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Direito dos Idosos e das Pessoas com Deficiência Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Reinaldo Zychan de Moraes Revisão Textual: Prof. Dra. Selma Aparecida Cesarin O Princípio da Igualdade e a Proteção de Grupos Distintos da Sociedade • A Proteção de Grupos Distintos da Sociedade • O Princípio da Igualdade • A Constituição Federal e Seus Preceitos • A Constituição Federal de 1988 • Ações Afirmativas • Material Complementar · Entender como o Princípio da Igualdade deve ser aplicado, particularmente, quando temos por fim estabelecer um sistema protetivo para determinados grupos sociais que são mais vulneráveis. A criação de normas protetivas para certos grupos sociais algumas vezes acaba por receber censuras de alguns em razão de estabelecer privilégios, o que, na visão dessas pessoas, feriria o Princípio da Igualdade. Ocorre, porém, que esse mesmo princípio acaba por justificar esse tratamento diferenciado. Dessa forma, precisamos conhecer um pouco mais desse mecanismo de Justiça Social tão importante para todos nós! OBJETIVO DE APRENDIZADO O Princípio da Igualdade e a Proteção de Grupos Distintos da Sociedade Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE O Princípio da Igualdade e a Proteção de Grupos Distintos da Sociedade A Proteção de Grupos Distintos da Sociedade Particularmente, após a edição da Constituição Federal de 1988, o Direito brasileiro passou, por meio da criação de Leis específicas, a estabelecer normas protetivas a alguns grupos de nossa sociedade. Essa forma de lidar com essas importantes questões de nossa sociedade pode, para alguns, encontrar resistência, em especial, sob a invocação de desrespeito ao Princípio da Igualdade, que em nossa Constituição Federal encontra arrimo no mandamento insculpido no caput de seu artigo 5º, cuja redação é a seguinte: Constituição Federal Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...] Considerando o acima, nós nos deparamos com algumas questões que precisam ser bem esclarecidas: Estabelecer privilégios a certos grupos sociais ofende o Princípio da Igualdade? Quais espécies de privilégios podem ser concedidas a certos grupos sociais sem que haja ofensa a esse princípio? Apesar de parecerem perguntas simples, elas, na verdade, despertam muitas incertezas. Assim, por exemplo: • Em certas circunstâncias, há privilégios legais estabelecidos para pessoas de baixa renda. Contudo, seria aceitável que pessoas de baixa renda tivessem vagas especiais de estacionamento, assim como ocorre para os idosos? • Certos idosos, independentemente de serem pobres ou ricos, por exemplo, não pagam para utilizar transporte público urbano. Contudo, seria aceitável que todos os idosos pudessem compras carros de passeio sem pagar uma série de tributos? 8 9 Sobre essa situação, menciona Celso Antônio Bandeira de Mello que: Sabe-se que entre as pessoas há diferenças óbvias, perceptíveis a olhos vistos, as quais, todavia, não poderiam ser, em quaisquer casos, erigidas validamente, em critérios distintivos justificadores de tratamentos jurídicos díspares. Assim, exempli gratia, são nitidamente diferenciáveis os homens altos dos homens de baixa estatura. Poderia a Lei estabelecer – em função dessa desigualdade evidente – que os indivíduos altos têm direito de realizar contratos de compra e venda, sendo defeso o uso deste instrumento jurídico às pessoas de amesquinhado tamanho?1 Discussões como estas precisam ser balizadas por parâmetros mais claros. Assim, conhecer um pouco mais o Princípio da Igualdade se mostra extremamente necessário para entendermos a lógica que deve estar por trás de medidas protetivas a certos grupos sociais. Particularmente na França, antes da Revolução de 1789, havia três classes (ou “Estados”) bem diferenciados em direitos e obrigações: • As duas primeiras classes (dois primeiros Estados) eram formadas pela nobreza e pelo clero, que, entre outros privilégios, não pa- gavam impostos; • O terceiro Estado, formado, portanto, por plebeus laicos, ou seja, aqueles que não eram nobres ou religiosos, não possuía qualquer tipo de privilégios e seus componentes eram os únicos que pagavam impostos. Assim, custeavam toda a atividade pública e os gastos com os outros dois Estados. O Princípio da Igualdade O Princípio da Igualdade também é conhecido como Princípio da Isonomia. Isonomia: É uma palavra que junta duas expressões vindas do grego, ou seja, iso, que significa igual e nomos, que significa Lei. Ex pl or Contudo, podemos encarar a isonomia em duas concepções bem distintas, a chamada isonomia formal e a isonomia material. 1 O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p.11-2. Figura 1 Fonte: Wikimedia Commons 9 UNIDADE O Princípio da Igualdade e a Proteção de Grupos Distintos da Sociedade Isonomia Formal A isonomia formal, ou isonomia perante a Lei, é a forma como esse princípio encontra-se inserido, por exemplo, em nossa Constituição Federal, no artigo 5º. Essa forma de igualdade surge como reação aos privilégios anteriormente vigentes na monarquia, razão pela qual ela foi inserida logo no início da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada pela Assembleia Nacional, após o início da Revolução Francesa de 1789. O texto do artigo 1º dessa Declaração tem a seguinte redação: DECLARAÇÃO DE DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. A busca de igualdade formal em seu nascedouro é, sobretudo, uma luta política, que almeja maior participação de grupos excluídos das decisões estatais, atribuindo- lhes maior poder. Essa forma de aplicar a igualdade entre as pessoas faz com que seja vedada qualquer forma de distinção, sendo que ela se refere, em especial, à maneira como o Estado deve tratar todas as pessoas, contudo, igualmente irradia suas disposições à forma como os particulares em suas relações devem dispensar uns aos outros. Assim, o Poder Legislativo, ao elaborar as leis, deve buscar um tratamento isonômicopara as pessoas, não sendo admissível que haja a criação de privilégios. O Poder Executivo, ao aplicar a Lei, deve tratar todos os cidadãos de igual maneira. Isso se reflete (ou deve refletir) em coisas corriqueiras, do dia a dia. Dessa forma, por exemplo, não pode o Prefeito de um Município estipular que em certos bairros da cidade haja a coleta de lixo doméstico duas vezes por semana e em outros somente uma vez. Já o Poder Judiciário deve garantir idêntico tratamento a todas as pessoas que participam das relações processuais e aplicar a Lei, nos litígios que lhe são apresentados, de forma igualitária. Na relação entre particulares, da mesma maneira, é vedada qualquer forma de tratamento que não leve em consideração a necessidade de respeito ao Princípio da Isonomia. Assim, por exemplo, não pode uma escola particular estipular que somente alunos com determinado perfil possam ser matriculados. Figura 2 Fonte: Wikimedia Commons 10 11 Embora seja inegável a aplicabilidade do Princípio da Igualdade sob o aspecto formal, é claro que ele não resolve todos os problemas nessa seara, pois, de fato, não somos todos iguais e, em várias situações, tratar as pessoas de maneira idêntica acarreta situações de extrema injustiça. Em várias situações não podemos tratar de forma idêntica um adulto e uma criança, uma pessoa sem problemas de saúde e uma pessoa que possui uma severa doença mental etc. Para situações como essas, nós nos deparamos com a chamada isonomia material. Isonomia Material A isonomia material, também chamada de isonomia substancial, parte do pressuposto de que não somos todos iguais. Assim, para que haja justiça de tratamento, devem ser consideradas as diferenças existentes em cada um de nós. Se essas diferenças forem consideradas, estaremos mais próximos de um tratamento mais igualitário. Ela se baseia em uma concepção de justiça e igualdade forjada por Aristóteles, sobretudo em sua obra Ética a Nicômaco. Entre nós, na mesma linha do filósofo grego, sempre são lembradas as palavras de Rui Barbosa, em sua obra Oração aos Moços: A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade.2 Essa proposição – Tratar desigualmente os desiguais, na medida de suas diferenças – Embora tenha inegável alcance, não resolve todos os problemas, pois ainda apresenta algumas lacunas que nem sempre são fáceis de ser plenamente compreendidas, tais como: 2 Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 1999, p.26. Figura 3 Figura 4 11 UNIDADE O Princípio da Igualdade e a Proteção de Grupos Distintos da Sociedade Quem são os iguais e quem são os desiguais? Em que medida o tratamento ao desigual se aproxima de um tratamento justo? Debruçando-se sobre essas questões, ou seja, pensando sobre a melhor forma de se compreender o Princípio da Igualdade, Celso Antônio Bandeira de Mello escreveu O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade3, um livro que, apesar de ser extremamente pequeno (possui somente 48 páginas), detalha a forma como essas questões devem ser enfrentadas para que haja a plena aplicação da cláusula constitucional igualitária. Seguindo a metodologia indicada pelo autor, vamos verificar a necessidade de observarmos três etapas para que cheguemos à conclusão sobre a observância, ou não, do respeito ao Princípio da Igualdade em situações concretas. A primeira constatação que precisamos destacar é que a Lei tem o importante papel de discriminar certas situações com relevância social, buscando, em seguida, dar-lhes regulação. É o que ocorre, por exemplo, quando a Lei trata da inimputabilidade penal dos menores de 18 anos, ou seja, da impossibilidade de serem aplicadas normas penais para condutas que se caracterizam como crimes praticadas por crianças e adolescentes. Ao discriminar essa situação, o legislador estabelece uma forma diferenciada de tratamento, ou seja: • Se um crime é praticado por um adulto, são aplicadas as normas penais, sobretudo, o Código Penal; • Contudo, se essa mesma conduta é praticada por um adolescente ou uma criança, são aplicadas normas diferenciadas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n.º 8.069/90. Após a compreensão de que certas situações devem ter um tratamento diferenciado na lei, precisamos buscar uma correlação lógica entre o fator de discriminação e essa forma diferenciada de tratamento legal, ou seja, vamos verificar se os mecanismos diferenciados criados pelo legislador possuem correlação lógica com o problema que se pretende atacar. Para entendermos melhor a necessidade dessa correlação lógica, vamos analisar os seguintes exemplos: 3 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2012. Apesar da palavra “discrimi- nar” ser empregada, em geral, de forma associada a precon- ceitos, na verdade, seu signifi- cado é “perceber diferenças”, “distinguir”. 12 13 Pesquisas reiteradamente demonstram que o valor médio pago para o trabalho de mulheres é bem inferior ao dos homens – Essa é uma situação de relevância social. Em razão disso, a Lei, buscando resolver essa desigualdade, estabelece que mulheres devem ter vagas de estacionamento reservadas em lojas, shopping centers e supermercados. Outra situação notória em nosso país é que pessoas com baixa renda têm grande dificuldade em obter empregos que propiciem maiores salários, pois têm grande dificuldade em completar sua formação escolar, sendo poucos aqueles que conseguem ingressar em cursos superiores de qualidade (situa- ção de relevância social). Em razão desse relevante desequilíbrio social, a Lei estabe- lece mecanismos de gratuidade ou de financiamento a baixo custo em Cursos Superiores de universidades particulares; con- tudo, somente podem ser usufruídos por pessoas de menor renda familiar. Observe que nos dois exemplos, em razão de graves desequilíbrios sociais, o Legislador atuou buscando trazer um pouco mais de igualdade entre as pessoas. No primeiro caso, foi identificado um desequilíbrio social em relação ao menor salário recebido pelas mulheres; assim, para resolver esse problema, o Legislador criou preferência de vagas de estacionamento. Nesse caso, há alguma lógica entre o pro- blema social identificado e a forma como o Le- gislador descriminou essa situação? A resposta somente pode ser não! Já no segundo caso, essa correlação lógica se apresenta, ou seja, se são criados mecanismos que permitem maior acesso de pessoas oriundas de famílias de menor rendimento financeiro a Cursos Superiores; no futuro, essas pessoas terão maior possibilidade de obter melhores salários, pois conseguem completar sua formação acadêmica. Figura 5 13 UNIDADE O Princípio da Igualdade e a Proteção de Grupos Distintos da Sociedade Nesse particular, podemos concluir que, para se atingir o pleno respeito ao Princípio da Igualdade, é vedada a criação de normas jurídicas que estabele- çam discriminações fortuitas ou injustificadas. Na terceira etapa, devemos verificar se essa discriminação promovida pela Lei tem correlação afinada com valores prestigiados no nosso sistema constitucional. Ao analisarmos o texto constitucional, vamos observar que nele: • Há uma clara indicação de que deve sempre ser observado o Princípio da Iso- nomia, tanto é assim, que ele se encontra em posição de destaque inauguran- do o importante Título II, que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. • Contudo, encontramos no texto de nossa Carta Política importantes estipulações de valores que devem ser prestigiados pela sociedade e pelo Estado, obrigando que todos tenham especial atenção a certas situações e a certos grupos sociais. Em relação a esses valores, devem ser destacados aqueles indicados em seu Artigo 3º do texto constitucional, que possui a seguinte redação: Constituição Federal Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativado Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Sobre grupos sociais que precisam de destacada proteção temos, entre outros, expressa indicação no texto constitucional de crianças, adolescentes e jovens: Constituição Federal Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Assim, com a apreciação dessas três etapas é que podemos concluir se a Lei, mesmo criando diferenças de tratamento, está alinhada ao Princípio da Igualdade, sobretudo no que se refere à chamada Igualdade Material. 14 15 Conciliando a Igualdade Formal e a Igualdade Material Na verdade, não existe oposição entre esses dois conceitos, pois eles se completam. Assim, a regra, é a igualdade formal, ou seja, as pessoas devem receber o mesmo tratamento, seja em suas relações com o Estado, seja em suas relações particulares, sem a possibilidade de diferenciações ou privilégios. Contudo, em certas circunstâncias, a Lei pode estabelecer diferenciados trata- mentos entre as pessoas, sempre buscando igualá-las. Vamos ver mais um exemplo: Ocorreu um acidente de trânsito envolvendo dois veículos. O primeiro veículo é um automóvel de luxo, importado, com preço estimado em algumas centenas de milhares de reais, que pertence a uma pessoa extremamente rica. O segundo veículo é de fabricação nacional, ano 1976, e em péssimo estado de conservação, cujo valor é, no máximo, R$ 2.000,00, sendo seu proprietário um aposentado que ganha dois salários mínimos mensais. O acidente causou danos orçados em R$ 5.000,00 no veículo importado, sendo que seu proprietário, buscando ser ressarcido do prejuízo, ingressa com ação judicial. O proprietário do outro veículo não tem, sequer, condições para contratar um advogado para realizar a sua defesa no processo judicial. Considerando essa situação, pergunta-se: A lei pode estabelecer um tratamento diferenciado para o pro- prietário do veículo mais antigo, obrigando o Estado a fornecer um profissional preparado para a sua defesa em juízo? Ex pl or Vamos aplicar o que aprendemos! Figura 6 Fonte: iStock/Getty Images 15 UNIDADE O Princípio da Igualdade e a Proteção de Grupos Distintos da Sociedade Em primeiro lugar, não se trata de estabelecer uma forma diferenciada de proteção em relação ao proprietário de um veículo mais velho ou para o proprietário de um veículo nacional. Há outro elemento que precisamos destacar, ou seja, a falta de condições financeiras para arcar com as despesas do processo, em especial, para contratar um advogado para realizar a sua defesa em juízo. Analisando-se esse caso, observamos que o Artigo 98 do Código de Processo Civil estabelece a concessão de gratuidade dos serviços judiciários para situações como essa. Código de Processo Civil Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. [...] Observem que a Lei estabelece a possibilidade de um tratamento diferenciado das pessoas em relação aos serviços judiciários: • Algumas necessitam contratar advogado para ingressarem com ações judiciais ou se defender nessas causas; • Outras recebem assistência provida pelo Estado e, dessa forma, não realizam a contratação de um defensor (este será fornecido pelo Poder Público). Outro detalhe que deve ser observado é que o fator de discriminação, ou seja, a razão para que esse tratamento diferenciado ocorra é a “insuficiência de recursos”. Na próxima etapa dessa análise, precisamos fazer a seguinte pergunta: se o Estado prestar assistência para a pessoa com baixos rendimentos, isso irá facilitar seu acesso aos serviços judiciários para a defesa de seus direitos? É claro, ao analisarmos esse caso, que a resposta é sim. Por fim, essa maneira de tratar as partes de um processo judicial de forma diferente, encontra amparo em valores estabelecidos pela Constituição Federal? Nesse caso, a resposta também é sim, conforme observamos no Inciso LXXIV do Artigo 5º do texto constitucional. Constituição Federal Art. 5º [...] LXXIV - O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos; [...] 16 17 Ou seja, em situações como essas, a Lei, ao tratar as partes de forma desigual, busca que elas tenham iguais condições para que, em juízo, possam resolver o litígio decorrente do acidente de trânsito. Perante o poder judiciário no processo Parte com maiores recursos e que contratou seu advogado Parte com menores recursos e que teve um defensor fornecido pelo estado Figura 7 A Constituição Federal e seus Preceitos Como vimos anteriormente, a Constituição Federal é extremamente importante para nosso estudo, particularmente em razão dos seguintes elementos: • É ela a principal fonte do Princípio da Igualdade em nosso Direito interno; • Ela apresenta um sistema valorativo que indica a possibilidade de criação de Leis que estabeleçam, de forma coerente e lógica, a proteção diferenciada a certos grupos sociais. Isso nos leva à necessidade de conhecer um pouco mais sobre a Constituição Federal e a importância de seus preceitos para o Estado e para a sociedade. De uma forma simples, podemos dizer que a Constituição Federal é a norma mais importante do Sistema Jurídico brasileiro, sendo que essa sua importância acaba por irradiar grande influência em todas as demais normas desse Sistema. Assim: • Todas as demais normas do sistema jurídico (normas infraconstitucionais) devem ser interpretadas levando em consideração os preceitos constitucionais, não se admitindo interpretações confrontantes com eles; • Se uma norma infraconstitucional estabelecer preceitos que se chocam com o disposto na Constituição Federal, ela não poderá ser aplicada e deve ser retirada do Sistema Jurídico; • Novas normas que são criadas devem observar o que diz a Constituição Federal ao tratar do mesmo assunto que elas irão veicular. Quais são os temas tratados na Constituição Federal? 17 UNIDADE O Princípio da Igualdade e a Proteção de Grupos Distintos da Sociedade São diversos assuntos, sendo que devemos destacar os seguintes: • A forma do Estado brasileiro, que no nosso caso é uma federação integrada por quatro entes federativos, ou seja, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; • A forma de governo, que no nosso caso é a República; • O sistema de governo, que no nosso caso é Presidencialista; • A titularidade do poder – que pertence ao povo – e a forma como esse poder é exercido, ou seja, em algumas situações diretamente e em outras por meio de representantes eleitos; Constituição Federal Art. 1º [...] Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. • Direitos e garantias fundamentais que buscam firmar as bases de um sistema jurídico e social que tenha como um de seus principais fundamentos, a dignidade da pessoa humana e, com esse objetivo, estabelece limites na atuação estatal de forma que ele não possa invadir certas liberdades públicas que cada um de nós é titular. É o caso, por exemplo, das restrições ao ingresso no domicílio, de vedações a prisões arbitrárias, de vedações a práticas que atentem contra a honra e imagem das pessoas etc. A Constituição Federalde 1988 Nossa atual Constituição Federal foi promulgada em 5 de outubro de 1988, sendo fruto de intensos debates realizados na Assembleia Nacional Constituinte, que envolveram toda a nossa sociedade. Após a sua elaboração, o texto constitucional original sofreu diversas modificações, sendo elas realizadas por Emendas Constitucionais de Revisão4 e por Emendas Constitucionais5. ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE Essa assembleia era formada por 559 membros, sendo estes 487 deputados federais e 72 senadores, sendo instalada oficialmente em 1º de janeiro de 1987. 4 Foram confeccionadas seis Emendas Constitucionais de Revisão, sendo que esse instrumento foi utilizado em razão da determinação contida no Art. 3.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que estabeleceu a necessidade de que o texto constitucional sofresse uma revisão cinco anos após a sua promulgação. 5 Até o final de 2016, foram confeccionadas 95 Emendas Constitucionais que modificaram o texto da Constituição Federal de 1988. 18 19 Inovando em relação às anteriores, nossa Constituição atual permite que Tratados e Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos sejam incorporados ao nosso Sistema Jurídico com o mesmo status das demais normas constitucionais. Essa forma de tratar esse assunto é regida pelos §§ 2º e 3º do seu Artigo 5º, cuja redação é a seguinte: Constituição Federal Art. 5º - [...] § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Os Tratados e Convenções Internacionais são normas de Direito Internacional Pú- blico que regem relações entre Estados-Nacionais e Organizações Internacionais. Con- tudo, em razão dos mencionados dispositivos constitucionais, eles podem ser aplicados nas relações internas de nosso país e, dessa forma, regular as relações entre o Estado e os cidadãos, desde que passem pelo chamado processo de internalização. Com isso, podemos afirmar que as normas constitucionais brasileiras são compostas de três elementos, ou seja, do texto da Constituição Federal, das mudanças realizadas pelas Emendas Constitucionais e pelas Emendas Constitucionais de Revisão e por Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos que passaram pelo processo de internalização6. Normas Constitucionais Atuais Texto da Constituição Federal Mudanças Realizadas pelas Emendas Contitucionais e pelas Emendas Constitucionais de Revisão Tratados e Convenções Internacionais de Direitos Humanos que foram Intercionalizados Figura 8 6 Essa forma de entender que os Tratados e Convenções de Direitos Humanos, ao serem internalizados, passam a fazer parte do texto constitucional, na forma do § 3º, do Artigo 5º, da Constituição Federal se formou com a criação desse parágrafo pela Emenda Constitucional n.º 45, de 2004. 19 UNIDADE O Princípio da Igualdade e a Proteção de Grupos Distintos da Sociedade Esses Tratados e Convenções Internacionais trouxeram, nos últimos anos, pro- fundos impactos para o Direito brasileiro, além de influenciarem, de forma muito clara, a criação de importantes leis. Um grande exemplo dessa situação ocorreu com a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, que foram internalizados, seguindo o disposto no § 3º do Artigo 5º da Constituição Federal, sendo promulgada, internamente, por meio do Decreto n.º 6.949, de 25 de agosto de 2009. Essa norma internacional, que também integra as normas constitucionais brasileiras, em muito influenciou a criação da Lei n.º 13.146, de 6 de julho de 2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), sendo que essa relação é expressamente mencionada no Artigo 1º da Lei. Estatuto da Pessoa com Deficiência Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Parágrafo único. Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o procedimento previsto no § 3º do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno. Ações Afirmativas Buscando atuação positiva que tenha por foco eliminar certas desigualdades historicamente consolidadas em nossa sociedade, nosso Direito passou, particular- mente nas últimas décadas, a estabelecer as chamadas ações afirmativas, também chamadas de discriminações positivas ou inversas. Tratando dessa questão, menciona Claudio Lembo: O princípio da igualdade procura a interdição da arbitrariedade. Ele, porém, não veda o trato de situações especiais, em que ações afirmativas se tornam necessárias. 20 21 Essas ações afirmativas se fundamentam na situação real de pessoas ou grupos que, pela gravidade da situação no contexto social, exigem diferenciação de tratamento, suportada em razões objetivas e razoáveis7. Uma interessante definição de ações afirmativas foi a criada pelo Grupo de Trabalho Interministerial – GTI População Negra: Medidas especiais e temporárias, tomadas pelo Estado e/ou pela iniciativa privada, espontânea ou compulsoriamente, com o objetivo de eliminar desigualdades historicamente acumuladas, garantindo a igualdade de oportunidade e tratamento, bem como de compensar perdas provocadas pela discriminação e marginalização, por motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros8. A análise dessa definição nos permite apresentar alguns importantes elementos que firmam o que representam as ações afirmativas. As ações afirmativas se caracterizam por serem medidas especiais e temporárias. Especiais, pois tratam de forma distinta e privilegiada certos grupos sociais. Temporárias, pois se espera que no futuro elas não sejam mais necessárias, pois, com sua efetivação se busca, pouco a pouco, diminuir as razões que motivaram a sua criação, de forma que, no futuro, elas se tornem desnecessárias. Como exemplo do caráter especial e temporário das ações afirmativas, temos a Lei n.º 12.711/12, com a importante modificação estabelecida pela Lei n.º 13.409/16. Essa norma estabelece o regime de cotas nas Instituições Federais de Educação Superior vinculadas ao Ministério da Educação, sendo que as vagas decorrentes desse Sistema devem ser preenchidas por: • Estudantes que tenham cursado integralmente o Ensino Médio em Escolas Públicas, em especial, aqueles de baixa renda; • Autodeclarados pretos, pardos e indígenas; • Pessoas com deficiência. • O caráter temporário fica bem destacado no Artigo 7º da Lei, com a redação dada pela Lei nº 13.409, de 2016. Lei n.º 12.711/12 Art. 7º No prazo de dez anos a contar da data de publicação desta Lei, será promovida a revisão do programa especial para o acesso às instituições de educação superior de estudantes pretos, pardos e indígenas e de pessoas com deficiência, bem como daqueles que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. 7 A pessoa: seus direitos. Barueri: Manole, 2007, p.166. 8 Apud Araújo, Luiz Alberto David; JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Verbatim,2014, p.182. 21 UNIDADE O Princípio da Igualdade e a Proteção de Grupos Distintos da Sociedade Outra característica das ações afirmativas é que essas medidas são implementadas pelo Estado ou pelos particulares, sendo que eles podem adotá-las de forma espontânea ou compulsória. Quando implementadas pelo Estado, especialmente para aplicação no âmbito interno da Administração Pública, ou quando são compulsoriamente estendidas aos particulares, as ações afirmativas são, em geral, estabelecidas por Lei. Porém, não é essa a única forma de criação dessas medidas, pois podem os parti- culares espontaneamente e sem o apoio na norma legal estabelecer ações afirmativas. As ações afirmativas têm como foco de atuação a eliminação de um tratamento desigual, historicamente consolidado, que atinge certos grupos sociais, fazendo com que eles tenham menores oportunidades, causando maiores discriminações e marginalização. Como raiz dessa discriminação, temos questões raciais, étnicas, de origem, financeira e religiosa, entre outras. Entre outras, no texto constitucional, encontramos as seguintes ações afirmativas: • Em relação ao trabalho da mulher; Constituição Federal Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; • Em relação à reserva de parte dos cargos públicos às pessoas com deficiência; Constituição Federal Art. 37 [...] VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão; É claro que as ações afirmativas não são uma unanimidade em nossa sociedade; contudo, o Supremo Tribunal Federal, de forma reiterada, reconhece a sua constitucionalidade e importância. Nesse sentido, vale a pena conhecer parte do acórdão desse importante órgão judicial na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 186-DF, que tratou da reserva de cotas em estabelecimento de Ensino Superior da União destinada a grupos-étnico-culturais, cujo teor é o seguinte: Arguição de descumprimento de preceito fundamental. atos que instituíram sistema de reserva de vagas com base em critério étnico-racial (cotas) no processo de seleção para ingresso em instituição pública de ensino superior. alegada ofensa aos arts. 1º, caput, iii, 3º, iv, 4º, viii, 5º, i, ii xxxiii, xli, liv, 37, caput, 205, 206, caput, i, 207, caput, e 208, v, todos da constituição federal. ação julgada improcedente. 22 23 I – Não contraria - ao contrário, prestigia – o princípio da igualdade material, previsto no caput do art. 5º da Carta da República, a possibilidade de o Estado lançar mão seja de políticas de cunho universalista, que abrangem um número indeterminados de indivíduos, mediante ações de natureza estrutural, seja de ações afirmativas, que atingem grupos sociais determinados, de maneira pontual, atribuindo a estes certas vantagens, por um tempo limitado, de modo a permitir-lhes a superação de desigualdades decorrentes de situações históricas particulares. II – O modelo constitucional brasileiro incorporou diversos mecanismos institucionais para corrigir as distorções resultantes de uma aplicação puramente formal do princípio da igualdade. III – Esta Corte, em diversos precedentes, assentou a constitucionalidade das políticas de ação afirmativa. IV – Medidas que buscam reverter, no âmbito universitário, o quadro histórico de desigualdade que caracteriza as relações étnico-raciais e sociais em nosso País, não podem ser examinadas apenas sob a ótica de sua compatibilidade com determinados preceitos constitucionais, isoladamente considerados, ou a partir da eventual vantagem de certos critérios sobre outros, devendo, ao revés, ser analisadas à luz do arcabouço principiológico sobre o qual se assenta o próprio Estado brasileiro. V - Metodologia de seleção diferenciada pode perfeitamente levar em consideração critérios étnico-raciais ou socioeconômicos, de modo a assegurar que a comunidade acadêmica e a própria sociedade sejam beneficiadas pelo pluralismo de ideias, de resto, um dos fundamentos do Estado brasileiro, conforme dispõe o art. 1º, V, da Constituição. VI - Justiça social, hoje, mais do que simplesmente redistribuir riquezas criadas pelo esforço coletivo, significa distinguir, reconhecer e incorporar à sociedade mais ampla valores culturais diversificados, muitas vezes considerados inferiores àqueles reputados dominantes. VII – No entanto, as políticas de ação afirmativa fundadas na discriminação reversa apenas são legítimas se a sua manutenção estiver condicionada à persistência, no tempo, do quadro de exclusão social que lhes deu origem. Caso contrário, tais políticas poderiam converter-se benesses permanentes, instituídas em prol de determinado grupo social, mas em detrimento da coletividade como um todo, situação – é escusado dizer – incompatível com o espírito de qualquer Constituição que se pretenda democrática, devendo, outrossim, respeitar a proporcionalidade entre os meios empregados e os fins perseguidos. VIII – Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente. Com esses elementos, estamos em condições de avançar em nosso estudo sobre destacadas questões que envolvem a nossa sociedade! 23 UNIDADE O Princípio da Igualdade e a Proteção de Grupos Distintos da Sociedade Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Dados da completos da decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 186 – DF https://goo.gl/gpZ7vw Constituição Federal de 1988 https://goo.gl/zaRrL Declaração de direitos do homem e do cidadão de 1789 https://goo.gl/d576n Livros O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2012. 24 25 Referências ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 18.ed. São Paulo: Verbatim, 2014. BARBOSA, Ruy. Oração aos moços. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 1999. LEMBO, Cláudio. A pessoa: seus direitos. Barueri: Manole, 2007. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3.ed. São Paulo: Malheiros, 2012. SILVA, Jose Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 39.ed. São Paulo: Malheiros, 2016. 25
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