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1 Júlia Morbeck – @med.morbeck Eritropoiese A fim de formar células sanguíneas, as células-tronco pluripotentes na medula óssea vermelha produzem mais dois tipos de células-tronco, que possuem a capacidade de se desenvolver em vários tipos celulares. Essas células-tronco são chamadas de células-tronco mieloides e células-tronco linfoides (TORTORA, 14ª ed.). As células-tronco mieloides começam o seu desenvolvimento na medula óssea vermelha e dão origem a hemácias, plaquetas, monócitos, neutrófilos, eosinófilos, basófilos e mastócitos (TORTORA, 14ª ed.). As células-tronco linfoides, que dão origem aos linfócitos, começam o seu desenvolvimento na medula óssea vermelha, porém o completam nos tecidos linfáticos. As células-tronco linfoides também originam as células natural killer (NK) (TORTORA, 14ª ed.). Durante a hemopoese, algumas das células-tronco mieloides se diferenciam em células progenitoras (TORTORA, 14ª ed.) Algumas células progenitoras são conhecidas como unidades formadoras de colônia (UFC). Depois da designação UFC vem a abreviação que indica os elementos maduros no sangue que vão produzir (TORTORA, 14ª ed.). A célula tronco comprometida produtora de hemácias é referida como unidade formadora de colônia de eritrócitos e a sigla CFU-E (colony-forming unit erythrocyte) é usada para designar esse tipo de célula-tronco. (GUYTON & HALL, 13ª ed.) A primeira célula que pode ser identificada como pertencente à linhagem vermelha é o proeritroblasto. Na presença de estimulação apropriada, grande número dessas células é formado por células- tronco CFU-E.. (GUYTON & HALL, 13ª ed.) Uma vez formado o proeritroblasto, ele se divide por diversas vezes, até por fim formar muitas hemácias maduras. As células da primeira geração são denominadas eritroblastos basófilos, por se corarem com substâncias básicas; nesse estágio, a célula só acumula pequena quantidade de hemoglobina. (GUYTON & HALL, 13ª ed.) Nas gerações sucessivas, as células ficam cheias com hemoglobina, na concentração de cerca de 34%; o núcleo se condensa até tamanho muito pequeno e seu resíduo final é absorvido ou excretado pela célula. Ao mesmo tempo, o retículo endoplasmático também é reabsorvido. A célula nesse estágio é designada reticulócito, por ainda conter pequena quantidade de material basofílico, consistindo em remanescentes do aparelho de Golgi, das mitocôndrias e de algumas outras organelas citoplasmáticas. Durante esse estágio de reticulócito, as células saem da medula óssea, entrando nos capilares sanguíneos por diapedese (modificando sua conformação para passar pelos poros das membranas capilares). (GUYTON & HALL, 13ª ed.) O material basófilo remanescente do reticulócito, normalmente, desaparece de 1 a 2 dias e, a partir daí, a célula passa a ser referida como hemácia madura. (GUYTON & HALL, 13ª ed.) OBS.: As hemácias vivem aproximadamente 120 dias devido ao desgaste que suas membranas plasmáticas sofrem ao atravessar os capilares sanguíneos. (TORTORA, 14ª ed.) Quando a membrana das hemácias fica frágil, a célula se rompe durante sua passagem por algum ponto estreito da circulação. Muitas das hemácias se autodestroem no baço, onde os espaços entre as trabéculas estruturais da polpa vermelha, pelos quais deve passar a maioria das hemácias medem apenas 3 micrômetros de largura, em comparação ao diâmetro de 8 micrômetros das hemácias. Quando o baço é removido, o número de hemácias anormais e de células senis circulantes no sangue aumenta consideravelmente. (GUYTON & HALL, 13ª ed.) As hemácias rompidas são removidas da circulação e destruídas por macrófagos fagocíticos presentes no baço e no fígado e os produtos da sua degradação são reciclados e usados em vários processos metabólicos, inclusive formação de novas hemácias. (TORTORA, 14ª ed.) Anemias ↠ A anemia é definida como diminuição da concentração de hemoglobina do sangue abaixo dos valores de referência para a idade e o sexo (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ Anemia é um termo que se aplica, ao mesmo tempo, a uma síndrome clínica e a um quadro laboratorial caracterizado por diminuição do hematócrito, da concentração de hemoglobina no sangue, ou da APG 18 – “SACO VAZIO NÃO PARA EM PÉ” 2 Júlia Morbeck – @med.morbeck concentração de hemácias por unidade de volume (ZAGO et. al., 2013). OBS.: A diminuição do número de eritrócitos - oligocitemia - não serve, por si só́, para definir o estado anêmico, embora com frequência esteja presente em quase toda anemia (LORENZI, 2006) A OMS define anemia em adultos como hemoglobina abaixo de 13,0 g/dL em homens e 12,0 g/dL em mulheres (HOFFBRAND; MOSS, 2018). CLASSIFICAÇÃO MORFOLÓGICA DAS ANEMIAS ↠ A classificação mais útil baseia-se nos índices hematimétricos e divide as anemias em microcíticas, normocíticas e macrocíticas (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ O critério morfológico não dá ideia da causa da anemia, mas do aspecto morfológico dos eritrócitos presentes na circulação. Segundo esse critério, as anemias podem ser classificadas em: (LORENZI, 2006): ➢ Macrocíticas: Caracterizadas pela presença de hemácias de grande volume e geralmente hipercrômicas. Algumas dessas anemias macrocíticas podem ser megaloblásticas. ➢ Microcíticas: Tem predomínio de hemácias de pequeno volume e pobres em hemoglobina ou hipocrômicas. Incluem-se aqui as anemias ferroprivas. ➢ Normocíticas: São geralmente normocrômicas. Estão incluídas neste grupo as anemias hemolíticas e as aplasias medulares ou anemia aplástica. • anemia verdadeira: caracterizada pela redução da massa eritrocitária, ou seja, do volume total de hemácias no organismo; • anemia relativa ou por diluição: quando há aumento do volume plasmático, sem correspondente aumento das hemácias. O exemplo mais comum de anemia relativa é a hemodiluição, que ocorre durante a gravidez. Excluídas as raras situações de hemodiluição, a queda da concentração de hemogloina reflete uma verdadeira redução da massa de eritrócitos. Os diferentes mecanismos conducentes à anemia podem ser agrupados em três causas básicas: (ZAGO et. al., 2013). ➢ perdas sanguíneas agudas (hemorragia aguda); ➢ menor produção de eritrócitos; ➢ diminuição da sobrevida dos eritrócitos. Anemias Carenciais ↠ As anemias carenciais são um grupo de anemias caracterizadas por apresentar carência de elementos fundamentais para a eritropoese: ferro, vitamina B12 ou folato (DUTRA; FIGUEIREDO, 2019). Anemia Ferropriva O FERRO NO ORGANISMO: O ferro faz parte do grupo heme, que integra numerosas proteínas do organismo, como citocromos, citocromo oxigenase, peroxidases, catalase, mioglobina e hemoglobina. Sendo um metal pesado, o ferro livre é quase insolúvel e bastante tóxico, e por isso durante todo o seu ciclo metabólico está sempre ligado a proteínas de transporte ou funcionais (ZAGO et. al., 2013). Mais de dois terços do conteúdo de ferro do organismo encontra-se incorporado à molécula de hemoglobina. Assim, a hemoglobina é a principal forma funcional de ferro no organismo e também seu principal depósito, e por isso a anemia é a manifestação clínica mais proeminente da carência de ferro. Aproximadamente 1 mL de concentrado de hemácias contém 1 mg de ferro (ZAGO et. al., 2013). Além da hemoglobina, o organismo armazena ferro em diferentes tecidos sob formas de ferritina e hemossiderina. A quantidade de ferro nos depósitos é muito variável (ZAGO et. al., 2013). A ferritina, proteína presente no citoplasma da maioria das células, tem importante papel na estocagem do ferro (estoca até 4.500 átomos de ferro) (ZAGO et. al., 2013). A outra forma de depósito de ferro no organismo é a hemossiderina, que corresponde a um agregado heterogêneo de ferro, componentes do lisossomo e outros produtos da digestão intracelular (ZAGO et. al., 2013). DIETA E ABSORÇÃO DE FERRO: Após atravessar o enterócito,o ferro chega ao plasma onde se liga à transferrina. A transferrina pode receber ferro dos enterócitos e dos depósitos, e pode liberá-lo para os depósitos, para os eritroblastos, para o músculo, para a síntese de 3 Júlia Morbeck – @med.morbeck mioglobina, ou para diferentes tecidos para a síntese de enzimas e citocromos (ZAGO et. al., 2013). A molécula de transferrina pode conter até dois átomos de ferro. Ela conduz e entrega ferro a tecidos que têm receptores de transferrina, principalmente os eritroblastos na medula óssea, que incorporam o ferro na hemoglobina (HOFFBRAND; MOSS, 2018). DEFINIÇÃO ↠ Na anemia ferropriva há um balanço negativo de ferro, isto é, a ingestão deste elemento é menor do que a necessidade do organismo (LORENZI, 2006) O ferro é armazenado na forma de ferritina e de hemossiderina. Nos homens, existem 600-1.200 mg de ferro estocado, enquanto nas mulheres esta reserva é inferior, de 100-400 mg (LORENZI, 2006) EPIDEMIOLOGIA ↠ A deficiência de Ferro (DF) é responsável por 75% de todos os casos de anemia (ZAGO et. al., 2013). ↠ Estima-se a prevalência de DF em até 45% das crianças até cinco anos de idade, e de até 50% nas mulheres em idade reprodutiva. Cerca de 500 milhões de mulheres e até de gestantes apresentam anemia por Deficiência de Ferro (DF) com resultados negativos na qualidade de vida, no feto e no lactente (ZAGO et. al., 2013). ↠ Tanto em países subdesenvolvidos quanto em países desenvolvidos a DF advém principalmente de desigualdades sociais. É muito mais prevalente em estratos sociais mais baixos, nos grupos de menor renda, e na população menos educada (ZAGO et. al., 2013). ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO ↠ A deficiência de ferro se instala por mecanismos diversos: (LORENZI, 2006) ➢ Aumento da necessidade; ➢ Excesso de perda (hemorragias); ➢ Má absorção do ferro da alimentação; ➢ ·Dieta deficiente de ferro. ↠ Em países desenvolvidos, a causa dominante é a perda crônica de sangue, sobretudo uterina e no trato gastrintestinal e a deficiência dietética raramente é a causa única ou predominante (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Meio litro de sangue total contém cerca de 250 mg de ferro, e, apesar do aumento da absorção de ferro alimentar na fase inicial da deficiência de ferro, um balanço negativo é comum na perda crônica de sangue (HOFFBRAND; MOSS, 2018). OBS.: São necessários cerca de 8 anos para um homem normal adulto desenvolver anemia ferropênica somente como resultado de dieta pobre ou defeito absortivo que resultem em absorção zero de ferro (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ Entre as causas citadas, as mais frequentes são relacionadas com o excesso de perda, podendo ser: (LORENZI, 2006). ➢ Perdas menstruais: menometrorragias (mioma, fibroma uterino). · ➢ Perdas digestivas: úlceras, câncer gastrointestinal, varizes esofágicas, parasitas (ancilostomíase), hemorroidas, divertículos. ➢ Perdas cutâneas: doenças descamativas de evolução crônica levam à perda de ferro pela pele. ➢ Outras perdas: epistaxes, hematúrias, hemossiderinúria. · ➢ Má absorção do ferro da dieta: gastrectomia, esteatorréia, trânsito intestinal rápido. O aumento das necessidades nos lactentes, na adolescência, na gestação, na lactação e nas mulheres nos anos em que menstruam é responsável pelo alto risco de anemia nesses grupos clínicos particulares (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Recém-nascidos têm um depósito de ferro derivado da destruição do excesso de eritrócitos (necessário na vida intrauterina), ainda maior no caso de clampeamento tardio do cordão umbilical. Contudo, passados 4 Júlia Morbeck – @med.morbeck 3 a 6 meses, há tendência a um balanço negativo de ferro devido ao rápido crescimento (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Na gestação, há maior necessidade de ferro pelo aumento da massa eritroide materna – que pode chegar a 35% –, pela transferência de 300 mg de ferro para o feto e pela perda de sangue no parto (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Mulheres em idade fértil apresentam maior frequência de anemia ferropriva que homens da mesma idade devido à perda menstrual, sendo que no período da peri-menopausa a frequência de anemia é ainda maior (DUTRA; FIGUEIREDO, 2019). Outro mecanismo etiopatogênico da anemia ferropriva parece ser a presença do Helicobacter pylori na mucosa gástrica. Essa bactéria, como outras, necessita do ferro para crescer (LORENZI, 2006). OBS.: Cada mL de sangue perdido resulta em redução de cerca de 0,5 mg de ferro (ZAGO et. al., 2013). OBS.: O ferro dietético consiste de ferro heme e não heme. Ferro heme estpresente em alimentos de origem animal e tem excelente biodisponibilidade para absorção intestinal; o ferro não heme é encontrado em produtos de origem vegetal e tem baixa biodisponibilidade. Assim, indivíduos que consomem produtos animais tem menor risco de desenvolvimento de anemia ferropriva que vegetarianos (ZAGO et. al., 2013). FISIOPATOLOGIA ↠ A anemia ferropriva se instala de modo lento e progressivo, desde que as perdas não sejam agudas e abundantes (LORENZI, 2006). ↠ Num primeiro estádio de depleção de ferro, os depósitos tendem a se esvaziar. Isto pode ser observado pela diminuição do ferro contido nos macrófagos medulares, bem como também pela redução da ferritina do plasma (LORENZI, 2006). ↠ Na tentativa de aumentar o ferro circulante, há aumento da absorção deste pela mucosa intestinal. Então, pode ser observada discreta elevação da concentração de transferrina plasmática (LORENZI, 2006). ↠ Progredindo a ingestão deficiente de ferro ou o excesso da perda, observamos queda do ferro plasmático e diminuição da saturação da transferrina e da ferritina. Instala-se a eritropoiese deficiente quando, ao final, ocorrem: (LORENZI, 2006). ➢ ·Ausência de ferro nos depósitos (medula óssea com macrófagos sem grãos de ferro); ➢ Grande aumento da transferrina livre; ➢ Grande diminuição da saturação da transferrina; ➢ Grande baixa da ferritina e do ferro livre no plasma; ➢ ·Ausência de sideroblastos na medula óssea; ➢ Aumento da protoporfirina nos eritrócitos; ➢ ·Instalação da microcitose e da hipocromia por diminuição da síntese de hemoglobina. OBS.: Há de se lembrar que a anemia ferropriva evolui de modo diferente, segundo a idade e o sexo, pois os depósitos de ferro variam conforme essas condições (LORENZI, 2006). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Os primeiros sintomas da ferropenia são aqueles encontrados nas anemias em geral e estão relacionados com a falta de oxigenação normal dos tecidos, especialmente do cérebro e do próprio coração (LORENZI, 2006). ↠ Dependendo do modo como se instala a anemia, mais ou menos lentamente, ocorre adaptação do organismo a essa deficiência, resultando em sintomas muito ou pouco intensos (LORENZI, 2006). ↠ Para compensar o déficit de oxigênio tecidual, o coração passa a trabalhar em ritmo mais acelerado, sobrevindo taquicardia (LORENZI, 2006). ↠ Além de fadiga fácil, palidez cutaneomucosa, tonturas, anorexia e de alterações tróficas da pele e anexos, que podem ocorrer em todo tipo de anemia, na ferropenia acentuada podem surgir sintomas mais ou menos típicos, a saber: (LORENZI, 2006). ➢ Glossite atrófica: acompanhada ou não de perversão de apetite, que se manifesta por geofagia, ou seja, vontade incontrolada de comer terra e barro, farináceos, gelo, papel etc. (Obs.: a ingestão compulsiva de substâncias estranhas é denominada “PICA” e se relaciona com a deficiência de ferro). ➢ Disfagia intensa (síndrome de Plummer-Vinson). · ➢ Amenorréia na mulher e diminuição da libido nos dois sexos. 5 Júlia Morbeck – @med.morbeck ➢ Baqueteamento digital e coiloníquia (unhas em forma de colher); ➢ Atrofia das papilas linguais; ➢ Estomatite angular. Estando associada alteração do desenvolvimento motor e cognitivo em crianças, redução da produtividadeno trabalho e problemas comportamentais, cognitivos e de aprendizado em adultos (ZAGO et. al., 2013). Em gestantes, aumenta o risco de prematuridade, baixo peso, sendo responsável por 18% das complicações no parto e morbidade materna (ZAGO et. al., 2013). DIAGNÓSTICO LABORATORIAL ↠ O hemograma é um teste rápido, barato e amplamente disponível no rastreio de anemia ferropriva, mas incapaz de detectar DF sem anemia (ZAGO et. al., 2013). ↠ À microscopia, observam-se eritrócitos hipocrômicos e microcíticos, com raras células-alvo e pecilócitos em forma de lápis. A contagem de reticulócitos é baixa em relação ao grau de anemia (HOFFBRAND; MOSS, 2018). OBS.: Quando a deficiência de ferro é associada à deficiência de folato ou de vitamina B12, surge um aspecto “dimórfico”, com dupla população de eritrócitos, uma macrocítica, outra microcítica e hipocrômica; a duplicidade pode corrigir, de forma recíproca, os índices hematimétricos e normalizá-los (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ Um aspecto dimórfico também é observado em pacientes com anemia ferropênica recentemente tratados com ferro, pela emergência de uma nova população de eritrócitos saturados de hemoglobina e de tamanho normal; um aspecto similar pode ser visto quando o paciente recebeu transfusão (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ A contagem de plaquetas, em geral, é levemente aumentada na deficiência de ferro, particularmente quando há hemorragia continuada (HOFFBRAND; MOSS, 2018). FERRO NA MEDULA ÓSSEA ↠ O exame da medula óssea para avaliar os depósitos de ferro não é feito rotineiramente, exceto em casos complexos. Na anemia ferropênica, há ausência de ferro depositado nos macrófagos e também nos eritroblastos em desenvolvimento (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ Os eritroblastos são pequenos e têm falhas no citoplasma (HOFFBRAND; MOSS, 2018). (a) Coiloníquia: unhas típicas em “colher”. (b) Queilose angular: fissura e ulceração no canto da boca. 6 Júlia Morbeck – @med.morbeck FERRO SÉRICO ↠ Ferro sérico é a fração do ferro corporal que circula primariamente ligado à transferrina e encontra-se reduzido na DF (ZAGO et. al., 2013). IMPORTANTE: Varia com o ritmo circadiano e a alimentação e por isso, a coleta de sangue para sua dosagem deve ter horário e jejum padronizados. Está também reduzido na presença de inflamação, não devendo, desta forma, ser utilizado isoladamente para avaliação de DF (ZAGO et. al., 2013). FERRITINA SÉRICA ↠ A dosagem da ferritina sérica está diretamente relacionada com a concentração de ferritina intracelular e, portanto, com o estoque corporal total. Deficiência de ferro é a única condição que gera ferritina sérica muito reduzida, o que torna a hipoferritinemia bastante específica deste diagnóstico (ZAGO et. al., 2013). OBS.: No entanto, valores normais ou elevados de ferritina não excluem a presença de DF pois a ferritina é uma proteína de fase aguda, tendo sua concentração sérica aumentada na presença de inflamação, infecção, doença hepática e malignidade, mesmo na presença de DF grave (ZAGO et. al., 2013). TRATAMENTO ↠ O tratamento da DF consiste na reposição oral ou venosa. No entanto, é mandatória a investigação da causa e sua pronta correção do contrário, a reposição é paliativa e tende a ser ineficaz no longo prazo (ZAGO et. al., 2013). Ferro por VIA ORAL ↠ A dose ideal para tratamento é de 180 a 200 mg de ferro elementar/dia para adultos e 1,5 a 2 mg de ferro elementar/dia para crianças dividida em 3 a 4 tomadas, preferencialmente com o estômago vazio, ou 30 minutos antes das principais refeições (ZAGO et. al., 2013). OBS.: A forma ferrosa é mais bem absorvida que a férrica (ZAGO et. al., 2013). ↠ O tratamento com ferro oral deve ser mantido durante um período suficiente para corrigir a anemia e repor os depósitos de ferro, o que geralmente significa pelo menos seis meses (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ A hemoglobina deve subir cerca de 2 g/dL a cada três semanas. Falta de resposta ao ferro por via oral tem várias causas possíveis e todas deverão ser consideradas antes da indicação de ferro por via parenteral (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ A prevalência de efeitos colaterais é de até 30%, notadamente do TGI: pirose e dor epigástrica, náuseas, vômitos, empachamento, dor abdominal em cólica, diarreia e obstipação (ZAGO et. al., 2013). FERRO POR VIA PARENTERAL ↠ A reposição parenteral de ferro é efetiva, cara, trabalhosa, não isenta de efeitos colaterais, e deve ser indicada em situações especiais (ZAGO et. al., 2013). A via intramuscular está associada à dor local, pigmentação irreversível da pele e linfonodomegalia (ZAGO et. al., 2013). A infusão venosa pode estar associada a irritação, dor e queimação do sítio de punção, náuseas, gosto metálico na boca, hipotensão e reação anafilactoide, sendo que o principal fator no aparecimento dessas reações é a velocidade de infusão (ZAGO et. al., 2013). ↠ A resposta hematológica ao ferro por via parenteral não é mais rápida que a resposta à dosagem adequada de ferro por via oral, mas os depósitos são refeitos com mais rapidez. (HOFFBRAND; MOSS, 2018). 7 Júlia Morbeck – @med.morbeck Anemia Megaloblástica VITAMINA B12: A vitamina B12 é sintetizada na natureza por microrganismos; os animais adquirem-na ingerindo alimentos de origem animal, pela produção interna das bactérias intestinais (o que não ocorre em seres humanos) ou pela ingestão de alimentos contaminados com bactérias (HOFFBRAND; MOSS, 2018). A vitamina consiste em um pequeno grupo de compostos, as cobalaminas, todas com a mesma estrutura básica, com um átomo de cobalto no centro de um anel corrina ligado a uma porção nucleotídica. A vitamina é encontrada em alimentos de origem animal, como fígado, carnes em geral, peixe e laticínios, mas não ocorre em frutas, cereais e verduras (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ABSORÇÃO: Uma dieta normal contém um grande excesso de B12 se comparada às necessidades diárias. A B12 é liberada das proteínas às quais vem ligada nos alimentos e se combina com a glicoproteína fator intrínseco (FI), sintetizada pelas células parietais gástricas (HOFFBRAND; MOSS, 2018). A vitamina B é absorvida no sangue portal, onde se liga à proteína plasmática transcobalamina (TC, também chamada de transcobalamina II), que entrega B12 à medula óssea e a outros tecidos. A deficiência de TC causa anemia megaloblástica, uma vez que a B12 não entra na medula óssea (e em outras células) a partir do plasma, porém o nível sérico de B12 na deficiência de TC é normal (HOFFBRAND; MOSS, 2018). FOLATO: O ácido fólico (pteroilglutâmico) é o composto-base de um grande grupo de compostos derivados, os folatos (HOFFBRAND; MOSS, 2018). IMPORTANTE: Esses dois nutrientes são muito importantes, pois atuam como coenzimas em reações que ocorrem na síntese de DNA. É, portanto, um distúrbio, ocasionado por uma alteração na síntese do DNA que se caracteriza por um estado em que a divisão celular se torna lenta, a despeito do crescimento citoplasmático. Esta anormalidade nada mais é do que uma assincronia da maturação do núcleo em relação ao citoplasma. As células se preparam para uma divisão que não ocorre, e, como resultado, acabam se tornando maiores (MONTEIRO et. al., 2019). DEFINIÇÃO ↠ As anemias megaloblásticas constituem um grupo de anemias em que os eritroblastos na medula óssea mostram uma anormalidade característica – atraso da maturação do núcleo em relação à do citoplasma (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ Resulta em hemácias aumentadas de tamanho (VCM > 100 fℓ), devido à maturação e divisão deficientes (PORTH, 10ª ed.). EPIDEMIOLOGIA ↠ As anemias resultantes de carências de vitamina B12 ou de folatos vão se tornando menos frequentes, em virtude da diminuição da ocorrência de carências nutricionais. No entanto, ainda são encontradasna prática médica, em especial entre grávidas de classes mais pobres, idosos e alcoólatras, na forma clássica da anemia perniciosa (ZAGO et. al., 2013). ↠ Atualmente, cerca de 5 a 20% dos adultos mais velhos apresentam deficiência de vitamina B12 por causa de má absorção (PORTH, 10ª ed.). ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO ↠ O defeito básico responsável por essa assincronia é a síntese defeituosa de DNA, geralmente causada por deficiência de vitamina B12 ou de folato. Com menor frequência, anomalias do metabolismo dessas vitaminas e outros defeitos na síntese do DNA podem causar aspecto hematológico idêntico (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ Resultam de uma disparidade entre a disponibilidade e a demanda. A anemia é o último estádio das deficiências nutricionais, surgindo quando as reservas orgânicas esgotaram-se em virtude do balanço negativo (ZAGO et. al., 2013). OBS.: No caso da vitamina B12, os depósitos são habitualmente suficientes para manter a eritropoese por dois a cinco anos após haver cessado a absorção, enquanto que as reservas de folatos são suficientes apenas para três ou quatro meses (ZAGO et. al., 2013). ↠ Genericamente, as causas de carências podem ser classificadas em: (ZAGO et. al., 2013). ➢ menor ingestão do nutriente; ➢ menor absorção intestinal; ➢ defeitos do transporte ou metabolismo; ➢ aumento da excreção ou das perdas; ➢ aumento das necessidades fisiológicas ou patológicas. CAUSAS DE CARÊNCIA DE VITAMINA B12 OU COBALAMINA ➢ Dieta: A vitamina B12 existe primariamente em alimentos de origem animal, não sendo encontrada em frutas e vegetais. As necessidades dirias são ínfimas (0,5-2 g/dia), e 8 Júlia Morbeck – @med.morbeck por isso a carência de vitamina B12 de origem alimentar é excepcional: somente ocorre em vegetarianos estritos após vários anos sem ingerir alimento de origem animal (ZAGO et. al., 2013). ➢ Absorção: A absorção de vitamina B12 ocorre predominantemente no íleo terminal e depende de uma glicoproteína produzida pelas células parietais da mucosa gástrica, denominada “Fator Intrínseco” (FI) (ZAGO et. al., 2013). ➢ Outras causas: A gastrectomia total leva à carência de vitamina B12, em um prazo em torno de cinco anos, se o paciente não receber suplementação da vitamina por via parenteral para manter o depósito (ZAGO et. al., 2013). CAUSAS DE CARÊNCIA DE FOLATOS A causa mais comum de carência de folatos é representada por dieta inadequada, por vezes associada a uma condição em que aumentam as necessidades diárias, habitualmente a gravidez ou o crescimento. De fato, a anemia megaloblástica da gravidez e a anemia megaloblástica do lactente são os dois tipos mais frequentes dessa deficiência. Outras causas comuns são alcoolismo, idade avançada, doenças intestinais associadas à má absorção, pobreza e desnutrição. Em geral, deficiências de folato são resultantes da associação de mais de um mecanismo (ZAGO et. al., 2013). ➢ Aumento das necessidades: A demanda de ácido fólico aumenta em pessoas com intensa proliferação celular e a síntese de DNA, tais como: portadores de dermatites crônicas exfoliativas, anemias hemolíticas crônicas, neoplasias, gravidez e nos dois primeiros anos de vida (ZAGO et. al., 2013). FISIOPATOLOGIA ↠ A hematopoese normal compreende intensa proliferação celular, que por sua vez implica a síntese de numerosas substâncias como DNA, RNA e proteínas; em especial, é necessário que a quantidade de DNA seja duplicada exatamente (ZAGO et. al., 2013). ↠ Tanto os folatos como a vitamina B12 são indispensáveis para a síntese da timidina, um dos nucleotídeos que compõem o DNA, e a carência de um deles tem como consequência menor síntese de DNA (ZAGO et. al., 2013). ↠ Os folatos participam dessa reação na forma de N5- N10-metilenotetraidrofolato, que cede um radical -CH3 (metil) à metilenotetraidrofolato (dUMP), transformando-a em timidinamonofosfato (dTMP) que, por sua vez, será incorporada ao DNA. A vitamina B12 participa indiretamente nesta reação, funcionando como coenzima da conversão de homocisteína em metionina, transformando simultaneamente o 5-metiltetraidrofolato em tetraidrofolato, a forma ativa de folato que participa da síntese de timidina (ZAGO et. al., 2013). ↠ Na ausência de vitamina B12, o folato vai se transformando em 5-metiltetraidrofolato, uma forma de transporte do folato, inútil para síntese da timidina e do DNA. A síntese inadequada de DNA tem como consequência modificações do ciclo celular, retardo da duplicação e defeitos no reparo do DNA (ZAGO et. al., 2013). ↠ Por outro lado, a síntese de RNA não está alterada, pois a timidina não é necessária para sua síntese; não há, portanto, redução da formação de proteínas citoplasmáticas e do crescimento celular (ZAGO et. al., 2013). ↠ Devido principalmente à lentidão da divisão celular na fase S do ciclo celular, há aumento do número de células com quantidade de DNA entre o diploide e o tetraploide. A maioria dessas células com lesões cromossômicas graves não é capaz de completar a divisão celular, sendo prematuramente destruídas na medula óssea (ZAGO et. al., 2013). ↠ O quadro morfológico do sangue periférico e da medula óssea é idêntico nas deficiências de folatos ou de vitamina B12: dissociação de maturação nucleo- citoplasmática, produzindo células de tamanho aumentado e com alterações morfológicas características (ZAGO et. al., 2013). 9 Júlia Morbeck – @med.morbeck IMPORTANTE: O tipo mais comum de carência de vitamina B12 é representado pela anemia perniciosa, doença de natureza provavelmente imunológica, em que ocorre atrofia e infamação crônica da mucosa gástrica (gastrite atrófica), levando à ausência concomitante de fator intrínseco e da secreção de ácido clorídrico, com consequente má absorção da vitamina B12 (ZAGO et. al., 2013). ↠ Anemia perniciosa é uma forma específica de anemia megaloblástica causada por gastrite atrófica e incapacidade de produção de fator intrínseco, o que resulta na incapacidade de absorção de vitamina B12. Acredita-se que a anemia perniciosa seja o resultado de uma destruição da mucosa gástrica mediada imunologicamente, possivelmente autoimune (PORTH, 10ª ed.). ↠ A gastrite atrófica crônica resultante se caracteriza por perda de células parietais e produção de anticorpos que interferem na ligação da vitamina B12 ao fator intrínseco (PORTH, 10ª ed.). O acometimento é maior no sexo feminino (1,6:1), com pico de ocorrência aos 60 anos, podendo haver doença autoimune associada, particularmente da tireoide (HOFFBRAND; MOSS, 2018). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↠ A principal manifestação clínica é a anemia; apesar de plaquetopenia e neutropenia ocorrerem com frequência, sangramento ou infecções secundárias à plaquetopenia são pouco comuns (ZAGO et. al., 2013). ↠ A deficiência da síntese de DNA afeta a divisão celular em outros tecidos em que há rápida multiplicação, em especial os epitélios do tubo digestivo, originando queixas de diarreia, glossite (ardência, dor e aparência vermelha da língua, “língua careca”), queilite e perda do apetite (ZAGO et. al., 2013). ↠ Pode ser encontrada discreta a moderada esplenomegalia (ZAGO et. al., 2013). ↠ Graus variados de palidez, com pele cor de limão (combinação de palidez com leve icterícia) são comuns (ZAGO et. al., 2013). 10 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ A deficiência de vitamina 12 determina ainda uma degeneração do cordão posterior da medula espinal, cuja base bioquímica seria a carência de S-adenosil-metionina resultante de menor suprimento de metionina, pelo bloqueio da mesma reação homocisteína-metionina discutida anteriormente. O quadro resultante, denominado “degeneração combinada subaguda da medula espinhal”, inclui sensações parestésicas dos pés (formigamento ou picada de agulhas),pernas e tronco, seguidas de distúrbios motores, principalmente dificuldades da marcha, redução da sensibilidade vibratória, comprometimento da sensibilidade postural, marcha atáxica, sinal de Romberg, e comprometimentos das sensibilidades termoalgésica e dolorosa “em bota” ou “em luva” (ZAGO et. al., 2013). ↠ A tríade de fraqueza, dor na língua e parestesias é clássica na deficiência de vitamina 12, mas os sintomas iniciais variam muito (ZAGO et. al., 2013). ↠ A deficiência de folatos não causa envolvimento do sistema nervoso, mas a deficiência durante a gravidez aumenta a incidência de defeitos de tubo neural em recém-nascidos (ZAGO et. al., 2013). ↠ A deficiência de folato ou de B12 na mãe predispõe a defeitos do tubo neural (DTN) no feto: anencefalia, espinha bífida ou encefalocele (HOFFBRAND; MOSS, 2018). As manifestações megaloblásticas das deficiências de vitamina B12 e de folatos são clinicamente indistinguíveis, a não ser pela história recente (ao redor de seis meses) na deficiência de folato e mais prolongada (três anos ou mais) na deficiência de vitamina B12 (ZAGO et. al., 2013). DIAGNÓSTICO ↠ A anemia é macrocítica (VCM > 98 fL e com frequência tão alto quanto 120-140 fL nos casos graves) e os macrócitos são ovais. Se houver concomitância de deficiência de ferro, o VCM pode ser normal (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ A contagem de reticulócitos é baixa, e as contagens de leucócitos e plaquetas podem estar moderadamente diminuídas, sobretudo em pacientes muito anêmicos (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ A medula óssea é, em geral, hipercelular, e os eritroblastos (megaloblastos) são grandes e mostram falta de maturação, mantendo aspecto de cromatina frouxa, primitiva, mas hemoglobinização normal (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ Há intensa hiperplasia da medula óssea, com acentuada hiperplasia da linhagem eritroide, que é composta por megaloblastos: eritroblastos mais volumosos que o normal, com núcleos com estrutura mais granular e menos condensada (ZAGO et. al., 2013). ↠ Dosagens de vitamina B12 e de folato séricos são rotineiras. A vitamina B12 sérica é baixa na anemia megaloblástica e na neuropatia causada por deficiência de B12. O folato sérico e o eritrocitário estão baixos na anemia megaloblástica causada por deficiência de folato (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ Na deficiência de B12, o folato sérico tende a aumentar, mas o eritrocitário diminui. Quando não há deficiência de B12, o folato eritrocitário é um guia mais preciso do status do folato tecidual do que o folato sérico (HOFFBRAND; MOSS, 2018). OBS.: A bilirrubina sérica não conjugada (bilirrubina indireta) e a desidrogenase láctica estão aumentadas, devido à destruição de células na medula óssea (hematopoese ineficaz) (HOFFBRAND; MOSS, 2018). 11 Júlia Morbeck – @med.morbeck TRATAMENTO ↠ A mais importante medida no tratamento dessas anemias consiste em identificar a causa e removê-la, se possível (ZAGO et. al., 2013). Anemias Hemolíticas Em geral os mecanismos conducentes à hemólise podem ser sintetizados em quatro grupos, embora a causa exata seja obscura ou incompletamente estabelecida em muitas anemias hemolíticas (ZAGO et. al., 2013). ➢ anormalidades da membrana das hemácias; ➢ anormalidades da hemoglobina; ➢ anormalidades das enzimas eritrocitárias; ➢ fatores extrínsecos as hemácias. ↠ As anemias hemolíticas compreendem um grupo de doenças em que a sobrevida das hemácias em circulação está acentuadamente reduzida e a medula óssea não é capaz de compensação mesmo aumentando sua produção (ZAGO et. al., 2013). OBS.: Nas anemias hemolíticas a medula óssea se mostra excepcionalmente hiperplásica (ZAGO et. al., 2013). ↠ A medula óssea normal do adulto, depois de expansão total, é capaz de produzir eritrócitos em ritmo até́ 6 a 8 vezes maior do que o normal, desde que seja “eficaz”. Isso causa acentuada reticulocitose. Esta hiper- regeneração reacional faz a anemia decorrente de hemólise só́ vir a ser notada quando a sobrevida eritrocitária for inferior a 30 dias (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ Quase todos os tipos de anemia hemolítica se distinguem pela existência de hemácias normocíticas e normocrômicas (PORTH, 10ª ed.). CLASSIFICAÇÃO ↠ As anemias hereditárias resultam de defeitos “intrínsecos” dos eritrócitos, ao passo que as adquiridas geralmente resultam de uma alteração “extracorpuscular” ou “ambiental” (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ Há dois mecanismos de destruição de eritrócitos na anemia hemolítica. Pode haver excesso de remoção de eritrócitos por macrófagos do sistema RE (hemólise extravascular) ou destruição direta na circulação (hemólise intravascular) (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ANEMIAS HEMOLÍTICAS HEREDITÁRIAS ESFEROCITOSE HEREDIRÁRIA ↠ A esferocitose hereditária (EH) é a anemia hemolítica hereditária mais comum em norte-europeus (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ A herança é autossômica dominante, com expressão variável; raramente, pode ser autossômica recessiva (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ A frequência da forma típica da doença na população geral é estimada em .1/2.000-5.000 nascimentos, mas as formas leves e portadores assintomáticos podem atingir 1% da população (ZAGO et. al., 2013). PATOGÊNESE: A EH é causada por defeitos nas proteínas envolvidas nas interações verticais entre o esqueleto e a bicamada lipídica da membrana dos eritrócitos. A medula óssea produz eritrócitos de forma bicôncava normal, mas eles perdem porções de membrana e ficam cada vez mais esféricos (perda de área da superfície em relação ao volume) à medida que circulam pelo baço e pelo resto do sistema RE. A perda de membrana pode ser causada por liberação de partes da bicamada lipídica que não estejam adequadamente sustentadas pelo esqueleto. Por fim, os eritrócitos tornam-se incapazes de passar pela circulação esplênica e morrem prematuramente (HOFFBRAND; MOSS, 2018). 12 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Os sinais clínicos variam, mas geralmente incluem anemia hemolítica leve, icterícia, esplenomegalia, cálculos biliares de bilirrubina. Pode advir uma crise aplásica potencialmente fatal quando a interrupção súbita da produção de hemácias (frequentemente por parvovírus B19) provoca uma rápida queda nos índices de hematócrito e níveis de hemoglobina (PORT, 10ª ed.). ACHADOS HEMATOLÓGICOS: Há reticulocitose, em geral de 5 a 20%. A distensão sanguínea mostra microesferócitos, densamente corados, com diâmetro menor que o dos eritrócitos normais (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ A doença é tratada, em geral, com esplenectomia para reduzir a destruição das hemácias. Podem ser necessárias transfusões de sangue durante uma crise (PORT, 10ª ed.). ANEMIA FALCIFORME ↠ O gene HbS é transmitido por herança recessiva e pode se manifestar como traço de células falciformes (i. e., heterozigoto com um gene HbS) ou anemia falciforme (i. e., com dois genes homozigotos HbS). A anemia falciforme afeta aproximadamente 100 mil indivíduos nos EUA (PORTH, 10ª ed.). ↠ A alteração molecular primária na anemia falciforme é representada pela substituição de uma única base no códon 6 do gene da globina ß, uma adenina (A) é substituída por uma timina (T) (GAG→GTC). Esta mutação resulta na substituição do resíduo glutamil na posição ß6 por um resíduo valil (ß6Glual) e tem como consequência final a polimerização das moléculas dessa hemoglobina anormal (HbS) quando desoxigenadas (ZAGO et. al., 2013). ↠ Os aspectos clínicos são de anemia hemolítica grave pontuada por crises (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Crises vasoclusivas ➢ Dolorosas: São as mais frequentes e podem ser esporádicas e imprevisíveis, ou precipitadas por fatores como infecção, acidose, desidratação e desoxigenação (p. ex., altitude, cirurgia, parto, estase circulatória, exposição ao frio, exercícioviolento). Infartos muito dolorosos ocorrem nos ossos (quadril, ombros e vértebras são comumente afetados). ➢ Viscerais: São causadas por deformação falciforme de eritrócitos e retenção de sangue em órgãos, quase sempre com grave exacerbação da anemia. A síndrome falcêmica torácica aguda é a causa mais comum de morte 13 Júlia Morbeck – @med.morbeck tanto em crianças como em adultos. O paciente apresenta-se com dispneia, queda de PO2, dor torácica e infiltrados pulmonares à radiografia de tórax. Trata-se com analgesia, oxigênio, exsanguinotransfusão e suporte ventilatório, se necessário. OBS.: A hiperbilirrubinemia proveniente da degradação dos produtos da hemoglobina muitas vezes leva a icterícia e à produção de cálculos de pigmentos na vesícula biliar (PORTH, 10ª ed.). . ↠ Atualmente não existe cura conhecida para a anemia falciforme. Portanto, as estratégias de tratamento devem se concentrar na prevenção de episódios de afoiçamento, manejo de sintomas e tratamento das complicações (PORTH, 10ª ed.). TALASSEMIAS ↠ Constituem um grupo heterogêneo de doenças genéticas que resultam de diminuição da velocidade de síntese de cadeias α ou β. A β-talassemia é mais comum na região do Mediterrâneo, e a α-talassemia, no Extremo Oriente (HOFFBRAND; MOSS, 2018). Clinicamente, as principais síndromes são: talassemia dependente de transfusão (talassemia maior), talassemia com anemia moderada, não dependente de transfusão (talassemia intermédia), devida a defeitos genéticos variados e o estado de portador de α ou β talassemia (talassemia menor) (HOFFBRAND; MOSS, 2018). SÍNDROMES α-TALASSÊMICAS: São causadas por deleções, mais raramente por mutações, de genes α-globínicos (HOFFBRAND; MOSS, 2018). SÍNDROMES β-TALASSÊMICAS (TALASSEMIA MAIOR): As lesões genéticas são, em sua maioria, mutações pontuais, em vez de deleções de genes. Essas mutações podem ocorrer dentro do complexo do próprio gene ou nas regiões promotoras ou amplificadoras. Certas mutações são particularmente frequentes em algumas comunidades, o que pode simplificar o diagnóstico pré- natal dirigido para a detecção de mutações no DNA fetal (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ A doença apresenta-se sob três formas clínicas: (ZAGO et. al., 2013). ➢ Talassemia maior: forma grave (que se denominava anemia de Cooley), dependente de transfusões, correspondente a homozigotos ou heterozigotos compostos. ➢ Talassemia intermediária: forma sintomática menos grave, com níveis de hemoglobina 8-10 g/dL, em geral não dependente de transfusão. ➢ Talassemia menor: heterozigotos clinicamente assintomáticos podem ser detectados por alterações laboratoriais. ↠ Anemia grave começa a ser notada 3 a 6 meses após o nascimento, quando deve ocorrer a mudança de produção de cadeia γ para β. A criança, em geral, passa a apresentar atraso no desenvolvimento, palidez progressiva e abdome inchado (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ Aumento do fígado e do baço ocorre como resultado da destruição excessiva de eritrócitos, de hematopoese extramedular e, posteriormente, da sobrecarga de ferro (HOFFBRAND; MOSS, 2018). 14 Júlia Morbeck – @med.morbeck ↠ Expansão dos ossos, causada pela intensa hiperplasia eritroide da medula óssea, leva a uma “fácies talassêmica” e ao adelgaçamento do córtex de muitos ossos, com tendência a fraturas e à formação de bossas no crânio, com aspecto radiológico de “fios de escova” (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ Há uma grave anemia microcítica e hipocrômica, com aumento da contagem de reticulócitos e com eritroblastos, células-alvo e pontilhado basófilo na distensão sanguínea (HOFFBRAND; MOSS, 2018). ↠ O tratamento pode ser realizado através de transplante de medula óssea, transfusões sanguíneas, esplenectomia (ZAGO et. al., 2013). ANEMIAS HEMOLÍTICAS ADQUIRIDAS ↠ Vários fatores adquiridos, exógenos às hemácias, produzem hemólise diretamente por destruição da membrana ou por lise celular mediada por anticorpos (PORTH, 10ª ed.). ↠ Diversos medicamentos, produtos químicos, toxinas, venenos e infecções como a malária destroem a membrana das hemácias (PORTH, 10ª ed.). ↠ A hemólise também pode ser causada por fatores mecânicos, como próteses valvares cardíacas, vasculite e queimaduras graves (PORTH, 10ª ed.). ↠ Muitos tipos de anemia hemolítica são mediados pelo sistema imunológico, causadas por anticorpos que destroem as hemácias. Podem ser produzidos autoanticorpos em resposta ao uso de determinadas substâncias ou a um processo patológico (PORTH, 10ª ed.). ↠ O teste direto de antiglobulina, também conhecido como teste de Coombs, é usado para diagnosticar anemias hemolíticas imunes. Detecta anticorpos ou proteínas do sistema complemento na superfície das hemácias. Nesse teste, hemácias lavadas e livres de soro são misturadas com um reagente de globulina anti- humana. Elas se aglutinam quando se ligam ao reagente e unem os anticorpos ou complemento nas hemácias adjacentes. O resultado TDA é positivo em casos de anemia hemolítica autoimune, eritroblastose fetal (doença do Rh do recém-nascido), reações transfusionais e hemólise induzida por substâncias. O teste indireto da 15 Júlia Morbeck – @med.morbeck antiglobulina detecta anticorpos no soro, e o resultado é positivo para anticorpos específicos (PORTH, 10ª ed.). Referências TORTORA, Gerard J. Princípios de anatomia e fisiologia / Gerard J. Tortora, Bryan Derrickson; tradução Ana Cavalcanti C. Botelho... [et al.]. – 14ª ed. – Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. GUYTON & HALL. Tratado de Fisiologia Médica, 13ª ed. Editora Elsevier Ltda., 2017 HOFFBRAND, A V.; MOSS, P. A H. Fundamentos em hematologia de Hoffbrand. Grupo A, 2018. E-book. LORENZI, T. F. Manual de Hematologia – Propedêutica e Clínica, 4ª edição. Grupo GEN, 2006. ZAGO et. al. Tratado de Hematologia São Paulo: Editora Atheneu, 2013. NORRIS, Tommie L. Porth – Fisiopatologia, 10ª edição. Grupo GEN, 2021. DUTRA; FIGUEIREDO. Anemias carenciais. Atualidades Médicas, v. 3, p. 39-47, 2019. MONTEIRO et. al. Anemia Megaloblástica: revisão de literatura. Revista Saúde em Foco, 2019. .
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