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Apostila Literatura Portuguesa IPEMIG

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LITERATURA PORTUGUESA 
1 
 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
BELO HORIZONTE / MG 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
2 
 
Sumário 
1 A LITERATURA E A CONSTRUÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA............................... 3 
2 A LÍRICA TROVADORESCA: CANTIGAS LÍRICAS (DE AMIGO, DE AMOR) E CANTIGAS 
SATÍRICAS (DE ESCÁRNIO E DE MALDIZER). ............................................................................... 5 
3 O TROVADORISMO (CANTIGAS LÍRICAS E CANTIGAS SATÍRICAS) ........................................ 5 
4 TROVADORISMO EM PORTUGAL ............................................................................................... 6 
5 CANCIONEIROS ........................................................................................................................... 9 
6 A FICÇÃO CAVALEIRESCA ........................................................................................................10 
7 TEATRO DE GIL VICENTE...........................................................................................................16 
8 GÊNEROS PRINCIPAIS, CRONOLOGIA E EVOLUÇÃO .............................................................17 
9 AUTO DA BARCA DO INFERNO .................................................................................................18 
10 PERSONAGENS .........................................................................................................................19 
11 ENREDO ..................................................................................................................................19 
11.1 Tempo e espaço .................................................................................................................... 21 
11.2 Biografia ................................................................................................................................ 21 
11.3 Trechos comentados ............................................................................................................. 22 
12 O PARADIGMA DO ESCRITOR CLÁSSICO – CAMÕES ............................................................22 
12.1 Biografia ................................................................................................................................ 23 
12.2 Morte ..................................................................................................................................... 23 
12.3 Características e obras .......................................................................................................... 24 
12.4 Os Lusíadas .......................................................................................................................... 24 
12.5 Curiosidade ........................................................................................................................... 25 
12.6 Poesias ................................................................................................................................. 25 
12.7 Frases de Camões ................................................................................................................ 27 
12.8 Poesia épica camoniana ........................................................................................................ 27 
13 BARROCO: NORMA E TRANSGRESSÃO; RELEITURAS DO LÍRICO E DO SATÍRICO: BOCAGE
 32 
14 BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................50 
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR .................................................................................................50 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
3 
 
1 A LITERATURA E A CONSTRUÇÃO DA NACIONALIDADE PORTUGUESA 
 
Do sentido de identidade nacional ao sentido de identidade individual 
 
 
Fonte: www.estudopratico.com.br 
 
Esta reflexão toma como exemplo das literaturas nacionais a Literatura Portuguesa, 
entendendo-a como entidade identificadora de um núcleo de obras literárias da autoria de 
indivíduos que escrevem e que publicam em língua portuguesa e que se identificam com o 
país que é Portugal. A definição é com certeza deficiente como quase todas as definições que 
se apresentam num período de turbulência epistemológica, como é o nosso atual, marcado 
por mudanças em todos os domínios, como tão bem sintetiza os pontos: resistências, 
mutações e linhas de fuga em relação a uma continuidade ou a um fim da concepção de 
literatura nacional. Deficiente ou não, a definição não se ajusta a outras literaturas em língua 
portuguesa, como são os casos da Literatura Angolana, Moçambicana, Bissau-guineense, 
Timorense, São Tomense e Cabo-Verdiana. Não se refere à Literatura Brasileira porque essa, 
sendo dotada há muito de uma identidade nacional forte e autônoma, é uma exceção em 
relação às outras mencionadas. 
 É comum considerar que as literaturas de língua portuguesa formam a entidade 
designada como Lusofonia, mas à medida que as políticas comuns esperadas e desejadas 
não surgem, a Lusofonia pode ser percebida por um número crescente de pessoas mais como 
um propósito de intenções benevolentes e formais e menos como uma prática efetiva de 
diálogo e de intercâmbio culturais verdadeiramente democrática entre os países de língua 
portuguesa. Fenômenos relativamente recentes como a inserção de Portugal na União 
Europeia, a internacionalização e a globalização têm sido determinantes para a mudança de 
paradigma no que diz respeito à identidade nacional implícita na designação de Literatura 
Portuguesa, aquela que é escrita, publicada e identificada com Portugal. Com efeito, a 
produção, a recepção e a institucionalização de obras portuguesas têm circulado no espaço 
cultural e artístico segundo lógicas e dinâmicas novas sobretudo desde finais da década de 
80. 
Parecem sobressair, então, três etapas na concepção e na representação da 
identidade nacional na Literatura Portuguesa, atendendo sobretudo a obras ficcionais: 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
4 
 
• A primeira etapa consiste na exaltação e na propagação da identidade nacional assente 
na noção de Pátria portuguesa; 
• A segunda etapa consiste no desvanecimento da questão da identidade nacional em 
obras que problematizem a identidade nacional portuguesa, posteriormente interpelada 
também por outras coordenadas decorrentes da integração na União Europeia. 
 
Na primeira etapa, podemos distinguir dois períodos: o romântico em que em obras 
paradigmáticas tais como Viagens na Minha Terra (1846) de Almeida Garrett e Eurico, o 
Presbítero (1843) de Alexandre Herculano, a língua e a nacionalidade portuguesas são 
entidades que outorgam identidade a pessoas individuais e coletivas que se encontram na 
sua posse. 
Findo o período romântico, e apesar da autonomia estética reivindicada por 
movimentos literários tais como o Simbolismo e o Modernismo literário portugueses, a noção 
de Pátria portuguesa mantém-se crucial para o entendimento da língua em geral e da língua 
literária em particular. 
 
 
Alexandre Herculano, escritor do Romantismo português. 
Fonte: www.portaldaliteratura.com 
 
Referente ao período abrangido pelo Modernismo português, o artigo de Osvaldo 
Manuel Silvestre, que desconstrói analiticamente a famosa frase de Bernardo 
Soares, no Livro do Desassossego: “Minha pátria é a língua portuguesa”, é 
esclarecedor quanto ao subtexto fortemente colonial da afirmação. Ora, esta frase tem servido 
de estandarte à Lusofonia na medida em que é considerada uma afirmação de teor pós-
colonial. Contestando esta interpretação comum, percebem-se vetores de cunho 
emancipatório e pós-colonial. 
 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
5 
 
2 A LÍRICA TROVADORESCA: CANTIGAS LÍRICAS (DE AMIGO, DE AMOR) E 
CANTIGAS SATÍRICAS (DE ESCÁRNIO E DE MALDIZER). 
 
O vocábulo lírico deriva de lira, instrumento musical muito utilizado pelos gregos a 
partir do século VII a.C. Chamava-selírica a canção que se entoava ao som das liras. Havia, 
pois um casamento entre a música e a palavra, o qual perdurou até o século XV, quando os 
poemas se distanciaram da música e passaram a ser lidos ou declamados. Por isso, a poesia 
lírica apresenta muitos elementos comuns à música: o ritmo, a melodia, a harmonia. 
 
 
Fonte: www.halloweencostumes.com 
 
O gênero lírico expressa uma realidade interna. É o texto no qual o eu-lírico exprime 
suas emoções, ideias e impressões sobre o mundo exterior. Normalmente, é usada a 1ª 
pessoa, e há predomínio da função poética da linguagem. Pertencem a esse gênero os 
poemas em geral. 
 
3 O TROVADORISMO (CANTIGAS LÍRICAS E CANTIGAS SATÍRICAS) 
 
Contexto Histórico 
A Idade Média foi um longo período da história que esteve marcado por uma sociedade 
religiosa. Nele, a Igreja Católica dominava inteiramente a Europa. Nesse contexto, o 
teocentrismo (Deus no centro do mundo) foi sua principal característica. Sendo assim, o 
homem ocupava um lugar secundário e estava à mercê dos valores cristãos. Dessa maneira, 
a igreja medieval era a instituição social mais importante e a maior representante da fé cristã. 
Ela que ditava os valores e assim, agia diretamente no comportamento e no pensamento do 
homem. Esse sistema, chamado de feudal, estava baseado numa sociedade rural e 
autossuficiente. Nele, o camponês vivia miseravelmente e a propriedade de terra dava 
liberdade e poder. Naquele momento, somente as pessoas da Igreja sabiam ler e tinham 
acesso à educação. 
 
https://www.todamateria.com.br/idade-media/
https://www.todamateria.com.br/idade-media/
https://www.todamateria.com.br/idade-media/
 
LITERATURA PORTUGUESA 
6 
 
4 TROVADORISMO EM PORTUGAL 
 
Na Península Ibérica, o centro irradiador do Trovadorismo foi na região que 
compreende o norte de Portugal e a Galiza. Assim, a Catedral de Santiago de Compostela, 
centro de peregrinação religiosa, desde o século XI, atraía multidões. Ali, as cantigas 
trovadorescas eram cantadas em galego-português, língua falada na região. 
• Os trovadores provençais eram considerados os melhores da época, e seu estilo foi 
imitado em toda a parte. 
• O Trovadorismo português teve seu apogeu nos séculos XII e XIII, entrando em declínio 
no século XIV. 
O Rei D. Dinis (1261-1325) foi um grande incentivador que prestigiou a produção 
poética em sua corte. Foi ele próprio um dos mais talentosos trovadores medievais com uma 
produção de 140 cantigas líricas e satíricas aproximadamente. Além dele, outros trovadores 
obtiverem grande destaque: Paio Soares de Taveirós, João Soares Paiva, João Garcia de 
Guilhade e Martim Codax. 
Nessa época, as poesias eram feitas para serem cantadas ao som de instrumentos 
musicais. Geralmente, eram acompanhadas por flauta, viola, alaúde, e daí o nome “cantigas”. 
O cantor dessas composições era chamado de "jogral" e o autor era o "trovador". Já o 
"menestrel", era considerado superior ao jogral por ter mais instrução e habilidade artística, 
pois sabia tocar e cantar. 
O Trovadorismo foi a primeira manifestação literária da língua portuguesa. Surgiu no 
século XII, ainda na época da formação do Estado nacional português. Sua primeira 
manifestação foi em 1189 foi a Cantiga da Ribeirinha ou Cantiga da Garvaia, de Paio Soares 
de Taveirós. Os trovadores eram, em geral, artistas de origem nobre, que escreviam e 
cantavam as cantigas (poesias cantadas) com o acompanhamento de instrumentos musicais. 
A reunião em livro dos manuscritos ficou conhecida como 
“Cancioneiro”. Ao todo, são três: Cancioneiro da Biblioteca, Cancioneiro da Ajuda e 
Cancioneiro da Vaticana. 
Os artistas mais famosos são: Dom Duarte, Dom Dinis, Paio Soares de Taveirós, João 
Garcia de Guilhade e Aires Nunes. 
Este período da literatura portuguesa vai até o ano de 1418, época do início do 
Quinhentismo. Nessa época, a Igreja possuía considerável influência tanto no aspecto político 
e econômico, quanto no cultural, artístico e literário. Dessa forma, predominava a visão 
teocêntrica, voltada a Deus, sendo o homem bastante religioso e entregando sua vida à 
vontade divina. A Igreja Católica tinha uma função de destaque, influenciando inclusive as 
produções artísticas e literárias. 
No que diz respeito ao aspecto político-econômico, predominava o sistema 
denominado de “Feudalismo”, no qual o poder era descentralizado e o direito de governar 
concentrava-se nas mãos de um senhor feudal que tinha plenos poderes sobre todos os 
servos e vassalos que trabalhavam em suas terras. Este senhor, também chamado de 
“suserano”, cedia a posse de parte de suas terras a um vassalo, que, por sua vez, se 
comprometia a cultivá-las, repassando parte da produção ao senhor. Em troca, recebiam 
http://www.infoescola.com/literatura/poesia/
http://www.infoescola.com/literatura/poesia/
http://www.infoescola.com/literatura/quinhentismo/
http://www.infoescola.com/literatura/quinhentismo/
http://www.infoescola.com/literatura/quinhentismo/
http://www.infoescola.com/literatura/quinhentismo/
http://www.infoescola.com/historia/feudalismo/
http://www.infoescola.com/historia/feudalismo/
 
LITERATURA PORTUGUESA 
7 
 
proteção militar e judicial no caso de possíveis ataques e invasões. Essa relação de 
subordinação recebeu o nome de vassalagem. Tal característica, como será exposto a seguir, 
desempenha um papel fundamental na elaboração das cantigas. 
Escritas em galego-português, as cantigas são divididas em: Líricas (Cantigas de Amor 
e Cantigas de Amigo) e satíricas (Cantigas de Escárnio e Cantigas de Maldizer). Nas Cantigas 
de Amor, o trovador costumava destacar as qualidades da mulher amada, colocando-se 
sempre em posição de vassalo, termo que, na Idade Média, significa “inferior”. O tema mais 
desenvolvido é o do amor não correspondido. Postando-se como vassalo, o trovador espera 
receber da amada (suserana) um benefício em troca de seus “serviços” artísticos e amorosos. 
Quantos o amor faz padecer 
Penas que tenho padecido 
Querem morrer e não duvido 
Que alegremente queiram morrer. 
Porém enquanto vos puder ver, 
Vivendo assim eu quero estar 
E esperar, e esperar. 
 
Sei que a sofrer estou condenado 
E por vós cegam os olhos meus. 
Não me acudis; nem vós, nem Deus 
Mas, se sabendo-me abandonado, 
Ver-vos, senhora, me for dado. 
Vivendo assim eu quero estar E esperar, e esperar. 
GUILHADE, João Garcia de. In: CORREIA, Natália. Cantares dos trovadores galegoportugueses. 
 
As Cantigas de Amigo também versam sobre temas amorosos, no entanto, o eu-lírico 
é uma mulher, embora os autores fossem homens. Assim, o termo “amigo” assume o 
significado de “namorado”. O principal tema consiste na lamentação da mulher pela falta do 
amado. 
 
 Ondas do mar de Vigo 
 
Se vires meu namorado! 
Por Deus, (digam) se virá cedo! 
Ondas do mar revolto, 
 
Se vires o meu namorado! 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
8 
 
Por Deus, (digam) se virá cedo! 
Se vires meu namorado, 
Aquele por quem eu suspiro! 
Por Deus, (digam) se virá cedo! 
 
Se vires meu namorado 
Por quem tenho grande temor! 
Por Deus, (digam) se virá cedo! 
 Dom Diniz 
 
Nas Cantigas de Escárnio, as sátiras eram indiretas, com uso de duplo sentido, de 
modo que o nome da pessoa satirizada nunca aparecia. 
 
Sobre vós, senhora, eu quero dizer verdade 
E não já sobre o amor que tenho por vós: 
Senhora, bem maior é vossa estupidez 
Do que a de quantas outras conheço no mundo 
Tanto na feiura quanto na maldade 
Não vos vence hoje senão a filha de um rei 
Eu não vos amo nem me perderei 
De saudade por vós, quando não vos vir. 
 Pero Larouco 
 
Já nas Cantigas de Maldizer, haviam sátiras diretas e não raras eram as agressões 
verbais com o uso de palavrões. O nome da pessoa muitas vezes aparecia. 
 
O bela dama gorda, que anda pelos bosques a noite 
O que seráque queres com essas saias curtas? 
Estarás à procura de um pretendente? 
Ou apenas de uma diversão passageira 
Com rapazes vorazes para mostrar suas forças. 
Ó bela dona gorda, por que fazes isso? 
Provocar o desejo alheio e depois renunciar O que pretendes fazer agora, com sua fome 
enorme? 
Engolir o mundo e soltar os pedaços ao longe? 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
9 
 
Não sabes responder, pois suas formas globais não deixam. 
És a o barril de vinho da taverna, onde todos bebem 
Sem pudor nenhum de mostrar suas vergonhas ao dia 
Dá ao peito a quem é de direito, a não foges a luta 
É bela dama feia e gorda, nunca irás casar 
Nem com o belo cavaleiro de roupas azuis 
Que faz de sua espada, a faca perfeita 
Nos dias de festas e as carnes de javali. 
Não satisfaz suas vontades pervertidas e maldosas 
És apedrejada a cada canto que passas 
Sua reputação não é das melhores, nem exemplo 
O bela dama feia, gorda e velha, digna de pena 
Não se maltrate assim, não é preciso fazer isso 
Deixa sua avantajada cabeça pensar 
Ou já perdestes o dom de pensar? 
Achas que não, mas é o que parece, bela gorda 
Deixe os anos passarem e sua pele ficar, mas argilosa 
Perceberás que não poderá desfrutar das alegrias 
Que antes fazias e gozavas em demasiada euforia 
Sua época de outono chegou e o inverno logo chegará 
Com seu corpo imenso e pesado no mármore gelado 
É bela dama gorda, sente-se e tome um café. 
 
5 CANCIONEIROS 
 
Os Cancioneiros são os únicos documentos que restam para o conhecimento do 
Trovadorismo. Trata-se de coletâneas de cantigas com características variadas e escritas por 
diversos autores. Eles são divididos em: 
• Cancioneiro da Ajuda: Constituído de 310 cantigas, esse cancioneiro se encontra na 
Biblioteca do Palácio da Ajuda, em Lisboa, originado provavelmente no século XIII. 
• Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa: conhecido também pelo nome dos 
italianos que os possuíam, “Cancioneiro Colocci-Brancuti”, esse cancioneiro composto 
de 1.647 cantigas, foi compilado provavelmente no século XV. 
• Cancioneiro da Vaticana: originado provavelmente no século XV, esse cancioneiro 
está na Biblioteca do Vaticano composto de 1.205 cantigas. 
 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
10 
 
6 A FICÇÃO CAVALEIRESCA 
 
O conteúdo específico dessa virtude evolui e amplia-se com o correr do tempo e com 
a transição do poema épico ao livro de cavalarias, mas registra um núcleo semântico 
invariável que remete ao seu étimo latino, o verbo pode-se, ‘ser útil, aproveitar, beneficiar, 
servir de maneira excelente ou eminente’; trata-se assim de observar, em cada etapa de sua 
evolução, de que diferentes maneiras o guerreiro cristão demonstra sua utilidade ou 
capacidade de serviço, e, conforme a ela, como variam seus modos concretos de sobressair 
em excelência no exercício do ofício heroico que lhe é próprio, ou seja, na guerra, na política, 
na sociabilidade aristocrática. 
Se se examinam com cuidado os cantares de gesta franceses e castelhanos, a 
utilidade e a excelência do guerreiro definem-se claramente como um justo exercício da 
virtude vassálica relativa ao senhor, segundo os dois tipos concretos de serviço que 
distinguem o direito feudal, o auxilium e o consilium, quer dizer, a assistência na batalha e o 
conselho na corte, a guerra e a política – nos termos célebres de Santo Isidoro de Sevilha, a 
fortitudo e a sapientia. Porém, essa semântica restrita da virtude heroica cristã, tão clara e 
precisa nos poemas épicos primitivos, amplia-se já nos romanos franceses de matéria 
clássica e troiana no século XII e, muito mais notadamente, nas novelas de cavalarias de 
matéria artúrica, até o ponto de acrescentar ao inicial dever de auxilium e consilium para com 
o senhor um novo dever, agora de serviço amoroso para com a “senhora”, a dama, com o 
qual aquela virtude heroica inicialmente feudal se redefine como cortês. 
A mulher, e a par dela o vasto mundo da intimidade e da relação entre os sexos, fazem 
assim sua fulgurante aparição na ficção heroica e reformulam um tipo de vassalagem até 
então puramente masculino, até convertê-lo em outro serviço mais rico e profundo, de 
natureza mista masculino feminina: os cenários para as façanhas e para a manifestação das 
virtudes do herói já não serão apenas a guerra e a política, mas também, junto a estas, o 
amor, a alcova, a festa e os jogos, formas e ocasiões, todas elas, de uma sociabilidade 
ampliada e tornada complexa . 
Essa evolução e ampliação do conceito de proeza –e, por sua vez, o de heroísmo– foi 
possível não apenas pelos embriões evolutivos insertos na própria canção de gesta, cujos 
estreitos parâmetros iniciais tendem por si próprios a transbordar e a alargar-se ao ritmo da 
mutação do contexto histórico-social que a sustenta, como também pela decidida influência 
que sobre a textualidade ficcional começaram a exercer outros discursos e tradições literárias, 
históricas, míticas e culturais, como a historiografia e pseudo historiografia latinas medievais, 
o código histórico da cavalaria e os tratados doutrinais em que este é exposto e analisado, e 
o fecundo corpus da lírica trovadoresca provençal, veículo do fenômeno sociocultural do amor 
cortês. 
 Trata se de uma somatória de influências e componentes que, em equilibrada 
integração e recíproca potenciação, darão como resultado o produto mais característico dessa 
nova épica heroica, que, para distingui-la da antiga, chamamos cavaleiresca ou cortesã, e 
que, até os fins do século XII e ao longo de todo o XIII, há de plasmar-se na riquíssima floração 
da novela artúrica. Seu processo de gestação é bem conhecido: a partir de um conjunto de 
antigos mitos célticos recolhidos pelo discurso pseudo cronístico de certa historiografia inglesa 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
11 
 
em língua latina, cujo mais notável resultado é a História Regum Britanniae de Godofredo de 
Monmouth, os personagens do rei Artur, da rainha Guinevere, do cavaleiro Lancelote e do 
mago sábio Merlim passam à ficção, em verso francês, pela mão do Roman de Brut de Wace 
e, sobretudo, pelas novelas de Chrétien de Troyes, quem se encarrega de incorporar à matéria 
a doutrina occitânica do amor cortês e os códigos da cavalaria histórica. 
O sucesso dos livros de cavalarias portugueses ao longo do século XVI e inícios do 
XVII é um dado mais que evidente. Da publicação em 1522 da Crónica do Imperador 
Clarimundo donde os reis de Portugal descendem (Lisboa, Germão Galharde), do historiador 
João de Barros, até à reedição da Terceira e Quarta parte da Chrónica de Palmeirim de 
Inglaterra na qual se tratam as grandes cavallerias de seu filho o príncipe dom Duardos 
Segundo (Lisboa, Jorge Rodrigues, 1604), de Diogo Fernandes, este género conta em terras 
portuguesas cerca de vinte e cinco edições, cifra nada desdenhável do ponto de vista da 
recepção, que se vê incrementada pelas dezenas de manuscritos cavalheirescos conhecidos 
na atualidade, os quais deixam supor uma persistência do gosto por este tipo de literatura até 
bem entrado o século XVII, ou ainda princípios do XVIII. Contudo, estes copiosos números 
não serviram para atrair a atenção dos investigadores a um campo que, junto com os livros 
de pastores e os livros de viagens, está na base da novelística portuguesa moderna. 
Esse descuido da crítica tem acarretado um dado verdadeiramente desolador, como é 
o de uma grande quantidade de textos deste género não ter sobrevivido até aos nossos dias. 
Quanto aos livros de cavalarias na sua difusão manuscrita, os dados seguintes falam por si: 
extraviaram-se as Aventuras do Gigante Dominiscaldo, de Álvaro da Silveira; a Crónica do 
Espantoso e nunca vencido Dracuso, Cavaleiro da Luz, de Francisco de Morais Sardinha; um 
de título desconhecido, de Fernão Lopes de Castanheda; e o Clarindo de Grécia, de Tristão 
Gomes de Castro. 
Deste último autor, madeirense, até hápouco também entrava neste grupo a sua 
Argonáutica da cavalaria ou Leomundo de Grécia, que foi descoberto no ano passado, depois 
de intensas pesquisas no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa. Também nada 
sabemos de duas anónimas vidas de imperadores, cujos nomes, Alberto e Siderico, parecem 
assinalar a sua procedência ficcional. Mas aqui não acaba tudo. Este desdém também trouxe 
consigo o desconhecimento quase absoluto da biografia de alguns autores desta classe de 
obras. 
Por exemplo, de Diogo Fernandes só sabemos o que se diz no pé do frontispício da 
Terceira e Quarta partes do Palmeirim, ou seja, que era oriundo da cidade de Lisboa. O 
mesmo acontece com Baltasar Gonçalves Lobato, que escreveu a Quinta e Sexta parte de 
Palmeirim de Inglaterra mais Chronica do famoso príncipe Dom Clarisol de Bretanha, filho do 
príncipe dom Duardos de Bretanha (Lisboa, Jorge Rodrigues, 
1602), e cujos dados biográficos se resumem a uma linha: «natural da cidade de 
Tavira. 
Em conjunto, toda esta situação se traduz ainda no desprestígio social e literário que 
pesou sobre este género durante boa parte do século XVI, devido sobretudo às críticas de 
eclesiásticos e humanistas. Estes viam nos livros de cavalarias uma fonte de perversões 
morais onde os jovens – em particular as mulheres –, podiam beber e adquirir uma 
desenfreada fantasia que os afastaria tanto das suas verdadeiras obrigações como da sua 
devoção religiosa. Sem dúvida, esta suposta influência, perniciosa e daninha, foi um dos 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
12 
 
motivos pelos quais a maior parte da crítica posterior renunciou a estudar esses textos, tidos 
por nocivos à moral pública, atitude que, por outro lado, se refletiu na visão dada pelos 
manuais da literatura. 
Neste sentido, ao longo das próximas páginas pretendemos realizar um percurso 
histórico através de um conjunto considerável, embora não exaustivo, de histórias da literatura 
portuguesa, com o fim de observar não só o deficiente tratamento consagrado a estas 
narrativas, senão também as causas pelas quais foram preteridas, já que consideramos que 
todas elas contribuíram de alguma maneira para marcar os estudos filológicos dos séculos 
XIX e XX. Deixando de parte a literatura cavaleiresca de corte medieval, ou seja, a Demanda 
do Santo Graal, o Livro de Josep ab Arimathia, mais os fragmentos do Livro de Merlim e do 
Livro de Tristam, e esquecendo a debatida questão da origem portuguesa do Amadis de 
Gaula, de cujo estudo se ocuparam em maior medida, os livros de cavalarias renascentistas 
foram um dos géneros mais desdenhados nos manuais de teoria literária portuguesa. 
Procuremos, pois, conhecer as chaves desta aziaga realidade. Além dos contributos 
estrangeiros, vindos da mão de autores tão prestigiosos como Bouterwek, Denis ou Wolf, que 
são os autênticos pioneiros na exploração deste terreno, a primeira análise global 
relativamente interessante é a de Teófilo Braga, que de 1870 até 1914, em sucessivas 
reedições da sua história literária, publica, matiza e amplia as suas opiniões sobre a matéria 
cavaleiresca. No primeiro momento só considera dois textos originalmente escritos em 
português: o Clarimundo e o Palmeirim de Inglaterra, este último atribuindo-o a Francisco de 
Moraes numa época (finais do século XIX) em que existia um aceso debate sobre a sua 
genuína paternidade, chegando a declarar num tom de sentido nacionalismo. 
Seguindo esta veia patriótica aventura-se ainda a declarar que, segundo a tradição, foi 
originariamente em português. Fora de conjecturas e após uns anos, depois de agregar a este 
corpus o Memorial de Ferreira de Vasconcelos e as continuações do Palmeirim, e apesar de 
realçar um facto tão relevante como o de que, Teófilo não deixa por isso de menosprezar um 
grupo literário copioso e de grande importância no desenvolvimento da prosa quinhentista. A 
sua opinião sobre o Clarimundo não deixa lugar a dúvidas. 
O estilo de Jorge Ferreira na Novella é inferior ao das suas três comedias; falta- -lhe 
esse elemento popular das locuções e dos Anexins, que o torna bem digno de ser estudado. 
Deste modo, na aproximação aos livros de cavalarias, apreciados sob a epígrafe geral de, 
ficam fixados alguns pontos que marcarão o rumo de trabalhos posteriores: estabelece-se o 
corpus do género na sua transmissão impressa; menospreza-se o género por conter um alto 
grau de fantasia e imaginação; vincula-se a sua criação e desenvolvimento ao âmbito 
cortesão; e julgam-se as obras cavaleirescas de autores consagrados, como é o caso de João 
de Barros, num segundo plano dentro da sua própria produção literária, até ao ponto de tomar 
o Clarimundo como uma tarefa de juventude e, por conseguinte, imperfeita, de menor 
qualidade e à margem dos seus grandes livros historiográficos. 
Isto mesmo acontece com o Memorial de Vasconcelos, que, segundo este critério, 
nem está à altura das suas excelentes comédias nem é digno de ser estudado. Com a 
passagem de século, uma vez aclarada definitivamente a autoria do Palmeirim de Inglaterra 
a favor de Francisco de Moraes, com dissertações tão fundamentais como as de Odorico 
Mendes, Carolina Michaëlis de Vasconcelos ou William E. Purser, pouco a pouco os livros de 
cavalarias começam a achar o seu lugar e a adquirir certo relevo nos manuais de história da 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
13 
 
literatura. Para isso contribui em grande medida o extraordinário labor de Fidelino de 
Figueiredo, que completa as diversas lacunas que Teófilo Braga tinha deixado a respeito da 
relevância – ou não – da narrativa cavaleiresca portuguesa. 
Neste sentido, embora as suas conclusões não sejam nem exatas nem concludentes, 
o antigo diretor da Biblioteca Nacional de Lisboa oferece um corpus muito mais definitivo com 
a exumação dos textos cavaleirescos manuscritos conservados na dita instituição. Deste 
modo, amplia a já referida listagem de impressos com a inclusão de um considerável conjunto 
de códices inéditos: a Crônica do imperador Beliandro, de Leonor Coutinho; o Libro terceiro 
de la Segunda parte de la Selva de cavalarias famosas, redigido em castelhano por António 
de Brito da Fonseca; e uma série de continuações palmerinianas atribuídas ficticiamente ao 
historiador Gomes Eannes de Zurara, formada pela Vida de Primaleão, a Segunda Parte da 
Crónica do Príncipe dom Duardos e a Terceira Parte da Crónica do Príncipe dom Duardos. 
Como desaparecidos figuram o Lesmundo [sic] de Grecia, de Tristão Gomes de Castro, o 
Dominiscaldo, de um tal Álvaro da Silveira, e dois livros de cavalarias de Gonçalo Coutinho 
titulados História de Palmeirim de Inglaterra e de D. Duardos. Para Figueiredo. 
Com este mesmo propósito, além de assinalar as múltiplas traduções de que é objeto 
durante o século XVI – para o espanhol, o francês, o italiano e o inglês –, não só inclui um 
amplo resumo do romance de Moraes, mas também o insere na órbita do denominado ciclo 
dos palmeirins castelhanos, cujo conjunto é composto pelo Palmerín de Olivia (Salamanca, 
22 de dezembro de 1511), o Primaleón (Salamanca, Juan de Porras, 3 de julho de 1512) e o 
Platir (Valladolid, Nicolás Tierri, 1533). Em relação ao Clarimundo, Figueiredo não hesita em 
notar que, e que ajuda a essa «glorificação pátria» que será a base de Os Lusíadas de 
Camões. Em suma, estas investigações mostram um novo rumo encaminhado para o 
conhecimento global da prosa renascentista, uma nova orientação que tardará a dar os seus 
frutos, muitas décadas depois. O resto das histórias da literatura dos anos vinte e trinta quase 
não acrescenta novos detalhes às premissas anteriores. 
José Agostinho perfilha as velhas teses de Braga e, sob a etiqueta de, torna a 
arremeter contra Francisco de Moraes porquê. No polo oposto encontra- se o inglês Aubrey 
F. Bell, que, além de destacar o valor que os portugueses outorgavam a estes livros pelo facto 
de serem um reflexo das suaspróprias façanhas no Oriente, também crê que o Palmeirim. No 
que concerne ao estilo do Memorial, Agostinho entende que, opinião de que se distancia 
Albino Forjaz de Sampaio. 
É já por volta da década de sessenta que se torna a abordar o tema com uma certa 
extensão, embora sem aproveitar em nenhum caso as pesquisas bibliográficas realizadas por 
Massaud Moisés durante os anos cinquenta, graças às quais este estudioso achou um 
número ingente de manuscritos cavaleirescos conservados nas bibliotecas públicas de 
Portugal, reordenando assim a lista oferecida por Figueiredo anos atrás. Contamos, neste 
período, com os manuais de Feliciano Ramos, Joaquim Ferreira e António José Barreiros, 
onde se percebe imediatamente que a narrativa de cavalarias ocupa um espaço igual ou maior 
do que a novela de pastores e a sentimental. No primeiro e mais meritório, ainda sob o rótulo 
genérico, misturam-se numa sucessão sem ordem concreta tanto Barros, Moraes e 
Vasconcelos como Bernardim Ribeiro, Jorge de Montemor ou Fernão Álvares do Oriente, 
ressaltando acima de todos o Palmeirim de Inglaterra, porque Feliciano Ramos faz de 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
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Francisco de Morais um autêntico homem de seu tempo, capaz de insuflar vida às suas 
personagens através da dialética e da descrição de costumes cortesãos: 
“Os episódios sucedem-se com facilidade, revelando um novelista rico de faculdades 
imaginativas. A mitologia da literatura deste género, com o seu maravilhoso habitual, 
acontecimentos fabulosos e inexplicáveis, feiticeiras e gigantes, depara-se através de todo o 
romance. […]. Nos costumes, nos trajes, nos diálogos, nas reações das almas, apercebe-se 
por vezes o homem do século XVI, e acha-se que o novelista entra em contato com a vida. ” 
O Memorial continua sendo desvalorizado porque, segundo o mesmo Ramos. Sobre 
o tema em questão, uma das últimas aproximações de interesse é a boa história da literatura 
de António José Saraiva e Óscar Lopes, onde, com a bucólica, se relaciona a ficção 
cavaleiresca, inserindo-a na época renascentista e maneirista. Nela se destaca o Palmeirim, 
não pelo seu conteúdo, cheio de tópicos e lugares-comuns repetidos até à saciedade, mas 
sim pelo seu estilo e descrição de costumes cortesãos, que não contribuem, em todo o caso, 
para dar um toque mais dinâmico à narração. 
O Memorial de Vasconcelos é analisado ao mesmo tempo que as suas comédias em 
prosa, sem existir uma separação nítida entre a sua produção cavaleiresca e o seu labor 
dramático, sobressaindo aquele não pelo seu valor literário, mas antes porque, ou seja, a 
relação do torneio de Xabregas através do qual o infante D. João é armado cavaleiro, o que 
converte este volume num manual de educação de príncipes. 
Dos estudos posteriores, que não são propriamente histórias da literatura, dois deles 
merecem uma atenção especial nestas páginas. Em primeiro lugar, sobressai a História do 
romance português de Gaspar Simões (o mais influente crítico saído da revista coimbrã 
Presença), que oferece o primeiro estudo monográfico sobre a evolução diacrónica do género 
novelesco em terras lusas, estudo no qual se inclui um capítulo exclusivamente dedicado à 
matéria cavaleiresca renascentista. Os valores deste excelente manual radicam em tomar o 
Clarimundo como o primeiro, isto é, com a obra de Barros publicada em 1522 surge. Também 
as suas palavras sobre o Palmeirim, onde Moraes reflete através das suas personagens 
rasgos da sua própria personalidade individual, são palpavelmente elogiosas. 
No que toca ao Memorial, às continuações do Palmeirim e aos manuscritos 
cavaleirescos, Gaspar Simões não oferece nada de novo, dando a entender que todos eles 
representam um retrocesso. O outro manual que sobressai é o de Ettore FinazziAgrò, que 
analisa o processo evolutivo do género novelesco limitando-se apenas ao século XVI. Trata-
se, não obstante, de um pequeno volume de boa divulgação de 126 páginas, metade das 
quais está dedicada por completo à análise da narrativa cavaleiresca, o que indica a 
supremacia atribuída a este género face aos outros dois também tratados, isto é, o pastoril e 
o conto. 
A tese fundamental do italiano baseia-se em situar a decadência dos livros de 
cavalarias ao longo da segunda metade do século XVI, concretamente a partir da publicação 
do Memorial de Vasconcelos, onde se perde não só o carácter apologético nacional do 
Clarimundo, senão também a caracterização do ambiente cortesão sob um manto 
cavaleiresco. Esse ocaso revela, em clara oposição ao mundo moderno. Contudo, este livro 
alcança maior relevância quando nos aproximamos de duas histórias da literatura publicadas 
há relativamente pouco tempo, a História crítica da Literatura Portuguesa dirigida por Carlos 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
15 
 
Reis, a qual segue o modelo que Francisco Rico aplicou ao âmbito castelhano, e a História 
de la Literatura Portuguesa, elaborada pelos autores Apolinário e Gavilanes Laso. 
Na primeira transcrevem-se diretamente vários extratos da obra de Finazzi- 
Agrò, ao passo que na última os responsáveis pelo capítulo dedicado à (Gavilanes 
Laso e Carrasco González), partem dos pressupostos ditados pelo italiano, a quem tomam 
como autorias, discrepando apenas num único aspecto: a data do declínio dos livros de 
cavalarias. Por outro lado, resulta desolador que nestes manuais se acolham teorias com mais 
de duas décadas de vida e que neles não se haja tido em conta os sucessivos estudos 
realizados nos últimos anos, no domínio universitário, em forma de teses de mestrado, de 
dissertações de doutoramento e ainda de teses de doutoramento. Referimo-nos às análises 
de Maria Helena Duarte Santos, Maria Leonor Ramos Riscado, Rosário Santana Paixão– 
todas elas centradas no Clarimundo–, Isabel Almeida– a única a tratar com rigor crítico o 
género impresso na sua totalidade –, ou Cláudia Ferreira de Sousa Pereira– dedicada ao 
Memorial. Na verdade, não deixa de ser curioso o facto de a esta geração de mulheres (a que 
haveria de somar o nome de Margarida Alpalhão) se estar a dever a recuperação de um 
género esquecido que no Renascimento foi devorado, sobretudo, pelo público feminino. 
Ainda mais frustrante é que em vários dos manuais de literatura publicados já no 
século XXI nem sequer se faça uma sucinta menção aos livros de cavalarias renascentistas, 
sem dar importância a todo um grupo literário que mereceu durante séculos a predileção tanto 
de criadores como de leitores. Como vemos, não há um critério único. Para uns o Palmeirim 
é um livro de extraordinária beleza, cheio de imaginação e susceptível de configurar grandes 
personagens literárias. Outros, contudo, encarregam-se de desdenhá-lo por verem nas suas 
páginas um alto grau de fantasia com infindáveis aventuras desconexas e sem sentido. 
Quanto a Barros e a Vasconcelos, todos parecem estar de acordo em considerar 
respectivamente o Clarimundo e o Memorial de ínfima qualidade face ao resto da sua 
produção literária. Do historiador, às vezes é possível ouvir alguma voz a seu favor graças à 
mistura de ficção e história de que faz gala, enquanto que, no que diz respeito ao 
comediógrafo, a maioria dos autores é unânime em julgar a sua obra como um passo atrás 
no desenvolvimento da narrativa cavaleiresca. Sobre as continuações do Palmeirim e o 
conjunto de livros de cavalarias manuscritos, dá a sensação de que quase ninguém os leu. 
Desta maneira, está claro que quando recorremos às histórias da literatura o que 
procuramos são respostas, e estes manuais, cuja finalidade deveria ser o conhecimento dos 
textos literários, não nos ajudam muito a achá-las: pelo contrário, incitam os leitores a não 
abordar o estudo dos livros de cavalarias por considerá-los inferiores em relação a géneros 
literários como a épica e o teatro, onde autores como Camões ou Gil Vicente se distinguiram, 
levando a cultura portuguesa além das suas própriasfronteiras. Assim, depois de ter analisado 
um grupo considerável destas ferramentas de consulta, a intenção última do presente trabalho 
foi chamar a atenção da crítica para o género dos livros de cavalarias, que, como pudemos 
ver ao longo destas páginas, continua a ser menosprezado e desconhecido não só pelo 
público em geral, senão também pelos próprios estudiosos da literatura. 
Não se poderá alcançar um autêntico conhecimento global da ficção romanesca 
renascentista até que não se esclareça o verdadeiro lugar que ocupa este grupo literário, o 
primeiro a aparecer em terras portuguesas e o que mais sucesso suscitou no público do século 
XVI. Além disso, ajudará a compreender as relações culturais e literárias havidas na Península 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
16 
 
Ibérica, assim como também entre esta e os outros países do continente europeu, tais como 
a França e a Itália. 
 
7 TEATRO DE GIL VICENTE 
Pode-se dizer que, em boa parte, o teatrólogo e ator português Gil Vicente é fruto de 
uma época. Criou o que se convencionou chamar de teatro vicentino, caracterizado pelo poder 
da sátira. Sua biografia repleta de incertezas se dá aproximadamente entre 1465 e 1536, no 
contexto do que se convencionou chamar de Humanismo português. É um período iniciado 
em 1418, quando D. Duarte nomeia Fernão Lopes como guardador da Torre do Tombo, o 
arquivo central do Estado Português desde a Idade Média, e termina quando Sá de Miranda 
retorna da Itália, em 1527, trazendo para Portugal a cultura clássica. O Humanismo é um 
período de transição entre o fim da Idade Média e a Idade Moderna. Caracteriza-se pelo 
crescimento das cidades e o enfraquecimento do feudalismo. Com a perda de poder dos 
senhores de terras, os reis se aliam aos burgueses, principalmente comerciantes, passando 
a dividir com a Igreja o poder político. 
 
 
Fonte: bparlsr.azores.gov.pt 
 
Em 1502, o Monólogo do vaqueiro ou Auto da visitação, de Gil Vicente, dá início ao 
teatro em Portugal. A apresentação do monólogo foi feita em comemoração ao nascimento 
do filho de D. Manuel e D. Maria Castela, D. João III. A peça foi encenada pelo próprio autor 
que assumiu a personagem como se fosse um vaqueiro e recitava saudava o nascimento de 
D. João III. Após isso, Gil Vicente passou a ser protegido pela rainha-mãe, D. Leonor, e foi 
incumbido de divertir a corte da sua época. 
Os primeiros trabalhos do teatrólogo receberam influências de autores espanhóis, 
dentre eles Torres de Navarro que escrevia farsas. Porém, com o tempo, Gil Vicente começou 
a produzir textos com características extremamente particulares, sendo adepto do lema 
moralista. “Rindo, castigam-se os costumes” é, talvez, uma das frases mais famosas do 
teatrólogo e era nisso que ele acreditava, isto é, por meio do humor é possível corrigir os 
costumes e denunciar a hipocrisia da sociedade. 
Em suas obras satirizou o povo, o clero e a nobreza, maiores alvos de suas críticas. 
Gil Vicente não temia em apontar o que de errado via na sociedade de sua época, acreditava 
https://www.coladaweb.com/artes/teatro
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LITERATURA PORTUGUESA 
17 
 
que era necessário restabelecer a moral e a religiosidade. Devido a isso se tem a 
denominação dos “autos de moralidade”. Assim, suas obras faziam o entretenimento nos 
ambientes da corte. O teatro vicentino era simples no que tange à estrutura cênica, pois não 
havia preocupação com o cenário luxuoso, apenas utilizase de materiais simples para encenar 
suas peças. 
Por abordar temas inerentes a toda sociedade em qualquer tempo e espaço, as obras 
vicentinas são atemporais e as problemáticas nelas apresentadas são pertinentes nas 
sociedades da atualidade. Gil Vicente é autor de 44 peças, sendo 17 escritas em português, 
16 bilíngues e 11 em castelhano, dentre elas estão autos e farsas. Nos autos vicentinos a 
religiosidade aparece de maneira marcante, como exemplo, nos conflitos entre anjos, 
demônios e outros, elementos também são personificados como a virtude. São autos: 
Monólogo do vaqueiro, Auto da Índia, trilogia das barcas, Auto da Lusitânia e Auto da alma. 
Nas farsas está presente o lado mais marcante da crítica social vicentina. São farsas: Farsa 
de Inês Pereira, O velho da horta e quem tem farelos? 
Uma consequência direta, na área cultural é a criação de bibliotecas fora dos 
conventos. Os direitos ligados à individualidade também são valorizados. Começa a se 
abandonar o teocentrismo em busca de valores relacionados às próprias possibilidades de 
desenvolvimento, mas sem abandonar totalmente o temor a Deus Gil Vicente cresce nesse 
universo. Escreveu autos, comédias e farsas, em castelhano e em português. São conhecidas 
44 peças, 17 em português, 11 em castelhano e 16 bilíngues. 
 
8 GÊNEROS PRINCIPAIS, CRONOLOGIA E EVOLUÇÃO 
 
A – Os autos: inspirados nos mistérios, milagres e moralidades medievais, 
encerram uma intenção moralizante ou religiosa. Suas personagens não são seres 
individualizados, com psicologia própria; são antes abstrações, generalizações, símbolos ou 
alegorias que personificam anjos, demônios, vícios, virtudes, instituições sociais, tipos 
humanos, categorias profissionais etc. Originalmente caracterizados pela intenção didática 
(religiosa, moral ou política), Gil Vicente acrescentou aos seus autos a dimensão satírica e 
polêmica. Ao lado de alegorias como a Luxúria, a Avareza, o Trabalho, a Comunhão, o Tempo, 
a Sabedoria, a Igreja, a Esperança, o Pecado, desfila uma vasta galeria de tipos humanos e 
sociais, representativa de toda a sociedade portuguesa, no limiar do Renascimento. 
B – As farsas: retratam os tipos humanos e sociais, por meio da exploração de 
efeitos cômicos, da caricatura e do exagero. A farsa gilvicentina é uma poderosa arma de 
crítica e de combate a serviço dos valores morais que defende. Por meio do riso, desnudam-
se as mazelas da sociedade pré-renascentista. Aproximam-se do lema das comédias latinas 
de Plauto e Terêncio: “ridendo castigai mores” (“rindo, corrigem-se os costumes”). Elementos 
farsescos são frequentes também nos autos, e não se pode falar em uma distinção nítida 
entre as modalidades dramáticas que Gil 
Vicente praticou. Ambos são plenos de críticas à sociedade 
Entre os autos, a Trilogia das Barcas ("Barca do Inferno", 1517; "Barca do Purgatório", 
1518; e "Barca da Glória", 1519) reúne peças de moralidade, que constituem uma alegoria 
dos vícios humanos; e o "Auto da Alma", de 1518, de 1518, encena a transitoriedade do 
 
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homem na vida terrena e os seus conflitos entre o bem e o mal. As farsas, como "Quem Tem 
Farelos?", 1515; "Mofina Mendes", 1515, e "A Farsa de Inês Pereira", 1523, realizam quadros 
populares de força moral e simbólica, num tom cômico mais contundente. 
O ponto mais forte de Gil Vicente está na criação de tipos humanos como o velho 
apaixonado, a alcoviteira, a velha beata, o escudeiro fanfarrão, o médico incompetente, o 
judeu ganancioso, o fidalgo decadente, a mulher adúltera e o padre corrupto. Escritas em 
versos, as peças estão repletas de trocadilhos e ditados populares. É importante ressaltar que 
a crítica do dramaturgo português é muito mais aos indivíduos corruptos do que à religião em 
si mesma, seus dogmas e hierarquias. 
Nesse aspecto, Gil Vicente crê no teatro como uma forma de denunciar a degradação 
dos costumes, seja na Igreja, na família ou entre as classes profissionais como os médicos 
ou sapateiros. Acima de tudo, acredita no poder do riso como uma maneira de recolocar o 
homem no bom caminho, aquele que o afasta do vício em direção à virtude. 
Conheça outras obras do teatro de Gil Vicente: 
 
• Auto do vaqueiro ou Auto da visitação (1502) - Auto pastoril castelhano (1502) 
• Auto da Fé (1510) 
• O velho da horta (1512) 
• Exortação daGuerra (1513) 
• Auto da Fama (1516) 
• Farsa de Inês Pereira (1523) 
• Farsa dos almocreves (1527) 
• Auto da feira (1528) 
• Auto do triunfo do Inverno (1529) 
• Romagem dos Agravados (1533) 
• Auto da Cananea (1534) 
 
9 AUTO DA BARCA DO INFERNO 
 
Na peça Auto da Barca do Inferno, Gil Vicente coloca vários personagens numa 
situação-limite. Todos estão mortos e chegam a um porto onde há duas embarcações: uma é 
chefiada pelo Anjo, que conduz ao paraíso; a outra, comandada pelo Diabo e seu 
Companheiro, vai para o inferno. Os personagens se apresentam diante do espectador como 
em um desfile, ao fim do qual cada um terá de enfrentar seu destino. 
Esses personagens não representam indivíduos definidos, mas, sim, tipos sociais. Ou 
seja, não têm características psicológicas particulares. Servem como espécies de modelo, 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
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para exemplificar qual era, segundo Gil Vicente, o comportamento de determinados setores 
da sociedade da época. Por isso, podem ser denominados personagens alegóricos. 
As alegorias são imagens que servem de símbolo a interpretações, como 
representações de uma situação ou de um setor social. Nessa peça, por exemplo, um fidalgo 
com um pajem e uma cadeira são uma alegoria para toda a nobreza ociosa de Portugal. O 
autor se inspirou bastante no teatro alegórico medieval, puramente cenográfico, e também 
nos momos – manifestações populares em que figuras fantasiadas representavam os vícios 
e as virtudes. Os autos eram representações comuns na Idade Média, em geral de conteúdo 
satírico ou alegórico. Publicado em 1517, o Auto da Barca do Inferno é, de acordo com o 
autor, um “auto de moralidade”. 
 
10 PERSONAGENS 
 
• ANJO – arrais, ou seja, navegante da barca celeste. 
• DIABO E SEU COMPANHEIRO – conduzem a barca infernal. 
• FIDALGO – representa todos os nobres ociosos de Portugal. 
• ONZENEIRO – simboliza o pecado da usura e a classe dos agiotas. 
• PARVO – representa o povo português, rude e ignorante, porém bom de coração e 
temente a Deus. 
• FRADE – representa os maus sacerdotes. 
• BRÍSIDA VAZ – alcoviteira (cafetina), simboliza a degradação moral e a feitiçaria 
popular. 
• JUDEU – representa os infiéis, que são alheios à fé cristã. 
• CORREGEDOR E PROCURADOR – Encarnam a burocracia jurídica da época. 
• ENFORCADO – é o símbolo da falta de fé e da perdição. 
• QUATRO CAVALEIROS – representam as cruzadas contra os mouros e a força da fé 
católica. 
 
11 ENREDO 
 
O Fidalgo é o primeiro a aproximar-se dos barcos, acompanhado de um pajem e de 
uma cadeira, símbolo de sua pretensa nobreza. O Fidalgo dirige-se primeiramente à Barca do 
Inferno, ainda sem reconhecer seu capitão. Quando enfim o Diabo se apresenta, o Fidalgo 
recusa-se a entrar no batel (barco) infernal, alegando que se salvaria por deixar na outra vida 
quem rezasse por ele. O Diabo responde-lhe com ironia: 
“Quem reze sempre por ti? … 
Hi-hi-hi-hi-hi-hi-hi! … E tu viveste a teu prazer, cuidando cá guarecer (encontrar abrigo, 
salvação) porque rezam lá por ti? Embarca!, ou embarcai!, que haveis de ir à derradeira, 
 
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(final) 
mandai meter a cadeira que assim passou vosso pai”. 
 
Nesse trecho, é possível perceber a fineza da ironia do Diabo – personagem pelo qual 
fala muitas vezes a voz do autor. Observe, por exemplo, como o Diabo muda o pronome de 
tratamento de “tu” para “vós” no verso: “Embarca! Ou embarcai! ”, colocando em dúvida a 
nobreza de seu interlocutor. No último verso do trecho, o Diabo ofende a linhagem do Fidalgo, 
dizendo que o pai do personagem também teria tido como destino a danação. O Fidalgo 
encaminha-se então para a barca do paraíso, na qual é duramente reprimido pelo arrais do 
céu, o Anjo, que o acusa de “tirania” e o manda de volta à barca infernal, para a qual ele se 
encaminha resignadamente. 
O Onzeneiro (agiota) carrega uma bolsa, símbolo de sua ganância. Assim como o 
Fidalgo e os demais personagens, ele acredita erroneamente em sua salvação. Após travar 
diálogo com o Diabo, encaminha-se para o batel celeste, do qual é repelido e obrigado a 
retomar seu destino, ou seja, o inferno. 
Esse triplo movimento (Barca do Inferno, Barca do Céu, Barca do Inferno) é seguido 
pela maioria dos personagens. Por isso, a peça apresenta uma estrutura esquemática, que 
se disfarça pela inclusão da figura do Parvo, personagem que representa o povo e é colocado 
assimetricamente entre os condenados. O Parvo, por ser tolo e inocente, não é condenado, 
embora utilize uma linguagem chula e muitas vezes ofensiva. Dirige-se ao Diabo da seguinte 
forma: 
“Furta-cebolas! Hiu! Hiu! 
Excomungado das igrejas! 
Burrela, cornudo sejas! (diminutivo de burra, zombaria, esparrela) 
Toma o pão que te caiu, 
A mulher que te fugiu 
Pera a Ilha da Madeira! 
Ratinho da Giesteira, 
(Trabalhador do campo) 
O demo que te pariu! ” 
 
Ao Parvo segue-se o Sapateiro, que leva consigo as ferramentas, símbolos de seu 
ofício e de sua maneira de ganhar dinheiro com a necessidade alheia. Ele espera salvar-se 
por ter confessado seus pecados e comungado antes de morrer. O Diabo, porém, o condena 
por sua hipocrisia, que o levava a roubar seus clientes logo depois de assistir às missas. O 
Frade carrega armas de combate – um capacete e uma espada – e uma amante, Florença. 
Um dos personagens mais ridicularizados do auto, ele baila o tordião (dança cortesã) e dá 
aulas de esgrima diante do Diabo. O Frade acredita que, graças à sua condição de sacerdote, 
encontrará salvação. Após ser ironizado pelo Diabo e pelo Parvo, o padre segue o caminho 
dos demais danados. 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
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Brísida Vaz é uma alcoviteira (dona de prostíbulo) e carrega vários apetrechos: hímens 
postiços, peças de encantar os homens, artigos de feitiçaria – o que indica que Gil Vicente 
condenava crendices e superstições populares. Seu destino é a perdição. Ela ainda 
argumenta, em vão, que salvou mais meninas do que Santa Úrsula. 
Utilizando linguagem vulgar, chama o Anjo de “barqueiro, mano, meus olhos”. 
O Judeu aparece acompanhado de um bode e, por não seguir a fé cristã, não 
compreende tudo o que está ocorrendo. Inicialmente, nenhum dos barqueiros deseja levá-lo. 
O Diabo, por fim, consente em carregá-lo, mas a reboque. Em Portugal, naquela época, 
estava disseminado um forte antissemitismo (preconceito contra os judeus), A cena escrita 
por Gil Vicente expressa essa situação. Cabe aos leitores atuais entendê-la no contexto do 
período em que foi criada. 
Os dois personagens que se seguem – o Corregedor e o Procurador – chegam 
carregados de livros e de processos. São corruptos e falam numa linguagem empolada, cheia 
de citações em latim, nas quais quase sempre incorrem em erros. Achincalhados pelo Parvo, 
são logo mandados para a Barca do Inferno, cada vez mais cheia. 
O Enforcado também é um condenado, embora esperasse encontrar salvação porque 
lhe disseram que iria para o céu se abdicasse da vida. Logo percebe que havia sido enganado 
e acaba aceitando entrar na barca satânica. O auto se encerra com quatro cavaleiros trazendo 
uma cruz, o que indica que morreram nas cruzadas, defendendo a fé cristã. Após uma curta 
resposta ao Diabo (“Quem morre por Jesus Cristo não vai em tal barca como essa! ”), 
encaminham-se à barca celeste. 
 
11.1 Tempo e espaço 
Na obra, o tempo e o espaço não são definidos. Encontram-se em uma dimensão 
mítica, às margens do rio da morte, o rio Letes, já que se trata de uma obra alegórica. 
 
11.2 Biografia 
Dramaturgo e poeta, Gil Vicente nasceu provavelmente em Guimarães (Portugal), em 
1465. Dados seguros sobre sua biografia, porém, não são conhecidos. Sabese que desde o 
início do século XVI vivia na corte, em Lisboa, onde organizava festas e comemorações. Como 
poeta lírico, encontra-se representado no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. É 
consideradoo criador do teatro em Portugal. Como dramaturgo, produziu 44 peças, de 
inúmeros temas. Nelas, é marcante o caráter crítico e satírico, de sentido moralizante. 
A circulação de sua obra se fazia, em parte, por meio de folhetos impressos e em 
literatura de cordel. No entanto, alguns dos títulos do escritor foram proibidos ou expurgados 
pela censura inquisitorial. Sete deles foram incluídos em 1551 no Index (lista de livros cuja 
leitura era proibida pela Igreja Católica). A primeira reunião completa de suas criações, a 
Compilação de Todas as Obras de Gil Vicente, foi organizada sob responsabilidade do filho, 
Luís Vicente, em 1562. O escritor morreu entre 1536 e 1540. 
 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
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11.3 Trechos comentados 
“Corregedor – Ó arrais dos gloriosos, Passai-nos neste batel! Anjo – Oh, pragas pera papel 
Pera as almas odiosas! 
Como vindes preciosos, 
Sendo filhos da ciência! 
Corregedor – Oh, habetatis, clemência e passai-nos como vossos! Parvo – Hou, homem dos 
breviários, rapinastis coelhorum et pernis perdigotorum e mijais nos campanários!” 
 
Comentário 
Nesse trecho, há uma amostra do realismo linguístico de Gil Vicente. O Corregedor 
utiliza termos em latim para se defender. O Parvo faz, então, uma hilariante paródia de seu 
discurso: “rapinastis coelhorum et pernis perdigotorum”, ou seja, “rapinastes – roubastes – 
coelhos, pernis e perdizes”. 
 
“Anjo – Eu não sei quem te cá traz… 
Brísida – Peço-vo-lo de giolhos! (joelhos) Cuidais que trago piolhos, anjo de Deos, minha 
rosa? Eu sô aquela preciosa que dava as moças a molhos, a que criava as meninas pera os 
cónegos da Sé… Passai-me, por vossa fé, meu amor, minhas boninas, (margaridas) olhos 
de perlinhas finas! E eu som apostolada, angelada e martelada, e fiz cousas mui divinas. 
Santa Úrsula nom converteu 
tantas cachopas como eu (…)” (meninas, raparigas) 
 
Comentário 
Brísida Vaz tenta convencer o Anjo a deixá-la entrar na barca celeste. Usando 
linguagem vulgar, como se o Anjo fosse um dos seus clientes, chama-o de “meu amor, minhas 
boninas”, e afirma que espera salvar-se porque “criava as meninas” (prostitutas) para os 
padres da Sé – outra crítica do autor aos maus sacerdotes. 
 
12 O PARADIGMA DO ESCRITOR CLÁSSICO – CAMÕES 
 
Luís de Camões (1524-1580) foi um poeta e soldado português, considerado o maior 
escritor do período do Classicismo. Além disso, ele é apontado como um dos maiores 
representantes da literatura mundial. 
Autor do poema épico “Os Lusíadas”, revelou grande sensibilidade para escrever 
sobre os dramas humanos, sejam amorosos ou existenciais. Pouco se sabe sua vida, 
portanto, o local e os anos de nascimento e morte ainda são incertos. 
 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
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12.1 Biografia 
 
Luís de Camões, um dos maiores poetas de língua portuguesa. Fonte: educalingo.com 
 
Filho de Simão Vaz e Ana de Sá, Luís Vaz de Camões nasceu em Lisboa por volta de 
1524. Provavelmente teve uma boa e sólida educação, na qual aprendeu sobre história, 
línguas e literatura. Estudos indicam que ele era indisciplinado e que supostamente teria ido 
à Coimbra para estudar. No entanto, não há registros de que ele tenha sido aluno da 
Universidade. 
Ainda jovem, interessou-se pela literatura iniciando sua carreira literária como um 
poeta lírico na corte de Dom João III. Muitos historiadores dizem que nesse período Camões 
teve uma vida muito boêmia. Na altura, também passou por uma desilusão amorosa, momento 
em que decidiu tornar-se um soldado. 
Assim, ingressou no Exército da Coroa Portuguesa em 1547 e, no mesmo ano, 
embarcou como soldado para a África, onde combateu na guerra contra os celtas, no 
Marrocos. Foi ali que Camões perdeu o olho direito. Em 1552 volta a Lisboa e continua com 
sua vida boêmia e de promiscuidade. No ano seguinte embarca para as Índias, onde participa 
de várias expedições militares. Estudos apontam que ele foi preso tanto em Portugal, quando 
no Oriente. Foi durante uma de suas prisões que ele escreveu sua obra mais conhecida: Os 
Lusíadas. 
Quando retornou a Portugal, resolveu publicar sua obra. No momento, recebeu uma 
pequena quantia em dinheiro do Rei Dom Sebastião. Muitas vezes incompreendido pela 
sociedade, Camões se queixou pelo pouco reconhecimento que teve em vida. Foi somente 
após sua morte que sua obra passou a ser foco das atenções. Hoje é considerado um dos 
maiores escritores de língua portuguesa e ainda, um dos maiores representantes da literatura 
mundial. Seu nome é conhecido em todo o mundo e é usado em diversas praças, avenidas, 
ruas e instituições. 
12.2 Morte 
Camões faleceu dia 10 de junho de 1580 em Lisboa provavelmente vítima de peste. 
No final da sua vida, passou por grandes problemas financeiros morrendo pobre e infeliz, uma 
vez que não teve o reconhecimento que merecia. O Dia de Portugal é celebrado em 10 de 
junho em comemoração à data de sua morte. 
 
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Túmulo de Camões no Mosteiro dos Jerônimos em Lisboa. 
Fonte: www.pportodosmuseus.pt 
 
12.3 Características e obras 
 
Camões escreveu poesias, epopeias e obras de dramaturgia. Foi assim que se tornou 
um poeta múltiplo, sofisticado e ao mesmo tempo, popular. 
Decerto que ele possuía grande habilidade poética na qual soube explorar com muita 
criatividade as mais diferentes formas de composição. 
Foi um dos maiores poetas do Renascimento, mas às vezes se inspirou em canções 
ou trovas populares escrevendo poesias que lembram várias canções medievais. Seus versos 
revelam que estudou os clássicos da Antiguidade e os humanistas italianos. Suas obras de 
maior destaque são: 
• El-Rei Seleuco (1545), peça de teatro; 
• Filodemo (1556), comédia de moralidade; 
• Os Lusíadas (1572), grande poema épico; 
• Anfitriões (1587), comédia escrita em forma de auto; 
• Rimas (1595), coletânea de sua obra lírica; 
 
12.4 Os Lusíadas 
 
Capa da primeira edição de Os Lusíadas. 
Fonte: www.bn.gov.br 
http://www.pportodosmuseus.pt/
 
LITERATURA PORTUGUESA 
25 
 
A poesia épica “Os Lusíadas”, publicada em 1572, celebra os feitos marítimos e 
guerreiros de Portugal. Destacam-se as conquistas ultramarinas, as viagens por mares 
desconhecidos, a descoberta de novas terras, o encontro com povos e costumes diferentes. 
Tomando como assunto central a viagem de Vasco da Gama às Índias, Camões fez 
do navegador uma espécie de símbolo da coletividade lusitana. Ele exaltou a glória das novas 
conquistas e as proezas dos navegadores portugueses. Isso permitiu comparar os feitos dos 
portugueses com as façanhas dos lendários heróis dos poemas de Homero (Odisseia e Ilíada) 
e de Virgílio (Eneida). 
Camões usou os modelos clássicos para cantar os acontecimentos do seu tempo, que 
ao contrário dos antigos, eram reais e não fictícios. Camões faz algumas entidades 
mitológicas participarem da ação. Assim, coube a Vênus o papel de protetora dos 
portugueses. Ela os defende do deus Baco que quer destruir a frota de Vasco da Gama. No 
final do poema, os navegantes são levados à ilha dos Amores, onde são recompensados de 
seus esforços por sedutoras ninfas. 
 
12.5 Curiosidade 
Camões sofreu um naufrágio perto de Goa na Índia e diz a lenda que ele nadou 
salvando o manuscrito de Os Lusíadas na mão. 
 
Selo em comemoração aos 400 anos do nascimento do poeta (1924). 
Fonte: www.todamateria.com.br 
 
12.6 Poesias 
A maior parte da poesia lírica de Camões é composta de sonetos e redondilhas 
(estrofes com versos de cinco ou sete sílabas). Confira abaixo alguns exemplos: 
 
Exemplo I 
Amor é fogo que arde sem se ver; 
É ferida que dói, e não se sente; 
É um contentamento descontente, 
https://www.todamateria.com.br/os-lusiadas-de-luis-de-camoes/
https://www.todamateria.com.br/vasco-da-gama/
https://www.todamateria.com.br/vasco-da-gama/
https://www.todamateria.com.br/vasco-da-gama/
https://www.todamateria.com.br/odisseia/https://www.todamateria.com.br/odisseia/
https://www.todamateria.com.br/odisseia/
https://www.todamateria.com.br/odisseia/
https://www.todamateria.com.br/iliada/
https://www.todamateria.com.br/eneida/
https://www.todamateria.com.br/eneida/
http://www.todamateria.com.br/
 
LITERATURA PORTUGUESA 
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É dor que desatina sem doer. 
 
É um não querer mais que bem querer; 
É solitário andar por entre a gente; 
É nunca contentar-se de contente; 
É cuidar que se ganha em se perder; 
 
É querer estar preso por vontade; 
É servir a quem vence, o vencedor; 
É ter com quem nos mata, lealdade. 
 
Mas como causar pode seu favor 
Nos corações humanos amizade, 
Se tão contrário a si é o mesmo Amor? 
 
 
Exemplo II 
Verdes são os campos, De cor de limão: 
Assim são os olhos 
Do meu coração. 
Campo, que te estendes 
Com verdura bela; 
Ovelhas, que nela 
Vosso pasto tendes, 
De ervas vos mantendes 
Que traz o Verão, 
E eu das lembranças 
Do meu coração. 
Gados que pasceis 
Com contentamento, 
Vosso mantimento 
Não no entendereis; 
Isso que comeis 
Não são ervas, não: São graças dos olhos 
Do meu coração. 
 
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Exemplo III 
Quem diz que Amor é falso ou enganoso, 
Ligeiro, ingrato, vão desconhecido, 
Sem falta lhe terá bem merecido 
Que lhe seja cruel ou rigoroso. 
Amor é brando, é doce, e é piedoso. 
Quem o contrário diz não seja crido; 
Seja por cego e apaixonado tido, 
E aos homens, e inda aos Deuses, odioso. 
Se males faz Amor em mim se veem; 
Em mim mostrando todo o seu rigor, 
Ao mundo quis mostrar quanto podia. 
Mas todas suas iras são de Amor; 
Todos os seus males são um bem, 
Que eu por todo outro bem não trocaria. 
12.7 Frases de Camões 
 
• “O fraco rei faz fraca a forte gente. ” 
• “Ah o amor... que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê. ” 
• “Coisas impossíveis, é melhor esquecê-las que desejá-las. ” 
• “Jamais haverá ano novo se continuar a copiar os erros dos anos velhos. ” 
• “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança; 
Todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. ” 
 
12.8 Poesia épica camoniana 
Análise da obra 
Publicado em 1572 sob a proteção do Rei D. Sebastião, o poema épico Os 
Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, tem como assunto central a viagem de Vasco da 
Gama às Índias (1497 - 1498). As perigosas viagens por mares nunca dantes navegados, o 
contato com povos e costumes diferentes, a exaltação do homem-herói (navegador, soldado, 
aventureiro, cavaleiro e amante) encontram, na euforia antropocêntrica do Renascimento, um 
instante oportuno para o sentimento heroico e conquistador, não apenas dos portugueses, 
mas de toda Europa quinhentista. 
Obra de cunho enciclopédico, o poema narra, além da descoberta do caminho 
marítimo para as Índias, as grandes navegações portuguesas, a conquista do Império 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
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Português do Oriente e toda a história de Portugal, seus reis, seus heróis e as batalhas que 
venceram. Paralelamente a essa dupla ação histórica (a viagem de Vasco da Gama e a 
história de Portugal), desenvolve-se uma importantíssima ação mitológica: a luta que travam 
os deuses olímpicos (o "maravilhoso pagão"), contrapondo Vênus e Marte (favoráveis aos 
lusos) a Baco e Netuno (contrários às navegações). 
Os Lusíadas fundem harmoniosamente os ideais renascentistas, imperialistas e 
nacionalista de expansão do Império, com a ideologia medieval, feudal e conservadoras; a 
mitologia pagã com o ideal cristão; o tom épico na exaltação dos feitos dos navegadores e 
guerreiros e o tom lírico do amor trágico de Inês de Castro; a objetividade e a subjetividade; 
o ufanismo e o espírito crítico; o espírito clássico com acentos maneiristas e antecipação 
barroca. 
O poema divide-se em 10 cantos. Cada canto contém em média 100 estrofes ou 
estâncias. O canto III é o mais curto, com 87 estrofes; o canto X é o mais longo, com 156 
estrofes. O poema todo compõe-se de 1.102 estrofes ou estâncias. Cada uma delas contém 
regularmente 8 versos (oitavas). O poema totaliza 8.816 versos, decassílabos (medida nova), 
predominando os decassílabos heroicos, com a 6ª e a 10ª sílabas tônicas. Há também alguns 
decassílabos sáficos, com a 4ª, a 8ª e a 10ª sílabas tônicas. 
Os Lusíadas são o maior poema da língua portuguesa e a maior expressão de sua 
excelência literária. Camões soube elaborar uma linguagem suficientemente rica e maleável, 
elegante e sonora, com que exprimiu tanto os feitos heroicos e altissonantes, como as 
dolorosas súplicas de Inês de Castro diante de seus algozes ou o desconsolo do eu-poemático 
diante do "desconcerto do mundo" e da decadência de seu país. Os Lusíadas têm cinco 
partes, como a tradição clássica impõe a uma epopeia: 
 
1 - Proposição - É a apresentação do poema, a síntese do assunto. Ocupa as três 
primeiras estrofes. Evidencia algumas características fundamentais da obra: o caráter 
coletivo do herói, a valorização do homem (antropocentrismo), a sobrevivência do "ideal 
cruzada", a valorização da Antiguidade clássica, o nacionalismo (ufanismo), sintaxe rica 
e complexa. 
2 - Invocação das Tágides - É o pedido de inspiração às musas. Camões elege como 
suas inspiradoras as Tágides, ninfas do rio Tejo, "nacionalizando" suas musas. 
3 - Dedicatória ao Rei D. Sebastião - É como menino ainda, como dádiva de Deus, que 
Camões apresenta D. Sebastião na dedicatória. O jovem rei assumiu o trono aos 14 
anos, em 1568, e como a redação do poema consumiu mais de 12 anos, Camões não 
deixa de observar que ele é "novo no ofício" e disso abusam seus conselheiros. O fato 
do jovem rei ser exaltado como símbolo e esperança da pátria, não impede de o poeta 
critique as intrigas palacianas e a ambição de mando e de riqueza dos jesuítas e seus 
aliados. 
4 - Narração - A narração de Os Lusíadas compreende três ações principais: a viagem 
de Vasco da Gama às Índias, a narrativa da história de Portugal e as lutas e intervenções 
dos deuses do Olimpo. São, portanto, duas ações históricas e uma ação mitológica que 
se alternam e se interpenetram no poema. A narrativa começa já no meio da aventura 
do herói, quando Vasco da Gama e os navegadores estão em pleno Oceano Índico, na 
 
LITERATURA PORTUGUESA 
29 
 
costa leste da África, próximo ao Canal de Moçambique. A narrativa histórica termina 
com a partida de Calicute. Camões não narra o regresso a Lisboa. Os acontecimentos 
anteriores são relatados por discursos dos protagonistas humanos (Vasco da Gama e 
seu irmão Paulo da Gama), e os acontecimentos futuros são anunciados por deuses ou 
outras personagens com o dom da profecia. Nessa profusão de episódios históricos, 
mitológicos, proféticos, simbólicos, líricos, guerreiros e romanescos, Camões entremeia 
descrições de fenômenos naturais (a tromba marítima, o fogo-de-anselmo etc) e 
frequentes dissertações poéticas sobre a moral, sobre a desconsideração de seus 
contemporâneos pela poesia, sobre o verdadeiro valor da glória, sobre a onipotência do 
ouro e da riqueza e sobre o destino de Portugal. É uma verdadeira enciclopédia de 
Portugal e do homem renascentista. 
5 - Epílogo - Contém as lamentações e críticas do poeta, suas exortações ao Rei D. 
Sebastião e os vaticínios sobre as futuras glórias portuguesas. São as doze últimas 
estrofes do poema. Contrastando com o tom vibrante e ufanista do início, o tom agora 
é de pessimismo, desencanto e de crítica à decadência do país e aos portugueses de 
seu tempo, esquecidos dos valores nacionais. É uma clara premonição da derrocada de 
Portugal, submetido em 1580 ao domínio espanhol, e da retratação do Império do 
Oriente. Há ainda o sentido de desabafo de Camões, que se queixa da incompreensão 
e das privações pelas quais parece ter passado em seus últimos anos de vida. 
 
Enredo dos CantosCanto I e II - Após as partes introdutórias e a rápida apresentação dos navegadores 
em pleno Oceano Índico, narra-se o Consílio dos Deuses no Olimpo. Convocados por Júpiter, 
os deuses irão deliberar sobre o destino dos novos argonautas. Baco é contrário aos 
portugueses, pois teme que eles superem seus feitos no Oriente. Vênus, e depois Marte, toma 
a defesa dos lusos. Júpiter encerra o consílio, decidindo a favor dos navegadores. Baco, 
inconformado, resolve agir. Assumindo a formas humana de um velho sábio, instiga o 
governador de Moçambique contra os portugueses, põe a bordo da esquadra um traidor, falso 
piloto, arma ciladas em Quiloa e Mombaça. Graças às intervenções de Vênus, das nereidas, 
de Mercúrio e à coragem e astúcia de Vasco da Gama, os portugueses chegam a Melinde, 
terra de muçulmanos que, por obra de Mercúrio, enviado por Júpiter, a pedido de Vênus, 
tinham se tornado simpáticos aos portugueses. Durante os perigos e provações, o capitão 
roga a proteção da Providência Divina e agradece por ela ao Deus cristão, mas quem atende 
às suas preces é Vênus, divindade pagã, meiga e sedutora, deusa do amor, que convence 
Júpiter a ajudar seus protegidos. Paganismo e cristianismo juntos, sem qualquer 
constrangimento. 
Nota: Essa ação mitológica, a disputa entre Vênus e Baco, tem o propósito de elevar 
os navegadores à condição de semi-deuses. Numa clara alegoria, os portugueses, senhores 
do amor e da guerra, protegidos por Vênus e Marte, triunfam sobre os oceanos (Netuno) e 
sobre seus adversários no Oriente (Baco). 
Canto III - Após Camões invocar a inspiração de Calíope, musa grega da poesia épica, 
Vasco da Gama começa a contar ao rei Melinde a história de Portugal. Principia pela 
 
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localização geográfica do país no mapa da Europa: “Eis aqui quase cume da cabeça / De 
Europa toda, o Reino Lusita no / Onde a terra se acaba e o mar começa / E onde Febo repousa 
no Oceano” (Lus., III. 20). Fala das origens de Portugal, do primeiro herói, Viriato, o Pastor 
da Serra da Estrela, que resistiu à dominação romana. Na Guerra de Reconquista, que os 
povos já cristianizados moveram contra árabes invasores, no século XII, surge o Reino de 
Portugal e a Primeira Dinastia, a Casa de Borgonha. O terceiro canto contém a história de 
todos os reis dessa dinastia, destacando-se seu fundador, Afonso Henriques de Borgonha, 
vencedor da Batalha de Ourique, contra os árabes, ao lado de Egas Moniz, símbolo nacional 
de lealdade e honradez. Ainda sob a Dinastia de Borgonha, no reinado de D. Afonso IV, ocorre 
o episódio de Inês de Castro, aquela“que depois de ser morta foi rainha". 
Canto IV - Vasco da Gama prossegue a narrativa da história de Portugal, 
concentrando-se na Segunda Dinastia, a Casa de Avis. Fala da Revolução de Avis (1383 - 
1385), de seu grande herói, D. Nuno Álvares Pereira, da Batalha de Aljubarrota e de D. João 
I, Mestre de Avis, que funda o Estado Nacional Português, consolida a centralização 
monárquica e inicia a expansão ultramarina, com a Tomada de Ceuta, em 1415. A partir do 
reinado de D. Manuel I, o Venturoso, Vasco da Gama começa a narrar os episódios 
preliminares de sua viagem. D. Manuel tivera um sonho profético: os rios Indo e Canges, sob 
forma de dois anciões, profetizam os sucessos e perigos que os portugueses enfrentariam no 
Oriente. Estimulado por esse sonho, D, Manuel I pede a Vasco da Gama que monte uma 
esquadra para concretizar a profecia. Na partida das naus da praia de Belém, um ancião, o 
Velho do Restelo, faz uma enfática advertência contra as navegações portuguesas. 
Canto V - Vasco da Gama conclui a narrativa de sua viagem até Melinde. Fala da 
partida da esquadra, do Cruzeiro do Sul, descreve o fogo-de-santelmo, depois uma tromba 
marítima na costa da Guiné, e a aventura cômica de Veloso. Perto da África do Sul, na 
travessia do Cabo das Tormentas, os portugueses defrontam-se com o Gigante Adamastor, 
monstro disforme que simboliza a superação do medo do “Mar 
Tenebroso” e o domínio do homem sobre as crendices medievais e sobre a natureza. 
De volta a Melinde, Vasco da Gama conclui o seu relato elogiando a tenacidade portuguesa. 
Encenando a primeira parte da epopéia, Camões retoma a palavra para lamentar o descaso 
dos portugueses pela poesia. 
Canto VI - Enquanto os portugueses rumam em direção às Índias, Baco desce ao 
palácio de Netuno e incita os deuses marinhos contra a esquadra de Vasco da Gama. 
Novamente Vênus e as nereidas salvam os navegadores. A bordo da nau capitânea, o 
marinheiro Veloso entretém seus companheiros com a narrativa cavaleiresca de Os Doze de 
Inglaterra: doze portugueses, liderados pelo Magriço, vão à Inglaterra resgatar a honra de 
doze donzelas inglesas ultrajadas por doze cavaleiros bretões. Os navegadores avistam 
Calicute, e o narrador medita sobre o sentido e valor da glória. 
Canto VII e VIII - Vasco da Gama faz contato com as autoridades de Calicute. O 
samorim (= rei) determina ao catual (= governador) que receba os navegadores. Vasco da 
Gama desembarca na Índia, visita o samorim e oferece a amizade dos portugueses, em nome 
de D. Manuel. O catual colhe informações sobre os recém-chegados e, em visita à esquadra, 
indaga Paulo da Gama acerca do significado das figuras desenhadas nas bandeiras lusas. O 
irmão do comandante assume a narrativa e conta os feitos dos heróis da pátria (Viriato, D. 
Afonso Henriques, Egas Moniz, D. Nuno Álvares e outros). Os muçulmanos tramam contra os 
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https://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/o/os_lusiadas_ines_de_castro.php
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https://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/o/os_lusiadas_o_velho_do_restelo.php
https://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/o/os_lusiadas_o_velho_do_restelo.php
https://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/o/os_lusiadas_o_velho_do_restelo.php
 
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cristãos portugueses e envenenam as boas relações com o samorim. Novas ciladas. Vasco 
da Gama é feito prisioneiro. Negocia com o catual sua liberdade, em troca de mercadorias 
européias. O poeta encerra o oitavo canto com dissertação sobre o poder do dinheiro. 
Canto IX e X - Ainda em Melinde, na partida das naus, dois feitores portugueses que 
vendiam mercadorias em Calicute são retidos em terra para retardar a partida das naus e 
permitir que fossem alcançadas e destruídas por uma esquadra muçulmana. Em represália, 
Vasco da Gama retém a bordo vários mercadores indianos. Trocamse os feitores portugueses 
pelos mercadores orientais, o samorim manda devolver as fazendas que os portugueses 
pagaram como resgate pelo capitão, e os navegadores, cumprida sua missão, iniciam a 
viagem de regresso a Lisboa. Os historiadores registram ter sido uma viagem acidentada, 
mas Camões encerra aqui a matéria propriamente histórica do poema. O longo episódio da 
Ilha dos Amorespertence já ao plano mitológico, fantástico. É o congraçamento entre os 
homens e os deuses, a elevação dos navegadores à esfera da imortalidade. 
Vênus decide premiar os navegadores e, numa ilha paradisíaca, reúne as nereidas 
(ninfas marinhas), feridas por Cupido com suas setas, para que ardam de amor pelos 
portugueses. Estes, deslumbrados com o espetáculo divino, passam a perseguir as ninfas 
que se deixam alcançar e se entregam, entre gritinhos de prazer. É a mais clara manifestação 
do pan-erotismo, da ideia de que não há pecado sexual. 
 
Oh! Que famintos beijos na floresta, E que mimoso choro que soava! Que afagos tão 
suaves, que ira honesta, 
Que em risinhos alegres se tornava! 
O que mais

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