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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” PRODUTO FINAL DA DISSERTAÇÃO DE MESTRADO PROFISSIONAL EM DOCÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA Plano de Trabalho Docente – PTD: Um registro autoral da docência na educação básica MARIA AMÉLIA DA SILVA Orientador: Prof. Dr. Marcos Jorge 2016 2 MARIA AMÉLIA DA SILVA Plano de Trabalho Docente – PTD: Um registro autoral da docência na educação básica Produto final apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Mestre à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Faculdade de Ciências, Campus de Bauru – Programa de Pós-graduação em Docência para a Educação Básica, sob orientação da Prof. Dr. Marcos Jorge. BAURU 2016 3 Silva, Maria Amélia. Plano de Trabalho Docente–PTD: um registro autoral da docência na educação básica. Maria Amélia da Silva; orientação: Marcos Jorge – Bauru: UNESP, 2016. 56 f. Produto da Dissertação de Mestrado: Autoavaliação: uma aliada no processo de construção do conhecimento entre alunos e professores – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências, Bauru, 2016. 1.Formação continuada de professores. 2. Plano de Trabalho Docente. 3. Autoavaliação formativa. I. Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências. II. Título. 4 Sumário Apresentação.............................................................................................................. 5 Orientações gerais..................................................................................................... 7 Introdução.................................................................................................................. 9 Módulo 1: O embasamento teórico na prática – práxis......................................... 11 1.1 Um sobrevôo teórico-conceitual........................................................................... 12 1.1.1 Lev Semenovich Vigotski.................................................................................. 13 1.1.2. Jean Piaget........................................................................................................ 22 1.1.3 Henri Wallon...................................................................................................... 26 1.1.4 David Ausubel.................................................................................................... 28 1.1.5 Paulo Reglus Neves Freire................................................................................. 30 Módulo 2: O Projeto Político Pedagógico e o Currículo Escolar.......................... 35 Módulo 3. Um modelo possível na elaboração do PTD......................................... 46 Ficha autoavaliativa.................................................................................................. 52 Referências bibliográficas......................................................................................... 54 5 APRESENTAÇÃO Este minicurso foi elaborado como produto de uma dissertação de mestrado profissional para a Docência na Educação Básica cujo foco de pesquisa foi a avaliação formativa como a alternativa mais indicada para a superação de baixos resultados nas aprendizagens dos alunos. Esta concepção de avaliação privilegia a dialogicidade como elo principal entre professor e aluno para que o ensino se converta em aprendizagem. Assim, foi destacado o papel da autoavaliação que, sendo parte integrante da Avaliação Formativa pode ser um caminho a modificar a estrutura do conceito tradicional de escola, para uma concepção tal como Freire (2000) a concebia, substancialmente democrática, com propostas de mudanças radicais capazes de transformá-la, de fazer rupturas e de (re)criá-la numa perspectiva de qualidade social. Propusemos a adoção deste elemento como um instrumento de reflexão permanente a ser implantado no cotidiano de sala de aula, considerando que o conhecer-se a si mesmo é uma condição para que o sujeito encontre seus próprios motivos para aprender a aprender em todos os contextos de atuação dentro e fora da escola. A partir dessa perspectiva este minicurso se propõe a contribuir com os professores na elaboração do Plano de Trabalho Docente - PTD, lembrando que este é um gênero textual próprio da docência na educação básica, um produto obrigatório que documenta as intencionalidades da ação pedagógica. Entretanto, muito dessas produções textuais evidenciam inconsistências na descrição dos propósitos de ensino dos professores para com as aprendizagens que se pretende desenvolver nos alunos. Desta forma, visamos criar condições para que os planos de trabalho docentes sejam produzidos com autoria, tanto pela cientificidade que o processo ensino- aprendizagem exige, como pela poesia que compreende o cotidiano daqueles que realmente buscam exercer a práxis pedagógica. Este minicurso está dividido em três módulos previsto para ser desenvolvido em três encontros semanais consecutivos utilizando as Aulas de Trabalho Pedagógico Coletivo – ATPC, antes denominadas HTPC . Lembrando que as ATPC têm como objetivos: I. Construir e implementar o projeto pedagógico da escola; II. articular as ações educacionais desenvolvidas pelos diferentes segmentos da escola, visando a melhoria do processo ensino- aprendizagem; III. identificar as alternativas 6 pedagógicas que concorrem para a redução dos índices de evasão e repetência; IV. possibilitar a reflexão sobre a prática docente; V. favorecer o intercâmbio de experiências; VI. promover o aperfeiçoamento individual e coletivo dos educadores; VII. acompanhar e avaliar, de forma sistemática, o processo ensino-aprendizagem. (SÃO PAULO, CEE, CENP, 1996, s/p). Este material poderá ser utilizado por toda escola que se interessar por esta proposta formativa de elaboração de PTD, visto que a intenção deste produto é contribuir para a viabilização de ações concretas para o aprimoramento profissional de educadores da educação básica. Respeitando, porém, as referências bibliográficas. 7 ORIENTAÇÕES GERAIS PLANO DE TRABALHO DOCENTE - PTD Um registro autoral da docência na educação básica. CONTEÚDOS: RECURSOS: Data show, texto impresso, flip chart, pincéis, canetas e papel sulfite ESPAÇOS: Sala de aula ou biblioteca Objetivos do Produto Que o material produzido sirva para ampliar a percepção do educador acerca da seriedade do seu trabalho frente ao compromisso sociopolítico pelo qual responde a educação na formação de crianças e jovens para a vida cidadã. Visa assim, auxiliar o professor a organizar as suas ideias na elaboração de seus Planos de Trabalho Docentes para que estes orientem sua ação junto aos alunos no desenvolvimento de sua criticidade, autonomia e criatividade, de modo que tenham motivos para querer aprender mais na escola e fora dela. Objetivos específicos Possibilitar um espaço de reflexão e discussão com os temas tratados no material; Desenvolver o aprimoramento da profissionalidade docente; Desenvolver nos educadores o anseio por uma práxis pedagógica efetiva na escola, percebendo-se pesquisador de sua própria prática; Criar condições para que o registro docente seja compreendido como um gênero textual de valor autoral por representar o seu processo criativo e singular; Valorizar a produção escrita do professor como um referencialde quem ensina os alunos a produzir textos; Propiciar novas reflexões acerca do legado histórico que representa os registros docentes nos documentos oficiais da escola; MÓDULO 1. O embasamento teórico na prática - PRÁXIS MÓDULO 2. Proposta Político Pedagógica e o Currículo da escola MÓDULO 3. Um modelo possível para a elaboração do PTD. 8 Promover mudanças de atitudes simples como a atenção à elaboração de PTD coerentes com as PPP e as intenções reais de ensino que se quer transformar para a qualidade na educação básica. Fortalecer a busca pela formação continuada, tanto na dimensão individual como coletivamente, a fim de manter-se atualizado para a produção de novos conhecimentos e estratégias de ensino e de avaliação cada vez mais adequadas às aprendizagens. Introduzir a Autoavaliação Formativa nos contextos de ensino para desenvolver nos alunos um olhar para si mesmo enquanto construtor de conhecimento. 9 Introdução Dentre as diversas atribuições inerentes à docência na educação básica está a elaboração de Planos de Trabalho Docente – PTD. O ato de planejar o PTD se configura uma atividade intencional do professor que estabelece metas a serem alcançadas ao final de um período de trabalho educativo desenvolvido junto a seus alunos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDBE - Lei nº 9.394 de 20 de Dezembro de 1996, em seu Art. 13, II e IV justifica o termo Plano de Trabalho Docente como sendo dever do professor elaborar o Plano de Trabalho Docente e trabalhar pelo seu cumprimento em consonância com a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino. A produção do PTD tem o propósito de nortear caminhos e organizar os meios para o planejamento das ações didáticas do professor, considerando as especificidades de cada nível de ensino, evitando com isso o improviso que descaracteriza um projeto formativo. O PTD obedece a uma estrutura que compreende desenvolvimento das expectativas de ensino-aprendizagem, no processo educativo, explicitam a ação do docente e do estudante, articulando a tríade: objetivos (intenção da ação educativa); conteúdos (em suas dimensões conceituais, atitudinais e procedimentais); e competências e habilidades. A elaboração de PTD tem relação direta com a gestão da sala de aula uma vez que é o momento do professor pensar no planejamento de situações de ensino mais adequadas para as aprendizagens pretendidas, considerando a heterogeneidade dos alunos, os recursos didáticos disponíveis e possíveis, o desenvolvimento de atividades, as intervenções pedagógicas mais adequadas às diferentes necessidades e possibilidades de aprendizagem de cada um, constituindo assim, uma ação planejada e imprescindível para o exercício da docência devido ao seu caráter político-pedagógico. O PTD, quando bem elaborado serve de instrumento norteador das ações do professor no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem. Ademais, quando bem planejado o PTD possibilita que o professor tenha maior percepção do rendimento dos alunos, o que facilita a avaliação permanente em todo o processo de ensino para que as adaptações e ajustes aconteçam em tempo de realizar a regulação das ações em prol da aprendizagem de todos. 10 O Plano de Trabalho Docente representa um gênero textual mediador do agir docente, nele estão previstas intervenções didático-pedagógicas que explicitam o potencial de competências do professor para alavancar o processo ensino-aprendizagem, numa relação dialógica, baseada na cooperação e na construção de um vínculo de confiança entre o professor e o estudante, que materializa a sua profissionalidade. Entretanto, é comum professores se queixarem da dificuldade que sentem ao elaborar seus PTD. Muitos PTDs apresentam descrições de atividades e desenvolvimento de procedimentos metodológicos inferiores à qualidade das aulas dadas. Há casos de aulas e atividades desenvolvidas não corresponderem ao planejamento, sendo modificadas sem que o plano seja também alterado com os adendos possíveis. Tal realidade denota a necessidade de intervenção formativa que atenda a essa demanda e possibilite a superação desse problema. E é nessa direção que este minicurso pretende se voltar. Será abordado nos três módulos um resgate dos referenciais teórico- metodológicos para o embasamento da prática que se configure em uma reflexão sobre a práxis, no módulo 1. No módulo 2, será feito uma revisão e estudo do que representa cada uma das três dimensões do Projeto Político Pedagógico, cujos princípios respaldam o Currículo da escola, são informações relevantes como ferramenta de planejamento e avaliação a ser consultada a cada tomada de decisão tanto pedagógica como administrativa. No módulo 3. Os Procedimentos Metodológicos serão retomados para ressaltar a sua importância quanto ao objetivo de explicitar uma prática pedagógica voltada para uma aprendizagem significativa. Acrescentando nesse módulo a discussão sobre a implementação efetiva da autoavaliação como prática de sala de aula, considerando que só por meio de uma formação que aborde e trabalhe a autoavaliação com os professores podem-se formar profissionais capazes de desenvolver a autoavaliação com seus alunos, pois não há como propor a utilização da autoavaliação em sala de aula sem que esta esteja claramente compreendida, reconhecida e introjetada na conduta pessoal e profissional de quem ensina. 11 MÓDULO 1: O EMBASAMENTO TEÓRICO NA PRÁTICA –PRAXIS *apontamentos que poderão ser feitos pela formadora para incitar a reflexão e discussão. Muito de nossa experiência docente pouco contou com presença de uma verdadeira práxis devido a *fatores diversos presentes na formação inicial e mesmo na continuada que distanciaram a reflexão crítica do professor sobre as práticas escolares. (*abrir espaço para que tais fatores possam ser levantados e apontados pelos presentes, como estratégia de recuperação da trajetória profissional) Entretanto, como educadores responsáveis e comprometidos, sempre nos mantivemos firmes e determinados na tarefa de alcançar sucesso no processo ensino- aprendizagem. Todavia, os resultados ainda não refletem a nossa expectativa. A educação básica como alicerce para a formação integral do estudante ainda apresenta problemas graves que comprometem a qualidade do trabalho e dos resultados do ensino e da aprendizagem. O propósito desta formação é modesto e não se esgota aqui, no entanto, é oferecido como um ponto de partida para auxiliar na reflexão sobre o trabalho educativo, no sentido de articular teoria e prática para uma permanente reflexão sobre a ação atenta a identificação de melhorias, ou seja, tornar a práxis uma efetiva realidade nos contextos escolares, sem a qual, não é possível qualquer postura reflexiva que transforme a realidade. O estudo permanente do educador em função do aprimoramento de sua ação didático-pedagógica é o que o faz detentor deste título, segundo a teoria freireana “não há docência sem discência”, nem tampouco sem “rigorosidade metódica”. Ao atuar na educação, todo docente procura ter uma posição que se aproxime de uma concepção de ensino que, de alguma forma, o anima a trabalhar e a manter um discurso sobre a sua atuação. Todavia, é de suma importância que esta postura esteja política e pedagogicamente afinada com a sua prática em sala de aula, de modo que se revele nas aprendizagens de seus alunos. Com o propósito de estreitar a coerência entre as intencionalidades da ação docente e os resultados desejados, serão retomados alguns procedimentos fundamentais para a elaboração de Planos de Trabalho Docente (PTDs) que podem favorecer essa aproximação. 12 1.1 UM BREVE SOBREVÔO TEÓRICO-CONCEITUAL Os estudos e leituras ao longo da formação inicial e para os concursos públicos ou privados de ingresso na carreirado magistério são, muitas vezes, o contato mais intenso do professor com as teorias da educação. São esses estudos e leituras que comumente formam a base teórica que subsidia os professores no exercício da docência na educação básica. Inúmeros conceitos e palavras cunhadas por teóricos importantes são de conhecimento de uma gama enorme de professores, entretanto, muito desses conhecimentos são superficiais, e não chegam, de fato, a serem reconhecidos por eles mesmos no desenvolvido de suas práticas pedagógicas. A desvalorização da profissão docente ao longo das últimas décadas contribuiu para a precarização do ensino e da formação de professores. Com isso, as dificuldades para o exercício do magistério só aumentaram, levando professores a dobrar turnos de trabalho, diminuindo ainda mais o tempo e as condições para o estudo e o aperfeiçoamento profissional. Neste estudo serão revistas as principais contribuições de cinco grandes pesquisadores que, mesmo tendo realizado projetos de investigação em diferentes momentos e vieses ideológicos, consideraram cada um a seu modo, os temas da subjetividade e da cognição como processos socioculturais. Com base em sólido trabalho investigativo, Vigotski, Piaget, Wallon, Ausubel e Freire demonstraram de maneira distinta, as múltiplas possibilidades e limites da interdependência existente entre experiência individual e realidade social, bem como as implicações das práticas sociais coletivas para o desenvolvimento humano. Para esses pensadores, as relações culturais têm um papel proeminente na constituição de processos psicológicos, e a educação é considerada por eles como a principal forma de ensinar. Todos eles tiveram grande interesse, curiosidade e preocupações em entender a relação dinâmica e dialética existente entre a ação humana e os contextos históricos, sociais e culturais em que essas ações ocorrem. A seguir será apresentada uma síntese das contribuições de cada um desses educadores para que possamos retomar alguns estudos que nos auxiliem na ampliação da visão crítica e reflexiva que demanda o trabalho pedagógico. 13 1.1.1 Lev Semenovich Vigotski (1896-1934), psicólogo, advogado e médico russo. O seu sobrenome tem sido grafado de várias formas: Vigotsky, Vygotski, Vigotski, Vigotskii, entre outras. Vigostiski estudou e produziu suas obras na União Soviética, no período pós- revolucionário até a década de 30 do século passado. Morreu em 1934, vítima de tuberculose, com apenas 37 anos. Estudou direito e literatura, dedicou-se aos estudos de psicologia, frequentou vários cursos de história e filosofia na Universidade Popular de Shanyavskii, em Moscou, e posteriormente estudou medicina. Em 1924, apresentou uma conferência no II Congresso de Psicologia, em Leningrado, onde suas colocações fizeram enorme sucesso e ele foi convidado a trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou. Nesse período junto com Alexander Romanovich Luria, Alexei Nikolaievich Leontiev e outros grandes nomes da psicologia soviética desenvolveu um importante conjunto teórico que tem sido conhecido como Psicologia Sócio-Histórica ou Histórico- Cultural. Ao longo de sua vida, Vigotski dedicou-se a atividades de pesquisa para docência e ensino nas áreas de literatura, psicologia, pedagogia, deficiências físicas e mentais, entre outras. Durante muito tempo, as obras de Vigotski permaneceram desconhecidas na maior parte do mundo, pois sofreram restrições tanto do regime comunista da União Soviética quanto do regime capitalista do ocidente. Vigotski buscou compreender como se dá a formação do ser humano e analisou essa questão de uma forma inteiramente nova e diferenciada das demais produções anteriores. Uma síntese de suas principais ideias a esse respeito pode ser representado por esta frase: o desenvolvimento do psiquismo humano é sócio-histórico, já que é estruturado no seio da atividade social dos indivíduos. Para Meira (2015), o autor se contrapôs a duas tendências importantes na psicologia: o subjetivismo e o objetivismo. As teorias subjetivistas consideram que os fenômenos psicológicos são criados pelos próprios homens de forma independente, sem determinações da sociedade. As teorias objetivistas defendem que o comportamento dos indivíduos é produto do ambiente, entendido como um conjunto de circunstâncias ou contingências, os quais podem ou não fornecer elementos que facilitem o desenvolvimento humano. Vigotski superou estas duas concepções e construiu sua teoria fundamentada em uma tese central: as origens das formas superiores de 14 comportamento consciente não estão nem no próprio homem nem na realidade social, mas nas relações sociais que o homem estabelece com o mundo exterior. No processo de constituição do ser humano é possível distinguir duas linhas de desenvolvimento que diferem em relação a sua origem, mas se entrelaçam na história dos indivíduos: os processos elementares, de origem biológica e as funções psicológicas superiores de origem sociocultural. No início da vida os fatores biológicos desempenham um papel mais marcante, mas rapidamente esta situação se modifica pela intensificação das relações do bebê com vida social do grupo ao qual pertence. Esta é a condição histórico-social que permite a constituição das funções superiores psicológicas superiores que caracterizam o ser humano, tais como, a atenção, memória, linguagem, pensamento e emoções. Desse modo, os processos psicológicos humanos ocorrem inicialmente no plano social como processos interpessoais e interpsicológicos, para posteriormente tornarem- se individuais, ou seja, intrapessoais ou intrapsicológicos. De modo diferente dos animais, o homem não se adapta às condições e objetos materiais e não materiais, ele se apropria deles. É nesse processo de apropriação da experiência acumulada pelo gênero humano no decurso da história social que se dá a aquisição das qualidades, capacidades e características humanas, e a criação contínua de novas aptidões e funções psíquicas. O indivíduo nasce com um aparato biológico que lhe permite ser um “candidato” à humanidade, mas precisa aprender a ser homem e isso só ocorre na vida em sociedade. Para Vigotski o ser humano se forma na relação com outros homens por meio de processos de objetivação e apropriação. Em consonância com o marxismo, esta teoria destaca que os homens se formam no processo de trabalho no qual produzem os meios necessários para a satisfação de suas necessidades, não apenas as biológicas, mas também outras mais complexas, geradas nas relações sociais. É na atividade de trabalho, que se objetivam nos produtos que constroem, transferindo para os objetos (materiais ou não) sua atividade física e mental. Por meio deste processo de objetivação, os homens criam e transformam continuamente a cultura humana. Direta e indiretamente e de forma contínua estamos sempre ensinando aos pequenos nossa linguagem, nossos hábitos, nossos valores, o que gostamos e o que não gostamos, o que consideramos correto e o que não é permitido. 15 Para fazermos parte do mundo em que vivemos, desde muito cedo cada um de nós deve internalizar estes elementos que a princípio são externos, transformando-os em atividades nossas, internas, intrapsicológicas. Nesta perspectiva o desenvolvimento humano só pode ser compreendido em suas relações com o contexto histórico no qual os indivíduos estão inseridos. É deste modo que se constituem as funções psicológicas superiores que são expressão do modo de funcionamento tipicamente humano e que não estão presentes no nascimento. Diferentemente dos animais, que tem seu funcionamento determinado unicamente por fatores biológicos, os homens são capazes de falar, pensar, planejar, imaginar e criar novas realidades. Estas funções não estão presentes no nascimento, elas são constituídas nas relações do indivíduocom o mundo. Vigotski denominava essas funções de superiores porque elas têm caráter voluntário, ou seja, podem ser controladas pelos indivíduos e lhes possibilitam, de diferentes modos, transformarem o mundo e a si mesmos. Assim, o desenvolvimento humano não pode ser tratado como fenômeno universal, já que é determinado por um conjunto de condições sociais concretas. Para a teoria histórico-cultural as características presentes em determinadas etapas do desenvolvimento não são naturais, elas são produzidas historicamente e essa produção só é possível com aprendizagem. Sem aprendizagem não há apropriação da cultura humana e, portanto, não há desenvolvimento humano. Essa relação entre desenvolvimento e aprendizagem foi tratada por Vigotski de modo bastante peculiar. Ele introduziu uma grande inovação teórica com a proposição da existência de dois níveis de desenvolvimento: o nível de desenvolvimento atual, real ou efetivo e a zona de desenvolvimento próximo, proximal, potencial ou imediato. Essas denominações, segundo Meira (2015), podem variar de acordo com a tradução. A zona de desenvolvimento real corresponde ao nível de desenvolvimento da criança que foi conseguido como resultado de um processo de desenvolvimento já realizado, ou seja, compreende tudo aquilo que ela é capaz de fazer sozinha, sem a ajuda de outras pessoas. Na sala de aula, um professor alfabetizador atento aos seus alunos pode perceber o nível de desenvolvimento real de seu grupo observando o que cada um é capaz de realizar de maneira independente. Vamos imaginar as seguintes situações: alguns alunos conseguem identificar letras ou sílabas; outros escrevem e leem pequenos textos; outros já são capazes de ler, redigir e interpretar histórias completas. Um grupo consegue 16 identificar os números; outro já é capaz de realizar operações matemáticas. Alguns alunos ainda não escrevem, não leem e não dominam os códigos da matemática, mas são capazes de realizar atividades que envolvam certas noções matemáticas em situações concretas e fazem determinados registros gráficos (rabiscos, letras, desenhos, etc.). Uma família observa que seu filho ou filha já é capaz de desenhar, pintar e brincar com jogos de encaixe sem nenhum tipo de ajuda. Todos estes casos referem-se a atividades que são possíveis em um determinado momento, em função do desenvolvimento que foi efetivado até então. Daí a designação desenvolvimento real. Entretanto, conhecer as capacidades já desenvolvidas não é suficiente para compreender, de forma completa, o desenvolvimento das crianças. Para Vigotski, devemos compreender ainda a zona de desenvolvimento próximal, a qual abarca tudo aquilo que a criança não faz sozinha, mas é capaz de realizar com a ajuda de adultos ou companheiros mais experientes. Em síntese, o nível de desenvolvimento de uma criança só pode, de fato, ser compreendido se conseguirmos analisar o que já foi produzido (o que ela já faz sozinha) e, ao mesmo tempo, captar aquilo que ainda está em processo de formação (o que consegue fazer com ajuda). * uma reflexão importante: se as pessoas precisam aprender, considerando-se as possibilidades que se encontram na zona de desenvolvimento proximal ou potencial, é essencial que alguém as ensine. Pode parecer uma afirmação óbvia, mas certamente não é, já que muitas teorias consideram que o desenvolvimento ocorre de forma natural independente do contexto. O PAPEL DA MEDIAÇÃO EM VIGOTSKI Para Vigotski, as pessoas já nascem em um mundo humanizado, criado e transformado pelas gerações precedentes, mas isto não é suficiente para que se desenvolvam e se tornem humanas. *ilustrar com o caso das meninas Amala e Kamala, criadas por lobos. Também o filme “O garoto selvagem” disponível em https://www.youtube.com/watch?v=K6GZPuxuBTU Compreende-se assim que os processos educativos exigem a mediação dos adultos: das famílias ou cuidadores no caso da educação familiar e dos professores no campo da educação escolar. A relação do indivíduo com o mundo não é direta. Ela é mediada por instrumentos e sistemas de signos que só os homens são capazes de criar. https://www.youtube.com/watch?v=K6GZPuxuBTU 17 Mediação é o processo através do qual se dá a intervenção de um elemento intermediário na relação entre dois outros elementos. Vigotski distinguiu dois tipos de: os instrumentos e os signos. Os instrumentos são elementos que se interpõem entre o trabalhador e o objeto de seu trabalho, sua função é facilitar a concretização das atividades materiais do homem. Por exemplo, se queremos construir um determinado objeto (seja uma simples caneta ou um supercomputador), precisamos necessariamente de instrumentos que nos auxiliem nessa tarefa. Os signos agem como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel desempenhado pelo instrumento material de trabalho. Os signos são instrumentos auxiliares nos processos psicológicos e sua função é possibilitar a solução de problemas de ordem psicológica, tais como lembrar, comparar, construir conceitos, etc. Por exemplo, se tenho que tomar uma decisão, seja ela simples (escolher a roupa que devo usar; o tipo de música que quero ouvir; o que vou comer na próxima refeição; etc.) ou complexa (que profissão devo seguir; como educar meus filhos; que proposta pedagógica pretendo construir em meu trabalho docente; etc.), terei de recorrer a elementos que se encontram no campo psicológico, em busca da melhor alternativa. Para fazermos, de fato, parte do mundo em que vivemos, desde muito cedo, cada um de nós deve se apropriar da cultura construída no contexto social no qual vivemos. *Até aqui foi possível compreender que a aprendizagem produz desenvolvimento desde que o ensino seja adequado. Que outros apontamentos podem ser feitos? OS CONCEITOS ESPONTÂNEOS E OS CONCEITOS CIENTÍFICOS Vigotski distinguiu dois tipos de conceitos, os quais representariam o elo de todo o processo de aprendizagem: os espontâneos e os científicos. Os conceitos espontâneos se constituem através da comunicação direta da criança com as pessoas próximas a ela e não necessitam de qualquer procedimento especial para serem ensinados e aprendidos. Eles são construídos com base em observações e vivências diretas da criança e expressam o nível mais elevado de generalização e abstração em uma situação evidente e já conhecida. Para Vigotski, eles constituem-se em “generalizações de coisas”, limitam-se a descrições simples da realidade empírica e já existem antes do ingresso da criança na escola. 18 *Tomemos um exemplo bastante simples. Uma criança constrói, de modo espontâneo e sem nenhuma dificuldade, o conceito de cachorro e saberá generalizar suas características de tal forma que se tornará capaz de distingui-lo de outros animais, mesmo que veja cães de tamanhos, cores e pelagens diferentes. Esta generalização das características dos cães permite que ela construa uma abstração que se refere ao conceito de cão. Mesmo diante de raças bastante diferentes, ela continuará sabendo que se trata de um cão. Os conceitos científicos formam-se de outro modo, são generalizações do pensamento, não se relacionam a aspectos particulares, mas a toda uma classe de fenômenos (que não podem ser vistos de forma direta, já que têm de ser compreendidos através do pensamento). Sua assimilação requer um trabalho de ensino-aprendizagem sistemático. Na constituição do conceito científico temos o caminho contrário, que vai do abstrato ao concreto, já que, desde o início, a criança é capaz de reconhecer o conceito que um determinado objeto representa. * Voltemos ao nosso exemplo. Antes de entrar na escola, a criança já construiu o conceito de cachorro. Com os novos conhecimentos poderá ampliá-lo e incluí-lo em novos sistemas conceituais, tornando-o muito mais abrangente. Poderá aprender, entre outras coisas,que o cachorro é um animal mamífero, vertebrado, etc. Em suas investigações, Vigotski verificou que os conceitos científicos evoluem mais rapidamente que os demais. O grau de assimilação dos conceitos cotidianos expressa o nível de desenvolvimento atual enquanto que o de assimilação dos conceitos científicos corresponde à sua zona de desenvolvimento próximo. Para Vigotski, o limite que separa a formação destes dois tipos de conceito é muito pequeno. Trata-se de processos interligados. Os conceitos espontâneos constituem a base dos conceitos científicos, assim como os conceitos científicos possibilitam a formação de novos conceitos espontâneos. *Em síntese, os conceitos cotidianos desenvolvem-se de forma espontânea enquanto os científicos dependem da instrução. Como afirma Vigotski, a consciência reflexiva chega à criança através dos conhecimentos científicos. Daí a importância vital da educação escolar para o desenvolvimento humano. O mero contato em sala de aula com os conceitos não é garantia de aprendizagem por parte dos alunos. As capacidades intelectivas da criança devem ser desenvolvidas e exercitadas. A tarefa de ensinar cabe ao professor, mas o aluno deve ter condições de falar, interagir, indagar, propor, refletir. Para aprender um conceito, é preciso que ocorra a transmissão de informações, mas também um trabalho intelectual ativo dos alunos. Em síntese, para Vigotski o desenvolvimento do psiquismo é um processo sócio- histórico que se constitui através dos processos de objetivação e apropriação da cultura humana, os quais permitem a formação da consciência e das capacidades humanas; o 19 pensamento é culturalmente mediado e a linguagem é o principal meio desta mediação; os processos de aprendizagem, nos quais se articulam as dimensões intelectuais e afetivas e os conceitos espontâneos e científicos, produzem desenvolvimento e, por isto a educação desempenha um papel decisivo em todo o desenvolvimento intelectual da criança. OS PRESSUPOSTOS BASILARES DE VIGOSTSKI PARA A EDUCAÇÃO A necessidade de transformações sociais Se considerarmos que o processo de apropriação se concretiza nas relações reais do sujeito com o mundo, e que a maneira como sua vida se constrói nestas condições é determinada pelas condições históricas concretas, temos que necessariamente nos posicionar frente à questão de como a sociedade se organiza. A humanidade produziu inúmeras possibilidades de desenvolvimento, entretanto a grande maioria dos indivíduos encontra-se submetida a processos de empobrecimento material e espiritual que lhes transformam em prisioneiros da necessidade. Por isto, precisamos nos comprometer com a humanização dos indivíduos. A garantia de educação de qualidade para todos Se a condição para a concretização da humanidade em cada homem é a apropriação das aquisições da cultura humana, coloca-se como central a questão da efetivação do direito de todos os cidadãos a uma educação de qualidade. É preciso garantir que as novas gerações se apropriem dos conhecimentos historicamente acumulados pela humanidade, construindo e ampliando a sua capacidade de pensamento crítico. Mudanças nos ideários pedagógicos Toda proposta pedagógica pressupõe necessariamente uma teoria, ainda que não explícita, sobre como que as pessoas aprendem e se desenvolvem, e de como esses processos se articulam. Analisar criticamente o modo como estas ideias circulam nos meios educacionais pela via dos ideários pedagógicos e a que fins elas servem é uma tarefa importante e necessária. Meira (2015) chama a atenção dos professores sobre as muitas concepções equivocadas sobre fenômenos psicológicos que podem ser superadas no contexto educacional brasileiro à luz da teoria histórico-cultural, entre elas destaca três que 20 considera especialmente importantes: o maturacionismo, a natureza humana e a inteligência como dom natural. O maturacionismo A teoria de Vigotski produz uma sensível transformação em relação à compreensão da função social da prática pedagógica, e mais especificamente, do papel do professor, e por isto pode contribuir para o rompimento com a perspectiva maturacionista, ainda hegemônica nos meios educacionais, que coloca a aprendizagem em uma situação de dependência direta em relação ao desenvolvimento. A abordagem maturacionista considera que os alunos só se tornam capazes de aprender determinados conteúdos quando estão “maduros” ou “prontos” para isto. Partindo deste ponto de vista, quando um aluno apresenta dificuldades, se diz que ele ainda não atingiu o nível de desenvolvimento psico-intelectual necessário, isto é, não tem “prontidão” para a aprendizagem. Nas décadas de 60 e 70, surgiram vários testes com a finalidade de medir a prontidão dos alunos para todos os tipos de aprendizagem, em especial aquelas relacionadas com a leitura e a escrita de crianças em fase inicial de alfabetização Essa é uma concepção nefasta porque leva os professores a se comportarem como expectadores passivos de algo que não diz respeito a eles. O professor não pode ensinar porque estes alunos não têm condições de aprender, não lhe restando outra alternativa a não ser esperar que eles fiquem “maduros”, para só então cumprir sua função social. A natureza humana A crença em uma “natureza humana” representa uma abordagem naturalizante e a-histórica do fenômeno psicológico sem nenhuma articulação com a vida, as condições econômicas, sociais e culturais nas quais se inserem os homens. Essa concepção está na base de um falso pressuposto que circula de modo sistemático nos meios educacionais de que as pessoas “são como são” e que a escola não tem como modificar a “natureza” das pessoas. A teoria de Vigotski considera a possibilidade de trabalharmos com a ideia de condição humana, de construção social do psiquismo humano, determinado pelas relações reais dos homens com o mundo e com o conceito de plasticidade do sistema psicológico humano. Essa possibilidade permanente de múltiplas transformações do sujeito ao longo de seu processo de desenvolvimento, aponta, entre outras coisas, para a importância da intervenção educativa. 21 A inteligência como um dom natural Para muitos a inteligência é um atributo inato e imutável do ser humano e a escola teria pouco ou nada a fazer em relação àqueles que se considera como menos dotados. Esse mito tem sido sistematicamente utilizado como argumento para justificar o fracasso de muitas crianças. Acreditar que a constituição genética determina a vida escolar dos indivíduos permite que se tomem como naturais processos de exclusão produzidos socialmente. É preciso compreender que a inteligência é construída histórica e socialmente. Como nos ensina Vigotski, a aprendizagem dos conhecimentos científicos propiciada pela educação escolar desempenha um papel decisivo em todo o desenvolvimento intelectual da criança, já que o antecipa, atuando em áreas nas quais as possibilidades da criança ainda não estão inteiramente organizadas. Este texto sobre as contribuições de Vigotski contou com a honrosa e gentil colaboração da professora doutora Marisa Eugênia Melillo Meira, grande estudiosa da obra deste autor. ************************** 22 1.1.2. Jean Piaget (1896-1980) biólogo e epistemólogo suíço. Os estudos de Piaget estiveram sempre ligados ao sujeito epistêmico, isto é, ao sujeito do conhecimento, decorrendo daí a elaboração de uma teoria sobre a gênese do conhecimento humano, também chamada epistemologia genética ou perspectiva construtivista. Piaget dedicou a maior parte de seus estudos aos problemas da educação, contudo, nunca chegou a realizar pesquisas no interior da escola ou sobre a escola, nem tampouco pesquisou estudantes, professores e desempenho escolar. Suas pesquisas com crianças foram realizadas observando o desenvolvimentoe o comportamento de seus três filhos. Junto com seus colaboradores pesquisaram como as crianças resolvem e compreendem problemas relacionados ao conhecimento científico. O objetivo permanente de suas pesquisas foi observar e caracterizar os níveis pelos quais crianças e jovens passavam para estruturar seus conhecimentos. A teoria apresentada por Piaget, no início do século XX, destacou a necessidade do papel ativo do sujeito diante do conteúdo a ser aprendido. De acordo com seus estudos, não basta apenas o sujeito ter contato com o objeto de conhecimento; por meio de suas potencialidades e características próprias, o sujeito age sobre o objeto de conhecimento a fim de adquiri-lo e transformá-lo, atribuindo-lhe alguma aplicação, imediata ou não. A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA DE JEAN PIAGET Epistemologia é o que chamamos de teoria do conhecimento na qual buscamos entender a natureza, as etapas e os limites do conhecimento humano. A epistemologia busca responder às perguntas: o que é conhecer? O que podemos conhecer? Como podemos conhecer? O que nos motiva a conhecer? Para Piaget, além de estudar o conhecimento, como sugere a epistemologia, é preciso também que seja estudada as origens do conhecimento, sua gênese. Daí o termo epistemologia genética. Piaget considera o homem como um ser ativo na construção do conhecimento. Sendo, portanto, o homem construtor do seu próprio conhecimento. 23 Segundo ele o individuo passa por quatro estágios ou períodos de desenvolvimento. Cada um destes estágios ou períodos é importante para o outro, constituindo um processo contínuo. Tais estágios não são, portanto, independentes e não se concluem em idades exatas, mas aproximadas. Os quatros estágios ou períodos se dividem em: Período sensório motor: Nesta fase ocorrem os exercícios de reflexos como a sucção. Cada reflexo configura-se em um esquema. Engolir, tossir, agarrar são exercícios de reflexos. Cada descoberta da criança, como um novo objeto, por exemplo, gera uma nova sensação e constrói um novo esquema. Este novo esquema, que é adequadamente assimilado à estrutura mental da criança adquire um conjunto de significações no processo de reação circular primária. Período pré-operatório: Esse período tem uma duração de tempo que vai do 18° mês aos 8 anos de idade, aproximadamente. Nesse período a criança busca adquirir a habilidade verbal nomeando objetos e raciocinando intuitivamente. Através da função simbólica o indivíduo substitui um objeto por uma representação. Um objeto pode existir independente de seu campo de visão. Nesse estágio, o indivíduo é egocêntrico e não consegue se colocar no lugar do outro. Os desejos, as motivações e todas as características conscientes morais e afetivas são atribuídas às coisas. Período operatório ou das operações concretas: Aqui começa a formar-se o pensamento lógico, e o indivíduo consegue interiorizar suas ações e pode construir o conceito de reversibilidade, ou seja, tem a capacidade de planejar e executar uma ação e avaliar seu caminho e resultado. Nesse estágio a linguagem escrita e o mundo dos números e da lógica são facilmente assimiláveis. Período das operações formais: Inicia-se por volta dos 12 anos, o raciocínio faz abstrações. O indivíduo torna-se capaz de raciocinar corretamente sobre proposições hipotéticas. As estruturas cognitivas alcançam seu nível mais elevado de desenvolvimento. Pode haver a abstração total. A representação agora permite ao indivíduo pensar logicamente, formular hipóteses e buscar soluções, sem depender só da observação da realidade. 24 OS PROCESSOS COGNITIVOS: ASSIMILAÇÃO E ACOMODAÇÃO Segundo a teoria piagetiana, são dois os processos que viabilizam o desenvolvimento destas etapas, a assimilação e a acomodação: A Assimilação é o processo cognitivo pelo qual um indivíduo integra um novo dado de percepção, motor ou conceitual às estruturas cognitivas prévias que podem permanecer invariáveis ou sofrer modificações. A assimilação pode ser compreendida como a incorporação de objetos da realidade a esquemas mentais preexistentes. A Acomodação é o processo cognitivo pelo qual o indivíduo, depois de equilibrar um novo dado à sua estrutura cognitiva prévia, seja por meio de modificação deste esquema ou por construção de um novo esquema, ajusta o novo dado acomodando-o. A acomodação se refere às modificações dos esquemas de assimilação para incluir novos conhecimentos. Piaget foi um dos primeiros autores a chamar a atenção não somente para a importância do papel ativo do aprendiz, como também do erro no processo da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo. O processo de ensino e aprendizagem quando observa e estimula os estágios do desenvolvimento da criança, facilita a internalização dos conceitos e cria condições para que os educandos aperfeiçoem seus saberes em conjunto com a comunidade, seja a escola, a família ou outras. A descoberta fundamental de Piaget foi de que os indivíduos constroem seu próprio entendimento e que a aprendizagem é um processo longo, complexo e construtivo. De acordo com Piaget, os processos de pensamento mudam de maneira radical, ainda que lentamente, desde o nascimento até a maturidade porque o sujeito está constantemente lutando para atribuir sentido ao mundo. Na perspectiva piagetiana o erro é entendido como importante oportunidade para que o professor conheça as hipóteses dos estudantes sobre determinado objeto de ensino. Assim, pode fazer intervenções pontuais, atendendo às diferentes necessidades observadas na aprendizagem de seus alunos, enquanto vai reorientando a sua ação pedagógica. Piaget destacou que é por meio de constantes desequilíbrios e equilibrações que se constitui o desenvolvimento cognitivo. Essa constatação revelou a fundamental importância da cooperação entre indivíduos para o desenvolvimento do pensamento, 25 justamente por esta relação provocar nos envolvidos tanto o equilíbrio como as reequilibrações necessárias. O desequilíbrio se dá quando acontece o chamado conflito cognitivo, e este surge quando o esquema mental que o indivíduo possui já não satisfaz as necessidades exigidas nas situações em que vive. Assim, o sujeito busca um novo estado de equilíbrio que reestabeleça a sua relação com o meio em que vive. Nesse processo são acionados os mecanismos de assimilação e acomodação. Essa relação de equilíbrio entre assimilação e acomodação é chamada de adaptação. Dessa forma chega-se a ação assimiladora que permite ao sujeito fazer escolhas, ser seletivo, na aquisição daquilo que necessita ou deseja. Do mesmo modo que o que foi assimilado preenche uma necessidade do sujeito, também traz a ele um novo o incômodo, ou seja, outro desequilíbrio, o de não se dar por satisfeito diante dessas alteridades. Ao ver que não pode alterar essa realidade, o sujeito recorre a um outro jeito para resolver a situação e restabelecer o equilíbrio, assim ele vai se modificando para assimilar o que julga estranho em seu meio, o que lhe causou perturbação (processo de acomodação). Nesse constante processo de assimilação e acomodação, o indivíduo vai construindo sua identidade como sujeito. ************************** 26 1.1.3 Henri Wallon (1879-1962) médico, psicólogo e educador francês. Os estudos de Wallon chamam a atenção para os aspectos emocional, afetivo e sensível do ser humano. Para ele, condutas do tipo cognitivo, além da memória e da erudição são precedidas pela afetividade. De acordo com a perspectiva walloniana, o desenvolvimento intelectual se dá por meio da integração das funções como a afetividade que estabelece relação com o social, e a inteligência, que atende às situações do mundo físico, para a construção do objeto. Nessa relação permanente essas funções se interagem dando centralidade para a construçãoda personalidade humana, caracterizando-se assim, como um fator determinante no desenvolvimento intelectual de cada indivíduo. Entretanto, pouco valor tem sido atribuído ao papel da emoção na formação do indivíduo nos modelos tradicionais de ensino. Na visão de Wallon (1989), a escola deve compreender a criança como um ser total, ativo e concreto que vive em permanente relação com o meio social. Nessa perspectiva fundamentou suas ideias em quatro elementos básicos que se entrelaçam permanentemente: a afetividade, o movimento, a inteligência e a formação do eu como pessoa. Bastante politizado e apaixonado educador, repudiava o fato de haver reprova nas escolas, entendia a reprovação como sinônimo de expulsão, exclusão, ou seja, formas de tratamento que leva o aluno à própria negação do ensino. Wallon, as emoções têm papel preponderante no desenvolvimento do indivíduo, uma vez que, por meio delas são exteriorizados os seus desejos e suas vontades. Dessa forma, a escola deve compreender como se expressam essas manifestações nos alunos para que possa conhecer seu universo e suas necessidades. Mesmo antes do surgimento da linguagem falada, os bebês já estabelecem uma comunicação com significado, onde são interpretados e compreendidos entre os humanos, construindo assim, o primeiro sistema de comunicação expressiva. Estes processos comunicativos-expressivos acontecem em trocas sociais como a imitação. É imitando que a criança vai construindo, lentamente, a sua participação no mundo e se definindo como indivíduo singular, formando sua subjetividade. O desenvolvimento humano, segundo Wallon (1989), é marcado por momentos de crise, uma criança ou um adulto não são capazes de se desenvolver sem conflitos. A 27 criança se desenvolve com seus conflitos internos e, para ele, cada estágio estabelece uma forma específica de interação com o outro, é um desenvolvimento conflituoso. Tanto Vygotsky como Wallon acreditam que o social é imprescindível para o desenvolvimento humano. É a cultura e a linguagem que fornecem ao pensamento os elementos essenciais o sujeito para evoluir e se reinventar. A função cognitiva social é muito flexível, não existe uma linearidade no desenvolvimento e é por isso mesmo, que sofre crises, rupturas, conflitos, retrocessos, num contínuo movimento que leva ao crescimento. ************************** 28 1.1.4. David Ausubel (1918-2008) pesquisador norte-americano "O fator isolado mais importante que influencia o aprendizado é aquilo que o aprendiz já conhece". APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA SEGUNDO AUSUBEL Aprendizagem significativa é o processo através do qual um novo conhecimento se relaciona de maneira não arbitrária e substantiva à estrutura cognitiva do aprendiz. É no curso da aprendizagem significativa que o significado lógico do material de aprendizagem se transforma em significado psicológico para o sujeito. Para Ausubel (1963), a aprendizagem significativa é o mecanismo humano, por excelência, para adquirir e armazenar a vasta quantidade de ideias e informações representadas em qualquer campo de conhecimento. NÃO-ARBITRARIEDADE e SUBSTANTIVIDADE: CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DA APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA. Não-arbitrariedade quer dizer que um conteúdo potencialmente significativo se relaciona de maneira não-arbitrária com o conhecimento já existente na estrutura cognitiva do aprendiz. Ele quer dizer com isso, que o relacionamento não se dá com qualquer aspecto da estrutura cognitiva, mas sim com conhecimentos especificamente relevantes e preexistentes no sujeito, os quais Ausubel chama subsunçores. Os conhecimentos prévios, isto é, o que o sujeito já tem sobre um determinado objeto, servem para a incorporação, compreensão e fixação de novos conhecimentos quando estes “se ancoram” em conhecimentos especificamente relevantes (subsunçores) preexistentes na estrutura cognitiva. Novas ideias, conceitos, proposições, podem ser aprendidos significativamente, desde que, sejam relevantes e inclusivos, e estejam adequadamente claros e disponíveis na estrutura cognitiva do sujeito para que funcionem como pontos de “ancoragem” aos primeiros (aos preexistentes). Substantividade significa que o que é incorporado à estrutura cognitiva é a substância do novo conhecimento, das novas ideias, não as palavras precisas usadas para expressá-las. O mesmo conceito ou a mesma proposição podem ser expressos de diferentes maneiras, equivalentes em termos de significados. 29 A essência do processo da aprendizagem significativa deve estar relacionada a algum aspecto relevante da estrutura de conhecimento do sujeito, isto é, a algum conceito ou proposição que já lhe é significativo e adequado para interagir com a nova informação. É desta interação que emergem, para o aprendiz, os significados dos materiais potencialmente significativos (ou seja, suficientemente não arbitrários e relacionáveis de maneira não arbitrária e substantiva a sua estrutura cognitiva). É também nesta interação que o conhecimento prévio se modifica pela aquisição de novos significados. ************************** 30 1.1.5 Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997), educador, pedagogista e filósofo brasileiro. Dialogicidade, criticidade, politicidade, libertação, práxis revolucionária são conceitos presentes na obra de Freire. Paulo Freire desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente político. Para ele, o objetivo maior da educação é conscientizar o aluno, e isso significa levá-lo a conhecer a realidade das parcelas desfavorecidas da sociedade, para que ele possa entender a situação de oprimidas e agir em favor da própria libertação. “Trata-se de aprender a ler a realidade (conhecê-la) para em seguida poder reescrever essa realidade (transformá-la)", dizia Freire. Segundo ele, a alfabetização é um modo de os desfavorecidos romperem com a "cultura do silêncio" e transformar a realidade, "como sujeitos da própria história". CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE PARA A EDUCAÇÃO Nasceu no Recife, Pernambuco, uma das regiões mais pobres do país. Trabalhou como educador inicialmente no SESI (Serviço Social da Indústria) e no Serviço de Extensão Cultural da Universidade do Recife. Em 1946 assume como diretor do Departamento de Educação e Cultura do Serviço Social no Estado de Pernambuco e começa a lecionar para analfabetos pobres. Em Angicos no ano de 1963, ensinou 300 adultos a ler e escrever em 45 dias. Sua metodologia tinha como pressuposto um trabalho de educação que identifica a alfabetização com um processo de conscientização que deve capacitar o trabalhador oprimido tanto para a leitura e escrita quanto para a sua libertação como sujeito na construção de sua própria história. Sua contribuição para a educação é referência mundial, sua obra e ensinamentos têm sido reconhecidamente utilizada e valorizada fora do Brasil, aqui chegou a ser perseguido e preso acusado de comunista. É hoje o patrono da educação brasileira, mas muito ainda temos de aprender sobre seus ensinamentos para que a nossa educação se emancipe emancipando pessoas. No seu livro Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire aponta os saberes necessários à prática educativa, onde afirma que o ensino que se pretende emancipador exige: 31 rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, estética e ética, corporeificação das palavras pelo exemplo, risco, entre outros saberes. O conhecido processo de alfabetização de Freire cunha o termo “leitura do mundo”, essa leitura do mundo para ele precede a leitura da palavra, uma vez que a pessoa antes de ser alfabetizada, implicitamente já sabe ler a vida. Porque primeiro de tudo, lê-se o mundo, que significa ler os signos: as coisas, os objetos, os sinais, etc. E assim se aprende a conhecer a vida e os seus significados.E quando vê palavras e frases relacionadas a figuras já é capaz também de estabelecer relações de sentido sobre o conteúdo das escrituras. Segundo Freire, todo educando deve, antes de tudo, fazer a sua própria leitura, pois ela é única. OS SABERES NECESSÁRIOS À DOCÊNCIA NA PERSPECTIVA DE PAULO FREIRE: Criatividade: A beleza e a criatividade não podiam viver escravas da devoção à correção gramatical. Essa compreensão me ensinou que a criatividade precisava de liberdade. (Freire, 1986, p.31). Continuidade na formação: Aprendi como ensinar a medida em que mais amava ensinar e mais estudava a respeito. (Freire, 1986, p. 38). Um professor que não leva a sério sua prática docente, que, por isso mesmo, não estuda e ensina mal o que mal sabe, que não luta para que disponha de condições materiais indispensáveis à sua prática docente, se proíbe de concorrer para a formação da imprescindível disciplina intelectual dos estudantes. Anula-se, pois, como professor. (Freire, 1992, p. 83). Para que, porém, disse ontem e repito agora, quem sabe possa ensinar a quem não sabe é preciso que, primeiro, quem sabe saiba que não sabe tudo; segundo, que, quem não sabe, saiba que não ignora tudo. (Freire, 1992, p.188). Quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. (Freire, 1996, p. 25). Ao ser produzido, o conhecimento novo supera outro que antes foi novo e se fez velho e se "dispõe" a ser ultrapassado por outro amanhã. (Freire, 1996, p. 31). Participação – Acho que se fosse possível a muitos dos professores que só trabalham dentro da escola, presos a programas, horários, bibliografias, fichas de avaliação, que se expusessem ao dinamismo maior, à maior mobilidade que se encontra dentro dos movimentos sociais, eles poderiam aprender sobre uma outra face da educação que não se encontra nos livros. (Freire, 1986, p. 53). Enquanto a prática bancária, como enfatizamos, implica uma espécie de anestesia, inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento da 32 realidade. A primeira pretende manter a imersão; a segunda, pelo contrário, busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade. (Freire, 1986, p. 70). Instigar o aluno: Raramente fomos provocados por uma reinvenção criativa da linguagem sob nossos olhos, de um modo excitante, em que a linguagem nos obrigasse a repensar a maneira de ver a realidade. (Freire, 1986, p. 54). Comunhão entre o professor e o aluno: não posso deixar os estudantes entregues a si mesmos, por estar tentando ser um educador libertador. (...) Tenho que ser radicalmente democrático, responsável e diretivo. Não diretivo dos estudantes, mas diretivo do processo no qual os estudantes estão comigo. Enquanto dirigente do processo, o professor libertador não está fazendo alguma coisa aos estudantes, mas com os estudantes. (Freire, 1986, p. 61). O professor, portanto, não é o ponto final do desenvolvimento que os estudantes devem alcançar. Os estudantes não são uma frota de barcos tentando alcançar o professor que já terminou e os espera na praia. O professor também é um dos barcos da frota. (Freire, 1986, p. 66). Sempre tento me relacionar com os alunos como se estes fossem sujeitos cognoscentes, pessoas que estão comigo, engajadas no processo de conhecer alguma coisa comigo. (Freire, 1986, p. 204). Ser irrequieto: os professores poderão dizer que leem as revistas e os novos livros técnicos e se mantêm atualizados em sua própria área, desse modo renovando-se sempre. Vão a conferências e seminários de professores para ouvir novas ideias. Mas, a noção de militância é diferente. O processo libertador não é só um crescimento profissional. É uma transformação ao mesmo tempo social e de si mesmo, um momento no qual aprender e mudar a sociedade caminham juntos. (Freire, 1986, p. 66). Criticidade: O educador tradicional oferece formação profissional de uma forma que fortalece o controle que a ideologia dominante tem sobre a consciência do estudante. O treinamento não revela a política de realização desse tipo de trabalho. O professor libertador não mistifica os empregos, as carreiras ou o trabalho, mas coloca questões críticas à medida que as ensina. (Freire, 1986, p. 86). Ensinar e aprender têm que ver com o esforço metodicamente crítico do professor de desvelar a compreensão de algo e com o empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando como sujeito em aprendizagem, no processo de desvelamento que o professor ou professora deve deflagrar. (Freire, 1996, p.134). Ser político: O professor é inevitavelmente responsável por iniciar o processo e dirigir o estudo. A escolha dos objetivos torna impossível a neutralidade. Ao dirigir um curso e pelas relações sociais do discurso em classe, todo professor exprime sua opção política. Escolhemos os livros a ler, as perguntas a serem feitas, o modelo da sala de aula — tudo isso envolve nossa política. (Freire, 1986, p. 187). Conhecimento prévio sobre o aluno – Mas, o que tenho que saber é que, apesar de que, possivelmente, saiba mais do que os alunos que vêm trabalhar comigo, eles também são capazes de saber, e eles já sabem também muitas coisas quando nos reunimos na sala de aula. (Freire, 1986, p. 213). 33 Preciso reaprender o que acho que sei, na medida em que os educandos conhecem junto comigo e entre eles. Também tenho que esclarecer que o ponto de partida para que eles experimentem algum objeto cognoscível, que eu proponho, não pode ser minha compreensão do objeto e da realidade. Isto significa que os professores devem ter algumas indicações sobre como os alunos estão compreendendo sua própria realidade, de maneira diferente da realidade do professor. Também preciso saber quais são algumas das principais expectativas dos alunos, quando chegam para esta aula. (Freire, 1986, p. 213). Eles entenderam você mas precisavam de que você os entendesse. Esta é a questão. (Freire, 1992, p. 28). Quando entro em uma sala de aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho — a de ensinar e não a de transferir conhecimento.(Freire, 1996, p. 52). Não é possível respeito aos educandos, à sua dignidade, a seu ser formando-se, à sua identidade fazendo-se, se não se levam em consideração as condições em que eles vêm existindo, se não se reconhece a importância dos "conhecimentos de experiência feitos" com que chegam à escola. O respeito devido à dignidade do educando não me permite subestimar, pior ainda, zombar do saber que ele traz consigo para a escola. (Freire, 1996, p. 71). • Sonhar: Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas também uma conotação da forma histórico-social de estar sendo de mulheres e homens. Faz parte da natureza humana que, dentro da história, se acha em permanente processo de tornar-se. (Freire, 1992, p. 91). Quanto menos exercitarem a aprendizagem política de comprometer-se com uma utopia, quanto mais se tomarem abertas aos discursos "pragmáticos", tanto melhor dormirão as classes dominantes. (Freire, 1992, p. 92). • Ser pesquisador: o momento em que conhecemos o conhecimento existente é preponderantemente o da docência, o de ensinar e aprender conteúdos e o outro, o da produção do novo conhecimento, é preponderantemente o da pesquisa. Na verdade, porém, toda docência implica pesquisa e toda pesquisa implica docência. Não há docência verdadeira em cujo processo não se encontre a pesquisa como pergunta, como indagação, como curiosidade, criatividade, assim como não há pesquisa em cujo andamento necessariamente não se aprenda porque se conhece e não se ensinaporque se aprende. (Freire, 1992, p. 192 e 193). Enquanto ensino continuo buscando, (re)procurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (Freire, 1996, p. 32). • Rigor: Quanto mais me torno rigoroso na minha prática de conhecer tanto mais, porque crítico, respeito devo guardar pelo saber ingênuo a ser superado pelo saber produzido 34 através do exercício da curiosidade epistemológica. (Freire, 1996, p. 71). • Curiosidade: O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos. (Freire, 1996, p. 96). Satisfeita uma curiosidade, a capacidade de inquietar-me e buscar continua em pé. Não haveria existência humana sem a abertura de nosso ser ao mundo, sem a transitividade de nossa consciência. (Freire, 1996, p. 98). Em seu livro A Pedagogia do Oprimido, Freire expõe a condição do oprimido e nos convoca refletir sobre os problemas e a lutar para superar esta condição. Por meio de perspectiva dialógica, Freire aborda eixos temáticos na pedagogia do oprimido a partir de dados concretos da realidade social e educacional que permanecem válidas até os dias atuais do século XXI. Estudar a obra de Paulo Freire é fundamental para o educador perceber as razões pelas quais a educação pode vir a ser o meio transformador de uma sociedade que deve ser humanizada e transformada para o bem de todos. ************************** 35 MINICURSO PARA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES TEMA: ELABORAÇÃO DE PLANO DE TRABALHO DOCENTE MÓDULO I: O EMBASAMENTO TEÓRICO NA PRÁTICA-PRÁXIS DURAÇÃO: 4 HORAS (com intervalo: 20’) PÚBLICO ALVO: Docentes da Educação básica Pauta sintetizada (MODELO DE PAUTA SINTETIZADA) 1. MOBILIZAÇÃO: Leitura compartilhada do texto imagem do livro: ZOOM – de Istvan Banyai – apresentado em Power Point show. 2.Breve debate sobre as relações do texto com trabalho educativo. 3.Apresentação do tema pela formadora e problematizações relativas a ele. 4.Divisão em grupos para estudo das teorias de Piaget,Vigotski,Wallon, Freire e Ausubel. CAFÉ COM PROSA 5.Apresentação dos grupos em plenária e problematizações da formadora: 6.Considerações finais e indicação de leitura para o próximo módulo. PAUTA EXPANDIDA DO MÓDULO I – (UM MODELO POSSÍVEL) Rede de Ensino: Nome da Unidade Escolar: Reunião de Formação Docente 1º Módulo Data: ..../..../.... Identificação Além de dar um tom oficial ao documento, o cabeçalho ajuda a localizá-lo em caso de consultas para os planejamentos futuros. Objetivos: Apresentação da pauta e dos objetivos da reunião – Duração 10 minutos Deixar claro o que se quer alcançar, as metas de aprendizagem, relacionando-as com as estratégias que serão desenvolvidas ao longo da reunião. Conteúdos: Embasamento teórico que sustentam a concepção de ensino adotada Optar por trabalhar somente um tema por vez, dependendo da complexidade. Materiais - Textos com sínteses de cada autor e teoria educacional correspondente - Livro ZOOM. - Data show – textos impressos – papel sulfite e canetas. Definir e especificar os objetos necessários aos estudos faz com que eles sejam providenciados com antecedência, além de evitar improvisações que prejudiquem a programação. 36 DESENVOLVIMENTO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 1. MOBILIZAÇÃO: Leitura compartilhada do texto imagem do livro: ZOOM – de Istvan Banyai – apresentado em Power Point show. Dinâmica: Pedir, antes de apresentar o vídeo, para cada professor escrever numa folha de papel uma palavra que estabeleça alguma relação com cada imagem apresentada na sequência das páginas do livro. Reflexão coletiva: Ler este livro é uma provocação aos sentidos, pois sem palavras, pode ser 'lido' tanto de começo para o fim, como de trás para frente. Estimular reflexões sobre como as mesmas coisas podem ser vistas de formas diferentes por cada um e de como as visões e as ideias podem ser mudadas conforme a forma, o ângulo ou o ponto de vista. Isso para todas as que vemos. Nesta aventura surpreendente, e filosófica, nada pode ser o que parece ao primeiro olhar. Olhar reflexivo: Ao final da apresentação, cada participante vai expor ao grupo que palavras foram associadas às imagens. Em seguida estabelecer um diálogo crítico e reflexivo sobre o que faz com que tenhamos tais ideias ou levantemos tais hipóteses sobre o que vemos ou sentimos. Estimular reflexões quanto aos diversos fatores sociais, afetivos, cognitivos, históricos etc. que compõem o universo particular de cada ser humano, buscando relacionar esses saberes às condições de cada sujeito dentro de uma comunidade, uma sala de aula ou no mundo. Duração: 20 minutos Introdução sobre os conceitos teóricos que permeiam o cotidiano escolar que muitas vezes são utilizados sem o conhecimento de onde foi originado, quem são seus autores, e as ideologias defendidas por seus autores. Ler uma síntese sobre 5 teóricos e suas contribuições para o ensino-aprendizagem, relacionando-as com o público alvo e ao atendimento dessas concepções no plano prático do trabalho educativo. Tempo = 1h50 2. LEVANTAMENTO DE CONHECIMENTOS PRÉVIOS: Problematizar a relação existente entre algumas terminologias muito comuns no cotidiano escolar e os seus respectivos cunhadores: como levantamento de conhecimentos prévios, agrupamento produtivo, análise do erro, dialogicidade, aprendizagem significativa, assimilação e acomodação, substantividade, corporeificação, politização, rigorosidade metódica, afetividade, e outras. Buscar nessa dinâmica uma ligação entre prática, teoria e prática, a fim de levantar desequilibrações que permitam estabelecer novas reflexões sobre a práxis pedagógica. Duração: 10 minutos 3.SISTEMATIZAÇÃO: Dividir a equipe em 5 grupos sendo que cada um deles tirará na sorte um número referente ao teórico que deverá ser objeto de estudo e elaboração de síntese a ser apresentada em plenária após o intervalo. Duração: 1h minutos 37 Intervalo = 20 minutos Café com prosa PLENÁRIA Cada grupo terá no máximo 10 minutos para apresentar o uma síntese das contribuições de cada teórico para a educação, e, se possível identificar a presença dessas contribuições em suas próprias práticas pedagógicas. Duração: 1h minutos ATIVIDADE MEDIADA Apresentar em power point um Plano de Trabalho Docente de um autor anônimo para uma análise crítica e reflexiva da produção docente. Em duplas os professores deverão analisar o documento em busca de identificar alguma teoria(s) presente nas estratégias utilizadas pelo autor do PTD. Essa atividade visa promover uma reflexão crítica pautada pela ética quanto ao cuidado com a avaliação de um trabalho escolar e a rigorosidade metódica exigida na atividade educativa. Duração: 30 minutos - Socializar o que foi levantado nas análises com criterioso olhar para as aproximações e distanciamentos em relação a presença ou não de fundamentação teórica observados no trabalho analisado pelos grupos. AVALIAÇÃO e Comentários Planejar um espaço para indicar se as ações realizadas contribuíram com o objetivo da formação e descrever situações que tenham saído do planejamento, sugerindo melhorias. Duração: 20 minutos Finalizar com uma mensagem otimista. Anunciar o conteúdo do próximo módulo e a data do encontro. 38 MÓDULOII - O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO e o CURRÍCULO ESCOLAR * Professor, antes de elaborar o seu Plano de Trabalho Docente é essencial ter conhecimento sobre o Projeto Político Pedagógico (PPP) e o Currículo da sua escola. E, preferencialmente, participar de sua construção e execução. O QUE É PPP? (Projeto Político Pedagógico) Projeto vem do latim projectu, que significa lançar para diante. É prever um futuro diferente que supere os problemas do presente. É Político, no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade que se almeja construir. É Pedagógico, no sentido de definir as ações educativas adequadas às condições da escola e às necessidades dos usuários, cumprindo os propósitos políticos definidos anteriormente. Entendemos, portanto, que é pela ação pedagógica que se dá a operacionalização da decisão política do ensino. Segundo Veiga (1998, p.2) “todo projeto pedagógico é um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária”. Para Saviani (1983, p. 93), "A dimensão política se cumpre na medida em que ela se realiza enquanto prática especificamente pedagógica" Portanto o projeto político-pedagógico é muito mais que um conjunto de ideias e planos de ação didático-pedagógicos. Sua construção depende da união e participação de todos os envolvidos e interessados na sua plena realização, pois servirá de referência norteadora para todos e em todos os âmbitos da ação educativa da escola. “Político e pedagógico têm assim uma significação indissociável” (VEIGA 1998, p. 2). O projeto político-pedagógico deve ser entendido por todos da escola como uma bússola a orientar as ações educativas em direção à superação dos obstáculos que aprisionam a aprendizagem. Devendo se constituir num objeto de permanente análise, reflexão, discussão, revisão e regulação em direção ao objetivo definido coletivamente. Essa é uma relação de reciprocidade real e necessária entre as duas dimensões da escola, a política e a pedagógica, e para que se realizem plenamente requer que sejam claramente compreendidas em suas funções. Desse modo, o projeto político-pedagógico tem a ver com a organização do trabalho pedagógico em dois níveis: como organização da escola como um todo e 39 como organização da sala de aula, incluindo sua relação com o contexto social imediato, procurando preservar a visão de totalidade. Consideraremos a contribuição da Pedagogia Histórico-Crítica como referencial teórico-prático ao processo de ensino escolar fazendo uso desta perspectiva teórico- metodológica, para a qual a prática de planejamento e sua aplicação é uma condição para a organização do ensino formativo necessário ao processo de formação docente e discente. A prática dialética utilizada no processo de formação docente fundamenta-se nos pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica, cujo método de investigação e de elaboração do conhecimento científico tem sua base no materialismo histórico-dialético de Marx. A teoria Histórico-Cultural de Vigotski, que utiliza o mesmo método científico, servirá de aporte teórico a este estudo para o entendimento da relação do ensino e aprendizagem como processos indissociáveis, ambos contribuem para a formação tanto de professores como dos alunos. Este planejamento de trabalho, baseia- se na perspectiva teórico-metodológica, como instrumento significativo de formação docente, por estar apoiado no processo dialético do ensino e da aprendizagem escolar que decorre da relação prática-teoria-prática que se estabelece no âmbito da práxis pedagógica. O processo de conhecimento na perspectiva Histórico-crítica, considera o trabalho como uma prática inerente ao ser humano, que é o único ser capaz de transformar a natureza para atender às suas necessidades materiais. A ação exercida sobre a materialidade faz o homem criar e produzir o que precisa, ampliando as suas condições de vida nas relações que permanentemente estabelece com o meio e com os outros pares, conduzindo dialeticamente o processo de transformação. É por meio dessa perspectiva que as práticas pedagógicas são compreendidas tendo como base o desenvolvimento histórico da sociedade. A base teórico-metodológica desenvolvida com Marx e Engels afirma: A primeira realidade histórica é, portanto, a produção dos meios que permitam satisfazer tais necessidades, a produção da própria vida material, e de fato esse é um ato histórico, uma exigência fundamental de toda a história, e que devemos, hoje como há milhares de anos, executar dia a dia, hora a hora, simplesmente para manter vivos os homens. (MARX e ENGELS,1965, p.23) Nesta perspectiva, é importante ressaltar que o projeto político-pedagógico busca a organização do trabalho pedagógico da escola em sua globalidade. A principal 40 possibilidade de construção do projeto político-pedagógico passa pela relativa autonomia da escola, de sua capacidade de delinear sua própria identidade. Isto significa resgatar a escola como espaço público, local de debates de ideias, de diálogo, fundamentado na reflexão coletiva, na participação ativa e na gestão democrática. O projeto é pedagógico porque se propõe a realizar no plano da sala de aula um conjunto de atividades educativas que julga ser adequada para desenvolver nas crianças as competências necessárias para seu pleno desenvolvimento. Na dimensão pedagógica reside a possibilidade da efetivação da intencionalidade da escola, que é a formação do cidadão participativo, responsável, compromissado, crítico e criativo. Pedagógico, no sentido de definir as ações educativas e as características necessárias às escolas de cumprirem seus propósitos e sua intencionalidade. O CURRÍCULO ESCOLAR O currículo configura-se como o conjunto de valores e práticas que proporcionam a produção, a socialização de significados no espaço social, e contribuem intensamente para a construção de identidades socioculturais dos educandos. (BRASIL, 2010, p. 4). Existem diferentes formas de se referir àquilo que os alunos devem aprender, como: currículo, base curricular, expectativas de aprendizagem. O Ministério da Educação não adota uma definição sobre currículo. No texto do documento que detalha as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica , os autores dizem: “Toda política curricular é uma política cultural, pois o currículo é fruto de uma seleção e produção de saberes: campo conflituoso de produção de cultura, de embate entre pessoas concretas, concepções de conhecimento e aprendizagem, formas de imaginar e perceber o mundo. Assim, as políticas curriculares não se resumem apenas a propostas e práticas enquanto documentos escritos, mas incluem os processos de planejamento, vivenciados e reconstruídos em múltiplos espaços e por múltiplas singularidades no corpo social da educação”. No documento Indagações sobre Currículo / Currículo, Conhecimento e Cultura (2007) são apontados cinco pontos que a noção de currículo deve comportar: (a) a lista de conteúdos a serem ensinados e aprendidos; (b) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos; (c) os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais; (d) os objetivos a serem alcançados por http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag3.pdf 41 meio do processo de ensino; e (e) os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização. Um dos mais aspectos mais importantes a ser considerado ao refletir sobre o currículo é que ele não é um instrumento politicamente neutro, por ele passa uma ideologia, que a equipe escolar precisa identificar e conhecer, a fim de defender a supremacia da igualdade de direitos a que a escola teria o dever de zelar.
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