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Introdução à Economia Política Profª. Mariana Stussi Descrição Modelos de competição eleitoral como forma de agregação de preferências, o desafio da escolha coletiva e os determinantes da decisão de votar. Propósito O processo eleitoral revela como as escolhas coletivas são feitas e como preferências distintas são agregadas. Estudar Economia Política é relevante para profissionais de Economia, uma vez que estes estão sempre avaliando os custos e benefícios enfrentados por diferentes agentes no processo de tomada de decisão, para melhor compreender as perdas e os ganhos envolvidos em buscar diferentes alocações de recursos pela sociedade. Objetivos Módulo 1 Escolha coletiva e modelos de competição eleitoral Definir os desafios e resultados de diferentes formas de escolha coletiva. Módulo 2 Participação eleitoral Identificar os determinantes do voto. Na Economia, muitas vezes a disciplina toma como dadas as preferências, tecnologias e instituições, isto é, estrutura de mercado, leis, regulação e políticas em geral. Nesse sentido, instituições importam tanto quanto preferências. Entretanto, instituições não são apenas leis e estruturas de ordem social que regulam o comportamento de um grupo de indivíduos. De uma forma mais geral, elas falam sobre como escolhas coletivas são tomadas e como preferências conflituosas são agregadas. A Economia Política é, portanto, uma forma de investigar, sistematicamente, esse tipo de agregação e resolução de conflitos. Por isso, neste conteúdo, entenderemos como preferências são agregadas em sociedades, apresentaremos alguns modelos de competição eleitoral e investigaremos os determinantes de uma das decisões individuais e coletivas mais fundamentais da democracia: o voto. Ao longo deste tema, apresentaremos a teoria e as evidências empíricas que sustentam, na prática, os principais resultados dos modelos apresentados. Introdução 1 - Escolha coletiva e modelos de competição eleitoral Ao �nal deste módulo, você identi�cará os desa�os e resultados de diferentes formas de escolha coletiva. Escolha coletiva Pode-se imaginar que, numa sociedade ideal, existe um conjunto de regras de agregação que tome as preferências conflitantes dos membros de um grupo e chegue a uma decisão coletiva aceitável para todos. Mostrar que existe uma forma natural e eficiente de resolução de conflitos seria o melhor dos mundos para questões de Economia Política. Contudo, como veremos neste tema, isso não é possível. Uma solução natural que poderia ocorrer em um país democrático seria agregar as preferências por meio do voto. No entanto, o teorema da impossibilidade de Arrow nos mostra que, exceto em algumas situações específicas, um sistema de votação é incapaz de agregar as preferências de forma consistente. Particularmente, esse teorema postula que, quando eleitores têm três ou mais alternativas distintas, nenhum sistema eleitoral ordenado consegue converter as preferências ordenadas de indivíduos em um ordenamento comum a todo o grupo de indivíduos na comunidade e respeitar um conjunto específico de critérios. Para tanto, vamos pensar em termos de funções de bem-estar social. E o que essa função faz? Resposta É simples: ela atua como um agregador de preferências individuais. Ou seja, para um determinado conjunto de preferências individuais de várias pessoas, ela define uma preferência social, ou seja, uma preferência para esse grupo de pessoas. Pense em um exemplo simples. A sociedade é formada por duas pessoas: João e José. Ambos preferem laranjas a maçãs. A função de bem-estar social pode associar essas preferências individuais a uma preferência social: “A sociedade prefere laranjas a maçãs”. Se João prefere fortemente maçãs e José prefere apenas levemente laranjas, a função pode, por exemplo, dizer que: “A sociedade prefere maçãs a laranjas”. Ou, ainda, podemos pensar que a sociedade tem três pessoas: João, José e Paulo – enquanto João e Paulo preferem maçãs, José prefere laranjas, e a função de bem-estar social nos diz nesse caso que: “A sociedade prefere maçãs a laranjas porque essa é a preferência da maioria”. Esses são exemplos simples, mas nos levam naturalmente à ideia de votação. Um sistema de votação permite traduzir preferências individuais em preferências agregadas. Voltando ao nosso exemplo: cada pessoa informa qual é sua fruta favorita, e a função de bem-estar social (ou seja, o resultado da votação) diz que a sociedade prefere maçãs. Vamos agora ver os critérios que uma função de bem-estar social, e, em particular, um sistema de votação deveria respeitar: O teorema da impossibilidade de Arrow afirma que nenhum sistema eleitoral de classificação projetado pode satisfazer sempre esses critérios de “justiça”. Vejamos um exemplo: Suponha três eleitores (1, 2 e 3) e três alternativas de políticas (A, B, e C) com as seguintes preferências: Não ditadura A função de bem-estar social deve levar em conta os desejos de vários eleitores, não podendo simplesmente imitar as preferências de um único eleitor. Universalidade (ou domínio) Assumimos que todos os indivíduos têm preferências racionais sobre todas as alternativas, e, para qualquer conjunto de preferências individuais do eleitor, a função de bem-estar social deve produzir uma classificação única e completa das escolhas sociais. Independência das alternativas irrelevantes A preferência social entre “x” e “y” deve depender apenas das preferências individuais entre “x” e “y” (independência dos pares), ou seja, a inclusão ou remoção de uma terceira alternativa (“z”, por exemplo) não deve afetar a ordem das preferências “x“ e “y”. E�ciência de Pareto Se todos os indivíduos preferem “x” a “y”, então, o mesmo deve acontecer com a ordem de preferência social resultante. Assuma um sistema de votação de regra majoritária, baseado nas seguintes hipóteses: Os cidadãos escolhem as políticas via voto majoritário. Os indivíduos votam de acordo com suas preferências verdadeiras, e não de maneira estratégica. Os indivíduos votam sobre pares de alternativas políticas, de modo que a alternativa vencedora é colocada para votação com uma nova possibilidade na rodada seguinte, até que o conjunto de alternativas possíveis se esgote. Citemos, por exemplo, o caso de uma votação par a par que ocorra da seguinte forma: Votação Eleitor 1 : A ≻ C ≻ B Eleitor 2 : B ≻ A ≻ C Eleitor 3 : C ≻ B ≻ A Democracia direta Voto sincero Agenda aberta Votação A x B Dois votos para B, que é vencedor. Eleitores 2 e 3 votam B; eleitor 1 vota A. A x C Dois votos para A, que é vencedor. Eleitores 1 e 2 votam A; eleitor 3 vota C. B x C Dois votos para C, que é vencedor. Eleitores 1 e 3 votam C; eleitor 2 vota B. Temos então que , o que viola a hipótese de transitividade das preferências. A hipótese de transitividade afirma que se e , então , o que não ocorre no exemplo que acabamos de ver. Nesse sentido, o teorema de Arrow pode ser interpretado como um jogo estratégico que não resulta, necessariamente, num equilíbrio eficiente. Assim, é possível pensar, por exemplo, numa eleição em que um candidato seja votado por todos e eleito mesmo sem ser a escolha preferida de nenhum dos eleitores. O problema do exemplo que mostramos também é conhecido como o paradoxo de Condorcet. Sua principal implicação é que as preferências coletivas podem ser cíclicas, como no resultado exemplificado – ou seja, podem desrespeitar a hipótese de transitividade. Um ciclo de Condorcet ocorre quando existe uma violação da transitividade na ordenação de preferência social. Se existem ciclos de Condorcet, então a ordem em que a votação acontece faz uma grande diferença. Agora vamos fazer duas suposições baseadas no exemplo dado acima: Primeira suposição Suponha que a votação primeiro ocorresse entre A e B e, depois, entre o vencedor e C. O que aconteceria? B ganharia de A, e depois C ganharia de B, vencendo as eleições. B ≻ A ≻ C ≻ B B ≻ A A ≻ C B ≻ C Segundasuposição Suponha agora que a ordem de votação fosse outra: primeiro a votação ocorre entre A e C e, depois, entre o vencedor e B. O que aconteceria? Agora, A ganha a primeira rodada, e depois B ganha de A, sendo B o novo vencedor das eleições. Esse exemplo mostra que a ordem em que se organiza a votação faz uma grande diferença nos resultados. Esse é o poder da determinação de agenda, isto é, decidir quais opções serão levadas em consideração e em que ordem elas serão consideradas. Câmara dos deputados. Na vida real, os definidores de agenda são os presidentes das câmaras legislativas, como o presidente da Câmara dos Deputados e o presidente do Senado. Embora não seja possível determinar o resultado pela definição de agenda, é possível ver como essa posição é bastante poderosa. É possível evitar o paradoxo de Condorcet se houver um vencedor de Condorcet. Um vencedor de Condorcet é uma política q* que vence qualquer alternativa factível em disputas entre pares. Nesse contexto, existe algum tipo de preferência ou regra de agregação que implementa a política q* (o vencedor de Condorcet)? O teorema do eleitor mediano é uma proposição relacionada à votação por preferência em que os eleitores e as políticas são distribuídos ao longo de um espectro unidimensional, como direita e esquerda, por exemplo. O eleitor mediano será aquele que representa a mediana da distribuição de preferências da população ao longo desse espectro unidimensional. Os eleitores classificam as alternativas em ordem de proximidade à sua preferência e tomam decisões coletivas por meio de um método de votação que elege sempre o vencedor de Condorcet, se este existir. Com essas hipóteses, a votação elegerá o candidato ou a política que tiver mais proximidade do eleitor mediano. Na próxima seção, exploraremos mais esse teorema com um exemplo de votação majoritária entre dois candidatos. Se as preferências são de pico único, o ponto ideal do eleitor mediano é (fracamente) um vencedor Condorcet. É por isto que as preferências de pico único são tão úteis: elas significam que não precisamos nos preocupar com os ciclos de Condorcet, uma vez que garantem um vencedor de Condorcet. Porém, nem sempre as preferências serão de pico único. ico único Se você ainda não estudou preferências de pico único, pense em um exemplo simples. Entre candidatos que se distribuem politicamente entre esquerda e direita, eu tenho um preferido, e quanto mais distante estão os demais candidatos, menor a chance de votar neles. Isso descarta, por exemplo, que eu seja simpático a um candidato de centro-esquerda e a outro de centro- direita, e prefira ambos a um candidato de centro. Voltaremos a esse exemplo mais adiante. Assim, dado que existem ciclos de Condorcet, qual é a forma correta para as sociedades tomarem decisões? Existe alguma forma de agregar preferências que sejam melhores em algum sentido? Não existe uma resposta certa. É isso que o teorema da impossibilidade de Arrow nos mostra. Haverá ciclos se quisermos respeitar os quatro critérios (não ditadura; universalidade — ou domínio; independência das alternativas relevantes; e eficiência de Pareto). Poderíamos pensar em regras de agregação de preferência diferentes para contornar os ciclos de Condorcet, mas falharíamos em satisfazer os critérios definidos por Arrow. Para tentar achar uma resposta, poderíamos, por exemplo, pensar numa regra alternativa à votação por maioria e definir como vencedora a alternativa que tivesse 2/3 das preferências dos votos. O problema é que, nesse caso, a nova regra de votação violaria o critério de domínio, e não haveria uma classificação Resposta única e completa das escolhas sociais. Se 60% da população preferisse A, não teríamos solução nesse caso. Outro exemplo é a contagem de Borda. Esse método de votação estabelece que os eleitores devem fazer um ranking das alternativas, respeitando a ordem de suas preferências. Assim, para o eleitor 1 de nosso exemplo, teríamos 1-A, 2-C e 3-B. Depois, soma-se o valor dos rankings de todos os eleitores, de modo que aquele candidato ou política que tem a menor soma é o vencedor. Novamente, podemos pensar em alguns problemas que esse sistema de votação possui. Por exemplo, ele desrespeita o critério da independência das alternativas irrelevantes de Arrow. Se cada eleitor introduzisse uma alternativa D em uma posição diferente de seu ordenamento de preferências, isso alteraria o resultado das eleições. O que o teorema da impossibilidade de Arrow nos mostra é que não existe uma resposta certa para a forma como as preferências são agregadas. Todas terão falhas, e devemos ser cuidadosos ao olhar para regras de decisão social. Modelos de competição eleitoral Apresentaremos agora o modelo downsiano de competição eleitoral. Anthony Downs (1957) foi o primeiro a introduzir o teorema do eleitor da mediana a um modelo de democracia. Em um modelo simples de eleições com dois partidos — interessados unicamente na maximização dos votos —, ele derivou os resultados das políticas em uma democracia diretamente das preferências dos eleitores. Com esse trabalho, ele lançou as bases para a maioria dos modelos de escolha racional de eleições. Considere as seguintes hipóteses: Existem dois candidatos concorrendo a um cargo político A e B. Há comprometimento pleno com as plataformas (políticas) previamente anunciadas durante a corrida eleitoral. A ordem dos eventos é tal que, em um primeiro momento, os candidatos anunciam de forma não cooperativa suas propostas. Depois ocorre uma eleição na qual a população deve escolher um dos candidatos, o qual, por fim, uma vez eleito, implementa a política anunciada. Nesse sentido, os candidatos se comprometem com suas plataformas, sem se desviar do que foi anunciado no momento inicial. Se os indivíduos forem racionais, cada indivíduo votará no candidato cuja proposta lhe oferece maior utilidade. Para simplificar, vamos pensar num contínuo de eleitores, classificados numa escala de menos favoráveis ao candidato B para mais favoráveis a B: O espaço de políticas é unidimensional (por exemplo, o eixo tradicional esquerda-direita). O sistema de votos é majoritário. Todos os eleitores participam e votam de acordo com suas preferências. As funções de utilidade dos eleitores são de pico único. Os candidatos sabem (ou adivinham) as preferências dos eleitores. Analisemos a probabilidade do candidato A ganhar as eleições oferecendo a proposta , contra a proposta do candidato B: Sendo uma função de bem-estar social gerada pela proposta , então podemos ter três hipóteses, como veremos a seguir: Bem-estar inferior Se o candidato A oferecer uma proposta que gere um bem-estar inferior à proposta oferecida por B , então a probabilidade de A vencer as eleições é . Bem-estar superior Por outro lado, se a proposta gera um bem-estar superior a , então a probabilidade do candidato A vencer as eleições é . Bem-estar igual gA gB PA = ⎧⎪⎨⎪⎩0 se W (gA) < W (gB)12 se W (gA) = W (gB)1 se W (gA) > W (gB)W(g) g gA (W (gA) < W (gB)) PA = 0 gA gB PA = 1 Finalmente, se o bem-estar da proposta de A for igual ao da proposta de B, a probabilidade de A vencer as eleiçôes é , que será igual à do candidato B. Se a proposta de A for diferente da proposta de B, ele pode aumentar suas chances de ser eleito se aproximando das preferências do eleitor da mediana, . Isso ocorre porque a proposta de A já é preferida por todos à esquerda do eleitor da mediana. Assim, igualando , o candidato A maximiza sua probabilidade de eleição. O raciocínio análogo é válido para o adversário B. Dessa forma, o único caso em que nenhum dos candidatos pode aumentar sua probabilidade de eleição com um desvio unilateral é no caso em que . Desse modo, se os candidatos desejam ser eleitos, ambos vão convergir no programa ou política preferida pelo eleitor mediano, e eles irão propor a mesma plataforma. As preferências do eleitor mediano serão pivotais, isto é, ele temo poder de decidir quem ganha entre A e B. Outro modelo de competição eleitoral bastante conhecido é o modelo de voto probabilístico. Suponha agora que o espaço de políticas seja multidimensional, ou seja, os eleitores avaliam mais de uma característica. Por exemplo, eles consideram tanto a política quanto a ideologia dos candidatos (ou o histórico, ou alguma outra política, ou qualquer outra característica). Além disso, passaremos a supor que há incerteza no voto do eleitor, e que a população é constituída por grupos diferentes de eleitores (por exemplo: um grupo de ricos, classe média, e pobres). PA = 0.5 gM gA = gM gA = gM = gB g Os dois candidatos A e B anunciam suas plataformas de maneira simultânea e não cooperativa e . Eles conhecem as preferências dos eleitores e a distribuição de ideologia, mas não observam os valores realizados. Ou seja, sabem a probabilidade de uma pessoa ser de esquerda ou direta, mas não sabe se, efetivamente, qual é a ideologia política dessa pessoa. Em um segundo momento, a votação acontece, e não há mais incerteza. O candidato eleito então implementa a proposta anunciada, como no modelo anterior. Nesse modelo, o equilíbrio também levará os candidatos a escolherem a mesma plataforma política, ou seja, haverá novamente convergência de propostas. A razão por trás desse resultado é que ambos resolvem o mesmo problema de otimização. Mais uma vez, a política preferida será determinada pela preferência dos eleitores. Quanto mais homogêneo ideologicamente for um grupo, mais eleitores pivotais ele possui. Relembre o caso do eleitor mediano como voto pivotal: se um grupo é bastante homogêneo, ele possui mais eleitores medianos ou próximos da mediana. Em outras palavras, grupos mais neutros ideologicamente respondem mais a políticas anunciadas e se importam menos com ideologia. Assim, esse grupo consegue que a política implementada seja mais próxima de sua preferência. Eleitor mediano Neste vídeo, será apresentado um exemplo em que o teorema do eleitor mediano pode ser aplicado aos resultados da eleição. Evidência empírica (gA gB) g Agora que apresentamos a teoria, vamos falar também sobre evidências empíricas a respeito de algumas implicações dos modelos apresentados. Vimos que uma das principais implicações desses modelos é que as políticas propostas (e implementadas) são definidas pelas preferências dos eleitores. Assim, se ocorrer uma mudança nas preferências ou em características dos eleitores, devemos observar mudanças nas políticas de equilíbrio. Vamos ver dois casos em que alterações na legislação e no processo eleitoral levaram a uma mudança na composição do eleitorado e vamos avaliar como as previsões dos modelos são observadas empiricamente. Miller (2008) estuda como o sufrágio feminino nos Estados Unidos, aprovado entre o final do séc. XIX e o início do séc. XX, alterou o padrão de voto dos legisladores no país e influenciou as políticas para maiores gastos públicos em saúde, o que levou à diminuição da mortalidade infantil. O autor explora a variação temporal e geográfica da adoção de leis de sufrágio feminino pós 1900, e as relaciona às quebras de tendência em nível estadual no comportamento eleitoral dos legisladores, gastos públicos estaduais e locais e mortalidade específica por idade e causa. O artigo argumenta que a extensão do direito ao voto às mulheres norte-americanas permitiu que crianças se beneficiassem de forma mais ampla e rápida das descobertas científicas da revolução bacteriológica da época, práticas higiênicas simples, como: Essas práticas estavam entre as inovações mais importantes dessa revolução no conhecimento sobre as doenças. Comunicar sua importância ao público americano exigia campanhas de higiene de porta a porta em grande escala. Mulheres defendiam essas políticas primeiro por meio de organizações voluntárias civis e depois como política pública. A hipótese subjacente é que as escolhas (ou preferências) das mulheres parecem enfatizar o bem-estar infantil mais do que as dos homens. Lavagem das mãos Lavagem dos alimentos Fervura com água e leite Nesse sentido, consistente com as previsões dos modelos-padrão de competição eleitoral, os políticos que visavam maximizar seu apoio por parte do eleitorado responderam imediatamente às mudanças percebidas na distribuição das preferências de política eleitoral à medida que as mulheres ganhavam o direito ao voto. Um ano depois da promulgação da lei de sufrágio: Os padrões de votação nominal do legislativo mudaram. Como consequência, os gastos com saúde pública local aumentaram cerca de 35%. O aumento nos gastos com saúde pública, por sua vez, foi fundamental para intensificar as campanhas intensivas de higiene porta a porta. Com isso, a mortalidade infantil diminuiu de 8 a 15% com a promulgação de leis sufragistas. As reduções específicas de causas de morte ocorreram exclusivamente entre as doenças por causas infecciosas sensíveis a condições higiênicas (doenças diarreicas, difteria e meningite). Em todo o país, essas reduções se traduziram em cerca de 20.000 mortes infantis evitadas a cada ano, explicando cerca de 10% da redução da mortalidade infantil entre 1900 e 1930. Fujiwara (2015), por sua vez, apresenta evidências de que aumentar a participação política de eleitores com menos escolaridade (e, portanto, mais pobres) pode fazer progredir políticas dirigidas a esse público e afetar o resultado das eleições. O autor estima os efeitos da introdução da tecnologia de votação eletrônica no Brasil (a urna eletrônica) na participação dos eleitores. A eliminação de um obstáculo como a dificuldade em operar cédulas de votação, embora pareça trivial nos dias de hoje, permitiu que eleitores menos escolarizados aumentassem sua participação nas eleições: na prática, eleitores mais pobres e menos escolarizados podiam até ir votar, mas erravam na hora de preencher a cédula de votação e seu voto contava como nulo. Essa alteração na composição do eleitorado, por sua vez, alterou a composição do poder legislativo, levando à eleição de legisladores estaduais mais de esquerda, ao aumento dos gastos com saúde pública, e melhorias na saúde infantil – voltaremos a esse ponto um pouco à frente. Nesse sentido, o artigo trata de um aumento na participação em um contexto em que o sufrágio universal já estava estabelecido. O autor argumenta que, embora preencher uma cédula seja uma tarefa simples para cidadãos instruídos em países desenvolvidos, isso não se verifica no Brasil, onde 23% dos adultos eram “incapazes de ler ou escrever uma simples nota” até 1991 (IBGE, 1992). No mais, as cédulas de papel brasileiras exigiam que os cidadãos escrevessem seu voto no papel e as instruções eram apenas feitas de maneira escrita. Isso resultava em uma grande quantidade de votos em branco com erros de preenchimento, gerando um número elevado de votos inválidos (não atribuídos a um candidato e descartados da apuração dos resultados). Em meados da década de 1990, o governo brasileiro desenvolveu uma tecnologia de votação eletrônica para substituir o voto impresso. Embora sua introdução visasse reduzir o tempo e os custos da contagem de votos, outros recursos da tecnologia apresentados a seguir facilitaram a votação de maneira geral e diminuíram a quantidade de erros e votos computados como inválidos. O uso de fotos de candidatos como auxílio visual. O disparo de mensagens de erro para eleitores prestes a lançar votos inválidos antes da confirmação. A orientação do processo de votação passo a passo. O artigo faz uso de uma descontinuidade na implementação da tecnologia da urna eletrônica para estimar os efeitos de sua introdução sobre as eleições. Devido ao fornecimento limitado de dispositivos na eleição de 1998, apenas municípios com mais de 40.500 eleitores registrados usaram a nova tecnologia, enquanto o restante usou cédulas de papel. E qual foi o resultado? As estimativas indicam que as urnas eletrônicas reduziramos votos inválidos nas eleições legislativas estaduais em mais de 10%. Isso significa que milhões de cidadãos, que teriam seus votos não contados ao usar uma cédula de papel, passaram a ter seus votos válidos, o equivalente a uma emancipação eleitoral dessa parcela da população. Coerente com a hipótese de que esses eleitores tinham maior probabilidade de ter menor escolaridade, os efeitos são maiores nos municípios com maiores taxas de analfabetismo. Além disso, as urnas eletrônicas aumentaram o número de votos em partidos de esquerda. O autor verifica ainda que esses efeitos não ocorrem por conta de um aumento na participação eleitoral — inexistente — e nem por um movimento de entrada de candidatos diferentes, o que tampouco ocorreu. O autor argumenta que essa emancipação da parcela da população menos instruída de fato afetou a política de uma maneira consistente com as teorias de economia política de redistribuição, aumentando os gastos do governo em um serviço que beneficia particularmente os eleitores menos instruídos e mais pobres: a saúde. Resultado Ele também encontra efeitos do aumento no número de consultas pré-natal (consultas da gestante ao médico) e na redução do número de partos com baixo peso para mães com menor escolaridade. artos com baixo peso O peso do recém-nascido é uma das principais medidas de saúde infantil. No entanto, o autor ressalta que, por conta de limitações nos dados de gastos públicos, uma análise de bem-estar completa e totalmente detalhada das mudanças de política induzidas pela urna eletrônica não pode ser fornecida. Além disso, atenta para a possibilidade de que os ganhos de bem-estar na área de saúde podem ter sido compensados negativamente por perdas (não observáveis) em outras áreas. Embora os efeitos estimados possam depender de um contexto particular como o vivido pelo Brasil no momento da introdução da votação eletrônica, o estudo exemplifica como o aumento da participação política de grupos menos favorecidos pode mudar a formulação de políticas e afetar os resultados das eleições, de maneira consistente com os modelos de competição eleitoral já vistos. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Um ciclo de Condorcet ocorre quando existe uma violação de um dos critérios da ordenação de preferência social. Esse critério é chamado de: A Preferências completas. Parabéns! A alternativa E está correta. Os ciclos de Condorcet ocorrem quando o ordenamento das preferências sociais não é transitivo e, por isso, deixa de ser racional. As preferências sociais devem ser racionais, assim como as preferências individuais, isto é, completas e transitivas. B Monotonicidade. C Convexidade. D Continuidade. E Transitividade. Questão 2 Miller (2008) e Fujiwara (2015) apresentam evidências de como a composição do eleitorado pode alterar as políticas públicas. Assinale a alternativa que melhor justifica o canal pelo qual isso ocorre: A Os políticos ganham mais apoio e força no congresso para realizar mudanças. B Os eleitores se sentem mais fortes e pressionam por mudanças. C A distribuição de características e preferências dos eleitores muda. D Há mais polarização política e um grupo dominante. E Há mais homogeneidade no eleitorado, o que permite realizar mudanças. 2 - Participação eleitoral Ao �nal deste módulo, você identi�cará os determinantes do voto. Decisão de votar No módulo anterior, vimos como as preferências dos eleitores e como alterações na legislação ou no processo eleitoral podem influenciar no resultado das eleições. Neste módulo, investigaremos o que está por trás de uma das decisões mais fundamentais da democracia: o voto. Mais especificamente, por que as pessoas votam? O ponto de partida para estudarmos a decisão de votar é o paradoxo do voto. Uma vez que adotamos a hipótese da racionalidade: Parabéns! A alternativa C está correta. Os modelos de competição eleitoral revelam que as políticas propostas e implementadas são definidas pelas preferências dos eleitores. Assim, políticos que visam maximizar seu apoio por parte do eleitorado respondem às mudanças percebidas nas preferências ou em características dos eleitores. Por que as pessoas votam se elas sabem que a probabilidade de fazer a diferença no resultado das eleições é estatisticamente nula? Suponha eleições simples entre dois candidatos. Um eleitor racional tem preferências sobre esses candidatos e deve escolher entre votar ou não. Seja: • B > 0, a utilidade que esse eleitor recebe em caso de vitória de seu candidato preferido; • C > 0, o custo de votar; • , a probabilidade de o voto do eleitor ser pivotal para o candidato j, ou seja, de o voto desse eleitor lhe conceder a vitória. Assim, o eleitor que prefere j decidirá votar em j caso: Do contrário, ele deverá preferir a abstenção. Intuitivamente, isso significa que a probabilidade de o voto ser pivotal, multiplicada pelo benefício da eleição do candidato j, deve ser maior que o custo de se votar. Embora o custo de se votar em geral seja baixo, ele não é inexistente. Vamos pensar juntos na jornada de um eleitor: Apesar de serem contratempos pequenos, se colocados na balança contra a probabilidade de ser um voto pivotal, parece pouco razoável que o custo seja menor do que essa probabilidade multiplicada pelo benefício Pj ∈ [0, 1] Pj × B > C O eleitor precisa tirar o título de eleitor. Verificar a zona eleitoral. Transferir o título em caso de mudança. da eleição do candidato j, uma vez que essa probabilidade é próxima de zero. Quanto maior a população de um país, menor a probabilidade de o voto ser pivotal. Ainda assim, em países como o Brasil e Estados Unidos, que têm populações com centenas de milhões de pessoas, as pessoas votam. Como compreender esse paradoxo? Resposta Motivados por esse paradoxo, Gerber et al. (2008) fazem um experimento para compreender como as normas sociais afetam a participação política. Particularmente, os autores investigam se o dever cívico e a pressão social são capazes de exercer algum efeito causal sobre a participação dos eleitores. Para fazer esse estudo, os autores enviaram quatro tipos de cartas diferentes para domicílios de eleitores registrados durante as eleições primárias de 2006 em Michigan, Estados Unidos. Cada uma dessas cartas tinha um teor diferente no texto, buscando enfatizar determinado aspecto das normas sociais. Assim, cerca de 80.000 famílias receberam uma das quatro correspondências, enquanto outras 100.000 foram consideradas grupo de controle e não receberam nenhuma correspondência. Ao todo, havia quatro grupos de tratamento, cada um com cerca de 20.000 famílias, cada um com um tipo de correspondência diferente. A divisão entre as correspondências do grupo de tratamento ou grupo de controle foi aleatória. Os quatro grupos de tratamento foram divididos da seguinte forma: Dever cívico As famílias desse grupo receberam uma carta com apenas um lembrete de que votar é um dever cívico: “Lembre-se de seus direitos e responsabilidades como cidadão. Lembre-se de votar.” Efeito Hawthorne A carta continha uma mensagem em forma de pressão social que captura o efeito de estar sendo observado por pesquisadores: “Você está sendo estudado”. O objetivo era capturar o efeito de mudança comportamental que ocorre apenas por um indivíduo saber que está sendo observado ou estudado. Pressão social intradomiciliar Informa aos destinatários da carta que a participação eleitoral, isto é, a informação de quem vota, é pública, e envia junto com a carta uma lista com o registro de comparecimento recente dos eleitores do domicílio. Além disso, ao final da carta há uma “ameaça" de enviar uma nova carta com o comparecimento atualizado após as próximas eleições. Pressão social de vizinhança Semelhante à carta anterior, aumenta a pressão social listando não apenas os registros da votação do domicílio, mas também os registros de votação das pessoas que moram nas proximidades.Ao final, ameaça divulgar em nova carta o comparecimento atualizado da vizinhança após as próximas eleições. Os autores então acompanham a taxa de participação dos quatro grupos e comparam com a taxa de participação do grupo de controle (ou seja, o grupo que não recebeu nenhum tipo de carta). Eles descobrem que: A participação aumenta marginalmente quando o dever cívico é instigado e dramaticamente quando a pressão social é aplicada, tanto intradomiciliar quanto a de vizinhança. Para sermos mais precisos, a taxa de participação do grupo de controle foi de 29.7%, contra 31.5% da participação do grupo de dever cívico e 32.2% do grupo do efeito Hawthorne. Os grupos de pressão social, por outro lado, tiveram participação de 34.5% (intradomiciliar) e 37.8% (vizinhança). Assim, vemos que, por trás da decisão de votar, existem fatores que vão para além dos benefícios adquiridos pela eleição de um candidato preferido. Contudo, a validade externa do artigo é limitada, e seus resultados podem não ser aplicáveis a outros contextos. Por exemplo, é possível que a pressão social seja um determinante mais fraco do voto no Brasil, um país onde o voto é obrigatório, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos. Embora seja possível faltar às eleições e justificar o voto, um cidadão pode considerar isso mais custoso do que ir até a urna e escolher um candidato. Vamos entender melhor a decisão do voto? Neste vídeo, serão apresentados fatores que afetam a decisão de comparecer às eleições. Resultado Motivos para votar Funk (2010) segue a mesma motivação do artigo anterior e busca compreender o porquê de as pessoas votarem apesar do paradoxo do voto. A autora aproveita um experimento natural que ocorreu na Suíça com a introdução do voto por correio, como alternativa ao voto presencial. Embora o voto opcional por correio possa ser considerado uma política de incentivo ao voto, a facilitação do voto pode ter efeitos contraditórios sobre a participação dos eleitores. O motivo são os efeitos opostos que o voto por correspondência tem sobre os incentivos econômicos e sociais ao voto. Incentivos econômicos Por um lado, há o efeito sobre os incentivos econômicos de uma redução nos custos de votação, o que pode gerar um efeito positivo na participação. Incentivos sociais Por outro lado, do ponto de vista dos incentivos sociais, a votação pelo correio ou pela Internet torna o ato de votação inobservável, o que pode gerar um efeito negativo na participação. Se a pressão social é um fator importante na decisão de votar, então a opção de voto pelo correio oferece uma oportunidade para escapar dessa pressão. Consequentemente, quanto mais questões sociais importarem para as decisões de voto, maior o trade-off entre a redução de custos e a redução nos incentivos sociais. A autora explora também variações nos tamanhos de população dos cantões suíços. A hipótese que fundamenta essa estratégia é que um grande número de estudos antropológicos documenta que o controle social é particularmente forte em comunidades pequenas e estreitas. Pessoas se conhecem mais e conversam sobre quem cumpre seu dever cívico e quem não o faz. Nesse sentido, é esperado que, com o alívio da pressão social, o efeito social negativo sobre a participação seja maior em pequenas comunidades. A experiência suíça é um exemplo particularmente vantajoso para estudar essa questão, uma vez que a votação presencial nunca foi substituída pela votação pelo correio e nem foram fechadas as assembleias de voto durante o período de investigação. Isso permitiu que a autora identificasse o efeito da pressão social. Como ir às urnas sempre foi uma opção, o principal efeito social do voto por correspondência foi a remoção da pressão social, e não a remoção dos benefícios decorrentes do voto. O artigo mostra que o efeito esperado do aumento da participação dos eleitores pelo incentivo econômico de redução dos custos não ocorreu. A introdução do voto opcional pelo correio aumentou a participação agregada dos cantões nas eleições parlamentares em 2,2 pontos percentuais, mas o efeito não foi estatisticamente significante. Por outro lado, a autora encontra efeitos heterogêneos em cantões com estruturas diferentes: Em cantões cujas comunidades são maiores que 1.000 habitantes, há um aumento 6,5 pontos percentuais na participação. A autora justifica os resultados como uma mudança nos incentivos sociais, provavelmente nos benefícios externos da adesão às normas. Sob o sistema de votação presencial, havia pressão social para votar, que era particularmente forte em comunidades pequenas. Com a opção do voto por correspondência, um eleitor por correspondência e um não eleitor tornaram-se equivalentes em termos de observação, o que removeu a pressão social para votar nas comunidades menores. Outros tipos de pressão social podem estar em jogo também, como: Estereótipos culturais Segurança Mobilidade limitada Diversos outros custos potenciais para votar Gine e Mansuri (2012) estudam o papel da informação sobre a participação eleitoral feminina no Paquistão, onde há consideráveis barreiras culturais à participação das mulheres. Em contraste, a participação diminuiu 7 pontos percentuais no cantão com a maior proporção (36%) de cidadãos vivendo em pequenas comunidades. Sabemos que, apesar de as mulheres corresponderem à metade da população mundial, há um atraso histórico em relação à conquista de seus direitos políticos. Embora tenha ocorrido um movimento pelo sufrágio feminino na maioria das democracias ocidentais no último século, ainda há enormes diferenças na participação política entre homens e mulheres, tanto como eleitoras quanto como candidatas ou políticas eleitas. Os autores listam uma série de barreiras à participação feminina que podem afetar, particularmente, mulheres em países em desenvolvimento. Por exemplo: Os custos à participação podem ser demasiadamente elevados devido a tradições ou estereótipos culturais que desencorajem o exercício das preferências das mulheres; Restrições à mobilidade que limitem a participação. Além disso, se houver questões de segurança, como intimidação ou violência, as preocupações com a segurança pessoal também podem ser maiores entre as mulheres. Outro fator cultural que pode limitar a participação das mulheres é a estrutura domiciliar, na qual homens podem não querer que suas mulheres votem ou podem tentar controlar seu voto, buscando manter seu poder de barganha dentro do domicílio. Ademais, mulheres podem ter acesso a menos fontes de informação sobre a importância da participação política ou sobre o processo de votação, possivelmente por conta do analfabetismo e mobilidade limitada, que em muitos países incidem de maneira mais relevante entre elas (esses são apenas dois entre os muitos impactos negativos da desigualdade de gênero). A falta de informação pode também reforçar estereótipos que afastam mulheres ainda mais da vida pública. Nesse sentido, os autores indagam se a falta de informação sobre processo eleitoral é barreira relevante para participação política de eleitoras, e até que ponto interações sociais entre mulheres podem incentivar a participação eleitoral em forma de spillover (externalidade). Eles testam essas ideias conduzindo um experimento de campo que forneceu informações às mulheres sobre o processo de votação e a importância do voto, por meio de uma campanha eleitoral apartidária de porta em porta pouco antes das eleições nacionais de 2008, no Paquistão. Como as taxas de alfabetização eram baixas entre as mulheres do meio rural, a campanha foi desenvolvida na forma de visitas porta a porta, composta por recursos visuais simples e um roteiro limitado com duas mensagens: Um grupo de mulheres-alvo recebeu apenas a primeira mensagem, e outro grupo recebeu ambas, permitindo que os autores testassem se o conhecimento sobre o processo de votação aumenta a participação feminina e a independência na escolha de um candidato.O experimento foi conduzido numa área rural do Paquistão. Os pesquisadores dividiram as aldeias em grupos geográficos, de modo que cada grupo estava inteiramente dentro da área de influência de uma assembleia de voto. Os grupos de aldeias foram divididos aleatoriamente entre: Um dos dois tratamentos Apenas uma mensagem, ou ambas as mensagens. Grupo de controle Não recebia nenhuma intervenção (ou seja, nenhuma mensagem). Dado que a votação provavelmente sofre influência do comportamento de pessoas em determinado grupo ou rede social, a medida de externalidades (spillover) de informação foi um aspecto-chave do estudo. Como resultado, apenas um subconjunto da amostra de domicílios dentro do grupo de aldeias de tratamento foi alvo da campanha de informação. A importância do voto Que focava na relação entre o processo eleitoral e as políticas públicas. O signi�cado do voto secreto Que explicava o processo de votação real para essas mulheres. Isso permitiu que os autores pudessem medir os spillovers de informação. Como os grupos de aldeias foram definidos inteiramente por critérios geográficos, há uma variação aleatória no número de mulheres-alvo da campanha de informação em qualquer assembleia de voto. Os autores usaram essa variação para estudar o impacto da campanha de informação na participação e nas votações nos partidos, por gênero. Vamos ver agora o resultado: Os resultados mostraram que a participação aumenta entre 9 e 13% para mulheres-alvo nos grupos de tratamento em comparação com mulheres nos grupos de controle, com efeitos mais fortes para mulheres expostas a ambas as mensagens da campanha de informação. Além disso, os autores encontraram taxas de participação semelhantes para mulheres que não foram alvo da campanha de informação nos grupos de tratamento, indicando que houve efeitos de spillover geográficos substanciais. Em contraste, os autores não encontraram nenhum efeito sobre a participação masculina, sugerindo que o fornecimento de informações sobre o processo eleitoral e de votação é menos importante para os homens, ou que os homens simplesmente não são influenciados pelas informações fornecidas às mulheres. Os autores também encontraram evidências de que a campanha influenciou a escolha do candidato e do partido. As mulheres-alvo da campanha apresentaram uma probabilidade menor de votar no partido vencedor, o que também se verifica para as mulheres não alvo. Os resultados sugeriram que a campanha poderia ter influenciado o eleitorado de maneira geral e, portanto, a agenda política, se tivesse sido implementada em uma escala maior. As mulheres do grupo de tratamento também se mostraram mais propensas do que as mulheres nos grupos de controle a selecionar um candidato diferente do candidato escolhido pelo “chefe da família”, do sexo masculino. Resultado Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Sobre Gerber et al. (2008), responda: qual das alternativas a seguir não representa um dos quatro grupos de tratamento estudados pelos autores? Parabéns! A alternativa A está correta. Os autores queriam investigar se o dever cívico e a pressão social seriam capazes de exercer algum efeito causal sobre a participação dos eleitores. Assim, eles enviaram quatro tipos de cartas diferentes, enfatizando determinado aspecto de normas sociais. A única norma social que não representa um dos grupos estudados é 'dever identitário'. A Dever identitário. B Pressão social intradomiciliar. C Pressão social da vizinhança. D Efeito Hawthorne. E Dever cívico. Questão 2 Segundo o estudo de Gine e Mansuri (2012), há custos associados à participação das mulheres em países em desenvolvimento. Nesse contexto é correto afirmar que, nesses países, as mulheres A são proibidas de votar por lei. B podem ser menos escolarizadas e ter menos acesso a fontes de informação. Considerações �nais Como vimos, não existe uma única resposta correta para a agregação de preferências. Escolhas coletivas apresentam muitos desafios e diferentes regras adotadas podem levar a diferentes resultados. A ordem das alternativas importa, a composição do eleitorado importa, e os incentivos também importam. Por isso, economistas e formuladores de políticas públicas devem levar em consideração diversos fatores na hora da tomada de decisão, atentando-se para as perdas e os ganhos dos diversos agentes envolvidos. Além disso, apresentamos também o paradoxo do voto e os diversos fatores que determinam a escolha de votar. Aprendemos que existem custos e benefícios envolvidos nessa decisão e que a mudança de regras ou do processo eleitoral pode afetar os resultados das eleições, às vezes até de maneira inesperada. Parabéns! A alternativa B está correta. Os autores investigam a hipótese de que mulheres podem ter acesso a menos fontes de informação sobre a importância da participação política ou sobre o processo de votação, possivelmente por conta do analfabetismo e mobilidade limitada desse grupo de pessoas. Isso representaria custos de participação para as mulheres, os quais poderiam ser reduzidos com uma campanha de informação, que é a intervenção realizada pelos autores. C precisam sair para trabalhar. D precisam ficar em casa cuidando dos filhos. E não gostam de votar. Podcast Neste podcast, será feita uma revisão do conteúdo visto até aqui. Referências DOWNS, A. An economic theory of political action in a democracy. Journal of Political Economy, v. 65, n.2, p. 135-150, 1957. FUJIWARA, T. Voting technology, political responsiveness, and infant health: evidence from Brazil. Econometrica, v. 83, n. 2, p. 423-464, 2015. Consultado na internet em: 9 nov. 2021. FUNK, P. Social incentives and voter turnout: evidence from the swiss mail ballot system. Journal of the European Economic Association, v. 8 n. 5, p. 1077-1103, 2010. Consultado na internet em: 9 nov. 2021. GERBER, A.; GREEN, D.; LARIMER, C. Social pressure and voter turnout: evidence from a large scale field experiment. American Political Science Review, v. 102, n. 1, p. 33-48, 2008. Consultado na internet em: 9 nov. 2021. GINE, Xavier; GHAZALA Mansuri. Together we will: experimental evidence on female voting behavior in Pakistan. World Bank Policy Research Working Paper, 2012. Consultado na internet em: 9 nov. 2021. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Demográfico de 1991: Resultados Preliminares. Rio de Janeiro: IBGE, 1992. MILLER, G. Women’s suffrage, political responsiveness, and child survival in American history. Quarterly Journal of Economics, v. 123, n. 3, p. 1287-1327, 2008. Consultado na internet em: 9 nov. 2021. Explore + Introduzimos neste tema alguns conceitos básicos de Economia Política. Se você se interessa em aprender mais sobre a política no Brasil recomendamos dois livros mais sobre a política no Brasil, recomendamos dois livros. Em Representantes de quem? Os (des)caminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados, Jairo Nicolau esclarece as regras do jogo político brasileiro e avalia a reforma política. Já em Dinheiro, eleições e poder, Bruno Carazza destrincha as engrenagens do sistema político brasileiro, por meio da compilação e do cruzamento de um volume imenso de dados sobre doações de campanhas eleitorais, tramitação de projetos, votações e atuação de parlamentares. Política redistributiva Prof.ª Mariana Stussi Neves Descrição Preferências individuais e preferência por redistribuição, demanda por redistribuição e resposta dos eleitores, e política redistributiva no Brasil. Propósito Compreender como as preferências por redistribuição são formadas e como estão relacionadas com medidas de renda e desigualdade, como os políticos respondem às demandas por redistribuição e como os eleitores respondem nas urnas é fundamental para a formulação de políticas eficientes e duradouras. A formulação dessas políticas é importante para o combate à desigualdade e o alívio da pobreza em países emdesenvolvimento. Objetivos Módulo 1 Demanda por redistribuição Identificar os determinantes de preferências por redistribuição. Módulo 2 Política redistributiva e grupos de interesse Analisar a resposta dos eleitores e a política redistributiva no Brasil. Nas últimas décadas, debateu-se muito sobre desigualdade social, suas implicações e possíveis soluções para eliminá-la. A América Latina é uma das regiões do mundo com maior grau e persistência de desigualdade social. Os países da região são caracterizados por grandes disparidades de renda entre seus cidadãos, assim como em consumo, acesso a educação, terra, serviços básicos e outras variáveis socioeconômicas. O Brasil não é diferente. Pelo contrário, é frequente o choque entre diferentes realidades nas grandes metrópoles, com bairros nobres com prédios luxuosos convivendo ao lado de comunidades precárias. A partir dos anos 1990, a região experimentou políticas governamentais de transferências monetárias como forma de combate à desigualdade social. O combate à desigualdade é o resultado da introdução de grandes programas de transferência de renda focalizados. Mas qual foi o impacto dessas políticas? Haveria soluções melhores e mais eficientes? Analisar a desigualdade social, suas consequências para o desenvolvimento e as soluções concebidas e implementadas até então é essencial para a melhor compreensão desse fenômeno e para que se possam pensar políticas mais eficientes para o combate desse problema. Introdução 1 - Demanda por redistribuição Ao �nal desse módulo, você será capaz de identi�car os determinantes de preferências por redistribuição. Desigualdade e redistribuição De acordo com os modelos-padrão de economia política de redistribuição, um aumento na desigualdade deve levar a uma maior demanda pública por redistribuição e, em última instância, a mais redistribuição. Esta seção apresenta um modelo teórico da relação entre desigualdade de renda e demanda por redistribuição: o modelo de Meltzer e Richard (1981) de gastos do governo. O modelo de Meltzer e Richard O modelo de Meltzer e Richard (1981) é um modelo clássico de economia política com o objetivo de explicar a relação entre desigualdade e redistribuição de renda. Sob as hipóteses de (i) regra de votação majoritária, (ii) sufrágio universal e (iii) taxa de imposto linear, o modelo mostra como a redistribuição depende da relação entre a renda média e a renda do eleitor decisivo (o eleitor da mediana). A distribuição de renda é concentrada na esquerda nos países industrializados avançados, como mostra o gráfico 2, o que implica que a renda do eleitor mediano está abaixo da renda média. Nesse caso, o eleitor mediano aumentará sua utilidade marginal se o governo aumentar a redistribuição, uma vez que ele se aproximará da renda média, diminuindo a distância entre ambos. Neste sentido, podemos compreender que: Modelos simples Nessa proposta, o eleitor mediano deseja redistribuir a renda perfeitamente, para fechar a lacuna entre a renda mediana e a renda média. Modelo de Meltzer e Richard (1981) No modelo em questão, assume-se que os eleitores estão cientes dos efeitos de desincentivo criados pela redistribuição — como menor oferta de trabalho —, de modo que a redistribuição não será perfeita. Afinal de contas, para que o governo possa redistribuir renda, é necessário tributar a sociedade, e a tributação apresenta distorções. Neste contexto, vamos observar os gráficos a seguir. Eleitor da mediana = eleitor de renda média Gráfico 1: Distribuição de renda simétrica. Elaborado por: Mariana Stussi Neves Eleitor da mediana à esquerda do eleitor com renda média. Gráfico 2: Distribuição de renda concentrada à esquerda. Elaborado por: Mariana Stussi Neves Em democracias razoavelmente responsivas, o nível preferido de redistribuição será observado em equilíbrio. Se a distribuição de renda for alterada, o nível de redistribuição preferida também mudará. Em suma, o raciocínio do modelo ocorre em dois estágios. Primeiro, o nível de desigualdade de renda determina a demanda por redistribuição. Em segundo lugar, a demanda por redistribuição determina o nível real de redistribuição. Portanto, mais desigualdade deve aumentar o tamanho do governo, em que esse tamanho é entendido como uma carga tributária alta para financiar a redistribuição. Contudo, as previsões do modelo se sustentam empiricamente? Esse argumento implica que a redistribuição seria muito maior em democracias do que em não democracias, e que as sociedades desiguais redistribuem mais do que as igualitárias. Há alguma evidência apoiando a primeira conclusão. No entanto, dentro de um mesmo tipo de regime (democrático ou autoritário) pode haver grandes diferenças. esponsivas Democracias funcionais, em que a vontade do eleitor é atendida. Exemplo Considere duas democracias: Estados Unidos e Suécia. De acordo com dados do Luxembourg Income Study, a redução da taxa de pobreza nos EUA como resultado de impostos e transferências foi de 13% em 1994, enquanto na Suécia foi de 82% (IVERSEN; SOSKICE, 2006). A Suécia não apenas redistribui mais do que os EUA, mas também é uma sociedade muito mais igualitária, de modo que a segunda conclusão também não se sustenta. O modelo básico não explica por que algumas democracias redistribuem mais renda que outras. O fenômeno de que democracias avançadas com baixos níveis de desigualdade tendem a redistribuir mais, enquanto as nações com altos níveis de desigualdade tendem a redistribuir menos, é conhecido como paradoxo de Robin Hood. Gráfico 3: O paradoxo de Robin Hood. Extraído de: Iversen e Soskice (2009, p. 441). Como resolver esse con�ito? Isso depende do que estamos testando. Algumas hipóteses do modelo são violadas, na realidade, e outros fatores também devem ser levados em conta. Considere a primeira previsão do modelo, de que mais desigualdade leva a maior demanda por redistribuição. A realidade implica uma série de violações dessa primeira relação, na presença de assimetria informacional. Exemplo Se as pessoas não tiverem noção da realidade socioeconômica em que se encontram, ou se acreditarem que o nível de desigualdade do país em que vivem é diferente do da realidade, elas podem ter uma demanda por redistribuição diferente da esperada. Além disso, a demanda por redistribuição pode estar relacionada com outros fatores que não a renda, como religião, raça, sistemas de crenças e valores, e o voto pode não ser materialístico, isto é, as pessoas, ao votar, não são movidas apenas por interesses pecuniários (monetários). Porém, mesmo na presença de motivações materialistas, há uma série de outras violações possíveis da primeira previsão do modelo: as pessoas podem estar mais interessadas em ganhos relativos do que em ganhos absolutos, e o voto pode não ser universal. Nesse último caso, é frequente que a participação eleitoral esteja correlacionada com a renda, e que pessoas mais pobres votem menos, o que afetaria diretamente a demanda por redistribuição. Mesmo que a primeira previsão do modelo se sustentasse, isto é, que mais desigualdade implicasse mais demanda por redistribuição, não significaria que o mesmo valesse para a segunda previsão do modelo: mais demanda por redistribuição não necessariamente implica mais gastos sociais. Nesse caso, é possível que outros fatores institucionais violem o modelo, como corrupção por parte de políticos, ou ainda alterações nas instituições (ou regras do jogo) por parte das elites, como lobby. Ainda assim, observamos motivações de interesse econômico próprio tanto no voto quanto no comportamento político. Cultura, crenças e preferência por redistribuição Como vimos, ao analisar as preferências por redistribuição, os economistas estão acostumados a concentrar-se no ganho pecuniário líquido que resulta da redistribuição para os indivíduos. A maioria dos modelos político-econômicos prevê que um indivíduo apoiará o programa de redistribuição A, em vez doprograma alternativo B, se e somente se a renda líquida do indivíduo for maior em A do que em B, ou seja, as preferências por redistribuição são guiadas pelo interesse pecuniário. Essa não é, contudo, a única maneira de pensar as preferências individuais por redistribuição. Uma abordagem alternativa vê as atitudes dos indivíduos em relação à redistribuição como um reflexo do sistema de valores que eles endossam. As pessoas podem não apoiar o programa de redistribuição que maximiza o benefício individual, mas aquele que está de acordo com sua visão do que constitui uma boa política para a sociedade como um todo. Ainda é possível que as preferências reflitam de fato apenas o interesse pessoal, mas isso pode incluir o status social do indivíduo, ou seja, sua posição relativa na sociedade. Nesse caso, o julgamento de alguém sobre a redistribuição pode depender do impacto sobre a distribuição de consumo em seu ambiente social, e não apenas do impacto em seu consumo individual. Essas três abordagens não são, em consequência, mutualmente exclusivas. Não apenas indivíduos diferentes podem ter motivações diferentes, como até o mesmo indivíduo pode tentar equilibrar essas motivações ao decidir-se, em suas preferências, por redistribuição. Comentário Corneo e Gruner (2002) investigam os determinantes do apoio das pessoas à redução das desigualdades de renda por parte do governo. Os autores estipulam que existem três forças competidoras apresentadas a seguir. Efeito homo oeconomicus Em modelos de economia política em que a renda é exógena e determinada antes da definição e da incidência de tributos, como no modelo de Meltzer e Richard (1981) visto anteriormente, a abordagem- padrão para determinar a atitude de um indivíduo em relação à redistribuição deriva apenas do efeito da redistribuição sobre sua renda líquida. Nesse sentido, quando consideramos esquemas de transferência de impostos puramente redistributivos, o “efeito homo oeconomicus” (EHO) afirma que o apoio a favor de mais redistribuição é inversamente relacionado com a posição do indivíduo na escala de renda. Em outras palavras, há uma correlação negativa entre o apoio individual à redistribuição e o nível de renda. Assim, se o indivíduo tem a renda abaixo da média, ele apoiará a redistribuição; caso contrário, vai se opor a ela. Efeito dos valores públicos A segunda abordagem relaciona as preferências de redistribuição de um indivíduo com seus valores públicos. Os indivíduos podem ser dotados de uma função de bem-estar social que expressa suas preferências sobre a alocação de recursos para todos os indivíduos da sociedade. As atitudes de um indivíduo em relação à redistribuição podem refletir essa função de bem-estar social. O efeito sobre as atitudes individuais é chamado de “efeito dos valores públicos” (EVP). De acordo com essa abordagem, não há uma ligação, a priori, entre a renda bruta de um indivíduo e seu apoio a políticas de redistribuição. Até certo ponto, pode-se assumir que todos os indivíduos compartilham os mesmos valores, sob o argumento do “véu da ignorância”. No entanto, eles podem nutrir crenças idiossincráticas sobre as contribuições da origem familiar e do esforço individual para o sucesso econômico pessoal. Se um indivíduo acredita que as origens familiares, em termos de riqueza e capital humano, são os principais determinantes da renda individual, então é esperado que ele seja a favor da redistribuição por parte do governo. Por outro lado, se um indivíduo acredita que o trabalho árduo pessoal é mais importante para a determinação da renda individual, então espera-se que ele se oponha à redistribuição. éu da ignorância Argumento segundo o qual as pessoas formam seus valores como se não conhecessem sua situação específica – se serão ricos ou pobres, por exemplo. Dessa forma, os valores individuais não refletem a situação de cada um. Comentário Isso explica por que as preferências podem divergir entre indivíduos com o mesmo nível de renda e por que alguns países redistribuem mais do que outros, mesmo que tenham distribuições de renda semelhantes. Efeito da rivalidade social A terceira abordagem gira em torno da ideia de que as preferências de redistribuição de uma pessoa dependem de seu efeito no padrão de vida relativo do indivíduo. Esse é o chamado “efeito de rivalidade social” (ERS). A qualidade do ambiente social de um indivíduo afeta fortemente seu bem-estar. No entanto, essa qualidade não é o objeto direto das transações de mercado. Conversas, festas, ser casado com alguém e outros indicadores de status social não são bens de mercado, para os quais frequentemente se desenvolve uma intensa competição. A presença de competição social (em detrimento da competição de mercado) por alguns bens pode gerar endogenamente uma preocupação com o consumo relativo. O ERS surge quando as preferências de redistribuição são impulsionadas pela crença de que a redistribuição afeta a qualidade do ambiente social dos indivíduos. Vamos ver como isso funciona na prática? Veremos a seguir um importante exemplo de aplicação. Suponha que, dentro de cada bairro, o mero jogo de interação social dê origem a um bem público local — a qualidade social de vida naquele bairro. Suponha também que, antes da redistribuição, o bairro seja habitado principalmente por uma classe média relativamente homogênea. Ao redistribuir a renda dos ricos para os pobres, o governo aumenta indiretamente a probabilidade de que indivíduos de classe baixa em ascendência social substituam residentes em descendência social do bairro. Os incumbentes podem não gostar da entrada de novos vizinhos vindos de camadas sociais mais baixas, porque tornam o ambiente dos incumbentes menos valioso. Às vezes, esses sentimentos podem ser alimentados por preconceitos raciais ou étnicos. Na medida em que os habitantes anteriores não gostam de viver com os novos ERS é a composição social das áreas residenciais entrantes, eles podem opor-se à redistribuição, mesmo que não obtenham nenhuma desvantagem monetária dela. Para compreender quais fatores contribuem para as preferências por redistribuição, Corneo e Gruner (2002) analisam dados do International Social Survey Programme (1992), uma pesquisa que perguntava a indivíduos de diferentes países se o governo deveria diminuir a lacuna de renda entre pessoas com alta e baixa renda. As respostas a essa pesquisa permitem descrever como o apoio à redistribuição de renda por parte do governo varia. Os autores confirmam a hipótese principal de que as preferências individuais por redistribuição podem ser explicadas principalmente por incentivos pecuniários individuais (EHO). No entanto, a principal contribuição do estudo é que essa não é a única força por trás do apoio à redistribuição. Os dados apontam que o EVP também importa bastante. Finalmente, os efeitos de status social (ERS) também desempenham papel significativo na formação das preferências individuais por redistribuição, de modo que os autores concluem que os três fatores importam. Atenção! O EVP pode variar não só entre pessoas de uma mesma região, como de país para país. Países diferentes variam na ênfase que dão a determinados aspectos culturais, que, por sua vez, são moldados por crenças, religião, história e outros aspectos socioeconômicos de uma população. Alesina e Giuliano (2015), interessados na interação entre cultura e instituição, avaliam a literatura econômica em torno do tema e reúnem artigos e pesquisas publicados na área para compreender melhor como essas duas variáveis interagem. Entre outros aspectos, eles mostram como valores como individualismo e coletivismo variam entre países (Imagem 4a) — sendo sociedades individualistas aquelas que enfatizam conquistas pessoais e direitos individuais, em detrimento de sociedades coletivistas, nas quais as pessoas agem como membros de grupo ou organização coesa e duradoura. Mostram também como valores sobre atitudes em relação a trabalho e percepçãode pobreza variam entre países (Imagem 4b), isto é, se o que determina o sucesso é “trabalho duro” ou sorte, e se há a possibilidade de mobilidade social, caso o esforço necessário seja realizado. Imagem 4a: Valor: individualismo. Imagem 4b: Valores: “trabalho duro” e sorte. Considerando a importância do EVP e a enorme variação entre valores como individualismo e relação trabalho-sorte, é possível imaginar como as preferências individuais por redistribuição podem ser moldadas de maneira diferente, a depender do país de origem do indivíduo e de sua cultura. Nesse sentido, concluímos que objetivos não materiais importam na formação dessas preferências, assim como as origens e as crenças das pessoas a respeito do processo de mobilidade social e dos impactos da redistribuição nos incentivos a trabalhar. Finalmente, a literatura econômica também mostra que os indivíduos também levam em consideração a justiça do processo de mobilidade e se as oportunidades são distribuídas igualmente. Preferências por redistribuição Neste vídeo, retornaremos aos conceitos principais estudados nesse módulo. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Sobre o modelo de Meltzer e Richard (1981), assinale a alternativa correta: Parabéns! A alternativa C está correta. O raciocínio do modelo de Meltzer e Richard (1981) ocorre em dois estágios. Primeiro, o nível de desigualdade de renda determina a demanda por redistribuição; e, em seguida, a demanda por redistribuição determina o nível real de redistribuição. Nesse sentido, mais desigualdade implica mais demanda por redistribuição, que determina um nível maior de redistribuição realizado (ou seja, um governo “maior”). As demais alternativas estão erradas, porque o modelo assume taxa de imposto linear para explicar a relação entre desigualdade e redistribuição de renda. Além disso, assume também A O modelo assume as hipóteses de (i) regra de votação majoritária, (ii) sufrágio universal e (iii) taxa de imposto progressiva. B O modelo tem o objetivo de explicar a relação entre desigualdade e eleitor da mediana. C O modelo prevê que mais desigualdade deve aumentar o tamanho do governo. D Os eleitores não estão cientes dos efeitos de desincentivo criados pela redistribuição. E O modelo não tem um equilíbrio. que os eleitores estão cientes dos efeitos de desincentivo criados pela redistribuição, e o equilíbrio deve ocorrer em democracias responsivas. Questão 2 Sobre a determinação das preferências individuais por redistribuição, assinale a alternativa que contém as forças competidoras, segundo Corneo e Gruner (2002): Parabéns! A alternativa D está correta. Corneo e Gruner (2002) investigam os determinantes do apoio das pessoas à redução das desigualdades de renda por parte do governo e estipulam a existência de três forças competidoras: o EHO, o EVP e o ERS. As demais alternativas estão incorretas, pois não se consideram os efeitos homo socius, valores privados ou rivalidade econômica. A Efeito homo oeconomicus, efeito de valores privados, efeito da rivalidade econômica B Efeito homo socius, efeito de valores públicos, efeito da rivalidade social C Efeito homo oeconomicus, efeito de valores públicos, efeito da rivalidade econômica D Efeito homo oeconomicus, efeito de valores públicos, efeito da rivalidade social E Efeito homo socius, efeito de valores privados, efeito da rivalidade econômica 2 - Política redistributiva e grupos de interesse Ao �nal desse módulo, você sera capaz de identi�car a resposta dos eleitores e a política redistributiva no Brasil. Eleitores respondem à redistribuição? No módulo anterior, vimos como as preferências e a demanda por redistribuição são formadas. Mas, uma vez que há redistribuição, o que acontece? Será que os eleitores respondem às políticas redistributivas, premiando políticos que os beneficiem com seu voto (ou o contrário, punindo aqueles que beneficiem outros grupos, caso desgostem de redistribuição)? Historicamente, há um debate amplo a respeito da melhor escolha de tipo de política pública: universal versus focal. Uma política universal é aquela que promoveria justiça social por meio da distribuição igual de um recurso por toda a população. Um exemplo disso é a renda básica universal, uma proposta que nunca foi implementada no Brasil. Já uma política focalizada seria aquela que beneficia determinado grupo de indivíduos (público-alvo) a partir de um conjunto de critérios, com o objetivo de ter um gasto público eficiente, atingindo quem mais precisaria do recurso, segundo os critérios definidos. Um exemplo desse tipo de programa é o Bolsa Família, direcionado a famílias em condição de pobreza ou extrema pobreza. Defensores do universalismo argumentam que benefícios deveriam ser direito de todas as pessoas, sem distinção entre diferentes categorias de pessoas em termos de renda ou riqueza. Vejamos as vantagens desse tipo de política. olsa Família Em 2021, o programa foi substituído pelo Auxílio Brasil, ainda em fase de implementação no momento de confecção deste texto. São extremamente inclusivas. Sem discriminação ou fim previsível. São, em geral, muito onerosas, podendo ser considerado desperdício gastar parte dos recursos com determinada parcela da população, como a mais rica, por exemplo. Pense em um país como o Brasil, com mais de 200 milhões de habitantes — uma política universal de apenas R$10,00 por pessoa envolveria um dispêndio de 2 bilhões de reais. Por outro lado, políticas focalizadas também têm problemas. Como assegurar que pessoas que realmente necessitam daquele recurso sejam identificadas e que o auxílio chegue até elas? Além disso, o que garante que o grupo correto de pessoas está sendo auxiliado e que a cobertura do programa não é excessivamente ampla ou restrita? É possível listar ainda outros obstáculos para o acesso a programas focalizados, como falta de informação a respeito do programa, estigma social (pessoas podem não querer determinado auxílio porque ele poderia carregar algum estigma, como taxar certo grupo de pobre, por exemplo), problemas de fiscalização e corrupção, entre outros. Do ponto de vista político, o quão compatíveis são programas de transferência de renda e democracia? Em geral, programas focalizados tendem a diminuir o gasto discricionário de políticos e alocá-los segundo decisões programáticas, o que diminuiria o clientelismo. Em outras palavras, esses critérios preestabelecidos seriam uma barreira para que políticos não gastassem os recursos de maneira deliberada, escolhendo os beneficiários que quisessem, de maneira que não pudessem usar tais recursos como “prêmio” para conseguir votos. Por exemplo, se programas de transferência de renda não tivessem critérios, um político poderia escolher beneficiar um grupo em troca de votos. Esses programas de transferência monetária com critérios preestabelecidos são chamados de programas de transferência condicionada de renda (PTCR). asto discricionário Gasto que pode ser definido individualmente a cada momento, ao contrário de gastos não-discricionários, que devem seguir regras pré-determinadas. Comentário Programas focalizados poderiam estimular os eleitores a votar por razões programáticas: o eleitor pode decidir votar no partido A porque sabe que aquele partido beneficiou seu grupo com determinado programa. Nesse sentido, argumenta-se que programas focalizados podem ser prejudiciais à democracia, porque perpetuam o link clientelista entre incumbente e beneficiário: ou seja, seria quase uma compra de votos oficial. Os beneficiários poderiam estar sendo manipulados a votar de forma diferente de suas reais preferências por temer o término de um programa ou o corte dos benefícios. O que a evidência empírica diz a respeito? Manacorda, Miguel e Vigorito (2011) investigam os efeitos de um extenso programa de combate à pobreza no Uruguai no apoio político dos eleitores ao governo que o implementou. De maneiraampla, os autores querem saber se programas de transferência de renda são capazes de capturar votos. Para responder a essa pergunta, eles estimam o efeito causal do programa de transferência de renda Panes no apoio político ao partido incumbente no Uruguai. Entre 2001 e 2002, o Uruguai passou por uma grave crise econômica. A renda per capita do país caiu 11%, e a taxa de pobreza subiu de 18,8% para 23,6%. Em resposta à crise, o partido no poder, Colorado, decidiu expandir os programas já existentes, em vez de criar novos. Em 2004, a coalizão política de centro-esquerda Frente Ampla foi eleita com campanha focada em redistribuição de renda e reformas econômicas. Sob o novo governo, o programa de transferência de renda condicional Panes foi lançado. O programa tinha dois objetivos principais: Objetivo 1 Prover assistência direta a domicílios que haviam experimentado uma queda rápida no padrão de vida desde o início da crise Objetivo 2 Fortalecer o capital humano e social dos mais pobres para capacitá-los a sair da situação de pobreza por conta própria. O maior benefício do programa era uma transferência de renda mensal fixada em um valor. Ele também previa um cartão de alimentação para famílias com grávidas e crianças, treinamento e oportunidades de emprego, além de subsídios para a saúde. O programa durou de abril de 2005 a dezembro de 2007. Para implementá-lo, o governo realizou uma pesquisa de linha de base em todos os domicílios de baixa renda, adquirindo informações sobre características dos domicílios, habitação, renda, trabalho e educação dos aplicantes. Com base nessas características, foi calculado um score de renda, e a elegibilidade do programa foi determinada por uma linha de corte desse score, de modo que apenas famílias com pontuação abaixo de um limite preestabelecido eram elegíveis a ele. Essa regra de focalização foi desenhada tanto para evitar discrição na atribuição do programa quanto para avaliar rigorosamente seu impacto. Para evitar a manipulação da regra de focalização, a fórmula do score de renda não foi divulgada aos potenciais beneficiários, entrevistadores e nem ao próprio governo, até que o programa terminasse. Isso foi essencial para a identificação do efeito causal do programa. Como a regra de focalização foi definida longe de considerações políticas e sua implementação foi bastante rígida, pode-se considerar que a atribuição ao programa para os domicílios cujo score de renda se encontrava perto da linha de corte foi quase aleatória, por serem domicílios muito próximos em termos de características. Observaremos a seguir alguns resultados: Um ano e meio após o início do programa, as famílias com score de renda perto da linha de corte foram novamente entrevistadas em uma pesquisa com uma série de perguntas, incluindo algumas sobre apoio ao governo vigente. Uma segunda pesquisa de acompanhamento parecida foi realizada em 2008, depois do término o programa. Os autores usaram os dados dessas pesquisas para avaliar se o recebimento do programa afetou o apoio (em forma de voto) dos beneficiários ao governo. Eles encontraram que os indivíduos que se beneficiaram do programa em torno da linha de corte tinham uma probabilidade de 11 a 13 pontos percentuais maior de apoiar o governo incumbente (que o implementou), em relação àqueles que não conseguiram qualificar-se para o benefício. Além de estimar o impacto das transferências do governo no apoio político dos eleitores, os autores também testaram e rejeitaram duas teorias de comportamento do eleitor. Uma delas, a “votação de bolso”, enfatizava a centralidade da renda disponível real atual dos eleitores como o principal fator impulsionador dos resultados da votação. Usando os dados coletados após o término do programa Panes, os autores descobriram que o apoio político ao governo em exercício que criou o programa permaneceu significativamente maior entre os ex-beneficiários do programa, embora os níveis de renda dos beneficiários tenham caído rapidamente para o mesmo dos não beneficiários. A teoria da “votação de bolso” implica que beneficiários e não beneficiários deveriam apoiar o partido incumbente igualmente uma vez que seus níveis de renda fossem equalizados; no entanto, não é isso que os autores verificaram. Resultado 01 Resultado 02 Resultado 03 Outras teorias de economia política, mais modernas, pressupõem eleitores racionais, o que é consistente com a abordagem econômica padrão de tomada de decisão. Com informação assimétrica a respeito das características dos políticos, os eleitores usam as políticas implementadas e seus resultados como sinais para inferir os tipos e a competência dos políticos. Os resultados empíricos dos autores também vão contra essas teorias de eleitores racionais capazes de inferir características políticas ou partidárias por meio de sinais. Considerando o caráter quase aleatório da atribuição do programa em torno da linha de corte, eleitores de ambos os lados da linha de corte deveriam ter as mesmas visões da competência do partido incumbente, e, portanto, o apoio ao incumbente não deveria ser afetado pelas transferências. A explicação alternativa para os resultados encontrados é a de que eleitores são racionais, mas mal informados. Os autores argumentam que o apoio persistente ao partido incumbente pode ser explicado por eleitores que inferem as preferências redistributivas do governo por pessoas como eles próprios (os beneficiários do programa), com base na população-alvo anterior do programa. Como os eleitores não entendem completamente a regra de elegibilidade do programa, interpretam sua condição de beneficiários como um sinal de preferências redistributivas do governo incumbente. É como se a pessoa pensasse: “se eu recebo recursos do governo, é porque o governo de fato gosta de distribuir recursos para quem precisa”, sem avaliar a regra de elegibilidade em si. O resultado de que eleitores respondem fortemente às transferências não implica necessariamente que suas atitudes políticas e seu voto sejam baseados exclusivamente no próprio bem-estar. É razoável que os candidatos ao programa tenham interpretado o próprio recebimento das transferências como sinal da vontade e da capacidade do governo de ajudar os pobres, o que poderia aumentar, por sua vez, o apoio ao partido incumbente. Os dados das entrevistas realizadas no estudo apontam que os beneficiários das transferências demonstraram maior confiança no governo e em suas políticas, maior otimismo quanto ao futuro de suas famílias e do país como um todo, e até perceberam que as desigualdades sociais estavam diminuindo. Esse otimismo sobre a direção do país foi um fator plausível para um maior apoio dos beneficiários do Panes ao governo. De La O (2013) encontra resultados similares ao analisar os efeitos do programa de transferência de renda Progresa sobre o voto no incumbente no México. Como no artigo anterior, a autora está interessada em avaliar se programas de transferência de renda afetam o voto do eleitor e a taxa de participação. Para responder a essa pergunta, ela explora a variação exógena na duração do programa de transferência de renda para compreender se o tempo de exposição ao Progresa afeta o comportamento eleitoral do beneficiário. Ele foi implementado em resposta a um cenário de crise econômica no final da década de 1990 no México. Após a crise do peso de 1995, mais de 16 milhões de pessoas caíram abaixo da linha de pobreza no país. Naquela época, a maioria dos fundos disponíveis para combater a pobreza não chegava aos pobres. Na verdade, 75% do orçamento total para programas de alívio da pobreza foram canalizados para áreas urbanas, onde famílias não tão pobres capturaram a maior parte das transferências. Em resposta a esse contexto, a administração vigente lançou o Progresa em 1997, que depois viria a chamar-se Oportunidades. O programa consistia em três componentes complementares: (i) uma transferência de renda, destinada
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