criança negra e suas características fisiológicas, sua cultura e da abordagem do racismo e do preconceito. Figueiredo pôde identificar que a representação da criança negra resultou numa melhoria sistemática de qualidade em relação às produções afro literárias comparadas às produções de décadas anteriores, culminou em representações sociais positivas, que foram reflexo das muitas lutas sociais durante todo este processo de resistência. Talvez a conclusão de Figueiredo (2010) esteja atrelada ao sancionamento da lei 10.639 que altera a LDB tornando obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Antes disso, pouco se ouvia falar sobre a importância do reconhecimento e valorização das culturas afro-brasileiras e africanas nos livros para infância, carecia-se de narrativas que acolhessem estas identidades de pele escura e que muito têm a dizer, dentro e fora das páginas dos livros. Felizmente, impulsionado pela Lei 10.639, o quadro de negação começa a mudar, e pode-se perceber que o atual cenário revela uma multiplicidade de livros que ganham cada vez mais visibilidade no mercado editorial e trazem de forma respeitosa personagens negras e negros. O que confere o olhar crítico e sensível para a formação da criança negra e sua infância, na busca por ressignificar a construção histórica direcionada ao seu grupo racial e como isto é veiculado, pois logo precocemente esta criança é bombardeada de informações sobre si mesma através do olhar preconceituoso do outro; numa experiência prematura do racismo e pela discriminação racial culminado num sofrimento psicológico, social e moral que lhe confere sérios danos à sua autoestima e autopercepção positiva de si mesmo e seu pertencimento racial, sendo estes elementos cruciais à formação (MOORE, 2007). A partir das especificidades que acompanha esta infância, se pode conceber a significância das narrativas representativas que visibilizam esta infância, marcada por suas singularidades e fortalecimento do seu processo constitutivo. Em seu artigo intitulado de Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo, a autora Nilma Lino Gomes faz menção a desvalorização das características do corpo negro como um mecanismo do regime eurocêntrico imposto em uma tentativa de inferiorização dos mesmos, em detrimento ao padrão de beleza definido por esses grupos dominantes, que ainda se encontram encrustados na sociedade contemporânea. Deixando em evidência o racismo generalizado, em consequência da valorização do padrão de beleza considerado pela sociedade embranquecida, o que afeta de forma negativa a construção da identidade de pessoas não brancas. (GOMES, 2003). Sendo 11 assim, o corpo é um meio em que o sujeito expressa sua identidade e suas diferenças, que são utilizadas a fim de definir o lugar que cada indivíduo ocupa nas esferas sociais. A formação da identidade de um indivíduo começa a se constituir logo nos primeiros anos de vida e, fora do seio familiar, o universo escolar é um dos maiores responsáveis pelas primeiras interações sociais da maioria das crianças em que os adultos acabam transmitindo seus próprios valores, seja por meio do convívio, pela escrita ou pelos signos utilizados para se comunicar (VYGOTSKY; LURIA; LEONTIEV, 2010). A defesa do direito a uma literatura significativa para as crianças, impulsionou o desejo de analisar alguns livros que se apresentam para o público infantil, demarcando um olhar crítico em relação ao seu enredo, as características que são priorizadas em seus personagens e se elas dialogam com o defendido, se nestas narrativas estes direitos são ali garantidos ou preteridos; pois, “[...] um dos caminhos para o entendimento e a consciência acerca da pluralidade cultural está, também, na apropriação da leitura literária produtora de identidade e inclusão social” (DEBUS; VASQUES, 2009, p. 11). Este artigo está assim organizado da seguinte maneira: introdução; a inclusão da criança negra nas práticas escolares, a temática afro-brasileira e a lei 10.639/2003; identidades e infâncias: perspectiva e realidade frente ao contexto pandêmico e socioeconômico; análise dos quatro livros de literatura, por meio da análise da configuração textual; considerações finais e referenciais. 12 2 A INCLUSÃO DA CRIANÇA NEGRA NAS PRÁTICAS ESCOLARES, A TEMÁTICA AFRO-BRASILEIRA E A LEI 10.639/2003 A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA asseguram a Educação Básica de qualidade como direito fundamental para as crianças e jovens brasileiros. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica – DCNEB afirmam que para o projeto de nação que está sendo construído no Brasil, “a formação escolar é o alicerce indispensável e condição primeira para o exercício pleno da cidadania e o acesso aos direitos sociais, econômicos, civis e políticos”. (BRASIL, 2013, p. 4). Sendo assim, a educação tem como, em um de seus princípios básicos, desenvolver potencialmente as habilidades de cada indivíduo, em ambientes que propiciem liberdade e segurança, valorizando a pluralidade entre as crianças. Com base na lei 10.639, promulgada no dia 9 de janeiro de 2003, o artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96 sofreu alteração, marcada pela necessidade do reconhecimento, valorização e afirmação dos direitos da pessoa humana, no que diz respeito à educação, por parte da comunidade afro-brasileira, tornando obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio. Em 10 de março de 2008, foi sancionada a Lei nº 11.645/08 que ampliou a Lei 10.639/03 incluindo também o ensino da história e da cultura dos povos indígenas brasileiros. Assim, a LDB passou a vigorar acrescida dos seguintes artigos: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro- brasileira e indígena. § 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. Art. 79-B. O calendário escolar inclui o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência Negra”. Essa lei foi resultado da demanda da comunidade afro-brasileira por reconhecimento e valorização dos negros, frente às reivindicações de movimentos sociais e da sociedade civil em geral, para garantir que nas escolas sejam resgatados elementos culturais dos afrodescendentes, os quais contribuíramdecisivamente para a formação da cultura e identidade nacional, que teve 13 como objetivo inserir nos currículos escolares o estudo da história e cultura da África e a luta dos negros no Brasil. Vale ressaltar que a embora essa Lei represente muitos avanços, não foi incluída a Educação Infantil, demostrando como há ainda uma desvalorização dessa etapa da Educação Básica, que é, inclusive, onde se inicia, em termos escolares, a exclusão das pessoas e cultura afro-brasileira. Com a institucionalização da Lei 10.639/2003, os profissionais da educação são constantemente desafiados em sua prática docente a buscar formas de trabalhar a história e a cultura do povo Africano. Dentro dos espaços escolares, o padrão eurocêntrico exerce uma grande influência nos processos educacionais, do currículo aos materiais didáticos, cabendo ao professor proporcionar ensinamentos que refletem a verdadeira realidade desses povos (CHAGAS, 2015) [...] confrontar o universo docente brasileiro com o desafio de disseminar, para o conjunto de sua população, num curto espaço de tempo, uma grande gama de conhecimentos multidisciplinares sobre o mundo africano. Aprofundar e divulgar o conhecimento sobre os povos, culturas e civilizações do continente africano, antes, durante e depois da grande tragédia dos tráficos negreiros transaarianos, do mar Vermelho, Atlântico (europeu), e sobre a subsequente colonização direta desse continente pelo Ocidente a partir do século XIX, são tarefas de grande envergadura (Moore, 2010 p. 139 apud Chagas, 2015). Ao pôr em execução a Lei 10.639/2003, é da competência dos docentes exigir em sala, uma postura de troca e experiência, de forma que perpassa as ideias do eurocentrismo, impregnados na sociedade, para que assim, seja possível alcançar uma melhor compreensão da história do povo brasileiro. De tal modo, tais ações poderão ultrapassar o racismo impregnado desde o tempo do colonialismo, proporcionando uma nova compreensão da história. “O que interessa a nós é expulsar os colonialistas, não necessariamente matá-los" (FREIRE, 1985, p. 6). Percebe-se, que questões relacionadas à literatura-afro brasileira com significativa atuação no que diz respeito ao processo identitário de crianças negras são discutidas em momentos esporádicos ou quando surge algum tipo de conflito em que se “faz necessário” o que não se adequa à necessidade real da criança. Baseadas nessa hipótese, surgiu a partir daí, motivação para buscarmos compreender algumas questões, tais como: Quais narrativas são ofertadas às crianças? Como as literaturas apresentam personagens negras e negros? Quais são as perspectivas priorizadas? Há de fato caráter identitário presente em todas elas? 14 3 IDENTIDADES E INFÂNCIAS: PERSPECTIVA E REALIDADE FRENTE AO CONTEXTO PANDÊMICO E SOCIOECONÔMICO Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) do ano de 2019, cerca de 4,3 milhões de estudantes iniciaram as aulas durante a pandemia, de forma remota, sem acesso à internet, dentre eles, 4,1 milhões são alunos oriundos das escolas da rede pública de ensino. A falta de recursos para adquirir equipamentos eletrônicos e contratar serviços de internet está presente na realidade dos estudantes brasileiros das camadas populares. A pandemia escancarou as desigualdades e os povos negros e indígenas, que são os mais afetados por essas mazelas. Dados do IBGE apontam que no estado do Amazonas existem 28,227 estudantes brancos que não estão acompanhando as aulas, já o número de estudantes negros, pardos e indígenas são muito mais elevados, são 212,242 alunos sem acesso as atividades remotas. Atualmente é o Estado onde encontra-se a maior desigualdade entre os estudantes negros e brancos. O Instituto Porvir em parceria com o Unibanco, realizou pesquisas sobre os impactos causados pelo Covid-19 no Ensino Médio, observando pontos como a evasão escolar, o atraso na implementação de novos currículos, os aspectos do ensino remoto, sobre o Enem e também sobre o clima escolar em geral. E todos os dados e pesquisas apontam para uma conclusão, os alunos negros vindos das comunidades periféricas estão claramente sendo mais atingidos por esses problemas. A maior parte dos casos e das mortes por covid-19 ocorreram em negros, considerando os números absolutos. Mais de 89 mil pessoas negras morreram no Brasil pela doença desde o início da pandemia, de um total de 260 mil casos confirmados. O número de mortes entre negros é cerca de 10% a mais que entre brancos. Os dados também apontam que a mortalidade — isto é, a quantidade de pessoas que morrem em relação a quem tem a doença — foi maior entre negros que entre brancos: 92 óbitos a cada 100 mil habitantes em negros, para 88 em brancos. A reportagem contabilizou as mortes decorrentes de quadros graves de problemas respiratórios (SRAG) causados pelo coronavírus e registrados pelo Ministério da Saúde até 22 de fevereiro. (MUNIZ, FONSECA, FERNANDES E PINA, 2021) Considerando que as pessoas negras fazem parte dos grupos que mais são atingidos pelo Corona vírus, que vivem em áreas vulneráveis e sem serviço de saúde adequados, e muitas vezes são obrigados a trabalhar em condições insalubres, as consequências dessa realidade no mundo escolar escancara o abismo que existe entre estudantes negros e brancos. Como o foco deste trabalho se encontra na análise de livros literários, a pesquisa realizada através de dados do IBGE, Organizações Não Governamentais - ONG’s e 15 organizações privadas, sobre o impacto do coronavírus nos processos educacionais das pessoas negras mostra como estamos longe de oferecer momentos literários para as crianças, pois essas, na maioria das vezes sequer tem acesso à internet. Apesar dos esforços individuais de algumas instituições e escolas, na maioria das vezes os projetos pensados na área da literatura não atingem os alunos negros. Segundo a Secretaria de Educação do Estado do Mato Grosso (2021), a Escola Estadual Francisco Ferreira Mendes, na cidade de Cuiabá criou sua biblioteca virtual, e nela a comunidade escolar tem acesso ao acervo digital. De acordo com (GARCIA, 2020) em Palheiros, localizada no estado de São Paulo, uma parceria entre o IBEAC (Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário) e a Biblioteca Comunitária caminhos da leitura, unem forças para valorizar as práticas de leitura e literatura para que as mesmas não desapareçam ao longo do isolamento social. A ação social consiste em distribuir cestas básicas, mas incluem nessas cestas básicas livros escritos por escritores locais. É a tríade “pão, proteção e poesia”, relata Bruninho Souza, educador e um dos integrantes do IBEAC. “Em um país onde a pandemia evidencia e aprofunda desigualdades, o trabalho social de bibliotecas comunitárias leva itens de necessidade, mas também amplia os direitos, como o direito à leitura. É importantíssimo que se tenha o que comer, mas também que as pessoas possam se alimentar de outros tipos de narrativa a partir da literatura. (GARCIA, 2020) Para os organizadores desse projeto, ter acesso aos livros durante esses períodos incertos de pandemia deve ser considerado um ponto de alívio e diversão. Entretanto, a comunidade negra, que é o foco desse trabalho, muitas vezes fica alheia a esses projetos, pois na maioria das vezes os responsáveis pelas crianças não dispõem de tempo para acompanhar essas atividades, auxiliando seus filhos no desenvolvimento das tarefas. Diante de todos os fatos expostos acerca da realidade dos estudantes negros, observamos que por mais que as instituições escolares se esforcem para oferecer atividades e aulas, sendo elas relevantes ou não, essas camadas muitas vezes não são atingidas pelas propostas, sejam elas no campo da literatura ou qualquer outra área de estudo. A falta de acesso aos equipamentos e aos serviços de internet, é um fator decisivo, os aspectosculturais, sociais e econômicos também exercem influência sobre esses processos escolares, excluindo cada vez mais uma parcela de estudantes que vem sofrendo sistematicamente com as desigualdades presentes nos ambientes escolares. 16 4 AS CRIANÇAS NEGRAS E A LITERATURA Em concordância com Evaristo (2009), a literatura afro-brasileira situa “[...] a existência de um discurso literário que, ao erigir as suas personagens e histórias, o faz diferentemente do previsível pela literatura canônica, veiculada pelas classes detentoras do poder político econômico" (EVARISTO, 2009, p. 19). De acordo com Duarte (2010), a literatura afro brasileira “[...] não só existe como se faz presente nos tempos e espaços históricos de nossa constituição enquanto povo; não só existe como é múltipla e diversa” (DUARTE, 2010, p. 113). Duarte (2010), embora reconheça que a literatura afro-brasileira é um conceito em construção, elenca algumas características utilizadas como critérios para defini-la, são eles: temática, autoria, ponto de vista, linguagem e público. Segundo o autor, a temática “[...] é um dos fatores que ajudam a configurar o pertencimento de um texto à literatura afro-brasileira” (DUARTE, 2010, p. 122). Desse modo, pode contemplar “[...] o resgate da história do povo negro na diáspora brasileira, passando pela denúncia da escravidão e de suas consequências, ou ir à glorificação de heróis como Zumbi dos Palmares” (DUARTE, 2010, p. 122). Duarte (2010) também aponta como um dos identificadores da literatura afro-brasileira o público. Para o autor “A constituição desse público específico, marcado pela diferença cultural e pelo anseio de afirmação identitária, compõe a faceta algo utópica do projeto literário afro-brasileiro [...]” (DUARTE, 2010, p. 133). Desse modo, duas tarefas se impõem, a primeira diz respeito “[...] a de levar ao público a literatura afro-brasileira, fazendo com que o leitor tome contato não apenas com a diversidade dessa produção, mas também com novos modelos identitários [...]” (DUARTE, 2010, p. 134). E a segunda “[...] o desafio de dialogar com o horizonte de expectativas do leitor, combatendo o preconceito e inibindo a discriminação sem cair no simplismo muitas vezes maniqueísta do panfleto” (DUARTE, 2010, p. 134). Cabe enfatizar que tanto a linguagem, como a autoria, o ponto de vista, o público e mesmo a temática são insuficientes para propiciar o pertencimento à literatura afro-brasileira. Para Duarte (2010), o que caracteriza a literatura afro-brasileira é o resultado da inter-relação entre esses cinco fatores. Impõe-se destacar que a produção literária afro-brasileira se empenha em “[...] edificar uma escritura que seja não apenas a expressão dos afrodescendentes enquanto agentes de cultura e de arte, mas que aponte o etnocentrismo que os exclui do mundo das letras e da própria civilização” (DUARTE, 2010, p. 135). Levando em consideração esses aspectos referentes à vertente literária afro-brasileira, Pereira e Silva (2017) apontam o desenvolvimento dentro do intitulado campo da literatura afro-brasileira, de uma “literatura infanto-juvenil negra” ou “afro-brasileira”, no qual proporciona a “[...] formação de um público leitor, não 17 necessariamente ‘afro-brasileiro’, porém mais sensível às temáticas das relações inter-raciais, da diversidade e da inclusividade” (PEREIRA; SILVA, 2017, p. 2). Alicerçadas às afirmativas atribuídas anteriormente, optamos por fazer uma análise de (quatro) livros de literatura infantil que mais foram mencionados por 3 professoras entrevistadas, que convivemos durante o processo de estágio, na cidade de São Vicente de Minas, que atuam na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, tendo como pretexto afirmar ou não, se os livros apontados pelas mesmas, abarcam os ideais promulgados perante a Lei constituinte. Segundo Mortatti (2000), a análise das configurações textuais deve ter seu enfoque nos diversos aspectos que constituem os sentidos para determinadas obras literárias. Sendo assim, a análise é desenvolvida por meio dos seguintes aspectos: [...] as opções temático - conteudística (o quê?), estruturais formais (como?), projetadas por um determinado sujeito (quem?), se apresenta como autor de um discurso produzido de determinado ponto de vista e lugar social (de onde?), em um momento histórico (quando?), movido por certas necessidades (por quê?), com propósito (para quê?), visando a determinado efeito (para quem?) e logrado em determinado tipo de circulação, utilização e repercussão (MORTATTI, 2000). A análise de configuração dos livros, tem por objetivo investigar a forma como os autores imprimem suas vivências socioculturais em suas produções literárias, de modo que se faz necessário a busca por uma compreensão que dê sentido às experiências de vida, representada em diálogos da produção do autor, que remete aos ideais de sua autoria, com base na representatividade de uma vida real, vividos num determinado contexto histórico. Além disso, o discurso incrustado na contemporaneidade, bem como sua adequação permanente em virtude da razão discursiva de cada época que fora apresentada e assim permaneceu. Ademais, dados os fatores houveram sucessivos acontecimentos que justificam a preservação de possíveis interpretações da realidade, chegando ao ápice do discurso interpretado. 18 5 ANÁLISE DOS LIVROS 5.1 A BONEQUINHA PRETA Como descrito em sua contracapa: “A mãe da Bonequinha Preta, é a “dona” Alaíde Lisboa de Oliveira, que durante 103 anos de vida exerceu diversas atividades ligadas à educação como professora, pesquisadora, coordenadora de mestrado em educação na UFMG e autora de mais de uma dezena de livros. Nasceu em Lambari-MG e faleceu em 04 de novembro de 2006.” A autora foi membro da Academia Mineira de Letras e professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), produziu diversas obras literárias infantis e materiais didáticos, foi a primeira mulher a conquistar uma posição como vereadora na cidade de Belo Horizonte no ano de 1950. Sua estreia na literatura infantil ocorreu em 1938, quando publicou os clássicos Bonequinha preta e Bonequinho doce. O primeiro, após sucessivas reedições, já ultrapassou a marca de dois milhões de exemplares vendidos. Por sua atuação pública e produção literária e acadêmica, recebeu diversos prêmios e homenagens. (CÂMARA MUNICIPAL, 2017) A trama literária descreve todos os cuidados que a menina Mariazinha tem com sua bonequinha preta: ao fazer uma comida, dar banho, costurar vestidos, dormir com a boneca e trocar juras de amizade. Certo dia, Mariazinha foi passear com a sua mãe e não podendo levar sua boneca, pelo simples fato de que iria caminhar bastante, ela ordena que a bonequinha fique em casa quieta e não faça “arte”. No entanto, a boneca ao escutar o miado de um gatinho que estava passando pela rua encosta a poltrona na janela e ao pular para ver o gato acaba caindo no cesto de um verdureiro. O gato pega a bonequinha no cesto e a leva para a sua casa. O verdureiro vai até a casa do gato buscar a boneca de Mariazinha, ao trazê-la o gato se entristece, o verdureiro então convida o gato para morar na casa de Mariazinha, o bichano concorda e no final, Mariazinha perdoa a boneca preta pela travessura e adquire mais um companheiro: o gato. Segundo Oliveira (2008), em virtude da lei 10.639/03, a tendência do mercado editorial brasileiro é que para atender a essa demanda produza para o universo da infância “[...] publicações e reedições nem sempre elaboradas com a devida qualidade estética e temática, no tocante à história e cultura africana e afro-brasileira, conforme exigência das Diretrizes Curriculares Nacionais (2005) que regulamentam a aludida “lei” (OLIVEIRA, 2008, n.p.). Desse modo fica evidente que não basta a mera inclusão de uma produção, que a princípio, julga ser antirracista.Por isso, se faz necessário, uma seleção concernente no espaço escolar de livros, que favoreça a mediação, que tem por objetivo tratar a temática afro-brasileira e africana, https://pt.wikipedia.org/wiki/Academia_Mineira_de_Letras https://pt.wikipedia.org/wiki/Literatura_infantil https://pt.wikipedia.org/wiki/1938 19 que apresentem personagens de protagonismos negros, que consequentemente fará com os ouvintes, absolvam de modo positivo, respeitoso e efetivo, o que não ficou claro na trama “A bonequinha preta.” No enredo deste livro se faz necessário perceber uma colocação de caráter racista, ao apontar que: “Logo na primeira página a boneca é comparada à cor do carvão. Primeira página do livro A bonequinha preta, 1ª edição, 2004. Primeira página, segunda frase: “A boneca de Mariazinha é preta como carvão” (OLIVEIRA, 2004, p. 5). O carvão, segundo um dos significados do dicionário online Michaelis, diz respeito a “qualquer substância carbonizada pela ação do fogo”. Nas relações tecidas no cenário brasileiro, a expressão carvão para se referir aos negros configura ofensa com conotação/ tem caráter racista. Figura 1 - A bonequinha preta Fonte: (OLIVEIRA, 2020, p. 4 e 5) O que se pode ressaltar dentro desta afirmação feita anteriormente, é que tal conceito faz menção ao bullying, só faz enaltecer o racismo ideológico impregnado na sociedade desde os tempos primórdios, e isso está associado ao fato de que a autora, faz essa comparação entre 20 a cor do carvão e da bonequinha. A boneca não é apresentada como a personagem principal da trama, mas sim a criança branca, que é descrita pela autora como uma menina “tão boazinha”, diferentemente da boneca, que é “desobediente”, valorizando as características da menina branca em detrimento da boneca preta. Apesar da tentativa de construir uma relação amigável entre as personagens, Mariazinha, é quem controla o corpo negro, deixando assim, o mesmo suscetível aos comandos, mesmo sofrendo contrariedades. A branca possui uma boneca preta que, pejorativamente, possui uma cor de carvão; tem afeto pela boneca, mas exerce poder: a imagem negra aparece objetificada na figura do brinquedo, cuja dona é uma pessoa branca. Como já mencionado, em outra parte da narrativa, vemos a menina pedindo à boneca que não faça “artes”, ou seja, que não aja de forma insensata. A boneca preta, que está associada a insubordinação, desobedece sua dona e por isso, passa por infortúnios (castigos). (SANTOS, p. 115, 2016). Em uma busca simples na internet foi possível constatar um número significativo de projetos de intervenções ou mesmo atividades pontuais de combate ao racismo/discriminação, utilizando o livro “A bonequinha preta”. De acordo com Campoi (2018), [...] mesmo sendo uma obra que perpassa gerações, Cristina Gouveia, doutora em História da Educação e professora da UFMG, afirma que o livro “A Bonequinha Preta”, por exemplo, precisa ser entendido também dentro do seu contexto de lançamento. Segundo ela, na década de 1930, houve uma transformação da literatura infantil brasileira, com a mudança de uma perspectiva europeia para uma mais nacional, que retrata melhor a identidade brasileira. Ela explica que isso ocorreu devido à mudança de foco da produção cultural e da política nacionalista do governo de Getúlio Vargas (CAMPOI, 2018, p. 22). Cabe ressaltar que embora na década de 1930 almejava-se exprimir de modo positivo afro brasilidade da produção literária “A bonequinha preta” em Campoi 2018 se encontra a seguinte afirmação: Ainda que o uso de A Bonequinha Preta seja comum em salas de aula para promover maior diversidade, Cristina Gouvêa ressalta que, mesmo que o livro também tenha um valor afetivo muito forte, ele não cumpre exatamente o objetivo de valorizar a identidade étnico-racial de pessoas negras. Isso ocorre já que, embora o livro tenha sido escrito em um período em que a literatura começava a deixar de ignorar a diversidade, ainda assim os personagens dos livros da época eram tratados, em suas palavras, “de maneira desqualificante”. A boneca da história não é a protagonista; a protagonista é a menina. “Então ela surge, mas numa posição de alteridade, que é comum à época”. A Bonequinha Preta, então, ainda não representa uma valorização estética que é importante para que a criança possua uma imagem positiva da própria identidade (CAMPOI, 2018, p. 22). 21 Durante as observações realizadas no período dos estágios percebemos que o livro “A bonequinha preta”, da autora Alaíde Lisboa de Oliveira, ainda é usado para o desenvolvimento de atividades de combate ao racismo, descrevendo a história da amizade de uma menina branca e sua boneca preta, na qual a personagem negra é caracterizada com estereótipos pejorativos, que ofendem as pessoas negras, sem qualquer tentativa de construir e valorizar a identidade das crianças assim representadas. Em meio ao contexto atual, diante da produção literária, o que se pode perceber é que tal formato literário, nos remete a um viés de caráter problematizador, que segundo Lima (2010), transfere de modo exequível outras percepções [...] quando o inquestionável, aquilo que sempre passou despercebido cessa de sê-lo, quando a agressão deixa de ser naturalizada e a negação perde força para assumir enfrentamentos temos uma pista de saúde social e uma chance para conviver com a arte de outros tempos (LIMA, 2010, n. p.). 5.2 MENINA BONITA DO LAÇO DE FITA O livro "A menina bonita do laço de fita" da autora Ana Maria Machado, apresenta a história de uma menina negra e um coelho que admira seu tom de pele. A autora brasileira, nasceu em Santa Tereza no Rio de Janeiro, no dia 24 de dezembro de 1941. Ana Maria Machado é uma das escritoras mais renomadas da literatura brasileira, com mais de uma centena de livros publicados. Recebeu inúmeros prêmios, entre eles o Hans Christian Andersen, o mais importante de literatura infantil mundial. É também a primeira autora de literatura infanto/juvenil eleita a Academia Brasileira de Letras (GAGO, 2018). Jornalista, professora universitária e pintora, a carioca criou suas primeiras histórias infantis para a revista Recreio, em 1969. E não parou mais de escrever, dedicando-se também a ensaios e romances adultos. O ilustrador Claudius é gaúcho, mas vive no Rio de Janeiro desde criança. Chargista consagrado, ele foi um dos fundadores do importante folhetim semanal brasileiro O Pasquim. É apaixonado por desenhos de humor e também por crianças - não é à toa que suas ilustrações em aquarela são tão engraçadas, segundo ele, ilustrar Menina bonita do laço de fita não foi trabalho, foi puro prazer. Claudius ao ilustrar as histórias desta escritora renomada, voltada para crianças pequenas, foge dos formatos tradicionais ao que se refere às obras, para alfabetização infantil e propõe a literatura como instrumento de aprendizado da leitura e escrita. As ilustrações auxiliam a criança, que decodifica o texto com a ajuda dos desenhos. O traço simples e forte e a clareza 22 das ilustrações de Claudius para livros infantis são elementos recorrentes no seu trabalho. Suas propostas unem didatismo e humor de maneira leve e atingem diferentes públicos. Existem diversas formas de se ler o mundo, uma delas é através das ilustrações. As imagens em um livro infantil são muito importantes, um instrumento enriquecedor da prática pedagógica, favorecendo a compreensão das histórias e influenciando a criatividade do leitor (SIMÃO, 2013). As figuras presentes em histórias refletem as vivências e ideais de seus ilustradores. No livro " A menina bonita do laço de fita" a narrativa é construída baseada na beleza da personagem negra, o artista associa as informações escritas aos desenhos, através das ilustrações podemos observar uma menina vaidosa, estudiosa, que gosta muito de ler livros e é muito amada por sua mãe. Analisando as ilustrações, percebemosa preocupação do autor em retratar as características de uma pessoa negra, como boca, nariz e cabelos. As ilustrações também enriquecem o enredo da história quando mostram a garota praticando balé, lendo livros, escrevendo, desenhando e brincando, como qualquer outra criança, sem diminuir suas capacidades, mostrando que uma menina negra pode fazer tudo que as não negras fazem. (BERNARDES, 2010) O livro foi lançado em 1986, muito antes da promulgação dos artigos 26-A, 79-A e 79- B da lei 9.394, referentes ao ensino da cultura negra dentro das escolas (PRESIDÊNCIA, 2003) e um ano antes da publicação da Lei 7.716, que define como crime ações discriminatórias de preconceito em relação a raça e cor (PRESIDÊNCIA, 1989). Também em novembro de 1986, 580 entidades e grupos ativos dos movimentos negros reivindicam a inclusão de suas pautas na constituição, na "Convenção Nacional do Negro pela Constituinte" esses movimentos se reuniram para cobrar ações políticas voltadas para as pessoas negras (SÃO PAULO, 1986). A personagem negra recebe um papel de destaque na história, que na época do lançamento da obra, era comumente destinado às personagens brancas. Em seu blog, a autora relata que a fonte de inspiração para sua escrita foi sua neta, uma criança branca como leite, e que essa escolha se deu, pois, o mercado já estava saturado de obras representadas por personagens brancos. A autora não teve nenhuma intenção de abordar os problemas históricos vivenciados pelos povos negros. A menina na história quando é questionada sobre o tom de sua pele, não sabe responder com clareza, e começa a inventar respostas: 23 - Ah deve ser porque eu caí na tinta preta quando era pequenina... - Ah, deve ser porque eu tomei muito café quando era pequenina. - Ah, deve ser porque eu comi muita jabuticaba quando era pequenina. A menina não sabia e... Já ia inventando outra coisa, uma história de feijoada. (MACHADO, 2010, p.8, 10, 12, 15) Figura 2 – Qual o seu segredo pra ser tão pretinha? Fonte: (MACHADO, 2010, p. 8) 24 Figura 3 - Deve ser porque eu tomei muito café. Fonte: (MACHADO, 2010, p. 10) 25 Figura 4 - Comi muita jabuticaba. Fonte: (MACHADO, 2010, p. 12-13) 26 Figura 5 - Artes de uma vó preta. Fonte: (MACHADO, 2010, p. 14 - 15) As respostas dadas pela criança, podem ser comparadas às ofensas racistas que as pessoas negras escutam desde sua juventude, e também observamos que a menina não tem nenhuma noção de ancestralidade, e que suas ideias sobre sua origem são completamente distorcidas da realidade. Nesse ponto, a autora não aproveita a chance de realizar uma verdadeira problematização sobre o tema, e acaba utilizando de características pejorativas contra os povos negros. Nenhuma delas tem nome, seja a mãe ou a criança, que ocupa o lugar de personagem principal na história. A mãe é referida como uma mulata, um termo que é fortemente condenado pelos movimentos negros, pois se refere aos animais híbridos, que não são capazes de se reproduzir. Termo vindo da época dos escravos, que deprecia essas pessoas e seus corpos, disseminando ainda mais o racismo estrutural, no qual os indivíduos vivem sob uma falsa democracia racial. De acordo com (SILVA, 2018): Os movimentos negros brasileiros refutam a utilização da palavra por dois motivos: 1) linguístico – derivação de ‘mulus’, do latim, atualizado por 27 ‘mula’, o animal que surge da cópula de duas raças diferentes – o asno e a égua, que, no século XVI, derivou-se na América hispânica para ‘mulato’ como uma analogia ao caráter híbrido do animal, considerado uma raça inferior já que não possui a possibilidade da reprodução; e 2) cultural – a falsa impressão de democracia racial que há no país, associado à representação da mulher negra ou mestiça através do corpo branqueado e hiper sexualizado. (SILVA, 2018, p.77) Mais uma vez, podemos observar que a autora não foi capaz de construir uma identidade para essas personagens, e que, novamente, a história continua desconectada da realidade, sem qualquer aprofundamento sobre a vida das pessoas negras. Quando a mãe da garota se envolve na trama e relata que a origem da menina se deu através das "Artes de uma avó preta que ela tinha...” nos leva a questionar quais são as artes que a avó poderia ter feito. As mulheres negras, se envolviam em "artes" com os homens brancos, e assim surgiam seus descendentes, denominados como mulatos, muitas vezes frutos dos abusos praticados contra essas pessoas. A história ignora completamente o papel do homem branco na suposta origem da criança, e somente foca na possível "arte" que uma mulher negra cometeu. O coelho branco, que tenta de tudo para mudar seu tom de pele, quando ouve as palavras da mãe da criança, resolve seus problemas. Ele precisava somente se casar com uma coelha de pele preta, assim seus filhos teriam o tom de pele almejado por ele. Ao se casar com uma coelha de pele preta, nascem coelhos com tons de pele diferentes, e o tema miscigenação é tratado de forma simplista, novamente a autora não usa a oportunidade para se aprofundar nas questões complexas que envolvem a mistura dos povos. 5.3 OBAX Ao fazer a análise da configuração textual, desta obra intitulada “Obax”, publicada no ano de 2010, optamos por analisar o livro da seguinte forma: primeiramente, fizemos uma breve abordagem, com informações sobre a vida do autor e ilustrador André Neves e trouxemos alguns comentários, acerca do que fora discutido ao longo do desenvolvimento do nosso trabalho. André Neves, nasceu em Recife e dedicou-se à arte de escrever e ilustrar livros para infância, como consta na sua biografia, presente na contracapa do livro de sua autoria. O autor já acumulou prêmios literários importantes, como: Prêmio Luís Jardim, Prêmio Jabuti, Prêmio Açorianos e o Prêmio Speciali, do Concurso Lucca Comics e Games, na Itália. Já participou de 28 mostras e exposições de ilustrações no Brasil e no exterior. O fato de sua trajetória ter cruzado o país estudando e pesquisando tem contribuído para a criação híbrida de suas imagens. O autor segue descrevendo em sua apresentação, que a obra Obax é um texto de ficção ambientado na África e não trata um conto. Para a criação de Obax, o autor partiu de pesquisas feitas em livros de ortografia e na internet sobre o oeste africano. Em seu livro é concebível o vislumbre de aldeias praticamente isoladas e o mais curioso é perceber que estas tribos ainda mantêm características étnicas que as diferenciam do restante da região. Costumes que são ressaltados por meio da manifestação artística, que apresenta uma pluralidade de estampas características e cores fortes. (NEVES, 2010). No Brasil, recontar lendas e histórias é comum e segundo André, um continente tão rico culturalmente ainda tem muito o que contar. A história se passa em um lugar da África. Vale ressaltar que existem diferentes grupos étnicos com diversas artes, espalhados por Costa Rica, Mali, Marfim, Mauritânia, Nigéria, Senegal, dentre tantos outros países. No livro Obax é demonstrado a forma como as mulheres das tribos se utilizam de lama e pigmentos naturais feitos a partir das plantas colhidas na própria região (NEVES, 2010). Isso se desenvolve num lugar específico, o que não confere ao vasto continente africano em sua totalidade, e sim particularidade. Tudo isto está implicado no fato de se tratar reflexo de suas vidas, apesar das dificuldades oferecidas pela paisagem árida, ainda assim essas comunidades exaltam a alegria através das cores. Com intuito de reforçar ainda mais questões africanas em seu livro literário, o autor pesquisou nomes originários da África ocidental e que complementam a história. Obax significa "flor'' e Nafisa “pedra preciosa.” Assim, o livro OBAX traz em sua narrativa a história de uma destemida menina africana (Obax), que ama caminharpelas savanas em busca de aventuras, ao retornar de sua aldeia, compartilha com os outros tudo que experienciou durante suas jornadas. Em meio a tantas histórias, estão presentes: a amizade com girafas, a caça aos ovos de avestruz, a corrida com antílopes e o enfrentamento a ferozes crocodilos. As pessoas de seu convívio, curtem muito suas histórias, mas, muitas delas, não crêem no que ela diz e caçoam da pobre garotinha. Em sua narrativa, ao contar a história, sobre ter presenciado uma chuva de flores, foi motivo de riso e descrédito, sobretudo, nesta história a própria Obax parecia acreditar, tanto que a reação das pessoas com relação aos seus ditos, lhe deixou bastante triste, o que a fez tomar a decisão de sair de sua Aldeia. Ao longo de sua caminhada, na esperança de poder encontrar um lugar em que pudesse novamente vislumbrar a chuva de flores e provar aos outros a veracidade que há em sua história, acaba tropeçando em 29 uma pedra que possuía o formato de um elefante, na verdade um elefante, o encontra perdido de sua manada e adquire, a partir de então, um amigo (Nafisa). Juntos, eles exploram o mundo por meio de viagens, presenciam chuvas de todas as espécies; pedra, gelo, algodão e de folhas, com exceção a de flores. Quando menos esperavam, retornaram às savanas e durante a madrugada a menina retornou à aldeia, suas famílias já estavam preocupadas, mas, todos ficaram muito felizes com seu retorno, e novamente, contando histórias. Mas, desta vez, Obax estava diferente, mais confiante, pois estava na companhia de seu amigo Nefisa, para confirmar suas histórias referentes a volta ao mundo. O que se pôde observar em meio as nas suas ilustrações, são as referidas imagens que o autor buscou evidenciar, dando exemplo das savanas, no intuito de dá característica aos aspectos físicos e geofísicos da cultura africanas, com cores e imagens contextualizadas de motivos, que incorporam a cultura do oeste africano, com características desérticas e aspectos que enaltecem a cultura, africana em seu habitat, fazendo assim, jus a representação de um espaço africano, representado em suas ilustrações, por meio da vegetação rasteira e pedras na planície. Buscou-se por meio desta obra, representar uma África exótica, que embora esteja ao lado oposto do continente, para ser mais precisa no oeste africano, como André faz menção na penúltima página de sua obra, revela-se um efeito metonímico por reduzir o continente à única savana. Ao narrar a história, em meio a um ambiente (savana) perigoso e hostil, o autor faz uso de duas personagens principais, a menina Obax o seu amigo Nefisa, o elefante, que exploram o ambiente no qual vivem, fascinada por aventuras, sem medo de arriscar-se. É evidente que o autor se preocupou com a ilustração dos personagens. Em suas páginas, nos deparamos com a caracterização dos traços e dos cabelos, que ao fazer um paralelo, ainda que de modo estilizado, é concebível tanger uma familiarização fenotípica do africano e/ou afrodescendente. Embora, supõe-se que para o autor a presença da temática que envolvam questões que ressaltam a cultura africana, a representação dessas, nos revela uma possibilidade de leituras que podem ser elaboradas, inclusive, em contrapondo-se ao que consideramos o que se propõe a Lei 10.639. O texto reforça alguns estereótipos acerca da cultura africana, um exemplo claro desta afirmação, denota-se a ideia de que a África como um todo, no geral, possui estruturas urbanas e sociais, primitivas e rudimentares. Partindo-se de uma representação cultural, que está situada no âmbito de uma visão continental, que acarreta numa certa redundância, quando 30 que, o que se propõe discutir atualmente em meio as lutas e movimentos, é a especificidade de cada país do continente, cum suas culturas, crendices e etc. Figura 6 - Silêncio negro. Fonte: (NEVES, 2010, p. 20-21) 31 Figura 7 - Obax vivia solitária Fonte: (NEVES, 2010, p. 10-11) 32 Figura 8 - De volta à savana Fonte: (NEVES, 2010, p. 22-23) 33 Figura 9 - Forte como baobá Fonte: (NEVES, 2010, p. 32 e 33) 5.4 O CABELO DE LELÊ A autora Valéria Barros Belém Dias, nascida no Rio de janeiro, filha de mãe cearense e pai tocantinense, viveu em São Paulo, Brasília, e atualmente reside em Goiânia. Tenda a formação em Jornalismo, a escritora realiza trabalhos de edição para o Almanaque e Campo do Jornal o Popular (Go), premiada pela Society for News Design (SND), de Nova Iorque, já recebeu o título de Jornalista Amiga da Criança, pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi). (Portal dos Jornalistas, 2017). A obra intitulada “O cabelo de Lelê”, foi a sua história mais vendida, inspirada na vida de uma criança que sofre críticas constantes devido às suas características físicas. Juntamente com outro livro, da mesma autora, “Feita de Pano”, foram distribuídos nas escolas do país, através do Programa Nacional da Biblioteca na Escola (PNBE). (DIÁRIO DO ESTADO, 2018) 34 No início dos anos 2000, movimentos negros do Brasil se mobilizaram para estabelecer padrões de equidade para o atendimento médico no SUS. O movimento Social Negro brasileiro apresentou suas propostas nas Conferências Nacionais de Saúde em 2000 e 2003 com o intuito de ampliar e fortalecer a participação das pessoas negras nas políticas de saúde do país. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2007). A produção analisada neste tópico, teve sua primeira edição lançada 7 anos após essa época marcada pela luta dos movimentos negros em busca de melhores condições de saúde. Apenas 4 anos após a promulgação da lei 10.639 que estabelece a inclusão da temática "História e cultura afro-brasileira" nos currículos das redes de ensino. Um estudo desenvolvido por Bonilha (2014), com o intuito de analisar dados do censo escolar dos anos de 2007 a 2009 apontam que os alunos negros sofriam as consequências da exclusão em ambientes escolares, e durante a transição do ensino fundamental para o ensino médio os índices de evasão e exclusão aumentaram significativamente. O livro narra o conflito da criança negra, a personagem Lelê, com seu cabelo cacheado. A menina descobre o livro Países Africanos, e nele encontra a história por trás de suas características, de sua cultura e da identidade dos povos negros. Mostrando a importância de buscar e conhecer suas origens, através da leitura e consequentemente incentivando o pensar crítico, que problematiza a realidade vivenciada. Gomes (2002) relata que ao entrar na escola, a criança começa a lidar com a exigência de apresentar os cabelos arrumados e penteados, em virtude das regras preestabelecidas, que se baseia em preceitos higienistas, provenientes da cultura eurocentrista, demonstrando seu racismo velado em forma de preocupação com as normas. E mesmo com a tentativa de adequar o penteado, as crianças negras não ficam livres das comparações pejorativas em relação ao cabelo. Na escola também se encontra a exigência de “arrumar o cabelo”, o que não é novidade para a família negra. Mas essa exigência, muitas vezes, chega até essa família com um sentido muito diferente daquele atribuído pelas mães ao cuidarem dos seus filhos e filhas. Em alguns momentos, o cuidado dessas mães não consegue evitar que, mesmo apresentando-se bem penteada e arrumada, a criança negra deixe de ser alvo das piadas e apelidos pejorativos no ambiente escolar. Alguns se referem ao cabelo como: “ninho de guacho”, “cabelo de bombril”, “nega do cabelo duro”, “cabelo de picumã”! Apelidos que expressam que o tipo de cabelo do negro é visto como símbolo de inferioridade, sempre associado à artificialidade (esponja de bombril) ou com elementos da natureza (ninho de passarinhos, teia de aranha enegrecida pela fuligem) (GOMES, p. 45, 2002). Nas páginas 16 e 17, a personagem Lelê apresenta as múltiplas possibilidades de penteados quepodem ser feitos nos cabelos crespos, sendo elas: amarrado, trançado, torcido, 35 solto, enfeitado com diferentes apetrechos. O livro O cabelo de Lelê apresenta uma abordagem positiva sobre cabelo crespo, entretanto é necessário observar aspectos presentes na obra, em relação a fala da personagem e as ilustrações exibidas. De acordo com os levantamentos, no que diz respeito a obra, Cabelo de Lelê, o que se pode perceber, são os diferentes posicionamentos, tais como as de Barreiros e Vieira (2015), haja visto que “[...] colaboram para uma identificação positiva do leitor afrodescendente, além de mostrarem-se bastante atrativas para público infantil de modo geral” (BARREIROS; VIEIRA, 2015, p. 175). Dando sequência, a afirmação das mesmas “A maneira exacerbada e descontraída com que o cabelo de Lelê é destacado, ocupando, na maioria das vezes, uma página inteira e em outras até duas páginas, evidencia o cabelo como parte da identidade cultural” (BARREIROS; VIEIRA, 2015, p. 176). Em contrapartida, segundo Barbosa e Sirota (2016), tais ilustrações exageradas nos traços da personagem Lelê “[...] enviam uma representação caricaturada dos cabelos da mulher negra [...] (BARBOSA; SIROTA, 2016, p. 375). Figura 10 – Cabelos. Fonte: (BELÉM, 2012, p. 16-17) 36 Figura 11 - Lelê gosta do que vê. As ilustrações presentes na história do livro “O cabelo de Lelê” despertam em seus leitores diversos sentidos, evidenciando o limite entre o enaltecimento dos cabelos crespos e também a estereotipagem sobre os cabelos das pessoas negras. Fora isso, faz-se necessário problematizar as questões ligadas à sua identidade afrodescendente, auto aceitação e reconhecimento, também observando como este processo de aceitação se desenvolve na relação com seus pares. Nesse aspecto para Barreiros e Vieira (2015), A obra possibilita ainda reflexões sobre a formação identitária não apenas marcada pela aceitação da própria origem, mas também pela aceitação e respeito do outro, quando na continuidade do texto apresenta “O negro cabelo é pura magia/ Encanta o menino e a quem se avizinha”. O cabelo que no início da história era motivo de insatisfação torna-se agora, por meio de sua identificação com a cultura a que pertence, ‘pura magia’, a qual encanta também o outro e promove aceitação BARREIROS; VIEIRA, 2015, p. 175). No final do livro, a autora lança a seguinte questão, “Lelê ama o que vê! E você?” (BELÉM, 2007, p. 29), provocando o leitor a refletir e se posicionar sobre a identidade da 37 menina e suas descobertas, a fim de problematizar as relações de aceitação entre pessoas negras e não negras. Figura 12 - Cachos que são memória. Fonte: (BELÉM, 2012, p. 26-27) 38 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base na análise dos livros literários, por nós elaboradas consideramos os livros A bonequinha Preta e Menina Bonita do laço de fita não têm como característica ressaltar os valores das culturas afrodescendentes, de modo que se fazia perceber um enaltecimento mesmo que não intencional da cultura branca, que se configura no contexto histórico de pouca resistência; e, não trabalham bem a representatividade da identidade negra. Com o passar do tempo, com as lutas dos movimentos sociais e a cobrança da sociedade em geral, eclodiu nos livros a melhoraria, ao que diz respeito às questões identitárias e da cultura afro-brasileira. Conforme o que fora abordado ao longo do nosso processo acadêmico, aliado às práticas observadas ao longo das experiências vivenciadas durante o processo de estágios e da feitura deste TCC o que se pode afirmar é a importância com temáticas das culturas afro-brasileiras e africanas, para a formação humana e social de pessoas negras e não negras. Especialmente em relação à construção da identidade das crianças, ressaltamos a possibilidade de identificação e reconhecimento das características físicas, sociais e culturais bem como de ampliação dos conhecimentos e estética das culturas africanas e afrodescendentes. Com tais elementos culturais, as crianças podem se sentir envolvidas e convidadas a participar e interagir com a história e suas narradoras e narradores, sendo capazes de se reconhecerem como sujeitos transformadores de suas próprias histórias. Sendo assim, entende-se que a existência de estereótipos negativos na literatura é uma realidade que ainda precisa ser politicamente combatida, assim como o racismo de modo geral. Em seus dezessete anos, a Lei 10.639/03, ainda encontra desafios para sua implementação e convoca diferentes atores sociais para protagonizar a luta antirracista e a reinvindicação de uma educação positiva e significativa para as crianças e jovens negras e negros e, de igual ampliação cultural aos não negros. Um exercício de alteridade e responsabilidade ao que se imprime no outro, ao modelo de educação e a formação que se quer disseminar. Ainda falando sobre a lei, o que se promoveu foi um avanço, que oportunizou e impactou a amplitude de políticas de temática étnico-racial e a promoção de novas perspectivas para personagens negras(os). Vale ressaltar, que a escrita literária comprometida com a valorização da temática ético racial, concebe olhares perspectivos para a valorização e a importância do acolhimento às subjetivas formações. O que se pode constatar, por meio deste trabalho, é que as questões geradoras que apresentam componentes de sentidos opostos ou não, são características de uma época marcada no Brasil. Mesmo findada a escravidão, a sociedade brasileira ainda sofre com as grandes 39 influências e consequências das ações realizadas neste período, devido a subserviência e submissão, ao mesmo tempo em que o Brasil atual, busca incorporar atribuindo o negro como parte constitutiva de cultura nacionalista, que representa os costumes e tradições que verificariam sua identidade cultural (GOUVÊA, 2005). Na tentativa de resgatar tais tradições, não significa que nas produções literárias analisadas, que o negro tenha sido de fato incorporado ao cenário épico, porém o que observou foi uma retrospectiva do que se vivenciou no passado. Vale reafirmar, que o negro durante muitas vezes não foi representado de forma a valorizar suas características identitárias, enaltecendo o embranquecimento, mediante a negação de suas marcas raciais. (GOUVÊA, 2005 p. 90) Através da análise dos personagens das obras literárias, observamos o processo de construção da identidade negra a ser representada nas histórias infantis, esta identidade se constituiu de acordo com as visões que a sociedade brasileira possui sobre as pessoas negras, e destina-se a influenciar o desenvolvimento do ouvinte. Textos marcados pela cultura branca eurocentrista, que valoriza seus aspectos físicos e culturais em detrimento da cultura e das características dos povos negros. Não importando a origem das obras, elas acabam por contribuir com o embranquecimento da sociedade, com afirmações de que o povo branco é superior. (GOUVÊA, 2005 p.90) Segundo Gouvêa (2005, p. 81) “De maneira característica, a literatura infantil definiu-se historicamente pela formulação e transmissão de visões de mundo, assim como modelos de gostos, ações, comportamentos a serem reproduzidos pelo leitor.” Analisando a obra “A bonequinha Preta”, observamos esse processo de enaltecimento das características da personagem branca e a forma pejorativa como o tom de pele da boneca é referenciado nas seguintes falas: “Mariazinha tem uma boneca. A boneca de Mariazinha é preta como carvão (OLIVEIRA, 2010 p.5) “O verdureiro gosta muito de Mariazinha! Ela é tão boazinha” (OLIVEIRA, 2010 p.27) O racismo velado nas obras literárias, cala a voz das crianças negras, desvalorizando sua cultura e sua identidade, processo este que contribui para a inviabilização da participação da população negra nas produções literárias, de forma relevante, que seja capazde colaborar com o desenvolvimento da identidade do público alvo. As obras literárias analisadas revelam as condições de inferioridades descritas por Gouvêa (2005, p. 81) no que se relaciona às questões raciais. Nos foi possível observar também, por meio das obras de Obax e O cabelo de Lelê, fazendo um paralelo com o que propõe a lei e suas diretrizes, visando uma perspectiva positiva, 40 afirmativa, valorizando a cultura africana e afro-brasileira, é notório que o que vigora em ambas, é a ideia de literatura como forma de conhecimento. Sendo assim, os aspectos mencionados, foram estetizados e tematizados. Tais obras evidenciam um tratamento estético cujo efeito se posiciona sob o risco de uma leitura semelhante à que é dispensável aos livros de apoio didático e escolares. Pensar em produções literárias, para educação é uma tarefa de suma importância, pois requer dos professores e\ou futuros profissionais da área docente, um comprometimento em pensar ações pedagógicas que valorizem a viabilize as questões étnicos raciais, de modo que se possa produzir um foco, dando vozes às crianças, e permitindo que as mesmas, se observem (em especial as crianças pretas) se vejam representadas em produções literárias, podendo assim, confrontar ou não com sua vivência. Haja visto, sobretudo, que por meio da literatura e da educação literária, que as vozes ecoem indicando caminhos para a construção, no espaço escolar, de um ambiente propício para a produção de subjetividades e identidades positivas, fortalecidas por laços de alteridade, respeito e reconhecimento. 41 7 REFERENCIAL BARBOSA, Valéria; SIROTA, Régine. Os livros para crianças, manuais de civilidade contemporâneos entre formal e informal? Um exemplo: a criança negra na literatura infantojuvenil no Brasil. Revista Eletrônica de Educação, v. 10, n. 3, p. 369-382, 2016 BARREIROS, Ruth Ceccon; VIEIRA, Nancy Rita Ferreira. Representações identitárias em “O cabelo de Lelê”. Revista Trama. Vol. 11 n°21 1°semestre de 2015 BELÉM, Valéria. O cabelo de Lelê. Valéria Belém; ilustrações de Adriana Mendonça. São Paulo: IBEP, 2012. BERNARDES, Ana Paula. Revelações que a escrita não faz: a ilustração do livro infantil. Revista eletrônica do grupo de pesquisa em cinema e literatura. São Paulo. 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