Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Seção 6 ESPELHO DE CORREÇÃO DIREITO PENAL 2 Finalmente foi feito o julgamento pelo Tribunal do Júri, mas a condenação pelo crime doloso contra a vida foi imposta, em que pese tenha havido a exclusão das qualificadoras. Assim, passa-se ao último momento de insurgência contra as provas e fundamentos dos autos, consubstanciado na apelação da sentença condenatória. Em primeiro plano, destaca-se que o recurso cabível contra a decisão dos jurados é, de fato, a apelação, por expressa disposição legal, na forma do artigo 593, III, d, CPP. Tal recurso deve ser manejado no prazo legal de 05 dias. Cumpre ressaltar que o recurso em epígrafe deve ser recebido nos efeitos devolutivo e suspensivo, eis que o Código de Processo Penal prevê tais possibilidades nos artigos 597 e 599. No campo prático, importante o aluno mostrar conhecimento e fazer a petição de interposição do recurso de apelação em peça separada daquela destinada às razões recursais, na forma do comando legal previsto no artigo 600, CPP. Assim, primeiramente fará uma petição de interposição endereçada ao Juiz de 1ª instância e, após, serão juntadas as razões recursais endereçadas ao Tribunal de Justiça, como prescreve o artigo 600, parágrafo 4º, CPP. No caso da apelação, deve ser lembrado que o Tribunal de Justiça não tem o condão de reformar o veredicto prolatado pelo Tribunal do Júri, mas apenas cassar tal decisão e mandar a novo julgamento, devendo isso nortear toda a peça recursal. Como fundamento, destaca-se que o crime culposo não é julgado pelo Tribunal do Júri, daí a importância de diferenciá-lo do crime doloso eventual, a fim de demonstrar-se que os jurados somente irão decidir acerca dos crimes dolosos contra a vida. Nessa forma de pensar, a doutrina elenca pontos de divergência entre o dolo eventual e a culpa consciente, de forma a tornar mais clara a competência do Tribunal do Júri. Por todos, tem-se o escólio de Rogério Greco, in verbis: “Na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não ocorrência; o resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo agente. Já no dolo eventual, embora o agente não queira diretamente o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo. Na culpa consciente, o agente, sinceramente, acredita que pode evitar o resultado; no dolo eventual, o agente não quer diretamente produzir o resultado, mas, se este vier a acontecer, pouco importa” (GRECO, 2018, p. 313). Na prática! 3 No caso dos crimes de trânsito, essa distinção entre dolo eventual e culpa consciente ainda é mais importante para fins de enquadramento penal, eis que o tipo penal doloso se encontra no Código Penal, artigo 121, sendo que o tipo penal culposo de homicídio no trânsito, de outra feita, repousa- se no Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97), em seu tipo penal culposo a seguir transcrito: Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 1o (OMISSIS) § 2 (Revogado pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) § 3o Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Incluído pela Lei nº 13.546, de 2017) (Vigência) Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Ora, a pena do crime culposo, além de ser menor que aquela descrita no Código Penal (12 a 30 anos), é passível de regime de cumprimento de pena mais favorável, bem como benefícios penais mais relevantes, daí a importância de saber quando enquadrar o agente na figura culposa, e não na famigerada do chamado dolo eventual. Nessa mesma linha de pensamento sobre o dolo eventual previsto no Código Penal e a figura da culpa consciente, tem-se a importante lição do doutrinador já citado Rogério Greco sobre a influência da mídia para enquadrar o agente no tipo penal mais grave pelo fato de estar embriagado e dirigindo em velocidade excessiva, nesses termos: “Muito se tem discutido ultimamente quanto aos chamados delitos de trânsito. Os jornais, quase que diariamente, nos dão notícias de motoristas que, além de embriagados, dirigem em velocidade excessiva e, em virtude disso, produzem resultados lastimáveis. Em geral, ou causam a morte ou deixam sequelas gravíssimas em suas vítimas. Em razão do elevado número de casos de delitos ocorridos no trânsito, surgiram, em vários Estados da Federação, associações com a finalidade de combater esse tipo de criminalidade. O movimento da mídia, exigindo punições mais rígidas, fez com que juízes e promotores passassem a enxergar o delito de trânsito cometido nessas circunstâncias, ou seja, quando houvesse a conjugação da velocidade excessiva com a embriaguez do motorista atropelador, como hipótese de dolo eventual, tudo por causa da frase contida na segunda parte do inciso I do art. 18 do Código Penal, que diz ser dolosa a conduta quando o agente assume o risco de produzir o resultado.” (GRECO, 2018, p. 314) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13281.htm#art6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13281.htm#art7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13546.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13546.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13546.htm#art6 4 Na mesma arquitetura de pensamento, de forma a demonstrar que o dolo eventual necessita de ser demonstrado no caso concreto, a jurisprudência acompanha o pensamento de que ele deve ser provado de forma clara, conforme julgados a seguir citados: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO NO TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E SOB EFEITO DE SUBSTÂNCIA TÓXICA. FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE. OMISSÃO DE SOCORRO E CONDUÇÃO DE AUTOMÓVEL COM O DIREITO DE DIRIGIR SUSPENSO. DOLO EVENTUAL. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DOLO EVENTUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A TENTATIVA. POSSIBILIDADE. QUALIFICADORA. EXCLUSÃO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. II - Não se pode generalizar a exclusão do dolo eventual em delitos praticados no trânsito. Na hipótese, em se tratando de pronúncia, a desclassificação da modalidade dolosa de homicídio para a culposa deve ser calcada em prova por demais sólida. No iudicium accusationis, inclusive, a eventual dúvida não favorece o acusado, incidindo, aí, a regra exposta na velha parêmia in dubio pro societate. III - O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor mas, isto sim, das circunstâncias. Nele, não se exige que o resultado seja aceito como tal, o que seria adequado ao dolo direto, 5 mas isto sim, que a aceitação se mostre no plano do possível, provável. IV - Na hipótese, o paciente foi pronunciado por homicídio doloso (dolo eventual), uma vez que, conduzindo veículo automotor com velocidade excessiva, sob o efeito de álcool e substância entorpecente, não parou em cruzamento no qual não tinha preferência e atingiu a vítima, que andava de motocicleta, a qual só não veio a óbito por rápida e eficiente intervenção médica. V - “Consoantesreiterados pronunciamentos deste Tribunal de Uniformização Infraconstitucional, o deslinde da controvérsia sobre o elemento subjetivo do crime, especificamente, se o acusado atuou com dolo eventual ou culpa consciente, fica reservado ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, onde a defesa poderá desenvolver amplamente a tese contrária à imputação penal" (AgRg no REsp n. 1.240.226/SE, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 26/10/2015). Precedentes do STF e do STJ. VI - As instâncias ordinárias, com amparo nas provas constantes dos autos, inferiram que há indícios suficientes de autoria e materialidade a fundamentar a r. decisão de pronúncia do ora paciente, por homicídio tentado com dolo eventual, de modo que entender em sentido contrário demandaria, impreterivelmente, cotejo minucioso de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de habeas corpus (precedentes). VII - Não é incompatível o crime de homicídio tentado com o dolo eventual, neste sentido é iterativa a jurisprudência desta Corte: "No que concerne à alegada incompatibilidade entre o dolo eventual e o crime tentado, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que "a tentativa é compatível com o delito de homicídio praticado com dolo eventual, na direção de veículo automotor". (AgRg no REsp 1322788/SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 18/06/2015, DJe 03/08/2015). 6 VIII - Esta Corte firmou orientação no sentido de que, ao se prolatar a decisão de pronúncia, as qualificadoras somente podem ser excluídas quando se revelarem manifestamente improcedentes. Habeas corpus não conhecido. (HC 503796 / RS, STJ). Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DOLOSO (ART. 121, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). CRIME COMETIDO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DOLO EVENTUAL. PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO PREVISTO NO ART. 302 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. EXAME DO ELEMENTO VOLITIVO. INVIABILIDADE. 1. Enquanto no dolo eventual o agente tolera a produção do resultado, tanto faz que ocorra ou não; na culpa consciente, ao contrário, o agente não assume o risco nem ele lhe é indiferente. Presente essa controvérsia a respeito do elemento subjetivo, na lição de NELSON HUNGRIA, não é possível pesquisá-lo no 'foro íntimo' do agente, tem-se de inferi-lo das circunstâncias do fato externo. 2. Os autos evidenciam, neste juízo sumário, que a imputação atribuída ao agravante não resultou da aplicação aleatória do dolo eventual. Indicou-se, com efeito, as circunstâncias especiais do caso, notadamente a embriaguez, o excesso de velocidade e a ultrapassagem de semáforo com sinal desfavorável em local movimentado, a indicar a anormalidade da ação, do que defluiu a aparente desconsideração, falta de respeito ou indiferença para com o resultado lesivo. 3. O quadro de circunstâncias descrito não permite identificar qualquer vício apto a justificar, neste momento e nesta estreita via processual, a desclassificação da figura incriminadora. Caberá ao Tribunal do Júri auferir a existência do elemento subjetivo do tipo (dolo ou culpa), pois diretamente ligado ao contexto fático da prática delituosa. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (HC 160500 AgR. STF) Pelo que se percebe dos julgados acima, bem como doutrina relevante acima destacada, o dolo eventual deve ser claramente demonstrado no caso concreto, sob pena de não restar configurado no caso concreto, pois não há uma fórmula legal ou jurisprudencial a ponto de imputar o crime de homicídio doloso no trânsito. Trata-se, assim, de uma perquirição no caso concreto de elementos que possam traduzir na vontade de o agente assumir o risco de causar o resultado morte, não bastando elementos corriqueiros como velocidade excessiva e direção sob o efeito de álcool ou drogas. Essa famigerada fórmula não se sustenta, ainda mais que o sistema penal é pautado na ideia do in dubio pro reo. 7 Dessa forma, não se aceita o enquadramento puro e simples no tipo doloso, devendo o enquadramento ser feito na forma culposa prevista no Código de Trânsito Brasileiro, de forma que o juízo ad quem deverá submeter o acusado a novo julgamento, tentando-se buscar a desclassificação por parte do novo corpo de jurados. Em relação às qualificadoras, nada há que se falar, pois os jurados fizeram a devida exclusão de ambas, podendo o recurso de apelação restringir apenas a pedido de novo júri com o intuito de obter a absolvição ou a desclassificação do tipo básico de homicídio para a forma culposa, uma vez que se permite a apelação de parte da decisão, na forma do artigo 599, CPP. Quanto ao prazo, a intimação ocorreu no dia 19/10/21, iniciando-se a contagem do prazo em 20/10/21, terminando-se 25/10/21, na forma do disposto abaixo: Art. 798. Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado. § 1o Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento. § 2o A terminação dos prazos será certificada nos autos pelo escrivão; será, porém, considerado findo o prazo, ainda que omitida aquela formalidade, se feita a prova do dia em que começou a correr. § 3o O prazo que terminar em domingo ou dia feriado considerar-se-á prorrogado até o dia útil imediato. Colocar local, data, assinatura e OAB na peça, mas tomando muito cuidado para não inventar dados, já que isso identificaria a questão e desclassificaria o candidato do certame. 8 PETIÇAO DE INTERPOSIÇAO DA APELAÇAO EXMO SR JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA DO JURI DA COMARCA DE SÃO PAULO – SP Fulano de tal, solteiro, brasileiro, portador da carteira de identidade XXX, residente e domiciliado na rua xxx, nesta capital, vem por meio de seu Advogado (a) (procuração anexa), apresentar APELAÇAO, com fundamento nos artigos 593, III, d, e 600, do Código de Processo Penal. Requer o recebimento do mesmo, com a intimação do Ministério Público para apresentar contrarrazões, e encaminhamento à instância superior com as razões e contrarrazões recursais, para processamento e julgamento do mérito, onde se espera a reforma da decisão impugnada. Nestes termos, pede deferimento. São Paulo, data Assinatura OAB Questão de ordem! 9 PETICAO DE RAZOES RECURSAIS Recorrente: Fulano de Tal Recorrido: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO/SP RAZÕES DE APELAÇAO EGREGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO/SP COLENDA CÂMARA CRIMINAL COLENDA TURMA EMINENTES DESEMBARGADORES DOS FATOS Fulano de tal, brasileiro, solteiro, carteira de identidade número xxx, residente e domiciliado na rua xxx, nesta capital, estava numa boate com seus amigos comemorando seu aniversário de 18 anos. Durante toda a noite, ele bebeu várias taças de vinho, champanhe e cerveja, estando em estado avançado de embriaguez. Não obstante, pegou o seu veículo automotor de marca Porsche e foi embora para casa. Todavia, no meio do caminho, estando em velocidade dentro do permitido, dormiu no volante e subiu na calçada, atropelando duas pessoas que estavam no ponto de ônibus esperando para irem trabalhar, que morreram naquele exato momento. Tais fatos foram analisados sob o pálio do contraditório, ampla defesa e devido processo legal, na pertinente audiência de instrução e julgamento, sendo que a perícia não constatou a velocidade excessiva, testemunhas não afirmaram que ele estava embriagado e os vídeos juntados não possuem autoria delineada. Ao final, o membro do Ministério Público requereu a pronúncia para o seu julgamento no Tribunal do Júri. Após, em decisão de pronúncia, o Magistrado prolatou os seguintes fundamentos: 10 “Trata-se de denúncia criminal ofertada em razão de ter o agente atropelado,dolosamente, duas pessoas que estavam indo realizar as suas atividades laborativas. Opta-se pelo dolo eventual para descrever a figura típica, tendo em vista que o réu, com sua conduta embriagada e em alta velocidade, na condução de seu veículo automotor de marca Porsche, assumiu o risco de causar o resultado morte. O tipo penal em tela deve ser qualificado pelo meio cruel, uma vez que foram atropeladas de forma que os corpos foram estraçalhados, bem como pelo recurso que dificultou a defesa dos ofendidos, posto que não esperavam morrer enquanto estavam indo trabalhar num dia como qualquer outro. Além disso, requereu a soma das penas do homicídio doloso, de forma que o enquadramento penal está estampado no artigo 121, parágrafo 2º, III e IV, na forma do artigo 69, todos do CP. Decido. Na forma exposta pelo Ministério Público, pronuncio o acusado nos exatos termos da denúncia, sendo que os vídeos juntados nos autos são hábeis a convencer esse Magistrado de que o acusado estava embriagado e com isso assumiu o risco de causar o acidente, enquanto as testemunhas ouvidas na instrução e a prova pericial não serão consideradas com base no princípio do livre convencimento motivado. Ademais, quanto à inversão da ordem do interrogatório, entende, ainda, que se trata de mera irregularidade e não deve tal preliminar ser atendida. Assim, pronuncio o acusado na forma pretendida e encaminho os autos para julgamento pelo Tribunal do Júri”. Não se conformando com a decisão de pronúncia, fora feito o pertinente recurso em sentido estrito, que também não fora acatado por esse Tribunal de Justiça. Em julgamento pelo Conselho de Sentença, o acusado foi condenado por homicídio doloso, na forma simples, sem as qualificadoras, mas não houve a absolvição pretendida e nem mesma a tese de desclassificação, razão pela qual opõe-se o presente recurso de apelação, com o fim de ser feito novo julgamento por outro Conselho de Sentença, respeitando-se a soberania dos veredictos. DOS FUNDAMENTOS DO MERITO- PROVAS DOCUMENTAIS (VIDEOS) E PROVAS TESTEMUNHAIS Cumpre ressaltar que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária às provas produzidas em audiência de instrução e julgamento. 11 Quanto aos supostos vídeos que demonstram a embriaguez do acusado, ressalte-se que eles são desprovidos de autoria, não se sabendo quais pessoas que filmaram o episódio, nem mesmo sendo possível realizar a contraprova, o que fere de morte os princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como o artigo 306, parágrafo 2º, Lei n. 9503/97, em especial cita-se este último: § 2o A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova (grifos nossos) Dessa forma, inviável que Vossas Excelências aceitem os referidos vídeos como prova da embriaguez, ainda mais que as testemunhas ouvidas na audiência de instrução e julgamento foram uníssonas no sentido de não terem presenciado o acusado embriagado, conforme registro de áudio e vídeo juntados no presente feito. Nesse mesmo sentido, tem-se a prova pericial que deverá ser fundamentada nos artigos 159 e 160, CPP, corroborando para a tese de que o acusado não estava em velocidade excessiva, portando-se dentro da ideia de risco permitido, isto é, cumprindo fielmente os requisitos da teoria de Direito Penal da imputação objetiva, ocasionando-se, então, a exclusão do nexo de causalidade. Além disso, as testemunhas ouvidas em juízo não corroboraram a tese ministerial de que o acusado estaria dirigindo embriagada e em velocidade excessiva, o que demonstra claramente a ideia de que o crime doloso nunca existiu, sendo a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. DA DESCLASSIFICACAO-FALTA DE ANÁLISE PELOS JURADOS Quando muito, caso os jurados tivessem o afã de condenar o acusado em algum crime, o correto seria enquadrá-lo no tipo culposo do Código de Trânsito Brasileiro, nunca na forma dolosa do Código Penal, tendo em vista que não se comprovaram os elementos do tipo doloso com aquilo que fora instruído na fase de provas. Destaca-se que os jurados não compreenderam que o crime em epígrafe deveria ser o culposo, pois quem está dirigindo veículo automotor, nas condições narradas nos autos, não tem vontade de matar ninguém, podendo ocorrer apenas eventual descuido consubstanciado em imprudência ou negligência. 12 Como é cediço, o crime culposo não é julgado pelo Tribunal do Júri, daí a importância de diferenciá- lo do crime doloso eventual, a fim de demonstrar-se que os jurados somente irão decidir acerca dos crimes dolosos contra a vida. Nessa forma de pensar, a doutrina elenca pontos de divergência entre o dolo eventual e a culpa consciente, de forma a tornar mais clara a competência do Tribunal do Júri. Por todos, tem-se o escólio de Rogério Greco, in verbis: “Na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita sinceramente na sua não ocorrência; o resultado previsto não é querido ou mesmo assumido pelo agente. Já no dolo eventual, embora o agente não queira diretamente o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo. Na culpa consciente, o agente, sinceramente, acredita que pode evitar o resultado; no dolo eventual, o agente não quer diretamente produzir o resultado, mas, se este vier a acontecer, pouco importa” (GRECO, 2018, p. 313). No caso dos crimes de trânsito, essa distinção entre dolo eventual e culpa consciente ainda é mais importante para fins de enquadramento penal, eis que o tipo penal doloso se encontra no Código Penal, artigo 121, sendo que o tipo penal culposo de homicídio no trânsito, de outra feita, repousa- se no Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503/97), em seu tipo penal culposo a seguir transcrito: Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 1o (OMISSIS) § 2 (Revogado pela Lei nº 13.281, de 2016) (Vigência) § 3o Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Incluído pela Lei nº 13.546, de 2017) (Vigência) Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Ora, a pena do crime culposo, além de ser menor que aquela descrita no Código Penal (12 a 30 anos), é passível de regime de cumprimento de pena mais favorável, bem como benefícios penais mais relevantes, daí a importância de saber quando enquadrar o agente na figura culposa, e não na famigerada do chamado dolo eventual. Nessa mesma linha de pensamento sobre o dolo eventual previsto no Código Penal e a figura da culpa consciente, tem-se a importante lição do doutrinador já http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13281.htm#art6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13281.htm#art7 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13546.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13546.htm#art3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13546.htm#art6 13 citado Rogério Greco sobre a influência da mídia para enquadrar o agente no tipo penal mais grave pelo fato de estar embriagado e dirigindo em velocidade excessiva, nesses termos: “Muito se tem discutido ultimamente quanto aos chamados delitos de trânsito. Os jornais, quase que diariamente, nos dão notícias de motoristas que, além de embriagados, dirigem em velocidade excessiva e, em virtude disso, produzem resultados lastimáveis. Em geral, ou causam a morte ou deixam sequelas gravíssimas em suasvítimas. Em razão do elevado número de casos de delitos ocorridos no trânsito, surgiram, em vários Estados da Federação, associações com a finalidade de combater esse tipo de criminalidade. O movimento da mídia, exigindo punições mais rígidas, fez com que juízes e promotores passassem a enxergar o delito de trânsito cometido nessas circunstâncias, ou seja, quando houvesse a conjugação da velocidade excessiva com a embriaguez do motorista atropelador, como hipótese de dolo eventual, tudo por causa da frase contida na segunda parte do inciso I do art. 18 do Código Penal, que diz ser dolosa a conduta quando o agente assume o risco de produzir o resultado.” (GRECO, 2018, p. 314) Na mesma arquitetura de pensamento, de forma a demonstrar que o dolo eventual necessita de ser demonstrado no caso concreto, a jurisprudência acompanha o pensamento de que ele deve ser provado de forma clara, conforme julgados a seguir citados: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO NO TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E SOB EFEITO DE SUBSTÂNCIA TÓXICA. FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE. OMISSÃO DE SOCORRO E CONDUÇÃO DE AUTOMÓVEL COM O DIREITO DE DIRIGIR SUSPENSO. DOLO EVENTUAL. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DOLO EVENTUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A TENTATIVA. POSSIBILIDADE. QUALIFICADORA. EXCLUSÃO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada 14 flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício. II - Não se pode generalizar a exclusão do dolo eventual em delitos praticados no trânsito. Na hipótese, em se tratando de pronúncia, a desclassificação da modalidade dolosa de homicídio para a culposa deve ser calcada em prova por demais sólida. No iudicium accusationis, inclusive, a eventual dúvida não favorece o acusado, incidindo, aí, a regra exposta na velha parêmia in dubio pro societate. III - O dolo eventual, na prática, não é extraído da mente do autor mas, isto sim, das circunstâncias. Nele, não se exige que o resultado seja aceito como tal, o que seria adequado ao dolo direto, mas isto sim, que a aceitação se mostre no plano do possível, provável. IV - Na hipótese, o paciente foi pronunciado por homicídio doloso (dolo eventual), uma vez que, conduzindo veículo automotor com velocidade excessiva, sob o efeito de álcool e substância entorpecente, não parou em cruzamento no qual não tinha preferência e atingiu a vítima, que andava de motocicleta, a qual só não veio a óbito por rápida e eficiente intervenção médica. V - “Consoantes reiterados pronunciamentos deste Tribunal de Uniformização Infraconstitucional, o deslinde da controvérsia sobre o elemento subjetivo do crime, especificamente, se o acusado atuou com dolo eventual ou culpa consciente, fica reservado ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, onde a defesa poderá desenvolver amplamente a tese contrária à imputação penal" (AgRg no REsp n. 1.240.226/SE, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 26/10/2015). Precedentes do STF e do STJ. VI - As instâncias ordinárias, com amparo nas provas constantes dos autos, inferiram que há indícios suficientes de autoria e materialidade a fundamentar a r. decisão de pronúncia do ora paciente, por homicídio tentado com dolo eventual, de modo que 15 entender em sentido contrário demandaria, impreterivelmente, cotejo minucioso de matéria fático-probatória, o que é vedado em sede de habeas corpus (precedentes). VII - Não é incompatível o crime de homicídio tentado com o dolo eventual, neste sentido é iterativa a jurisprudência desta Corte: "No que concerne à alegada incompatibilidade entre o dolo eventual e o crime tentado, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que "a tentativa é compatível com o delito de homicídio praticado com dolo eventual, na direção de veículo automotor". (AgRg no REsp 1322788/SC, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 18/06/2015, DJe 03/08/2015). VIII - Esta Corte firmou orientação no sentido de que, ao se prolatar a decisão de pronúncia, as qualificadoras somente podem ser excluídas quando se revelarem manifestamente improcedentes. Habeas corpus não conhecido. (HC 503796 / RS, STJ). Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DOLOSO (ART. 121, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). CRIME COMETIDO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. DOLO EVENTUAL. PRETENDIDA DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO PREVISTO NO ART. 302 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. EXAME DO ELEMENTO VOLITIVO. INVIABILIDADE. 1. Enquanto no dolo eventual o agente tolera a produção do resultado, tanto faz que ocorra ou não; na culpa consciente, ao contrário, o agente não assume o risco nem ele lhe é indiferente. Presente essa controvérsia a respeito do elemento subjetivo, na lição de NELSON HUNGRIA, não é possível pesquisá-lo no 'foro íntimo' do agente, tem-se de inferi-lo das circunstâncias do fato externo. 2. Os autos evidenciam, neste juízo sumário, que a imputação atribuída ao agravante não resultou da aplicação aleatória do dolo eventual. Indicou-se, com efeito, as circunstâncias especiais do caso, notadamente a embriaguez, o excesso de velocidade e a ultrapassagem de semáforo com sinal desfavorável em local movimentado, a indicar a anormalidade da ação, do que defluiu a aparente desconsideração, falta de respeito ou indiferença para com o resultado lesivo. 16 3. O quadro de circunstâncias descrito não permite identificar qualquer vício apto a justificar, neste momento e nesta estreita via processual, a desclassificação da figura incriminadora. Caberá ao Tribunal do Júri auferir a existência do elemento subjetivo do tipo (dolo ou culpa), pois diretamente ligado ao contexto fático da prática delituosa. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (HC 160500 AgR. STF) Pelo que se percebe dos julgados acima, bem como doutrina relevante acima destacada, o dolo eventual deve ser claramente demonstrado no caso concreto, sob pena de não restar configurado no caso concreto, pois não há uma fórmula legal ou jurisprudencial a ponto de imputar o crime de homicídio doloso no trânsito. Trata-se, assim, de uma perquirição no caso concreto de elementos que possam traduzir na vontade de o agente assumir o risco de causar o resultado morte, não bastando elementos corriqueiros como velocidade excessiva e direção sob o efeito de álcool ou drogas. Essa famigerada fórmula não se sustenta, ainda mais que o sistema penal é pautado na ideia do in dubio pro reo. Dessa forma, não se aceita o enquadramento puro e simples no tipo doloso apenas por um capricho midiático ou por imposição ministerial, devendo o Juiz analisar o caso concreto para destacar o que de fato ocorrera, aplicando-se a necessária desclassificação, com base no artigo 419, CPP, a seguir descrito: Art. 419. Quando o juiz se convencer, em discordância com a acusação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1o do art. 74 deste Código e não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o seja. Em razão do exposto, Eminentes Desembargadores, vem requerer um novo julgamento do acusado, com o intuito de obter-se, pelo novo Conselho de Sentença, a desclassificação do crime de homicídio doloso para a forma culposa prevista no Código de Trânsito Brasileiro. DOS PEDIDOS Diante do exposto, respeitosamente, requer o conhecimento do recurso, eis que tempestivo,bem como o seu provimento, na forma que se segue: a) Seja cassada a decisão prolatada pelo Conselho de Sentença, eis que manifestamente contrária à prova dos autos, devendo ser realizado novo julgamento por outro corpo de jurados; Nestes termos, pede-se deferimento 17 São Paulo, data Assinatura OAB
Compartilhar