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Disciplina: História da Psicologia Por: Profª Ariana Carvalho Objetivo desse encontro: Convidar, os alunos de Psicologia a pensar nas relações dessa área de pensamento com o restante do conhecimento e em suas condições de surgimento. compreender e refletir um pouco sobre a história dos problemas filosóficos que resultaram no perfil do século XX. Nesse sentido, a Psicologia é apenas uma faceta de um contexto mais geral com o qual todos têm contato. Afastamo-nos de uma posição "substancialista", que leva a crer que o mundo psíquico seja uma coisa eterna e imutável, a qual a ciência finalmente teria vindo desvelar. Introdução Essa história é imensa. Ela remonta à filosofia grega e acompanha toda a reflexão filosófica posterior e, mais recentemente, alcança as teorias psiquiátricas até o início de nosso século. A tese básica de Luis Cláudio Figueiredo, em "Psicologia: Uma introdução". Houve duas pré-condições para o surgimento de um projeto de Psicologia como ciência. A primeira seria o surgimento de uma noção clara de subjetividade privada (ou seja, uma afirmação da idéia de que as pessoas são indivíduos livres e, enquanto tais, indivisíveis, separados, independentes uns dos outros e donos de seus destinos. A segunda seria a de que essa concepção de sujeito teria entrado em crise, gerando assim um sujeito em crise de identidade e a procura de um profissional que lhe pudesse restituir a estabilidade. De momento, essa tese pode parecer obscura, mas gradativamente ela irá sendo explicitada. A Noção de Subjetividade Privada De uma forma genérica, podemos dizer que noção de subjetividade privada data do início da Modernidade, ou seja, do Renascimento. Passagem da Idade Média para o Renascimento. A afirmação do sujeito chegará a seu ponto máximo no século XVII e, a partir de então, iniciará uma longa crise até o final do século XIX. No final do século XIX, surgirão os primeiros projetos de Psicologia, já com algumas características definitivas da diversidade que marca esta ciência. Criação do laboratório de Psicofisiologia – Wundt. Século XIX Wundt cria condições para a criação de uma Psicologia experimental, enquanto Freud cria a Psicanálise! Desde o início do Renascimento, alguns autores já se dedicam a mostrar as fraquezas e insuficiências do eu. Isto indicaria a possibilidade de que a Modernidade incluísse procedimentos de auto-crítica e dissolução do eu, além dos clássicos procedimentos de auto-afirmação. Crise da subjetividade privada. A PASSAGEM DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO O Humanismo Moderno passou a afirmar uma concepção de subjetividade privada. O que significa dizer que a noção de subjetividade privada não existiu em um período? Nossa intimidade, existência enquanto sujeitos isolados, solitários – a tônica: “ter um tempo para si”! Solidão e Solitude A Individualidade Hoje é preciso garantir nossa privacidade, diante da alta exigência atual para que dediquemos toda a nossa energia e tempo às atividades consideradas "úteis". Excessivo individualismo é um dos grandes problemas da convivência social atual. A imposição dos interesses pessoais sobre os coletivos, a insensibilidade ao que não nos diz respeito imediatamente, a solidão, a falta de um sentido para a vida, o desrespeito generalizado às leis, o crescimento -como reação a tudo isso- de movimentos ideológicos ou religiosos dogmáticos e violentos, caracterizados pela intolerância para com aquilo que é diferente de si ou do grupo. Indivíduo O termo 'indivíduo/ remete a isto, somos o "átomo" indiviso do mundo humano. Ainda assim, se dermos uma olhada na história dos costumes ou da filosofia, veremos que nem sempre foi assim. Esta afirmação do "eu" parece ter-se construído gradativamente, através de séculos. O "eu" nem sempre foi soberano. A filosofia da Grécia clássica (século V A.C.), certamente menciona algo que poderíamos chamar de humanismo, como uma valorização do ser humano, não submetido à força dos deuses. Mas o Humanismo que coloca o homem no centro do universo tomou forma no Renascimento. Santo Agostinho estaria, com isto, inaugurando os primeiros interesses em uma experiência radical, a experiência passa a ser altamente subjetivada e dependente de nós. INTERIORIDADE HUMANA Resumindo: Pano de fundo para compreensão: Mundo organizado em torno de um centro. Ordem absoluta representada por Deus e seus legítimos representantes: a Bíblia e a Igreja. Cada ser formaria uma grande engrenagem que seria criação divina. A possibilidade de crença na liberdade é muito restrita, já que tudo faz parte de um plano maior, disposto por Deus. Tampouco haveria lugar para a privacidade na medida que a onipresença e onisciência são atributos de Deus, nada poderia ser mantido em segredo. Música: Canto Gregoriano O Humanismo no Renascimento Obra: O Nascimento de Venus . Sandro Botticelli. O Humanismo "O termo 'humanismo' derivado de humanitas, que no tempo de Cícero (106-43 a.C.) designava a educação do homem enquanto considerado em sua condição propriamente humana, correspondendo à palavra grega paideia: a educação por meio de disciplinas liberais, relativas a atividades exclusivas do homem e que o distinguiam dos animais. (...) As chamadas 'humanidades' -poética, retórica, história, ética e política- passam, desse modo, a constituir, sob a inspiração dos antigos, a base de uma educação destinada a preparar o homem para o exercício da liberdade." (...) O Humanismo "Outro fundamento do humanismo renascentista foi a convicção de que o mundo natural é o reino do homem. Esse naturalismo conduziu, paralelamente à afirmação do valor espiritual do homem e que o torna livre, à exaltação do valor do corpo e dos seus prazeres." Se o homem não nasce com seu destino predestinado, ele se deve formar, educar. Nasce a necessidade do "cuidado de si". É comum que tenhamos uma noção da passagem da Idade Média para o Renascimento em termos de história; com a diminuição do poder da igreja e advento da reforma, a crise do sistema feudal e o nascimento das cidades e rotas de comércio, a expansão marítima, etc. Mas raramente consideram- se as mudanças de modo de vida das pessoas implicadas nessas transformações políticas e econômicas. O Humanismo Surge a idéia de liberdade, mas ao mesmo tempo, a de solidão e responsabilidade. Se o homem não pode mais contar com uma resposta dada por uma autoridade absoluta, ele deverá buscar ou construir suas próprias respostas. Este é um dos principais elementos do humanismo. Isso não quer dizer que o homem do Renascimento fosse ateu, mas de certa forma, parece ter se afastado de Deus. No contexto renascentista, não há mais uma certa cena Bíblica que importa, mas a mão do sujeito que deixa sua marca na obra. Assim, surgem os nomes mais conhecidos do Renascimento, como Leonardo da Vinci ou Michelangelo, que, mais que artistas, são gênios de inúmeros talentos. O Encontro com a Multiplicidade O confronto com a diferença fez com que o homem se perguntasse sobre si. O Encontro com a Multiplicidade A multiplicidade é uma característica do Renascimento. A abertura do mundo trouxe o conhecimento de civilizações novas, com seus costumes, línguas, hábitos alimentares, etc. Isto, é claro, acompanha os novos valores segundo os quais o homem (cada um) deve buscar seu caminho. Uma imagem que podemos usar como pano de fundo para essa ilustração é de uma feira livre medieval que agora seu conteúdo está revestido com a abertura da Europa à diversidade cultural do mundo conhecido. Alimentos, temperos variados, tecidos e tinturas, pessoas e animais – comércio, valor de troca, festa, desordem e gritaria. "Há algo de maravilhoso e inquietante na infinitude das variações. O que se pode esperar legitimamente de um mundo infinitamente diverso e surpreendente? Tudo. A credulidade e a liberdade de imaginação do homem renascentista não devem ser julgadas a partirdo modelo 'científico' dos séculos posteriores; elas não são índices de ingenuidade e ausência de espírito crítico. São formas maduras e tolerantes de relação com a diferença, as mais ajustadas a esse momento particular de abertura do mundo."10 (p. 34) Figueiredo. A outra atitude parece ser mais auto-crítica e parece ter tido um lugar considerável no Renascimento. Diante do confronto com a verdade do outro, acaba-se por se colocar em questão a própria verdade, não para substituí- la, mas para tomá-la não mais como única, mas com uma dentre as possíveis. Ou ambas a verdades são válidas, ou ambas inválidas. Na conclusão de sua obra, Todorov apresenta-nos esta formulação paradigmática sobre a questão do outro: "Pois o outro deve ser descoberto. Coisa digna de espanto, já que o homem nunca está só, e não seria o que é sem sua dimensão social. E, no entanto, é assim: para a criança que acaba de nascer, seu mundo é o mundo, e o crescimento é uma aprendizagem da exterioridade e da sociabilidade; pode-se dizer, um pouco grosseiramente, que a vida humana está contida entre dois extremos, aquele onde o eu invade o mundo e aquele onde o mundo acaba absorvendo o eu, na forma de cadáver ou de cinzas. E, como a descoberta do outro tem vários graus, desde o outro como objeto, confundido com o mundo que o cerca, até o outro como sujeito, igual ao eu, mas diferente dele, com infinitas nuanças intermediárias, pode-se muito bem passar a vida toda sem nunca chegar à descoberta plena do outro (supondo-se que ela possa ser plena). Cada um de nós deve recomeçá- la, por sua vez; as experiências anteriores não nos dispensam disso. Mas podem ensinar quais são os efeitos do desconhecimento, (p. 243). Arcimboldo com suas composições de retratos utilizando fragmentos de coisas. Sua série mais conhecida é a das quatro estações, onde constrói expressões humanas combinando elementos típicos de cada época. O efeito é grotesco, mas divertido e instigante Numa citação de Montaigne, um dos mais importantes pensadores do século XVI, encontramos uma articulação do que temos dito: "Em verdade o homem é de natureza muito pouco definida, estranhamente desigual e diverso. Dificilmente o julgaríamos de maneira decidida e uniforme." Música: Polifonia Os Procedimentos de Contenção do Eu Algumas das medidas tomadas para o restabelecimento de referências para a colocação do homem no mundo. Elas estarão voltadas ao próprio eu, na figura do auto- controle. A nova valorização do ser humano e a imposição de que ele construa sua existência e descubra valores segundo os quais viver, aliada a toda a dispersão e fragmentação do mundo, que apontamos acima, levarão à tentativa de criação de mecanismos para o domínio e formação do eu É na formação destes procedimentos -"modos de ser"- que poderemos começar a reconhecer os rumos que levarão à Psicologia. Assim sendo, as experiências subjetivas no sentido moderno do termo e que vieram a se converter em objeto de um saber e de uma intervenção psicológicos devem a sua emergência tanto às vivências de diversidade e ruptura como às tentativas de ordenação e costura, ou seja, a todas as praticas reformistas que implicavam uma subjetividade individualizada e uma tensão sustentada entre áreas ou dimensões de liberdade e áreas ou dimensões de submissão. (...) Como se vê, o 'indivíduo', ao contrário do que o termo sugere, nasce da dispersão e traz uma cisão interior inscrita em sua natureza. Durante a Idade Média, era relativamente difícil explicar como era possível ser responsabilizado por pecar: se a pessoa não era livre e apenas cumpria os planos de Deus, como responsabilizá-la? No Renascimento, a questão pode ser equacionada de outra forma: Deus fez o homem livre para que ele possa ser julgado; ele pode escolher um bom caminho e ser recompensado por isso, mas pode ser desviado dele por tentações e dispersões -e o mundo renascentista as oferece em quantidade- e, então, ser responsabilizado e punido por isso. A questão passa a ser: o que eu devo ser? Como devo me formar? Em termos mais psicológicos, como construir uma identidade? Há vários exemplos de modos de constituição de identidade no Renascimento. Um exemplo concreto de procedimento vislumbrado no século XVI para a constituição de uma identidade coesa, que consiga não se deixar levar pela dispersão. O pensamento religioso, adaptando-se aos tempos como sempre, produzirá, sobretudo através de procedimentos para a afirmação da identidade sobre a dispersão do sujeito, guiando-o de volta a Deus. Santo Inácio parte do mundo renascentista, reconhecendo a liberdade humana, mas constata a perdição do homem e buscará mostrar-lhe o caminho do reencontro com a ordem. Seu procedimento, propriamente humanista, faz escola até hoje: o homem é livre para ser o que é e parece estar perdido; ele precisa e pode, portanto, dirigir sua livre vontade ao caminho correto para se encontrar. Reflexão: É bastante visível o quanto parte daqui a inspiração de um gênero literário de bastante sucesso no final do século XX, chamado "Psicologia de auto-ajuda". A crença na liberdade humana absoluta, que diz que podemos atingir quaisquer que sejam nossos objetivos, envolve um forte sentimento de culpa: se somos o que fazemos de nós, esta infelicidade na qual nos encontramos foi produzida por nós, nós a merecemos. A premissa do título de um livro como "Só é gordo quem quer", poderia ser derivada em "só é pobre quem quer", ou "Só é brasileiro quem quer", etc. A única determinação reconhecida para nosso ser é a própria vontade; todas as determinações históricas, sociais, genéticas, etc, são simplesmente negadas. Referências Bibliográficas Santi, P. L. R. A construção do Eu na modernindade.
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