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MARIA CECÍLIA DE SOUZA MINAYO
O DESAFIO DO CONHECIMENTO
PESQUISA QUALITATIVA EM SAÚDE
OITAVA EDIÇÃO
EDITORA HUCITEC
São Paulo, 2004
SUMÁRIO
Introdução O DESAFIO DO CONHECIMENTO ..................................................... 9
Capítulo 1 INTRODUÇÃO À METODOLOGIA DE PESQUISA SOCIAL ......... 19
PRIMEIRA PARTE - CONCEITOS BÁSICOS ...................................................... 19
A ESPECIFICIDADE DA METODOLOGIA DA PESQUISA SOCIAL .................... 20
O CONCEITO DE METODOLOGIA .......................................................................... 22
QUANTITATIVO VERSUS QUALITATIVO, SUBJETIVO VERSUS OBJETIVO ... 23
O CONCEITO DE PESQUISA SOCIAL ..................................................................... 28
SEGUNDA PARTE - LINHAS DE PENSAMENTO ............................................... 37
O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO .............................................................................. 39
O funcionalismo .............................................................................................. 46
A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA ........................................................................... 50
O MARXISMO ............................................................................................................. 64
CONCLUSÕES ............................................................................................................. 86
Capítulo 2 FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA ........................................... 89
CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA OPERACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA .. 91
A DEFINIÇÃO DO OBJETO ....................................................................................... 96
CONSTRUÇÃO DOS INSTRUMENTOS DE PESQUISA ......................................... 99
EXPLORAÇÃO DO CAMPO .................................................................................... 101
Capítulo 3 FASE DE ANÁLISE OU TRATAMENTO DO MATERIAL ............ 105
A ENTREVISTA ......................................................................................................... 107
a) A palavra como símbolo de comunicação por excelência ....................................... 109
b) A interação entre o pesquisador e os atores sociais no campo ................................ 113
c) A Entrevista Não-Estruturada .................................................................................. 120
c.1 – Introdução do entrevistador no campo ................................................. 124
A História de Vida ........................................................................... 126
Discussão de Grupo ........................................................................ 129
c.2 – O conteúdo e a situação de entrevista ................................................... 130
c.3 – Sobre o uso das entrevistas não-estruturadas ........................................ 
132
A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE ......................................................................... 134
a) O Debate Teórico em torno da Observação Participante ...................................... 136
b) Saúde/Doença como Tema de Observação ............................................................. 156
CONCEITO DE REPRESENTAÇÕE SOCIAIS ........................................................ 158
Conclusões ................................................................................................................... 173
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE/DOENÇA ........................................... 175
a) Saúde/Doença como Expressão Social e Individual ............................................... 175
b) Saúde/Doença como Expressão de Contradições Sociais ...................................... 179
c) As Representações da SAÚDE como campo de luta política................................... 191
CONCLUSÕES ........................................................................................................... 193
Capítulo 4 FASE DE TRABALHO DE CAMPO ................................................. 197
ANÁLISE DE CONTEÚDO ....................................................................................... 199
Técnicas de Análise de Conteúdo .................................................................. 204
I – Análise da Expressão ................................................................. 204
II – Análise das Relações ................................................................ 204
III – Análise de Avaliação ou Representacional ............................. 205
IV – Análise da Enunciação ............................................................ 206
V – Análise Temática ...................................................................... 209
ANÁLISE DO DISCURSO ......................................................................................... 211
A HERMENÊUTICA-DIALÉTICA ........................................................................... 218
CONCLUSÕES: UMA PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO .................................. 228
ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE A QUESTÃO DA VALIDADE E DA 
VERIFICAÇÃO .......................................................................................................... 238
Conclusão .................................................................................................................... 249
Bibliografia .................................................................................................................. 255
Referência Bibliografia (ABNT): 
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa 
em saúde. 8. ed. São Paulo: HUCITEC, 2004.
Realização C2A1P
9
INTRODUÇÃO
O DESAFIO DO CONHECIMENTO
“A última coisa que se encontra ao fazer uma obra é o que se deve colocar em 
primeiro lugar” (Pascal, Pensée, frase n.° 19) pois “sendo então todas as coisas 
causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, mediata e imediatamente, e todas 
se relacionando por um vínculo natural e insensível que liga as mais afastadas e 
mais diferentes, creio ser tão impossível conhecer o todo, sem conhecer 
particularmente as partes” (Pascal, Pensée, frase n.° 73).
É DENTRO da dialética tão bem expressa por Pascal e citada em epígrafe que se 
introduz o presente trabalho, uma proposta teórico-metodológica para abordagem 
qualitativa das relações sociais que informam o campo da Saúde. Embora pouco a 
pouco a problemática vá se desdobrando, este estudo se organiza dentro de alguns 
pontos fundamentais que perpassam o conjunto das questões tratadas, quais sejam, a 
natureza do social; as relações entre indivíduo e sociedade; entre ação, estrutura e 
significados; entre sujeito e objeto; entre fato e valor; entre realidade e ideologia e a 
possibilidade do conhecimento, visto sob o prisma de algumas correntes sociológicas.
Por constituir um trabalho de metodologia, é sob esse ângulo que a problemática 
citada toma corpo e se explicita nos diferentes níveis de abordagem da realidade, 
atingindo a discussão dos métodos e técnicas de pesquisa. A partir desse ponto de vista 
tenta-se introduzir alguns eixos de reflexão, explicitando o caminho seguido pelo 
presente estudo. Toda a problemática aqui abordada tem como espaço privilegiado de 
interrogação a prática da pesquisa, que se busca
10
referenciar como atividade fundamental na produção do conhecimento.
Na verdade este estudo se constitui numa problematização de conceitos 
usualmente empregados para a construção do conhecimento e numa teorização sobre a 
prática de pesquisa, entendendo-se que nem a teoria e nem a prática são isentas de 
interesse, de preconceitos e de incursões subjetivas. Conforme adverte Bourdieu, “a 
teoria da prática que aparece como condição de uma ciência rigorosa das práticas, não é 
menos teórica” (1972, 157); o privilégio presente em toda atividade teórica supõe um 
corte epistemológico e um corte social e ambos governam sutilmente essa realidade 
(1972, 158), portanto, qualquer investigadordeve colocar em questão os pressupostos 
inerentes a sua qualidade de observador externo que tende a importar para o objeto os 
princípios de sua relação com a realidade, incluindo-se aí suas relevâncias (1972, 160). 
Dentro desse espírito, tenta-se trabalhar o conceito de Metodologia, fugindo de um lado, 
daquelas abordagens apenas teóricas que não chegam a enfrentar a prática de pesquisa; 
de outro, daquelas concepções que consideram o labor da investigação como uma 
tecnologia neutra, isenta, a ser dominada e aplicada indistintamente e independente dos 
pressupostos teóricos que a sustentam.
O objeto principal de discussão são as Metodologias de Pesquisa Qualitativa 
entendidas como aquelas capazes de incorporar a questão do SIGNIFICADO e da 
INTENCIONALIDADE como inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais, 
sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como 
construções humanas significativas.
A introdução dessa definição insere conseqüências teóricas e práticas na 
abordagem social. A primeira delas é uma interrogação sobre a possibilidade de se 
considerar científico ou não um trabalho de investigação, que ao levar em conta os 
níveis mais profundos das relações sociais, não pode operacionalizá-los em números e 
variáveis, critérios usualmente aceitos para emitir juízo de verdade no campo 
intelectual. Ora, essa questão remete às próprias entranhas do positivismo sociológico 
que apenas reconhece como ciência a atividade “objetiva”, capaz de traçar as leis que 
regem os fenômenos, menosprezando os aspectos chamados “subjetivos”, impossíveis 
de serem
11
sintetizados em dados estatísticos. No entanto, o próprio positivismo tenta trabalhar a 
“qualidade do social” seja buscando substantivá-lo em variáveis, seja, através do 
estrutural-funcionalismo, focalizando os produtos da interação social como 
componentes funcionais da realidade, e tratando-os como entidades passíveis de estudo, 
independentemente de sua constituição pelos indivíduos.
Em oposição ao Positivismo, a pergunta sobre o qualitativo é respondida de 
forma diferente pela Sociologia Compreensiva, que, como o próprio nome indica, 
coloca como tarefa das Ciências Sociais a compreensão da realidade humana vivida 
socialmente e totalmente diversa do mundo das ciências naturais. Em suas diferentes 
manifestações como a Fenomenologia, a Etnometodologia, o Interacionismo Simbólico, 
o SIGNIFICADO é o conceito central para a análise sociológica. Numa oposição frontal 
ao positivismo, a sociologia compreensiva propõe a subjetividade como fundante do 
sentido e defende-a como constitutiva do social e inerente ao entendimento objetivo. 
Essa corrente não se preocupa em quantificar, mas de lograr explicar os meandros da 
atividade humana criadora, afetiva e racional, que pode ser apreendida através do 
cotidiano, da vivência, e da explicação do senso comum. Os problemas da corrente 
compreensiva se encontram na atomização da realidade na análise dos grupos sociais 
como uma totalidade nela mesma, e na ausência quase total de discussões referentes a 
problemas estruturais. Sua concentração nos significados é absoluta, levando-as a 
menosprezar a base material do universo simbólico.
Fazendo uma questão qualitativa, superior ao positivismo e às abordagens 
compreensivistas, a dialética marxista abarca não somente o sistema de relações que 
constrói o modo de conhecimento exterior ao sujeito, mas também as representações 
sociais que constituem a vivência das relações objetivas pelos atores sociais, que lhe 
atribuem significados. Frente à problemática da quantidade e da qualidade a dialética 
assume que a qualidade dos fatos e das relações sociais são suas propriedades inerentes, 
e que quantidade e qualidade são inseparáveis e interdependentes, ensejando-se assim a 
dissolução das dicotomias quantitativo/qualitativo, macro/micro, interioridade e 
exterioridade com que se debatem as
12
diversas correntes sociológicas. Com relação aos significados, a análise dialética os 
considera como parte integrante da totalidade que deve ser estudada tanto ao nível das 
representações sociais como das determinações essenciais. Sob esse enfoque, não se 
compreende a ação humana independente do significado que lhe é atribuído pelo autor, 
mas também não se identifica essa ação com a interpretação que o ator social lhe atribui. 
Portanto, em relação à abordagem qualitativa, o método dialético, como diz Sartre, 
“recusa-se a reduzir. Ele ultrapassa conservando” (1978, 177). Demonstra sua 
superioridade precisamente pela capacidade de incorporar as “verdades parciais” das 
outras correntes, criticando e negando suas limitações. Percebe a relação inseparável 
entre mundo natural e social; entre pensamento e base material; entre objeto e suas 
questões; entre a ação do homem como sujeito histórico e as determinações que a 
condicionam. Os princípios de especificidade histórica e da totalidade lhe conferem 
potencialidade, para, do ponto de vista metodológico, apreender e analisar os 
acontecimentos, as relações e cada momento como etapa de um processo, como parte de 
um todo. Os critérios de complexidade e de diferenciação lhe permitem trabalhar o 
caráter de antagonismo, de conflito e de colaboração entre grupos sociais, e, no interior 
de cada um deles, e pensar suas relações como múltiplos em seus próprios ângulos, 
intercondicionadas em seu movimento e desenvolvimento interior e interagindo com 
outros fenômenos ou grupos de fenômenos. 
A abordagem dialética porém está pouco desenvolvida, particularmente no que 
concerne ao ponto de partida das representações sociais. Isso leva a que os estudos 
substantivos realizados a partir dessa perspectiva sejam um desafio que enfrenta o 
pesquisador, pois exige dele uma superação dos instrumentos de pesquisa usualmente 
empregados pela correntes compreensivistas ou funcionalistas, e a inclusão dos 
SIGNIFICADOS na totalidade histórico-estrutural.
A discussão crítica do conceito de “Metodologias Qualitativas” nos induz a 
pensá-las não como uma alternativa ideológica às abordagens quantitativas, mas a 
aprofundar o caráter do social e as dificuldades de construção do conhecimento que o 
apreendem de forma parcial e inacabada. As diferentes teorias que abrangem (cada uma 
delas) aspectos particulares e relegam outros, nos revelam o 
13
inevitável imbricamento entre conhecimento e o interesse, entre condições históricas e 
avanço das ciências, entre identidade do pesquisador e seu objeto, e a necessidade 
indiscutível da crítica interna e externa na objetivação do saber. O próprio termo 
“Metodologias Qualitativas” consagra uma imprecisão, uma dificuldade histórica das 
teorias de se posicionar frente à especificidade do social. Ele supõe uma afirmação da 
qualidade contra a quantidade, refletindo uma luta teórica entre o positivismo e as 
correntes compreensivistas em relação à apreensão dos significados. Se entendermos a 
interdependência e a inseparabilidade entre os aspectos quantificáveis e a vivência 
significativa da realidade objetiva no cotidiano, veremos a referida dominação como 
redundante e mesmo parcial. A noção de Metodologia de Pesquisa Social – não fossem 
as conotações historicamente mediadas do primeiro termo – seria suficiente para 
qualificar o campo de abordagem das relações sociais, abrangente de seus aspectos 
estruturais e da visão que os atores sociais projetam dessas relações.
Trazendo o debate do “qualitativo” para o campo da Saúde, presencia-se o 
eclodir de questões semelhantes às do âmbito maior das Ciências Sociais. Isso se deve 
ao fato, em primeiro lugar, de que a saúde não insitui nem uma disciplina nem um 
campo separado das outras instânciasda realidade social. Por isso, tanto no que 
concerne à problemática teórica quanto à metodológica ela está submetida às mesmas 
vicissitudes, avanços, recuos, interrogações e perspectivas da totalidade sociológica da 
qual faz parte (Apezechea: 1985, 461-472). A sua especificidade é dada pelas suas 
inflexões sócio-econômicas, políticas e ideológicas relacionadas ao saber teórico e 
prático sobre saúde e doença, sobre a instituicionalização, a organização, administração 
e avaliação dos serviços e clientelas dos sistemas de Saúde. Dentro desse caráter 
peculiar está sua abrangência multidisciplinar e estratégica. Isto é, o reconhecimento de 
que o campo da Saúde se refere a uma realidade complexa que demanda conhecimentos 
distintos integrados e que coloca de forma imediata o problema da intervenção. Nesse 
sentido, ele requer como essencial uma abordagem dialética que compreende para 
transformar e cuja teoria, desafiada pela prática, a repense permanentemente.
O reconhecimento da especificidade do setor saúde não retira
14
porém, sua cumplicidade com a problemática social mais ampla, seja no campo da 
realidade empírica (pois a questão da saúde envolve o conjunto das relações sociais 
vivenciadas nas áreas da produção e das condições de produção), seja no âmbito 
conceitual, onde o específico está atravessando por distintas posições face às 
possibilidade de organização da vida social. Teoricamente isso significa dificuldades de 
aproximação do objeto, de vencer dicotomias analíticas, de se mover no terreno da 
totalidade das dimensões que o fenômenos saúde/doença revela e oculta. Creio que a 
cristalização dessa limitações está na própria conceituação de termos como “Saúde 
Pública” ou “Saúde Coletiva”. O primeiro, consagra uma dimensão reducionista de 
direção e de intervenção do Estado numa área social mais ampla e complexa do que a 
definida pelas práticas sanitárias oficiais. O segundo termo é também ambíguo e 
inespecífico. Donnangelo (1983, 19-24) e Merhy (1985, 21) detectam a imprecisão do 
adjetivo “coletivo” para conceituar o campo da saúde, por causa da ampla conotação 
que comporta e pela relação de exterioridade que estabelece frente ao objeto.
Essa ambigüidade se torna muito presente em Teixeira (1985, 87-109) quando a 
autora considera “Saúde Coletiva” como um conceito operacional próprio de aplicação 
das Ciências Sociais à Saúde para analisar os “corpos sociais” (classes, grupos e 
relações) em suas relações histórico-estruturais. Sem entrar no mérito do reducionismo 
que aí se processa em relação à abrangência do social e em relação à delimitação do 
espaço da saúde/doença no “corpo” ainda que “corpo social”, tenta-se realizar, neste 
estudo, uma ampliação do conceito sociológico de saúde que abranja a totalidade das 
relações que contêm e se expressam no cultural, lembrando com Boltanski que:
Os determinismos sociais não informam jamais o corpo de maneira imediata, 
através de uma ação que se exercia diretamente sobre a ordem biológica sem a 
mediação do cultural que os retraduz e os transforma em regras, em obrigações, 
em proibições, em repulsas ou desejos, em gostos e aversões (1979, 119).
15
Tal como é pensado neste trabalho, o conceito sociológico de Saúde retém ao 
mesmo tempo suas dimensões estruturais e políticas e contém os aspectos histórico-
culturais de sua realização. Como qualquer tema abrangente do cultural, a saúde só pode 
ser entendida dentro de uma sociologia de classe. Porém dentro de uma sociologia de 
classe que: (a) possua instrumentos para perceber o caráter de abrangência das visões 
dominantes (pois as classes se encontram entre si, no seio de uma soicedade em relação 
e com problemas de aculturação recíproca); (b) perceba também a especificidade dos 
sistemas culturais e de subculturas dominadas em suas relações contraditórias com a 
dominação; (c) defina a origem e a historicidade das classes na estrutura do modo de 
produção; (d) conceba sua realização tanto nos espaços formais da economia e da 
política como nas matrizes essenciais da cultura como a família, a vizinhança, os grupos 
etários, os grupos de lazer etc., considerando como espaços inclusivos de conflitos, 
contradições, subordinação e resistência tanto as unidades de trabalho como o bairro, o 
sindicato como a casa, a consciência como o sexo, a política como a religião. 
Introduzindo a cultura na definição do conceito de Saúde demarca-se um espaçamento 
radical: ela amplia e contém as articulações da realidade social. Pensada assim, cultura 
não é um lugar subjetivo, ela abrange uma objetividade com a espessura que tem a vida, 
por onde passa o lócus onde se articulam os conflitos e as concessões, as tradições e as 
mudanças e onde tudo ganha sentido, ou sentidos, uma vez que nunca há apenas um 
significado. 
A saúde enquanto questão humana e existencial é uma problemática 
compartilhada indistintamente por todos os segmentos sociais. Porém as condições de 
vida e de trabalho qualificam de forma diferenciada a maneira pela qual as classes e 
seus segmentos pensam, sentem e agem a respeito dela. Isso implica que, para todos os 
grupos, ainda que de forma específica e peculiar, a saúde e a doença envolvem uma 
complexa interação entre os aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais da 
condição humana e de atribuição de significados. Pois a saúde e doença exprimem agora 
e sempre uma relação que perpassa o corpo individual e social, confrontando com as 
turbulências do ser humano enquanto ser total. Saúde e doença são fenômenos
16
clínicos e sociológicos vividos culturalmente, porque as formas como a sociedade os 
experimenta, cristalizam e simbolizam as maneiras pelas quais ela enfrenta seu medo da 
morte e exorciza seus fantasmas. Neste sentido saúde/doença importam tanto por seus 
efeitos nos corpo como pelas suas repercussões no imaginário: ambos são reais em suas 
conseqüências. Portanto, incluindo os dados operacionalizáveis e junto com o 
conhecimento técnico, qualquer ação de tratamento, de prevenção ou de planejamento 
deveria estar atenta aos valores, atitudes e crenças dos grupos a quem a ação se dirige. É 
preciso entender que, ao ampliar suas bases conceituais, as ciências sociais da saúde não 
se tornam menos “científicas”, pelo contrário, elas se aproximam com maior 
luminosidade dos contornos reais dos fenômenos que abarcam.
De qualquer forma, a abordagem social da saúde, do ponto de vista cultural e 
qualitativo, não constitui uma ideologia e não institui uma posição unívoca. 
Historicamente ela é perpassada também pelo debate teórico das ciências sociais como 
já se repetiu. O estrutural-funcionalismo tem marcado a linha de conhecimento dos 
grupos étnicos e sociais a partir da antropologia, sobretudo vinculado à “medicina 
tropical” e como subsídios às “ciências da conduta (Nunes: 1985, 31-33; Estrella: 1985, 
164-169; Agudelo: 1985, 203-233). Seu arraigamento no campo da saúde, evidencia, 
entre outros problemas, o fato de que as próprias bases do funcionalismo se espelham 
no modelo biológico como metáfora da sociedade. Processa-se aí um efeito circular em 
que a biologia oferece seu referencial à sociologia que por sua vez lhe proporciona 
subsídios à compreensão dos aspectos culturais da saúde/doença. É difícil a travessia do 
espelho!
Das abordagens qualitativas, a fenomenologia é a que tem tido maior relevância 
na área da saúde. As análises fundamentadas em seus pressupostos têm desvendado as 
concepções de saúde/doença como culturalmente específica, a arbitrariedade do Estado 
na imposição de padrões culturais, a relatividade da verdade da medicina, o caráter 
reprodutor das instituições médicas, a dominação da ética médica, advogando uma nova 
filosofia da medicina. Proposições da política de atenção primária, de autocuidadeo,revalorização da medicina tradicional, de participação comunitária, e de certos grupos 
de 
17
investigação/ação e de pesquisa participante convergem influências fenomenológicas 
(Nunes: 1985, 31-70; Garcia: 1983, 119-131).
As aproximações dialéticas que partem do ponto de vista dos sujeitos sociais 
sobre o processo saúde/doença e abrangem as relações que perpassam sua política e 
institucionalização, são muito poucas. Trata-se hoje de uma exigência criativa que 
contemple ou ultrapasse as análises macroeconômicas e histórico-estruturais do setor.
É dentro desse esforço de ampliar o debate teórico/metodológico no campo da 
saúde, sob o enfoque dialético, que coloco este trabalho. Em nenhum momento ele se 
pretende acabado ou magistral. Almeja ser apenas uma centelha a mais no caminho de 
buscas de investigação e de integração, num setor tão complexo e essencialmente 
multidisciplinar.
O presente estudo desdobra-se num conjunto de quatro capítulos, onde, 
abordando questões metodológicas específicas, tenta-se refletir sobre o caráter 
aproximativo das Ciências Sociais, a lógica interna peculiar da Pesquisa Social e 
mormente das abordagens qualitativas, e os aspectos mediadores da tecnologia em 
relação às teorias e às práticas. Considera-se o Ciclo da Pesquisa como um processo de 
trabalho que dialeticamente termina num produto provisório e recomeça nas 
interrogações lançadas pela análise final. As páginas seguintes são a explicitação desse 
esforço através da reflexão e da crítica de conceitos, e da proposta de um caminho de 
pensamento.
No primeiro capítulo são apresentados pressupostos e especificidades próprias 
ao campo metodológico, ou seja, os conceitos de Metodologia, de Pesquisa Social, de 
Pesquisa Estratégica, de Qualitativo e de Quantitativo. Em seguida há um resumo dos 
traços gerais das principais linhas de pensamento sociológico e suas implicações no 
campo da saúde. Trata-se de um temário introdutório ao trabalho de investigação.
No segundo capítulo processa-se uma reflexão sobre a Frase Exploratória da 
Pesquisa cuja importância fundamental é exorcizar o empirismo das abordagens sociais. 
Estão aí discutidos os conceitos básicos de um marco teórico, a problemática de 
definição do objeto, a construção dos instrumentos de abordagem empírica, a 
amostragem na investigação qualitativa e a aproximação do campo. 
18
Em seguida, no terceiro capítulo, aborda-se o momento do Trabalho de Campo, 
ou seja, a técnica e a problematização dos conceitos de Observação Participante, de 
Entrevista, de Representação Social e de Representação social de Saúde e Doença.
Por fim, no quarto capítulo estão expostas as modalidades mais freqüentes de 
Tratamento do Material Qualitativo, isto é, os conceitos de Análise do Conteúdo, de 
Análise do Discurso e de Análise Hermenêutica-Dialética. Termina-se com uma 
proposta prática de análise, buscando-se sintetizar e ultrapassar as modalidades usuais 
de abordagem.
O Ciclo completo projeta a investigação como um processo com etapas e 
atividades específicas em cada fase, que podem ser delimitadas em cronograma; e ao 
mesmo tempo como um movimento permanente de integração das partes no todo e de 
sucessivo recomeçar. Ele veicula a idéia de um trabalho que tem dinâmica própria em 
busca da objetivação do conhecimento, mas também uma busca inacabada que se 
reinicia cada vez que apresenta um produto “provisório”, integrando a historicidade do 
processo social e da construção teórica.
Esse senso de relatividade e de utopia é o que une este trabalho a todos os 
esforços daqueles que buscam uma “ciência mais científica” no campo da saúde: a 
partilha da idéia de que o conhecimento é um processo infinito e não há condição de 
fechá-lo numa fase final, assim como não se pode prever o final do processo histórico; 
embora o projetemos como politicamente democrático e socialmente igualitário para ser 
ecologicamente saudável.
19
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO À METODOLOGIA DE PESQUISA SOCIAL
PRIMEIRA PARTE
CONCEITOS BÁSICOS
Este capítulo tem um objetivo introdutório. Visa a conceituar alguns termos que 
constituem o objetivo a ser perseguido durante todo o trabalho. Pretende também 
problematizar a abordagem da pesquisa social.
Divide-se em duas partes que se complementam e que serão tratadas 
progressivamente no decorrer deste estudo.
Na primeira etapa tratamos da especificidade da metodologia das ciências 
sociais, definimos o conceito de metodologia, de pesquisa e também introduzimos a 
polêmica que se instaura no meio científico entre o método quantitativo e o método 
qualitativo.
O esforço inicial de conceituação, dentro da dinâmica que estabelecemos durante 
todo o processo de estudo, é ao mesmo tempo uma problematização que reflete as várias 
correntes de pensamento no interior das ciências sociais. Refere-se às múltiplas 
possibilidades de abordagem metodológica e seus pressupostos. As correntes de 
pensamento têm sua história, veiculam uma visão de mundo e têm a ver com a realidade 
social complexa onde foram geradas e que elas tentam expressar.
No campo da saúde, considerada esta como um fenômeno social de alta 
significação, o positivismo, a fenomenologia e a dialética marxista são as principais 
tendências de interpretação.
Elas representam não apenas diferentes possibilidades de análise, mas uma luta
20
Ideológica que, por sua vez, tem a ver com a luta política mais ampla na sociedade.
A ESPECIFICIDADE DA METODOLOGIA DA PESQUISA SOCIAL
Entrar no campo da Metodologia da Pesquisa Social é penetrar num mundo 
polêmico onde há questões não resolvidas e onde o debate tem sido perene e não 
conclusivo.
O primeiro tema mais problemático e o da diferença ou não entre os métodos 
específicos das ciências sociais e das ciências físico-naturais e biológicas. Temos que 
começar enfrentando a questão, ainda que não tenhamos respostas definitivas. E o 
fazemos salientando alguns pontos que distinguem as Ciências Sociais e as tornam 
específicas, já assinalados por Demo (1981).
O primeiro deles é o fato inconteste de que o objeto das Ciências Sociais é 
histórico. Significa que as sociedades humanas existem num determinando espaço, num 
determinado tempo, que os grupos sociais que as constituem são mutáveis e que tudo, 
instituições, leis, visões de mundo são provisórios, passageiros, estão em constante 
dinamismo e potencialmente tudo está para ser transformado.
Como conseqüência do primeiro princípio, podemos dizer que nosso objeto 
possui consciência histórica. Goldmann (1980, 17-104) nos introduz ao conceito de 
consciência possível e de consciência real, conceitos que podem nos ajudar a entender a 
especificidade das ciências sociais. De acordo com o desenvolvimento das forças 
produtivas, com a organização particular da sociedade e de sua dinâmica interna, 
desenvolvem-se visões de mundo determinadas que nem os grupos sociais e nem os 
filósofos e pensadores conseguem superar. Alguns grupos sociais e alguns pensadores 
logram sair do nível de “senso comum” dado pela ideologia dominante, mas, mesmo 
assim, seu conhecimento é relativo e nunca ultrapassa os limites das relações sociais de 
produção concretas que existem na sua sociedade. O pensamento e a consciência são 
fruto da necessidade, eles não são um ato ou entidade, são um processo que tem como 
base o próprio processo histórico.
Desta forma as Ciências Sociais, enquanto consciência possível, estão 
submetidas às grandes questões de nossa época e têm seus 
21
limites dados pela realidade do desenvolvimento social. Portanto, tanto os indivíduos 
como os grupos e também os pesquisadores são dialeticamente autores e frutos de seu 
tempo histórico.
Uma terceira característica das Ciências Sociais é a identidadeentre o sujeito e o 
objeto da investigação. Elas investigam seres humanos que, embora sejam muito 
diferentes por razões culturais, de classe, de faixa etária ou por qualquer outro motivo, 
têm um substrato comum que os tornam solidariamente imbricados e comprometidos.
Outro aspecto distintivo das Ciências Sociais é o fato de que ela é intrínseca e 
extrinsecamente ideológica. Ninguém hoje ousaria negar as evidências de que toda 
ciência é comprometida. Ela veicula interesses e visões de mundo historicamente 
construídas e se submete e resiste aos limites dados pelos esquemas de dominação 
vigentes. Mas as ciências físicas e biológicas participam de forma diferente do 
comprometimento social, pois existe um distanciamento de natureza entre o físico e o 
biológico em relação a seu objeto, embora as descobertas da chamada “nova física” 
revelem o imbricamento relacional entre o pesquisador e a natureza: “o real é a 
realidade que ele conhece”. Na investigação social, porém, essa relação é muito mais 
crucial. A visão de mundo do pesquisador e dos atores sociais estão implicadas em todo 
o processo de conhecimento, desde a concepção do objeto até o resultado do trabalho. É 
uma condição da pesquisa, que uma vez conhecida e assumida pode ter como fruto a 
tentativa de objetivação do conhecimento. Isto é, usando-se todo o instrumental teórico 
metodológico que ajuda uma aproximação mais cabal da realidade, mantém-se crítica 
não só sobre as condições de compreensão do objeto como do próprio pesquisador. 
Conforme nos adverte Lévy Strauss: “Numa ciência onde o observador é da mesma 
natureza que o objeto, o observador é, ele mesmo, uma parte da observação” (1975, 
215).
Por fim, e isso tem uma profunda importância para este trabalho o objeto das 
Ciências Sociais é essencialmente qualitativo. A realidade social, que só se apreende por 
aproximação é, conforme Lênin (1955, 215), mais rica do que qualquer teoria, qualquer 
pensamento que possamos ter sobre ela. Pois o pensamento tende a dividir, a separar, a 
fazer distinção sobre momentos e objetos que nos apresentam. Se falamos de Saúde ou 
Doença essas categorias trazem uma carga 
22
histórica, cultural, política e ideológica que não pode ser contida apenas numa fórmula 
numérica ou num dado estatístico. Gurvitch (1955), nos diz que a realidade tem 
camadas e a grande tarefa do pesquisador é de apreender além do visível, do 
“morfológico, e do ecológico” – que podem ser entendidos quantitativamente – os 
outros níveis que interagem e tornam o social tão complexo. Neste sentido, é 
questionável porque redundante a denominação “Pesquisa Qualitativa” usada neste 
trabalho. É uma terminologia imprópria que só tem sentido por oposição a “Pesquisa 
Quantitativa”. A rigor qualquer investigação social deveria contemplar uma 
característica básica de seu objeto: o aspecto qualitativo. Isso implica considerar sujeito 
de estudo: gente, em determinada condição social, pertencente a determinado grupo 
social ou classe com suas crenças, valores e significados. Implica também considerar 
que o objeto das Ciências Sociais é complexo, contraditório, inacabado, e em 
permanente transformação.
O CONCEITO DE METODOLOGIA
A compreensão da especificidade do método das ciências sociais nos conduz à 
pergunta específica sobre o conceito de Metodologia.
Entendemos por metodologia o caminho e o instrumental próprios de abordagem 
da realidade. Neste sentido, a metodologia ocupa lugar central no interior das teorias 
sociais, pois ela faz parte intrínseca da visão social de mundo veiculada na teoria. Em 
face da dialética, por exemplo, o método é o próprio processo de desenvolvimento das 
coisas. Lênin nos ensina que o método não é a forma exterior, é a própria alma do 
conteúdo porque ele faz relação entre o pensamento e a existência e vice-versa (1955, 
148).
Há autores porém que consideram a metodologia como tendo um papel 
secundário dentro das ciências. A razão de ser dessa atitude é o fato de que a 
compreendam como um conjunto de técnicas a serem usadas para se abordar o social.
Da forma como a tratamos neste trabalho, a metodologia inclui as concepções 
teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da realidade 
e também o potencial criativo do pesquisador.
Enquanto abrangência de concepções teóricas de abordagem, a
23
ciência e a metodologia caminham juntas, intrincavelmente engajadas. Por sua vez, o 
conjunto de técnicas constitui um instrumental secundário em relação à teoria, mas 
importante enquanto cuidado metódico de trabalho. Elas caminham para a práticas as 
questões formuladas abstratamente. Seu endeusamento e reificação conduzem ao 
empirismo tão freqüente ainda nas ciências sociais. Mas o contrário, isto é, a excessiva 
teorização e a pouca disposição de instrumentos para abordar a realidade, provenientes 
de uma perspectiva pouco heurística, conduzem a divagações abstratas ou pouco 
precisas em relação ao objeto de estudo.
Se a teoria, se as técnicas são indispensáveis para a investigação social, a 
capacidade criadora e a experiência do pesquisador jogam também um papel 
importante. Elas podem relativizar o instrumental técnico e superá-lo pela arte. Esta 
qualidade pessoal do trabalho científico, verdadeiro artesanato intelectual que traz a 
marca do autor, nenhuma técnica ou teoria pode realmente suprir. É em parte o que 
Wright Mills denomina “Imaginação Sociológica” e consiste na capacidade pessoal do 
pesquisador de fazer, das preocupações sociais, questões públicas e indagações 
perscrutadoras da realidade. E em parte é a capacidade de perceber através das questões 
específicas levantadas, as correlações multilaterais e sempre mutáveis que cercam a 
realidade objetiva, dentro dos limites da “consciência possível”. Trata-se de um 
imbricamento entre a habilidade do produtor, sua experiência e seu rigor científico.
O CONCEITO DE PESQUISA SOCIAL
Entendemos por Pesquisa a atividade básica das Ciências na sua indagação e 
descoberta da realidade. É uma atitude e uma prática teórica de constante busca que 
define um processo intrinsecamente inacabado e permanente. É uma atividade de 
aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação 
particular entre teoria e dados.
O termo Pesquisa Social tem uma carga histórica e, assim como as teorias 
sociais, reflete posições frente à realidade, momentos do desenvolvimento e da 
dinâmica social, preocupações e interesses de classes e de grupos determinados. 
Enquanto prática intelectual
24
reflete também dificuldades e problemas próprios das Ciências Sociais e a sua relativa 
juventude para delimitar métodos e leis específicas.
Do ponto de vista antropológico pode-se dizer que sempre existiu a preocupação 
do “homo sapiens” com o conhecimento da realidade. As tribos primitivas, através de 
mitos, já tentavam explicar os fenômenos que cercam a vida e a morte, o lugar dos 
indivíduos na organização social com seus mecanismos de poder, controle, convivência 
e reprodução do conjunto da existência social. Dentro das dimensões de espaço e tempo, 
a religião tem sido um dos relevantes fenômenos de explicações às indagações dos seres 
humanos sobre os fenômenos de existência individual e grupal. Hoje, as perguntas 
humanas buscam soluções ainda concomitantemente nos mitos modernos, nas mais 
diferentes formas religiosas, em sistemas filosóficos e particularmente nas Ciências. As 
Ciências nas sociedades industrializadas constituem os esquemas de explicações 
dominantes considerados plausíveis e intelectualmente aceitos.
 Não nos cabe aqui uma discussão dessa prioridade, mas apenas advertir para o 
fato de que, se a ciência constitui umaforma de abordagem dominante, nem por isso se 
torna exclusiva e conclusiva. Os problemas dos seres humanos e da organização social 
atuais trazem questões frente às quais a ciência continua sem respostas e sem 
formulações.
Do ponto de vista histórico, no que aqui nos concerne peculiarmente, a Pesquisa 
Social vem carregada de ênfases e interesses mais amplos do que seu campo específico. 
Alguns autores como Schrader nos advertem que essa atividade intelectual no mundo 
moderno tem origem nos grupos contestadores das desigualdades da sociedade 
industrial. Muitos pesquisadores renomados como Lazarsfeld, Jahoda e Gunnar Myrdal 
iniciaram suas carreiras de investigadores na busca de solução para os problemas sociais 
causados pela Segunda Guerra Mundial (Schrader: 1978, 818). Nos Estados Unidos, 
Schrader comenta que a pesquisa social nasceu na Yellow Press, isto é, em jornais de 
crítica social.
Sabemos, ao contrário, que na Inglaterra, os antropólogos avançaram muito na 
compreensão de sociedades primitivas financiados por interesses colonialistas. Porém, 
as investigações antropológicas levantaram questões que contrariavam os interesses da 
metrópole e
25
dos financiadores como o relativismo cultural, o pensamento lógico dos primitivos e a 
auto-suficiência de sua organização social.
A conclusão inicial é de que a pesquisa enquanto atividade intelectual sofre as 
limitações e contradições mais amplas do campo científico, dos interesses específicos da 
sociedade e das “questões consagradas” de cada época histórica.
A partir da Segunda Grande Guerra, com a ampliação do poder dos Estados sob 
o signo da industrialização, o avanço da pesquisa social tem crescido junto com o 
interesse para se entender, organizar, regular e controlar a população. Particularmente 
isso se reflete em campos como a economia, a demografia e a sociologia.
Hoje o termo Pesquisa em Políticas Sociais, a começar pela Inglaterra e pelos 
Estados Unidos, passou a significar um campo de interesse científico que tem 
implicações imediatas do ponto de vista de dominação e controle do Estado. A 
proliferação de centros de pesquisa sociais tanto nos países industrializados como nos 
subdesenvolvidos tem a ver com o interesse do poder público de conhecer, regular e 
controlar a sociedade civil. É óbvio, trata-se de um interesse contraditório e conflitivo 
frente ao qual a sociedade civil, enquanto aparato de construção de consenso social, faz 
as suas mediações e também expressa sua autoria e resistência.
Do ponto de vista teórico e formal existe uma classificação tradicional que 
divide a Pesquisa em “pura” e “aplicada”. O metodólogo e pesquisador Bulmer (1978, 
8-35) refuta essa denominação. Comenta que “pura ou básica” e “aplicada” referem-se a 
uma divisão falsa na medida em que pesquisas teóricas podem ter importantes 
conseqüências práticas e pesquisas aplicadas certamente têm implicações e 
contribuições teóricas. Essa dicotomia se baseia no modelo de tecnologia em que o 
cliente que paga explicita o que quer. Tal exigência se torna inadequada às ciências 
sociais que não estão em posição de, mecânica e simplismente, responder aos desejos 
dos clientes.
Bulmer propõe uma classificação alternativa de Pesquisa Social, substituindo a 
divisão tradicional. As cinco modalidades, referida abaixo, constituem, segundo o autor, 
“tipos” dentro de um continuum, sem exclusão dos diferentes termos. Como o “tipo 
ideal” em Weber, elas seriam uma construção teórica para a compreensão do 
26
campo de análise, sem pretenderem reproduzir a realidade ou torná-la estanque: (1) 
Pesquisa básica: preocupa-se com o avanço do conhecimento através da construção de 
teorias, o teste das mesmas, ou para satisfação da curiosidade científica. Ela não tem 
uma finalidade prática, embora as descobertas da pesquisa básica possam influenciar e 
subsidiar tanto políticas públicas, decisões dos homens de negócios e o avanço do 
movimento social; (2) Pesquisa estratégica: baseia-se nas teorias das ciências sociais, 
mas orienta-se para problemas que surgem na sociedade, ainda que não preveja soluções 
práticas para esses problemas. Ela tem a finalidade de lançar luz sobre determinados 
aspectos da realidade. Seus instrumentos são os da pesquisa básica tanto em termos 
teóricos como metodológicos, mas sua finalidade é a ação. Essa modalidade seria a 
amais apropriada para o conhecimento e a avaliação de Políticas, e segundo nosso ponto 
de vista, particularmente adequada para as investigações sobre Saúde; (3) Pesquisa 
orientada para um problema específico: é em geral aquela realizada dentro das 
instituições governamentais ou para elas. Os resultados da investigação são previstos 
para ajudar a lidar com problemas práticos e operacionais; (4) Pesquisa-Ação: consiste 
numa investigação pari passu ao desenvolvimento de programas governamentais para 
medir o seu impacto. Esse conceito de Bulmer difere do conceito de pesquisa-ação 
apresentado por Thiollent (1986). Para esse autor:
A pesquisa-ação é um tipo de investigação social com base empírica que é 
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução 
de um problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes 
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo 
cooperativo ou participativo.
A diferença básica de conceituação reside no fato que, no primeiro caso, a investigação 
acompanha a ação dos programas, mas é externa a elas. No segundo, o envolvimento do 
pesquisador na ação é parte integrante da pesquisa; (5) Pesquisa de Inteligência: são os 
grandes levantamentos de dados demográficos, econômicos, estatísticos, realizados por 
especialistas ou por instituições, a fim de ajudar a 
27
formulação de políticas. No nosso caso, os Censos e as Pesquisas do IBGE seriam 
exemplos clássicos de pesquisas de inteligência. De alguma forma simplificada, as 
Pesquisas de Opinião Pública preencheriam também essa função sociológica (Bulmer: 
1978, 8-9).
Bulmer comenta, referindo-se ao campo de Investigações Estratégicas, que a 
“Pesquisa Básica” tem tido, como sua marca permanente, uma forte orientação 
unidisciplinar, dificultando sua relevância possível para as políticas públicas. Na ponta 
oposta, os estudos interdisciplinares têm desapontado muito pela sua pouca consistência 
teórico-metodológica. Segundo ele, os “surveys” se tornaram o reino do senso comum. 
Isto é, frequentemente estão orientados: (a) pelo “empirismo” e pelo “positivismo” onde 
se parte do princípio de que os fatos falam por si mesmo e que nada existe além dos 
dados; (b) pelos interesses políticos dos cientistas e/ou políticos que encomendam seu 
trabalho. O pressuposto desses estudos é de que os governantes e políticos precisam 
conhecer os fatos para poderem optar. Nesse sentido, volta-se ao “empirismo”, 
minimizam-se os problemas teóricos, diminui-se o papel do pesquisador que se torna 
um técnico-subalterno provedor de informações. A interpretação passa a ser conduzida 
por outros e com viés político dado fora do âmbito das ciências sociais.
Para finalizar, podemos dizer que a Pesquisa Social não pode ser definida de 
forma estática ou estanque. Ela só pode ser conceituada historicamente e entendendo-se 
todas as contradições e conflitos que permeiam seu caminho. Além disso, ela é mais 
abrangente do que o âmbito específico de uma disciplina. Pois a realidade se apresenta 
como uma totalidade que envolve as mais diferentes áreas de conhecimento e também 
ultrapassa os limites da ciência.
E assim, a pesquisa e os pesquisadores vivem sob o signo das contingências 
históricas de sua atividade. De um lado estão as dificuldades de financiamento que 
cerceiam ou restringem as possibilidades tanto da investigação como do 
encaminhamento de conclusões. Do outro, há as grandesquestões éticas e cientificas do 
pesquisador sobre a realidade e sobre o produto artesanal que realiza: como vai ser 
empregado e interpretado?
É na corda bamba tanto da ausência de consenso sobre o conceito que 
trabalhamos e sua cientificidade, quanto dos objetivos sociais de 
28
nossa produção, que podemos refletir sobre Pesquisa e sobre Metodologia de Pesquisa 
social como o faremos neste trabalho.
QUANTITATIVO VERSUS QUALITATIVO, SUBJETIVO VERSUS OBJETIVO
Frequentemente, de acordo com nosso ponto de vista, a discussão relativa aos 
métodos quantitativos e qualitativos na abordagem do social tem se desenvolvido de 
forma inadequada. A dicotomia que se estabelece na prática, de um lado, deixa à 
margem relevâncias e dados que não podem ser contidos em números, e de outro lado, 
às vezes contempla apenas os significados subjetivos, omitindo a realidade estruturada.
Diversas vezes voltaremos a esse tema no presente trabalho, repetindo autores 
que trabalham exaustivamente com a questão. Gurvitch, por exemplo, denomina a 
região mais visível dos fenômenos sociais de “morfológica, ecológica, área concreta” 
(1955, 140ss). E comenta que esse nível admite uma expressão adequada através de 
equações, médias, gráficos e estatísticas. O mesmo autor, porém, chama atenção para o 
fato de que, a partir daí torna-se difícil trabalhar com número, uma vez que caminhamos 
para o universo de significações, motivos, aspirações, atitudes, crenças e valores. Esse 
conjunto de dados considerados “qualitativos” necessita de um referencial de coleta e de 
interpretação de outra natureza. No entanto, o próprio Gurvitch nos adverte que essas 
camadas são interdependentes, interagem e não podem ser pensadas de forma 
dicotômica.
Ao se desenvolver uma proposta de investigação ou até mesmo no desenrolar 
das etapas de uma pesquisa, vamos reconhecendo a conveniência e a utilidade dos 
métodos disponíveis, face ao tipo de informações necessárias para se cumprirem os 
objetivos do trabalho. Certamente, qualquer pesquisa social que pretenda um 
aprofundamento maior da realidade não pode ficar restrita ao referencial apenas 
quantitativo.
Segundo Parga Nina, coordenador do último ENDEF (Estudo Nacional de 
Despesas Familiares – 1974), é plenamente reconhecido em sociologia que a 
operacionalização das variáveis sociais, para construção de indicadores que permitam a 
análise quantitativa, tem levado até bons cientistas sociais a elaborarem sobre algo 
muito frágil,
29
ao “medirem” variáveis cuja operacionalização em indicadores numéricos está além das 
possibilidades das ciências sociais (1983, 63).
Este autor, enquanto parte da presidência do IBGE e responsável pelo 
Departamento de Indicadores sociais, propôs a constituição de um grupo de estudo 
“qualitativo” que tentasse aprofundar aspectos da realidade brasileira que os indicadores 
numéricos apontassem como cruciais. Seu argumento é de que a aglomeração dos dados 
apenas oculta e falseia a existência de fenômenos de extrema relevância para a 
compreensão da situação do país. Em conseqüência, isso tem influência nas proposições 
de políticas sociais.1
Nos comentários sobre o trabalho, Parga Nina reconhece que pesquisas 
qualitativas podem ser de qualidade muito superior às que fazer análises quantitativas e 
chama atenção para o fato de que não existe um continuum entre qualitativo-
quantitativo em que a superioridade estaria no segundo termo. Cita Cicourel, de quem 
retira argumentos para seu trabalho no ENDEF:
Estes comentários (feitos por Forgensen e Coombs) indicam o problema do 
sociólogo: (1) se seus conceitos teóricos estão suficientemente precisos para 
orientá-los quanto às formas de sistemas de mensuração que são adequadas à 
mensuração de seus dados, então há grande possibilidade de que venha a iludir a 
si próprio, impondo métodos que forçam a introdução, na sua teoria e nos seus 
dados, de relações incongruentes e interpretações falsas e (2) os próprios 
instrumentos de mensuração disponíveis são inapropriados, pela natureza de sua 
construção, e levam assim, à mensuração por ‘fiat’ e não à mensuração literal 
(Parga Nina, 1976, parte I, 50, apud Cicourel: 1969, 131).
30
A grande questão em relação à quantificação na análise sociológica é a sua 
possibilidade de esgotar o fenômeno social. Corre-se o risco de que um estudo de alto 
gabarito do ponto de vista matemático ou estatístico, em que toda a atenção se concentre 
na manipulação sofisticada dos instrumentos de análise – portanto, competente do ponto 
de vista estatístico – despreze aspectos essenciais da realidade. E assim muitas vezes 
teremos uma “resposta exata” para “perguntas erradas ou imprecisas”.
Essa discussão do “quantitativo” versus “qualitativo” tem sua origem nas 
diferentes formas de perceber a realidade social. Hughes nos avisa que a principal 
influência do positivismo nas ciências sociais foi a utilização dos termos de tipo 
matemático para a compreensão da realidade e a linguagem de variáveis para especificar 
atributos e qualidades do objeto de investigação (1983). Os fundamentos da pesquisa 
quantitativa nas ciências sociais são os próprios princípios positivistas clássicos 
segundo os quais: (a) o mundo social opera de acordo com leis causais; (b) o alicerce da 
ciência é a observação sensorial; (c) a realidade consiste em estruturas e instituições 
identificáveis enquanto dados brutos por um lado, crenças e valores por outro. Estas 
duas ordens são correlacionadas para fornecer generalizações e regularidades; (d) o que 
é real são os dados brutos considerados dados objetivos; valores e crenças são 
realidades subjetivas que só podem ser compreendidas através dos dados brutos 
(Hughes: 1983, 42-63).
A questão do quantitativo traz a reboque o tema da objetividade. Isso é, os dados 
relativos à realidade social seriam objetivos se produzidos por instrumentos 
padronizados, visando a eliminar fontes de propensões de todos os tipos e a apresentar 
uma linguagem observacional neutra. A linguagem das variáveis forneceria a 
possibilidade de expressar generalizações com precisão e objetividade.
A restrição que os contestadores do quantitativismo sociológico lhe colocam não 
está relacionada com a técnica. Isto é, não está em jogo a desvalorização da análise 
1 Ao mesmo tempo que ocorria o levantamento de dados sobre condições de vida de 52.000 pessoas (1974) o coordenador do 
ENDEF promoveu uma espécie de estudo “qualitativo” recolhendo impressões dos pesquisadores de campo sobre a realidade 
encontrada. Esse conjunto de informações está compilado em quatro volumes, dois publicados em 1976 e dois outros em 1978 
denominados Estudos das Informações não-estruturas do ENDER e sua integração com os dados quantificados. Segundo opinião 
de vários estudiosos da realidade do país, a pesquisa não-estruturada transmite impressões tão fortes que constituem um acervo 
altamente significativo junto com os dados quantitativos.
multivariada, a análise contextual ou de correlações. São poderosos e reconhecidos 
instrumentos, supondo-se a necessidade de dados aglomerados ou indicadores sobre 
coletividades. A crítica está no fato de se restringir a realidade social ao que pode ser 
observado e quantificado apenas. Adorno chega a
31
dizer que o método positivista empírico ameaça fetichizar seus assuntos e tornar-se a si 
mesmo um fetiche, na medida em que reduz a objetividade ao método e não atinge o 
conteúdo (Adorno: 1979, 214-215)
Essas críticas vistas a partir de vários autores e teorias podem se resumir assim: 
(a) As abordagens quantitativas sacrificam os significados no altar do rigor matemáticos 
(Harrison: 1947, 10-21; Dilthey: 1956; Weber: 1949; Schutz: 1963). (b) Existe uma 
crença ingênuade que as distorções podem ser evitadas pela codificação; Harrison 
comenta que a preferência do sociólogo pelo questionário reflete seu desprezo pela vida 
do homem comum; e a crítica aos elementos subjetivos da observação indica a 
inabilidade de considerar seu trabalho objetivamente (Harrison: 1947). (c) À evidência 
de que os métodos quantitativos simplificam a vida social limitando-se aos fenômenos 
que podem ser enumerados (Park & Burgess: 1921, V-VII). (d) E o fato de que quando 
fazem inferências para além dos dados, os sociólogos trabalham apriorística e 
preconceituosamente, tomando como familiar os fenômenos que acontecem, porque eles 
pertencem à mesma sociedade que estão estudando (Harrison: 1947; Schutz: 1963).
Uma das formas de realização do positivismo, o funcionalismo na antropologia 
de certa forma ultrapassa os limites da teoria geradora. Dentro de uma lógica própria, 
Malinowski adverte-nos em toda a sua obra par a necessidade de compreender: (a) tudo 
o que pode ser documentado estatisticamente “mediante evidência concreta”, isto é, o 
“arcabouço da sociedade”; (b) mas complementado pela “maneira como determinado 
costume é observado, o comportamento dos nativos, as regras exatamente formuladas 
pelo etnógrafo, ou as próprias exceções que, quase sempre, ocorrem nos fenômenos 
sociológicos”; “o corpo e o sangue da vida real que compõem o esqueleto das 
construções abstratas”; “os imponderáveis da vida real”; (c) o ponto de vista, as 
opiniões e as expressões dos nativos, isto é, as maneiras típicas do pensar e sentir que 
correspondem às instituições e à cultura de uma comunidade (1975, 55-60). Contudo 
são ainda regularidades, as leis gerais em seu funcionamento e em sua estrutura, isto é, a 
sociedade enquanto precedendo aos indivíduos que o funcionalismo procuro, mesmo 
quando atinge a subjetividade.
32
O positivismo sociológico clássico (Durkheim: 1978) atribui à imaturidade das 
ciências sociais o fato de ela não ser capaz de prever e de determinar a ação humana. As 
outras teorias que incorporam no seu âmbito a intersubjetividade, afirmam que a vida 
humana é essencialmente diferente e que essa diferença fundamental em relação às 
ciências físicas e biológicas requer um tratamento teórico diverso.
Podemos dizer que hoje, ao mesmo tempo em que acontece a informatização de 
todos os setores da organização social, existe uma revalorização do qualitativo nas 
ciências sociais. Há um movimento em torno daquele aspecto para o qual Granger 
chama atenção: “o vivido”, isto é, “a experiência que é captada não como predicado de 
um objeto, mas como fluxo de cuja essência temos consciência em forma de 
relembranças atitudes, motivações, valores e significados subjetivos” (Granger: 1967, 
107).
Trata-se não só de uma revalorização teórica, mas da própria antropologia 
enquanto questão social. Schaff nos adverte que se trata de um “sinal dos tempos”:
O domínio da problemática antropológica na filosofia moderna resulta da 
necessidade de uma resposta à pergunta sobre a existência humana, numa época 
em que a mesma existência está ameaçada e os sistemas de valores fixados por 
tradição estão abalados (Schaff: 1967, 10).
No mesmo sentido, em seu livro O problema do Homem, Buber distingue épocas 
de ascensão e queda do pensamento antropológico, conforme o sentimento de solidão 
do ser humano. O autor ressalta que essa questão só alcança maturidade em nossa 
época, por dois motivos. O primeiro é a degeneração de formas tradicionais da 
convivência humana com a família, a comunidade rural, a vida urbana. O segundo, é o 
próprio sentimento de perda de domínio pelo homem do mundo por ele criado:
O homem deve-se ultrapassar por suas próprias obras (...) O homem se encontra 
então diante de um fato terrível: criou demônios e não sabe dominá-los. (...) 
Qual era, no caso, o sentido do 
33
poder transformado em impotência? O problema se reduzir a pergunta sobre a 
natureza do homem, que ganhou um novo significado, sobretudo prático (1962, 
19-63).
Hoje, a questão do homem enquanto ator social ganho corpo e faz emergirem, 
com toda a sua força, as ciências sociais que se preocupam com os significados. Trata-
se de uma ênfase própria de nosso tempo em que se fortifica a introspecção do homem, 
a observação de si mesmo e se ressaltam questões antes passadas desapercebidas. Isso 
não nos leva a menosprezar o método quantiativo, mas a colocá-lo como um dos 
elementos da compreensão no todo. Conduz-nos também a enfatizar as correntes de 
pensamento que assumem como a essência da sociedade o fato do homem ser o ator de 
sua própria existência. Essa atoria e autoria em condições dadas é o material básico 
com o qual trabalhamos na pesquisa social, e que pode ser traduzida em números, 
gráficos e esquemas, mas não se limita e não se resume aí.
Mannheim, considerado o fundados da sociologia do conhecimento, opõe-se ao 
positivismo que tenta tornar mensuráveis e discerníveis sem ambigüidade todos os fatos 
sociais. Comenta que há certos termos tão carregados de valores que só um participante 
do sistema social estudado pode compreendê-lo. Chama atenção para a participação do 
sociólogo como observador da realidade que pesquisa e diz-nos que isso pode significar 
o sacrifício do que às vezes se considera como necessária “neutralidade e objetividade 
científica”. Mas, acrescenta que o intento de obter objetividade, neste sentido, é um 
positivo obstáculo aos conhecimentos sociológicos:
Está claro que uma situação humana só é caracterizável quando se tomam em 
consideração as concepções que os participantes têm dela, a maneira como 
experimentam suas tensões nesta situação e como reagem a essas tensões assim 
concebidas (1968, 70)
Completa afirmando que:
Para se trabalhar em ciências sociais é necessário participar do processo social. 
Mas essa participação no inconsciente coletivo
34
não significa, de modo algum, que se falsifiquem os fatos ou que eles sejam 
vistos incorretamente. Pelo contrário, a participação no contexto vivo da vida 
social é uma pressuposição de compreensão da natureza interna de seu conteúdo. 
O desprezo pelos elementos qualitativos e a completa restrição da vontade não 
constitui objetividade e sim negação da qualidade essencial do objeto (grifo 
nosso) (1968, 73).
As palavras de Mannheim expressam o pensamento de várias correntes teóricas 
das ciências sociais, mas ao mesmo tempo uma luta no campo intelectual em relação ao 
positivismo clássico ou ao psicologismo. O funcionalismo destaca a importância do 
sentido social da conduta humana, em oposição às atribuições individuais dos motivos 
das condutas. Isto é, substitui as explicações subjetivistas das condutas pelos 
determinantes dos sistemas sociais e busca o sentido da inter-relação entre as atividades. 
A sociologia compreensiva de Weber nos diz que o caráter definidor da ação social é o 
seu sentido. “Na ação está contida toda a conduta humana, na medida em que o ator lhe 
atribui um sentido subjetivo” (1969, 10). A fenomenologia, defende a idéia de que as 
realidades sociais são construídas nos significados e através deles, e só podem ser 
identificados na medida em que se mergulha na linguagem significativa da interação 
social. A linguagem, as práticas e as coisas são inseparáveis na abordagem 
fenomenológica. Ela enfatiza os significados gerados na interação social. No seu quadro 
de referência, o mundo se apresenta ao indivíduo na forma de um sistema objetivado de 
designações compartilhadas de formas expressivas. O marxismo interpreta a realidade 
como uma totalidade onde tanto os fatores visíveis como as representações sociais 
integram e configuram um modo de vida condicionado pelo modo de produção 
específico. Nessa abordagem sublinha-se a base material como determinanteda 
produção da consciência, mas assume-se a importância das representações sociais como 
condicionantes tanto na reprodução da consciência como na construção da realidade 
mais ampla.
Ao invés de reconhecer na subjetividade a impossibilidade de construção 
científica, essas abordagens acima referidas (cada uma com suas peculiaridade) 
consideram-na como parte integrante da singularidade do fenômeno social. Na medida 
em que se acreditam
35
que a realidade vai mais além dos fenômenos percebidos pelos nossos sentidos, 
trabalham com dados qualitativos que trazem para o interior da análise, o subjetivo e o 
objetivo, os atores sociais e o próprio sistema de valores do cientista, os fatos e seus 
significados, a ordem e os conflitos. Evidentemente, cada teoria tem seu modo próprio 
de lidar com os dados de acordo com a visão de mundo que as sustenta.
A questão da objetividade é então colocada em outro nível. Dada a 
especificidade das ciências sociais, a objetividade não é realizável. Mas é possível a 
objetivação que inclui o rigor no uso de instrumental teórico e técnico adequado, num 
processo interminável e necessário de atingir a realidade. O que se pode ter dos 
fenômenos sociais, é menos um retrato e mais uma pintura conforme a imagem usada 
por Demo (1985, 73). Isto é, seria impossível se descrever com tal fidedignidade a 
realidade que ela se tornasse transparente. Um retrato fixa a imagem e o momento, mas 
não é dinâmico.
A metáfora da pintura nos inspira a idéia de uma projeção em que a realidade é 
captada com cores e matizes particulares, onde os objetos e as pessoas são 
reinterpretados e criados num processo de produção artística. Ninguém diz que uma 
pintura é o retrato da realidade. É uma dentre muitas possíveis imagens onde o autor 
introduz métodos e técnicas, mas onde predomina sua visão sobre o real e sobre o 
impacto que lhe causa. Nessa obra entra tanto o que é visível como as emoções e tudo se 
une para projetar a visão da realidade.
Certamente há diferenças em relação à obra de arte e a ciência social. A ciência 
tem cânones mais rígidos e seus limites são também maiores em relação à percepção do 
real. Mas não se pode desconhecer que qualquer produção científica na área das ciências 
sociais é uma criação e carrega a marca de seu autor. Portanto, a objetivação, isto é, o 
processo de construção que reconhece a complexidade do objeto das ciências sociais, 
seus parâmetros e sua especificidade é o critério interno mais importante de 
cientificidade. É preciso aceitar que o sujeito das ciências sociais não é neutro ou então 
se elimina o sujeito no processo de conhecimento. Da mesma forma, o “objeto” dentro 
dessas ciências é também sujeito e interage permanentemente com o investigador.
A “objetivação” nos leva a repudiar o discurso ingênuo ou malicioso
36
da neutralidade, mas nos diz que é necessário buscar formas de reduzir a incursão 
excessiva dos juízos de valor na pesquisa. Os métodos e técnicas de preparação do 
objeto de estudo, de coleta e tratamento dos dados ajudam o pesquisador, de um lado a 
ter uma visão crítica de seu trabalho e, de outro, de agir com instrumentos que lhe 
indicam elaborações mais objetivadas. Conforme adverte Demo, no labor da 
investigação, a prática não substitui a teoria e vice-versa (1985, 75).
As críticas em relação à abordagem qualitativa na verdade são constatações das 
falhas e das dificuldades na construção do conhecimento. Mas as “ciências sociais não 
podem deixar de estar permanente engajadas num discurso com seu próprio objeto de 
estudo: um discurso, no qual tanto o investigador quanto o assunto compartilham dos 
mesmos recursos” (Giddens: 1978, 234).
Cremos que a polêmica quantitativo versus qualitativo, objetivo versus subjetivo 
não pode ser assumida simplistamente como uma opção pessoal do cientista ao abordar 
a realidade. A questão, a nosso ver, aponta para o problema fundamental que é o próprio 
caráter específico do objeto do conhecimento: o ser humano e a sociedade. Esse objeto 
que é sujeito se recusa peremptoriamente a se revelar apenas nos números ou se igualar 
com sua própria aparência. Desta forma coloca ao estudioso o dilema de contar-se com 
a problematização do produto humano objetivado ou de ir em busca, também, dos 
significados da ação humana que constrói a história. É um desafio na busca de 
caminhos.
37
SEGUNDA PARTE
LINHAS DE PENSAMENTO
“Envolver uma teoria com o manto da verdade é atribui-lhe uma característica 
não realizável historicamente. Nada mais prejudicial ao processo científico que 
o apego a enunciados evidentes, não discutíveis. Somente na teoria se pode 
dizer que a ciência é a interpretação verdadeira da realidade, porque na prática, 
toda interpelação realiza apenas uma versão historicamente possível” (Demo: 
1981, 25).
Antes de nos introduzir ao campo específico da Metodologia da Pesquisa Social, 
vamos fazer algumas considerações preliminares que julgamos fundamentais para a 
prática da investigação.
A primeira delas é de que nenhuma pesquisa é neutra seja ela qualitativa ou 
quantitativa. Pelo contrário, qualquer estudo da realidade, por mais objetivo que possa 
parecer, por mais “ingênuo” ou “simples” nas pretensões, tem a norteá-lo um arcabouço 
teórico que informa a escolha do objeto, todos os passos e resultados teóricos e práticos.
Em conseqüência, podemos classificar as elaborações sobre o social, grosso 
modo, dentro de alguma corrente de pensamento filosófica ou sociológica, mesmo que 
essa filiação, para seus autores seja algo inconsciente.
Por outro lado, podemos dizer que nenhuma das linhas de pensamento sobre o 
social tem o monopólio de compreensão total e completa sobre a realidade. A ela nos 
acedemos sempre por aproximação e usando uma frase de Lênin, citada por Lukács, 
afirmamos que “a marcha do real é filosoficamente mais verdadeira e mais profunda do 
que nossos pensamentos mais profundos” (1976, 235).
Tendo em vista que nosso campo específico é o das Ciências Sociais em Saúde, 
desenvolveremos algumas idéias dominantes nessa área, que vários autores identificam 
com o positivismo sociológico, a fenomenologia sociológica e com o materialismo 
histórico. Tomamos como referência as análises sobre o tema, realizadas por Everardo 
Nunes (1983, 1985), Juan César García (1983) e Donnangelo (1983).
Em Ciências Sociais e Saúde na América Latina, Nunes toma 1663 referências 
de produção teórica na área entre os anos de 1950 e 1979, classifica o material e o 
analisa dentro de um marco referencial
38
histórico-estrutural, em termos de: (a) Medicina Tradicional; (b) Serviços de Saúde; (c) 
Processo Saúde/Doença; (d) Formação de Recursos Humanos.
No estudo do material referido, Nunes aprofunda várias questões que não 
constituem objeto de nossa preocupação neste trabalho, mas enfatiza também um 
enfoque que nos toca particularmente: as correntes de pensamento da produção 
intelectual no período recortado, articulando-se com as preocupações mais amplas da 
sociedade nos vários momentos históricos e com a base material de sua emergência.
Sem querer marcar etapas estanques, Nunes mostra que na década de 50 as 
pesquisas estiveram marcadas pelas teorias funcionalistas e culturais, servindo à 
implementação de desenvolvimento e organização da comunidade.
Na década de 60 e 70, as abordagens fenomenológicas estarão efetivamente 
presentes no campo do pensamento sobre saúde. Elas questionarão a onipotência e 
onipresença do Estado sobre os indivíduos e sobre os grupos de referência imediata dos 
indivíduos e a arbitrariedade impositiva das classes dominantes através do sistema de 
saúde. É uma reação de negatividade dos princípios positivistas e funcionalistas, em 
favor de uma afirmação de direitos individuais, do princípio de autonomiadas pessoas e 
grupos mediadores frente ao Estado e às grandes instituições médicas. É uma reflexão 
sobre os significados subjetivos e uma condenação teórica do anonimato, das leis gerais 
e das invariâncias próprias do positivismo sociológico.
Segundo Nunes, a partir dos anos 70, há um grande incremento da produção 
intelectual na área da saúde, dentro do enfoque marxista. Chama atenção para o fato de 
ela ter no seu bojo uma crítica histórico-estrutural da fragilidade e fragmentação das 
análises e propostas práticas da fenomenologia e positivismo.
Essas três correntes de pensamentos continuam presentes, atuantes e em luta 
entre si, nas análises referentes à relação Saúde/Sociedade. Fazem parte da própria luta 
ideológica da sociedade atual, onde as visões sociais de mundo estão comprometidas 
com posturas concretas na prática teórica e política.
García (1983) nos adverte que nenhuma delas, hoje, desconhece a vinculação da 
medicina com a estrutura social. A questão básica de cada uma reside no como se dá 
essa vinculação e em que grau de
39
autonomia ou dependência situa o fenômeno saúde-doença enquanto manifestação 
biológico-social. O debate interno das diferentes correntes sociológicas reflete a 
dificuldade do pensamento de apreender o objeto em toda a sua complexidade e 
articulações.
Neste trabalho tentaremos refletir os dilemas, as contradições e as perspectivas 
dessas linhas de pensamento, enquanto possibilidades de construção teórica do 
conhecimento sociológico no campo da saúde e sua articulação com as bases sociais em 
que são engrendradas.
O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO
O positivismo constitui a corrente filosófica que ainda atualmente mantém o 
domínio intelectual das Ciências Sociais e também da relação entre Ciências Sociais, 
Medicina e Saúde. As teses básicas do positivismo podem ser assim resumidas: (1) A 
realidade se constitui essencialmente naquilo que nossos sentidos podem perceber; (2) 
As Ciências Sociais e as Ciências Naturais compartilham de um mesmo fundamento 
lógico e metodológico, elas se distinguem apenas no objeto de estudo; (3) Existe uma 
distinção fundamental entre fato e valor: a ciências se ocupa do fato e deve buscar se 
livrar do valor.
A hipótese central do positivismo sociológico é de que a sociedade humana é 
regulada por leis naturais que atingem o funcionamento da vida social, econômica, 
política e cultural entre seus membros. Portanto, as ciências sociais, para analisar 
determinado grupo ou comunidade, têm que descobrir as leis invariáveis e 
independentes de seu funcionamento.
Daí decorre que os métodos e técnicas para se conhecer uma sociedade ou 
determinado segmento dela são da mesma natureza que os empregados nas ciências 
naturais. E ainda mais, da mesma forma que as ciências naturais propugnam um 
conhecimento objetivo, neutro, livre de juízo de valor, de implicações político-sociais (o 
que se pode colocar também em questão no debate aberto a respeito dessas ciências) 
também as ciências sociais devem buscar, para sua cientificidade, este “conhecimento 
objetivo”. Noutras palavras, o cientista social deve se comportar frente a seu objeto de 
estudo –
40
a sociedade, qualquer segmento ou setor dela – livre de juízo de valor, tentado 
neutralizar, para conseguir objetividade, nas sua própria visão de mundo.
Na prática, a postura positivista advoga uma ciência social desvinculada da 
posição de classe, dos valores morais e das posições políticas dos cientistas, e acredita 
nisso. Denomina “pré-juízos”, “pré-conceitos”, “pré-noções” ao conjunto de valores e 
opções político-ideológicas do pesquisador, limites a serem transpostos para que ele 
faça ciência (Durkheim: 1978, 46).
Lowy nos aponta alguns dados históricos esclarecedores sobre o positivismo 
(1968, 33-50). Diz-nos que a ciência positiva tem suas raízes na filosofia das luzes do 
século XVIII.
Para Lowy o pai do positivismo é Condorcet, um enciclopedista (Lowy: 1986, 
33-50). Condorcet formulou de uma forma clara e precisa a idéia de que a ciência da 
sociedade deveria ser uma Matemática Social, formulada como estudo numérico e 
rigoroso dentro das teorias probabilísticas. Considerava que, da mesma forma que nas 
ciências físicas e matemáticas, os interesses e as paixões não pertubava, assim deveria 
acontecer com as ciências sociais (Condorcet, in Mora: 1984, 5801, 4ª ed.).
O autor atribuía as dificuldades no progresso do conhecimento da realidade 
social, ao fato de que o social era, no seu tempo, objetos de interesses religiosos e 
políticos. Daí que a meta das ciências sociais seria conseguir uma elaboração “livre de 
preconceitos”.
Ainda que possa parecer estranho, comenta Lowy, o pensamento de Condorcet, 
para sua época, era crítico e, até certo ponto, revolucionário. Dirigia-se contra as classes 
poderosas dominantes da época: a Igreja, o poder feudal e o Estado oligárquico, que se 
atribuíam o controle de todo o conhecimento científico. Condorcet indicava a 
necessidade de romper com esse monopólio do saber, livrando as ciências da sociedade, 
dos interesses e paixões das classes feudais, das doutrinas teológicas, dos argumentos de 
autoridade da Igreja e de todos os “dogmas fossilizados”.
Lowy inclui entre os discípulos de Condorcet e defensor de suas idéias, o 
socialista utópico Saint-Simon (Lowy: 1986, 50-60). Este autor chamava a ciência da 
sociedade de “fisiologia social”. Considerava que há dois tipos de época histórica: as 
épocas críticas, necessárias
41
para eliminar as fossilizações sociais, e as épocas orgânicas que são momentos 
históricos de estabilidade e de funcionamento normal. Em seu tempo, segundo ele, 
havia algumas classes parasitas do organismo social (o clero e a aristocracia) que 
deviam dar lugar a uma nova forma de organização para que o corpo social funcionasse 
regularmente. Saint-Simon tinha um projeto de nova sociedade, baseado não na 
igualdade, mas numa pirâmide de classes que elevaria a capacidade produtiva dos 
homens ao grau máximo de desenvolvimento. Segundo ele, a moral e as idéias têm que 
ser distintas para as distintas classes fundamentais, a fim de que a sociedade seja livre e 
dedicada à produção. A igreja deveria ser substituída pela fábrica (Saint Simon, in 
Mora: 1984, 2915s).
Da mesma forma que a “matemática social” de Condorcet, a “fisiologia social” 
de Saint-Simon trazia no seu interior uma crítica ao sistema social de seu tempo, às 
classes dominantes e apelava para mudanças condizentes com a nova sociedade 
industrial que se instalava.
Lowy comenta que o positivismo, até o início do século XIX aparece como uma 
visão social-utópica-crítica do mundo. O autor usa o termo utópica no mesmo sentido 
de Karl Mannhein em Ideologia e Utopia (1968, 31-134). Mannheim distingue os 
conceitos de ideologia e utopia. A primeira seria constituída por concepções, idéias, 
representações e teorias que orientam para a estabilização, legitimação e reprodução da 
ordem vigente. Ideologias seriam o conjunto das doutrinas e teorias de caráter 
conservador, isto é, servem para a manutenção do sistema social de forma geral. Pelo 
contrário, as Utopias seriam as representações, idéias e teorias que têm em vista uma 
realidade ainda inexistente. Trazem no seu bojo uma dimensão crítica, de negação, 
ruptura e possibilidade de superação do status quo. É neste sentido que podemos falar 
dos elementos “utópicos” no positivismo de Condorcet e Saint-Simon.
O mesmo não se poderia dizer das teorias de Augusto Comte, embora este autor 
se considerasse herdeiro dos dois primeiros. Para Comte o pensamento teria que ser 
totalmente positivo. Isto é, eliminado todo o conteúdo crítico de sua análise, os 
cientistas descobririam as leis da sociologia. E comoconseqüência, a partir de seu 
método positivo, o cientista deveria se consagrar teórica e praticamente
42
à defesa da ordem social. O positivismo de comte em seus sucessores tem uma 
conotação política conservadora, contrária ao que consideravam “negativismo” perigoso 
das doutrinas críticas, destrutivas, subversivas e revolucionárias da Revolução Francesa 
e do Socialismo (Comte: 1978, 44-115; Durkheim: 1978, 132-161)
Comte formulou uma teoria social, a que, num primeiro momento, denominou 
Física Social. Afirma ele: “A Física Social é uma ciência que tem por objetivo o estudo 
dos fenômenos sociais, considerados no mesmo espírito que os fenômenos 
astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos” (1978, 13). Explica que, da mesma 
forma que existe na natureza, há uma ordem interna que rege a sociedade, que 
encaminha para a harmonia, o desenvolvimento e a prosperidade. Ao cientista social 
caberia descobrir essa ordem e explicitá-la aos leitores para que, a partir de sua 
compreensão, a estabilidade social fosse mantida.
Comte considera importante que os sociólogos expliquem aos proletários a lei 
que rege a distribuição de riquezas, concentração de poder econômico e seu lugar na 
sociedade. Esses elementos seriam resultantes da própria natureza da organização 
social, que tem suas leis invariantes. Segundo ele, graças ao positivismo, os 
trabalhadores reconheceriam as vantagens da submissão e de sua “irresponsabilidade” 
no governo da sociedade. Desta forma, o positivismo como “ciência livre de juízo de 
valor e neutra” contraditoriamente se proporia a não amaldiçoar os fatos políticos mas 
aceitá-los e legitimá-los (Comte: 1978, 82-87). Vejamos as próprias palavras do autor:
O positivismo tedne poderosamente, pela sua própria natureza, a consolidar a 
ordem pública, pelo desenvolvimento de uma sábia resignação. Porque não pode 
existir uma verdadeira resignação, isto é, uma disposição permanente a suportar 
com constância e sem nenhuma esperança de mudança, os males inevitáveis que 
regem todos os fenômenos naturais, senão através do profundo sentimento 
dessas leis inevitáveis. A filosofia positiva que cria essa disposição se aplica a 
todos os campos, inclusive aos males políticos (1978, 70). 
43
Assim, segundo Comte, os distintivos do espírito positivista seriam o senso de 
realidade, a utilidade, a certeza, a aptidão orgânica e o bom senso prático (1978, 68s). 
Não se pode admirar, a partir das idéias referidas, que o positivismo combinasse e 
fundamentasse todo o conservadorismo político e legitimador de situações vigentes. 
Vale lembrar que o lema de nossa bandeira nacional republicada, o “Ordem e 
Progresso” tem no papa do positivismo sua inspiração, e em sua filosofia social, a 
República tem a base de concepção da prática política.
No campo da sociologia propriamente dita, foi Émile Durkheim quem primeiro 
fundamentou as possibilidades teórico-metodológicas do positivismo para compreensão 
da sociedade. Reconhecendo-se como discípulo de Comte, Durkheim se aplicou a 
pensar a especificidade do objeto da sociologia, relacioná-la com as outras ciências e 
lançar os fundamentos de um método para pesquisa social. Para ele, o escopo da 
sociologia é estudar fatos que obedeçam a leis invariáveis, de forma objetiva e neutra. 
Os “pré-juízos” e as “pré-noções” provenientes da ideologia e da visão de mundo do 
sociólogo têm que ser combatidos e eliminados do trabalho através de regras do método 
científico: “a sociologia não é nem individualista e nem socialista”, dizia ele (1978, 27).
Portanto, se um cientista social tem suas preferências políticas, se simpatiza com 
os operários ou com os patrões, se é liberal ou se é socialista, tem por obrigação, como 
cientista, calar as paixões e só nesse silêncio iniciar seu estudo objetivo e neutro (1978, 
160).
Durkheim insiste, com todo rigor, que a sociedade é um fenômeno moral, na 
medida em que os modos coletivos de pensar, perceber, sentir e agir incluem elementos 
de coerção e obrigação, constituindo assim uma consciência coletiva que se expressa na 
religião, na divisão do trabalho e nas instituições.
Sua preocupação foi, considerada a sociedade como “coisa”, criar um método 
que pudesse descrever os fatos sociais, classificá-los com precisão e de forma 
independente das idéias do cientista sobre a realidade social.
44
Daí que, para ele, a tarefa do cientista é: (a) descrever as características dos fatos 
sociais; (b) demonstrar como ele vêm a existir; (c) relacioná-los entre si; (d) encontrar 
sua organicidade; (e) tentar separar as “representações” dos fatos dadas pelas idéias que 
fazemos deles, da “coisa-real” (1978, 70-160).
Durkheim distingue as categorias do “senso comum” como sendo os conceitos 
usados pelos membros da sociedade para explicar e descrever o mundo em que vivem; e 
os “conceitos científicos” que descrevem, classificam, explicam, organizam e 
correlacionam os “fatos sociais” de forma “objetiva”. Insiste que as causas dos fatos 
sociais devem ser buscados em outros fatos sociais e não na teologia ou nos indivíduos 
(1978, 73-161).
Uma das principais influências do positivismo nas ciências sociais foi marcada 
pelo lugar de destaque concedido à pesquisa empírica na produção do conhecimento. 
Metodologicamente isso significou descobrir as características das regularidades e 
invariâncias dos fatos sociais e descrevê-las. E por “fato social”, Durkheim entende 
“toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma 
coerção exterior” ou ainda “o que é geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao 
mesmo tempo, uma existência própria independente das manifestações individuais 
(1978, 192s). Para descobrir as regularidades, Durkheim e os positivistas em geral 
invocam a imagem do organismo humano, enfatizando os termos “estrutura” e 
“função”, “morfologia” e “fisiologia” que diferenciam maneiras de fazer e de ser 
cristalizadas, onde apenas a diferença de grau distingue essa ordem de fatos observáveis 
interligados (1978, 90-93).
O positivismo sociológico domina ainda hoje as Ciências Sociais. Porém é alvo 
de muitas críticas. O primeiro problema que surge a partir da concepção positivista é a 
constatação de que os seres humanos não são simples formas, tamanho e movimentos: 
possuem uma vida interior que escapa à observação primária. Daí a dificuldades na 
prática de pesquisa da “neutralidade” e da “objetividade”. Seria necessário desconhecer, 
ignorar, considerar irrelevantes nos estados mentais tanto do observador como dos 
atores sociais. A resposta de Durkheim é de que esses fenômenos poderiam ser
45
observados através de manifestações comportamentais exteriores, como índices dos 
primeiros.
A história do positivismo tem revelado que a concepção que se julga 
independente dos juízos de valor se encaminhou na prática para a utilização dos termos 
de tipo matemático e um deles é a linguagem das variáveis. A conseqüência imediata foi 
desenvolvimento extremamente rápido de métodos de pesquisa de base estatística, tais 
como amostragem, escala, métodos de análise de dados (como a regressão, a correlação 
e técnicas multivariadas).
Desenvolveu-se uma tendência a usar instrumentos de análise como se eles 
falassem por si mesmos, na ilusão de nada há além deles, segundo os ensinamentos de 
Durkheim no Prefácio à primeira edição das Regras do Método Sociológico:
Não podemos cair na tentação de ultrapassar os fatos, quer para explicá-los quer 
para explicar o seu curso (...) Se eles são inteiramente inteligíveis, então bastam 
tanto à ciência, porque, neste caso, não há motivo para procurar fora deles 
próprios a sua razão de ser; e à prática, porque o seu valor útil é uma das razões 
(1978, 74).
Dessa forma os dadossão considerados objetivos se são produzidos por 
instrumentos padronizados, visando a eliminar fontes de propensão de todos os tipos e 
apresentar uma linguagem observacional neutra. A linguagem das variações 
representaria a possibilidade de expressar generalizações com objetividade e precisão.
As questões a serem levantadas ultrapassam os limites do debate sobre técnicas 
de pesquisa. Certamente a análise multivariada, a análise contextual, a correlação são 
instrumentos poderosos para a compreensão de dados aglomerados, supondo-se a 
realidade de grandes coletividades. São importantes para a construção de indicadores, 
para as chamadas “pesquisas de inteligência” como censos e outras modalidades de 
construções quantitativas. O problema é o da autorização, em primeiro lugar e em 
termos quase absolutos, desta forma de interpretação do social, em que a realidade se 
restringiria ao observável e ao quantificável.
46
O funcionalismo
Uma das variantes do positivismo sociológico é o FUNCIONALISMO, cujos 
representantes são, na antropologia inglesa, Malinowski e Radcliffe-Brown e, na 
sociologia americana, Merton e Parsons. Certamente que o positivismo não se constitui 
simplesmente como uma ciência normativa com um conjunto de regras uniformes. Cada 
autor tem peculiaridades em sua forma teórica de concepção e análise da realidade. Mas 
há um substrato básico, uma postura frente ao objeto de estudo que pode nos levar a 
colocar lado a lado Merton, Parsons, Radcliffe-Brown e Malinowski. O funcionalismo 
tem sido a corrente de pensamento (dentro do positivismo) mais expressa na área da 
saúde. Os funcionalistas se diferenciam de Comte e Durkheim na medida em que negam 
as leis gerais que regem o funcionamento da sociedade como um todo. Também não 
reduzem a ciência do social à descrição de acontecimentos ou fatos observáveis. 
Desenvolvem um tipo de teoria especialmente aplicável à compreensão da estrutura 
social e da diversidade cultural que pode ser resumida nos princípios que se seguem2: 
(a) As sociedades são totalidades que se constituem como organismos vivos. São 
compostas por elementos que interagem, inter-relacionam-se e são interdependentes. 
São sistemas onde cada parte se integra no todo como um subsistema, produzindo 
2 Para melhor compreensão do Funcionalismo recomendamos a leitura de Malinowski, Uma teoria científica da cultura, RJ, Zahar 
Ed. 1975; Os argonautas do pacífico, RJ, Vozes, 1973; Robert Merton, Sociologia: Teoria e estrutura; SC Ed. Mestre Jou, 1970; 
Talccott Parsons, The social system, Glencoe, Illinois, The Free Press, 1951.
equilíbrio, estabilidade, e sendo passível de ajustes e reajustes. (b) Por isso mesmo casa 
sociedade tem seus mecanismos de controle para regular as influências eventuais de 
elementos externos ou internos que ameacem seu equilíbrio. “Desvios” e “disfunções” 
fazem parte da concepção do sistema que através dos mecanismos próprios de controle 
tendem a ser absorvidos, produzindo a integração. Esta é a tendência viva do sistema. 
(c) A integração se consegue pelo consenso através de crenças, valores e normas 
compartilhados socialmente pelos subsistemas que interagem constantemente e se 
reforçam mutuamente. (d) A conceituação de progresso, de desenvolvimento 
47
e de mudanças é adaptativa. O sistema social tem em si a tendência à conservação e à 
reprodução, por isso as inovações, invenções e tensões se direcionam para a 
revitalização do sistema e são absorvidas no seu interior. Como num organismo vivo 
cuja estrutura permanece e ser revigora no movimento funcional, as mudanças sociais 
não atingem as estruturas, não são revolucionárias. Passam-se ao nível de superestrutura 
que tem a função de adaptação de manutenção do “status quo” (Hughes: 1983, 42-63; 
Timasheff: 1965, 287-298).
Os conceitos centrais do funcionalismo (sistema, subsistema, estrutura, função, 
adaptação, integração, desvio, consenso etc.) são coerentes com o positivismo 
sociológico, para quem as leis que regem os fenômenos sociais são intemporais, 
invariáveis e tendentes à estabilidade e à coesão. A implicação metodológica de ambos 
(positivismo sociológico e o funcionalismo como uma de suas variantes) de orientação 
empiricista, sejam repetidas dentro de condições empíricas de produção dos fenômenos. 
Sua empresa principal é reproduzir as condições globais da existência social de qualquer 
grupo, descrevendo-as em sua complexidade, diversidade e movimento integrativo, de 
tal forma que possam ser comparadas.
Dentre os funcionalistas, Parsons tem para nós uma relevância fundamental 
porque este cientista americano aplica a teoria funcionalista à explicação da medicina e 
das relações médico/paciente em seu país. Em sua obra The Social System (1951), o 
tema central é o funcionamento das estruturas das instituições, consideradas, estas, 
como o nódulo da Sociologia. As instituições constituem, para ele, o mecanismo 
integrativo fundamental dos sistemas sociais, definidos ora como uma pluralidade de 
agentes individuais interagindo, ora como uma rede de relações entre agentes.
Nesta obra o conceito de saúde/doença explicitado pelo autor é coerente com a 
sua visão funcionalista:
É um estado de perturbação no funcionamento normal do indivíduo humano 
total, compreendendo-se o estado do organismo como o sistema biológico e o 
estado de seus ajustamentos pessoal e social (1951, 48).
48
Uma análise lingüística destacaria, na definição, o jargão funcionalista: estado, 
funcionamento, normal, organismo, sistema, ajustamento. No conceito, o biológico se 
vincula ao social através da noção de equilíbrio ou desequilíbrio individual frente às 
pressões sociais. A doença é, para Parsons, “uma conduta desviada” e o doente é um 
personagem social que se reconhece na forma como a sociedade institucionaliza o 
desvio e assim o assimila e o integra.
Daí que os papéis e funções de médico e paciente são complementares. A prática 
médica é um mecanismo do sistema social para reconduzir o doente à normalidade, mas 
que também reconhece seu desvio e o institucionaliza. Ela tem por finalidade o controle 
dos desvios individuais. Juan César Garcia, em seu estudo sobre as correntes de 
pensamento na medicina, faz uma crítica contundente ao funcionalismo de Parsons 
quando analisa o sistema médico. Ao definir a prática da medicina, diz ele, pela 
finalidade de curar e prevenir doenças, Parsons se limita a descrever como ela funciona 
e aparece em forma de fenômeno observável, desconhecendo as condições de sua 
produção e reprodução. Reduz a concepção de doença à noção de “desvio” colocando-a 
no âmbito exclusivo do paciente e do médico. Enfatiza seus respectivos papéis como 
atores sociais no conjunto da sociedade considerada harmônica e equilibrada. Como 
conclusão, coloca na maior ou menos suscetibilidade individual às tensões sociais, a 
responsabilidade da doença. Desconhece os conflitos existentes na sociedade, os 
interesses que perpassam a medicina como uma produção social e as determinações 
sociais da saúde/doença (García: 1983, 104-108).
Concluímos dizendo que o positivismo e sua forma particular denominada 
funcionalismo sociológico têm sido correntes de pensamento com maiôs influência e 
vigor na produção intelectual referente à questão das Ciências Sociais e a Saúde. Tal 
fato não nos pode estranhar, na medida em que são estas teorias que melhor se prestam 
para conservar e justificar a prática médica hegemônica e os enfoques práticos no 
tratamento dos doentes e das doenças. A referência mais atual que possuímos para esta 
constatação é a análise intensa e minuciosa realizada por Everardo Nunes (1985), onde a 
autor tece inúmeras considerações e constata os caminhos seguidos pela produção 
intelectual em Ciências Sociaise Saúde na América Latina.
49
Embora pretenda examinar apenas esse lado do continente, Everardo e os autores da 
coletânea fazer referências permanentes aos estudos realizado em todo o mundo 
ocidental, trabalhando uma abordagem histórico-estrutural (1985, 29-83; 87-461).
Nunes coloca o positivismo como a corrente de pensamento dominante nos anos 
50 e nas análises da saúde particularmente através das correntes funcionalistas e 
culturalistas. Mas hoje elas ainda continuam vivas e presentes tanto na produção 
científica como na prática. Podem ser identificadas por alguns sintomas que indicamos a 
seguir, a partir da leitura de vários autores da coletânea Ciências Sociais e Saúde na 
América Latina (1983): (a) Pouca valorização conceitual do processo saúde/doença e 
seus determinantes; (b) Enfoque pragmático e funcionalista da medicina como se ela 
fosse uma ciência universal, atemporal e isenta de valores; (c) Valorização das ciências 
sociais como acessório ou complemento na prática e na teoria médicas, considerando-as 
como ciências normativas e com finalidade adaptativa e funcional; (d) Na 
epidemiologia, valorização excessiva da concreção estatística tomada como 
objetividade e confusão do fenômeno com a própria realidade.
Na prática médica e suas relações com a sociedade o positivismo se manifesta: 
(1) Na concepção da saúde/doença como fenômeno apenas biológico individual em que 
o social entra, compreendido como modo de vida e apenas como variável, ou é 
desconhecido e omitido; (2) Na valorização excessiva da tecnologia e da capacidade 
absoluta da medicina de erradicar as doenças; (3) Na dominação corporativa dos 
médicos em relação aos outros campos do conhecimento, adotando-os de forma 
pragmática (a sociologia e a antropologia consideradas importantes apenas para fazer 
questionários, produzir informes culturais, ensinar alguns conceitos básicos); no 
tratamento subalterno dado aos outros profissionais da área (enfermeiros, assistentes 
sociais, nutricionistas, atendentes etc...); em relação ao senso comum da população, 
numa tentativa nunca totalmente vitoriosa, de desqualificá-lo e absorvê-lo.
50
A SOCIOLOGIA COMPREENSIVA
Uma segunda visão do mundo que tem tido profunda influência na construção 
do conhecimento da realidade, inclusive na interpretação das relações entre medicina e 
sociedade, é a chamada Sociologia Compreensiva. Ela privilegia a compreensão e a 
inteligibilidade como propriedades específicas dos fenômenos sociais, mostrando que o 
SIGNIFICADO e a INTENCIONALIDADE os separam dos fenômenos naturais.
Na Introdução às Ciências dos Espíritos, Dilthey polemiza com o positivismo, 
afirmando que os fatos humanos não são suscetíveis de quantificação e de objetivação 
porque cada um deles tem sentido próprio e identidade particular, exigindo uma 
compreensão específica e concreta. Daí, deduz ele, são falsas as teorias sociológicas e a 
filosofia da história que vêem na descrição do singular uma simples matéria-prima para 
posteriores abstrações: “não há última palavra da história que contenha o verdadeiro 
sentido” (Dilthey: 1956, 25).
Na sociologia de Max Weber quem estabeleceu as bases teórico-metodológicas 
da Ciência Compreensiva. Contra os princípios do positivismo, ele diz que: “A 
sociologia exige um ponto de vista específico já que os fatos de que se ocupa implicam 
um gênero de causação desconhecido das ciências da natureza” (1964, 33).
Sua definição de Sociologia passou a ser um marco para essa corrente, dentro 
das Ciências Sociais:
É uma ciência que se preocupa com a compreensão interpretativa da ação social, 
para chegar à explicação causal de seu curso e de seus efeitos. Em ‘ação’ está 
incluído todo o comportamento humano quando e até onde a ação individual lhe 
atribui um significado subjetivo. A ‘ação’ neste sentido pode ser tanto aberta 
quanto subjetiva. (...) A ‘ação’ é social quando, em virtude do significado 
subjetivo atribuído a ela pelos indivíduos, leva em conta o comportamento dos 
outros e é orientada por ele na sua realização (Weber, 1964, 33).
51
Weber retoma aqui o tema central das Ciências Sociais, isto é, a relação entre 
indivíduo e sociedade, afirmando que os sociólogos necessariamente têm que tratar dos 
significados subjetivos do ato social. Weber não faz psicologia, ele quer dizer que a 
sociedade é fruto de uma inter-relação de atores sociais, onde as ações de uns soa 
reciprocamente orientadas em direção às ações dos outros.
Segundo Weber, a sociologia requer uma abordagem diferente das ciências da 
natureza, e isso se consegue através de: (a) pesquisa empírica a fim de fornecer dados 
que dêem conta das formulações teóricas: (b) tais dados derivam de algum modo da 
vida dos atores sociais; (c) os atores sociais dão significados a seus ambiente sociais de 
forma extremamente variada; (d) eles podem descrever, explicar e justificar suas ações 
que são sempre motivadas por causas tradicionais, sentimentos afetivos ou são 
racionais.
A sociologia compreensiva, em Weber, nos diz que as realidade sociais são 
construídas nos significados e através deles e só podem ser identificadas na linguagem 
significativa da interação social. Por isso, a linguagem, as práticas, as coisas e os 
acontecimentos são inseparáveis.
Weber propõe, para conseguir compreender a realidade social, dois princípios 
metodológicos: (a) a neutralidade de valor e (b) a construção do tipo-ideal.
Partindo do princípio de que a história humana se constitui de “constelações 
singulares”, do “caso concreto”, o autor propõe a teoria dos tipos-ideais como 
instrumento racional e teórico de aproximação da realidade. Os “tipos-ideais” não 
existem empiricamente, são artifícios criados pelo cientista para ordenar os fenômenos, 
para indicar suas articulações e seu sentido. Sintetizam e evidenciam os traços típicos, 
originais de determinado fenômeno tornando-o inteligível. Weber constrói vários tipos-
ideais sendo os mais conhecidos a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, a 
Burocracia e as Formas de Dominação (1974, 15-79). Sua intenção ao propor esse 
instrumento metodológico de compreensão da realidade é tornar as Ciências Sociais 
rigorosas e fidedignas, mas de uma perspectiva diferente da abordagem positivista. Ele 
próprio comenta:
Não existe uma análise da cultura absolutamente objetiva dos
52
fenômenos sociais, independente dos pontos de vista especiais e parciais, 
segundo os quais, de forma explícita ou tática, consciente ou subconsciente, 
aqueles são selecionados e organizados para propósitos expositivos. Todo 
conhecimento da realidade cultural, como pode ser visto, é sempre 
conhecimento a partir de pontos de vista específicos (Weber: 1959, 72).
Na luta teórica contra o positivismo, Weber reconhece que os valores têm um 
papel destacado na seleção do objeto de investigação, na escolha da problemática e nas 
questões que o pesquisador se coloca. Porém, através da sua tentativa de “objetividade” 
que se concretiza na construção dos tipos-ideais e na crença de isenção de valores 
durante o processo de pesquisa, Weber reencontra-se com Durkheim. Cai nas malhas do 
idealismo que prevê a verificação e a validade a partir dos métodos e técnicas e os crê 
isentos de ingerência dos valores tanto históricos, provenientes de seu processo de 
produção, quanto pessoais, referentes à ideologia do investigador.
Weber é considerado um clássico da sociologia e sua influência se estende por 
várias abordagens teóricas. Com relação ao campo qualitativo, em duas correntes de 
pensamento encontramos o peso de sua contribuição, embora em cada uma delas 
conserve seu esquema conceitual peculiar: a fenomenologia sociológica e a 
etnometodologia. O reconhecimento da presença de Webernessas abordagens não é 
explícita, mas ao analisá-las percebemos a presença fundamental do conceito central 
weberiano: o SIGNIFICADO da ação social. Relativamente ao campo da saúde, o peso 
da influência maior está na fenomenologia. É por isso que falaremos dela com 
prioridade e apenas sintetizaremos os princípios da etnometodologia.
Etnometodologia compreende o conjunto de reflexões que se abrigam sob seu 
próprio nome, além do internacionalismo simbólico, da história de vida e da história 
oral. Seu berço foi a Universidade de Chicago e seu principal arquiteto Robert Park, que 
nas décadas de 20 e 30 preconizava a experiência direta com os atores sociais para a 
compreensão de sua realidade. Ao mesmo tempo dava um lugar de destaque às Histórias 
de Vida como um material de excelência para a sociologia (1921). As idéias de Park 
foram teoricamente desenvolvidas por Harold Garfinkel na década de 30, que 
estabeleceu o quadro
53
conceitual e as bases metodológicas da etnometodologia, cujos princípios resumiremos 
a seguir (Garfinkel: 1967).
Garfinkel defende a sua teoria como uma forma de compreender a prática 
artesanal da vida cotidiana, interpretada já, numa primeira instância, pelos atores 
sociais. Segundo ele, as características do mundo social são inseparáveis dos processos 
interpretativos pelos quais o mundo é constituído, realizado e explicado. A sociedade é 
entendida como uma constituição de estrutura com regras e conhecimentos 
compartilhados e tácitos que tornam a interação social possível e aceita. Portanto, faz 
parte da constituição do mundo, a forma pela qual os homens chegam a um sentido da 
realidade objetiva: o senso comum. E já que o ser humano tem como característica 
fundamental a reflexibilidade sobre seus atos, o papel dos etnometodólogos é, ao 
estudar a cotidianidade, descobrir os modelos de racionalidade subjacentes à ação dos 
indivíduos e dos grupos (Payme et alli, 1981, 108-138; Smart, 1978, 19-141). Harrison 
& Madge são dois representantes da etnometodologia na Inglaterra. Desde 1937 eles 
têm tentado explicar os procedimentos dessa abordagem para compreender o dia-a-dia 
do homem comum na sociedade complexa. Suas idéias, desenvolvidas na teoria da 
“Observação de Massa” contêm críticas e propostas. Harrison questiona o fato de que as 
grandes leis sobre o comportamento humano tenham sido produzidas sem observação 
do que acontece na realidade e de que “as abordagens quantitativas sacrificam o 
SIGNIFICADO no altar do rigor matemático” (Harrison: 1942, 10-21). Por isso, através 
da organização de observadores voluntário, passou a colecionar atitudes, palavras e 
reações dos ingleses no seu dia-a-dia, visando a compreender o comum, o mágico, os 
hábitos, os rituais e tabus de uma cultura pretensamente conhecida. Harrison publicou 
vários livros antes e depois da Segunda Guerra Mundial. Desmascarou vários mitos do 
período da guerra e colocou à luz a cultura popular inglesa sob vários aspectos, 
deixando a marca de sua contribuição tanto para o cinema, as artes, como para as 
técnicas de pesquisa de mercado e de opinião pública. Seu arquivo classifica como Arte, 
Assuntos Financeiros, Anti-Semitismo, Sonhos, Comportamento Sexual. Apesar de seu 
espírito inovador, Harrison é criticado dentro e fora do âmbito científico pela sua falta 
de rigor metodológico.
54
As observações externas sobre o trabalho de Harrison de certa forma refletem 
um questionamento interno da sociologia em relação à etnometodologia, proveniente 
tanto dos positivistas como dos marxistas: (a) crítica à consideração de que os 
significados subjetivos criam a realidade do mundo; (b) crítica à redução da estrutura 
social a procedimentos interpretativos; (c) crítica ao desconhecimento dos fatores que 
determinam ou condicionam a visão das pessoas sobre sua situação social; (d) crítica à 
separação entre pensamento e ação (Smart: 1978, 133s).
O Interacionismo Simbólico, enquanto teoria e método, pode ser compreendido 
como uma vertente da etnometodologia. Sua origem, também da década de 20, reúne 
estudos importantes como os de Thomas (1927); Herbert Mead (1946) e Cooley (1922). 
Hebert Blumer é quem, em 1937, atribui à sua abordagem teórico-metodológica o termo 
“Interacionismo Simbólico”. Diz Blumer em sua obra:
Nós podemos e eu penso que posso, olhar a vida humana, acima de tudo como 
um vasto processo de interpretação, no qual o povo, individual e coletivamente 
guia a si mesmo para definir objetivos, acontecimentos e situações que 
encontram... Nenhum esquema designado para analisar a vida dos grupos 
humanos em seus caracteres gerais se adequa a esse processo de interpretação 
(1956, 686).
A concepção interacionista das relações sociais se fundamenta no princípio de 
que o comportamento humano é autodirigido e observável em dois sentidos: o 
simbólico e o interacional. Isso permite a qualquer ser humano planejar e dirigir suas 
ações em relação aos outros e conferir significado aos objetos que utiliza para realizar 
seus planos. Além disso, a concepção interacionista concebe a vida social como um 
consenso estabelecido na inter-relação, por isso, o sentido atribuído às ações é 
manipulado, redefinido e modificado através de um processo interpretativo consensual 
ao grupo. Do ponto de vista metodológico, os principais interacionistas enfatizam que 
símbolos e interação devem ser os principais elementos a se apreender na investigação. 
Em segundo lugar, partindo-se da idéia de que símbolos, significados e definições são 
forjados pelos atores sociais é
55
necessário apreender a natureza reflexiva dos sujeitos pesquisados. Isto é, o investigador 
deve tentar fugir da falácia do objetivismo, substituindo sua própria perspectiva pela dos 
grupos que ela está estudando (Payne: 1981, 116; Haguette: 1987, 31s; Denzin, 1973, 5-
9).
Os movimentos etnometodológicos decaíram nos Estados Unidos, e na 
Inglaterra sua influência foi pequena. Porém, a partir da década de 50, a tradição 
etnometodológica tem sido retomada com vigor. Ninguém pode negar hoje a influência 
dos trabalhos de Goffman para a sociologia. Inclusive na área da saúde, a análise das 
“instituições totais” teve e tem seu impacto. O renascer de estudos sociológicos de 
pequenos grupos dentro de abordagens etnometodológicas vem ocupando o espaço 
deixado pelo descrédito do positivismo e pelo escasso desenvolvimento heurístico das 
correntes marxistas, mais preocupadas com abordagens filosóficas e macros-sociais.
Assim como a Etnometodologia, a Fenomenologia é considerada dentro das 
Ciências Sociais, a Sociologia da Vida Cotidiana. Embora na elaboração se percebam as 
influências weberianas é na filosofia de Husserl que ela busca seu nome e 
fundamentação metodológica. O argumento de Husserl é o mesmo de Dilthey e Weber, 
isto é, os atos sociais envolvem uma propriedade que não está presente nos outros 
setores do universo abarcados pelas ciências naturais: o SIGNIFICADO (Husserl: 1980, 
4-181).
Nas Ciências Sociais, Schutz é o representante mais significativo do pensamento 
fenomenológico. Ele consegue dar consistência sociológica aos princípios filosóficos de 
Husserl e fazer deles, não apenas uma atitude, mas uma teoria e método na abordagem 
da realidade social, inspirando-se ao mesmo tempo distinguindo-se de Weber. A 
fenomenologia sociológica apresenta: (a) uma crítica radical ao objetivismo da ciência, 
na medida em que propõe a subjetividade como fundante do sentido; (b) uma 
demonstração da subjetividade como sendo constitutiva do ser social e inerente ao 
âmbito da autocompreensão objetiva; (c) a proposta da descrição fenomenológica como 
tarefa principal da sociologia.
Schutz traz para o campo de preocupações da Fenomenologia social o mundo davida cotidiana onde o homem se situa com suas angústias e preocupações em 
intersubjetividade em seu semelhantes
56
(companheiros, predecessores, sucessores, contemporâneo). O espaço-tempo 
privilegiado nessa teoria é a vida presente e a relação face a face.
Do ponto de vista do conhecimento, Schutz o divide em três categorias: (a) a do 
vivido e experimentado no cotidiano; (b) o da epistemologia que investiga esse mundo 
vivido; (c) o do método sociológico para investigação.
No primeiro nível, o mundo social apresenta-se aos indivíduos na forma de um 
sistema objetivado de designações compartilhadas e de formas expressivas. É o mundo 
da cotidianidade, tal como é experimentado pelo homem em “atitude natural” e aceito 
como tal. Dentro da “atitude natural” o homem não questiona a estrutura significativa 
do mundo, mas age e vive nela.
O mundo cotidiano se apresenta através de tipificações construídas pelos 
próprios atores sociais, de acordo com suas relevâncias. Essas tipificações incluem o 
universal e o estável, o específico e o mutável. Aqui se observa uma das diferenças de 
Schutz em relação a Weber. Enquanto para este, o tipo-ideal é uma construção analítica 
criada pelo cientista, para Schutz o ator social, não apenas o cientista, tipifica o mundo 
para compreendê-lo e comunicar-se com seus semelhantes.
Schutz afirma que o objeto das ciências sociais quando é estudado já se encontra 
de certa forma estruturado e interpretado, pois a realidade social já possui sentido para 
os homens que vivem nela. Desta forma, diz ele, “os objetos das ciências sociais são 
construtos em segunda potência” (1962: 300-311). Portanto, o ponto de partida para a 
fenomenologia sociológica são os “construtos de primeira ordem” usados pelos 
membros de uma sociedade; isto é, o senso comum, ainda que contenha idéias vagas, 
imbuídas de emoção, fragmentadas e ambíguas. Schtuz não questiona se o 
conhecimento do senso comum é superior ou inferior à construção científica. Segundo 
ele, o comum é superior ou inferior à construção científica. Segundo ele, o propósito do 
cientista social é revelar os significados subjetivos implícitos que penetram no universo 
dos atores sociais. O cientista social cria um saber diferente a partir do conhecimento de 
“primeira ordem”, através da elaboração de modelos do ator social, de “tipos ideais” 
para explicitar os significados da realidade social e para descrever os procedimentos dos 
significados. Esses modelos construídos
57
pelo cientista a partir do mundo da vida cotidiana se distinguem do senso comum, 
segundo Schutz: (a) pela consistência lógica, isto é, pela possibilidade de descrever o 
vivido, buscando trazê-lo para a ordem das significações; (b) pela possibilidade de 
interpretação; (c) e pela sua adequação à realidade.
O modelo científico para compreensão do mundo social, Schutz o descreve a 
partir dos seguintes princípios: (a) a intersubjetividade: estamos sempre em relação uns 
com os outros; (b) a compreensão: para atingir o mundo do vivido, a ciência tem que 
apreender as coisas sociais como significativas; (c) a racionalidade e a 
internacionalidade: o mundo social é constituído sempre por ações e interações que 
obedecem a usos, costumes e regras ou que conhecem meios, fins e resultados.
Para a compreensão empírica da realidade, Schutz elabora alguns conceitos que 
nos remetem ao ato social. O primeiro deles é o de situação: significa o lugar que 
alguém ocupa na sociedade, o papel que desempenha e suas posições ético-religiosas, 
intelectuais e políticas. Schutz diz que o homem está situado biograficamente no mundo 
da vida sobre o qual e no qual deve agir. Distingue experiência biografia de 
conhecimento. Esse último consiste na sedimentação das experiências e situações 
vivenciadas. O estoque de conhecimento do ator social funciona como um marco de 
referência, através do qual interpreta o mundo e pauta sua ação. Schutz usa também os 
termos relevância e estrutura de relevâncias referindo-se à importância que os objetos e 
os contextos possuem para o sujeito, o que se relaciona, por sua vez, com sua bagagem 
de conhecimento e com a situação biográfica.
Esses conceitos desenvolvidos na sociologia fenomenológica por Schutz têm 
extrema importância na base empírica da pesquisa. Eles passam do contexto individual 
para o contexto grupal e comunitário através do que o autor considera reciprocidade de 
perspectiva, de comunicação, de comunidade de objetivos e de interpretação 
intersubjetiva. Recebemos, segundo o autor, a maior parte de nossos conhecimentos 
através de nossos pais, professores e predecessores. Recebemos uma visão de mundo, 
maneiras de classificar e tipificar que criam o nosso universo, e um conhecimento que 
vai do “familiar” ao “anônimo” e nos coloca a partir da situação “face a face”, isto é, no 
nível da vida prática, em relação com o mundo (1961: 116-150).
58
Para Schutz a intersubjetividade é a categoria central na análise fenomenológica porque 
ele é um dado fundamental da existência humana no mundo. Ele a resume nos seguintes 
termos:
Aqui onde estou – lá onde meu semelhante está: jamais podemos estar no 
mesmo lugar, estar na mesma posição, estar os dois aqui ou não (1961: 147).
Essa interubjetividade é vivida em situação de familiaridade sobre a forma do 
nós e permite a captação do outro como único em sua individualidade. Ou em situação 
de anonimato que afasta a unicidade e individualidade do outro e produz as situação de 
generalização. O grau máximo de anonimato é a consideração do outro como número ou 
função (1961: 140-150).
Como se pode concluir, na fenomenologia há um curioso desconhecimento dos 
fenômenos estruturais e uma ausência de discussão sobre as questões do poder, da 
dominação, da força, da estratificação social. Sua abordagem otimiza a realidade como 
se cada fato ou grupo constituísse um mundo social independente.
Para os fenomenólogos, são os pequenos grupos como a família, as entidades 
religiosas, as associações voluntárias, os responsáveis pela identidade dos indivíduos, 
pela sua estabilidade e por seu sistema de significados, na medida que integram uma 
visão de mundo compartilhada.
Contrapões-se ao positivismo nos mais diferentes aspectos: (a) à ambição dessa 
teoria de construir explicações totalizantes e invariáveis como nas ciências naturais, a 
fenomenologia afirma que a vida humana é essencialmente diferente e só pode ser 
compreendida através do mergulho na linguagem significativa da interação social; (b) à 
separação entre fatos sociais e valores no positivismo, a fenomenologia diz que a 
linguagem, práticas, coisas e acontecimentos são inseparáveis. E a linguagem é 
essencial ara que a realidade seja do jeito que é, isto é, a realidade é a própria vida 
cotidiana nos indivíduos onde eles se comunicam, concordam, discordam, justificam-se, 
negam ou criam; (c) à pretensão de construir conhecimentos objetivos e neutros, a 
fenomenologia diz que só há conhecimento subjetivo, pois é o homem que imprime leis 
ao real, e o ato de conhecimento
59
o observador e o observado, ambos possuidores de significados atribuídos pelo próprio 
homem; (d) à coerção da sociedade sobre o indivíduo, a fenomenologia proclama a 
liberdade do ator social que através de sua história bibliográfica e em inter-relação; (e) 
desta forma a fenomenologia proclama e absolutiza o componente ético na relação da 
ciência com a sociedade. Diz que o conhecimento deve estar sempre submetido a 
exigências morais, pois ele é uma forma dentre as possíveis de confirmação da 
realidade. E ao contrário do positivismo que confere primazia ao reinado da ciência, a 
fenomenologia advoga sua submissão aos princípios da ética e da moral de determinada 
sociedade.3
Em seu texto: As Correntes de Pensamento no Campo da Saúde (1983:97-131), 
Juan César García nos fala sobre a forma específica do desenvolvimento da 
fenomenologia nas análises sociológicas e no debate político sobre as relações da 
Medicina com a Sociedade. Na década de 60 e com maior força nos anos 70 a 
fenomenologia junto com o marxismo propuseram uma crítica radical das relações de 
produção e dos esquemas de dominação que acompanharam o enorme crescimento das 
forças produtivas ocorrido nos países capitalistas a partir da Segunda Guerra Mundial. A 
onda desenvolvimentista cujos rumos do progresso não significaram a socialização do 
bem-estar; a constatação do aprofundamento das desigualdades entre ricos e pobres, 
entre países centrais e países periféricos; o caos ecológico e social dos grandes centros 
urbanos, a corrida armamentista, tudo isso fez crescer um movimento oposicionista na 
sociedade civil e um questionamento profundo da ciência como verdade incontestável. 
A concepção positivista da ciência universal, atemporal e isenta de valores conduzindo 
os rumos da humanidade, na área da saúde foi sendo problematizada por um debate 
teórico e ideológico que engajou questões tanto de cientificidade de postulados vigentes 
como da ética de investigação científica.
Juan César García comenta que no início a fenomenologia e o
60
marxismo estiveram juntos numa crítica radical. Porém, a partir da metade da década de 
70, pouco a pouco foi se delineando uma diferença também no campo teórico, 
ideológico e de propostas relativas aos rumos da mudança, entre as duas correntes. Ele 
diz que a “fenomenologia” passou de radical a reacionária (1983; 121). Porém 
reconhece sua contribuição.
A contestação intelectual da fenomenologia ao positivismo desenvolveu-se em 
vários aspectos como crítica contundente à instituição médica, à prática médica, à ética 
médica, ao sistema público de saúde e à concepção biomédica de saúde/doença. Uma 
crítica destruidora sobre o caráter reprodutor e coercitivo da instituição médica, sobre os 
efeitos negativos da medicalização foi realizada por Ivan Illich em A Expropriação da 
Saúde (1975). O seu “parti pris” contra o caráter dominador e totalizante da instituição 
médica chegou a um nível quase fóbico. Mas se o seu exagero deixa hoje desacreditada 
cientificamente sua obra, assim mesmo ela aponta uma série de elementos que outros 
intelectuais tentam demonstrar. Sua tese é de que a hipertrofia das grandes instituições 
voltadas para a assistência social tornou-se o maior obstáculo à realização de seus 
próprios objetivos. Ele fala do “crescimento mórbido da medicina” que conduz: (a) à 
ineficácia global do sistema; (b) à perda da capacidade da população de se adaptar ao 
meio social, de aceitar a dor e o sofrimento, por causa da medicalização da vida; (c) ao 
3 Além de Schutz é importante citar como nomes relevantes da Sociologia Fenomenológicas, Peter Breger e Luckmann, A 
construção social da realidade, RJ, Vozes, 1973, Cicourel, A. Method and Measuremente Sociology, N. York, The Free Press, 1969.
mito de a medicina acabar com a dor, o sofrimento e a doença, mito que compromete a 
capacidade cultural dos homens de lidar com a vida e a morte.
O livro de Illich se insere num debate fundamental da sociologia que é assunto 
tanto pela fenomenologia, como pelo marxismo. É a relação do indivíduo com a 
sociedade e suas possibilidades frente aos esquemas coercitivos. Esse debate chega a 
algumas afirmações que já se constituem axiomas, através de vários estudos. Primeiro 
que a atenção médica não tem significado necessariamente a melhoria de qualidade de 
saúde da população (McKeown, 1984). Segundo, que o caráter dominador da medicina 
tem induzido a prática médica a ampliar cada vez mais seu controle sobre o corpo, os 
eventos da vida humana, os ciclos biológicos e a vida social (Boltanski, 1979). E por 
fim, que o profissionalismo médico tem redundado principalmente na defesa de 
privilégios corporativos e servido mais para atender a
61
interesses econômicos do que para responder às necessidades de saúde da população 
(Boltanski, 1979; Arouca, 1975; Loyola, 1984).
A esses questionamentos julgados fundamentais, juntaram-se outros sobre a ética 
médica e sobre uma concepção social mais abrangente de saúde/doença. São pontos 
particularmente defendidos por fenomenólogos para quem as relações morais e culturais 
desempenham papel fundamental.
Junto com a crítica da descaracterização cultural, por parte da instituição médica, 
dos fenômenos da vida e da morte e da medicalização da vida, os fenomenológos 
propõem a necessidade de desenvolver uma filosofia da medicina que leva em conta os 
problemas éticos dos experimentos e serviços referentes à vida humana e que se 
restabeleça na concepção de saúde/doença (para fins médicos) a relevância 
antropológica entre religião e medicina (Pelegrino: 1976).
García comenta que a partir de 1968 a literatura e congressos sobre ética médica 
cresceram aceleradamente, influenciando movimentos da sociedade civil no sentido de 
criar uma consciência dos direitos dos usuários do sistema de saúde e de repúdio ao 
domínio controlador do saber e do fazer médicos. A partir dos anos 70, no mundo 
inteiro foram criadas comissões de ética, fundamentais no reconhecimento de que as 
pessoas têm o direito de ser informadas participar do processo de reflexão sobre o que 
acontece nos laboratórios, nos hospitais e nas clínicas.
Os fenomenólogos consideram que a cura se baseia em valores, símbolos e 
sistemas de significados compartilhados nos seus grupos de referência. São esses grupos 
que protegem os indivíduos contra as grandes estruturas impessoais e anônimas onde, 
comenta Schutz, eles se tornam um número. Advogam portanto uma reforma do sistema 
de saúde que leve em conta os valores culturais dos grupos, seus mediadores (os 
pequenos grupos) e seus ecossistemas (Manning e Fábrega: 1973; Douglas: 1971).
A partir das mesmas idéias vai se desenvolvendo também uma linha holística na 
concepção saúde/doença que se unifica nos seguintes pontos: (a) a saúde tem que ser 
pensada como um bem-estar integral: físico, mental, social e espiritual; (b) os 
indivíduos devem assumir sua responsabilidade inalienável frente às questões de sua 
saúde; (c) as práticas da medicina holística devem ajudar as pessoas 
62
a desenvolver atitudes, disposições, hábitos e prática que promovem seu bem-estar 
integral; (d) o sistema de saúde deve ser reorientado para tratar das causas ambientais, 
comportamentais e sociais que provocam a doença; (e) as pessoas devem se voltar para 
a harmonia com a natureza, utilizar práticas e meios naturais de tratamento (García: 
1983, 128-130).
Os resultados práticos das concepções fenomenológicas sobre o setor Saúde têm 
sido: (a) um questionamento sobre o papel do Estado e das grandes instituições 
médicas; (b) incremento dos pequenos grupos privados e voluntários referentes à 
questão da saúde; (c) reconhecimento de modalidades alternativas de expressão e de 
tratamento de saúde; (d) aparecimento de novas formas institucionalizadas de saúde 
pública combinadas com associações voluntárias; atenção primária; autocuidado; uso da 
medicina tradicional; participação comunitária; educação e saúde vinculadas à pesquisa-
ação.
A crítica à abordagem fenomenológica no campo da saúde veio particularmente 
dos marxistas, companheiros de caminhada dos primeiros momentos. Segundo eles, as 
propostas dos fenomenológos abriram o flanco para uma reacomodação e posterior 
assimilação e uso pelo Estado capitalista, das alternativas em questão. Assim, em lugar 
de radicalizarem as mudanças, tornaram-se conservadores.
Com relação ao arcabouço teórico, a principal crítica marxista é de que a 
estrutura social é captada de forma unilateral pela fenomenologia. Ao enfatizara 
autonomia dos indivíduos, dos pequenos grupos, dos sistemas de crença e valores, os 
fenomenólogos desconhecem as bases sociais dos valores e crenças e o caráter de 
totalidade, historicamente construído, das relações de dominação econômico-política e 
também ideológica do sistema capitalista.
Com relação à questão ética, a fenomenologia assume como absoluto o 
componente ético da relação ciência-moral. O marxismo afirma que a ética e a ciência 
são duas formas de consciência em relação dialética com as condições materiais de sua 
produção. Desta forma submete à crítica tanto uma como outra.
Juan César García chama atenção para o fato de que as proposições 
fenomenológicas têm sido tomadas nos países capitalistas tanto centrais como 
periféricos para uma reorganização do sistema de saúde (e de outros setores sociais):
63
No terreno da prática médica surgem programas alternativos de autocuidado de 
saúde, atenção primária por pessoal não profisional, revitalização da medicina 
tradicional, etc. A maioria destas experiências e os princípios sobre os quais se 
sustentam foram apropriados pelo Estado na maioria dos países da América 
Latina na década de 70, ao mesmo tempo em que se reduziam, de forma relativa, 
os orçamentos estatais para a área social (1983, 121).
García argumenta que isso acontece pari passu com a crise fiscal do Estado e 
com a crise econômica capitalista, cuja resposta às crescentes necessidades da 
população é a adoção de alternativas baratas que oneram mais uma vez os usuários das 
políticas sociais:
É uma tentativa de converter o consumidor da assistência médica em provedor 
desta, através do auto-cuidado e da sua participação nas estruturas 
intermediárias. (...) O desenvolvimento econômico social é entendido – dentro 
deste corpo teórico reacionário – como determinado pelo investimento privado 
gerador de riqueza e pela ajuda voluntária, contribuinte do bem-estar social 
(García: 1983, 130).
Concluindo, cremos que os questionamentos da teoria fenomenológica no campo 
da saúde têm sido fundamentais e podem ser recuperados dialeticamente na medida em 
que se articulem suas análises às bases sociais de produção dos sistemas econômicas, 
políticos e ideológicos. Porém sua visão unilateral que absolutiza os valores e crenças 
dos grupos e a autonomia do indivíduo sobre a sociedade acaba por gerar o que nega 
desde o início: a assimilação interessada do Estado de suas propostas éticas e morais.
Além disso, essa corrente de pensamento enquanto campo de influência 
ideológico-política pode ter importância transformadora se estiver articulada com 
categorias mais gerais que reflitam mudanças no mundo material, isto é, com as 
transformações econômicas que acontecem no sistema capitalista atual. As abordagens 
alternativas na área da Saúde, propiciadas pela fenomenologia, são hoje de
64
Tal importância que se tornou impossível desconhecê-la enquanto fenômenos de 
questionamento dos paradigmas dominantes. Seu eclodir não se dá em vão, faz parte de 
um movimento geral teórico e prático de busca de saídas para a crise em que se 
mergulhou o mundo pragmático. É cedo ainda para avaliar a contribuição positiva ou 
negativa dos resultados da fenomenologia na Saúde. Ela deixou de ser apenas linha de 
pensamento: trasnformou-se em movimentos sociais “alternativos” que estão aí, existem 
e se multiplicam. Mostram acima de tudo que nenhuma corrente de pensamento existe e 
se desenvolve independente das questões práticas que lhe coloca a realidade social. 
O MARXISMO
A obra de Marx é coerente com o princípio básico de sua metodologia de 
investigação científica: tem a marca da totalidade. Por isso mesmo, uma das polêmicas 
sobre a contribuição de seu trabalho para as Ciências Sociais se deve ao fato da 
dificuldade de catalogá-la como Filosofia, História, Economia, Sociologia ou 
Antropologia.
Esse caráter de abrangência, que tenta, a partir de uma perspectiva histórica, 
cercar o objeto de conhecimento através da compreensão de todas as suas mediações e 
correlações, constitui a riqueza, a novidade e a propriedade da dialética marxista para 
explicação do social. Goldmann (1980) atribui esse caráter cientificamente totalizante 
da obra de Marx às grandes questões que ele se coloca no plano teórico e de como as 
vincula à utilidade e às necessidades humanas.
Constitui uma tarefa gigantesca e profunda a aproximação do pensamento de 
Marx e dos marxistas que tentaram refletir sobre o homem e a sociedade. Como nosso 
escopo científico neste trabalho se refere à compreensão das correntes de pensamento e 
metodologias que têm influindo nas análises e nas práticas do setor Saúde, é por esse 
veio que analisaremos o marxismo. Daremos ênfase à sua abordagem, que é dialética, 
das relações entre o indivíduo e a sociedade, entre as idéias de base material, entre a 
realidade e a sua compreensão pela ciência, e às correntes que enfatizam o sujeito 
histórico e a luta de classes.
Dentro da perspectiva marxista como sociologia do conhecimento,
65
os princípios fundamentais que explicam o processo de desenvolvimento social, podem 
ser resumidos nos termos: materialismo histórico e materialismo dialético.
Enquanto o materialismo histórico representa o caminho teórico que aponta a 
dinâmica do real na sociedade, a dialética refere-se ao método de abordagem deste real. 
Esforça-se para entender o processo histórico em seu dinamismo, provisoriedade e 
transformação. Busca apreender a prática social empírica dos indivíduos em sociedade 
(nos grupos e classes sociais), e realizar a crítica das ideologias, isto é, do imbricamento 
do sujeito e do objeto, ambos históricos e comprometidos com os interesses e as lutas 
sociais de seu tempo. Como se pode perceber, esses dois princípios estão 
profundamente vinculados, naquele sentido já advertido (e citado anteriormente) por 
Lênin: “O método é a própria alma do conteúdo”.
Lowy prefere usar indistintamente os termos: dialética marxista, materialismo 
dialético, materialismo histórico e filosofia da práxis (este último, uma denominação 
gramsciana) para se referir ao marxismo (1986, 25). Comenta que julga empobrecedor 
limitar a definição do marxismo aos dois conceitos que colocamos no início. Todos os 
termos citados, diz ele “apontam para elementos do método marxista”. Sua observação 
particular é a de preservarmos o que há de essencial no pensamento marxista, o seu 
caráter histórico: “o historicismo é o centro, o elemento motor, a dimensão dialética e 
revolucionária do método” (1986, 26).
Com relação à dimensão materialista, Lowy (1986), Goldmann (1980), 
Bottomore e Rubel (1964), Adam Schaff (1967) insistem em mostrar que ela não 
constitui, em si, a maior novidade do marxismo. O próprio Marx, tomando a histórica 
como centro, tem um diálogo com os que ele denomina “materialistas vulgares”, os 
contrapõe aos “ideólogos alemães”, e critica a ambos: “para os materialistas vulgares a 
produção do real da vida aparece como não-histórica, ao passo que o histórico é 
mostrado à vida comum supraterrestre” (1973, 27).
E completa referindo-se aos idealistas:
66
A filosofia hegeliana da histórica é a última conseqüência, levada à sua 
expressão mais pura, de toda historiografia alemã que pretende ver não os 
interesses reais nem sequer políticos, mas os pensamentos puros que 
inevitavelmente aparecem... como uma série de pensamentos que devoram uns 
aos outros até serem engolidos pela “autoconsciência” (1984, 5)
Um exame do prefácio Contribuição à Crítica da Economia Política (1973) nos 
mostra que a expressão “material” em Marx é usada simplesmente para designar as 
condições primárias da vida humana. Suas expressões: “vida material”, “condições 
materiais de existência”, “forças materiaisde produção”, “transformação das condições 
materiais de produção” estão relacionadas com uma historiografia. Visam a promover 
uma interpretação científica das transformações sociais que baixam do céu para a terra, 
isto é, das idéias como fonte, para o homem-natureza-sociedade como geradore. Neste 
sentido sua historiografia é uma “sociologia histórica”, conforme a expressão de 
Goldmann (1980).4
Bottomore e Rubel comentam sobre a especificidade do “materialismo” em 
Marx:
A ênfase que ele dava à estrutura econômica na sociedade não era novidade. Sua 
contribuição pessoal nessa esfera foi o contexto dentro do qual discutiu a 
estrutura econômica: o contexto do desenvolvimento histórico do trabalho 
humano como relação primária entre homem-natureza e entre os homens e seus 
semelhantes. O trabalho de Marx conforme ele mesmo disse, antes de tudo era 
uma nova historiografia, e seu interesse dominante era a transformação histórica 
(1964, 34)
São dois os conceitos fundamentais que resumem o materialismo dialético, 
conceitos que carregam um alto grau de totalidade: Modo de Produção e Formação 
Social.
67
Fioravante resume assim o conceito de Modo de Produção: (a) uma estrutura 
global formada por estruturas regionais (ou instâncias), ou seja, uma estrutura 
econômica, uma estrutura jurídico-política; uma estrutura ideológica, (b) uma estrutura 
global na qual existe sempre uma estrutura regional que domina as demais. Esa 
dominação de qualquer uma das instância se dá historicamente; (c) uma estrutura global 
na qual é sempre o nível econômico que determina as outras instâncias (1978, 33s).
Modo de produção, na verdade, é um conceito abstrato formal que não existe na 
realidade, mas pretende ser um modelo teórico de aproximação da realidade. A ele Marx 
associa o de Formação Social que se referem às dimensões dinâmicas das relações 
sociais concretas numa sociedade dada.
A Formação Social se constitui numa unidade complexa de articulação das 
várias instâncias da organização social que pode conter vários modos de produção entre 
os quais um é dominante e determina os outros (Fiovarante: 1978, 34). Pode ser 
entendida como a realidade que se forma processualmente na história, seja ela mais ou 
menos organizada ou institucionalizada, macro ou microssociológica. O estudo de uma 
formação social inclui tanto as mudanças e transformações como as permanências e 
4 Nossa reflexão aqui assumida sobre o marxismo se coloca numa posição crítica ao marxismo althusseriano que nega a história 
enquanto construção humana significativa e o sujeito social a não ser como “efeito ilusório de estruturas ideológicas”.
suas formas estruturais. É dentro do conceito abrangente de Formação Social que 
podemos analisar, numa determinada sociedade, o desenvolvimento das forças 
produtivas e as relações sociais de produção; as classes sociais básicas e a luta de 
classes; a divisão do trabalho; as formas de produção, circulação e consumo de bens; a 
população; as migrações; o Estado; o desenvolvimento da Sociedade Civil; as relações 
nacionais e internacionais de comércio, de produção e de dominação; as formas de 
consciência do real e possível dos diferentes grupos sociais e por fim o “modo de vida”, 
conceito que em Marx está vinculado a “modo de produção”.
Como o objetivo principal do trabalho está referido às questões metodológicas, 
daremos ênfase à compreensão da dialética, vista sob o prisma de alguns autores 
marxistas que privilegiam uma nova historiografia e reconhecem a autoria do sujeito 
social.
A hipótese fundamental desse conjunto de autores marxistas é de que nada existe 
eterno, fixo e absoluto. Portanto não há nem idéias,
68
nem instituições e nem categorias estáticas. Toda vida humana é social e está sujeita a 
mudança, a transformação, é perecível e por isso toda construção social é histórica. 
Diferentemente dos positivista que buscavam as leis invariáveis da estrutura 
social para conservá-la, a lógica dialética introduz na compreensão da realidade o 
princípio do conflito e da contradição como algo permanente e que explica a 
transformação.
Nada se constrói fora da história. Ela não é uma unidade vazia ou estática da 
realidade mas uma totalidade dinâmica de relações que explicam e soa explicadas pelo 
modo de produção concreto. Isto é, os fenômenos econômicos e sociais são produtos da 
ação e da interação, da produção e da reprodução da sociedade pelos indivíduos.
Por isso Goldmann, retomando o pensamento de Marx, coloca em pé de 
igualdade e de reciprocidade a história e a sociologia. “Todo fato social é um fato 
histórico” diz ele (1989: 17). Aconselha, como norma metodológica para as Ciências 
Sociais, abandonar toda a sociologia e toda a história abstrata para alcançar uma ciência 
dos fatos históricos que não pode ser senão uma sociologia histórica ou uma história 
sociológica. O interesse central de tal ciência é o fato de que os seres humanos não são 
apenas objeto de investigação, mas pessoas com as quais agimos em comum: são 
sujeitos em relação. Diz Goldmann: “A deformação científica não começa quando se 
tenta aplicar ao estudo das comunidades, métodos das ciência físico-químicas, mas se 
encontra no fato de se considerar essa comunidade como objeto de estudo” (1980, 22).
Para Goldmann, a vida social constitui o único valor comum que reúne os 
homens de todos os tempos e de todos os lugares. Insiste em diferenciar a nova 
historiografia ou sociologia marxista que tem como objeto, tanto em relação ao passado 
como ao presente: (a) a compreensão das atitudes fundamentais dos indivíduos e dos 
grupos em face dos valores, da comunidade e do universo; (b) a compreensão das 
transformações do sujeito da ação no relacionamento dialético homem/mundo e da 
sociedade humana, fazendo a síntese entre o passado e o presente; (c) como 
conseqüência, a compreensão das
69
ações humanas de todos os tipos e de todos os lugares que tiveram impacto na 
existência e na estrutura de determinado grupo humano, e mais globalmente, na 
sociedade humana presente e futura (1980: 20-23).
Goldmann engloba na sua definição de objeto, a história e os fenômenos, a nível 
coletivo ou individual. Ultrapassa e faz a síntese entre a historiografia tradicional que dá 
ênfase à ação dos governantes, líderes, e aquela que leva em conta as determinações do 
modo de produção e o papel da coletividade, do povo, quase sempre deixado de lado na 
visão positivista (1980, 24).
Na perspectiva da dialética marxista, tudo o que ultrapassa o indivíduo para 
atingir a vida social constitui conhecimento histórico. Lowy comenta que Marx 
considerava a história do mundo também do ponto de vista daqueles que a azem sem ter 
a possibilidade de prever as chances de seu sucesso (1985, 70).
“O que buscamos na compreensão das formas historicamente diferentes de viver 
em comum”, diz Goldmann, “é a ‘significação humana’, impossível de ser 
compreendida fora da estrutura social” (1980, 24). Porque na ótica da dialética, a 
consciência se conhece, desde a origem, como um produto social da necessidade e da 
ação humana no meio sensível, na natureza, em relação aos outros homens, dentro de 
determinadas condições de produção.
Goldmann reconhece e recupera dialeticamente o mérito da fenomenologia que 
nos lembra a importância, para as Ciências Sociais, dos significados dados pelos atores 
sociais a seus atos e aos acontecimentos que consideram relevantes, isto é, às 
motivações, aos objetivos perseguidos e aos fins vividos em comunidade.
Mas, a seguir, Goldmann distingue o marxismo da fenomenologia, criticando a 
sua postura apenas descritiva e compreensiva dos fenômenos, atitudecontrária à 
dialética. Para ele, as Ciências Sociais têm que abraner: (a) a compreensão da 
consciência dos agentes sociais; (b) também os fatores sociais inevitáveis, sejam quais 
forem as intenções dos atores sociais e as significações que ele lhe atribuam. Noutras 
palavras, a análise sócio-histórica deve dar conta da coerência e da força criadora dos 
indivíduos e da relação entre as consciências individuais e a realidade objetiva.
A segunda tese fundamental da dialética marxista é o caráter total 
70
de existência humana e da ligação indissolúvel entre história e fatos econômicos e 
sociais e a história das idéias. A partir dessa perspectiva o conceito de totalidade é 
utilizado também como um instrumento interpretativo pelo qual ser visa a compreender, 
não a identidade ou o padrão de invariância (como no funcionalismo) da realidade 
social, mas as diferenças na unidade, tais como são engendradas numa realidade 
determinada. Portanto, no processo de pesquisa, busca reter a explicação do particular 
no geral e vice-versa. Joja chama nossa atenção, repetindo Lênin, que o particular não 
existe senão na medida em que vincula ao geral e o geral só existe no particular e 
através dele. Portanto o princípio metodológico da totalidade nos leva a:
Apreender os fenômenos em sua auto-relação e hetero-relação, em suas relações 
com a multiplicidade de seus próprios ângulos e de seus asectos 
intercondicionados, em seu movimento e desenvolvimento, em sua 
multiplicidade e condicionamento recíproco com outros fenômenos ou grupos de 
fenômenos (Joja: 1964, 55)
Isso significa metodicamente:
- compreender as diferenças numa unidade ou totalidade parcial;
- buscar a compreensão das conexões orgânicas, isto é, do modo de relacionamento 
entre as várias instâncias da realidade e o processo de constituição da totalidade parcial;
- entender, na totalidade parcial em análise, as determinações essenciais e as condições e 
efeitos de sua manifestação.
A perspectiva totalizadora é heurística porque reflete relações reais, isto é: (a) ao 
mesmo tempo que vê a realidade objetiva como um todo coerente; (b) compreende e 
analisa as partes do todo formando correlações concretas de conjuntos e unidades 
sempre determinadas. Ela afirma os princípios da complexidade e da diferenciação.
O próprio Marx nos avisa: “é preciso que, em cada caso particular, a observação 
empírica coloque necessariamente em relevo – empiricamente e sem qualquer 
especulação ou mistificação – a conexão entre estrutura social, política e produção” 
(1984, 35).
71
Por outro lado a visão de totalidade nos mostra que não há pontos de partida 
absolutamente definitivos. Goldmann, citando Pascal, “a última coisa que se encontra 
ao fazer uma obra é a compreensão do que se deve colocar em primeiro lugar” nos diz 
que, “nunca se pode chegar a uma totalidade que não seja ela mesma elemento ou parte” 
(1967, 11).
Sua posição se deve à própria característica dinâmica do método dialético cuja 
fundamentação é o pensamento vivo e o caráter inacabado tanto da histórica com da 
ciência em constante devir. Isso faz que o conhecimento da realidade, “seja uma 
perpétua oscilação entre o todo e as partes que devem se esclarecer mutuamente” (1967, 
4).
É no interior da concepção de totalidade dinâmica e viva que se coloca o 
princípio de união dos contrários que contrapõe a dialética a qualquer sistema 
maiqueísta ou positivista. Para se referir ao movimento interno da realidade sob o ponto 
de vista que nos referíamos, Goldmann recorre ais uma vez a Pascal:
Sendo então todas as coisas causadas e causadoras, ajudadas e ajudantes, 
mediata e imediatamente, e todas se relacionando por um vínculo natural e 
insensível que liga as mais afastadas e mais diferentes, creio ser tão impossível 
conhecer o todo, sem conhecer particularmente as partes (1967, 4)(Pascal, 
Pensée, frase 73).
Ora, o princípio de união dos contrários abrange as totalidade parciais e as 
totalidades fundamentais. Isso significa perceber que existe uma relação dialética:
(a) entre os fenômenos e a sua essência, entre as leis e o fenômeno. Lukács nos 
diz que: “Em relação ao mundo das leis, o mundo dos fenômenos representa o todo, a 
totalidade, porque contém a lei e além disso, a própria forma que se move” (1967, 232).
72
E Kosik adverte-nos que a realidade é a unidade dos fenômenos e da essência: 
“o fenômeno indica a essência e a esconde; e sem a compreensão do fenômeno em suas 
manifestações, a essência seria inatingível” (1969, 12).
(b) entre o singular e o universal, entre o particular e o geral:Lênin nos lembra 
que “o particular e o singular não existem a não ser por sua participação no universal 
(1955, 215). Mas também que o geral e universal só se realizam nas totalidades parciais; 
o concreto aparece como um ponto de chegada e como ponto de partida, não há medição 
sem imediato. É nas determinações particulares que o método vai buscar o nexo 
explicativo das totalidades concretas. O real como imediato por sua vez, reaparece 
mediatizado, pela teoria, na totalidade que o circunscreve.
(c) entre a imaginação e a razão. As concepções teóricas da dialética marxista 
sobre o sujeito do conhecimento empenham-se no combate tanto contra as tendências 
que exageram a supremacia da razão, como contra o irracionalismo moderno. Lênin 
comenta que, ao refletir a realidade, o conhecimento oferece uma imagem mais 
grosseira que o real, tanto no plano do pensamento como do sentimento. Mas recupera o 
papel da imaginação no pensamento científico, “seria ridículo negar o papel da 
imaginação mesmo na ciência mais rigorosa” (1955, 218);
(d) entre a base material e a consciência. Isto é, existe uma correlação entre o 
modo de produção, as estruturas de classe e as maneiras de pensar. Mas a dependência 
do movimento da consciência social em relação às modificações na base econômico-
social não é unilateral: as modificações na base não significam mudanças mecânicas e 
imediatas na superestrutura e há uma influência mútua e entre as instâncias. Do ponto 
de vista da pesquisa, esse movimento dialético entre idéias e fatos sócio-econômicos 
traz algumas conseqüências para as quais Goldmann nos adverte. Segundo ele, basta 
estudar seriamente a realidade humana para sempre encontrar o pensamento, caso se 
tenha partido de seu aspecto material; e os fatos sociais econômicos, caso se tenha 
começado da história das idéias:
73
Para o pensador dialético, as doutrinas fazem parte integrante do fato social 
estudado e não podem ser separadas a não ser por uma abstração provisória: seu 
estudo é indispensável para a análise do problema. Da mesma forma a 
compreensão da realidade social e histórica constitui um dos elementos mais 
importantes quando se visa a compreender a vida espiritual de uma época (1980, 
51)
(e) entre teoria e prática: existe uma integração entre esses dois termos. No 
marxismo a categoria básica de análise da sociedade é o modo de produção 
historicamente determinado. A categoria mediadora das relações sociais é o trabalho, a 
atividade prática. O trabalho constitui um aspecto particular da ordem cultural mas tem 
valor de determinação dessa ordem: é através do trabalho que o reino da cultura se 
sobrepõe ao reino da palavra (Marx: 1984, 15). Por isso a teoria marxista é a teoria da 
ação humana que ao mesmo tempo faz história e é determinada por ela: busca as 
transformações do sujeito da aça, isto é, as transformações da sociedade humana. Do 
ponto de vista do processo de conhecimento, a atividade humana é seu critério decisivo. 
Conforme define Lukács:
O conhecimento que está em condições de apreender dialeticamente as astúcias 
da evolução só é válido e eficaz quando suas aquisições forem expedientes para 
aação prática cujas experiências virão, por sua vez, enriquecer o conhecimento e 
lhe fornecer uma força sempre nova (1967, 237).
É na práxis, na perspectiva dialética, que se dá a emancipação subjetiva e objetiva do 
homem e a destruição da opressão enquanto estrutura e transformação da consciência. 
Noutras palavras, a transformação de nossas idéias sobre a realidade e a transformação 
da realidade caminham juntas.
(f) entre o objetivo e subjetivo. A abordagem dialética considera parte da mesma 
totalidade o objeto e o subjeto. Lukács critica a fenomenologia que coloca o subjetivo 
quase como absoluto. Comenta que ela mitifica o mundo das sensações como se ele 
fosse objetivo e pudesse proclamar a existência independente da consciência. Critica
74
o método fenomenológico que pretende partir dos dados imediatos da experiência 
vivida sem analisar sua estrutura e condições (1697, 67-70). Goldmann faz as mesmas 
restrições e acrescenta:
O conhecimento em sociologia, se encontra no duplo plano do sujeito que 
conhece e do objeto estudado pois até os comportamentos exteriores são 
comportamentos de seres conscientes que julgam e escolhem, com maior ou 
menor liberdade, sua maneira de agir (1980, 98).
Mas tanto Lukács como Goldmann não compartilham com o racionalismo à moda do 
século XVII e XIX (e de sempre) para quem e razão e a única instância de 
conhecimento adequado. Sensação, sentimentos, experiência de vida, idéia, imaginação 
eram considerados elementos destinados a papéis subordinados senão enganadores na 
hierarquia do material da ciência social. As concepções teóricas desses autores (Lukács: 
1967, 245; e Goldmann: 1980, 18) empenham-se em combater tanto os exageros da 
supremacia da razão como dos subjetivismos, assumindo a relatividade dos fatores 
objetivo e subjetivo, material e espiritual e sua unidade dialética. Trata-se da 
relatividade intrínseca a todo o processo de conhecimento e não apenas da oposição 
entre subjetivo e objetivo. Tem a ver com a própria capacidade humana de apreensão da 
realidade, conforme sugere Lênin: “o que dificulta sempre é o pensamento porque ele 
separa e mantém em distinção os momentos de um objeto ligados na realidade” (1955, 
215).
Lukács nos adverte que nossos conhecimentos são apenas aproximações da 
plenitude da realidade e por isso mesmo são sempre relativos. Na medida, porém, em 
que representam a aproximação efetiva da realidade objetiva que existe 
independentemente de nossa consciência, são sempre absolutos (1967, 233):
O caráter ao mesmo tempo absoluto e relativo da consciência forma unidade 
indivisível. (...) Na medida em que as ciências sociais escamoteiam a dialética 
do sentido absoluto e relativo do conhecimento, amputando-o de aproximação, 
suprime-se a margem de liberdade filosófica da atividade social (1967, 235).
75
(g) entre indução e dedução: Joja chama nossa atenção para o fato de que na 
lógica dialética indução-dedução são obrigatoriamente complementares e harmônicas. 
Não podemos conhecer uma coisa a não ser decompondo-a, para a seguir recompô-la, 
reconstruí-la e reagrupar suas partes. Análise e síntese são inseparáveis, mas para 
sintetizar com êxito é preciso analisar. Portanto sempre que a indução parte do essencial 
ela se confunde com a dedução, pois a análise dedutiva elimina as circunstâncias e 
apresenta o fenômeno em sua simplicidade e essencialidade conceitual (Joja: 1964, 
166).
Na verdade, Joja afirma a impropriedade dos termos indutivo, dedutivo, quando 
se tenta dar conta da lógica dialética: “Na ordem do conhecimento”, diz ele, 
“aprendemos o essencial por meio do geral por ser este mais acessível e manejável. Mas 
o geral só se realiza no particular”.
Engels também se refere ao absurdo que é opor indução contra dedução como se 
indução não fosse raciocínio e, portanto, igualmente dedução:
Indução e dedução vão necessariamente a par como síntese e análise. Em lugar 
de se destacar uma delas como principal é preciso saber utilizá-las onde 
couberem e isso só será possível quando se tenha em vista que elas vão a par e se 
completam reciprocamente (1952, 230).
Como observação final sobre o princípio da totalidade na lógica dialética, 
permitimo-nos reproduzir algumas observações de Sartre, em Question de Méthode, 
pela sua plasticidade em descrever o que há de essencial nesse movimento:
O marxismo aborda o processo histórico com esquemas universalizantes e 
totalizadores. (...) Mas em nenhum caso, nos trabalhos de Marx, esta perspectiva 
pretende impedir ou tornar inútil
76
a apreciação do processo como totalidade singular: ele tenta mostrar os fatos no 
pormenor e no conjunto. Se ele subordina os fatos anedóticos à totalidade, é 
através daqueles que pretende descobrir esta. (...) Assim o marxismo vivo é 
heurístico: com relação à pesquisa concreta, seus princípios e seu saber interior 
aparecem como regulares” (1980, 27).
As observações de Sartre têm uma conotação histórica e uma advertência teórica 
implícita contra os que tentam fazer do marxismo uma doutrina ou um pensamento 
especulativo em relação à realidade. Esse afastamento do empírico tem constituído 
prática acadêmica de muitos que se dizem marxistas. A crítica daí decorrente, tanto 
dentro do próprio marxismo como a partir de outras correntes de pensamento, é a da 
perda do movimento dialético da prática científica. Muitos marxistas, na sua atividade 
intelectual, transformaram o processo de conhecimento em mera procura de fatos e 
situações empíricas capazes de provar verdades contidas nos esquemas abstratos de 
determinações gerais, diz-nos Thiollent (1982, 29). Portanto, ainda que tenhamos 
mostrado as características básicas da metodologia dialética, o seu acontecer é uma 
prática que não depende apenas de conhecimento técnico, mas de uma postura 
intelectual e de uma visão social da realidade.
Quando do ponto de vista marxista, abordamos a questão da saúde/doença assim 
como a medicina e as instituições médicas, esses fenômenos são colocados em relação 
com a totalidade social e com cada uma de suas instâncias dentro da especificidade 
histórica de sua manifestação. Saúde/doença passam a ser tratadas não como categorias 
a-históricas mas como um processo fundamentado na base material de produção e com 
as características biológicas e culturais com que se manifestam. São vistas como 
manifestação tanto nos indivíduos como no coletivo, “de formas particulares de 
articulação dos processos biológicos e sociais no processo de reprodução. Assim, o 
individual, da mesma forma que o coletivo, são fenômenos biológicos socialmente 
determinados” (Castellanos: 1985, 140).
No entanto, como na análise de qualquer outro setor, os estudos marxistas 
relativos à saúde e às instituições médicas não tem uma unanimidade de abordagem. 
García o divide entre os que enfatizam o
77
desenvolvimento das forças produtivas e os que acentuam a dinâmica histórica das 
relações de produção (1983, 107).
No primeiro caso, García cita os estudos de Stern, Sigerist e Milton Therry 
(1983, 113). Esses autores, ainda que pioneiros na leitura da saúde sob o enfoque 
marxista nos Estados Unidos, não conseguem romper as barreiras do positivismo. 
Veiculam uma visão desenvolvimentista da tecnologia própria da medicina oficial e uma 
crença na possibilidade de domínio, pelos cientistas do setor, das doenças e da morte. A 
falha particular de suas análises reside na visão idealista e tecnológica da medicina. Ao 
mesmo tempo têm dificuldade de perceber as relações de desigualdades sociais, de 
superexploração, da depredação da forma de trabalho e da pouca eficácia dos atos 
médicos em relação às condições gerais da produção capitalista.
Suas obrasveiculam também uma legitimação absoluta da medicina em relação 
as alternativas mágico-religiosas e tradicionais da população. Desta forma os trabalhos, 
particularmente os de Stern refletem uma visão bastante economicista-tecnocrática que 
os aproximam do positivismo e das crenças dominantes do papel da medicina em 
relação à construção do processo social (García: 1983, 114).
Dentre os autores que acentuam as relações de produção como o elemento 
dinâmico e essencial da realidade social em relação ao tema da saúde, García destaca 
Polack (1983, 116) na França com sua obra A Medicina do Capital. Esse livro ressalta o 
fato de, no capitalismo, a questão da saúde/doença das diferentes classes sociais estar 
marcada pela lógica do lucro, da produção e reprodução do sistema. Seu marco de 
análise segue de certa forma as “teorias reprodutivistas” que desconhecem as lutas de 
classes como centro da dinâmica social e portanto não encontram saída para os 
esquemas de dominação. Seu trabalho reflete o ar de contestação da intelectualidade 
francesa do movimento de maio de 1968. Embora ataque o economicismo, cai nas 
tramas do estruturalismo. Minimiza ou omite as contradições que permitem à classe 
trabalhadora encontrar respostas históricas e ser protagonista, mesmo dentro de sua 
situação dominada.
Na América Latina, Laurell (1983: 133-159) mostra que a abordagem marxista 
nasce junto com um movimento muito mais amplo da sociedade, a partir da década de 
60. Trata-se de uma contestação ao sentido de progresso que a industrialização 
dependente acarretou
78
nos países periféricos. A modernização capitalista se traduziu na internacionalização 
acelerada do capital, industrialização e urbanização também aceleradas, fortes 
migrações do campo para as cidade e uma desigualdade abissal entre os mais ricos e os 
mais pobres dos países em questão.
Sem negar o papel do avenço e as contribuições da medicina, iniciou-se um 
movimento intelectual no interior do setor saúde para buscar explicações mais totais, 
mais históricas e mais adequadas para a situação de morbimortalidade das populações 
dos países latino-americanos. Nesse esforço, não se pode separar o labor teórico e a luta 
política que se desenvolvem pari passu, tanto no setor saúde como no movimento 
social, para uma nova leitura e uma nova postura dos profissionais técnicos e 
intelectuais da área.
Nunes (1985) se refere ao fato de que é a partir da década de 70 que cresce na 
América Latina a recorrência ao materialismo histórico e dialética para explicar o 
fenômeno da saúde/doença. Os estudos partem da premissa de que a posição de classe 
explica melhor que qualquer fato biológico a distribuição da saúde/doença e os tipos de 
patologias dominantes em determinada sociedade.
Essas análises realizam uma crítica radical aos equívocos positivistas e 
desenvolvimentistas, mostrando: (a) que o avanço científico e tecnológico da medicina 
não tem correspondido à melhoria de saúde das sociedades em seu conjunto; (b) que a 
distribuição dos serviços está em razão inversa das necessidades da grande maioria da 
população dos países latino-americanos; (c) neste ponto a critica atinge também os 
fenomenólogos: que a prática e o saber médico fazem parte da dinâmica das formações 
sócio-econômicas e é no interior delas, que podem ser explicados como fenômenos 
históricos específicos, mas correlacionados com o processo social global. Os estudos 
sob o enfoque do materialismo histórico abrangem as questões de saúde e sociedade 
abrangem as questões de saúde e sociedade, políticas publicas, planejamento e 
administração, concepções de saúde/doença, análises institucionais, saúde e processo de 
trabalho e questões metodológicas. Dentre os autores citamos alguns que são referências 
obrigatórias quando se toca na questão: Arouca (1975); Donnangelo (1976); Possas 
(1981); Tambellini (1975); Laurell (1978; 1983; 1986; 1987); Breih e Granda (1986); 
79
García (1981; 1983); Cordeiro (1980); Oliveira e Teixeira (1985); Nunes (1976; 1983; 
1985); Mendes e Gonçalves (1979).
Nunes (1985) assinala que é também na década de 70 que o campo de reflexão 
sobre a saúde se abre para as ciências políticas em particular, mas também para outras 
áreas de ciências sociais como educação, nutrição, serviço social, junto com a 
sociologia e a antropologia – desta vez com outras preocupações que a visão positivista 
não abrangeia. Isso se deve a vários fatores: (a) a deterioração das condições de vida de 
contingentes imensos da população aglomeradas nas cidades, passou a levantar questões 
e a exigir respostas mais amplas que a definição apenas biológica da doença não 
consegue expressar; (b) uma crescente consciência social de que a luta pela saúde faz 
parte da construção da cidadania; (c) e a certeza, também por parte dos governos 
instituídos, de que a saúde é um tema de grande interesse político. 
No Brasil e na América Latina o objeto tradicional denominado Saúde Publica 
passa a merecer tratamento, denominação e conotação que o traz do inespecífico 
“público” referente à política de prevenção proposta pelo Estado, para o coletivo, que 
sugere direitos, situação histórica, comprometimento de condições de vida social e uma 
crítica ao indivíduo como responsável único por sua saúde/doença.
Teixeira especifica o que ela considera “mudança qualitativa” do enfoque 
proposto na medida em que transfere a ênfase dos corpos biológicos para os corpos 
sociais: grupos, classes e relações sociais referidos ao processo saúde/doença: “a 
possibilidade de constituição de um corpo específico de conhecimento denominado 
SAÚDE COLETIVA encontra-se dado precisamente pela adoção do método histórico-
estrutural” (1985, 90).
Cordeiro expressa assim a nova visão que enfatiza o social, o coletivo e o caráter 
histórico que marca os modos de adoecer e morrer:
80
A doença em sua expressão normativa da vida, como fenômeno individual e em 
sua expressão coletiva, epidemiológica, onde adquire significado no conjunto 
das representações sociais e nas reivindicações políticas, está estruturada em 
uma totalidade social. Como forma adaptativa da vida, resultante das relações 
dos grupos sociais entre si e com a natureza, mediadas pelo processo de trabalho 
e doença tem uma historicidade das relações sociais – econômicas, políticas e 
ideológicas – que se realizam nas sociedades concretas (1985, 91).
Pelo fato de a área da Saúde ser um campo que necessariamente junta a teoria e 
a prática de forma imediata, a posição marxista em relação às outras correntes de 
pensamento (positivismo e fenomenologia) toma o caráter de uma luta ideológica e 
política que repercute nos movimentos sociais e tem a influência deles em relação às 
questões consagradas e emergentes.
Sob o ponto de vista teórico e metodológico a Saúde Coletiva como objeto de 
estudo está em construção. Laurell (1983) refere-se à dificuldade do pensamento de 
abranger e apreender as relações e correlações do tema com a imagem de “caixa preta”. 
Isso indica ao mesmo tempo a necessidade de investimento tanto da delimitação dos 
marcos conceituais como nos referenciais de abordagem.
Como objeto de intervenção, o tema Saúde Coletiva faz parte de um movimento 
mais amplo que inclui nova definição conceitual de Saúde/Doença e de Estado 
Ampliado, compreendendo a busca de mudanças qualitativas para o continente, 
incluindo conquistas sociais profundas para a maioria da população. Faz parte também 
de um processo de revisão e avaliação de um sistema de saúde totalmente defasado do 
diagnóstico das necessidades e aspirações da população.
Como preocupação metodológica, o subsistema que maior ênfase e cuidados tem 
merecido dentro da abordagem histórico-estrutural é a Saúde do Trabalhador.Seu eixo 
básico é o Processo de Trabalho visto a partir das unidades de produção, sob o ponto de 
vista histórico e como determinante para o desgaste e o quadro de morbidade dos 
trabalhadores.
O último texto de Laurell, Para el estúdio de la salud em su relación com el 
processo de produción (1987)
81
é um dentre uma série de estudos onde a autora tenta avançar, do ponto de vista 
específico do processo de trabalho como fonte de doenças e de desgaste, para a 
construção de um instrumento de abordagem que leve em conta a especificidade 
histórica, indicadores que correlacionam variáveis do processo produtivo e as 
experiências, percepções e opiniões dos próprios trabalhadores (1987: 1-34).
As contribuições das Ciências Sociais para a construção do conhecimento da 
área da Saúde dentro do referencial histórico-estrutural, porém, enfrentam alguns 
problemas. As questões atinentes ao tema, do ponto de vista do saber ou da prática, 
compartilham do debate maior sobre a natureza das relações entre sujeito, estrutura e 
sociedade humana. A linha considerada por Teixeira como o “próprio método da saúde 
coletiva” (1985, 87) concebe a transformação como resultante das contradições entre 
forças produtivas e relações de produção. Seu teórico de maior renome, Althusser, 
resume assim a visão sobre o sujeito e a estrutura:
A estrutura das relações de produção determina os lugares e as funções que são 
assumidas pelos agentes de produção que não são mais do que ocupantes destas 
funções. Os verdadeiros ‘sujeitos’ não são seus ocupantes e funcionários (...) 
contra toda as evidências do ‘dado’ da antropologia ingênua, não são os 
‘indivíduos concretos’, os ‘homens reais’ mas a definição e a distribuição destes 
lugares e destas funções. Os verdadeiros ‘sujeitos’ são pois estes definidores e 
estes distribuidores: as relações de produção (Althusser: 1966, 157) (grifo do 
autor).
 
A eleição das “relações técnicas” como sujeito traz em conseqüência uma visão 
por vezes mecanicista e fetichizada da realidade contra a qual Marx nos previne em seu 
texto “O Fetichismo da Mercadoria” (Marx: O capital, Livro I, 1971, 79-83), mostrando 
que mesmo as relações técnicas e econômicas são relações sociais. Em Althusser o 
sujeito só é considerado como “efeito ilusório das estruturas ideológicas” (Anderson: 
1984, 44).
Na área da Saúde os resultados das análises histórico-estruturais se fazem sentir 
na escolha das temáticas macrossociais e nas práticas
82
que privilegiam mudanças ao nível dos arcabouços políticos da dominação e da 
organização e administração do setor. São pouco presentes os estudos que, a partir dos 
sujeitos sociais e de suas representações, avaliam e questionam o sistema, os serviços e 
as práticas.
A introdução mais recente do referencial gramsciano no conhecimento do setor 
tem feito evoluir uma linha de pensamento que combina melhor a análise das estruturas 
com o dinamismo próprio das relações e representações sociais. O conceito de 
hegemonia permite analisar as relações entre as classes também fora do terreno da 
produção econômica e trabalhar com os aspectos da direção cultural e política. Além 
disso, o quadro teórico de Gramsci revaloriza o campo ideológico não apenas como 
forma de dominação, mas também de conhecimento, identificando o dinamismo, a 
concreção e a historicidade das visões diferenciadas de mundo (Gramsci: 1981).
Na mesma linha de abertura do leque conceitual para o dinamismo da ação dos 
sujeitos na transformação das estruturas há outros autores cuja abordagem teórica 
permite caminhar em busca do “ponto de Arquimedes” (Anderson: 1984, 123) marxista 
na área da saúde, superando-se as dicotomias entre as estruturas objetivas e as relações 
subjetivas.
A construção do referencial é o desafio da nova etapa de conhecimento. O 
âmbito da totalidade tanto conceitual como de aproximação empírica deveria abranger: 
(a) as condições de produção das unidades produtivas, priorizando-se o processo de 
trabalho (Laurell: 1983; 1986; 1987); (b) as condições gerais de produção (Marx: O 
capital, Livro I, 4ª seção, 1971, 421-458; Lojkine: 1981, 140-143); (c) o papel central 
da ação humana na formaçõa das classes e no advento e superação das estruturas 
(Thompson: 1978; Anderson, P.: 1984, 80-120); (d) a cultura como lugar de expressão 
das definições tanto das relações essenciais como das especificidades dos grupos, 
classes e segmentos (Verret: 1972; Gramsci: 1981; Goldmann: 1980).
No que concerne a esse quadro de totalidade é necessário redefinir os conceitos 
considerados chaves para o conhecimento da saúde: (a) O processo de trabalho como 
locus privilegiado das relações de produção e reprodução dessas relações e visto como 
matriz de formação sócio-econômica, política e ideológica e portanto a luta de
83
classe, de dominação e de resistência. Essa definição extrapola aquela que dá ênfase nos 
aspectos técnicos e econômicos, e abrange a totalidade das relações antagônicas entre 
capital e trabalho no interior do processo produtivo. (b) As condições gerais de 
produção na relação imediata entre o processo de produção e a estrutura social e política 
onde se dá a organização do espaço, a distribuição da riqueza, dos equipamentos de vida 
urbana e social, isto é, as condições de vida e a intervenção do Estado (Marx: 1971, 
421-458; Lojkine: 1981, 120-122).
Lojkine nos adverte para o risco que é dividir, como se fossem dois mundos 
diferentes, o da produção e o do consumo. Insiste em mostrar a necessidade de unir os 
dois termos e recuperar, para a análise, o papel da política estatal na regulação dos 
fenômenos sociais. O estudo das determinações deve contemplar o vínculo entre a 
política estatal e a socialização contraditória das forças produtivas e das relações de 
produção.
Referindo-se ao “urbano” Lojkine comenta que as formas de organização do 
espaço fora das unidade produtivas se relacionam com o espaço dessa referidas 
unidades, e são, antes de mais nada, formas de divisão social e territorial do trabalho: 
“considerar a urbanização como domínio do consumo, do não-trabalho, opor 
reprodução da força de trabalho a trabalho vivo, é retomar um dos temas da ideologia 
burguesa segunda a qual só é atividade produtiva a atividade de produção da mais valia” 
(Lojkine: 1981, 122).
Noutras palavras, a aglomeração da população, as diferenciações dos bairros, a 
localização dos meios de consumo coletivo (equipamentos de saúde, educação, 
transporte, cultura, lazer etc.) não têm leis diferentes daquelas que regem a acumulação 
de capital. A esfera de produção, consumo e troca estão em permanente interação e são 
todos espaços históricos de investigação.
Como conseqüência, a configuração histórica do espaço (urbano ou rural) que 
congrega a produção e as condições gerais de produção é um locus demonstrativo e 
efetivo das lutas de classe. Nele se cristalizam as contradições entre as exigências do 
trabalho vivo e as 
84
restrições a esse desenvolvimento, que a lógica da acumulação impõe.
Por sua vez, o Estado tem que ser incorporado nas análises, como um 
instrumento que reflete as contradições e as próprias lutas de classes geradas pela 
segregação social. O Estado é uma forma ampliada de socialização das condições gerais 
de produção. Realiza: (a) a regulação social que atenua os efeitos das desigualdades, da 
exclusão e da mutilação capitalista em relação às classes trabalhadoras; (b) a seleção, a 
dissociação e a segregação dos recursos públicos destinados aos meios de consumo 
coletivo (equipamentos e serviços de saúde, educação, transporte, saneamento, lazer etc) 
para a reprodução da força de trabalho. (c) O papel da luta de classes na transformação 
e no evento de novas estruturas: que significa aconsideração da ação humana e o papel 
do sujeito histórico no processo de mudanças. A ação tem o caráter não só de 
transformar a natureza ao criar a possibilidade de existência mas também sustém e 
reproduz o sujeito e modifica a realidade das suas relações sociais:
Não só as condições objetivas se modificam no ato da reprodução (...) mas também os 
reprodutores mudam, pois trazem à luz novas qualidade que neles existiam, envolvem-
se com a produção, transformam-se, desenvolvem novos poderes e idéias, novos modos 
de intercâmbio, novas necessidades e novas linguagens (Marx: 1973(a), 194)
A significação da ação do sujeito histórico em Marx não ignora o fato de que os 
homens não são árbitros totalmente livres de seus atos. Pelo contrário, a leitura de seu 
pensamento deixa claro que o produto da atividade prévia (os contextos sociais mesmo 
de valores, crenças e atitudes) representa limitações sobre o leque de opções do 
presente. No entanto, embora a realidade seja determinada em termos de seus 
condicionantes anteriores, a ação presente só não é determinada pela realidade como é 
capaz de deixar nela a sua marca transformadora. As considerações anteriores se 
conjugam com : (d) A importância da cultura como mediadora entre a objetividade das 
relações dadas e o sujeito da cultura como mediadora entre a objetividade das relações 
dadas e o sujeito histórico transformador. Certamente o conceito de cultura só pode ser 
entendido dentro de uma sociologia de classes que seja suficientemente
85
Abrangente para perceber: (a) o caráter de amplitude das visões dominantes e ao mesmo 
tempo a recíproca aculturação que se processa inter e intraclasses, entre e intragrupos, 
segmentos e categorias no que se concerne aos fenômenos sociais, incluindo-se a saúde 
e a doença; (b) a luta de classes como sendo definida e explicitada nas estruturas e 
mecanismos econômico-políticos formais, mais realizada também nas matrizes 
essenciais de conformação do modo de vida, como a família, a vizinhança, os espaços 
de lazer etc. Por a cultura enquanto produtora de categorias de pensar, sentir, agir e 
expressar de determinado grupo, classe ou segmento, articula as concessões, os 
conflitos, a subordinação e as resistências e lhes oferece sentido. Ela é um espaço de 
expressão da subjetividade, mas é um lugar objetivo com a expessura do cotidiano por 
onde passam e ganham cor os processos políticos e econômicos, os sistemas simbólicos 
e o imaginário social. Em relação à saúde, a cultura, vista a partir dos sujeitos 
individuais e coletivos, expressa a totalidade fundamental do ser humano que se resume 
no perene conúbio entre corpo e mente, matéria e espírito, e que Marx tão bem descobre 
na seguinte citação: “A visão da totalidade parte do indivíduo real particular, porque a 
coletividade contra cuja separação por si, reage o indivíduo, é a verdadeira 
coletividade do homem, o ser humano” (1972, 75).
Porém, a posição diferenciada das classes, categorias e/ou segmentos sociais lhe 
confere uma forma peculiar de perceber, de reagir e de lutar frente aos fenômenos que 
dizem respeito a sua vida e a sua morte. Nesse particular qualquer análise deve enfatizar 
as diferenciações e a complexidade das relações entre e intraclasses, e as diferenças e 
contradições entre sua prática e concepções (Verret: 1972, 5-12; Gramsci: 1987, 58).
O quadro teórico de aproximação da totalidade dos processos de saúde/doença, 
na abordagem marxista “qualitativa” parte das representações sociais em relação 
dialética com base material que as informa. Esse ponto de apoio em direção à 
compreensão das estruturas se fundamenta na importância do pensamento para a ação e 
no caráter contraditório, dinâmico e potencialmente transformador do campo ideológico 
(Thompson: 1978; Gramsci: 1981; Verret: 1972).
86
Nesse ponto a reflexão se dirige para a verdade da tradição marxista que através de 
Lukács, de Gramsci, de Sartre e de Thompson (para mencionar apenas alguns grandes 
nomes) encaminham as questões da consciência de classes e do sujeito histórico, numa 
perspectiva teórico-prática. Tal linha se opõe ao estruturalismo de Althusser que corta o 
nó da relação entre sujeito e estrutura.
CONCLUSÕES
Quando tomamos diferentes correntes de pensamento para abordar, a partir 
delas, questões metodológicas, assumimos a postura, segundo a qual a ciência em geral 
não existe. Há práticas científicas diferenciadas, desigualmente desenvolvidas e que têm 
como substratos “visões sociais de mundo” teoricamente diversas.
Tentamos nos aproximar, no texto, dos três principais marcos referenciais que 
dentro das Ciências Sociais têm influenciado com maior vigor as produções teóricas e a 
prática no campo da saúde. Seria reiterado dizer que a forma esquemática como 
abordamos as várias possibilidades de apreender a realidade não são nem monolíticas e 
nem fechadas. Como o objetivo deste trabalho é a questão metodológica visamos apenas 
introduzir a problemática das correntes de pensamento, para, ao mesmo tempo sugerir 
as dificuldades, a complexidade, e a especificidade do labor do cientista social no 
campo da pesquisa. Isto é, não há normas mágicas institucional e univocamente 
consagradas para a apreensão do real.
Gostaríamos de ressaltar mais uma vez que damos ênfase como opção de 
abordagem, à metodologia dialética. Essa opção não é apenas uma postura ideológica. 
Demo a coloca como a metodologia específica das ciências sociais porque é a mais 
fecunda para analisar os fenômenos históricos. Sua opinião se baseia na observação da 
realidade social e na adequação a ela do visão dialética que privilegia: (a) a contradição 
e o conflito predominado sobre a harmonia e o consenso; (b) o fenômeno da transição, 
da mudança, do vir-a-ser sobre a estabilidade; (c) o movimento histórico; (d) a 
totalidade e a unidade dos contrários (1985: 86-100).
Goldmann fala com radicalidade:
87
Perguntar se as Ciências Sociais devem ser dialética ou não, é simplesmente 
perguntar se elas devem compreender ou deformar a realidade (1980, 70).
Cardoso, em O Método Dialético na Análise Sociológica (1973) recupera a 
contribuição do funcionalismo e do estruturalismo para a compreensão das totalidades 
sociais, mas mostra que apenas o método dialético consegue apreender: (a) o real 
fenomênico numa série de mediações pelas quais as determinações imediatas e simples 
alcançam a inteligibilidade ao se circunscreverem em constelações globais; (b) as 
representações da realidade dos atores sociais e as conexões específicas (não mecânicas 
e irreversíveis) que a realidade empírica mantém com os fatores e efeitos essenciais que 
determinam a dinâmica e o sentido do processo social; (c) a transformação da natureza e 
da sociedade e, ao mesmo tempo, as regularidades estruturais e os fenômenos que se 
repetem, como produto objetivado da atividade social; processo que está em permanente 
criação pela ação humana (1973: 1-22).
Cardoso adverte que se pode, metodologicamente, recorrer a explicações 
estruturais, funcionais, fenomenológicas etc., sob a condição de submetê-las às 
representações fundamentais que o método dialético supõe da realidade (1973, 12). A 
questão básica é de que essas outras correntes de pensamento tendem a eliminar as 
tensões dialéticas, pois não fazem um questionamento do sentido das ações e das 
transformações de sentido.
Neste trabalho, embora explicitando uma opção de método, tentamos abordar e 
valorizar as diferentes contribuições de estudiosos quando, do nosso ponto de vista, 
significam questionamentos ou reflexões sobre os problemas fundamentais da 
metodologia da pesquisa. Durkheim, Weber, Schutz, Cicourel, Gurvitch, para mencionar 
apenas alguns clássicos da sociologia, jamais poderiam ser omitidos.A ênfase dada aos 
autores que se posicionam pela lógica dialética se deve ao fato de a considerarmos como 
a que melhor responde às necessidades metodológicas da pesquisa social, que vinculam 
a teoria à prática, mormente no campo da saúde, onde a realidade apela de forma tão 
existencial e imediata:
88
Ser radical é tomar as coisas pelas suas raízes. Ora, para o homem, a raiz é o 
próprio homem. Isso resulta na crítica (...) que conduza no imperativo categórico 
de transformador as condições sociais nas quais o homem é um ser humilhado, 
escravizado, abandonado e desprezível (Marx: 1959, 263).
89
CAPÍTULO 2
FASE EXPLORATÓRIA DA PESQUISA
A Fase Exploratória da Pesquisa é tão importante que ela em si pode ser 
considerada uma Pesquisa Exploratória. Compreende a etapa de escolha do tópico de 
investigação, da delimitação do problema, de definição do objeto e dos objetivos, de 
construção do marco teórico conceitual, dos instrumentos de coleta de dados e da 
exploração do campo.
A partir da perspectiva dialética que desejamos seguir, gostaríamos de apresentar 
as balizas dentro das quais, a nosso ver, se processa o conhecimento. A primeira delas é 
o seu caráter aproximado. Isto é, o conhecimento é uma construção que se faz a partir de 
outros conhecimentos sobre os quais se exercita a apreensão, a crítica e a dúvida. É um 
processo de tentativas que Limoeiro Cardoso esclarece muito bem, usando a imagem do 
feixe de luz:
O conhecimento se faz a custo de muitas tentativas e da incidência de muitos 
feixes de luz, multiplicando os pontos de vistas diferentes. A incidência de um 
único feixe de luz não é suficiente para iluminar um objeto. O resultado dessa 
experiência só pode ser incompleto e imperfeito, dependendo da perspectiva em 
que a luz é irradiada e da sua intensidade. A incidência a partir de outros pontos 
de vista e de outras intensidades luminosas vai dando formas mais definidas ao 
objeto, vai construindo um objeto que lhe é próprio. A utilização de outras fontes 
luminosas poderá formar um objeto inteiramente diverso, ou indicar dimensão 
inteiramente novas ao objeto (Limoeiro Cardoso: 1978, 27s).
90
Esse caráter aproximado do saber intelectual é relevante em toda a teoria 
marxista e Lênin comenta que, ao refletir a realidade, o conhecimento oferece sempre 
uma imagem mais grosseira que o real, tanto no plano do pensamento como dos 
sentimentos (1955, 218).
O segundo ponto diz respeito ao caráter da inacessibilidade do objeto. A 
inatingibilidade do objeto se explica pelo fato de que as idéias que fazemos sobre os 
fatos são sempre mais imprecisa, mais parciais, mais imperfeitas que ele. Portanto, o 
processo de pesquisa consiste na definição e redefinição do objeto. De um lado, porque 
seu conhecimento é fruto de um exercício de cooperação onde trabalhamos sobre as 
descobertas uns dos outros; depois, porque cada teoria formula o objeto segundo seus 
pressupostos. Neste sentido, como afirma Limoeiro Cardoso, ele é sempre uma 
“representação” feita sob determinado ponto de vista, tentando, a seu modo, reproduzir 
o real (1978, 30).
O terceiro ponto se refere à vinculação entre pensamento e ação. Ou seja, nada 
pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeira instância, um 
problema da vida prática. Isto quer dizer que a escolha de um tema não emerge 
espontaneamente, da mesma forma que o conhecimento não é espontâneo. Surge de 
interesses e circunstâncias socialmente condicionadas, frutos de determinada inserção 
no real, nele encontrando suas razões e seus objetivos. Esse é um ponto de vista que 
reúne tanto o racionalismo aberto de Bachelard (1968) como a dialética marxista 
(Lukács: 1974; Habermas: 1980, 1988) e perspectivismo de Mannheim (1974).
O quarto ponto enfatiza o caráter originariamente interessado do conhecimento 
ao mesmo tempo que sua relativa autonomia. O olhar sobre o Objeto está condicionado 
historicamente pela posição social do cientista e pelas correntes de pensamento em 
conflito na sociedade (Lowy: 1985, 15). Porém existe uma “autonomia relativa” das 
ciências sociais, uma certa continuidade no interior dessa ciência (Marx continua, critica 
e ultrapassa Ricardo na Teoria do Valor), uma lógica interna da pesquisa científica, uma 
especialidade da ciência enquanto prática, visando a descoberta da verdade (Lowy: 
1985, 9-16). Mannheim fala da questão reafirmando a estreita relação entre interesses 
específicos de classe e teorias, métodos e preocupações sociológicas.
91
No entanto, diz ele, é necessário admitir que após uma classe ter descoberto 
algum fato histórico ou sociológico, todos os grupos, qualquer sejam seus interesses, 
não só podem levar em consideração as descobertas como as incorporam ao seu sistema 
de interpretação do mundo. As correntes intelectuais diversas não se desenvolvem 
isoladamente mas se afetam e se enriquecem mutuamente. Embora não se fundam num 
sistema comum, consideram a totalidade dos fatos descobertos, partindo de diferentes 
axiomas gerais (Mannheim: 1974, 28-30).
É dentro da perspectiva assinalada que passamos a discutir elementos que 
compõem a fase exploratória de uma investigação e todas as etapas subseqüentes.
Tomamos em primeiro lugar o cuidado de definir alguns conceitos fundamentais 
usados na prática das Ciências Sociais para construir o quadro teórico da pesquisa. Em 
seguida discutimos a construção do objeto como um labor teórico e como esforço 
prático de informação, crítica e experiência. E propormos depois e finalmente uma 
discussão sobre o instrumento de apreensão dos dados empíricos e de entrada 
exploratória no campo da investigação. Chamamos atenção para o tema Amostragem 
Qualitativa que costuma ser um dos pontos de maior impasse para o investigador.
Nesse movimento aparentemente linear de desenho das etapas da pesquisa 
queremos enfatizar, de um lado a necessidade, para fins de análise, de dar atenção a 
cada procedimento; e de outro, para a liberdade de reconhecer as diferentes técnicas e 
métodos como guias e prescindir deles quando se tornam obstáculos. É nessa interação 
que se torna possível realizar um trabalho científico criador.
CONCEITOS FUNDAMENTAIS NA OPERACIONALIZAÇÃO DA PESQUISA
Antes de partirmos para a reflexão sobre o movimento que preside o processo de 
definição do objeto, pretendemos definir alguns termos usados na atividade de pesquisa, 
presentes em todo o desenvolvimento do trabalho e cruciais na primeira etapa. São eles: 
teoria, conceito, noção, categoria, hipótese e pressupostos:
(a) Chamamos TEORIA a um conjunto inter-relacionado de princípios que 
servem para dar organização lógica a aspectos
92
selecionados da realidade empírica. Uma teoria reúne um conjunto de pressupostos e 
axiomas (uma afirmação cuja verdade é evidente e universalmente aceita em 
determinada disciplina), proposições logicamente inter-relacionadas e empiricamente 
verificáveis. As proposições de uma teoria são consideradas leis se já foram 
suficientemente comprovadas, e hipóteses, se constituem ainda problema de 
investigação. Na realidade, tanto leis como hipóteses estão sempre sujeitas à 
problematização e à reformulação. A essência de uma teoria consiste na sua 
potencialidade de explicar uma gama ampla de fenômenos através de um esquema 
conceitual ao mesmo tempo abrangente e sintético.
O marxismo (uma teoria, ele mesmo) insiste no fato de que toda as teorias são 
historicamente construídas, expressam interesses de classe porque são “representação do 
real” a partir de determinadas escolhas articuladas com a prática social. Elas são 
portanto formas de conhecimento e de desconhecimento, na medida em que projetam 
luz sobre determinados aspectos da realidade e ocultam outros, num evidenciamento de 
limitaçõeslógicas e sociológicas (Lukács: 1967, 233; Lowy: 1985, 15-35).
A relação dialética entre teoria e realidade empírica se expressa no fato de que a 
realidade informa a teoria que por sua vez a antecede, permite percebê-la, formulá-la, 
dar conta dela, fazendo-a distinta, num processo sem fim de distanciamento e 
aproximação. A teoria domina a construção do conhecimento através de conceitos gerais 
provenientes do momento anterior. Seu aprofundamento, de forma crítica, permite 
desvendar dimensões não pensadas a respeito da realidade que não é evidente e que não 
se dá: ela se revela a partir de interrogações elaboradas no processo de construção 
teórica;
(b) Toda construção teórica é um sistema cujas vigas mestras são representadas 
pelos CONCEITOS. Os conceitos são unidades de significação que definem a forma e o 
conteúdo de uma teoria. Podemos considerá-los como operações mentais que refletem 
certo ponto de vista a respeito da realidade, pois focalizam determinados aspectos dos 
fenômenos, hierarquizando-os. Desta forma eles se tornam um caminho de ordenação 
da realidade, de olhar os fatos e as relações, e ao mesmo tempo um caminho de criação.
A teoria marxista torna evidente os aspectos históricos e comprometidos
93
da construção dos conceitos, chamando atenção para a necessidade de apreendê-los, 
analisá-los e defini-los como historicamente específicos e socialmente condicionados. A 
própria hierarquização dos conceitos, numa determinada teoria, revela a que aspectos da 
realidade se dá maior atenção. Não se trata apenas de compreender alguns como sendo 
logicamente mais elaborados (e o são), mas também de entender as determinações 
sociológicas presentes na sua construção.
Daí ser importante introduzir o termo NOÇÃO. Etimologicamente a palavra 
CONCEITO vem de concepção, isto é, está vinculada à subjetividade, ele é concebido. 
Por noção entendemos aqueles elementos de uma teoria que não apresentam clareza 
suficiente e são usados como “imagens” na explicação do real. Eles expressam também 
o caminho do pensamento. Ou seja, expressam a relação intrínseca entre a experiência e 
a construção do conhecimento. Ninguém coloca uma pergunta se nada sabe da resposta, 
pois então não haveria o que perguntar. Todo saber está baseado em pré-conhecimento, 
todo fato e todo dado já são interpretações, são maneiras de construirmos e de 
selecionarmos a relevância da realidade: “se não quisermos que as categorias analíticas 
que adotamos permaneçam estranhos ao objeto”, diz Demo, “devemos aceitar a 
existência de noções prévias” (Demo: 1981, 18).
(c) Aos conceitos mais importantes dentro de uma teoria denominamos 
CATEGORIAS. O termo “categoria” possui uma conotação classificatória. Theodorson 
& Theodorson, por exemplo, definem as categorias como conceitos usados com 
finalidade de classificação. Dentro de uma visão positivista: “as categorias são rubricas 
ou classes as quais reúnem um grupo de elementos sob um título genérico, agrupamento 
esse efetuado em razão dos caracteres comuns desses elementos” (Bardin: 1879, 117). O 
conceito é usado por Bardin de forma instrumental dentro da técnica de análise de 
conteúdo.
94
Na “Introdução” à Crítica da Economia Política (1973, 211-241), Marx faz uso 
por diversas vezes do termo “categoria” para indicar conceitos relativos à realidade 
historicamente relevantes, expressando os aspectos fundamentais dentro de sua 
abordagem, das relações dos homens entre si e com a natureza. Para o marxismo as 
categorias não são entidades, são construídas através do desenvolvimento do 
conhecimento e da prática social. Trabalho, Classe Social, Família, Consciência de 
Classe, por exemplo, são categorias que expressam a unidade das relações entre o 
histórico e o lógico.
Para a finalidade deste trabalho, distinguimos entre Categorias Analíticas e 
Categorias Empíricas. As primeiras são aquelas que retêm historicamente as relações 
sociais fundamentais e podem ser consideradas balizas para o conhecimento do objeto 
nos seus aspectos gerais. Elas mesmas comportam vários graus de abstração, 
generalização e de aproximação. As segundas são aquelas construídas com finalidade 
operacional, visando ao trabalho de campo (a fase empírica) ou a partir do trabalho de 
campo. Elas têm a propriedade de conseguir apreender as determinações e as 
especificidades que se expressam na realidade empírica. Por exemplo, Consciência 
Social e Consciência de Classe, Representação Social, se situam como categorias de 
análise, num nível elevado de abstração. Concepção de Saúde/Doença é um conceito 
operacionalizável a partir das categorias analíticas citadas acima. Por outro lado, se 
surge através do trabalho de campo uma expressão como “Doença de Deus” em 
oposição a “Doença dos Homens”, a compreensão dessas duas categorias empíricas a 
partir do ponto de vista dos atores sociais, possibilita desvendar relações específicas do 
grupo em questão. Isto é, permite revelar condições empíricas mistificada, concepções 
peculiares do objeto e relações dinâmicas desse segmento no que diz respeito à 
sociedade e à natureza. Essa categoria empírica, construída a partir dos elementos 
dados pelo grupo social, tem todas as condições de ser colocada no quadro mais amplo 
de compreensão teórica da realidade, e de, ao mesmo tempo, expressá-la em sua 
especificidade. Permite avançar o conhecimento a partir da categoria analítica 
“representações sociais” operacionalizada numa categoria empírica, por sua vez 
adquirindo possibilidade analítica;
95
(d) Definimos HIPÓTESES como afirmações provisórias a respeito de 
determinado fenômeno em estudo. São afirmações parra serem testadas empiricamente 
e depois confirmadas ou rejeitadas. Uma hipótese científica deriva de um sistema 
teórico e dos resultados de estudos anteriores e portanto fazem parte ou são deduzidas 
das teorias, mas também podem surgir da observação e da experiência nesse jogo 
sempre impreciso e inacabado que relaciona teoria e prática.
Goode & Hatt propõem algumas condições para a formulação de hipóteses em 
ciências sociais que resumimos a seguir: (a) que sejam conceitualmente claras, 
parcimoniosas e com poder explicativo, chegando a definir sua operacionalidade; (b) 
que tenham referências empíricas, isto é, que estejam relacionadas com os fenômenos 
concretos que se pretende estudar; (c) que sejam relacionadas com as técnicas 
disponíveis, isto é, possibilitem a apreensão empírica dos aspectos que se quer 
investigar (Goode & Hatt: 1969, 40-47).
Da mesma forma que os termos problematizados anteriormente, as Hipóteses 
têm sua história, fazem parte do quadro de preocupações teórico-práticas do 
investigador, e das preocupações dominantes numa época. Ou seja, perguntamo-nos por 
aspectos da realidade que a ciência – historicamente condicionada – se interessa. 
O próprio termo “hipótese” possui uma conotação positivista que crê na 
possibilidade do conhecimento objetivo da realidade e nas provas estatístico-
matemáticas como comprovadoras da objetividade. Hoje tanto o marxismo como a 
fenomenologia, embora incorporem o conceito de “hipóteses” o reinterpretam e o 
problematizam. Na abordagem qualitativa, as hipóteses perdem a sua dinâmica formal 
comprobatória para servir de caminho e de baliza no confronto com a realidade 
empírica. Costuma-se até a usar o termo PRESSUPOSTOS para falar de alguns 
parâmetros básicos que permitem encaminhar a investigação empírica qualitativa, 
substituindo-se assim o termo Hipótese com conotações muito formais de abordagem 
quantitativa.
Com relação a essa temática se estabelece uma polêmica histórica que a nosso 
verconstrói uma falsa dicotomia entre dados quantitativos e dados qualitativos. A 
tendência é de se atribuir a pecha de imprecisão aos últimos, no sentido que não 
permitem testes “precisos” como a “abordagem científica” exige. Daí que, quando surge
96
a questão da verificação, muitos analistas se voltam para os dados quantificáveis.
É necessário ultrapassar esse viés positivista das ciências sociais e quando for 
possível quantificar, quantificamos, mas não coloquemos aí a cientificidade do trabalho. 
Os dados “qualitativos” são importantes na construção do conhecimento e, também eles, 
podem permitir o início de uma teoria ou a sua reformulação, refocalizar ou clarificar 
abordagens já consolidadas, sem que seja necessária a comprovação formal quantitativa. 
O princípio geral é de que todos os dados devem ser articulados com a teoria. A 
observação científica, seja a partir de hipóteses bem delineadas, seja com pressupostos 
mais gerais, é sempre polêmica, confirma ou infirma teses anteriores.
A natureza mais aberta e interativa de um trabalho qualitativo que envolve 
observação participante, permite que o investigador combine o afazer de confirmar ou 
infirmar hipóteses com as vantagens de uma abordagem não-estruturada. Colocando 
interrogações que vão sendo discutidas durante o processo de trabalho de campo, ela 
elimina questões irrelevantes, dá ênfase a determinados aspectos que surgem 
empiricamente e reformula hipóteses iniciais e provisórias.
Essas observações que têm como ênfase a questão das hipóteses na abordagem 
qualitativa fazem-nos voltar para um clássico da antropologia funcionalista, 
Malinowski, mas que nesse particular praticava um raciocínio dialético. De acordo com 
a sua orientação, o investigador tem que se esmerar na constituição, ampliação e 
articulação de seu quadro teórico. É esse referencial que lhe permite estabelecer 
perguntas fundamentais para compreensão da realidade empírica. Porém, deve 
conservar uma abertura e flexibilidade capazes de, apesar da teoria, descobrir as 
particularidades da realidade empírica (Malinowski: 1980, 17-24). Certamente essas 
observações o locam o trabalho científico bem acima de uma postura técnica de 
comprovação ou infirmação de hipóteses.
A DEFINIÇÃO DO OBJETO
Geralmente quando nos propomos a iniciar uma atividade de pesquisa, nós a 
situamos dentro de um quadro de preocupações teórico-práticas. Ou seja, temos uma 
Área de Interesse que é um campo de práticas, onde as questões que incitam nossa 
curiosidade teórica se concentram, como por exemplo, Saúde do Trabalhador, Políticas 
Públicas, Saúde e Cultura, Educação e Saúde etc. No interior dessa Área de Interesse 
que antecede e ultrapassa um projeto específico, se situa a questão da definição do 
Objeto ou a definição do Problema. Trata-se de um recorte capaz de conter relações 
essenciais e expressar especificidade.
Do ponto de vista prático o Objeto é geralmente colocado em forma de pergunta 
– é uma questão – e se vincula a descobertas anteriores e a indagações provenientes de 
múltiplos interesses (de ordem lógica e sociológica). A clareza e a precisão nesse 
primeiro instante decorre de uma relação dialética entre o esforço de estabelecer marcas 
conceituais o mais possível amplos e abrangentes e de os articular a prática. Ou seja, de 
os vincular aos interesses e problemas que estão mobilizando a escolha do tema. O real 
está sempre colocado como premissa, embora operacionalmente partamos da elaboração 
do abstrato para o concreto.
Para o delineamento do objeto, a primeira tarefa a que nos propomos é um 
trabalho de pesquisa bibliográfica, capaz de projetar luz e permitir uma ordenação ainda 
imprecisa da realidade empírica. Esse labor inicial tem algumas condições necessárias:
A primeira delas é de que a bibliografia seja suficientemente ampla para traçar a 
moldura dentro da qual o objeto se situa: a busca de vários pontos de vista, dos 
diferentes ângulos do problema que permitam estabelecer definições, conexões e 
mediações, e demonstrar o “estado da arte”. Vejamos um exemplo. Suponhamos as 
Concepções de Saúde-Doença de determinado segmento social como objeto de 
investigação. A sua compreensão implica uma pesquisa bibliográfica que inclua: (a) 
historicamente o perfil do determinado segmento: sua inserção nas relações sociais de 
produção, suas condições de vida e de trabalho, consumo, acesso a bens e serviços e em 
especial àqueles que se referem ao conceito de Saúde vigente; (b) o conceito 
historicamente construído de Saúde que vamos adotar, incluindo aí as políticas do setor 
que o situam do ponto de vista dominante; (c) o conceito de representação social que 
torna operacional a investigação e a análise.
Ora, o desenho desse quadro inicial exige o domínio anterior de
97
algumas categorias analíticas fundamentais que constituem pontos de referência gerais 
numa análise dialética, como Modo de Produção, Formação Social, Classes, 
Consciência Social (de Classe e Sanitária). Porém, essas categorias não necessitam estar 
presentes no discurso teórico que organiza o projeto de pesquisa. Dele devem constar as 
definições que se fazem necessárias para fazer surgir do “caos inicial” o objeto 
específico com seus contornos gerais.
O segundo aspecto a ser observado em relação à bibliografia diz respeito à sua 
leitura. É necessário abordá-la como um exercício de crítica teórica e prática. Ou seja, 
na pesquisa bibliográfica devemos destacar as categorias centrais, os conceitos e as 
noções usadas pelos diferentes autores. Além disso, porém, faz-se mister destacar os 
pressupostos teóricos e as razões práticas que subjazem aos trabalhos que consultamos. 
Esse exercício hermenêutico é fundamental para o esclarescimento da posição que 
vamos adotar.
98
O terceiro ponto relativo ao material de consulta tem um caráter disciplinar e 
operacional, também necessário no processo de objetivação. Trata-se da tarefa de 
fichamento onde todo o estudo vai sendo cuidadosamente classificado e ordenado: (a) 
Fichamento bibliográfico: cada livro, artigo, capítulo de livro, documento, recorte de 
jornal, todo o material trabalhado vai recebendo uma ficha própria (dentro das regras de 
fichamento oficiais), em ordem alfabética por autor e por assunto, conforme a opção do 
investigador; (b) Fichamentos por assunto: onde as matérias lidas são resumidas e 
criticadas com anotações do leitor. É importante nesse tipo de fichamento que o 
investigador destaque os principais conceitos usados pelo autor no seu trabalho; (c) 
Fichamento por temas, que reúne anotações e resumos a respeito de questões 
especificamente pertinentes ao contorno do objeto de estudo; (d) Fichamento de citação, 
com o devido cuidado de indicar páginas, data de publicação e contexto da citação. Essa 
modalidade de fichamento pode ser incluída na classificação por temas ou por assuntos.
No caminho entre as idéias iniciais que induziram à escolha bibliográfica, a 
leitura dos textos e as indagações referentes à realidade empírica (que aparece sempre 
como premissa), o investigador organiza o discurso teórico da pesquisa que pode se 
apresentar da seguinte forma: (a) Definição do Objeto (definição como recorte em todos 
os seus aspectos e sempre provisória dentro da abordagem dialética que adotamos); (b) 
Justificativa: que descreve os motivos vivenciais e teóricos que impulsionaram a 
escolha do objeto. Colocando-se aí as principais indagações do pesquisador; (c) Marco 
conceitual teórico-metodológico onde se estabelecem os principais conceitos, categorias 
e noções com as quais se vai trabalhar, definem-se as hipóteses ou pressupostos da 
investigação e o “caminho de pensamento” que orientará o trabalho.
99
CONSTRUÇÃODOS INSTRUMENTOS DE PESQUISA
Ao nível da pesquisa qualitativa os instrumentos de trabalho de campo são: o 
roteiro de entrevista, os critérios para observação participante e os itens para discussão 
de grupos focais.
Nesta altura do trabalho falamos já explicitamente da pesquisa qualitativa 
porque estamos num espaço muito próximo à realidade empírica e totalmente ligada aos 
marcos conceituais do método.
I – O ROTEIRO DA ENTREVEISTA difere do sentido tradicional do 
questionário. Enquanto este último pressupõe hipóteses e questões bastante fechadas, 
cujo ponto de partida são as referências do pesquisador, o roteiro tem outras 
características. Visando a apreender o ponto de vista dos atores sociais previstos nos 
objetivos da pesquisa, o roteiro contém poucas questões. Instrumento para orientar uma 
“conversa com finalidade” que é a entrevista, ele deve ser o facilitador de abertura, de 
ampliação e de aprofundamento da comunicação. Dele constam apenas alguns itens que 
se tornam indispensáveis para o delineamento do objeto, em relação à realidade 
empírica e devem responder às seguintes condições: (a) cada questão que se levanta, 
faça parte do delineamento do objeto e que todas se encaminhem para lhe dar forma e 
conteúdo; (b) permita ampliar e aprofundar a comunicação e não cerceá-la; (c) contribua 
para emergir a visão, os juízos e as relevâncias a respeito dos fatos e das relações que 
compõem o objeto, do ponto de vista dos interlocutores.
100
Roteiro é sempre um guia, nunca um obstáculo, portanto não pode prever todas 
as situações e condições de trabalho de campo. É dentro dessa visão que deve ser 
elaborado e usado. No processo de pesquisa pode surgir a necessidade da elaboração de 
um questionário fechado para captar os aspectos considerados relevantes para iluminar a 
compreensão do objeto, estabelecer relações e generalizações. É importante o uso de 
várias técnicas e não há oposição entre elas. O princípio básico para elaboração do 
questionário é o mesmo que adotamos em relação ao roteiro: cada questão tenha como 
pressuposto o marco teórico desenhado para a construção do objeto.
II – Com relação aos instrumentos para a OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE, é 
importante que o investigador tome algumas decisões nesse momento preparatório. Ou 
seja, será uma observação livre ou realizada através de roteiro específico? Abrangerá o 
conjunto do espaço e do tempo previsto para o trabalho de campo ou se limitará a 
instantes e/ou a aspectos da realidade, dando ênfase a determinados elementos na 
interação?
De acordo com os objetivos da pesquisa, deve-se estabelecer a forma e o 
conteúdo dessa atividade fundamental na abordagem qualitativa, ainda que no processo 
da investigação se perceba a necessidade de realizar mudanças. Lembramos que toda a 
observação deve ser registrada num instrumento que convencionamos chamar de 
DIÁRIO DE CAMPO. Desse caderno constam todas as informações que não sejam o 
registro das entrevistas formais. OU seja, observações sobre conversas informais, 
comportamentos, cerimoniais, festas, instituições, gestos, expressões que digam respeito 
ao tema da pesquisa. Fala, comportamentos, hábitos, usos, costumes, celebrações e 
instituições que compõe o quadro de REPRESENTAÇÕES SOCIAIS5.
III – Da mesma forma que os anteriores, os instrumentos para debate dos 
GRUPOS FOCAIS (caso a organização do trabalho preveja) necessita aqui ser 
delineados. Pode-se, por exemplo, decidir que os temas de discussão e a dinâmica 
adequada serão escolhidos depois 
101
da realização das entrevistas. Ou pelo contrário, o investigador decide estabelecer de 
antemão o conteúdo e as formas de debate para que os grupos focais se processem pari 
passu com as outras técnicas de abordagem. É possível também que se tomem as 
discussões em grupo como o instrumento principal de abordagem da pesquisa. Daí que 
o conteúdo dos grupos de estudo vai diversificar: (a) pode ter um papel complementar, 
dando ênfase a alguns aspectos considerados relevantes; (b) pode repetir as questões do 
roteiro para se perceber a realização da interação individual e grupal; (c) pode merecer 
um aprofundamento sucessivo, em várias sessões, tomando um caráter substantivo na 
pesquisa.
A investigação qualitativa requer como atitudes fundamentais a abertura, a 
flexibilidade, a capacidade de observação e de interação com o grupo de investigadores 
e com os atores sociais envolvidos. Seus instrumentos costumam ser facilmente 
corrigidos e readaptados durante o processo de trabalho de campo, visando às finalidade 
5 Termos empregados aqui genericamente como entrevista, observação participante, representações sociais, trabalho de campo, estão 
conceituados e problematizados no terceiro capítulo deste estudo.
da investigação. Mas não se pode ir para a atividade de campo sem se prever as formas 
de realizá-lo. Improvisá-lo significaria correr o risco de romper os vínculos com o 
esforço teórico de fundamentação, necessário e presente em cada etapa do processo de 
conhecimento. 
EXPLORAÇÃO DO CAMPO
A EXPLORAÇÃO DO CAMPO contempla as seguintes atividades: (a) escolha 
do espaço da pesquisa; (b) escolha do grupo de pesquisa; (c) estabelecimento dos 
critérios de amostragem; (d) estabelecimento de estratégias de entrada em campo.
Pouco temos a dizer sobre os dois primeiros itens, a não ser lembrar a sua 
adequação prática ao delineamento do objeto teórico. Sabemos que este momento 
envolve interação, conhecimento e contatos anteriores, experiências e lastros de trabalho 
e de envolvimento que ultrapassam as preocupações lógicas do investigador.
A questão da amostragem em pesquisa qualitativa merece comentários especiais 
de esclarescimento. Ela envolve problemas de escolha do grupo para observação e para 
comunicação direta. A quem entrevistar, a quem observar e o que observar, o que 
discutir e com quem discutir?
102
Numa abordagem qualitativa, definida a população, busca-se um critério de 
representatividade numérica que possibilite a generalização dos conceitos teóricos que 
se quer testar. Numa busca qualitativa, preocupamo-nos menos com a generalização e 
mais com o aprofundamento e abrangência da compreensão seja de um grupo social, de 
uma organização, de uma instituição, de uma política ou de uma representação.
Seu critério portanto não é numérico. Podemos considerar que uma amostra 
ideal é aquela capaz de refletir a totalidade nas suas múltiplas dimensões. Portanto 
propomos alguns critérios básicos para a amostragem: (a) definir claramente o grupo 
social mais relevante para as entrevistas e para a observação; (b) não se esgotar 
enquanto não delinear o quadro empírico da pesquisa; (c) embora desenhada 
inicialmente como possibilidade, prever um processo de inclusão progressiva 
encaminhada pelas descobertas do campo e seu confronto com a teoria; (d) prever uma 
triangulação6. Isto é, em lugar de se restringir a apenas uma fonte de dados, multiplicar 
as tentativas de abordagem.
Como conseqüência, a amostragem qualitativa: (a) privilegia os sujeitos sociais 
que detêm os atributos que o investigador pretende conhecer; (b) considera-os em 
número suficiente para permitir uma certa reincidência das informações, porém não 
despreza informações ímpares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta; 
(c) entende que na sua homogeneidade fundamental relativa aos atributos, o conjunto de 
informantes possa ser diversificado para possibilitar a apreensão de semelhança e 
diferenças; (d) esforça-se para que a escolha do locus e do grupo de observação e 
informação contenham o conjunto de experiências e expressões que se pretende 
objetivas com a pesquisa.
Tomemos como exemplo uma pesquisa daAvaliação Qualitativa da Atenção 
Primária à Saúde numa favela. A amostragem tem que 
103
abranger todos os atores que compõem o programa, com ênfase no grupo social mais 
relevante para a investigação, isto é, famílias com crianças cuja faixa etária se inclui 
nessa política de saúde. Mas dentro desse grupo seria interessante recobrir mães que 
recebem os benefícios do programa e outras que não recebem, permitindo contrastes e 
comparações. É necessário, por outro lado, incluir a instituição pública, os profissionais 
e agentes de saúde responsáveis pela aplicação da política. E por fim abordar outros 
6 Triangulação é um termo usado nas abordagens qualitativas para indicar o uso concomitante de várias técnicas de abordagens e de 
várias modalidades de análise, de vários informantes e pontos de vista de observação, visando à verificação e validação da pesquisa. 
Falamos mais extensivamente sobre o tema na parte de Validação e Verificação.
sujeitos sociais relacionados com a questão como farmacêuticos, curandeiros, rezadeiras 
etc. Muitos atores sociais serão descobertos no decorrer da pesquisa, no efeito da 
inclusão progressiva na amostragem. Certamente o número de pessoas é menos 
importante do que a teimosia de enxergar a questão sob várias perspectivas, pontos de 
vista e de observação.
A questão da validade dessa amostragem está na sua capacidade de objetivar o 
objeto empiricamente, em todas as suas dimensões.
A ESTRATÉGIA DE ENTRADA em campo tem que prever os detalhes do 
primeiro impacto da pesquisa, ou seja, como apresentá-las, como apresentar-se, a quem 
se apresentar, através de quem, com quem estabelecer os primeiros contatos. O processo 
de investigação prevê idas ao campo antes do trabalho mais intensivo, o que permite o 
fluir da rede de relações e possíveis correções já iniciais dos instrumentos de coleta de 
dados. Por fim, terminada essa fase bastante prática mas crucial para o desenvolvimento 
da investigação, serão estabelecidos os primeiros contatos e o calendário de viabilidade 
e realização da etapa empírica.
A Fase Exploratória termina formalmente com a entrada em campo. Na 
realidade, como temos repetido por diversas vezes, as etapas se interpenetram e o 
esforço de delinear esse começo de caminho tem sua raiz na teoria e na prática.
Talvez a insistência na disciplina e método de construção teórica e instrumental 
possa parecer ênfase demasiada na tecnologia. Porém, da nossa parte, esse aviso de 
cuidados vem da experiência da área. São muitos os estudos que encontramos que 
desdenham ora as referências teóricas como se o real fosse evidente, ora o trabalho de 
campo como se a teoria fosse fruto de especulação e o que pensamos refletisse a 
imagem do pensado.
104
A abordagem dialética heurística parte de um quadro conceitual (que tem como 
premissa a realidade empírica) para levantar o conjunto de determinações e 
especificações do real concreto. Vamos portanto para o Trabalho de Campo!
105
CAPÍTULO 3
FASE DE TRABALHO DE CAMPO
Entendemos por Campo, na pesquisa qualitativa, o recorte espacial que 
corresponde à abrangência, em termos empíricos, do recorte teórico correspondente ao 
objeto de investigação. Por exemplo, se se trata de entender as concepções de 
saúde/doença de determinado grupo social; se se trata de entender a relação pedagógica 
entre médico/paciente; se se busca compreender o impacto de determinada política 
pública para a população, cada um desses temas corresponde a um campo empírico 
determinado. A pesquisa social trabalha com gente, com atores sociais em relação, com 
grupos específicos. Esses sujeitos de investigação, primeiramente, são construídos 
teoricamente enquanto componentes do objeto de estudo. No campo, fazem parte de 
uma relação de intersubjetividade, de interação social com o pesquisador, daí resultando 
um produto novo e confrontante tanto com a realidade concreta com as hipóteses e 
pressupostos teóricos, num processo mais amplo de construção de conhecimentos.
O trabalho de campo constitui-se numa etapa essencial da pesquisa qualitativa, 
que a rigor não poderia ser pensada sem ele. Opõe-se aos “surveys” que trazem os 
sujeitos para o laboratório do pesquisador, mantém com eles uma relação estruturada, 
segundo Malinowski, “um excelente esqueleto ao qual faltam carne e sangue”. Na 
pesquisa qualitativa a interação entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados é 
essencial. Sua preocupação é de que “todo o corpo e sangue da vida real componham o 
esqueleto das construções abstratas”. 
106
O trabalho de campo é de tal forma valorizado na pesquisa social qualitativa que 
Lévi-Strauss chega a afirmar a seu respeito:
A pesquisa de campo, por onde começa toda a carreira etnológica, é mãe e ama-
de-leite da dúvida, atitude filosófica por excelência. Essa “dúvida antropológica” 
não consiste apenas em saber que não se sabe nada, mas em expor resolutamente 
o que se acreditava saber e a própria ignorância, aos insultos e aos desmentidos 
que infligem a idéias e hábitos muito caros, àqueles que podem contradizê-los no 
mais alto grau. Ao contrário do que a aparência sugere, é por seu método mais 
estritamente filosófico que a etnologia se distingue da sociologia (1975, 220).
Lévi-Strauss faz a afirmação a partir de uma consideração de Merleau-Ponty 
segundo o qual: “cada vez que o cientista social retorna às fontes vivas de seu saber, 
àquilo que nele opera como meio de compreender as formações culturais mais afastadas 
de si, faz filosofia espontaneamente” (1975, 222).
As operações mentais decorrentes das atitudes e práticas de integração no campo 
da pesquisa, segundo Lévi-Strauss, ajudam o investigador a confrontar-se com seu 
objeto diretamente, pois faz assim uma: “sociologia de carne e osso que mostra os 
homens engajados no seu próprio devir histórico e instalados em seus espaço geográfico 
concreto” (1975, 212).
E acrescenta de forma radical a afirmação de Mauss sobre seu objeto de estudo: 
“não é prece ou dom que importa entender, o que conta é o melanésio de tal ou tal ilha. 
Contra o teórico, o observador deve ter sempre a última palavra; e contra o observador, 
o indígena” (1975, 211).
107
São componentes do trabalho de campo duas categorias fundamentais que 
tentaremos abordar mais exaustivamente: (a) a Entrevista, nome genérico no qual 
incluiremos diferentes abordagens que podem ser decompostas em: entrevista aberta, 
entrevista estruturada, entrevista semi-estruturada, entrevistas através de grupos focais e 
história de vida. Fazem parte da relação mais formal do trabalho de campo em que 
intencionalmente o pesquisador recolhe informações através da FALA dos atores 
sociais. Dada a importância desse momento da pesquisa abordaremos as diversas 
formas de entrevistas e daremos ênfase ao referencial teórico sobre a FALA e seu 
contexto através da categoria Representações Sociais e, em particular, Representações 
Sociais de Saúde/Doença. (b) A Observação Participante como o momento que enfatiza 
as relações informais do pesquisador no campo. Essa “informalidade aparente” reveste-
se porém de uma série de pressupostos, de cuidados teóricos e práticos que podem fazer 
avançar ou também prejudicar o conhecimento da realidade proposta.
Pela sua importância, o trabalho de campo tem que ser pensado a partir de 
referenciais teórico e também de aspectos operacionais que envolvem questões 
conceituais. Isto é, não se pode pensar num trabalho de campo neutro. A forma de 
realizá-lo revela as preocupações científicas dos pesquisadores que selecionam tanto os 
fatos a serem coletado como o modo de recolhê-los. Esse cuidado faz-nos lembrar mais 
uma vez que o campo social não é transparente e tanto o pesquisador como os atores, 
sujeitos-objeto da pesquisa interferem dinamicamente no conhecimentoda realidade.
A ENTREVISTA
Ao lado da observação participante, a entrevista – tomada no sentido amplo de 
comunicação verbal, e no sentido restrito de colheita de informações sobre determinado 
tema científico – é a técnica mais usada no processo de trabalho de campo.
Kahn & Cannell oferecem-nos a seguinte definição para o que denominam 
“entrevista de pesquisa”:
108
Conversa a dois, feita por iniciativa do entrevistador, destinada a fornecer 
informações pertinentes para um objeto de pesquisa, e entrada (pelo 
entrevistador) em temas igualmente pertinentes com vistas a este objetivo (1962, 
52).
A referida conceituação poderia ser replicada com pequenas diferença, pelos 
diferentes autores que tratam do tema (Thiollent: 1978; Schrader: 1968; Michelat: 1975; 
Kandel: 1972; Goode & Hat: 1952; Hyman: 1954).
Mediante a entrevista podem ser obtidos dados de duas naturezas: (a) os que se 
referem a fatos que os pesquisadores poderia conseguir através de outras fontes como 
censos, estatísticas, registros civis, atestados de óbitos etc. São dados a que Lundberg 
chama “objetivos” (1946); Parga Nina denomina “concretos” (1983) e Gurvitch (1955) 
os qualifica como pertencentes ao nível “ecológico ou morfológico” da realidade. (b) os 
que se referem diretamente ao indivíduo entrevistado, isto é, suas atitudes, valores e 
opiniões. São informações ao nível mais profundo da realidade que os cientistas sociais 
costumam denominar “subjetivos”. Só podem ser conseguidos com a contribuição dos 
atores sociais envolvidos.
Dessa forma a entrevista como fonte de informação fornece dados secundários e 
primários, referentes, segundo Jahoda, a “fatos, idéias, crenças, maneiras de pensar; 
opiniões, sentimentos, maneiras de sentir; maneiras de atuar; conduta ou 
comportamento presente ou futuro; razões conscientes ou inconscientes de determinadas 
crenças, sentimentos, maneiras de atuar ou comportamentos” (1951, 152).
Segundo a forma em que se estrutura a entrevista, ela pode ser de vários tipos. 
Honningmann oferece a seguinte classificação: (a) sondagem de opinião, elaborada 
mediante questionário totalmente estruturado, onde a escolha do informante está 
condicionada pela multiplicidade de respostas apresentadas pelo entrevistador; (b) 
entrevistas semi-estruturada que combina perguntas fechadas (ou estruturadas) e 
abertas, onde o entrevistador tem a possibilidade de discorrer o tema proposto, sem 
respostas ou condições prefixadas pelo pesquisador; (c) entrevista aberta, quando o 
informante discorre livremente sobre o tema que lhe é proposto; (d) entrevista não-
diretiva “centrada” ou “entrevista focalizada” onde se aprofunda a 
109
conversa sobre determinado tema sem prévio roteiro; (e) entrevista projetiva, isto é, 
centrada em técnicas visuais (quadros, pinturas, fotos) usadas quase sempre para 
aprofundar informações sobre determinado grupo (Honnigmann: 1954).
Podemos dizer que as diferentes formas de entrevistas se resumem em 
“estruturada” e “não-estruturada” entre as quais há várias modalidades que se 
diferenciam em maior ou menos grau pelo fato de serem mais ou menos dirigidas. A 
entrevista focalizada que pode ser feita tanto com um par de interlocutores, como em 
grupo, tem suas raízes no não-diretivismo de Carl Rogers e foi introduzida nas ciências 
sociais, de forma mais elaborada, por Merton (1956: 541s). Ela pertence à categoria 
mais geral de pesquisa aberta ou não-estruturada e visa a colocar as respostas do sujeito 
no seu próprio contexto, evitando-se a prevalência comum nos questionários 
estruturados, do quadro conceitual preestabelecido pelo pesquisador.
A discussão do campo conceitual da entrevista como técnica de coleta de 
informações é amplo e contempla uma série de questões que vão desde a fidedignidade 
do informante ao lugar social do pesquisador. Para fins de nosso trabalho centraremos o 
tema em dois aspectos que retiram a entrevista do campo supostamente neutro da 
“coleta de dados”, para a arena dos conflitos e contradições: (a) Em primeiro lugar, 
trataremos de status da palavra, da fala individual como reveladora dos códigos de 
sistemas e valores contraditórios. O assunto nos remete à discussão dos critérios de 
representatividade da fala, particularmente da representatividade qualitativa na pesquisa 
social; (b) Em segundo lugar, abordaremos a discussão do caráter da interação social 
que está em jogo na relação pesquisador/pesquisado. Este ponto traz luz sobre as 
implicações sócio-políticas, culturais e ideológicas de uma prática social que pretende 
ter critérios de objetividade.
a) A palavra como símbolo de comunicação por excelência
O que torna a entrevista instrumento privilegiado de coleta de informações para 
as ciências sociais é a possibilidade de a fala ser reveladora de condições estruturais, de 
sistemas de valores, normas e símbolos (sendo ela mesma um deles) e ao mesmo tempo 
ter a magia 
110
de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos determinados, em 
condições históricas, sócio-econômicas e culturais específicas.
Vários estudiosos apontam essa particularidade de a comunicação verbal ser 
uma forma privilegiada de interação para a sua densidade enquanto fato social.
Bakhtin considera a palavra como o fenômeno ideológico por excelência: “a 
palavra é o modo mais puro e sensível de relação social”. E continua: “existe uma parte 
muito importante da comunicação ideológica que não pode ser vinculada a uma esfera 
ideológica particular: trata-se da comunicação da vida cotidiana. O material privilegiado 
de comunicação na vida cotidiana é a palavra” (1986: 36s).
Esse mesmo autor define o caráter histórico e social da fala como um campo de 
expressão das relações e das lutas sociais que ao mesmo tempo sofre os efeitos da luta e 
serve de instrumento e de material para sua comunicação. Cada época e cada grupo 
social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação que é inteiramente 
determinada pelas relações de produção e pela estrutura sócio-política (1986, 64), “A 
palavra é arena”, diz ele, “onde se confrontam os valores sociais contraditórios” (1986, 
14). Através da comunicação verbal – que é inseparável de outras formas de 
comunicação – as pessoas “refletem e refratam” conflitos e contradições próprios do 
sistema de dominação, onde a resistência está dialeticamente relacionada com a 
submissão.
Preocupado com a teoria da prática da pesquisa, Bourdieu contribui com 
algumas pistas, em resposta a uma indagação freqüente na pesquisa social, 
particularmente nas entrevistas não-estruturadas: Em que sentido a fala de um é 
representativa da fala de muitos? Suas reflexões se referem à interação informal na 
situação de observação e à relação formal que se dá na entrevista. Segundo o autor, a 
identidade de condições de existência, tente a reproduzir sistemas de disposições 
semelhantes, através de uma harmonização objetiva de práticas e obras:
111
Todos os membros do mesmo grupo ou da mesma classe são produtos de 
condições objetivas idênticas. Daí a possibilidade de se exercer na análise da 
prática social, o efeito de universalização e de particularização, na medida em 
que eles se homogeneízam, distinguindo-se dos outros (1973, 180).
Teorizando sobra a prática da pesquisa de campo, afirma que as condutas 
ordinárias da vida se prestam a uma definição ainda que pareçam automáticas e 
impessoais. Elas são significantes, mesmo sem intenção de significar e exprimem uma 
realidade objetiva que “exige apenas a reativação da intenção vivida daqueles que as 
cumprem” (1973, 181). Insiste Bourdieu: “cada agente, ainda que não saiba ou que não 
queira, é produtor e reprodutor do sentido objetivo, porque suas ações são o produto deum modo de agir do qual ele não é o produtor imediato, nem tem o domínio completo” 
(1973, 182).
As idéias de Bourdieu fazem parte do debate sobre a questão da 
representatividade na pesquisa qualitativa. Baseiam-se no esquema teórico do que 
denomina “habitus”, isto é:
Um sistema de disposições duráveis e transferíveis que integram todas as 
experiências passadas e funciona a todo momento como matriz de preocupações, 
apreciações e ações. O ‘habitus’ torna possível o cumprimento de tarefas 
infinitamente diferenciais, graças às transferências analógicas de esquemas que 
permitem resolver os problemas, da mesma forma, graças às correções 
incessantes dos resultados obtidos e dialeticamente produzidos por estes 
resultados (Bourdieu: 1973, 178s).
O autor compara o “habitus” com o inconsciente: “o inconsciente da história que 
a história produz, incorporando as estruturas objetivas que ele produz neste quase 
natureza que é o ‘habitus’” (197, 179).
112
Dir-se-ia que ele é como uma lei “imanente” depositada em cada ator social 
desde a primeira infância, a partir de seu lugar na estrutura social. São marcas das 
posições e situações de classe.
Segundo Bourdieu, o “habitus” é a mediação universalizante que proporciona às 
práticas sem razões explícitas e sem intenção significante, de um agente singular, seu 
sentido, sua razão e sua organicidade. Portanto:
As relações interpessoais numa pesquisa, nunca são apenas relações de 
indivíduos e a verdade da interação não reside inteiramente na interação (...) é a 
posição presente e passada na estrutura social que os indivíduos trazem consigo 
em forma de ‘habitus’ em todo o tempo e lugar, que marca a relação (1973, 184).
Sapir concorda com Bourdieu quando afirma que “o indivíduo é um portador 
passivo de tradições”. E ele mesmo se corrige ao definir em termos mais dinâmicos que 
“o indivíduo concretiza sob mil formas possíveis idéias e modos de comportamento 
implicitamente inerentes às estruturas ou às tradições de uma sociedade dada” (1967, 
89).
Acrescenta referindo-se à entrevista: “se um testemunho individual é gravado ou 
comunicado, isto não quer dizer que se considera tal indivíduo precioso em si mesmo. 
Essa entidade adulta e singular é tomada como amostra da continuidade” (1967,90).
Essa possibilidade existe, na medida em que o comportamento social e o 
individual obedece a modelos culturais interiorizados, ainda que de forma conflitante. 
Goldmann nos lembra que a consciência coletiva (de classe) só existe nas consciências 
individuais, embora não seja soma delas (1967, 18) e Lukács concorda que nas 
consciências individuais se expressa a consciência coletiva, pois o pensamento 
individual se integra no conjunto da vida social pela análise da função histórica das 
classes sociais (1974, 66).
113
As citadas refelexões que respondem à questão da representatividade qualitativa 
do indivíduo em relação à sociedade conduzem a outras perguntas: em que condições 
esses indivíduos representam e em que medida o indivíduo fala por si mesmo? Noutras 
palavras, os indivíduos são aleatoriamente intercambiáveis?
Sim e não, seria a resposta. Porque ao mesmo tempo em que os modelos 
culturais interiorizados são revelados numa entrevista, eles refletem o caráter histórico e 
específico das relações sociais. Desta forma os depoimentos têm que ser colocados num 
contexto de classe, mas também de pertinência a uma geração , a um sexo, a filiações 
diferenciadas etc. E porque cada ator social se caracteriza por sua participação, no seu 
tempo histórico, n8um certo número de grupos sociais, informa sobre uma “subcultura” 
que lhe é específica e tem relações diferenciadas com a cultura dominante.
Além disso, como afirma Schutz, cada ator social experimenta e conhece o fato 
social de forma peculiar. É a constelação das diferentes informações individuais 
vivenciadas em comum por um grupo, que permite compor o quadro global das 
estruturas e das relações, onde o mais importante não é a soma dos elementos, mas a 
compreensão dos modelos culturais e das particularidades das determinações (1954, 
266).
Essa compreensão do indivíduo como representativo tem portanto que ser 
contemplada com as variáveis próprias tanto da especificação histórica como dos 
determinantes das relações sociais. E, também, dentro do próprio grupo ou comunidade 
alvo da pesquisa, com uma diversificação que contemple as hipóteses, pressuposto e 
variáveis estratégicas previstas para a compreensão do objeto de estudo.
b) A interação entre o pesquisador e os atores sociais no campo
Com relação aos aspectos do intercâmbio pesquisador/pesquisado, as 
observações em debate nas Ciências Sociais são de dois níveis, ambas dando relevância 
ao caráter problemático da interação. De um lado estão as teorias que enfatizam a 
situação de desigualdade em que a entrevista se processa. Suas conclusões tendem a se 
fixar em posições “reprodutivistas”. De outro lado estão os que ressaltam, do
114
ponto de vista cultural, a interação como algo intrinsecamente conflitivo. Porém, 
confere autoria do processo ao pesquisador e ao pesquisado, reconhecendo a 
possibilidade de uns e outros marcarem a qualidade do desenvolvimento social.
A premissa básica, em ambos os casos, é de que entrevista não é simplesmente 
um trabalho de coleta de dados, mas sempre uma situação de interação na qual as 
informações dadas pelos sujeitos podem ser profundamente afetadas pela natureza de 
suas relações com o entrevistador.
Dentro da primeira concepção apontada acima, entendemos a situação de 
entrevista: (a) como uma troca desigual entre os atores da relação. Isso acontece sob 
vários ângulos: não é o entrevistado que toma iniciativa; os objetivos reais da pesquisa 
geralmente lhe são estranhos; sua chance de tomar iniciativa em relação ao tema é 
pouca; é o pesquisador que dirige, controla e orienta as digressões e concede a palavra, 
mesmo quando tenta deixá-lo à vontade. A atitude simpática e benévola do estudioso 
minimiza o impacto, mas não anula a relação institucional entre atores da interação 
colocados em posição de desigualdade. Mesmo nas chamadas “pesquisa participante” e 
“pesquisa-ação” essas questões se coloca, embora de forma diferente; (b) A pesquisa 
fica prisioneira da divisão social do trabalho tradicional na sociedade capitalista onde o 
pesquisador, em posição institucional de poder, se atribui o labor do questionamento dos 
outros, da sociedade e de si mesmo; o sujeito (o entrevistado) “produz” material que 
será ulteriormente “explorado”, conforme sugere Lilliane Kandel: “com quadros de 
referências e objetivos que na maioria das vezes são estranhos. A reciprocidade quase 
existe (direito de interrogar o interrogador) é outorgada” (1972, 25-46).
Certamente o reconhecimento dos dois condicionantes da situação de pesquisa 
desvenda os aspectos da dominação implícitos na prática da investigação social, tal 
como é levada nos centros acadêmicos. Essa relação, que tem por vezes resultado em 
atitude de imobilismo em relação à prática de pesquisa, para ser coerente, necessita se 
colocar ao nível da totalidade das relações no sistema capitalista.
115
Não é apenas a situação da pesquisa que realiza de forma específica uma forma 
de dominação, mas ela em si faz parte do conjunto de reprodução das desigualdades que 
permeiam a divisão social do trabalho no sistema do qual fazemos parte. Reconhecer 
isso não isenta as implicações de ordem sócio-política e ideológica da relação de 
entrevista, mas significa colocá-la e interpretá-la conhecendo as suas condições.
Por outro lado, a compreensão das teias da dominação que se emaranham nas 
relações sociais nos conduzem a perguntar pelas brechas e pelo poder dos dominados na 
interação. Isto é, em que medidaas informações dadas, as situações criadas, os lastros 
de aliança não refletem também a expressão de seus interesses.
A posição radical da sociologia que vê na pesquisa apenas manifestação e 
reprodução do poder é paralisante e cria a imagem do beco sem saída para as relações 
de classes. Ela é tão mecânica e tão pouco dialética como o empirismo positivista que 
desconhece as condições reais de produção do conhecimento.
Portanto, a dissimetria nas posições do entrevistador/entrevistado tem que ser 
compreendida e assumida em todo o processo de construção do saber. O impacto 
resultante do pertencimento a outras classe, que se concretiza em experiências 
socioculturais e até conflitantes, é um dado condicionante da pesquisa, junto como 
todos os outros fatores que acompanham qualquer uma de suas fases.
Há outros autores que, em lugar de analisar a interação pesquisador/pesquisado a 
partir dos condicionantes dados pelas relações sociais mais amplas, debruçam-se sobre 
os elementos interiores da interação. São, em geral, antropólogos, que a partir de sua 
experiência de campo, das dificuldades encontradas tanto na observação como nas 
entrevistas, põem em evidência a precariedade do conceito filosófico de “verdade” no 
labor da investigação. Mostram as dificuldades de penetração no mundo dos outros e 
colocam em discussão a pretensa objetividade na situação de pesquisa. A realidade 
social é um lusco-fusco, mundo de sombras e luzes em que os atores revelam e 
escondem seus segredos grupais. Em lugar do caráter de “passividade” que as teorias 
reprodutivistas e positivistas, sob ponto de vista diferentes, conferem aos entrevistados, 
esses autores (interacionistas 
116
simbólicos e fenomenologistas) os projetam agindo e reagindo durante todo o processo 
de contato com o pesquisador.
Exemplo desses estudiosos, Goffman e Berreman elaboraram de forma plástica e 
carregada de detalhes sua reflexão sobre o intercâmbio pesquisador/pesquisado. Usam a 
imagem do teatro, para mostrar que ambos são simultaneamente atores e públicos na 
montagem de um espetáculo singular: sua inter-relação mediada por códigos culturais 
específicos e de interesses diferenciados que ambos tentam preservar e projetar.
Na relação do entrevistador com seus informantes, diz Goffman:
Frequentemente descobrimos uma divisão entre a região interior, onde a 
representação de uma rotina é preparada; e região exterior, onde a representação 
é apresentada. O acesso a essas regiões é controlado, a fim de impedir que a 
platéia veja os bastidores e que estranhos tenham acesso a uma representação 
que não se dirige a eles (1954, 238).
Essa reflexão serve de base para a análise de Berreman sobre as suas 
dificuldades de acesso a informações numa comunidade himalaia. O título do estudo de 
Berreman é muito sugestivo: Por detrás de muitas máscaras (1975, 123-177). Constata 
que sua experiência de tentar entender uma comunidade muito fechada segmentada em 
castas, com códigos culturais rígidos e totalmente estranhos para ele, guardadas as 
peculiaridades, tem condições de ser universalizada e compartilhada com outros 
pesquisadores.
A “região interior” pode ser maior ou menos, mas qualquer grupo guarda seus 
segredos, seu lado oficial e tem sua estratégia comportamental do dia-a-dia. Ainda que 
internamente esses grupos mantenham diferenças e conflitos, sua existência depende de 
um certo grau de familiaridade e solidariedade que implica partilha de significados, de 
segredos, de zonas e temas proibidos, do que pode ou não ser dito. Goffman afirma que 
há muito poucas atividades ou relações cotidianas cujos atores não se envolvam em 
práticas ocultas, que são incompatíveis com as impressões promovidas (1959, 64). 
A essa tentativa de jogo de cena entre pesquisador e informantes para manter em 
sigilo sua “região interior”, Goffman denomina
117
“controle de impressões”, aspecto básico da interação com significado metodológico 
substancial para quem entrevista.
Berreman insiste que ambos os atores, numa situação de entrevista, ainda que 
breve, julgam os motivos e atributos uns dos outros, definem a situação circundante e a 
imagem que lhes convém projetar, ou seja, o que devem revelar e o que desejam ocultar: 
“cada um tenta dar ao outro a impressão de que melhor serve a seus interesses, tal como 
os vê” (1975, 141).
A avaliação do pesquisador é feita pela sua capacidade de penetrar na “região 
interior” dos entrevistados. Ao contrário, entre seus pares, os entrevistados são 
avaliados pela sua argúcia de preservar de olhos e ouvidos estranhos, os seus bastidores. 
E eles mesmo julgam os pesquisadores pela sua atitude de respeito em relação aos 
“segredos” do grupo. Será excusado dizem que nenhum, nem o estudioso nem seus 
informantes conseguem sucesso absoluto. A preocupação de manter a definição de 
situação de seu desempenho leva a que membros de determinado grupo 
superdimensionam alguns fatos e subcomuniquem outros. Diz Goffman: “dada a 
fragilidade e a necessária incoerência da realidade que é dramatizada por um 
desempenho, existem habitualmente fatos que determinam ou inutilizam a impressão 
desse desempenho” (1959, 142).
Daí que um princípio básico das entrevistas é a certeza de que, durante todo o 
processo, as informações estão sendo controladas.
Essas reflexões trazem algumas conseqüências práticas para a situação da 
entrevista. A primeira é de que quanto mais coeso é um grupo, ainda quando há 
situações problemáticas, ele oferece um lugar, um papel e uma fonte de apoio moral a 
seus membros, de tal forma que eles se protejam mutuamente nas dúvidas e nas culpas.
Pelo contrário, quando há muitas contradições expostas no grupo, ou quando a 
sua coesão está mais ameaçada é mais fácil furar o cerco da “região interior”. Os 
momentos de conflito, de transição e de dúvidas são celeiros férteis para informações 
sobre determinada coletividade. Da mesma forma que há momentos conjunturais mais
118
propícios à captação de níveis mais profundos da realidade, há, ao nível dos indivíduos, 
informantes particularmente “estratégicos” para revelar os segredos do grupo.
Goffman, continuando com a sua imagem do teatro, comenta que:
Um companheiro destituído é sempre passível de tornar-se um renegado e vender à 
platéia os segredos da peça que seus irmãos de ontem ainda representam. Cada papel 
tem seus sacerdotes destituídos de suas vestes para nos contarem o que acontece no 
mosteiro (1959, 164).
Por isso é que geralmente qualquer grupo cuida de exercer uma certa vigilância 
sobre os indivíduos e suas informações, particularmente sobre os suspeitos de falarem 
demasiado. Quando o tema é proibido, há sempre alguma comunicação conspiratória, 
cuidadosamente feita de forma a não levantar suspeitas sobre os infratores. Ou então, as 
revelações de bastidores são dadas por pessoas, não-membros do grupo em questão. Há 
situações em que o pesquisador é escolhido, ele próprio, como confidente e, desta 
forma, passa a compor a região interior também, mas sob condição de não a revelar. Isto 
é, passa a ser considerado um do grupo.
Berreman constatou, a partir de sua experiência, que dentro de uma coletividade 
há alguns segmentos que correm “o risco do desempenho”: são crianças, os bêbados, as 
mulheres e os velhos. São pessoas tratadas como não-pessoas ou como não inteiramente 
humanas. Há sempre o perigo de que esses atores revelam os bastidores e sejam levados 
a sério pela “platéia”. Barnett ressalta que os membros deslocados ou insatisfeito de 
uma sociedade são informantes mais abertos quanto às “regiões interiores” (1953, 378). 
Pelo contrário, os informantes mais relutantes em abrir a cortina dos dados são adultos 
comprometidos com o desempenho do grupo.
Na experiência de Berreman (1975, 171) foram consistentemente homensde 35 
a 55 anos de idade os informantes mais difíceis. Na sociedade pesquisada por ele, esses 
atores sociais não só tentavam ficar ao nível da imagem oficial, mas exerciam uma 
censura sobre a fala de suas esposas, filhos mais jovens e sobre os mais idosos.
Talvez em contextos diferentes, a categorias mais resistente ao
119
assédio do pesquisador a seu mundo particular, seria outra e não os homens de 35 a 55 
anos. Mas o princípio de preservação do “risco do desempenho” seria o mesmo:
“Eu sugeriria ser geralmente verdadeiro”, diz Berreman, “que os informantes mais 
relutantes acerca dos assuntos que não sejam da linha oficial, ou do desempenho da 
região exterior, são aqueles que têm a maior responsabilidade pela produção do 
desempenho, portanto, o maior compromisso com seu sucesso (1975, 172).
John Dean chegou a fazer uma caracterização “estereotipada” de alguns atores 
sociais por ele considerados privilegiados para revelar os bastidores da realidade:
- o “intruso”, alguém de fora ou de outro classe que percebe o grupo social em questão 
a partir de outro referencial;
- o “recruta” ou novato, que se surpreende com detalhes, estranhando coisas que para 
outros seriam considerados banais;
- o “status novo”, que por estar numa etapa de transição de papéis, encontra-se marcado 
por tensões e receios da nova experiência;
 - o “natural”, que possui uma reflexão bastante elaborada da realidade e consegue 
expressá-la com vivacidade. (Vale aqui aquela distinção de Schutz entre quem vivencia 
e quem conhece.) O conhecedor seria um “sábio” em relação ao seu contexto;
- o “ingênuo”, que não se policia nem em relação ao que diz sobre sua coletividade e 
nem em relação ao pesquisador. Abre as cortinas do bastidor com mais facilidade 
porque não percebe as implicações de seus atos;
- o “frustrado” ou “revoltado”, que se sente bloqueado em seus impulsos o desejos pela 
sociedade de que é parte;
- os “habitues”, isto é, os que já não têm mais nada a perder quando revelam os 
“segredos” do poder ou do grupo;
- o “carente”, que sente necessidade de se colar ao entrevistador e se sente importante 
para auxiliá-lo;
120
- o “subordinado”, que por se adaptar sempre aos superiores, conhece os segredos e as 
transgressões (Dean: 1954, 222-256).
A forma estereotipada de classificação, naturalmente, tem suas falhas 
intrínsecas. Ela é o próprio construto do senso comum do pesquisador a partir de sua 
experiência, que não esgota todas as possibilidades de informantes privilegiados. De 
qualquer forma a reflexão de Dean ajuda a pesar ainda mais as dificuldades de 
conhecimento da realidade social. Sobre a complexidade do tema vale a pena repetir 
para sintetizar a observações de Berreman: (a) primeiro, que o controle das impressões 
constituem um aspecto inerente a qualquer interação social; (b) qualquer pesquisa social 
empírica competente deve levar em conta o desempenho montado para o pesquisador 
(união da observação com entrevista formal) e o que resulta daí, isto é, os esforços 
empregados na sua produção e as situações de bastidores que oculta; (c) tanto a visão 
oficial transmitida (a região exterior) como segredos de bastidores (região interior) são 
componentes essenciais da realidade. A relações desses dois mundos, e sua produção de 
significados são material imprescindível da pesquisa (1975, 123-174).
A conclusão inicial é de que toda entrevista, como interação social, está sujeita à 
mesma dinâmica das relações existentes na nossa sociedade. Quando se trata de uma 
sociedade conflitiva como a nossa, cada entrevista expressa de forma diferenciada essa 
luz e sombra da realidade, tanto no ato de realizá-la como nas informações que aí são 
produzidas. Além disso, pelo fato de captar formalmente informações sobre 
determinado tema, a entrevista tem que ser incorporada a seu contexto e vir 
acompanhada, complementada ou como parte da observação participante. Desta forma, 
além da fala mais ou menos dirigida, captam-se as relações, as práticas, os gestos, e 
cumplicidades e a fala informal sobre o cotidiano.
c) A Entrevista Não-Estruturada
A entrevista na pesquisa social, como já vimos na introdução, recobre uma série 
de modalidades técnicas de comunicação verbal que podem se reunir em: (a) entrevista 
estruturada através de questionários aplicados diretamente pelo pesquisador ou 
indiretamente 
121
através de roteiros fechados escritos; (b) as entrevistas semi-estruturadas ou não-
estruturadas entre às quais incluímos a história de vida e as discussões de grupo. Ambas 
podem ser feitas verbalmente ou por escrito, mas tradicionalmente incluem a presença 
ou interação direta entre o pesquisador e os atores sociais e são contempladas por uma 
prática de observação participante.
Não caberia neste trabalho, que se limita à pesquisa qualitativa, falar sobre todas 
as virtudes da entrevista fechada. Há livros específicos que não só ensinam a elaborar 
questionários como todos os cuidados e rigor científico exigidos para sua validade como 
instrumento de captação de dados. Mas trata-se de conferir-lhe um lugar de 
complementaridade com as técnicas de aprofundamento qualitativo. Compreendemos 
sua adequação para determinados fins, tal é o caso das “Pesquisas de Inteligência” ou 
“Construção dos Indicadores” como já foi explorado no primeiro capítulo. A Pesquisa 
Epidemiológica tradicionalmente se faz através de métodos e técnicas quantitativas. 
Apenas atualmente os epidemiologistas começam a se questionar sobre a necessidade de 
incorporação da abordagem qualitativa.
Quando se trata de apreender sistemas de valores, de normas, de representações 
de determinado grupo social, ou quando se trata de compreender relações, o 
questionário se revele insuficiente.
Michelat resume, em seu estudo, as críticas mais comuns ao roteiro fechado, 
para as Ciências Sociais: (a) primeiramente a entrevista por questionário estrutura 
completamente o campo de investigação do pesquisador, é ele quem formula as 
questões, que detém o monopólio da inquirição e da relevância dos dados; (b) desta 
forma existe um afastamento entre a significação do pesquisador, as respostas que 
propõe aos entrevistados e as significações que as questões têm para os informantes 
(Michelat: 1975, 229-247).
A entrevista semi-estruturada e não-estruturada difere apenas em grau, porque na 
verdade nenhuma interação, para finalidade de pesquisa, se coloca de forma totalmente 
aberta. Ela parte da elaboração de um roteiro, sobre o qual já falamos mais intensamente 
no Capítulo 2. Suas qualidades consistem em enumerar de formas mais abrangente 
possível as questões que o pesquisador quer abordar no campo, a partir de suas 
hipóteses ou pressupostos, advindos, obviamente, da definição do objeto de 
investigação. Parga Nina (1983)
122
costuma definir a entrevista não-estruturada ou também chamada “aberta” como 
“conversa com finalidade” onde o roteiro serve de orientação, ele baliza para o 
pesquisador e não de cerceamento da fala dos entrevistados.
Não se pode desconhecer, em nenhuma circunstância, conflitos e dificuldades 
decorrentes da situação ou condição de entrevista já citados. A entrevista aberta não cura 
as diferenças e nem diminui as distâncias estruturais. Suas qualidades para estudo da 
realidade social se colocam dentro das relações sociais contraditórias e submissas aos 
mesmos questionamentos a respeito da divisão social do trabalho e das dissimetrias 
socioculturais. Dentro da perspectiva e limitações citadas reconhecemos a sua 
importância para a construção do conhecimento sobre o social, incluindo-se aqui a 
questão da saúde.
A informação não-estruturada persegue vários objetivos: (a) a descrição do caso 
individual; (b) a compreensão das especificidades culturais mais profundas dos grupos;(c) a comparabilidade de diversos casos.
Procura atingir essas metas, tentando manter a margem de movimentação dos 
informantes tão amplas quanto possível, e o tipo de relacionamento livre de amarras, 
informal e aberto dentro das limitações já conhecidas. O entrevistador se libera de 
formulações prefixadas, para introduzir perguntas ou fazer intervenções que visam a 
abrir o campo de explanação do entrevistado ou a aprofundar o nível de informações ou 
opiniões.
A ordem dos assuntos abordados não obedece a uma seqüência rígida e, sim, é 
determinada frequentemente pelas próprias preocupações e ênfases que os entrevistados 
dão aos assuntos em pauta. A quantidade de material produzida tende a ser maior e com 
um grau de profundidade incompatível em relação ao questionário, porque a 
aproximação qualitativa permite atingir regiões inacessíveis à simples pergunta e 
resposta. A abordagem desses diferentes níveis tem sido uma questão fundamental das 
Ciências Sociais, aprofundada por alguns autores.
No estudo da realidade social de Gurvitch entende que há vários planos que se 
superpõem: a primeira camada, segundo ele, seria:
123
A superfície ecológica e morfológica no sentido lato do termo, os ambiente tanto 
naturais como técnicos, os objetivos, os corpos e os comportamentos que 
participam da vida social e captáveis pela percepção exterior” em seguida “as 
condutas preestabelecidades que são conduzidas, hierarquizadas, centralizadas, 
segundo certos modelos refletidos e fixados previamente em esquemas mais ou 
menos rígidos”. (...) e por fim “papéis sociais assumidos por indivíduos e por 
grupos, as atitudes coletivas, os símbolos sociais” (1955, 104-113).
Gurvitch termina assim suas observações, altamente pertinentes ao pesquisador 
de campo:
Parece impossível compreender a realidade social total, se não se admite que 
esta superposição de planos submetidos a um determinante mais ou menos 
flexível, repousa sobre um solo vulcânico, onde se agita o que há de mais 
espontâneo e inesperado na vida coletiva: as condutas criadoras, as idéias e 
valores coletivos, os estados mentais e os atos psíquicos coletivos (1954, 113).
Noutras palavras, Gurvitch chama atenção para o fato de que essas “camadas” da 
realidade não são estanques. Elas interagem e reagem dinamicamente e é nesse 
movimento que podem ser apreendidas.
Segundo Michelat, se consideramos (como já ficou explanado na primeira parte) 
que cada indivíduo, apreendido através das informações sintomáticas fornecidas pela 
entrevista, é uma aplicação restrita e peculiar de sua cultura e de sua subcultura, 
podemos dizer em conseqüência: (a) quanto mais importante é o material produzido na 
entrevista, mais ele se enriquece ao atingir níveis mais profundos; (b) a ordem afetiva e 
da experiência é mais determinante dos comportamentos do que o lado racional 
“intelectualizado”; (c) a entrevista o menos estruturada possível permite surgir e 
comunicar esse nível sócio-afetivo-existencial (1975, 230).
A reflexão de Michelat vai contra a “objetividade” vista sob o ângulo positivista 
que se traduz no não-envolvimento, no uso cuidadoso da linguagem precisa, no controle 
rígido de atitudes corporais, fisionômicas, de gestos, frases e palavras, a pretexto de 
“neutralidade” condizente com o “processo científico de conhecimento”.
124
No caso da pesquisa qualitativa, ao contrário, o envolvimento do entrevistado 
como entrevistador, em lugar de ser tornado como uma falha ou um risco 
comprometedor da objetividade, é pensado como condição de aprofundamento de uma 
relação intersubjetiva. Assume-se que a inter-relação no ato da entrevista contempla o 
afetivo, o existencial, o contexto do dia-a-dia, as experiências, e a linguagem do senso 
comum, e é condição “sine qua non” do êxito da pesquisa qualitativa.
“Sem intropatia é difícil se compreender os aspectos subjetivos da definição da 
situação do entrevistado” diz Parga Nina (1983, vol. 1, 28). A quem pensa no perigo de 
o entrevistador se perder nessa imersão da realidade, Lévi-Strauss avisa:
É bem um fato objetivo que, o mesmo espírito que se entregou à experiência e se 
deixou modelar por ela, se torne o teatro das operações mentais que anulam as 
informações da experiência, mas transformam a experiência em modelo, 
tornando possíveis outras operações mentais (1975, 217).
Em Éssai sur le Don Marcel Mauss nos conduz a ver, na interseção de duas 
subjetividades, a ordem de verdade mais aproximada à qual às ciências do homem 
podem pretender, quando enfrentam a totalidade de seu objeto (1975, 212).
As contradições, do que eu chamaria qualidade da entrevista não-estruturada, 
nos introduzem agora em questões específicas que necessitam ser aprofundadas e 
remetem à prática concreta.
c.1 – A primeira delas é a própria introdução do entrevistador no campo que pode ser 
assim desdobrada:
(a) Apresentação: o princípio básico em relação a isso é que uma pessoa de confiança 
do entrevistado (líder de coletividade, pessoa conhecida e bem aceita) faça a mediação 
entre ele e o pesquisador. Seria muito arriscado entrar sem referências de lealdade, em 
qualquer grupo ou 
125
comunidade, seja de que grupo ou classe for; (b) Menção de interesse da pesquisa 
discorrendo sobre o que pode direta ou indiretamente contribuir com as preocupações 
do entrevistado; menção da instituição à qual está vinculada. Prevê-se a conveniência de 
apresentação de uma credencial institucional do pesquisador (em geral, quando se trata 
de uma pesquisa com segmentos das classes trabalhadoras, onde os laços de lealdade e 
solidariedade culturalmente são muitos fortes, a melhor credencial é a apresentação de 
alguém de confiança do informante). (c) Explicação dos motivos da pesquisa em 
linguagem de senso comum, em respeito aos que não necessariamente dominam os 
códigos das ciências sociais; (d) Justificativa da escolha do entrevistado; (e) Garantia de 
anomicidade da entrevista e a garantia de sigilo sobre a autoria das respostas que 
aparecem no conjunto do trabalho. (f) Conversa Inicial a que alguns pesquisadores 
denominam “aquecimento”. Trata-se de quebrar o gelo; de ter resposta do agente social 
sobre a sua disponibilidade de dar informações; de criar um clima o mais possível 
descontraído e de conversas. No caso de estar combinada com a observação 
participante, a construção da identidade do pesquisador pelo grupo vai se forjando nas 
várias instâncias de convivência.
Obviamente, os procedimentos enumerados anteriormente não são nem normas 
rígidas, nem um preceituário a ser cumprido ininterruptamente pelo pesquisador. São 
ações que se cumprem no processo de interação e em possível diálogo com o 
interlocutor. Sua introdução no trabalho deve-se antes a uma tentativa de comunicação 
de experiência, do que de instituição de regras e normas, a serem seguidas.
Em adendo às questões gerais levantadas sobre a entrevista não-estruturada, 
fazemos menção à História de Vida e à Discussão em Grupo como estratégias 
importantes em si mesmas de captação de informações qualitativas. Mas chamamos 
atenção para o seu caráter complementar no conjunto de uma “bateria” de instrumentos 
que podem e devem ser empregados para a compreensão da realidade social.
126
A História de Vida
Segundo Denzin:
A História de Vida apresenta as experiências e as definições vividas por uma pessoa, um 
grupo, uma organização, como esta pessoa, esta organização ou este grupo interpretam 
sua experiência (1973, 220).
Denzin é um entusiasta da história de vida como estratégia de compreensão da 
realidade. Seu texto sobre o tema em The Research Act trata da definição e dos 
pressupostos do método, dás várias modalidades da história de vida, da sua relação com 
a historiografia clássica, das estratégiasanalíticas e da relevância dessa técnica para as 
Ciências Sociais (1973, 219-159).
Para as finalidade a que se propõe nosso trabalho, limitaremos o campo da 
reflexão sobre os pressupostos da técnica de coleta de dados e da interação, as suas 
principais modalidades, os detalhes da etapa de trabalho de campo e as vantagens 
específicas da história de vida para as Ciências Sociais.
Denzin menciona vários tipos de história de vida: (a) a história de vida completa 
que recobre todo o conjunto da experiência vivida por uma pessoa, um grupo ou uma 
instituição; (b) a história de vida tópica que dá ênfase a determinada etapa ou setor da 
vida pessoal ou de uma organização. Acrescentamos a histórica oral que geralmente 
focaliza acontecimentos específicos tal como foram vivenciados por uma pessoa ou 
grupo social.
A história de vida pode ser escrita ou verbalizada. Para as finalidades de nosso 
trabalho damos ênfase àquela que é realizada como uma entrevista prolongada, na qual 
o pesquisador constantemente interage como informante. Aquela que combina 
observação, relatos introspectivos de lembranças e relevâncias e roteiros mais ou menos 
centrados em algum tema.
Como podemos perceber, os pressupostos teóricos que validam a história de vida 
são da mesma natureza dos que fundamentam a entrevista e a observação participante. 
Ela é instrumento privilegiado para se interpretar o processo social a partir das pessoas 
envolvidas, 
127
na medida em que se consideram as experiências subjetivas como dados importantes 
que falam além e através delas.
Bourdieu apresenta a história do indivíduo como sendo sempre uma certa 
especificação da histórica coletiva de seu grupo e sua classe:
“Podemos ver”, diz ele, “nos sistemas de disposições individuais, variantes 
estruturais de habitus de grupo e de classe, sistematicamente organizados nas 
diferenças que os separam: o estilo pessoal, isto é, esta marca particular que 
trazem todos os produtos de um mesmo habitus, é uma variação em relação ao 
estilo de uma época ou de uma classe” (1973, 189).
Vários cientistas sociais que usam a técnica da história de vida a colocam num 
papel complementar ao das entrevistas, dos questionários e da observação participante. 
Becker amplia o âmbito de sua importância. Sugere que ela sirva como pedra de toque, 
através da qual teorias, hipóteses e pressuposições possam ser avaliadas. Na medida em 
que acrescenta dados pessoais e visões subjetivas a partir de determinado lugar social, 
permite abrir caminhos de investigação em áreas que pareciam resolvidas, tanto no 
campo das rotinas institucionais como dos processos e relações sociais. Além disso, tem 
o potencial de conseguir dados difíceis e quase inacessíveis através da experimentação 
ou “surveys” retrospectivos (Becker: 1966, X-XVIII).
Denzin afirma que a história de vida pode ser o melhor método para se estudar 
processos de socialização, emergência de um grupo, estrutura organizacional, 
nascimento e declínio de uma relação social e respostas situacionais a contingências 
cotidianas (Denzin: 1973, 257).
Fraser, na introdução ao belíssimo trabalho de história oral sobre a Guerra 
Espanhola dá-nos elementos que se juntam e acrescentam as perspectivas de Becker e 
Denzin.
Comenta que a história de vida (tópica ou mais completa) verbalizada pelos 
participantes constitui uma tentativa de revelar o ambiente intangível dos 
acontecimentos que fazer parte da experiência de determinado grupo social. Visa a 
descobrir o ponto de vista e as motivações dos participantes voluntários ou 
involuntários na 
128
História, portanto protagonistas dos fatos sociais, mas geralmente descartados na visão 
oficial dos setores dominantes.
Diz Frases: “é a história vista pela política interna das classes”. E acrescenta: 
“por mais intangível que pareça, o ambiente é abstrato ou distante: é o que a gente sente. 
E o sentir constitui a base de seus atos” (1979, 26).
Ele não substitui a historiografia clássica. Complementa-a. Não se trata também 
de perguntar se essa história é mais verdadeira que outra: trata-se de um tipo de verdade, 
da verdade da “gente comum” como ela deseja projetá-la: “o que as pessoas pensam, e o 
que elas pensam que pensam também constituem um fato histórico” (Fraser: 1979, 29).
O material da história de vida, segundo Becker (1966), são os dados não-
convencionais: gravações, documentos escritos, incluindo-se a histórica das agência 
sociais e instituições que lançam luz sobre o comportamento dos grupos e indivíduos.
Metodologicamente, as definições e situações recolhidas através da história de 
vida devem ser complementadas pela perspectiva de outros atores sociais que se 
relacionam com os fatos focalizados. Portanto é importante se juntar outras histórias de 
vida contemporâneas com os temas em questão para fins de consistência dos dados.
Da mesma forma, é de fundamental interesse para compreensão da realidade, a 
combinação da “História de Vida” com outros métodos de abordagem, para reforço 
mútuo.
Allport afirma:
A consistência interna ou confrontação interna conseguida através de múltiplas 
abordagens, é quase o único teste que temos
129
para a validade das pesquisas. Portanto, em todos os sentidos, os documentos 
pessoais entram no interior de um conjunto abrangente de estratégias de 
compreensão da realidade (1942, 121).
Discussão de Grupo
Da mesma forma que a História de Vida, a discussão de grupo deve ser 
valorizada como abordagem qualitativa, seja em si mesma, seja como técnica 
complementar.
Schrader comenta que no âmbito de determinados grupos sociais atingidos 
coletivamente por fatos ou situações específicas, desenvolvem-se opiniões informais 
abrangentes, de modo que, sempre que entre membros de tais grupos haja 
intercomunicação sobre tais fatos, estes se impõem, influindo normativamente na 
consciência e no comportamento dos indivíduos (1978, 98).
O específico do grupo de discussão são as opiniões, relevâncias e valores dos 
entrevistados. Difere por isso da observação que focaliza mais o comportamento e as 
relações. Tem uma função complementar à observação participante e às entrevistas 
individuais.
Do ponto de vista operacional, a discussão de grupo (“grupos focais”) se faz em 
reuniões com um pequeno número de informantes (seis a doze). Geralmente tem a 
presença de um animador que intervém, tentado focalizar e aprofundar a discussão.
Os participantes são escolhidos a partir de um determinado grupo, cujas idéias e 
opiniões são do interesse da pesquisa. A abrangência do tema pode exigir uma ou várias 
sessões de discussão.
Essa estratégia de coleta de dados é geralmente usada para: (a) focalizar a 
pesquisa e formular questões mais precisas; (b) complementar informações sobre 
conhecimentos peculiares a um grupo em relação a crenças, atitudes e percepções; (c) 
desenvolver hipóteses de pesquisa para estudos complementares.
O grupo focal consiste numa técnica de inegável importância para se tratar das 
questões da saúde sob o ângulo do social, porque se presta ao estudo de representações 
e relações dos diferenciados grupos de profissionais da área, dos vários processos de 
trabalho e também da população.
A gerência dos grupos de discussão por empregar várias pessoas
130
é uma questão e não apenas técnica. Implica a capacidade do animador de não induzir 
consciente ou inconscientemente o grupo através de suas próprias relevâncias. Mas 
implica também técnicas que assim Schrimshaw resume: o animador – (a) introduz a 
discussão e mantêm acessa; (b) enfatiza para o grupo que não há respostas certas ou 
erradas; (c) observa os participantes, encorajando a palavra de cada um; (d) busca as 
“deixas” de continuidade da própria discussão e fala dos participantes; (e)constrói 
relações com os informantes para aprofundar, individualmente, respostas e comentários 
considerados relevantes pelo grupo ou pelo pesquisador; (f) observa as comunicações 
não-verbais e o ritmo próprio dos participantes, dentro de um tempo previsto para o 
debate. Geralmente o tempo de duração de uma reunião não deve ultrapassar de 1:00 a 
1:30 horas (Schrimshaw: 1986, 12).
Além da sua importância pelo aprofundamento qualitativo das questões 
socializáveis e pela possibilidade de comparação com grupos semelhantes e distintos, 
reforçamos o papel complementar da discussão de grupo. Junto com o uso das histórias 
de vida, das entrevistas abertas ou semi-estruturadas e da observação participante, o 
pesquisador constrói uma série de possibilidades de informações que lhe indicam se seu 
caminho está correto. É a triangulação na coleta de dados.
Vale ressaltar mais uma vez que, como todas as outras formas de abordagem, 
também esta está sujeita aos condicionantes da interação social e deve ser usada a partir 
da consciência de suas vantagens e seus limites.
c.2 – O conteúdo e a situação de entrevista
A centralidade da entrevista em suas amplas modalidades é dada pelo objeto de 
pesquisa com o foco que lhe proporcione o cientista social.
A observação mais importante relacionada ao conteúdo diz respeito às perguntas 
ou itens do roteiro. Cada sugestão de tema que se introduz na entrevista, ou cada 
questão que se levanta, faz parte de uma interação diferenciada com o entrevistado na 
medida em que esses itens são uma teoria em ato e trazem implícitos uma hipótese,
131
um pressuposto ou um conceitos teórico. Portanto, o impacto resultante da abordagem 
de determinado assunto no interior da entrevista, deve ser visto como diverso do efeito 
da entrevista como um todo.
Da mesma forma, cada situação de entrevista tem o seu impacto social próprio. 
Não há duas situações iguais e nem sequer semelhantes; serão sempre diferentes, ainda 
que se trate em ocasiões distintas, dos mesmos atores e do mesmo tema, por causa tanto 
de disposição dos interlocutores, como pelo contexto da pesquisa, isto é, por fatores 
externos ou internos que condicionam a situação.
A interação dos dois parceiros, além do mais, tem um significado subjetivo 
próprio para cada um distintamente e ambos levam em conta, ao agir, as respostas ou 
reações do interlocutor. Como já vimos exaustivamente no início desse tema, para 
Berreman trata-se de uma cena entre dois atores; para Parga Nina são “duas definições 
de situação que se confrontam” (1983, v. II, 57). Poderíamos dizer com esses autores 
que, tanto o pesquisador quanto o entrevistado interferem dinamicamente no 
conhecimento da realidade, e esse encontro de duas subjetividades representantes de 
códigos socioculturais quase sempre diferenciados é, ao mesmo tempo, rico, 
problemático e conflitivo.
O fato de que nenhuma situação de entrevista se repita nem com a mesma 
pessoa, nem com a exploração do mesmo tema, coloca de forma diferente a questão da 
prova de fidedignidade para a pesquisa qualitativa em relação à coleta de dados 
quantitativos e fatos quantificáveis. “Cada caso é um evento único”, comenta Cicourel 
(1964, 80).
A questão do teste de hipóteses e de provas corretas será tratada em detalhes na 
quarta parte deste trabalho, sobre análise dos dados.
Resumimos apenas as idéias básicas sobre o tema, a partir da abordagem de 
Cicourel: (a) a credibilidade do informante, isto é, suas razões para ocultar ou deturpar 
informações; a espontaneidade das respostas e o efeito da presença do observador na 
sua obtenção; a equação grupo-observador (observação participante) – informante 
(entrevista); (b) a relação da “história natural da pesquisa”, ou diário de campo que 
inclui o processo progressivo de conceituação do objeto pelo pesquisador; (c) o 
estabelecimento da “teoria do ator” por parte
132
do cientista descobrir suas regras de evidência, seus constructos, seus significados.
Por fim e para os fins em questão vale ressaltar duas observações. Primeiro, 
permanece o princípio geral que reconhece a importância indiscutível de cada entrevista 
(pela qualidade do ator e pelos dados específicos que dele emergem), mas nos diz que é 
do conjunto de delas e a partir do caleidoscópio das informações que o pesquisador 
compõe seu quadro. Em segundo lugar, a experiência nos mostra que, como o 
pesquisador trabalha com vivências e com as representações correlatas, por mais que 
estimule a explicitação de determinados temas, se eles não constituem relevâncias para 
os informantes, dificilmente emergirão.
c.3 – Sobre o uso das entrevistas não-estruturadas
Muitos sociólogos consideram importantes os estudos qualitativos apenas para 
fins exploratórios, recomendando sempre questionários estruturados para o que definem 
como “pesquisa científica”, onde há possibilidade de testes de hipóteses, possibilidades 
de repetição pela estandardização das perguntas, testes de validade e portanto certeza 
de fidedignidade.
Essa é uma visão positivista que coloca como questão técnica, a resolução de 
problemas epidemiológicos profundos, tais como a qualidade das informações 
recolhidas. É como se o refinamento de um instrumento para análise de variáveis 
solucionasse a questão fundamental do conhecimento da realidade.
A essa argumentação, autores como Cicourel e Bourdieu contestam, mostrando 
as vantagens da abordagem qualitativa, feita sob determinadas condições e cuidados 
teóricos. E Parga Nina desenvolve algumas observações que merecem respeito, dada a 
sua longa vida dedicada à pesquisa social.7
133
Vejamos seu depoimento. Primeiramente o autor cita Granger que comenta os 
riscos de “uma redução simplista do qualitativo”. Há uma dualidade no qualitativo que é 
fundamental reconhecer: “o observador por ter uma percepção da coisa que é um 
predicado contingente e relativo do objeto: a essência da coisa captada é compreendida 
através das aparências, numa percepção de modo incompleto, esboçada” (Granger: 
1967, 107).
Por outro lado, há outro tipo de percepção qualitativa, que é uma percepção 
imediata do vivido, de uma experiência captada como um fluxo de cuja essência temos 
consciência em forma de “retenção” em nossa mente, através de relembranças.
Granger distingue assim “qualidade objetiva” e “qualidade do objeto psíquico” e 
considera como esforço necessário da epistemologia das ciências humanas atuais, 
estabelecer um relacionamento entre “qualidade do objeto psíquico” e uma estrutura 
científica (1967, 197). Em outras palavras, trata-se de trabalhar com a percepção do 
vivido, com os significados das motivações, atitudes e valores.
É assim meridianamente claro que a utilização de métodos e técnicas não-
quantitativas em uma pesquisa não é questão de escolha de alternativa ou de 
preferência pessoal: são procedimentos simplesmente necessários. (...) a 
necessidade de usar métodos e técnicas não-quantitativas é conseqüência da 
necessidade de captar algo dos aspectos subjetivos da realidade social, e de 
reconhecer a “dualidade do qualitativo” fundamental para Granger (1983, 82-
83).
134
Em outro momento Parga Nina critica o adjetivo “qualitativo” ao tipo de 
pesquisa social tal como propomos aqui, dizendo que ela é simplesmente pesquisa 
social: “a oposição qualitativo/quantitativo aprofunda um problema não totalmente 
resolvido nas ciências sociais de querer imitar os modelos quantificáveis das outras 
ciências físicas e naturais” (1983, 83).
Sua proposta de realizar o trabalho de campo através de entrevista aberta tem 
dois vieses: o primeiro é de complementar através de estudos de caso que se detenham 
numa realidade mais ou menos homogênea, as informações muito agregadas que o 
IBGE fornece através de grandes projeçõesestatísticas; o segundo é a certeza de que, 
através de entrevistas como informações chamadas “concretas” junto com aquelas 
provenientes da experiência e da opinião das informantes sobre suas vivências, 
podemos perceber melhor as complexidades da realidade. A convicção de Parga Nina é 
fruto de longa experiência com indicadores quantitativos e os limites de suas 
possibilidades.
Para ele, para Cicourel, para Lazarsfeld e outros autores com ampla experiência 
de ambas, as formas de abordagem, as informações não-quantificáveis além de sua 
grande importância, fazem parte da própria natureza das ciências sociais, que se 
detiveram nas bordas visíveis da realidade, perdem a sua dinâmica.
Assim a pesquisa qualitativa torna-se importante para: (a) compreender os 
valores culturais e as representações de determinado grupo sobre temas específicos; (b) 
para compreender as relações que se dão entre atores sociais tanto no âmbito das 
instituições como dos movimentos sociais; (c) para avaliação das políticas públicas e 
7 Essa digressão é importante para contextualizar suas ponderações: o autor foi o coordenador nacional do ENDEF (Estudo Nacional 
de Despesas Familiares), realizado em 1974, que obteve informações sobre 53.000 famílias em todo o Brasil a respeito do 
orçamento familiar e, em detalhe, sobre consumo alimentar. Foi o estudo de informações estruturadas mais importantes do país, que 
consegui dar informações sobre condições de vida da população (IBGE, 1974). Ao mesmo tempo que dirigia o trabalho quantitativo 
em nível nacional, este cientista liderou um estudo de informações não-estruturadas e posteriormente várias pesquisas qualitativas 
(de 1975 a 1985) sobre situações de pobreza em vários pontos do país (IBGE, 1975-1983; PUC-Rio, 1983-1985).
sociais tanto do ponto de vista de sua formulação, aplicação técnica, como dos usuários 
a que se destina.
A OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
A Observação Participante pode ser considerada parte essencial do trabalho de 
campo na pesquisa qualitativa. Sua importância é de tal
135
ordem que alguns estudiosos a tomam não apenas como uma estratégia no conjunto de 
investigação, mas como uma estratégia no conjunto da investigação, mas como um 
método em si mesmo, para compreensão da realidade, Schwartz & Schwartz propõe-nos 
a seguinte formulação:
Definimos observação participante como um processo pelo qual mantém-se a 
presença do observador numa situação social, com a finalidade de realizar uma 
investigação científica. O observador este em relação face a face com os 
observados e, ao participar da vida deles, no seu cenário cultural, colhe dados. 
Assim o observador é parte do contexto sob observação, ao mesmo tempo 
modificando e sendo modificado por este contexto (1955, 355).
Essa conceituação aparentemente completa dos referidos autores e que tomamos 
como ponto de partida não se pode considerar pacífica no debate das ciências sociais. 
As controvérsias existem com relação à própria prática de observação, ao “o que” e ao 
“como” observar.
Em primeiro lugar vale dizer que é no seio da antropologia de que se inicia a 
reflexão sobre a estratégia de Observação como forma complementar de captação da 
realidade empírica. A sociologia de tradição quantitativa é que, em princípio, levanta as 
primeiras críticas ao que denomina “empirismo” ou “impressionismo” da prática 
antropológica. A etnometodologia e a fenomenologia, correntes que privilegiam estudos 
empíricos, retomam para a sociologia o debate sobre a observação. Influenciados pela 
antropologia, os etnometodólogos e os fenomenologistas instauraram no interior da 
sociologia a polêmica sobre seus métodos, técnicas e critérios de validação do 
conhecimento.
O marxismo tem desenvolvido muito pouco na sua reflexão sobre o tema. Existe 
uma polêmica entre as várias correntes marxistas, que tende a paralisar a reflexão 
metodológica sobre a observação como um momento de apreensão do fenômeno. No 
entanto, há algumas elaborações filosóficas sobre a lógica dialética, de grande 
importância, que lançam luz sobre a prática do trabalho de campo.
Neste texto, tentaremos entrar no mérito da questão Observação Participante, 
abordando as várias linhas confrontantes de pensamento e sua contribuição específica 
para a construção de conhecimentos.
136
a) O Debate Teórico em torno da Observação Participante
O texto considerado clássico sobre o Trabalho de Campo dentro da antropologia 
foi escrito em 1922 por B. Malinowski, a propósito de sua inserção entre os nativos das 
Ilhas Trombiand no Pacífico (1978). Embora levando-se em conta que o estudo reflete 
as concepções funcionalistas de seu ator, a rica experiência transmitida e as bases 
metodológicas por ele lançadas continuam atuais. Sua legitimidade permanece intocável 
até hoje. Fundamenta-se na necessidade: (a) de bagagem científica do estudioso; (b) dos 
valores da observação participante; (c) das técnicas de coleta, ordenação e apresentação 
do que denomina “evidências”. Chama a atenção para a importância do pesquisador 
distinguir os resultados da observação direta em relação aos depoimentos dos nativos e 
sua interpretação dos fatos, e as interpretações e inferências do pesquisador.
Seu trabalho ainda que criticado do ponto de vista do seu destino como 
servilismo ao colonizador britânico, ao mesmo tempo criou grandes polêmicas na classe 
dominante inglesa, porque lançou à luz o tema da relativização da cultura, da 
organização complexa da vida dos primitivos e de sua importância social. Malinowski 
junto com Radcliffe-Brown, outro antropólogo inglês, revolucionaram a antropologia 
nas três primeiras décadas do século XX, sobretudo pelas propostas referentes aos 
métodos de trabalho de campo.8
“Toda estrutura de uma sociedade encontra-se incorporada no mais evasivo de 
todos os materiais: o ser humano”, diz Malinowski (1975, 40). Complementa 
posteriormente seu pensamento a respeito da tarefa do etnógrafo:
Esse material evasivo não tem uma visão integrada resultante do todo, e cabe ao 
pesquisador organizá-la a partir de três ponto de vista: (a) o arcabouço da constituição; 
(b) os imponderáveis da vida real ou do comportamento típico; (c) o espírito nativo”.
137
Malinowski tem uma crítica fundamental a um tipo de pesquisa social que 
apreende apenas um nível da realidade através dos “surveys”: uma ciência que percebe 
o esqueleto mas não compreende a vida porque ela se faz longe do lugar onde a vida 
acontece:
Há uma série de fenômenos de grande importância que não podem ser 
registrados através de perguntas, ou em documentos quantitativos, mas devem 
ser observados em sua realidade. Denominemo-los os “imponderáveis da vida 
real”. Entre eles se incluem coisas como a rotina de um dia de trabalho, os 
detalhes do cuidado com o copo, da maneira de comer e preparar as refeições; o 
tom das conversas e da vida social ao redor das casas da aldeia, a existência de 
grandes amizades e hostilidade e de simpatias e antipatias passageiras entre 
pessoas; a maneira sutil mas inquestionável em que as vaidades e ambições 
pessoais se refletem no comportamento dos indivíduos e nas reações emocionais 
dos que o rodeiam (1975, 55).
‘ Nesse texto, Malinowski descreve a atitude do pesquisador de campo, atitude 
através da qual Boharinan define a antropologia: “ela é como a história ou a ciência, 
uma atitude que consiste em desenvolver uma visão estereoscópica das atividades e 
idéias humanas através de conceitos inteligíveis a todos” (1975, 256).
A partir dessa reflexão está dando, para Malinoski o material da observação 
participante. Primeiro, o conjunto de regras formuladas ou implícitas nas atividades dos 
componentes de um grupo social; depois a forma como essas regras são obedecidas ou 
transgredidas.Em terceiro lugar, os sentimentos de amizade, de antipatia ou simpatia 
que permeiam os membros do grupo. Em outras palavras é preciso observar o aspecto 
legal e os aspecto íntimo das relações sociais; ao lado das tradições e costumes, o tom e 
a importância que lhe são atribuídos; as idéias, os motivos e os sentimentos do grupo na 
138
compreensão da totalidade de sua vida, verbalizados por eles próprios, através de suas 
categorias de pensamento.
Embora Malinoski separe, para efeitos de estudo, a realidade social 
(vebalizações, comprtamentos, estruturas) em três níveis, sua intenção é a reconstrução 
teórica da totalidade funcional, o “arcabouço da constituição” da sociedade analisada, 
através das regularidades e do que é típico de um grupo social.
Para conseguir apreender a “totalidade funcional” Malinoski apresenta seu 
método, que nos princípios gerais podemos resumir: “(a) ter objetivos realmente 
científicos e conhecer os valores e critérios da etnografia moderna”.
Isso significa imergir na realidade mas ao mesmo tempo dominar o instrumental 
teórico. Uma atitude de observador científico consiste em colocar-se sob o ponto de 
vista do grupo pesquisado, com respeito, empatia e inserção o mais íntimo possível. 
Significa abertura para o grupo, sensibilidade para sua lógica e sua cultura, lembrando-
8 Para referência, ver Malinowski, B. Argumento do Pacífico e outros textos na coleção Pensadores. São Paulo, Editora Abril, 1978. 
Radcliffe-Brown. Method in Social Antropology. Chicago. The Univ. of Chicago Press, 1958.
se de que a interação social faz parte da condição e da situação de pesquisa: “mas”, diz 
Malinoski, “o etnógrafo não tem só que entender suas redes no lugar correto e esperar 
pelo que nela cairá. Deve ser um caçador ativo e dirigir para elas a sua presa e segui-las 
até as suas trocas mais inacessíveis (1975,45). Portanto tem que ser um perscrutador 
insistente, que está sempre entre as balizas dos conhecimentos teóricos e das 
informações de campo:
O bom treinamento teórico e a familiaridade com os mais recentes resultados 
científicos não são equivalente a estar carregado de ‘idéias preconcebidas’. Se 
um indivíduo inicia uma pesquisa com a determinação de provar certas 
hipóteses, se não é capaz de mudar constantemente seus pontos de vista e de 
rejeitá-los sem relutância, sob a pressão da evidência, é desnecessário dizer que 
seu trabalho será inútil” (1975, 45).
139
No entanto a preparação teórica para a ida a campo é também sublimada por 
Malinoski:
Mas quanto mais problemas trouxer para o campo, quanto mais estiver 
habituado a conformar suas teorias aos fatos e a considerar os fatos na sua 
importância para a teoria tanto melhor capacitado estará para o trabalho. As 
idéias preconcebidas são perniciosas em qualquer tarefa científica, mas os 
problemas antevistos constituem a principal qualidade de um pensador 
científico, e esses problemas são revelados, pela primeira vez ao observador, por 
seus estudos teóricos (1975, 45).
(b) O segundo ponto do método é colocar-se em boas condições de trabalho e 
dispor-se a viver no contexto; aberto à realidade do grupo pesquisado.
Certamente Malinowski estava se referindo a sua experiência concreta entre os 
indígenas, onde a língua, os costumes e a organização social o apelavam de um lado a 
“imergir” para entender. De outro lado, a comunidade dos “brancos” presentes na 
localidade era uma tentação permanente de evasão, de busca do habitual e conhecido. 
Se substantivamente a situação de um pesquisador de comunidades primitivas é 
diferente, a disposição de integrar-se no contexto de pesquisa permanece como condição 
preliminar de uma boa investigação empírica. E neste ponto invocamos a contribuição 
da fenomenologia, representada por Schutz nas ciências sociais, para aprofundar o tema 
da relação pesquisador-pesquisado considerado por ele como um encontro de 
intersubjetividades.
Primeiramente Schutz coloca em destaque a especificidade do “campo de ação” 
do cientista social:
Há uma diferença essencial na estrutura dos objetos, dos pensamentos ou 
constructos mentais formados pelas ciências sociais e pelas ciências naturais. 
(...) O mundo da natureza tal como é explorado pelo cientista natural, não 
‘signifcia’ nada para as moléculas, átomos e elétrons que nele existem. O campo 
de observação do cientista social, entretanto, quer dizer, a realidade social, tem 
um significado específico e uma estrutura de relevância para os seres humanos 
que vivem, agem e pensam dentro dessa realidade (1954, 266-267).
140
Para Schutz, preocupado com a cotidianidade do “homem comum” do “homem 
da rua” os objetos de pensamento, construídos pelo cientista social, têm que estar 
baseados nos objetos de pensamento construídos pelo senso comum dos homens que 
vivem cotidianamente dentro dessa realidade.
A fenomenologia pensa a relação pesquisador/pesquisado como uma interação 
onde as estruturas de significados de ambos são observadas e traduzidas para os 
constructos consistentes de um quadro referencial teórico. Para isso, Schutz propõe 
algumas atitudes no trabalho de campo: (a) O observador deve colocar-se no mundo de 
seus entrevistados, buscando entender os princípios gerias que os homens seguem na 
sua vida cotidiana, para organizar sua experiência, particularmente as de seu mundo 
social. Desvendar essa lógica é condição preliminar da pesquisa; (b) Manter uma 
perspectiva dinâmica que ao mesmo tempo leve em conta as relevâncias dos atores 
sociais e tenha em mente o conjunto de relevâncias de sua abordagem teórica, o que lhe 
permite interagir ativamente com o campo; (c) Abandonar, na convivência, uma postura 
externa “de cientista”, entrando na cena social dos entrevistados como uma pessoa 
comum que partilha do cotidiano. Isto é, sua estrutura de relevâncias teóricas fica 
implícita. Sua linguagem no campo é a mesma do senso comum dos atores sociais 
(1953, 1-38).
A abordagem de Schutz é também em larga escala aprovada e seguida por 
Cicourel nas suas análises sobre o observador participante. Esse autor insiste 
particularmente na construção do “modelo do ator” pelo pesquisador:
O observador científico necessita de uma teoria que forneça um modelo do ator, 
o qual está orientado para agir num meio de objetos com características 
atribuídas ao senso comum. O observador precisa distinguir as racionalidades 
científicas que usa para ordenar sua teoria e seus resultados, das racionalidades 
do senso comum que atribui aos atores estudados (1975, 110).
141
Frisa Cicourel: “os dois conjuntos de contexto – o científico e do senso comum – 
são construções feitas pelo cientista” (1975, 110).
O mesmo item do método sobre a inserção do pesquisador no campo é também 
aprofundado por Raymond Gold através da proposta de quatro situações teoricamente 
possíveis, que vão do extremo “participante total” a outro extremo “observador total”. 
Essa classificação, ainda que esquemática tem o mérito de incluir posturas 
intermediárias que contemplam a observação participante em diferentes realidades. 
Certamente as noções de “familiar” e “estrangeiro” ficam então relativizadas e podem 
se aplicar tanto ao contato com os povos primitivos ou grupos de nossa própria 
sociedade que nos são também desconhecidos, sociologicamente falando.
Por Participante-Total entendemos o Status do pesquisador que se propõe a 
participar inteiramente, “como nativo”9 em todas as áreas da vida do grupo que pretende 
conhecer. Isto significa na prática “representar com sucesso papéis exigidos no 
cotidiano” ou ainda, segundo Cicourel, “fingir papéis” “quero sugerir com isso que o 
valor crucial, no que diz respeito aos resultados da pesquisa, reside mais naauto-
orientação do participante total do que no seu papel superficial quando inicia o estudo” 
(Cicourel; 1975, 91-92).
Esse tipo de participação corresponde mais so pesquisadores que se envolvem no 
estudo de sociedades primitivas como o mostra Lévi-Strauss:
Quando assume, sem restrição mental e sem segundas intenções, as formas de 
vida de um sociedade estrangeira, o antropólogo pratica a observação integral, 
aquela além da qual não há mais nada a não ser a observação definitiva – e é um 
risco – do observador pelo objeto de sua observação (1975, 216).
142
Esse risco de imersão total tem sido assumido por muitos pesquisadores que 
praticam a Pesquisa Participante ou Pesquisa-Ação como observam certos estudiosos 
(Durham: 1986, 17-38; Zaluar: 1986, 107-126).
O Participante-como-Observador é significativamente diferente do status 
anterior porque o pesquisador deixa claro para si e para o grupo sua relação como 
meramente de campo. A participação, no entanto tende a ser a mais profunda possível 
através da observação informal, da vivência juntos de acontecimentos julgados 
importantes pelos entrevistados e no acompanhamento das rotinas cotidianas. A 
consciência, dos dois lados, de uma relação temporário (enquanto dura o trabalho de 
9 “Como nativo”, “tornar-se nativo”, expressões que significam identificação maior possível com o grupo pesquisado.
campo) ajuda a minimizar os problemas de envolvimento que inevitavelmente 
acontecem, colocando sempre em questão a suposta “objetividade” nas relações.
O Observador-como-Participante é uma terceira modalidade de observação 
participante. É empregada frequentemente como estratégia complementar ao uso das 
entrevistas, nas relações com os “atores”. Trata-se de uma observação quase formal, em 
curto espaço de tempo e suas limitações advêm desse contato bastante superficial.
Como Observador-Total o pesquisador omite a interação direta com os 
informantes, mas não sai da cena do trabalho de campo. Os sujeitos da investigação não 
sabem que estão sendo observados e pesquisados. Como técnica de estudo, a 
“observação total” é raramente usada de forma pura e, sim, tem um papel complementar 
em relação a outras estratégias de apreensão da realidade (Gold: 1958, 217-223).
Esses quatro tipos de papéis estereotipados por Gold, só podem ser assim 
entendidos para fins analíticos. Na verdade nenhum deles se realiza puramente a não ser 
em condições especiais. Em diferentes fases do trabalho de campo, um procedimento 
pode ser privilegiado em relação aos outros, dadas às condições de pesquisa, aos 
acontecimentos considerados mais ou menos importantes e à própria finalidade da 
investigação, o parâmetro mais objetivo das diferentes estratégias.
Mais do que a definição a priori do tipo de pesquisador que
143
deseja se no campo, é preciso considerar a observação participante como um processo 
que é construído duplamente pelo pesquisador e pelos atores sociais envolvidos. Esse 
processo possui momentos cruciais que devem ser encarados, tanto operacional como 
teoricamente. O primeiro deles é a entrada em campo.
Paul Benjamin, numa reflexão sobre a entrada em campo nos diz que:
É o oportuno e às vezes mesmo essencial fazer os contatos com as pessoas que 
controlam a comunidade. Essas pessoas podem ter status na hierarquia de poder 
ou posições informais que impõem respeito. O apoio delas ao projeto pode ser 
crucial e elas podem ser úteis para se fazer outros contatos (1953, 430).
A experiência confirma e relativiza essas observações do antropólogo 
americano. Certamente as pessoas que introduzem o pesquisador no campo são com ele 
responsáveis tanto pela sua primeira imagem, como por portas que se abrirão ou se 
fecharão. O relato de Bereman sobre sua experiência numa comunidade himalaia é 
bastante eloqüente sobre isto (1975, 123-177). O perfil dos informantes, a qualidade dos 
dados recolhidos têm a ver com o impacto da entrada e da apresentação do pesquisador. 
No entanto, sua “sensibilidade” ao campo pode minimizar os aspectos que dificultam a 
coleta de dados, buscando por si próprio outros informantes do que os “oficialmente” 
apresentados e criando em torno de sua pessoa e de seu trabalho um lastro de 
confiabilidade. Frente à situação particular da pesquisa, está em jogo à capacidade de 
empatia, de observação e de aceitação do pesquisador que não pode ser transformadora 
em receituário prático.
Um segundo momento da inserção (segundo momento aqui entendido apenas 
para fins de análise) é a definição do papel do pesquisador no interior do grupo onde 
está se integrando. Paul Benjamin, afirma que:
Em parte o pesquisador de campo define seu próprio papel, em parte seu papel é 
definido pela situação e pela perspectiva dos nativos (ou grupos). Sua estratégia 
é a de quem participa de um jogo. Ele não pode predizer as jogadas precisas que 
o outro lado vai fazer, mas pode antecipá-las da melhor maneira possível e fazer 
suas jogadas de acordo (1954, 431).
144
Os papéis substantivos reais que o pesquisador desempenhará, vão variar de 
acordo com a situação de pesquisa. Na verdade, em relação aos grupos que elege, o 
pesquisador é menos olhado pela base lógica dos seus estudos, e mais pela sua 
personalidade e comportamento. Seus contatos no campo querem saber se ele é “uma 
boa pessoa” e que não vai “fazer mal ao grupo”, não vai tirar “seus segredos” e suas 
estratégias de viver a realidade concreta.
Há situações e situações de pesquisa, mas como norma geral, a figura do 
pesquisador é construída num processo que ele pode controlar apenas parcialmente, pois 
é marcado pelas próprias referências do grupo e interpretado dentro dos padrões 
culturais específicos. Da mesma forma, a visão sobre o grupo é construída 
processualmente pelo pesquisador na interação com os atores sociais que o compõem e 
as relações que consegue captar. É uma visão entre muitas possíveis, e também depende 
do arcabouço teórico que informa o observador.
Essa construção mútua do pesquisador e dos pesquisadores através de sua 
interação é particularmente pensada por Berreman através da imagem do teatro. 
Berreman afirma, a partir de sua experiência e usando reflexões de Goffman sobre a “A 
Construção do Eu na Vida Cotidiana”, que pesquisador e pesquisado são ambos atores 
representando papéis, um frente ao outro. Assim como no teatro há bastidores, “região 
interior”, e o palco, “região exterior”, assim as pessoas tendem a se comunicar, na 
interação, apenas através do palco, isto é, das regras oficiais e legitimadas. A relação 
entre pesquisador/pesquisado se dá um jogo de cenas, onde ambos tendem a preservar a 
“região interior” de sua identidade como pessoa e grupo. No entanto, com relação à 
compreensão da realidade, Berreman enfatiza que tanto o conhecimento das regiões 
interiores (os segredos dos bastidores) da vida de um grupo, como o da encenação 
exterior, isto é, da visão oficial, são componentes essenciais (1975, 123-174). Neste 
ponto Berreman se encontra com Malinowski quando este estipula a necessidade de 
investigar tanto o arcabouço estrutural como os “imponderáveis da vida real” e os 
aspectos íntimos das
145
relações sociais”. Nenhuma das versões é mais verdadeira ou mais falsa, ambas são 
material de trabalho para o pesquisador, expressões de relações que ele tenta 
compreender.
Se a entrada em campo tem a ver com os problemas de identificação, obtenção e 
sustentação de contatos, a saída é também um momento crucial. As relações 
interpessoais que se desenvolvem durante a pesquisa de campo não se desfazem 
automaticamente com a conclusão das atividades previstas. Há um “contato” informal 
de pena de decepção: trabalhamos com pessoas. Na há receitas para esse momento mas 
algumas questões que podemser diferentemente formuladas ou respondidas pelo 
pesquisador. São questões sobre as quais as ciências sociais se têm debruçado pouco: 
em que pé ficam as relações posteriores ao trabalho de campo? Qual o compromisso do 
pesquisador em relação aos dados recolhidos, seu uso científico e as formas de retorno 
aos atores pesquisados? A saída do campo portanto envolve problemas éticos e de 
prática teórica. A relação intersubjetiva que se criou, pode ela mesma contribuir para 
definir o corte necessário ou a continuidade possível ou desejada.
Concluímos a reflexão sobre o segundo item do método proposto por 
Malinowski, que os autores citados acima tentam complexificar. As dificuldades de 
inserção do pesquisador não podem ser pensadas apenas, como questão de tempo, em 
que a longa permanência do etnógrafo num grupo traria, como conseqüência, a sua 
aceitação. Há as dificuldades próprias ao período de entrada de campo, mas outras há, 
decorrentes das características do grupo a ser pesquisado ou de sua situação vivida no 
momento de pesquisa. Essas dificuldades, fica claro, fazem parte desse conhecimento 
enquanto contribuição teórica.
(c) O último item do método de observação participante preconizado por 
Malinowski consiste na aplicação de um certo número de métodos particulares 
para selecionar, coletar, manipular e estabelecer os dados.
O autor refere-se ao registro da “organização social e da anatomia da cultura” 
através do que denomina “o método de documentação
146
estatística concreta”, o registro dos “imponderáveis da vida real” através de uma 
observação minuciosa detalhada no diário de campo; uma lista de declarações 
etnográficas, narrativas feitas pelos nativos, expressões típicas, formulações mágicas, 
lendas e peças de folclore que dariam conta da “mentalidade” do grupo. Malinowski 
comenta que o objetivo da observação e do registro é apreender o ponto de vista do 
nativo, sua relação com a vida real e sua visão de mundo (1975, 60-61) e assim 
apreender o sistema total.
Outros pesquisadores depois de Malinowski têm se preocupado em pensar 
procedimentos teoricamente fecundos na observação participante, está mais livre de 
prejuízos uma vez que não é, necessariamente, prisioneiro de um instrumento rígido de 
coleta de dados ou de hipóteses testadas antes, e não durante o processo de pesquisa. A 
fluidez da própria natureza da observação participante concede ao pesquisador a 
possibilidade de usufruir ao mesmo tempo de dados que os “surveys” proporcionam e 
de uma abordagem não-estruturada. Na medida em que convive com o grupo, o 
observador pode retirar de seu roteiro questões que percebe como irrelevantes; consegue 
também compreender aspectos que se explicitam aos poucos, e que o pesquisador que 
trabalha apenas com questionários certamente desconheceria. A observação participante 
ajuda, portanto, a vincular os fatos a suas representações e as contradições entre as leis e 
sua prática, através das próprias contradições vivenciadas no cotidiano do grupo 
(Denzin: 1973, 216).
Cicourel concorda com Denzin sobre as virtudes da observação participante, mas 
coloca-se de forma mais exigente em relação à validade dessa estratégia. Sua 
preocupação está voltada para as condições que possibilitam o teste de hipóteses e 
resolvam os problemas de inferência e de provas corretas.
Com relação a “objetividade” Cicourel comenta que quanto maior é a 
participação do observador, maior o risco de seu envolvimento, mas também maior a 
possibilidade de penetrar na chamada “região
147
interior" do grupo. Se a participação mais profunda dificulta o teste de hipóteses, em 
contraposição ela pode desvendar os códigos do grupo e seus significados mais íntimos. 
Ele postula o controle da objetividade dos dados obtidos através da observação 
participante, mediante revisões críticas do trabalho de campo, explicitação dos 
procedimentos adotados e dos diferentes papéis representados pelos sujeitos da pesquisa 
e pelo próprio pesquisador.
Cicourel critica a visão apenas substantiva dos dados conseguidos visão que 
desconhece a situação e as condições do trabalho de campo. Através de uma pretensa 
“objetividade” dos dados, estes relatos “pós-facto”, diz ele, “simplesmente acrescentam 
observações descritivas de validade duvidosa para o conjunto da ciência social” (1975, 
78).
Para conseguir avançar o conhecimento, através da observação participante, 
recomenda ao pesquisador que formule o mais claramente possível o que busca 
conhecer, ou seja, se quer explorar alguma proposição teórica, se quer testar hipóteses 
específicas ou fazer uma investigação exploratória sobre determinado tema ainda 
nebuloso.
Chama atenção também para a necessidade, seja qual for o resultado da 
pesquisa, de tornar explícitas as fontes de informações sobre o problema a ser 
pesquisado, o “campo” no qual a pesquisa se deu e a situação na qual a pesquisa foi 
desenvolvida tanto do ponto de vista institucional, de relação entre os pesquisadores, da 
especificidade dos informantes, e tudo isso considerado como dados da própria 
pesquisa. São informações sobre o processo de trabalho, necessárias para a sua 
compreensão como um todo.
Cicourel usa um termo de Becker, “história natural da pesquisa” (1958, 652), 
para falar da importância do registro no trabalho de campo, de forma processual: (1) das 
intenções implícitas ou explícitas; (2) da teoria e metodologia; (3) das mudanças de 
posição no decorrer do trabalho, quando as hipóteses ou pressupostos são 
continuamente testados, reformulados e novamente testados: “cada passo produz dados 
que odem ser relacionados com os dados a serem obtidos posteriormente, a fim de 
melhorar a teoria, a metodologia e clarificar o problema central” (Cicourel: 1975, 118s).
148
Finalmente, conclui que, ainda quando o pesquisador começa seu trabalho com 
vagas noções a respeito do tema a ser estudado, ainda assim ele pode chegar a testar 
algumas hipóteses específicas, através do detalhamento minucioso de seus 
procedimentos metodológicos, e de suas pressuposições teóricas sobre a natureza dos 
grupos e da ordem social.
Em resumo, aqui Cicourel concorda com o pensamento de Popper segundo o 
qual “a objetividade dos enunciados científicos reside no fato de que eles possam ser 
intersubjetivamente submetidos a teste” (1973, 41), ou seja, possam ser julgados pela 
comunidade científica. Esta seria a prova de objetivação mais correta.
E ainda dentro do mesmo quadro de preocupações, é importante o comentário de 
Bourdieu, segundo o qual não há virtudes mágicas na observação participante, 
enaltecida por muitos que julgam equivocadamente que o conhecimento vem a partir da 
prática. Para Bourdieu, “a prática que aparece como condição de uma ciência rigorosa 
não é menos teórica” (1972, 157), e acrescenta:
É preciso lembrar que o privilégio presente em toda atividade teórica, na medida em que 
ela supõe um corte epistemológico, mas também social, governa sutilmente esta 
atividade. Isso conduz a uma teoria da prática que é correlativa ao fato de se omitir as 
condições sociais na produção da teoria (1972, 158).
Desta forma insiste que, na produção de qualquer teoria, o pesquisador tem que 
romper com o senso comum do grupo pesquisado. E, numa segunda ruptura, colocar em 
questão os pressupostos inerentes à sua qualidade de observador, isto é, “de estrangeiro 
que, preocupado em interpretar as práticas de outro grupo, tende a importar para o 
objeto os princípios de suas relações com esse objeto, incluindo-se aqui suas 
relevâncias” (1972, 160).
Ao terminar essas reflexões, retomamos as colocações iniciais. Como qualquer 
fase de trabalho de pesquisa, também a observação não é neutra. O queé observar? 
Como observar? São questões influenciáveis
149
pelos esquemas teóricos, preconceitos e pressupostos do investigador.
Como vimos, a posição funcional positivista tenta perceber a estrutura social e a 
totalidade funcional a partir do “caleidoscópio” que é a realidade. A elaboração dos 
conceitos de “sistema social” e “função” tal como definidos por Malinowski e por 
outros funcionalistas como Radcliffe-Brown constituíram uma ajuda importante na 
determinação dos problemas do trabalho de campo. Esses pesquisadores fizeram não só 
a antropologia social emergir como uma disciplina distinta mas também elaboraram 
uma teoria de observação dos fatos, coerente com seus pressupostos teóricos.
No entanto, as críticas aos autores citados vêm dos seus próprios pressupostos 
teóricos que consideram os sistemas sociais como sistemas naturais que podem ser 
reduzidos a leis sociológicas, aliados à afirmação de que sua história não tem relevância 
científica. Evans-Pritchard se insurge contra os referidos postulados do funcionalismo 
com uma frase contundente: “Devo confessar que isso me parece positivismo 
doutrinário em sua pior expressão!” (1975, 235).
A teoria fenomenológica dá ênfase à construção do “modelo de ator” formulada 
a partir da compreensão de suas estruturas de relevância e da cotidianidade 
compartilhada com seus consociados, coloca a importância de delimitação do “campo 
de ação” do cientista social como sendo intrinsecamente diferente ao do cientista físico 
ou “natural”. Do ponto de vista da sua produção, Schutz define o labor do pesquisador 
como uma capacidade de reconstruir, a partir do senso comum dos atores sociais, uma 
tipificação da sua realidade capaz de ser compreendida, interpretada e comparada:
Na realidade a pergunta mais séria a que a metodologia das ciências sociais deve 
responder é: como é possível formar conceitos objetivos e teorias objetivamente 
verificáveis partindo de estruturas dos significados subjetivos? A resposta é dada 
pela visão básica de que os conceitos formados pelos cientistas sociais são 
‘construtos’ dos ‘construtos’ científicos formados no segundo nível, de acordo 
com as regras de procedimento válidas para todas as ciências empíricas. São 
construtos do tipo-ideal objetivo, e como tais, diferentes daqueles desenvolvidos 
no primeiro nível do pensamento do senso-comum, aos quais eles devem 
superar. São sistemas teóricos incorporando hipóteses testáveis (1971, 498).
150
O texto de Schutz revela a preocupação com os dois tipos de construtos (o do 
cientista e o do senso comum) e propõe como forma de sua organização o “tipo-ideal”, 
como algo que, sem repetir Max Weber, tem seus pontos de encontro na teoria 
compreensiva. A grande crítica à fenomenologia que Schutz representa nas Ciências 
Sociais é de que ela tem como ponto de partida absoluto os dados imediatos da 
experiência vivida, sem analisar suas estruturas e suas condições.
“Ele constrói o mito de um mundo que se percebe objetivo, no qual o pensador 
proclama a existência, independente da consciência” (1967, 70), diz Lukács.
A etnometodologia, que no interior da sociologia mais tradicional advoga 
procedimentos de trabalho de campo, tampouco desenvolve uma metodologia particular 
de observação. Recolhendo as influências da sócio-linguística, da antropologia e da 
fenomenologia, ela procede a partir, dessa tradições. Reconhece como importante a 
observação contextualizada para o pesquisador perscrutar os fenômenos, descrevê-los e 
interpretá-los. É uma abordagem extremamente crítica à observação positivista que vê o 
ato em si mesmo sem considerar as pressões sociais que julgam a ação do senso comum 
sem racionalidade (Park and Burgens: 1921, V-VI; Playne et alii: 1981, 87-145).
A posição da etnometodologia, particularmente da etnometodologia etnográfica, 
coincide com a abordagem tradicional da antropologia, com matrizes teóricos da 
fenomenologia, representada por Schutz. Os seus adeptos no entanto tentam diferenciá-
los, criticando a antropologia de ser eminentemente descritiva. Goudenough insiste que 
não se pode explicar uma cultura descrevendo seus comportamentos sociais, 
econômicos ou eventos cerimoniais e a forma como determinado fenômeno se 
apresenta. O desafio, segundo ele, é construir uma teoria dos modelos conceituais os 
quais eles representam 
151
e dos quais eles são produtos. Portanto teoria e observação devem vir juntos para essa 
forma de compreensão (Goudenough: 1964, 85-97).
As crítica relativas à etnometodologia se concentram exatamente na sua 
preocupação excessiva com o método e com a interpretação. Nela se processa uma 
redução do conhecimento aos significados subjetivos que os sujeitos criam de seu 
mundo, e da estrutura social aos procedimentos interpretativos.
A teoria marxista tem desenvolvido pouco sua reflexão sobre o trabalho de 
campo. Na verdade, na “Enquete Operária”, Marx propõe que os próprios operários 
apliquem os questionários. Desta forma a figura do pesquisador externo ao campo não 
existe. A partir dele, as posições múltiplias do marxismo têm variado, em relação ao 
trabalho de campo, entre a omissão, a negação como algo burguês, a interpretação da 
realidade, ou a tentativa de realizar uma sociologia crítica (Thiollent: 1978, 20). Entre 
um extremo e outro, há o reconhecimento de que a sociologia marxista tem contribuído 
pouco para a definição de procedimentos da pesquisa social. Comentando sobre o tema, 
Thiollent diz que não se pode dizer que no marxismo contemporâneo haja uma posição 
única a respeito da investigação em geral e da sociológica em particular. Na 
apresentação do livro Existencialismo e Marxismo, de Lukács, o tradutor comenta a 
polêmica dos anos 60, na França, em que Sartre acusa os marxistas de esclerose, de 
incapacidade de apreender o particular, de perceber as representações como síntese de 
todas as mediações do homem na sua vida concreta. Em troca Lukács acusa o 
existencialismo como sendo comprometido com uma camada social. Ambos falavam 
em nome de Marx (1967). Essa mesma crítica, continuam a fazer os etnometodológos a 
respeito da incapacidade do marxismo de apreender a realidade cotidiana. Na medida 
em que se contenta com as macroanálises, paralisa-se o progresso da reflexão científica 
(Herzlich, anotações 1986). Nas universidades há o privilegiamento das abordagens 
históricas, econômicas e filosóficas e mesmo aí o que se costuma considerar como 
“análise marxista” consiste numa discussão quase exegética de textos clássicos de Marx, 
sem a devida problematização do levantamento e da incorporação dos novos dados 
referentes a 
152
situações concretas. Esse fato, diz Thiollent, pode ser apontado como origem do 
“teoricismo formalista” que consiste em privilegiar a compreensão da estrutura das 
obras clássicas (Thiollent: 1978, 24). Na prática de conhecimento, a lógica da 
investigação foi separada da lógica de apresentação, perdendo-se dentro de várias 
correntes marxistas o sentido do que há de fundamental nas ciências sociais: a pesquisa. 
Comenta Thiollent: “sem investigações novas e sem preocupação de elaborar novos 
modos de investigação só se pode discutir a forma de apresentação de conhecimentos 
antigos, cuja capacidade de dar conta da realidade atual é problemática” (1978, 27).
Raniero Panzieri em “A Concepção Socialista da Enquete Operária” faz a 
mesma crítica que Thiollent, e afirma que a posição dogmática de considerar a 
sociologia como uma ciência burguesa fez que o marxismo como sociologia, regredisse. 
E acrescenta: “parece-me que a sociologia burguesa desenvolveu-se a ponto de 
apresentar características de uma análise científica que ultrapassa o marxismo” (1978, 
227).
Ao mesmotempo o autor faz reparos a determinados tipo de sociologia e de 
antropologia que recorta a realidade e só olha de forma parcial e fragmentada. E sobre a 
Observação, comenta:
O momento de observação sociológica, conduzida segundo critérios sérios e 
rigorosos [mas não menciona que critérios seriam esses] está então ligada por 
uma continuidade muito precisa à ação política; a pesquisa sociológica é uma 
espécie de mediação sem a qual nos arriscamos a fazer uma idéia otimista ou 
pessimista, de qualquer modo absolutamente gratuita, do grau de consciência da 
classe e da força em oposição atingida por ele. Ora, é claro que essa 
consideração influencia os objetivos políticos da investigação e representa 
mesmo seu principal objetivo (1978, 228).
Panzieri considera a pesquisa como um instrumento de conhecimento
153
da realidade operária e como contribuição para elevação da consciência de classe. 
Thiollent, criticando a atitude que considera alternativa o que chama “questionamento” 
dentro da “pesquisa-ação”. Seria o próprio envolvimento do pesquisador na realidade e 
estudo particular, pois o envolvimento do pesquisador não exime de “miopia” em 
relação à realidade e nem resolve os dilemas do conhecimento. Há já vários estudos 
metodológicos que, sem menos prezar, empreendem uma crítica séria aos trabalhos de 
Pesquisa-Ação e Pesquisa Participante tais como estão sendo realizadas no Brasil. O 
ponto de indagação maior diz respeito ao empirismo que tem dominado os trabalhos e 
ao seu caráter mais militante que científico (Durham: 1987, 17-38; Cardoso: 1986, 95-
106; Zaluar: 1986, 107-126).
Alguns filósofos marxistas dão algumas pistas coincidentes com a práxis da 
observação participante, mas sem, em nenhum momento, levantar comentários sobre 
ela. Joja, na Lógica Dialética afirma:
O singular e o particular manifestam a essência, o geral numa exuberância de atributos 
em que é difícil distinguir o essencial daquilo que não o é, tanto que aquilo que não é 
essencial é mais visível e pode, por vezes, desempenhar o papel do essencial. (...) No 
singular percebemos o geral que aí está incluso e realizado: segundo a expressão 
plástica de Filipon, o universal é a comunidade pela qual todos os particulares se 
comunicam (1695, 77).
Kosic, preocupado com as manifestações fenomênicas da realidade, numa 
primeira abordagem poderia ser confundido com um fenomenológo:
No trato utilitário, prático com as coisas, em que a realidade se revela como 
mundo dos meios, fins, instrumentos, exigências e esforços para satisfazer a 
estas – o indivíduo ‘em situação’ cria suas próprias representações das coisas e 
elabora todo um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto 
fenomênico da realidade. Essas representações se reproduzem imediatamente na 
mente daqueles que realizam uma determinada práxis histórica, como categorias 
de pensamento comum (1969, 10).
154
Mas Kosik se separa de Schutz, ao indicar as denominações:
Trata-se de uma práxis fragmentária, baseada na divisão de trabalho, na divisão 
da sociedade em classe na hierarquia de posições sociais decorrentes da divisão 
em classe. (...) O fenômeno indica a verdade e a esconde. (...) Captar o 
fenômeno seria indagar e descrever como a coisa se manifesta naquele fenômeno 
e da essência (1969, 12).
Joja comenta os desvios das filosofias do século XVIII e XIX que consideravam 
as sensações, os sentimentos, a experiência vivida, idéias e a imaginação como 
elementos subordinados à única “instância de conhecimento adequado, a razão”. Opõe a 
isso a reflexão de Lênin segundo a qual: “seria ridículo negar o papel da imaginação 
mesmo na ciência mais rigorosa” e chama atenção contra as tendências que exageram 
tanto a supremacia da razão como os subjetivismos. Diz Lênin: “deveríamos apreender 
a explorar todos os seus aspectos, todas as suas correlações e suas mediações para 
chegar à realidade objetiva, nos limites de nossas possibilidades históricas” (1965, 215).
Joja completa seu raciocínio ao acrescentar:
O pensamento concreto consiste em considerar e apreender os fenômenos em sua auto-
relação e hetero-relação, em suas relações com a multiplicidade de seus próprios 
ângulos e de seus aspectos intercondicionados, em seu movimento e desenvolvimento, 
em sua multiplicidade e condicionamento recíproco com outros fenômenos ou grupos 
de fenômenos (Joja: 1965, 53).
155
A idéia de que o particular não existe senão na medida em que se liga ao geral e 
o geral senão no particular e através dele; a idéia de que a dificuldade de apreensão está 
no pensamento e não na realidade, pois é o pensamento que separa e mantém a distinção 
de verdadeira e profunda do que nossa capacidade de apreendê-lo; a idéia de que há 
uma relatividade entre os fatores objetivos e subjetivos, material e espiritual são alguns 
dos princípios básicos da lógica dialética que podem orientar um trabalho de campo 
com perspectivas marxistas. Esses princípios têm sua culminância na reflexão de Marx 
em A Ideologia Alemã: “A consciência não pode nunca ser outra coisa senão o ser 
consciente, o ser dos homens em seu processo de vida real” (1984, 17).
O texto que talvez traga elementos mais próximos de compreensão da 
observação é o Método Dialético na Análise Sociológica de Fernando Henrique 
Cardoso (1973, 1-23). A partir do estudo do conceito de totalidade, o autor insiste que a 
interpretação dialética, para ter foros de instrumento científico de análise, precisa ser 
utilizado sem retirar dos dados o valor heurístico que possuem: “sem sólida base 
empírica, a análise dialética corre o risco de perder-se em considerações abstratas 
destituídas de valor explicativo real” (1973, 2).
Trata-se, segundo o autor, de explicar os processos, as situações e os sistemas, 
não do ponto de vista da história já decorrida, quando tudo parece ter caminhado na 
direção de finalidades engendradas por condições dadas, mas do ponto de vista da 
história como realizadora da atividade humana coletiva. Resume Cardoso: “O marxismo 
vivo é heurístico”. Jamais em Marx encontram-se entidades. Por exemplo “a pequena 
burguesia” no Dezoito Brumário “fez parte de uma totalidade viva, nos quadros da 
pesquisa e não de uma dedução do real a partir de totalidades abstratas definidas a 
priori” (Cardoso, 1973, 17 e 23).
As considerações de Cardoso e outras no mesmo sentido feitas por Miriam 
Limoeiro em “La Construción de Conocimientos” (1977, 11-135) reafirmam de um lado 
a visão dialética da realidade
156
pressupõe a investigação empírica; de outro que os instrumentos mais concretos de 
apreensão das “totalidades vivas” não estão suficientemente pensados nem na teoria e 
nem na prática e sim ao nível epistemológico.
b) Saúde/Doença como Tema de Observação
Se tomarmos como objeto de estudo e observação o tema Saúde/Doença, seja 
tanto em relação às concepções que delas faz a população, seja em relação às políticas 
do setor, avaliação de cobertura ou as reivindicações do movimento social, as posturas 
funcionalistas, fenomenológicas ou marxista seriam totalmente diferentes.
No primeiro caso as observações e entrevista privilegiariam a compreensão do 
sistema, sua organização, seu funcionamento, as idéias que as pessoas têm a seu 
respeito, incluindo-se a busca de entendimento e explicações para os “desvios” 
funcionais. A população seria observada e inquirida sobre sua aceitação/integração ao 
sistema e ao esquema médico. O “normal” e o “típico” seriam o conhecimento oficial. 
As conclusões estratégicas de tal pesquisa apontariam a melhor adequação do sistema a 
seus clientes, e aos usuários seriam reservados programas de “educação e saúde” 
buscando-se corrigir os comportamentos e práticas desviantes. Assim a fórmula 
positivistade perceber o “normal” é dada pela ideologia dominante e sua proposta 
concreta é a reordenação do sistema e correção de seu estrangulamentos já que os 
pressupostos de sua organização não se colocam em questionamento.
O quadro referencial fenomenológico, voltado para compreender as estruturas da 
relevância dos grupos observados (grupos em qualquer nível), respeitaria a liberdade do 
grupo e de seus componentes como atores sociais e suas formas alternativas de 
interpretação do corpo, da saúde/doença, das políticas e dos programas. Sua ênfase nos 
indivíduos enquanto agentes sociais torna-a uma teoria que se insurge contra o “oficial”, 
o “dominante”, o “Estado”, a “sociedade” e a anomicidade. As propostas daí 
decorrentes seriam de respeitar às diferentes alternativas, uma vez que foram 
construídas pela experiência dos grupos. É uma postura teórica antagônica ao 
positivismo funcionalista que proclama as propostas dominantes como sendo
157
as “normais”. Sua fraqueza está em erigir o “senso comum” como norma de ação, 
desconhecendo as implicações estruturais que fundamentam as experiências de vida dos 
grupos sociais.
A teoria marxista parte também da observação e do respeito ao senso comum 
mas não o erige como “norma” e nem o considera um desvio. Na sua perspectiva, as 
práticas e programas de saúde expressam os conflitos e diferenças que existem no setor 
e as condições de classe da população. Toda a visão de saúde da população tem a ver 
com a situação em que vive e com as contradições mais gerais da sociedade que 
também se expressam no setor saúde. Sua perspectiva não é de conservação nem de 
reordenação, nem de oposição do indivíduo/sociedade. Sua perspectiva é sempre a 
possibilidade de transformação (pelas contradições) das condições que geram e 
reproduzem as situações de doença da população. A observação neste caso é observação 
das condições de vida, das práticas de classe e das formas de organização que 
engendram as situações de saúde/doença, numa busca de aproximação cada vez maior 
de totalidade, como tão bem insiste Goldmann: “nunca se pode chegar a uma totalidade 
que não seja, ela mesma, elemento ou parte” (1967, 11).
Essas visões teóricas diferenciadas dos observadores participantes certamente 
serão responsáveis por respostas às questões: o que observar? Como observar?
No entanto todas elas se reúnem frente a algumas premissas metodológicas de 
observação do fenômeno (seja qual ele for) social:
- a necessidade de preparação teórica;
- a relativização das hipóteses frente às evidências do campo;
- a necessidade de integração do pesquisador no campo para a apreensão qualitativa da 
realidade;
- o uso de instrumentos adequados para a seleção e apreensão dos dados.
A tentativa de cercar o objeto de todos os ângulos possíveis, são algumas pistas 
para o trabalho de campo que nenhuma teoria pode questionar. Desta forma, a noção de 
observação não pode ser simplesmente
158
confundida com “empirismo”. Este é apenas uma ideologia particular de observação. 
Criticar as ideologias de observação empiristas, positivistas ou psicologistas não 
consiste em rejeitar todos os tipos de inserção. Ao empirismo não podemos opor o 
teoricismo. Sem investigação da realidade concreta, as ciências sociais seriam apenas 
um discurso filosófico ou político. Sem problemática teórica, a sociologia degeneraria 
em pesquisa de opinião e entronização do senso comum.
É bom lembrar mais uma vez que no campo assim como durante todas as etapas 
da pesquisa tudo merece ser teorizado como fenômeno social e historicamente 
condicionado: o objeto investigado, as pessoas concretas implicadas, o pesquisador e 
seus sistema de representações teórico-ideológicas, as técnicas de pesquisa, e todo o 
conjunto de relações interpessoais e de comunicação simbólica.
As relações entre a experiência de observação e a consciência não são de ordem 
acumulativa e a subjetividade não desvenda a essência sem a teoria, entendida como 
instrumento para encontrar o geral no particular.
Pela importância que a pesquisa qualitativa tem para a área da saúde, os temas 
que se seguem, destinam-se a aprofundar a categoria básica dentro das ciências sociais 
que fundamenta o trabalho de campo: Representações Sociais e Representações Sociais 
de Saúde/Doença.
Os dois temas complementares, sendo o segundo específico a nossa 
preocupações neste trabalho como um todo, serão abordados dentro das várias correntes 
de pensamento que perpassam as relações contraditórias entre nossa sociedade e nosso 
tempo.
CONCEITO DE REPRESENTAÇÕE SOCIAIS
Representações Sociais é um termo filosófico que significa a reprodução de uma 
percepção anterior ou do conteúdo do pensamento. Nas Ciências Sociais são definidas 
como categorias de pensamento, de ação e de sentimento que expressam a realidade, 
explicam-na, justificando-a ou questionando-a. Enquanto material de estudo, essas 
percepções são consideradas consensualmente importantes, atravessando a história e as 
mais diferentes correntes de pensamento sobre o social. Neste texto, abordamos o viés 
através do que os autores
159
como Durkheim e seus seguidores, Weber e a escola fenomenológica representada por 
Schutz, Marx e os marxistas trabalham o mundo das idéias e seu significado no 
conjunto das relações sociais.
Do ponto de vista sociológico, Durkheim é o autor que primeiro trabalha 
explicitamente o conceito de Representações Sociais. Usando no mesmo sentido que 
Representações Coletivas, o termo se refere a categorias de pensamento através das 
quais determinada sociedade elabora e expressa sua realidade. Durkheim afirma que 
essas categorias não são dadas a priori e não são universais na consciência, mas surgem 
ligadas aos fatos sociais, transformando-se, elas próprias, em fatos sociais passíveis de 
observação e de interpretação. Isto é, a observação revela, segundo ele, que as 
representação sociais são um grupo de fenômenos reais, dotados de propriedades 
específicas e que se comportam também de forma específica. Na concepção de 
Durkheim é a sociedade que pensa, portanto as representações não são necessariamente 
conscientes do ponto de vista individual. Assim, de um lado, elas conservam sempre a 
marca da realidade social onde nascem, mas, também, possuem vida independente e 
reproduzem-se tendo como causas outras representações e não apenas a estrutura social.
Embora reconheça como base das representações “o substrato social”, Durkheim 
advoga sua autonomia relativa. Segundo eles, algumas, mais que outras, exercem sobre 
nós uma espécie de coerção para atuar em determinado sentido. Dentre estas se 
destacam a religião e a moral, assim como as categorias de espaço, tempo e de 
personalidade, consideradas por ele como representações sociais históricas.
Escreve o próprio autor:
As Representações Coletivas traduzem a maneira como o grupo se pensa nas 
suas relações com os objetos que o afetam. Para compreender como a sociedade 
se representa a si própria e ao mundo que a rodeia, precisamos considerar a 
natureza da sociedade e não dos indivíduos. Os símbolos com que ela se pensa 
mudam de acordo com a sua natureza (...) Se ela aceita ou condena certos modos 
de conduta, é porque entram em choque ou não com alguns dos seus sentimentos 
fundamentais, sentimentos estes que pertencem à sua constituição (1978, 79).
160
Portanto, para Durkheim não existem “representações falsas”, todas respondem 
de diferentes formas e condições dadas a existência humana. São símbolos coletivos 
através dos quais:
É preciso saber atingir a realidade que ele figura e que lhe dá sua verdadeira 
significação. Constituem objeto de estudo tanto quanto as estruturas e as 
instituições: são todas elas maneiras de agir, pensar e sentir, exterioresao 
indivíduo e dotadas de um poder coercitivo em virtude do qual se lhes impõe 
(1978, 88).
Contêm, como as instituições e estruturas as duas características do fato social: 
(a) exterioridade em relação às consciências individuais; (b) exercem ação coercitiva 
sobre as consciências individuais, ou são suscetíveis de exercer essa coerção.
No seu afã de afirmar a objetividade da sociologia, Durkheim tenta eximir a 
análise de qualquer fato social e, portanto, das representações sociais do envolvimento 
do pesquisador e dissecar esse “fato” de qualquer comprometimento ideológico. Diz 
que o método sociológico: (a) deve ser isento de qualquer filosofia; (b) deve ser 
objetivo, isto é, os fatos são coisas e como tal devem ser tratados; (c) os fatos sociais 
são exclusivamente sociológicas: a noção de especificidade da realidade social é de tal 
modo necessária ao sociólogo que só uma cultura especificamente sociológica pode 
compreender os fatos sociais (1978, 159-161).
As idéias de Durkheim sobre Representações Sociais são compartilhadas por 
uma série de estudiosos. Bohannan, em breve ensaio sobre a consciência coletiva e a 
cultura, nota que os termos “consciência” e “representações coletivas” usados por 
Durkheim recobrem o mesmo campo que a noção de cultura para os antropólogos 
culturais tais como Sapir, Malinowski e Kroeber. Para Bohannan: “a consciência 
coletiva é o idioma cultural da ação social. (...) é a totalidade das representações 
coletivas de acordo com suas manifestações nas relações sociais” (1964, 77-96).
161
Também Marcel Mauss, abordadndo o mesmo tema mostra que a sociedade se 
exprime simbolicamente em seus costumes e instituições através da linguagem, da arte, 
da ciência, da religião, assim como através das regras familiares, das relações 
econômicas e políticas. Portanto, para ele, é objeto das ciências sociais tanto a coisa, o 
fato, como a sua representação. O autor, no entanto, chama atenção para a diferenciação 
entre esses dois níveis, considerando o risco de se reduzir a realidade à concepção que 
os homens fazem dela (1979, 8-53).
A visão de objetividade positivista das representações sociais tem sido 
duramente criticada por várias correntes no interior das ciências sociais. Para os adeptos 
da Sociologia Compreensiva e da abordagem Fenomenológica, o aspecto mais 
problemático da teoria se refere ao poder de coerção atribuído à sociedade sobre os 
indivíduos, de maneira quase absoluta. Para os marxistas, a visão durkheimiana elimina 
o pluralismo fundamental da realidade social, em particular as lutas e antagonismos de 
classe.
Vejamos como a Sociologia Compreensiva representada por Max Weber e a 
Fenomenologia traduzida por Schutz para o campo das Ciências Sociais abordam o 
tema das Representações.
Max Weber elabora suas concepções do campo das Representações Sociais 
através de termos como “idéias”, “espírito”, “concepções”, “mentalidade”, usados 
muitas vezes como sinônimos e trabalha de forma particular a noção de “visão de 
mundo”. Para ele, a vida social – que consiste na conduta cotidiana dos indivíduos – é 
carregada de significação cultural. Essa significação é dada tanto pela base material 
como pelas idéias, dentro de uma adequação, em que ambas se condicionam 
mutuamente.
Segundo Weber, as idéias (ou representações sociais) são juízos de valor que os 
indivíduos dotados de vontade possuem. Portanto, as concepções sobre o real têm uma 
dinâmica própria e podem apresentar tanta importância quanto a base material. É com 
estes dois termos base material e eficácia das idéias em relação de afinidade eletiva 
(Weber, 1974, 81) que ele analisa a história do avanço do capitalismo no mundo 
ocidental. De um lado, afirma que o capitalismo “educa” e “cria” seus sujeitos para 
seleção econômica. De outro, demonstra como as idéias de trabalho como virtude 
máxima e vocação do homem, prosperidade como bênção divina, lucro como fator 
legítimo das relações 
162
econômicas, contribuíram para fazer avançar o capitalismo, tanto quanto ou mais do que 
a “acumulação primitiva”:
Com referência à doutrina do mais ingênuo materialismo histórico, de que as 
idéias se originam como ‘um reflexo’ ou como ‘superestrutura’ de situações 
econômicas, somente podemos opinar mais detalhadamente, neste caso [da ética 
protestante em relação ao avanço do capitalismo], que a relação causal é a 
inversa da sugerida pelo ponto de vista materialista (Weber: 1985, 35).
A partir da tese da recíproca influência entre os fundamentos materiais, as formas de 
organização político-social e o conteúdo das idéias, Weber teoriza sobre certa autonomia 
do mundo das representações e a possibilidade concreta de se estudar a eficácia 
histórica das idéias. No entanto, ao afirmar essa “certa autonomia”, ele não descarta a 
possibilidade empírica de que, em determinados momentos, o econômico seja o fator 
dominante e que, em outros, são fatores diferentes os que mais influem na formação 
social. Assim, durante a Primeira Grande Guerra, Weber fez a seguinte declaração:
Não são as idéias, mas os interesses materiais e ideais que governam diretamente 
a conduta do homem. Muito freqüentemente, porém, as ‘imagens mundiais’ que 
foram criadas pelas ‘idéias’ determinaram como manobreiros, as linhas ao longo 
das quais a ação foi impulsionada pela dinâmica dos interesses (1974, 83).
Seu pensamento, na verdade, tenta complexificar a teoria – que ele considera a 
“mecânica” – da determinação da base material sobre as representações sociais. Alerta 
para a necessidade de se conhecer em cada caso, quais os fatores que contribuem para 
configurar determinado fato ou ação social, como vem resumido na conclusão de A 
Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo:
163
Aqui se tratou do fato e da direção em apenas um, se bem que importante ponto 
de seus motivos. Seria importante investigar mais adiante, a maneira pela qual a 
ascesse protestante foi por sua vez influenciada em seu desenvolvimento e 
caráter pela totalidade das condições sociais, especialmente pelas econômicas. 
Isto porque, se bem que o homem moderno seja incapaz de avaliar o significado 
de quanto as idéias religiosas influenciaram a cultura e os caracteres nacionais, 
não se pode pensar em substituir uma interpretação materialística unilateral por 
uma igualmente bitolada interpretação causal da cultura e da história” (Weber: 
1985, 132).
Assim Weber chama atenção de um lado para a importância de se pesquisar as 
idéias como parte da realidade social, e de outro, para a necessidade de se compreender 
a que instâncias do social determinado fato deve sua maior dependência. Porém a base 
de seu raciocínio é de que, em qualquer caso, a ação humana é significativa, e assim 
deve ser investigada.
Usando o conceito de “Visão de Mundo” o autor desenvolve o raciocínio de que, 
cada sociedade para se manter necessita ter “concepções de mundo” abrangentes e 
unitárias e que em geral são elaboradas pelos grupos dominantes. Por exemplo, cita ele 
que: “o enriquecimento com fim obrigatório do homem para a glória de Deus contradiz 
ao sentido ético de épocas históricas inteiras e anteriores à atual” (1985: 72).
Essas concepções abrangentes (o modo de encarar o tempo, o espaço, o trabalho, 
a divisão do trabalho, a riqueza, o sexo, os papéis sociais etc.) perpassam todos os 
grupos de determinada sociedade.
Em síntese, Weber, junto com Durkheim, nos remete à importância de 
compreensão das idéias e de sua eficácia na configuração da sociedade apelando ao 
estudo empírico do desenvolvimento histórico. Por outro lado não contradiz à 
possibilidade também histórica de conjunturas sócio-econômicas provocarem 
concepções e atitudes específicas. Por isso a forma com a qual pensa as idéias é de 
relação deadequação com a estrutura sócio-econômica e política.
Sem querer reduzir a sociologia compreensiva à fenomenológica e vice-versa, 
podemos considerar que essas duas correntes têm muita semelhança quando trabalham a 
questão das Representações Sociais.
164
Enquanto da primeira, o autor clássico seria Max Weber, as idéias da fenomenologia 
aplicadas às Ciências Sociais são elaboradas teoricamente, em particular, por Alfred 
Schutz. Sua contribuição é bastante significativa, especialmente para a 
operacionalização da pesquisa social qualitativa e é deste ponto de vista que o 
abordamos (Schutz: 1970, 1971, 19820).
Schutz usa o termo “senso comum” para falar das representações sociais. Para 
este autor, tanto o conhecimento científico como o senso comum envolve conjuntos de 
abstrações, formalizações e generalizações. Esses conjuntos são construídos, são fatos 
interpretados, a partir do mundo do dia-a-dia. Portanto, a existência cotidiana, segundo 
Schutz, é dotada de significados e portadora de estruturas de relevância para os grupos 
sociais que vivem, pensam e agem em determinado contexto social. Esses significados 
que podem ser objeto de estudo dos cientistas sociais são selecionados através de 
construções mentais, de “representações” do “senso comum” (Schutz, 1973).
Schutz tem como preocupação teórica o mundo do dia-a-dia. Isto é, ele busca 
compreender os pressupostos das estruturas significativas da cotidianidade. Para ele, a 
compreensão do mundo se dá a partir de um estoque de experiências pessoais e de 
outros, isto é, de companheiros, predecessores, contemporâneos, consociados e 
sucessores. O autor separa os termos experiência e conhecimento. A primeira pode ser 
comum a um grande número de pessoas ao mesmo tempo. O segundo é individual: 
consiste na elaboração interior, subjetiva e intersubjetiva, através do senso comum, da 
experiência vivida e que funciona como esquema de referência para o sujeito. Assim o 
mundo do dia-a-dia é entendido como um tecido de significados, instituído pelas ações 
humanas é passível de ser captado e interpreta. O teorema clássico de W. J. Thomas, 
segundo o qual “se os homens definem situações como reais, elas são reais em suas 
conseqüências” (1963, 196), resume o pensamento fenomenológico, explicado pelo 
próprio autor:
Os homens respondem não apenas aos aspectos físicos de uma situação, mas 
também e por vezes, primariamente ao sentido que esta situação tem para eles. 
Uma vez que eles atribuem algum sentido à situação, o seu comportamento 
subseqüente e algumas das conseqüências deste comportamento são 
determinados por este sentido anteriormente atribuído (Thomas: 1963, 197).
165
Na verdade, Thomas confere ao sentido atribuído à ação pelo sujeito, o mesmo 
nível de coerção que Durkheim confere às representações sociais que emanam do 
coletivo.
O número e a natureza das experiências de qualquer ator social, para Schutz, 
dependem de sua história de vida, ou melhor de sua “situação biográfica”. Portanto, 
cada ator social tem um conhecimento de sua experiência e atribui relevância a 
determinados temas, aspectos ou situações, de acordo com sua própria história anterior. 
Daí que, para Schutz, o senso comum é de fundamental importância, porque, através 
dele o ator social faz sua própria definição de situação. Isto é, não só age como atribui 
significados portadores de relevâncias à sua ação, de acordo com sua história de vida, 
seu estoque de conhecimentos dado pela experiência de interação que o cercam. O 
estoque de conhecimentos se forma através de tipificações do mundo do senso comum. 
Isso permite a identificação de grupos, a estruturação comum de relevâncias e 
possibilidade de compreensão de um modo de vida específico de determinado grupo.
Uma terceira corrente na interpretação do papel das representações sociais surge 
da dialética marxista. Se na totalidade de seus escritos Marx fala da relação entre as 
idéias e a base material, podemos dizer que A Ideologia Alemã é uma explanação 
clássica sobre o tema das REPRESENTAÇÕES SOCIAIS. Neste texto o autor discuto, 
de acordo com seu ponto de vista, o que chama de “ideologia alemã”. Mostra que os 
filósofos de seu tempo consideravam as “quimeras, as idéias, os dogmas, as ilusões” 
como produzidos e reproduzidos pela própria cabeça, isto é, pela consciência. Para esses 
filósofos, as mudanças da sociedade adviriam da substituição das “falsas 
representações” por pensamentos correspondentes à essência do homem. 
Insurge-se contra o que ele denomina “fantasias inocentes e pueris da filosofia 
alemã neo-hegeliana” e, a partir da crítica, elabora e discute sua teoria sobre as 
Representações Sociais. Coloca como princípio
166
básico do “pensamento” e da “consciência”, determinado modo de vida dos indivíduos, 
condicionado pelo modo de produção da vida material:
Indivíduos determinados, que, como produtores atuam também de forma 
determinada, estabelecem entre si relações sociais e políticas determinadas. (...) 
Portanto, a produção das idéias, das representações, da consciência está, de 
início, diretamente entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio 
material entre os homens, como a linguagem da vida real. O representar, o 
pensar, o intercâmbio espiritual dos homens aparece aqui como a emanação 
direta de suas representações, de suas idéias etc., mas os homens reais, ativos, tal 
como se acham condicionados por um determinado desenvolvimento de suas 
forças produtivas e pelo intercâmbio que a ele corresponde (1984, 35-44).
A categoria-chave, em Marx, para tratar do campo das idéias é a 
CONSCIÊNCIA. Para ele, as representações, as idéias e os pensamentos são o conteúdo 
da consciência que por sua vez é determinada pela base material:
Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência. 
(...) A consciência é desde o início um produto social: ela é mera consciência do 
meio sensível mais próximo, é a conexão limitada com outras pessoas e coisas 
fora do indivíduo. (...) A consciência jamais pode ser outra coisa que o homem 
consciente e o ser dos homens é o seu processo de vida real (1984, 43-45).
No entanto, apesar de defender durante todo o tempo a anterioridade da vida 
material sobre as idéias, ele vê esses dois elementos numa relação dialética: “as 
circunstâncias fazem os homens, mas os homens fazem as circunstâncias” (1984, 45). 
Neste sentido, Marx relativiza o determinismo mecânico da base material sobre a 
consciência e chama atenção para as contradições existentes entre as forças de 
produção, o estado social e as idéias (1984, 73).
167
Para Marx, a manifestação da consciência se faz através da linguagem: “Ela 
nasce da carência, da necessidade de intercâmbio com os outros homens: a linguagem é 
a consciência real, prática, que existe para os outros homens e existe também para mim 
mesmo” (1984, 43).
Faz ele um paralelo entre consciência e linguagem, entre as representações e o 
real invertido, e mostra como as idéias estão comprometidas com as condições de 
classe:
As idéias de classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a classe 
que é a força material dominante da nossa sociedade, é ao mesmo tempo sua força 
espiritual dominante. Daí que, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção 
material estão subjetivadas às classes dominantes. As idéias dominantes nada mais são 
do que a expressão ideal das relações materiais dominantes, colocadas como idéias 
gerias, comuns e universais de todos os membros da sociedade (1984, 47).
A partir de Marx, dois outros autores têm trabalhado mais detidamente o campo 
das representações sociais do ponto de vista marxista – Gramsci e Lukács. Gramsci 
aborda o tema, de forma muito específica, quando trata do SENSO COMUMe do BOM 
SENSO. Em seus escritos o autor está mais preocupado com a questão pedagógica da 
construção da hegemonia do que com a pesquisa social. Mas assim mesmo sua 
formulação é esclarecedora no campo que nos concerne, porque avança a teoria 
marxista sobre o mundo das idéias.
O autor comenta que nos seus “Escritos” Marx se preocupo com o senso comum 
e com a solidez das crença das massas, mas não para se referir ao seu valor potencial de 
mudança. Pelo contrário, queria chamar atenção para a solidez dessas crenças, 
particularmente da religião, enquanto produtoras de normas de conduta e de 
conformismo (1981: 63 e 148). A partir dos “Escritos” de Marx sobre as crenças das 
massas, Gramsci defende-o de afirmar o “determinismo econômico da base material 
sobre as idéias” e desenvolve o conceito
168
de bloco histórico no qual emite sua própria teoria sobre as relações entre a base 
material e as idéias:
As forças materiais são o conteúdo e as ideologia são a forma sendo que esta 
distinção entre o conteúdo e forma é puramente didática, já que as forças 
materiais não seriam historicamente concebíveis sem forma e as ideologias 
seriam fantasias individuais sem as forças materiais (1981, 63).
Para o autor, o senso comum enquanto matéria-prima ou como “representação 
social” tem um potencial transformador. Mesmo como pensamento fragmentário e 
contraditório, o senso comum deve ser recuperado criticamente, uma vez que ele 
corresponde espontaneamente às condições reais de vida da população. Por isso 
combate o preconceito racionalista contra o senso comum em várias partes de sua obra. 
Primeiramente afirma que todos nós somos presa de algum:
Pela própria concepção de mundo pertencemos sempre a um determinado grupo, 
precisamente ao de todos os elementos sociais que partilham de um mesmo 
modo de pensar e agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos 
sempre homens-massa ou homens-coletivos (1981, 12).
Dentro de uma preocupação mais voltada para o campo político, a descrição que 
Gramsci faz da consciência desse “homem-massa” que todos somos de alguma modo, 
põe a nu, de um lado, os elementos de incoerência e conservadorismo que povoam, mas 
de outro lado, as possibilidades e sinais de mudanças:
Nossa própria personalidade é composta de uma maneira bizarra: nela se 
encontram elementos dos homens da caverna e princípios da ciência mais 
moderna e progressista; preconceitos de todas as faces históricas passadas, 
grosseiramente localistas e instituições de uma futura filosofia que será própria 
do gênero humano mundialmente unificado (1981, 12).
169
Portanto, ao mesmo tempo em que o autor aponta os elementos ilusórios, 
valoriza e busca compreender qual a importância do senso comum no trabalho 
pedagógico de construção da contra-hegemonia:
O subalterno é apenas simples “paciente”, simples coisa, simples 
irresponsabilidade? Não, por certo. Em que reside exatamente o valor do que se 
costuma chamar senso comum ou bom senso? Não apenas no fato de que, ainda 
que, implicitamente o senso comum empregue o princípio da causalidade, mas 
no fato muito mais limitado de que, em uma série de juízos, o senso comum 
identifique a causa exata, simples, imediata, não se deixando desviar por 
fantasmagorias e obscuridades metafísicas, pseudometafísicas e 
pseudoprofundas (1981, 35).
Em resumo, podemos apresentar a contribuição de Gramsci sobre as 
Representações Sociais em três aspectos importantes: (a) primeiramente, chama atenção 
para o caráter de conformismo de que elas são reveladoras e para o caráter de 
abrangência desse conformismo de acordo com os diferentes grupos sociais. Isto é, 
retira a idéia de que o “senso comum” seja inerente à ignorância das massas, mostrando 
como cada grupo social tem seu próprio tem seu próprio conformismo e ilusão; (b) em 
segundo lugar, alerta para os aspectos dinâmicos geradores de mudanças que coexistem 
com o conservadorismo no senso comum; (c) em terceiro lugar, analisa a composição 
mais abrangente das diferentes concepções de mundo – das representações sociais – de 
qualquer grupo social e de determinada época histórica:
A concepção de mundo de uma época não é a filosofia deste ou daquele filósofo, 
deste ou daquele grupo de intelectuais, desta ou daquela grande parcela das 
massas populares: é uma combinação de todos estes elementos, culminando em 
uma determinada direção, na qual sua culminação torna-se norma de ação 
coletiva, isto é, torna-se história completa e concreta (1981, 32).
Essa última afirmação de Gramsci nos remete à compreensão das 
Representações Sociais, para efeito de análise, como uma combinação específica das 
idéias das classes dominantes e das concepções dos
170
grupos subalternos, numa relação de dominação, subordinação e resistência entre os 
dois pólos.
Lukács aprofunda o tema das Representações em Marx, através da noção de 
“visão de mundo”. Segundo ele, a visão de mundo não é um dado empírico imediato, 
mas um instrumento conceitual de trabalho, indispensável para se compreender as 
expressões imediatas do pensamento dos indivíduos. Sua importância e realidade 
também se manifestam no plano empírico. Ela é o principal aspecto concreto do 
fenômeno da “consciência coletiva”. Segundo Lukács a “visão de mundo” é 
precisamente esse conjunto de aspirações, de sentimentos e de idéias que reúne os 
membros de um grupo (mais frequentemente de uma classe social) e as opõem aos 
outros grupos (1974, 60ss)
Referendando o princípio da determinação da base material sobre as idéias, 
Lukács nos diz que as classes sociais são ligadas por um fundamento econômico que 
tem importância primordial para a vida ideológica dos homens, simplesmente porque os 
homens são obrigados a dedicar a maior parte de suas preocupações e de suas atividades 
a garantir a existência, e quando se trata das classes dominantes, à conservação de 
privilégios e à gerência e aumento de sua fortuna.
Como os diferentes autores citados, Lukács concorda que nas consciências 
individuais se expressa a consciência coletiva (de classe) e chama atenção para o fato de 
que o fundamento científico do conceito de “visão de mundo” apreendido através do 
indivíduo, é a integração desse pensamento individual no conjunto a vida social, 
notadamente pela análise da função histórica das classes sociais (1974, 66-85).
Em resumo, a Escola Marxista coloca como denominador comum da ideologia, 
das idéias, dos pensamentos, da consciência, portanto das representação sociais, a base 
material. Mas introduz na sua análise outro elemento importante que é a condição de 
classe: enquanto a classe dominante tem suas idéias elaboradas em sistemas – ideologia, 
moral, filosofia, metafísica e religião – as classes dominadas também possuem idéias e 
representações que refletem seus interesses, mas numa condição de subordinação. São 
idéias marcadas pelas contradições entre seu lugar na produção e sua condição social. 
Isto é, enquanto lhe cabe o trabalho, não lhe sobre a fruição dele; 
171
enquanto lhe é atribuída a tarefa de produção, lhe é proporcionado um consumo escasso 
e precário.
Para Marx as representações estão vinculadas à prática social. Junto com 
Durkheim, ele mostra a anterioridade da vida social em relação à representações. Mas 
enquanto para Durkheim a sociedade é a “síntese das consciências”, para Marx, a 
consciência emana das relações sociais contraditórias entre as classes e pode ser captada 
empiricamente como produto da base material, nos “indivíduos determinados, sob 
condições determinadas”. O próprio Durkheim faz questão de marcar essa diferença 
quando diz a respeito da religião:É preciso guardar-se de ver na teoria das Representações um simples 
rejuvenescimento do materialismo histórico. Não pretendemos dizer, mostrando 
na religião uma coisa essencialmente social, que ela se limita a traduzir, em uma 
outra linguagem, as formas materiais da sociedade e suas necessidades imediatas 
e vitais. A consciência coletiva é outra coisa que um simples epifenômeno da sua 
base morfológica. Ela é uma síntese sui generis das consciências particulares. 
Esta síntese tem por efeito produzir todo um mundo de sentimentos, de idéias, de 
imagens, que uma vez nascidos obedecem às leis que lhe são próprias. Atraem-
se e se repelem, segmentam-se sem que todas estas combinações sejam 
diretamente comandadas pelo estado da realidade subjacente (1983, 227).
Em relação a Weber, Marx se aproxima quando diz que:
A nova classe dominante é obrigada para alcançar os fins a que se propõe, a 
apresentar seus interesses como sendo interesses comuns de todos os membros 
da sociedade. É obrigado a emprestar às suas idéias a forma de universalidade e 
apresentá-la como sendo as únicas racionais, as únicas universalmente válidas 
(1984, 74).
Weber, como já se viu, fala da necessidade de concepções de mundo abrangentes 
para que determinada sociedade se mantenha.
172
Embora seus pensamentos coincidam em termos gerais, eles se separam pelo recorte de 
classe proposto por Marx na análise do social, em contraposição ao termo inespecífico 
de “sociedade” usado por Weber.
Com relação ao status das Representações Sociais no conjunto das relações, 
Durkheim estabelece que a vida social causa as idéias; para Weber existe uma relação 
de adequação entre idéias e base material; e Marx coloca a base material em relação de 
determinação.
Pensando em termos de construção do conhecimento, todos os três clássicos 
concordam com a importância de se compreender as representações sociais.
Para Marx, se estas representações estão colocadas ao real, o estudo e a análise 
das representações são um dados sobre o real, isto é, também informam sobre a base 
material na qual se move determinado grupo social. Durkheim¸ reafirmando a 
importância das representações, diz que o pensamento coletivo deve ser estudado tanto 
na sua forma como no seu conteúdo, por si e em si mesmo, na sua especificidade, pois 
um representação social, por ser coletiva, já apresenta garantias de objetividade. 
Portanto, por mais estranhas que possam parecer, elas contêm verdades que é preciso 
descobrir. Para Weber as representações e idéias têm uma dinâmica prórpia e podem ter 
tanta importância quanto a base material.
Para o conjunto dos autores é no plano individual que as representações sociais 
se expressam. Marx fala na Ideologia Alemã de sujeitos históricos ou de “indivíduos 
determinados” como portadores de uma forma determinada de relações sociais, políticas 
e econômicas. Durkheim chama atenção para o fato de que as idéias coletivas tendem a 
se individualizar nos sujeitos tornando-se para eles uma fonte autônoma de ação. E 
Weber nos diz que o indivíduo, enquanto portador de cultura e de valores socialmente 
dados, é a “constelação singular” que informa sobre a ação social de seu grupo, tendo-se 
em conta que o limite de suas informações é seu próprio valor.
Ao terminar essa reflexão é preciso notar que em muitos pontos esses autores 
coincidem, mas as suas divergências são fundamentais, quanto às suas “visões de 
mundo”. Enquanto para Durkheim as representações sociais exercem coerção sobre os 
indivíduos e a sociedade, para Weber os indivíduos é que são portadores de valores
173
e da cultura que informam a ação social dos grupos. Marx admite com Durkheim que os 
valores e crenças exerçam um papel coercitivo sobre “as massas”, mas insiste no caráter 
de classe das representações e no papel da luta de classe que se dá no modo de produção 
e determina o campo ideológico. Se para Durkheim a coerção das representações admite 
o papel liberador da consciência de classe, como motor de mudança no interior das 
contradições que atravessam a sociedade capitalista.
Conclusões
A partir dos vários autores colocados acima, podemos dizer que as 
Representações Sociais enquanto senso comum, idéias, imagens, concepções e visão de 
mundo que os atores sociais possuem sobre a realidade, são um material importante 
para a pesquisa no interior das Ciências Sociais.
As Representações Sociais se manifestam em condutas e chegam a ser 
institucionalizados, portanto, podem e devem ser analisadas a partir da compreensão das 
estruturas e dos comportamentos sociais. Sua medição privilegiada porém é a 
linguagem do senso comum, tomada como forma de conhecimento e de interação social. 
Mesmo sabendo que ela traduz um pensamento fragmentário e se limita a certos 
aspectos da experiência existencial frequentemente contraditória, possui graus diversos 
de claridade e de nitidez em relação à realidade. É fruto da vivência das contradições 
que permeiam o dia-a-dia das classes sociais e sua expressão marca o entendimento 
delas com seus pares, seus contrários e com as instituições. Com o senso comum os 
atores sociais se movem, constroem sua vida e explicam-no mediante seu estoque de 
conhecimentos. Mas, além disso, as Representações Sociais possuem núcleos positivos 
de transformação e de resistência na forma de conceber a realidade. Portanto, devem ser 
analisadas criticamente, uma vez que correspondem às situações reais de vida. Neste 
sentido, a visão de mundo dos diferentes grupos expressa as contradições e conflitos 
presentes nas condições em que foram engendradas. Assim, tanto o “senso comum” 
como o “bom senso”, para usar as expressões gramscianas, são sistemas de 
representações
174
sociais empíricos e observáveis, capazes de revelar a natureza contraditória da 
organização em que os atores sociais estão inseridos.
Algumas Representações Sociais são mais abrangentes em termos da sociedade 
como um todo e revelam a visão de mundo de determinada época, são as concepções 
das classes dominantes dentro da história de uma sociedade. Mas essas mesmas idéias 
abrangentes possuem elementos de passado na sua conformação e projetam o futuro em 
termos de reprodução da dominação.
As Representações Sociais não são necessariamente conscientes. Perpassam o 
conjunto da sociedade ou de determinado grupo social, como algo anterior e habitual, 
que se reproduz e se modifica a partir das estruturas e das relações coletivas e dos 
grupos. Por isso, embora essas categorias pareçam elaboradas teoricamente por algum 
filósofo, elas são uma mistura das idéias das leites, das grandes massas e também das 
filosofias correntes, e expressão das contradições vividas no plano das relações sociais 
de produção. Por isso mesmo, nelas estão presentes elementos tanto de dominação 
como da resistência tanto das contradições e conflitos como do conformismo.
Ainda que algumas formas de pensar a socieade sejam abrangentes como um 
cimento que mantém as suas estruturas de dominação, cada grupo social faz da visão 
abrangente uma representação particular, de acordo com a sua posição no conjunto da 
sociedade. Essa representação é portadora também dos interesses específicos desses 
grupos ou classes sociais e de seu próprio dinamismo.
Por serem ao mesmo tempo ilusórias, contraditórias e “verdadeiras”, as 
representações podem ser consideradas matéria-prima para a análise do social e também 
para a ação pedagógico-política de transformação, pois retratam a realidade. Porém, é 
importante observar que as Representações Sociais não conformam a realidade e seria 
outra ilusão tomá-las como verdades científicas, reduzindo a realidade à concepção que 
os atores sociais fazem dela.
Para terminar, vale reforçar que a mediação privilegiada para a compreensão das 
representações sociais é a linguagem. Segundo Bakhtin, “a palavraé o fenômeno 
ideológico por excelência. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social” 
(1986, 36). Particularmente quando se trata da comunicação da vida cotidiana a
175
palavra é fundamental. Elas (as palavras) são tecidos a partir de uma multidão de fios 
ideológicos e servem de trama para a s relações sociais em todos os domínios. Bakhtin 
chama a nossa atenção para o fato de que cada época e cada grupo social têm seu 
repertório de estrutura sócio-política. Portanto a palavra é a arena onde confrontam 
interesses contraditórios, veiculando e sofrendo os efeitos das lutas das classes, servindo 
ao mesmo tempo como instrumento e como material (Bakhtin, 1986, 37). Pela sua 
vinculação dialética com a realidade, a compreensão da fala exige ao mesmo tempo a 
compreensão das relações sociais que ela expressa.
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE/DOENÇA
a) Saúde/Doença como Expressão Social e Individual
É indiscutível a existência da Medicina Social como um tema tão antigo quanto 
a reflexão sobre o homem e a sociedade (Rosen, 1983). Desde o início deste século, 
porém, sociólogos e antropólogos aportaram uma contribuição muito importante ao 
demonstrar, através de estudos empíricos, o fato de que a doença, a saúde e a morte não 
se reduziam a uma evidência “orgânica”, “natural”, “objetiva”, mas estavam 
intimamente relacionadas com as características de cada sociedade. Isto é, revelaram 
que a doença é uma realidade construída e que o doente é um personagem social.
Ao introduzir a obra de Marcelo Mauss, por exemplo, Lévi-Strauss fez algumas 
considerações que se tornaram clássicas: “O esforço irrealizável, a cor intolerável, o 
prazer ou o aborrecimento são menos função das particularidades individuais que de 
critérios sancionados pela aprovação ou desaprovação coletivas” (1950, XIII).
E acrescentou: “Em face das concepções racistas que querem ver no homem o 
produto de seu corpo, mostra-se, ao contrário, que é o homem sempre e em toda parte 
que faz de seu corpo, um produto de suas técnicas e de suas representações” (1950, 
XIV).
176
A partir da reflexão sobre o trabalho de Mauss, Lévi-Strauss mostra que uma 
representação tal como a de saúde/doença, manifesta de forma específica as concepções 
de uma sociedade como o todo. Cada sociedade tem um discurso sobre saúde/doença e 
sobre o corpo, que corresponde à coerência ou às contradições de sua visão de mundo e 
de sua organização social. Assim que, o tema referido, além de ter seu próprio esquema 
de explicação interno e particular, é como uma janela aberta para a compreensão das 
relações entre indivíduos/sociedade e vice-versa, das instituições e de seus mecanismos 
de direção e controle:
Em todas as condutas em aparência aberrantes, os doentes não fazem senão 
transcrever um estado do grupo e tornar manifestas tais circunstâncias. Sua 
posição periférica em relação a um sistema local não impede que eles sejam 
parte integrante de um sistema total. Pode-se dizer que, para cada sociedade, 
condutas normais e condutas especiais são complementares (1950, XXII).
Marcelo Mauss, num belo texto intitulado “L´Idée de Mort” analisa a maneira 
como povos nova-zelandeses e australianos encaram as doenças e a morte. A idéia de 
morte, demonstra Mauss a partir de vários trabalhos de campo, é construída e cria uma 
ligação direta entre o físico, o psicológico e o moral, isto é, diz ele, “o social”. Num 
grande número de sociedades, o medo da morte, de origem puramente social, sem 
nenhuma mistura de fatores individuais, é capaz de criar tais manifestações mentais e 
físicas na consciência e nos corpos dos indivíduos, de tal forma que eles se relacionam 
com sua morte, com detalhes, sem lesões aparentes ou conhecidas: “são casos 
acontecidos de mortes causadas brutalmente, em numerosos indivíduos, mas 
simplesmente pelo fato de que eles souberam ou acreditaram que iam morrer” (1950, 
313).
177
Comenta o autor, a partir dos fatos observados nesses povos, que os indivíduos 
eram possuídos repentinamente por doenças causadas (segundo eles) por feitiço, 
encantamento ou por pecado de comissão ou omissão. A idéia de doença para esses 
grupos seria a causa mediadora do raciocínio consciente ou inconsciente da infração a 
alguma norma ou a algum tabu. São situações em que o sujeito que adoece ou morre 
não se crê ou não se sabe doente a não ser por causas coletivas que em geral 
representam pela ruptura com as coisas sagradas que o sustentam.
A seguinte afirmação de Mary Douglas apenas confirma a posição de Lévi-
Strauss e Marcelo Mauss: “o corpo social limita a forma pela qual o corpo físico é 
percebido. A experiência física do corpo, sempre modificada pelas categorias sociais 
através das quais é conhecida, sustenta uma visão particular da sociedade” (1971, 83).
Portanto, a partir das ciências sociais podemos dizer que há uma ordem 
de significações culturais mais abrangente que informa o olha lançado sobre o copo que 
adoece e que morre. A linguagem da doença não é, em primeiro lugar, linguagem em 
relação ao corpo, mas à sociedade e às relações sociais. Seja qual for a dinâmica efetiva 
do “ficar doente”, no plano das representações, o indivíduo julga seu estado, não apenas 
por manifestações intrínsecas, mas a partir de seus efeitos: ele busca no médico (ou 
correspondente a ele em cada sociedade) a legitimidade da definição de sua situação. 
Disso retira atitudes e comportamentos em relação a seu estado e assim se torna doente 
para o outro: para a sociedade.
Do ponto de vista causal, a ordem de significações culturais informa e se refere: 
(a) à visão do mundo; (b) a atitudes coletivas face à infelicidade dominadora; (c) ao 
“pecado” que se personaliza na doença, isto é, ao rompimento do homem com limites 
dados pelas regras e normas da sociedade, frequentemente traduzidas em códigos 
morais ou religiosos; (d) ao corpo doente como espaço do “horrível” que se mostra, 
simbolizando o “infeliz” e “alienante” naquela sociedade, aquilo que para ela não está 
resolvido, não é compreensível e revela sua precariedade.
178
Esse nexo causal de origem pode ser resumido em fatores endógenos e exógenos 
presentes tanto nas concepções dos povos primitivos como nas dos mais modernos. Do 
ponto de vista médico-clínico, os fatores endógenos são pensados através de processos 
biológicos. Do ponto de vista do senso comum, o indivíduo é causador de doença 
através de questões hereditárias, castigo divido ou pecado individual. As causas 
exógenas são pensadas sobretudos a partir da sociedade, isto é, do desequilíbrio entre as 
relações sociais de determinado grupo e dele com o seu meio, como bem expressam 
Peter Manning e Horácio Fabrega Jr.:
Estudos que comprovam os significados básicos acerca do corpo podem 
esclarecer não somente o que é universal e o que é culturalmente variável sobre 
a doença, mas também o papel central que essas noções interrelacionadsa 
exercem na percepção do homem na sua relação com o ecossistema (1973, 72). 
A doença como proveniente do indivíduo, primeiramente é concebida como um 
processo que, de imediato, não revela seu vínculo com o social. Isto é, em primeira 
instância, independentemente de qualquer explicação que possa ser dada, é o indivíduo 
que adoece e enfrenta a morte. No entanto, a atribuição de sentidos das causas 
endógenas é também socialmente construída. Quase sempre são interpretações que 
revelam desígnio divino, fatalidade ou desordem que remetem à desobediência ou à 
quebra de normas e tabus coletivos, ultrapassando assim as razões do corpo individual e 
do estado orgânico.
As concepções da origem da doença por causas exógenas estão ligadas à 
sociedade, compreendida como agressiva, opressiva e ao modo de viver pouco 
saudável. Nas tribos primitivas doenças, como distúrbios mentais, são porvezes 
atribuídas a bênçãos, presença ou castigo da divindade, à obra de feiticeiros e mágicos 
ou demônios. No mundo moderno as causas são atribuídas particularmente ao modo de 
vida, definido por Claudine Herzlich (1984) como sendo o quadro espacial e temporal 
no qual o indivíduo vive, e suas características (densidade da população, atmosfera, o 
ritmo de vida (horários e estímulos), assim como seus reflexos em certos 
comportamentos
179
cotidianos: alimentação, atividades, descanso, sono. Trata-se de uma representação que 
revela a relação de exterioridade na forma como o indivíduo se pensa em relação à 
sociedade, mas que tem, ao mesmo tempo, significação comum ao grupo. O meio 
ambiente e a própria organização social são representados como hostis, e portadores de 
doenças e desequilibro. Em tais circunstâncias, a saúde é vista como um atributo do 
indivíduo que afronta o mundo malsão e passa a ser vítima dele.
b) Saúde/Doença como Expressão de Contradições Sociais
Se saúde/doença é uma noção que revela a sociedade social na qual é construída, 
para compreendermos essa representação dentro de nosso contexto, é preciso examiná-
la a partir dos substratos econômico, político e cultural no qual vivemos.
Numa sociedade capitalista onde as relações sociais se fazem a partir de 
diferenciação de classes, da desigualdade na distribuição e atribuição de riquezas, a 
concepção de saúde/doença está marcada por essas contradições. Contradições marcam 
as representações da classe dominante que informam as concepções mais abrangentes 
da sociedade como um todo e são veiculadas de forma especializada através da 
corporação médica. Refletem-se também nas representações de classes trabalhadoras 
que se subordinam à visão dominante e reinterpretam de forma peculiar, de acordo com 
suas condições de existência e seus interesses específicos. São essas expressões de 
dominação, de resistência e subordinação que procuramos entender aqui.
Em La Médecine du Capital Pollack afirma: “pode-se dizer, sem paradoxo, que 
o capital fixa previamente a duração média da existência, para os diferentes estratos 
sociais e distribui taticamente sua sentença de morte” (Pollack: 1972).
As representações mais gerias de SAÚDE/DOENÇA em nossa sociedade, no 
entanto, não são expressões de um desvendamento claro das desigualdades e nem 
explicitam os efeitos do modo de produção sobre a vida e a morte dos indivíduos. Pelo 
contrário, as
180
formulações ideológicas embutidas nas representações tentam escamotear as 
contradições da vida real, embora não consigam apresenta uma imagem totalment 
coerente da realidade.
Conti, no seu texto “Estrutura Social y Medicina” comenta que:
A análise histórica nos mostra como as necessidades das classes dominantes que 
se expressam como se fossem as necessidade da sociedade em seu conjunto, 
condicionam o conceito de saúde/doença. Na sociedade capitalista, o conceito de 
doença está centrada na biologia individual, fato que tenta escamotear o caráter 
social do fenômeno (1972, 288).
As representações dominantes em toda a sociedade são mediadas de forma muito 
peculiar pela corporação médica. Intelectual orgânico da classe dominante na 
construção da hegemonia que se expressa em torno do setor saúde, o médico é ao 
mesmo tempo o principal agente da prática e agente do conhecimento.
Através de relações e de instituições legitimadoras de seus atos e discursos, 
dentro de um esquema corporativo, o profissional médico reproduz de forma 
contraditória as concepções sobre o corpo, sobre saúde/doença, sobre a vida e a morte.
A profissão conforme Boltanski, situa o médico na confluência de três lógicas 
absolutamente contraditórias: (a) lógica do humanitarismo, que se traduz na ideologia 
de fazer tudo pelo doente, na medida em que se julga o depositário da vida e da morte; 
(b) lógica da racionalidade e do interesse científico, o que torna cada cliente “um caso” 
ou possível laboratório de progressão da ciência; (c) lógica da rentabilidade econômica, 
“do ganhar dinheiro” que é o grande estímulo de seu status profissional na sociedade 
capitalista. O conjunto de conflitos gerados por essas lógicas distintas leva a que os 
médicos não possam, como os outros comerciantes de bens e serviços, explicitar como 
fim único de seu empreendimento, a maximização de lucros. Mas é essa lógica que 
predomina no setor considerado como um todo e que, na verdade, informa a sua relação 
com o Estado e a população (1979, 41).
Referindo-se à história da medicina moderna, Boltanski escreve que é ela a:
181
História de uma luta contra os preconceitos médicos do público e mais 
especialmente, das ‘classes baixas’, contra as práticas médicas populares, com o 
fim de reforçar a autoridade do médico, de lhe conferir o monopólio dos atos 
médicos e colocar sob sua jurisdição novos campos abandonados até então ao 
arbítrio individual, tais como a criação dos recém-nascidos ou alimentação 
(1979, 14).
Esta história de luta é uma história de dominação perenemente contestada na 
precariedade do cotidiano.
A barreira mais visível entre o médico e a população, no exercício de sua 
profissão, se dá através de um código de linguagem fechado e específico. Esse código, 
como afirma Bakhtin “retrata e refrata a realidade”. Primeiramente ele se atém ao 
contorno biológico e individual do doente. Desta forma, explica o fenômeno da 
saúde/doença como o bom funcionamento dos órgão e como responsabilidade 
individual. Separa o sujeito de seu meio, de sua experiência existencial, de sua classe e 
dos condicionamentos de sua situação. Em segundo lugar, transforma o conceito de 
doença numa especialidade a respeito de determinado órgão, considerado o corpo do 
doente principalmente como objeto de saber e espaço da doença. Em terceiro plano, a 
práxis médica chega a prescindir da realidade mais imediata e sensível que é o corpo e 
seus sintomas, voltando-se para as mensagens infracorporais fornecidas pelos 
equipamentos laboratoriais.
Essa forma de dominação centrada sobre a concepção médica da saúde/doença 
corresponde à lógica mais global do sistema. Conforme analisa Arouca:
Na medida em que se fica na eficiência do corpo, a medicina moderna, 
contribuindo para a produtividade, torna o cuidado médico indiretamente 
produtivo, mas de forma desigualmente distribuído: ele possui significados 
diferentes diante das diferentes classes sociais (Arocua: 1975, 213).
Para as classes dominantes, cuja leitura sobre o corpo passa pelas expressões de 
saúde, vigor, beleza, harmonia e prazer, o conceito
182
restrito ao biomédico complementa-se através de outros cuidados que se ampliam no 
lazer, na estética e termina no divã psicanalista. Sua dificuldade em relação aos códigos 
da medicina se expressa na dissimetria da linguagem de competência técnica, e se anula 
em termo de distância social: “dos doentes supostamente pertencentes à mesma classe 
social, ou pelo menos, ao mesmo universo cultural do médico, este espera uma 
cooperação para chegar ao diagnóstico, através dos sinais e dos sintomas que percebem” 
(Loyola: 1984, 23).
A visão mais ampliada de saúde dos grupos dominantes é mediada pela noção de 
“modo de vida moderno” que por sua vez fetichiza e classifica a opressão da sociedade 
sobre os indivíduos, como se não coisifica a opressão da sociedade sobre os indivíduos, 
como se não fossem eles, através das formas de organização social e das instituições, 
atores e autores, desse “modo de vida”. Essa noção construída a partir do senso comum 
costuma ser resumida em: ambiente poluído, vida agitada, miséria, violência, 
marginalidade, ritmo de vida cansativo e vida social conflitiva. É uma representação que 
escamoteia o conceito de relações sociais características do modo deprodução 
capitalista, que se traduzem em objetivação da vida no lucro, contradição entre os que 
produzem as riquezas e os que delas se apropriam, entre a harmonia como a natureza e 
seu uso predatório com finalidade econômica imediatista. O próprio bem-estar redunda 
efetivamente na noção de bem-estar relativo e conflito porque se choca com as 
conseqüências de uma lógica que não se centra nem na harmonia e nem no equilíbrio da 
sociedade, mas nas suas contradições permanentes.
O sistema médico oficial, quando focaliza seu quadro de referência no biológico 
individual ou nos constrangimentos do modo de vida, reforça a representação do 
fenômeno saúde/doença de forma positivista. Na verdade a visão do social quando se 
incorpora ao conceito dominante é tratada como um elemento a mais para o diagnóstico 
numa relação linear e ilustrativa. A realidade concreta continua obscurecida pelas idéias 
de “progresso”, de “avanço”, de “domínio sobre a vida e a morte” de forma 
evolucionista e desenvolvimentista, que vê a história da doença como projeção do grau 
de domínio do
183
homem sobre a natureza. Essa representação própria do esquema dominante que 
justifica os investimentos no investimento técnico, e importante, mas parcial. Ela 
desconsidera os condicionantes histórico-sociais que marcam definitivamente os modos 
específicos de adoecer e morrer numa sociedade de classe, e desconhece todos os 
aspectos sociais envoltos tanto na definição como na prática relativa aos cuidados com a 
saúde.
Nada tão poderoso como as “doenças-metáforas” para marcar a concepção 
dominante da sociedade na sua forma “oficial” de encarar o fenômeno saúde/doença. 
Por “doenças-metáforas” entendemos aqui, repetindo a expressão de Susan Sontag 
(1984), enfermidades que ensejam catástrofes e tomam um caráter histórico, dentro de 
determinadas épocas, por mobilizarem o conjunto da sociedade. Sontag cita a peste do 
século XVI e XVII, a tuberculose e a sífilis no século XIX, o câncer no século XX e a 
aids atualmente.
Do ponto de vista da tecnologia médica, essas doenças funcionam como um 
desafio à ciência, ao progresso e reafirmam a ideologia desenvolvimentista segundo a 
qual o poder da medicina investe para vencer. A partir dos interesses corporativos, eles 
são o espaço prisionais, laboratórios, indústrias de equipamentos. Elas medeiam a luta 
entre saber e poder econômico organicamente relacionados com a corporação médica e 
sua imagem salvadora e filantrópica estão sempre em jogo, numa relação contraditória 
entre os avanços conseguidos e o que consideram fracasso, isto é, a impotência frente à 
morte.
Do ponto de vista sociológico poderiam ser consideradas (a despeito da 
especificidade dos mitos, dos sintomas e de cada um) doenças-sínteses porque criam o 
consenso do mal proveniente das “anomalias sociais”, reúnem em si as explicações dos 
desequilíbrios individuais (autojulgamento e autopunição) e sociais (modo de vida 
opressivo e repressivo) apelam para o transcendente, ligando o material e o espiritual.
Essas doenças desafiam o caráter de classe do modo específico de adoecer e 
morrer. São interpretadas como capazes de atingir a todos os grupos sociais 
indiscriminadamente e, portanto, fazem parte de
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um imaginário social mais amplo que explica a desordem, os desvios morais e até a 
pretensa “devassidão” do ser humano. São fenômenos privilegiados de questionamento 
da precariedade da organização social. Reúnem a ameaça de morte da humanidade, 
anuncia sua decadência, perpetuam a permanência simbólica ou real da infelicidade e 
chamam atenção para os “comportamentos recrimináveis”, vetores do mal de hoje e 
sempre. Em algumas delas, a síndrome de medo da doença reforça a crença 
conservadoras da sociedade, como é o caso da sífilis e da aids.
Claudine Herzlich, retomando a expressão de Susan Sontag, fala a respeito das 
referidas doenças como metáforas que nos fazem reencontrar a visão arcaica e moderna 
do mal, que nos revelam nossa relação com o mundo de hoje e ao mesmo tempo 
evidenciam nossa fragilidade permanente de indivíduos (1984: 77-92):
“Somos sempre dominados e mudos frente ao cataclismos de nosso corpo” 
(1984, 101).
“Mas”, acrescenta Herzlich, “a medicina também, e não apenas a saúde-doença, 
é hoje uma metáfora: em volta dela estão articuladas nossas interrogações mais 
essenciais concernentes ao futuro da humanidade” (1984, 105).
Essa última afirmação da autora reforça a visão dominadora da medicina como 
resposta a interrogações essenciais. Legitimadora do poder de um grupo dominante, 
atribui-lhe vocação salvadora. Essa concepção tem raízes nas teorias 
desenvolvimentistas. Ela contrasta com a visão da medicina “popular” (através da qual 
se expressa boa parte dos segmentos da classe trabalhadora nos comportamentos a 
respeito das doenças) que passa por articulações diferentes, que atribuem a razão e o 
futuro da humanidade, em última instância, à sua reconciliação com Deus. Ambas as 
concepções podem ser questionadas na sua atribuição de causas e em seus efeitos 
morais: de um lado se reafirma o poder de um grupo sobre o mal; de outro, transfere-se 
para o transcendente a causa e o cuidado da infelicidade. As doenças metáforas, nos 
seus mistérios indicam caminho de volta ou de transformação. Em suas expressões 
religiosas ou profana, Sontag as considera com poder conservador:
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As modernas metáforas da doença especificam um bem-estar da sociedade assemelhado 
à saúde física que é tão frequentemente apolítico quanto o é um apelo à nova ordem 
política (Sontag: 1984, 96).
Pela sua capacidade desencadeadora de tecnologia, de conflitos de poder e saber 
e ao mesmo tempo mobilizados de sentimentos, emoções e medos, eles se sobrepõem, 
no imaginário social, ao quadro social mais amplo de morbimortalidade de determinada 
sociedade e época. Esse quadro, marcado como um fenômeno coletivo, pelos impactos 
dos processos de trabalho específicos do modo de produção e de vida, refletem a divisão 
de classe peculiar, no interior da formação social.
Da mesma forma que em relação à construção social das chamadas “doenças” 
metáforas” a realidade costuma ser mistificada, a compreensão crítica do processo 
saúde/doença não é fácil para as classes trabalhadoras. Elas próprias estão imbuídas de 
concepções dominantes, embora criando códigos próprios de reinterpretação que 
compõe seu esquema de resistência cultural. Esse jogo de subordinação e afirmação 
permanentes e que dão coerência à visão de saúde/doença dos dominados é o que 
veremos a seguir.
Em relação à classe trabalhadora, o conceito que está subjacente na definição 
social de saúde/doença, veiculado pela visão de mundo dominante é a incapacidade 
para trabalhar. Essa noção tem estreita relação com a economia e eventualmente com a 
criação de mais-valia e possibilidade de acumulação capitalista. Para a classe 
trabalhadora, a representação de “estar doente” como sinônimo de inatividade tem a 
marca da experiência existencial. Trata-se de uma equivalência “social” e não “natural”. 
As expressões correntes “a saúde é tudo, é a maior riqueza”, “saúde é igual à fortuna, é 
o maior tesouro” em oposição a “doença como castigo, infelicidade, miséria” etc. são 
representações eloqüentes de uma realidade onde o corpo se tornou, para a maioria, o 
único gerador de bens. A miséria, a forme e o desespero que advêm do fato de estar 
doente, lhe dizem, na prática, que seu corpo é a sua fonte de subsistência e sua única 
fonte de reprodução. O assalariamento enquanto cerne do modo de produção capitalista 
faz do corpo “força de trabalho”, criador de excedentes
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para as classes que detêm os meios de produção e única condição para a vida dos 
trabalhadores e suas famílias. “Saúde/riqueza”, “corpo/instrumentode trabalho” 
representam uma realidade vivida, fruto das contradições que estão na base material da 
sociedade.
Também a medicina, como mediadora que individualiza o mal e a cura, está 
presente nas representações dos trabalhadores. Para eles, a doença como 
responsabilidade pessoal e portanto como custo financeiro, e a medicalização de um 
conjunto de atos de sua vida, são fato real e imposto pelas relações de produção. O 
“estar doente” além de significar a espoliação de sua única fonte de subsistência, o 
corpo, indica também um “status” fundado em categorias anatômico-fisiológicas, 
estruturadas e legitimadas socialmente através do olhar e do veredito médico. “Estar 
doente” corresponde então a submeter-se a regras, obedecer a prescrições e a respeitar 
consignas. Desta forma, a apreensão essencial do corpo doente, tendo em vista a 
expectativa que dele se faz como “motor” e “funcional” – numa sociedade onde nos 
definimos e somos valorizados como produtores – leva a que, a incapacidade de fazer, 
mas do que alterações no parecer, tomem os trabalhadores apreensivos. O sentimento 
de desintegração social e de subordinação à medicina marcam o corpo do doente da 
classe trabalhadora.
Seria, no entanto incorreto desconhecer o espaço que constitui o fenômeno 
saúde/doença, para expressar, nas representações das classes trabalhadoras, sua visão 
particular, sua resistência à dominação e seu projeto de mudança que se forja, de forma 
contraditória, ao conjunto das idéias dominantes.
A particularidade cultural pode ser obsercada a partir da linguagem, mediadora 
por excelência das concepções de mundo. São os médicos, como já dissemos, que 
detêm a linguagem do corpo coordenado. Para as classes trabalhadoras, os sintomas são 
colocados no corpo de forma localizada, algum órgão e expressos através de 
explicações que os analisam, geralmente ligados a fatos existenciais, intervenções 
sobrenaturais e/ou situações vividas no dia-a-dia. Essa forma de atribuição de causas 
através de uma concepção ao mesmo tempo localizada e analítica, que contempla o 
conjunto das situações infelizes da vida cotidiana, é talvez o primeiro ponto de ruptura 
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com a linguagem médica que é, ao contrário, coordenadora, sintética e específica.
Claudine Herzlich comenta que:
Essa concepção localizadora que tenta fazer corresponder a cada sinal isolado 
um órgão, nos aparece como a pobreza de linguagem sobre o corpo: linguagem 
que ignora a frase e a sintaxe e que se reduz ao nome. Da mesma forma que a 
palavra-frase representa o primeiro estágio da linguagem humana, para o doente 
essa denominação elementar é a única de que dispõe (1984, 175).
A referida interpretação da autora, a nosso ver, reflete uma visão preconceituosa 
da classe trabalhadora tomada como ignorante e em estágio infantil. Visão que, por 
ignorar as condições de produção da linguagem, acaba sendo etnocêntrica. Ao 
caracterizar os doentes das classes trabalhadoras por sua ignorância quanto ao corpo e à 
melhor forma de cuidá-lo, desqualificam-se suas representações de saúde/doença e dos 
seus princípios de higiene. Ao mesmo tempo o código da medicina científica sai por ela 
legitimado como o único capaz de decifrar a fala desarticulada e confusa dos doentes, 
numa linguagem dos sintomas, e portanto a única verdadeira. É importante perceber 
que, ao contrário das concepções da classe dominante que mantêm com a medicina 
oficial uma relação apenas dissimétrica em relação ao senso comum e ao saber técnico, 
nas classes trabalhadoras, as representações revelam valores, atitudes e interesses em 
oposição contraditória. Essa oposição certamente não se assemelha a um corte estático. 
Ambas as visões se influenciam mutuamente em relação a submissão e resistência. Na 
verdade, vários estudiosos têm demonstrado que tanto o esquema dominante é 
incorporado, como os médicos absorvem o senso comum e agem através dele 
(Boltanski, 1979; Loyola, 1984; Montero, 1985; Herzlich, 1984, 1984 2ª ed, Friedson, 
1961). Mas, em ambas as partes existe uma reinterpretação “interessada” diríamos, que 
reflete as posições diferenciadas dos atores sociais.
Para as classes trabalhadoras:
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A doença (ou saúde) é considerada no quadro global dos problemas de vida e da 
morte, como um fenômeno que escapa, em última instância, ao controle do 
homem, como algo que, no limite, é produto de forças sobrenaturais ou, mais 
comumente, de Deus (Loyola: 1984, 162).
Para esses grupos, a doença ser refere internamente a desequilíbrios que afetam 
de uma só vez espírito/alma e corpo/matéria. As doença espirituais causadas por “mau-
olhado”, “trabalho feito”, “espírito encostado”, “castigo divino” – segundo as crenças 
dos atores sociais – integram-se no indivíduo, às doenças da matéria causadas pelo meio 
ambiente, o trabalho, as condições de vida. De acordo com as circunstâncias, ora o 
espírito ora a matéria são mais valorizadas nas explicações. No entanto, em momento 
algum, esses mesmos fenômenos são apresentados apenas do ponto de vista biológico 
ou espiritual: envolvem a visão integrada de homem (corpo e alma) e sua relação com 
as condições de vida tomada no sentido mais amplo. As oposições “corpo/alma”, 
“indivíduo/sociedade” que são complementares e mesmo inclusivas nas representações 
da classe trabalhadora, justificam, mas do que as dificuldades de linguagem, seu 
comportamento em relação à medicina oficial. Para desespero dos profissionais (que 
explicam o fato pela ignorância, reafirmando assim seu campo de competências), os 
indivíduos recorrem a eles mas não crêem estritamente em suas prescrições. 
Relativizam-nas, seja em relação ao uso dos medicamentos, seja na consideração de 
suas palavras. Esses grupos têm uma liberdade – liberdade de dominados não 
comprometidos com a perenidade do sistema – de reinterpretar os preceitos médicos, de 
integrá-los dentro de suas condições existenciais e ao mesmo tempo prescindir deles ou 
subestimá-los. Assim, pelo uso, de acordo com seus interesses imediatos, do esquema 
dominante, e pela posse estratégica de um instrumental de explicações e aplicações 
próprios, constrói-se uma maneira especial de as classes trabalhadoras lidarem com os 
serviços e assistência médica. Essa forma particular desconcerta e questiona as 
tentativas de racionalizar a partir da lógica do sistema.
O modo próprio de se relacionar com a medicina oficial, particularmente através 
da medicina religiosa e tradicional, é um esquema através do qual a classe trabalhadora 
resiste à despossessão do
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sentido de sua vida e de sua morte. Enquanto procura e reivindica um tratamento 
adequado e “digno” no sistema oficial, mas ao mesmo tempo, através de outros 
sistemas, encontram uma alternativa para a sua representação de corpo e sua relação 
com o mundo, os trabalhadores reafirmam sua identidade e um saber específico que se 
contrapõem e questionam as interpretações dominantes e legitimadas.
Concluímos que a forma como as classes trabalhadoras representam o corpo não 
pode ser taxada de ignorante, mas com um saber específico que tem eficácia real e 
conseqüência concreta sobre a vida e a morte de seus membros. Constitui uma 
estratégia de resistência à ótica dominante que tenta passar a imagem do corpo apenas 
como instrumento de trabalho e para isso o disciplina. O embrutecimento resultante do 
“homem-força de trabalho”, “homem-complemento da máquina”, “homem-máquina” 
esbarra tanto nas concepções como na experiência existente de uma classe que tanto nas 
umidades de trabalho como nos seus locais de moradia gritam simbolicamente pela sua 
unidade/globalidade perdida.
O exemplo melhor que confirma esse “grito parado no ar” são as estatísticas de 
sintoma do IBGE em relação à situação de saúde da população pobre no Estudo 
Nacional

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